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UNIVERSIDADE DA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA

CURSO DE ANTROPOLOGIA

Estudante: Leonardo Pontes Ferreira


Disciplina: Relações sociais de gênero e
masculinidades
Professores: Waldemir Rosa

“Fences”: A masculinidade proletária de um mundo segregado

INTRODUÇÃO

É importante, antes de tudo, situar este trabalho no ambiente em que se fez


necessária a reflexão que pretendo fazer. Portanto, mais do que um exercício avaliativo
de uma disciplina, este é o fruto de um processo reflexivo de uma série de encontros-
aulas, de uma disciplina optativa do curso de Antropologia. O espaço de discussão, de
leitura e de exposição de ideias foi orientado pelo debate a respeito das masculinidades e
das relações sociais de sexo, como paradigmas para se pensar a dominação masculina, a
violência contra as mulheres, a homofobia e as diversas desigualdades entre homens e
mulheres, desigualdades essas, fundantes da nossa sociedade.
Debater masculinidade dentro do ambiente masculino da academia é uma tarefa
potente: Faz com que nós homens, pensemos nosso estatuto de masculinidade dentro
dos ambientes em que vivemos, agimos e nos relacionamos – seja com outros homens
ou com mulheres. Esse pensar sobre, faz com que lembremos da nossa própria
socialização, da nossa criação e de todo o longo processo pelo qual nossas identidades
masculinas foram construídas e organizadas.
Com isso, quero dizer que os debates, mesmo que orientados por diversos
autoras e autores, também ocorreram no nível intersubjetivo, entre nós, estudantes
homens e mulheres durante o decorrer dos encontros: A sala de aula se converteu em um
espaço de discussão sobre as nossas próprias vidas. A partir dos deslocamentos
propostos pelas teorias feministas e pelas teorias que tomam o gênero do homem – o
masculino – como categoria, pudemos refletir sobre as nossas próprias relações sociais
de gênero.
É justamente dentro desse espaço que se fez necessária a reflexão que pretendo
fazer, a de tentar conciliar alguns textos da bibliografia da disciplina e sintetizar algumas
ideias principais a partir de uma análise fílmica. Dito isso, seguem-se as minhas reflexões,
e com elas, deixo o convite para que assistam o filme tomado como objeto de análise.
A ESCOLHA DO FILME

Qualquer filme poderia ser tomado como objeto para se pensar as relações
sociais de gênero. Alguns filmes as reafirmam, outros se propõe a discuti-las, de forma
mais ou menos explícita. Mas todos, assim como todas as obras de arte, de modo geral,
dizem muito a respeito da nossa sociedade e das nossas relações sociais 1.
Decidi utilizar o teste de Bechdel2 como parâmetro para escolher algum filme. O
teste que recebe o nome da cartunista norte-americana Alison Bechdel é usado para
avaliar, em filmes, a representatividade das mulheres dentro da narrativa cinematográfica.
O teste leva em conta três regras básicas: O filme deve ter pelo menos duas mulheres
como personagens. Em alguma cena, elas devem conversam uma com a outra sobre
alguma coisa que não seja um homem. Aplicando essas regras em alguns filmes que já
havia assistido, pude escolher um que não passasse no teste.
Assim, o filme escolhido para esta análise é o longa-metragem “Fences” (“Um
limite entre nós”), produzido no ano de 2016. De longe, o filme não passa no teste. O
enredo tem apenas uma personagem feminina como protagonista. Outras personagens
mulheres são apenas citadas pelos personagens. Com isso, no filme não há um espaço
feminino de diálogo uma vez que todos os outros personagens são homens. Então, as
cenas do filme trazem sempre um ou mais homens em diálogo com a única mulher que
ocupa na narrativa um lugar central.
Por outro lado, a minha escolha também se deu pela relevância política que o
filme tem no que diz respeito a representatividade de artistas negros na indústria
cinematográfica: O longa é dirigido por Denzel Washington e o elenco é composto
majoritariamente por atores e atrizes negros, como Denzel Washington, Viola Davis,
Stephen McKinley Henderson, etc. O protagonismo dos artistas negros na produção,
direção e atuação reflete na forma com que os temas do racismo e da segregação racial
são tratados na narrativa do filme.
Espero ter justificado a minha escolha. Tentarei em seguida, apresentar de forma
geral o enredo do filme. Não será uma sinopse, mas uma narrativa do andar da trama,
das relações que se estabelecem e das minhas interpretações guiadas pelas referências
propostas pela disciplina.

