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2a edição | Nead - UPE 2013

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

xxxx, xxxxxxxxxxxx
xxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. –
Recife: UPE/NEAD, 2011

48 p.

ISBN -

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

xxxxxxxx
REITOR

Universidade de Pernambuco - UPE


Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado

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NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


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Edição 2013
Impresso no Brasil - Tiragem 180 exemplares
Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro
Recife / PE - CEP. 50103-010
Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664
CONTEÚDOS E MÉTODOS
Em HISTÓRIA
Profa. Msc. Clarissa Barbosa Carga Horária | 60 horas

Ementa
Abordagens teórico-metodológica do ensino da
História nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Discussão de concepções, conceitos, métodos e
propostas curriculares pertinentes ao estudo da
História. Análise e aplicações do cotidiano escolar.

Apresentação da Disciplina
Ao longo dessa disciplina, estaremos discutindo os desafios do Ensino de História, bem como
suas possibilidades. Não estudaremos diversos fatos históricos, pois pensar o ensino de História
é fazer considerações sobre como ensinar esta disciplina, que conteúdos selecionar para o seu
ensino, quais são os conceitos básicos que devemos compreender e discutir. Assim, não se trata
de aprender História. Trata-se de aprender a aprender e ensinar História, a pensar historicamente,
a vislumbrar os caminhos da construção do conhecimento Histórico escolar. Nosso objetivo, por-
tanto, não é estudar História, mas, o seu ensino.
REVISITANDO
O ENSINO DE
HISTÓRIA NO
BRASIL OBJETIVOS específicos
• Estudar o ensino de História no Brasil do
Império à República ( até o período do re-
gime militar);

• Analisar o processo de substituição de His-


tória e Geografia por Estudos Sociais;

Profa. Msc. Clarissa Barbosa • Compreender os objetivos do ensino de


História em Estudos Sociais.
Carga Horária | 15 horas

Introdução
Para compreendermos o ensino de História, atualmente, iremos revisitar a História desse ensino no
Brasil. Iniciaremos conhecendo como era tratada a História no âmbito escolar desde o Império, na
primeira metade do século XX, passando à discussão do ensino de História como Estudos Sociais.

1. ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL: DO IMPÉRIO À


PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX
Desde as escolas elementares ou escolas primárias o ensino de História esteve presente no Brasil.
A diferença desse ensino, ao longo dos anos, vai ser delineada a partir de sua importância no cur-
rículo escolar de cada época, ou seja, seu lugar, seu objetivo na educação de crianças.

Como disciplina História tem seu início com a fundação do primeiro colégio secundário do país, o
Colégio Pedro II, em 1837. A priori, História Universal prevaleceu no currículo. Posteriormente, em
1855, a História do Brasil também é parte do programa, mas, neste caso, no nível secundário. No
decreto de 1827, a abordagem da História do Brasil já era vislumbrada, mas, naquele contexto, a
disciplina ainda era optativa.

Em meados da década de 70 do século XIX, a “História Nacional” torna-se instrumento para cons-
trução da identidade nacional (BITTENCOURT, 2008). Até então, História era abordada em sala de
aula como instrumento de leitura, para fornecer textos para alfabetização. Daí, percebemos que
cada contexto (político, social e econômico) influencia no modo de ensinar História, no espaço
que ela tem no currículo.

capítulo 1 7
Ainda na década de 70 do século XIX, havia
a influência do cientificismo. São introduzidas:
História Natural, História e Geografia Univer-
sal, História do Brasil e História Regional (per-
manecendo o objetivo do domínio da leitura e
instruir-se cívica e moralmente) (BRASIL, 1997).

Figura 01 - http://www.cp2centro.net
Figura 02 - http://blog.educacional.com.

