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CURSO DE ANTROPOLOGIA
INTRODUÇÃO
Qualquer filme poderia ser tomado como objeto para se pensar as relações
sociais de gênero. Alguns filmes as reafirmam, outros se propõe a discuti-las, de forma
mais ou menos explícita. Mas todos, assim como todas as obras de arte, de modo geral,
dizem muito a respeito da nossa sociedade e das nossas relações sociais 1.
Decidi utilizar o teste de Bechdel2 como parâmetro para escolher algum filme. O
teste que recebe o nome da cartunista norte-americana Alison Bechdel é usado para
avaliar, em filmes, a representatividade das mulheres dentro da narrativa cinematográfica.
O teste leva em conta três regras básicas: O filme deve ter pelo menos duas mulheres
como personagens. Em alguma cena, elas devem conversam uma com a outra sobre
alguma coisa que não seja um homem. Aplicando essas regras em alguns filmes que já
havia assistido, pude escolher um que não passasse no teste.
Assim, o filme escolhido para esta análise é o longa-metragem “Fences” (“Um
limite entre nós”), produzido no ano de 2016. De longe, o filme não passa no teste. O
enredo tem apenas uma personagem feminina como protagonista. Outras personagens
mulheres são apenas citadas pelos personagens. Com isso, no filme não há um espaço
feminino de diálogo uma vez que todos os outros personagens são homens. Então, as
cenas do filme trazem sempre um ou mais homens em diálogo com a única mulher que
ocupa na narrativa um lugar central.
Por outro lado, a minha escolha também se deu pela relevância política que o
filme tem no que diz respeito a representatividade de artistas negros na indústria
cinematográfica: O longa é dirigido por Denzel Washington e o elenco é composto
majoritariamente por atores e atrizes negros, como Denzel Washington, Viola Davis,
Stephen McKinley Henderson, etc. O protagonismo dos artistas negros na produção,
direção e atuação reflete na forma com que os temas do racismo e da segregação racial
são tratados na narrativa do filme.
Espero ter justificado a minha escolha. Tentarei em seguida, apresentar de forma
geral o enredo do filme. Não será uma sinopse, mas uma narrativa do andar da trama,
das relações que se estabelecem e das minhas interpretações guiadas pelas referências
propostas pela disciplina.
1 Ver vídeo “How movies teach manhood?” (“Como os filmes ensinam masculinidade”), de Colin Stokes no seguinte
link: <https://www.youtube.com/watch?v=ueOqYebVhtc>
2 Ver web-reportagem do blog “Geledés” sobre o teste no seguinte link: <http://www.geledes.org.br/este-filme-
passou-no-teste-do-sexismo/#gs.bT_eGpw>
APRESENTAÇÃO DO FILME
O filme “Fences” (“Um limite entre nós”), lançado no ano de 2016 é uma
adaptação cinematográfica da obra teatral homônima, escrita pelo dramaturgo August
Wilson, na década de 80. A trama é um retrato de uma América negra da década de 50 e
de um país atravessado pela descriminação e pela segregação racial.
Essas questões estão presentes em toda a narrativa e aparecem nas relações
que se desenvolvem entre os personagens, que tem classe e tem raça, como marcadores
sociais exclusivos e discriminatórios.
O filme tem um ritmo cotidiano, quase lento, e se desenvolve de forma a
apresentar os personagens e aos poucos, os conflitos entre eles. A história gira em torno
de uma família que vive no subúrbio de Pittsburg (Califórnia), é a família Maxson,
composta por Troy (Denzel Washington), o pai; Rose (Viola Davis), a mãe; Lyons (Russel
Hornsby), o filho mais velho e Cory (Jovan Adepo), o filho mais novo.
É a partir desse núcleo familiar que os os personagens são introduzidos na
história: Jim Bono (Stephen McKinley Henderson), amigo próximo de Troy; Gabriel
(Mykelti Williamson), irmão de Troy, entre outros, que aparecem indiretamente na trama
sendo citados por esses personagens centrais.
Esse quadro se inicia com um movimento de câmera que retrata uma pintura,
onde estão representados trabalhadores brancos em plena ação de trabalhar. Há apenas
um trabalhador negro representado, que está afastado dos demais. O quadro é ilustrativo
do próprio ambiente do trabalho de Troy, ambiente racialmente segregado, onde os
negros ocupam uma posição inferior e destacada dos demais.
A cena se passa na esfera pública do trabalho de Troy, em um ambiente
movimentado de pessoas. Troy é chamado pelo comissário, que anuncia sua promoção
ao cargo de motorista do caminhão de lixo. A sequência da cena é novamente a volta dos
dois amigos, do trabalho para casa, mas desta vez Troy está eufórico, muito contente com
a promoção. Com a moral elevada, chega em casa expressando para toda vizinhança sua
satisfação. Quando chega em casa, anuncia para Rose a promoção e eles vibram juntos,
num raro momento de felicidade do casal, associado, nesse momento ao sucesso do
marido.
Lyons chega repentinamente em casa, e na conversação que se segue, Troy
questiona o filho pelo seu trabalho duvidoso como músico. Lyons veio devolver o dinheiro
que o pai havia lhe emprestado, mas Troy não aceita por orgulho, mas o filho faz questão
de devolver o dinheiro. Rose intercede, apoiando o filho, até que Lyons devolve o dinheiro
a mãe, que no ato de aceitar, desarticulou a demonstração de orgulho do pai. Lyons
defende o irmão mais novo.
Eles conversam sobre o respeito que se deve ao pai, principal autoridade da
família. Os três bebem, enquanto discutem os deveres de um pai de família. Troy conta
aos demais como foi a sua criação e de como o seu pai o criou para ser um homem. Que
foi a partir de um enfrentamento com seu pai, que Troy se tornou um homem.
Troy segue contando sua vida: Após ter fugido de casa do pai, decidiu ir pra
cidade, em um contexto de segregação racial e de pobreza. Na cidade, teve que roubar
para sustentar Rose, que estava grávida de Lyons. Em um dos assaltos, acabou
esfaqueando um homem, e assim, Troy foi preso e na prisão conheceu Bono.
Após sair da prisão depois de 15 anos recluso, Troy deixou de roubar. Em busca
de honra, procura novamente a esposa e um Lyons já criado pela mãe. Ele precisa provar
que é um homem honrado e honesto para conquistar novamente sua posição de marido.
A narrativa de Troy é uma narrativa orientada pela questão da honra, como constitutiva da
masculinidade que o marido representa: A história de como um homem lutou para
construir sua identidade masculina baseada na honra e na violência.
A (des)construção da cerca
Essa sequência é o ponto onde o conflito existente na família Maxson vai explodir:
Inicialmente, Bono e Troy estão sós, conversando sobre Alberta, a mulher apresentada
desde o ínicio do filme. Bono observa que Troy está muito próximo de Alberta. Eles
conversam enquanto trabalham na cerca.
Mas o que a cerca significa?
Segundo Bono, Rose quer a cerca para manter a família perto, e sobretudo,
unida. O melhor amigo de Troy sabe o que está acontecendo entre ele e Alberta. Por isso,
lembra o amigo que ele deve ser fiel a esposa. Talvez Troy esteja construindo a própria
cerca:
“Como a honra masculina depende exclusivamente das mulheres, os
homens precisam controlar as mulheres: um pai tem que controlar suas
filhas; um marido tem que controlar sua mulher. ” (GROSSI, 2004, p. 12)
O legado de Troy