1 Ver vídeo “How movies teach manhood?” (“Como os filmes ensinam masculinidade”), de Colin Stokes no seguinte
link: <https://www.youtube.com/watch?v=ueOqYebVhtc>
2 Ver web-reportagem do blog “Geledés” sobre o teste no seguinte link: <http://www.geledes.org.br/este-filme-
passou-no-teste-do-sexismo/#gs.bT_eGpw>
APRESENTAÇÃO DO FILME

O filme “Fences” (“Um limite entre nós”), lançado no ano de 2016 é uma
adaptação cinematográfica da obra teatral homônima, escrita pelo dramaturgo August
Wilson, na década de 80. A trama é um retrato de uma América negra da década de 50 e
de um país atravessado pela descriminação e pela segregação racial.
Essas questões estão presentes em toda a narrativa e aparecem nas relações
que se desenvolvem entre os personagens, que tem classe e tem raça, como marcadores
sociais exclusivos e discriminatórios.
O filme tem um ritmo cotidiano, quase lento, e se desenvolve de forma a
apresentar os personagens e aos poucos, os conflitos entre eles. A história gira em torno
de uma família que vive no subúrbio de Pittsburg (Califórnia), é a família Maxson,
composta por Troy (Denzel Washington), o pai; Rose (Viola Davis), a mãe; Lyons (Russel
Hornsby), o filho mais velho e Cory (Jovan Adepo), o filho mais novo.
É a partir desse núcleo familiar que os os personagens são introduzidos na
história: Jim Bono (Stephen McKinley Henderson), amigo próximo de Troy; Gabriel
(Mykelti Williamson), irmão de Troy, entre outros, que aparecem indiretamente na trama
sendo citados por esses personagens centrais.

Do trabalho para casa

Inicialmente, Troy e Bono, amigos e parceiros de trabalho, estão no meio da rotina