A religião católica influenciava os objetivos da


educação e, por sua vez, os do ensino de His-
Com as mudanças do cenário político de Im-
tória. Sabemos que a educação brasileira foi
pério à República, com a abolição da escravi-
marcada pela influência direta dessa religião,
dão, no final do século XIX, a educação e, por
desde o seu início. No período do Império,
sua vez, o ensino de História também tem suas
quando encontramos evidências do ensino de
modificações. Na educação será mais reforça-
História, ainda optativo (Decreto das Escolas
do o propósito do civismo. Estando na Repú-
de Primeiras Letras, de 1827), podemos iden-
blica, haverá a preocupação de educar o cida-
tificar que este “misturava-se” com o ensino
dão, ensiná-lo a ler, escrever e a ser patriótico.
religioso. Este último prevalecia em detrimento
“O conceito de cidadania, criado com o auxílio
a qualquer outra disciplina (BRASIL, 1997).
do estudo da História, serviria para situar cada
Se do ponto de vista do programa curricular a His- indivíduo em seu lugar na sociedade: cabia ao
tória no Império dividiu-se entre a História Profa- político cuidar da política, e ao trabalhador co-
na e a História Sagrada, o mesmo não se poderia mum restava o direito de votar e de trabalhar
afirmar sobre a história ensinada (...) As disciplinas dentro da ordem institucional” (BITTENCOURT,
consideradas facultativas raramente eram ensina-
das, o que fez a História Sagrada predominar so-
2008, p.64).
bre a História Civil nacional (BRASIL, 1997, p.20).
O ensino elementar foi tomado como espaço
O enfoque moral e cívico estava atrelado à mo- estratégico para atingir estes objetivos e o en-
ral religiosa nas escolas elementares. “Esta pre- sino de História também teve papel civilizador,
dominava nos textos escolares, sendo comum a começar pela substituição da História Uni-
a utilização de preleções com histórias sobre versal pela História da Civilização. Até então,
a vida dos santos, personagens que serviam a História Universal tinha uma abordagem bí-
como exemplo de caráter, de moral e de fé” blica, da Gênese. Já na República, passa a ser
(BITTENCOURT, 2008, p. 62). destacado conteúdo como Egito e Mesopotâ-
mia, que abordassem a questão da civilização.

8 capítulo 1
Figura 03 - http://portalsaofrancisco.com.

História Pátria era estudada com vistas ao civis-


mo, em busca de um passado comum e de heróis
nacionais. Era necessário ser construída a ideia
de nação, pois se fazia requisito à República.
da Pátria) vai fazer parte central do cenário das
Os programas de História do Brasil seguiam o mo- escolas primárias (BITTENCOURT, 2008). Nesta
delo consagrado pela História Sagrada, substituin- época, vemos a introdução dos Estudos Sociais
do as narrativas morais sobre a vida dos santos por
ações históricas realizadas pelos heróis considera- “no currículo escolar, em substituição a Histó-
dos construtores da nação, especialmente gover- ria e Geografia, especialmente para o ensino
nantes e clérigos. A ordem dos acontecimentos era elementar” (BRASIL, 1997, p. 21).
articulada pela sucessão de reis e pelas lutas contra
os invasores estrangeiros, de tal forma que a His-
tória culminava com os grandes eventos da Inde-
No próximo tópico, daremos continuidade à
pendência e da Constituição do Estado Nacional, abordagem histórica do ensino de História.
responsáveis pela condução do Brasil ao destino de Adentraremos na discussão sobre História e Es-
ser uma grande nação (BRASIL, 1997, p.20). tudos Sociais, apresentando como a disciplina
foi se configurando e reconfigurando a partir
As “tradições nacionais” deveriam ser trabalha- de seus contextos, bem como suas implicações.
das no ensino de História. Nos livros didáticos,
do início do século XX, vemos o patriotismo
como o assunto central. A História da Pátria era
ensinada tendo como conteúdo: a riqueza da 2. ESTUDOS SOCIAIS X
terra brasileira, do clima, da gente mestiça, da HISTÓRIA: A
história dos portugueses. Mas, vários grupos
questionaram esse ensino civilizador ao longo
REORDENAÇÃO
da Primeira República, pois acreditavam que os CURRICULAR
europeus impunham o sentido de “civilização”
para o resto do mundo (BITTENCOURT, 2008).

