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Alcir Pécora
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à convenção
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240 REVISTA USP, São Paulo, n.57, p. 240-243, março/maio 2003


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s operação crítica realizada por Alcir Pécora nos en-

saios reunidos em Máquina de Gêneros deixa-se

ler como um esforço de reapropriação dos textos

literários em uma nova descrição cujo vocabu-

lário é constituído consistentemente com as práticas coetâneas.

Parte desse esforço é aplicada na reinserção de cada objeto parti-

cular no âmbito das exigências previstas para o gênero de discurso

a que pertence. Ambas as operações encontram seu verossímil na

idéia de que o vocabulário crítico consagrado no século XX, reco-

nhecida sua filiação ao idealismo romântico, é insuficiente para a

leitura de textos produzidos antes do século XIX, como são todos

esses estudados por Pécora. Ao tomar como referente preferencial

uma tradição discursiva, os ensaios evitam a noção de reflexo de

uma realidade que não seja também discursiva, logo, carente de

e
uma substância material com a qual se pudesse comparar uma

dada narrativa, a fim de aferirmos o quanto se aproxima ou distan-

cia de um fato objetivo, evitam a noção de que um texto sirva como

mapa dos movimentos do ânimo de um sujeito que encontrou ali

ocasião de expressá-los, evitam ainda a noção, caudatária da mais-

valia do sujeito, de que uma dada realização literária pode ter seu

valor particular emancipado do conjunto de convenções que sub-

venciona a prática de um gênero.

A máquina de gêneros a que o título se refere funciona sistema-

tizando e prescrevendo padrões de comportamento discursivo se-


IURI PEREIRA
gundo as circunstâncias, os gêneros, os temas, os estilos, as moda- é mestrando em Teoria
Literária na Unicamp e
lidades argumentativas, a platéia dentre outras condicionantes, numa editor.

indústria classificatória e normativa da qual a mais lograda tota- Máquina de Gêneros, de


Alcir Pécora, São Paulo,
lização atende pelo nome de retórica, principal operador de leitura Edusp, 2001.

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nos ensaios ora reunidos. Essas leituras não pouco fruto do primeiro método, a conver-
cometem o erro de reduzir o texto a uma são conseguida pela via, certamente dolo-
reprodução passiva de modelos preliminar- rosa, da sujeição política e militar do nati-
mente propostos por manuais de eloqüên- vo. Baliza a escolha entre um método e outro
cia, o que equivaleria a pensar que a leitura uma complexa discussão teológica empre-
de um soneto seria idêntica à de qualquer endida pelos autores da Escolástica sobre o
soneto, dedicando uma atenção decisiva ao modo justo de exercer sobre os índios uma
sentido particular de cada texto, lido em ação civilizadora e salvacionista. Ficamos
relação à prescrição retórica segundo uma sob a advertência do caráter artificioso e
perspectiva relacional e propositiva, evitan- nada espontâneo dos relatos quinhentistas
do a via estreita de condicionalismos in- sobre a fundação do Brasil.
contornáveis. O ensaio “A Sujeição pela Política” pode
No primeiro ensaio do livro, “A Arte ser lido como um desenvolvimento daquele
das Cartas Jesuíticas do Brasil”, Pécora des- dedicado às cartas de Nóbrega, na medida
creve a tradição da ars dictaminis, manuais em que analisa o “Diálogo sobre a Conver-
de orientação para a prática epistolar, pro- são do Gentio” como peça que dramatiza as
pondo com isso que a leitura das cartas posições entre as quais oscilou o ânimo
jesuíticas deva-se fazer forçosamente a missionário de Nóbrega no momento em que
partir da consideração de que se trata de um consigna sua confiança na conversão obtida
gênero cujo uso obedece a uma série de pelo medo. Além disso, evidenciando a di-
pressupostos formais que definem, por mensão prática de um projeto colonizador
exemplo, a extensão, as partes, o assunto e que devia contemplar os reinos de Deus e
o estilo, e não um repositório neutro da dos homens, Pécora descreve a efetivação
experiência missionária. da cidade futura jesuítica na aliança com
Do debate medieval que se travou sobre Mem de Sá na fundação da cidade de São
a questão da boa composição formal do Sebastião, hoje Rio de Janeiro.
gênero epistolar, Pécora retém, entre ou- O ensaio “As Artes e os Feitos” inves-
tras, a idéia de que é um gênero flexível que tiga o que pensaram sobre a arte que prati-
pode adaptar-se a diferentes matérias como cavam Luís de Camões e Antonio Vieira.
mais apropriada à compreensão da produ- Na ausência de reflexões diretas sobre o
ção jesuítica. O ensaio ainda mostrará a assunto, mesmo circunstanciais, com a fe-
importância das cartas como reguladoras liz exceção do “Sermão da Sexagésima”,
da atividade missionária da Companhia de as respostas são procuradas no modo como
Jesus, em cujas Constituciones sua leitura procede cada um dos autores em seu exer-
é dada como um dever, aduzindo passa- cício de letrados. Ambos entendem a arte
gens da correspondência particular do pró- como veículo da memória do feito com a
prio Santo Inácio de Loiola, sobre o decoro função prospectiva de emular e ensejar sua
na elocução epistolar. potencial repetição: “cada um em relação
Todo esse percurso servirá ao propósi- ao seu próprio gênero, compreende a sua
to de mostrar a mudança que a experiência arte como estímulo, louvor e documento
na colônia opera em Manoel da Nóbrega das proezas memoráveis dos antepassados,
no que se refere à eficácia dos modos de de virtudes sublimes dos heróis e de espe-
conversão. O autor nos mostra como ranças futuras do Reino” (p. 138). A com-
Nóbrega, inicialmente propenso à conver- paração proposta entre um poema épico qui-
são pela chamada “via amorosa”, que se nhentista e a obra de um orador cristão que
lograva por meio da pregação, do ensino, viveu no século XVII é das mais provocan-
da doutrina, da realização de ofícios tes e tem que acomodar diferenças funda-
litúrgicos, entre outros, e que precisava mentais, sobretudo de gênero, além das
contar com uma disposição dócil do “audi- relativas ao lapso histórico entre os dois
tório”, pouco a pouco passa a admitir e autores durante o qual Portugal perde e re-
propugnar, fatigado do muito esforço e cupera sua autonomia política. O ponto alto