laboral. São lixeiros, ficam na parte de trás do caminhão, recolhendo lixo. Os dois são
negros e são apresentados na história como lixeiros. Eles conversam sobre o trabalho e
falam sobre outros homens, chefes e funcionários superiores a eles, ao que parece,
brancos. “Porque o branco dirige e o negro faz força?”, pergunta Troy, indignado com sua
posição dentro do trabalho. Instância essa, central para se pensar o modelo de
masculinidade que Troy representará na trama do filme.
Em seguida, os dois amigos estão voltando do trabalho depois do expediente,
seguem conversando, mas nesse momento, sobre uma mulher, chamada Alberta. Falam
dela em relação a outro homem, especulando se ele manteve relações sexuais com ela.
Alberta é apresentada como uma mulher ideal e desejada, que outro homem possui
sexualmente para contar vantagem diante dos outros homens. Após falarem de Alberta,
falam de Rose, a esposa de Troy que é apresentada justamente como a esposa. Então,
continuam falando de Alberta, construindo sua imagem, idealizando, leia-se, objetificando
seu corpo.
Esse primeiro momento do filme constrói a esfera pública, relacionada ao
trabalho, universo onde os homens encontram um espaço de socialização idealmente
masculino, para falar do trabalho, das mulheres e do desempenho sexual, logo, dos
objetos sexuais dos homens, as mulheres. É interessante como esse universo nos é
apresentado no decorrer do caminho que os amigos fazem, do trabalho para casa.
Chegando na casa de Troy, os amigos, após a rotina de trabalho, compartilham
tragos de uma bebida alcoólica, signo, este que aparecerá também, em outros momentos,
como elemento que compõe a identidade masculina que Troy e Bono representam. Pela
primeira vez, aparece Rose. Quando ela aparece, há uma delimitação sutil de dois
universos diferentes: O “papo de homem” e o “papo com a mulher”. O primeiro é o
universo dos assuntos de homem, onde falam sobre o trabalho, o sexo e a mulher, como
objeto sexual. Já o segundo, universo dos assuntos do homem com a mulher, ou seja, os
assuntos sexuais. Em relação a isso, Rose tem sua história contada por Troy, como a
história da mulher que um homem encontrou e desposou, através do casamento.
Novamente, é interessante observar o lugar em que a primeira mulher aparece: A
esfera doméstica, o lar, a casa e o domínio privado. Curiosamente ela está trabalhando. O
teor dos assuntos muda quando a esfera muda, no espaço da casa, o assunto é a família,
a economia doméstica, a vizinhança. Nesse espaço, os personagens passam a falar
sobre Cory, o filho mais novo de Troy e Rose, que foi chamado para jogar em um time de
futebol americano.
O esporte é outro signo que aparece atrelado à identidade de Troy, ele jogava
profissionalmente, mas devido à segregação racial e o racismo, não obteve sucesso como
jogador. O esporte não era um espaço para homens negros. Esse assunto está presente
em todo filme e constitui fortemente a identidade de Troy. O problema que nos é
apresentado é o sonho de Cory: Se tornar um jogador de futebol. Troy não concorda que
o filho se iluda com o esporte, acabe desempregado, frustrado, ou que perca tempo (e
dinheiro) tentando chegar em um lugar que é negado aos negros, o mundo dos esportes.
Para Troy, o filho deve se preocupar com a educação e com o trabalho. O desemprego é
um medo intrínseco que assombra a todos.
Em seguida, Tory fala sobre a morte, personagem central na narrativa que conta.
Nesse momento, os dois homens estão de pé, e Rose está sentada, desaprovando o
caminho que o assunto tomou. Mas, Troy fala mais alto, provoca a esposa, enquanto
Bono observa, legitimando e encorajando o amigo a prosseguir, com o mito de como Troy
encarou, desafiou e venceu a morte.
Então, o filho mais velho do casal, Lyons, aparece pela primeira vez na história.
Ele chega e logo se adentra no espaço simbólico dos homens. Os quatro entram na casa
e pela primeira vez acessamos o universo privado do lar da família Maxson. Logo, são
definidos dois outros ambientes distintos: O ambiente da sala, masculino e o ambiente da
cozinha, feminino. Os homens permanecem na sala e a mulher fica na cozinha. Na sala,
eles conversam e Troy começa a dar uma lição de moral para o filho ligada ao valor do
trabalho, do esforço e da responsabilidade do homem em ser racional e trabalhar para
conseguir o que quer.
O motivo: Lyons pede dinheiro emprestado ao pai, ele é casado com Bonnie, que
trabalha e poderia bancá-lo, mas Lyons prefere pedir dinheiro ao pai. Troy não demonstra
interesse em ajudar. Para ele, o filho deve encontrar um emprego digno, próprio aos
negros, que não tem direito e espaço para sonhar. Lyons tenta ganhar a vida como
músico. Rose intervém e empresta dinheiro ao filho, a contragosto de Troy.

Esse primeiro momento do filme constrói o lugar que os homens ocupam na


história. É desenhada a trajetória da volta pra casa de um homem de família, principal
provedor de recursos materiais. São delimitados os espaços masculinos: O trabalho e a
produção. Em contraposição, o espaço feminino é construído em oposição ao mundo dos
homens: O trabalho doméstico e a reprodução.
Portanto, nesse primeiro momento, o filme nos fala da divisão sexual do trabalho,
decorrente das relações sociais de sexo, que começam a ser delimitadas pela história.
Essa divisão “[...] tem por características a destinação prioritária dos homens à esfera
produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a ocupação pelos
homens das funções e forte valor social agregado.” (KERGOAT, 2009, p. 67).
Podemos observar que existe uma separação entre esses universos, onde o
trabalho, naturalmente masculino representa a esfera pública e o trabalho doméstico,
feminino a esfera privada. A narrativa do filme nos apresenta essa separação sexual como
sendo natural, apontando para a ideia levantada por Kergoat de uma “ideologia
naturalista” que norteia a divisão sexual do trabalho, dividindo sexualmente as práticas
sociais do trabalho de acordo com as relações sociais sexuadas.
Junto a essa divisão, entre os mundos que os homens e as mulheres ocupam,
aparece a questão da honra, associada ao poder econômico que um homem tem para
sustentar, como provedor, a sua família. Assim, a honra do homem é modelada segundo a
imagem do homem que trabalha e cuida materialmente da família. É essa honra
masculina associada ao trabalho que aparece nos sermões morais que Troy direciona aos
filhos homens. No entanto, há a questão racial, inerente à posição que a população negra
ocupava na década de 50, em um contexto de segregação de todo campo do social. Por
isso, o tema do trabalho é uma dupla obrigação que os homens da história têm: De
trabalhar ainda mais para conseguir minimamente manter sua honra e a honra da família.

O problema do filho mais novo

Esse segundo momento do filme se inicia no âmbito da casa da família Maxson.


O problema do filho mais novo é aprofundado nas conversas entre Troy e Rose. Cory
apenas foi citado na narrativa até então, mas participa, ocupando um lugar central nos
assuntos dos pais. No entanto, o filho é domínio de Troy, que já tem um caminho
construído para o filho seguir. O caminho do trabalho, que levará o filho ao mundo do
masculino.
Troy reclama que o filho não está em casa trabalhando nas tarefas domésticas
masculinas, mas sim, treinando (futebol americano) a contragosto do pai. Essa tarefa é a
construção da cerca, elemento que nomeia o filme (fence) e que simboliza, na história um
domínio, o domínio da família, e no caso, o domínio masculino-paterno da família. A cerca
irá aparecer outras vezes na narrativa e é um dos elementos centrais da história: Antes
mesmo da família, é a cerca que delimita a honra do macho sobre essa família. Tal como
Miriam Grossi coloca, a manutenção da honra se dá através “[…] dessa necessidade de
delimitação da fronteira daquilo que é o doméstico, daquilo que é a casa, o núcleo
familiar. ” (GROSSI, 2004, p. 11).
Esse problema começa a se refletir na relação entre Troy e Rose, que
desacordam sobre o projeto que têm para o filho: O pai proíbe que o filho jogue futebol e
a mãe apoia o sonho do filho. A tensão entre marido e mulher cresce até que Rose deixa
o marido sozinho. Gabriel (Gabe), irmão de Troy é introduzido na história, ele vem da rua,
cantando para quem queira ouvir. Os irmãos conversam pela primeira vez. Gabe está
falando sobre São Pedro, sobre os portões do paraíso e sobre os cães do inferno. Ele
está delirante, acaba se exaltando e sai, cantando pela rua. Troy fica só, sob os olhares
curiosos da vizinhança.
Gabe é apresentado como um andarilho, vacilante e louco. Iremos saber, no
decorrer da história que ele enlouqueceu depois que serviu ao exército e lutou na guerra.
Aparentemente, Troy está furioso com a aparição do irmão e desconta em Rose, quando
estavam conversando sobre o estado de Gabe. Troy se exalta e num súbito ato de
violência sai de casa, deixa Rose só, que sofre, reclusa, dentro de casa. É o marido quem
sai, vai para o “Troy's”, um bar e um mais um espaço masculino apresentado pela história.
Pela primeira vez, Rose fica sozinha em cena. Ela ocupa esse protagonismo
através do sofrimento que a atitude do marido lhe causou. Esse momento é quebrado
pela primeira aparição de Cory, que repentinamente chega em casa. Rose tenta disfarçar
seu estado e cobra o filho por ele não ter ficado em casa para ajudar o pai com a cerca.
Em um outro momento, Troy e Cory têm uma conversa entre pai e filho, enquanto
trabalham juntos na construção da cerca. Os assuntos fluem, até que o tema do futebol
aparece, primeiro, quando os dois falam sobre jogadores e jogos importantes. A questão
racial dá o tom da conversa, eles falam sobre jogadores negros e jogadores brancos.
Esse assunto evolui até que Troy passa a repreender o filho por ele estar jogando futebol.
O pai não quer que o filho jogue, mas sim, que ele estude, arranje um emprego bom,
especializado e que seja competente, fora do mundo do futebol.
Pela primeira vez, Cory contesta Troy e cobra amor e consideração do pai. É o
primeiro momento da cisão entre pai e filho, conflito que crescerá ao longo da trama. Troy
impõe autoridade sobre o filho e responde ao questionamento de Cory, dizendo-lhe que
não há uma obrigação afetiva que um pai precisa ter com os filhos. Um pai, enquanto
provedor, deve cuidar da família, trabalhando e garantindo o sustento de todos. A
obrigação afetiva caberia a mãe.
Em outros momentos, Troy irá reafirmar sua posição de provedor, posição fria e
calculista. “Eu não tenho lágrimas, já gastei todas” diz Troy, atestando sua posição de
homem em relação a demonstração de sentimentos. Tal como Miriam Grossi
problematiza, os homens são excluídos do mundo dos sentimentos, e a não
demonstração é um atestado de masculinidade. Por isso, a postura de Troy é
exemplificativa da máxima “homem não chora” (GROSSI, 2004).