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do ensaio é a proposição do canto como na retórica antigas. O regime sólido da
participante do feito, em que o poema não convenção é decididamente reclamado no
mais se lê como representação, mas como estudo dedicado aos rondós e madrigais de
uma espécie de desdobramento que paten- Silva Alvarenga, para os quais se supõe
teia qualidades só por meio dele observa- inadequada a crítica de orientação socioló-
das. O próprio poema realiza a condição de gica ou biográfica que atenua a importân-
possibilidade do alcance máximo dos fei- cia da convenção como liame do sistema
tos, daí que Camões, acusando a rudeza clássico e prefere valorizar tudo que se possa
dos capitães portugueses, infere que sua caracterizar como desvio pré-romântico.
incapacidade de ajuizar o valor da arte tor- Neste que é um dos mais brilhantes ensaios
na-os menores do que de fato são. A tópica do livro o objeto se deixa abarcar perfeita-
é consagrada e pode-se ler em Cícero que, mente por um método crítico sempre inte-
em sua oração em defesa do poeta Arquias ressado na mecânica compositiva.
Licínio, conta que Alexandre, apesar de se O livro reúne ao todo nove estudos, seis
fazer acompanhar por uma multidão de deles já haviam aparecido em publicações
oradores, ao passar pela sepultura de coletivas, revistas ou como introduções,
Aquiles, exalta-o como afortunado por ter caso dos ensaios que falam sobre Giovanni
tido um tão alto propagador de suas ações della Casa e Baltasare Castigllione, autores
como fora Homero, sem o qual a terra que de importantes tratados sobre racionalidade
lhe cobria o corpo também lhe teria apaga- e prudência cortesã, os três restantes esta-
do o nome. vam inéditos, dois já mencionados, sobre
O estudo dedicado ao poema A Concei- Silva Alvarenga e sobre o “Diálogo sobre a
ção, de Tomás Antonio Gonzaga, transcri- Conversão do Gentio”, e o terceiro comen-
to e editado pela primeira vez por Ronald tando as máximas de La Rochefocauld.
Polito em 1995, lê o texto a partir da pos- A peça que abre o livro e concatena o
sibilidade de analogia entre sua estrutura e conjunto de intervenções faz as vezes de uma
a estrutura de um julgamento: há uma ação proposição em que o autor declara o alcance
em causa, uma acusação, uma defesa e um e os limites do método crítico proposto.
juiz, além do abono de ostensivos procedi- Nesse texto, em que o objeto é o ambiente
mentos jurídicos e os conseqüentes enco- crítico em que esse pensamento se produz,
lhimento e brevidade das cenas em que se a exigência de historicização da leitura leva
relata o próprio naufrágio, tema central do à tentativa de afinar o vocabulário descriti-
poema. vo da crítica substituindo termos muito in-
Em certa passagem de Literatura Euro- clusivos por outros que carreiam sentidos
péia e Idade Média Latina, Robert Curtius, específicos. O abandono da dicotomia entre
ao tratar das descrições da fauna e da flora aparência e realidade, o desinteresse em
na poesia medieval, conta uma anedota constituir um real ou uma substância sub-
sobre um conjunto de bênçãos medievais sumidos na superfície da expressão fazem
em verso para alimentos que foi por muito com que a perspectiva desses ensaios nunca
tempo considerado importante documento seja finalista, já que não supõe haver uma
histórico que descrevia os suprimentos e verdade a ser perseguida, propondo-se ape-
hábitos de uma cozinha medieval. Mais nas como descrição alternativa e plausível
tarde comprovou-se que se tratava de de objetos literários historicamente situados
versificação de uma lista lexical de manti- segundo suas relações com os domínios
mentos emprestada pelo poeta às Etimo- retórico e poético. Como naquele poema de
logias de Isidoro de Sevilha. A anedota Manuel Bandeira em que se deseja que a lua
serve para mostrar o caráter convencional recupere sua condição de satélite, assim a
da composição literária. Se se quer buscar literatura lida nos ensaios de Alcir Pécora:
os modelos dos leões, cedros e palmeiras “demissionária de atribuições românticas,/
da poesia medieval deve-se buscá-los não Sem show para as disponibilidades senti-
nas florestas ou pomares, mas na poesia e mentais!”.

REVISTA USP, São Paulo, n.57, p. 240-243, março/maio 2003 243

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