A promoção e a vida de Troy Maxson

Esse quadro se inicia com um movimento de câmera que retrata uma pintura,
onde estão representados trabalhadores brancos em plena ação de trabalhar. Há apenas
um trabalhador negro representado, que está afastado dos demais. O quadro é ilustrativo
do próprio ambiente do trabalho de Troy, ambiente racialmente segregado, onde os
negros ocupam uma posição inferior e destacada dos demais.
A cena se passa na esfera pública do trabalho de Troy, em um ambiente
movimentado de pessoas. Troy é chamado pelo comissário, que anuncia sua promoção
ao cargo de motorista do caminhão de lixo. A sequência da cena é novamente a volta dos
dois amigos, do trabalho para casa, mas desta vez Troy está eufórico, muito contente com
a promoção. Com a moral elevada, chega em casa expressando para toda vizinhança sua
satisfação. Quando chega em casa, anuncia para Rose a promoção e eles vibram juntos,
num raro momento de felicidade do casal, associado, nesse momento ao sucesso do
marido.
Lyons chega repentinamente em casa, e na conversação que se segue, Troy
questiona o filho pelo seu trabalho duvidoso como músico. Lyons veio devolver o dinheiro
que o pai havia lhe emprestado, mas Troy não aceita por orgulho, mas o filho faz questão
de devolver o dinheiro. Rose intercede, apoiando o filho, até que Lyons devolve o dinheiro
a mãe, que no ato de aceitar, desarticulou a demonstração de orgulho do pai. Lyons
defende o irmão mais novo.
Eles conversam sobre o respeito que se deve ao pai, principal autoridade da
família. Os três bebem, enquanto discutem os deveres de um pai de família. Troy conta
aos demais como foi a sua criação e de como o seu pai o criou para ser um homem. Que
foi a partir de um enfrentamento com seu pai, que Troy se tornou um homem.
Troy segue contando sua vida: Após ter fugido de casa do pai, decidiu ir pra
cidade, em um contexto de segregação racial e de pobreza. Na cidade, teve que roubar
para sustentar Rose, que estava grávida de Lyons. Em um dos assaltos, acabou
esfaqueando um homem, e assim, Troy foi preso e na prisão conheceu Bono.
Após sair da prisão depois de 15 anos recluso, Troy deixou de roubar. Em busca
de honra, procura novamente a esposa e um Lyons já criado pela mãe. Ele precisa provar
que é um homem honrado e honesto para conquistar novamente sua posição de marido.
A narrativa de Troy é uma narrativa orientada pela questão da honra, como constitutiva da
masculinidade que o marido representa: A história de como um homem lutou para
construir sua identidade masculina baseada na honra e na violência.

A (des)construção da cerca

Essa sequência é o ponto onde o conflito existente na família Maxson vai explodir:
Inicialmente, Bono e Troy estão sós, conversando sobre Alberta, a mulher apresentada
desde o ínicio do filme. Bono observa que Troy está muito próximo de Alberta. Eles
conversam enquanto trabalham na cerca.
Mas o que a cerca significa?
Segundo Bono, Rose quer a cerca para manter a família perto, e sobretudo,
unida. O melhor amigo de Troy sabe o que está acontecendo entre ele e Alberta. Por isso,
lembra o amigo que ele deve ser fiel a esposa. Talvez Troy esteja construindo a própria
cerca:
“Como a honra masculina depende exclusivamente das mulheres, os
homens precisam controlar as mulheres: um pai tem que controlar suas
filhas; um marido tem que controlar sua mulher. ” (GROSSI, 2004, p. 12)

Esse signo representa a delimitação de fronteiras entre domínios diferentes.


Observo que há uma discordância entre o marido e a esposa em relação ao que a cerca
representa: A cerca parece ter uma função específica em relação ao que cada um espera
da família e de suas próprias obrigações dentro do núcleo familiar.
Em seguida a conversa que teve com Bono, Troy se dirige até a cozinha, onde
Rose está. Inicia uma conversação com a esposa, contando-lhe sem delongas, sobre a
traição que ele consumou com outra mulher, Alberta. E segue, contando a esposa que
engravidou Alberta e vai ser pai. Rose não demonstra reação, ela está anestesiada pelo
que ouviu do marido.
A notícia gera em Rose uma profunda indignação, ela quer saber o porquê da
traição: Se ela sempre foi a mulher que cabia a ela ser, uma esposa digna, que sempre
serviu ao marido e à família, porque Troy traiu ela? Porque Troy buscou outra mulher para
se completar e sua honra permaneceu intacta. Ele diz a esposa que nesse
relacionamento extraconjugal, ele encontrou espaço para ser um homem diferente, livre
das responsabilidades de pai.
Rose se impõe como pessoa e como mulher. Também fala de seus sonhos e
vontades e sobre como sempre se anulou em função da família, sacrificando muito de si
para manter seu estatuto de virtude e de servidão:
“Virtude que é reconhecida publicamente pela categoria respeito. Uma
mulher de respeito é, portanto, uma mulher que está adequada aos
comportamentos reconhecidos socialmente como femininos. Para as
mulheres casadas, ser uma mulher de respeito está associado à capacidade
de reprodução e de controle de sua prole. ” (GROSSI, 2004, p. 13)
Em uma demonstração de violência, Troy pega a esposa pelo braço, machucando
a esposa. O marido está ao ponto de agredir a esposa, quando Cory intervém de súbito e
enfrenta novamente o pai para defender a mãe. Rose e Cory saem e deixam Troy
sozinho. Ele está muito nervoso.
Na sequência, Troy está construindo a cerca, mas sozinho. É uma cena de
passagem temporal, onde cada personagem aparece só, cada um em um canto da casa.
Rose está na igreja, sofrendo, enquanto outras mulheres cuidam dela, rezando. É a única
cena do filme em que aparecem somente mulheres. Todas elas representadas como
mães sofredoras. A cerca está quase pronta.
A sequência dessas cenas representa a (des)construção simbólica da família
Maxson. É a explosão do conflito entre o marido e a esposa: O marido, com a honra
intacta e a esposa, com a dignidade destruída pela traição do marido. Daí para frente, a
cisão dessa família só irá aumentar.
A morte de Alberta e de Troy

Em uma das últimas sequências do filme, o desfecho começa a ser construído:


Rose e Troy ainda dormem na mesma cama, o telefone toca e Rose atende. Ela recebe a
notícia de que Alberta, amante de Troy, morreu durante o parto. A criança – uma menina –
nasce sadia. Rose dá a notícia a Troy, deixando-o sozinho. Ele está desolado, mas
decidido: Ele vai terminar a cerca para proteger o que lhe resta. Do lado de fora do quarto,
Rose está tão desolada quanto Troy, e é Cory quem lhe dá apoio, explicitamente
indignado com a situação.
No outro dia, Troy chega com a criança e a inocenta, frente a esposa, de qualquer
culpa. “Um homem tem que fazer o que é certo” diz Troy, demonstrando que não se
arrepende de nada que tenha feito, seu orgulho e honra continuam intactos, tanto, que
pede a esposa ajuda para cuidar da filha. Rose, em um gesto de cuidado materno, como
sacrifício do próprio ressentimento, aceita cuidar da criança. Ela toma a criança no colo,
assumindo a maternidade.
Novamente, esse ato é ilustrativo do papel da mãe, representado pela figura da
mater dolorosa (GROSSI, 2004). Fica claro que Rose assume a maternidade da criança e
que não o fez pelo marido e sim pela criança. A sua relação com o marido ainda está
rachada.
O que se segue é o desfecho do que acontecerá com Troy: Ele chega do trabalho
e encontra uma casa vazia, ele está só, e sozinho, ele vai para o bar. Bono o encontra.
Eles não se veem faz tempo, a promoção de Troy e a traição consumada afastaram os
dois amigos. Eles conversam, distantes, sobre o trabalho, sobre a vida. A parceria deles,
que tinham, parece ter acabado. Eles se despedem.
Paralelamente, Cory se recruta para ser um fuzileiro. Chegando em casa,
encontra o pai, que está bêbado. Troy está no caminho do filho, mas não deixa ele passar.
Eles discutem, Cory, novamente enfrenta o pai. E Troy concebe o título de homem ao
filho, aceitando que o filho cresceu, mas cobra do filho uma postura de homem. Com isso,
expulsa o filho de casa. Os dois se enfrentam e brigam. Troy imobiliza o filho e o libera,
expulsando-o definitivamente.
Quando o filho vai embora, Troy fica sozinho. Ele está delirante. Seu momento
chegou. O momento de enfrentar a própria morte, cara a cara. É o ponto do filme em que
os todos os sentimentos de Troy se manifestam de uma só vez. Ele parece estar aliviado.
Passagem do tempo.

O legado de Troy

O último quadro do filme se desenvolve depois de alguns anos da expulsão de


Cory, que passou um tempo servindo como fuzileiro. A sequência nos mostra Rose e
Raynell, a filha de Troy, já crescida. Ela está cuidando do jardim. Dentro da casa estão
Lyons e Bono. Cory se chega e reencontra a família. Todos estão mais velhos.
Os dois irmãos ficam sós, pela primeira vez no filme. O irmão mais velho elogia e
admira o irmão mais novo pelo que ele se tornou, um homem responsável e correto.
Lyons foi preso e no momento, foi liberado para o enterro do pai. Falam de honra. Falam
do pai, que morreu. Lyons ainda é músico, mesmo na prisão ainda toca e é apaixonado
pelo que faz. Cory ainda está ressentido em relação ao pai, parece não estar em luto.
Todos estão reunidos para enterrar Troy. A cerca é o seu legado na casa. “As
coisas não mudaram muito” diz Rose e conta ao filho mais novo como Troy morreu: De
como ele morreu feliz. Cory diz a mãe que não vai ao enterro do pai. Rose fica indignada
e bate na cara do filho, exigindo respeito.
Cory se explica, manifestando seu ressentimento com o pai. Cory é orgulhoso de
si, de sua postura e decisão de não querer enterrar o pai, em um último ato de negar o pai
e tudo que ele representou para o filho mais novo, quando vivo. Rose compara Cory a
Troy, lembrando das qualidades do marido falecido.
Ela lembra de como Troy preenchia a casa com sua presença masculina e
paterna, admitindo seu principal erro: O de não ter delimitado seu próprio espaço de
mulher e mãe da família frente ao marido. Raynell aparece e Rose sai, deixando Cory e a
irmã mais nova a sós. No único momento que compartilham um diálogo. Cory, perdoando
o pai, aceita a irmã e lhe ensina uma velha canção, que Troy contava.
Gabe se junta a família e diz que vai anunciar para os céus que Troy está indo,
avisando São Pedro para ele abrir o portões do paraíso. O céu se abre e a família de Troy
está finalmente (re)unida na cerca, o principal legado do pai à família Maxson.
BIBLIOGRAFIA

GROSSI, Miriam Pilar. “Masculinidades: Uma revisão teórica”. Florianópolis: UFSC.


2004.
KERGOAT, Danièle. “Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo” In:
Dicionário Crítico do feminismo. São Paulo: Editora Unesp. 2009.

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