Esse projeto de ensino de homogeneização da cul-


tura histórica foi, entretanto, polêmico, havendo
alguns educadores e historiadores que se opuse-
ram a uma história exclusiva da elite branca, com
os olhos voltados para a Europa e para a evoca-
ção de um mestiçagem na própria construção da
sociedade brasileira (BITTENCOURT, 2008, p. 65)

Até os anos 30 existe o confronto, portanto, so-


bre os conteúdos. Mas, a partir dessa década,
busca-se uma unificação do ensino de História
em todo o país. A consolidação da memória
histórica nacional e patriótica (culto aos heróis Figura 04 - http://umaeducadora.blogspot.com

capítulo 1 9
Desde a década de 30 ao final da década de
Figura 06 - http://estantevirtual.com.br
70, há um avanço dos Estudos Sociais no es-
paço curricular. Na mesma época em que o
O conteúdo de História, então, foi sendo alte-
Programa de Ciências Sociais é lançado, em
rado até que a disciplina Estudos Sociais viesse
1934, propondo Estudos Sociais estar nos cin-
a fazer parte do sistema nacional de ensino. Es-
co primeiros anos da escola elementar, “Estu-
tudos Sociais eram concebidos para contribuir
dos Sociais” torna-se matéria da formação de
para integrar o aluno na sua comunidade e para
professores primários da Escola de Professores
que ele pudesse “apreciar a natureza e as leis da
do Instituto de Formação (FERNANDES, 2008).
vida social, adquirir o senso de responsabilida-
As ideias do Programa de Ciências Sociais re-
de em uma sociedade, participar da promoção
cebiam influências de vertentes americanas,
do bem-estar da população em geral e acredi-
inclusive do pensamento de Dewey, que de-
tar em uma comunidade mundial que incluísse
fendia o convívio social e acreditava que o co-
toda a humanidade” (FERNANDES, 2008, p.1).
nhecimento não precisava estar dividido.

Figura 05 - http://materialismofilosofia.blogspot.com

Somado a isso, o “clima” do contexto pós Se-


gunda Guerra Mundial (1939-45) exigia uma
nova configuração da educação. No lugar do
conteúdo sobre guerras, a Unesco interferia
nos materiais didáticos, verificando se havia
Figura 07 - http://livraria.folha.com.br
ideias racistas e preconceituosas, propondo
conteúdo humanístico e pacifista, bem como Não se evocava um passado mais distante nas
estudo das sociedades. História deveria ser uma aulas de Estudos Sociais. Temas como bairro,
disciplina para formar o cidadão pacífico. Fala- família, rua: o local, o escolar eram privile-
va-se em cidadania para a paz (BRASIL, 1997). giados nesse ensino. Estes temas eram abor-

10 capítulo 1
dados de forma estanque, como se nenhum
desses espaços tivessem uma relação entre
si, caracterizando-se como um conhecimento
fragmentado.

Ainda eram reforçadas pelo ensino de Estudos


Sociais noções como: pátria, nação, igualda-
de, liberdade, bem como a valorização dos he-
róis nacionais dentro de uma ótica que tentava
legitimar, pelo controle do ensino, a política do
Estado e da classe dominante, anulando a liber-
dade de formação e de pensamento. A escola,
por meio destes conteúdos, tentava garantir a
legitimação e o controle da História pelos seto-
res dominantes, reforçando a fragmentação do
conhecimento e a organização curricular, tornan-
do o ensino informativo, reprodutivista e superfi-
cial, neutralizando, de acordo com os interesses
vigentes, as noções de espaço, tempo, relações
sociais, trabalho e outras (URBAN, 2011, p.2).

O desenvolvimento da disciplina era funda-


mentado na psicologia. A ideia era que a crian-
ça fosse sendo introduzida aos temas sociais quarta série a criança pode aprender História.
de acordo com sua faixa etária. A abordagem Vejamos dois momentos em que o documento
dos temas era, portanto, progressiva. Só a par- aponta claramente essa questão.
tir dos oito anos, por exemplo, é que a criança
era considerada capaz de recuar no tempo e [...] a criança que já se habituou a informar-se so-
pensar outros espaços. Mas, apenas a partir de bre a evolução das coisas que a cercam poderá
chegar a certa sistematização dos fatos históri-
nove anos é que vários autores concordavam
cos, sem perder o interesse ante o afastamen-
ser a idade para a introdução aos estudos his- to no tempo e no espaço. [...] a criança de dez
tóricos (BITTENCOURT, 2008). anos, apreendendo mais nitidamente as relações
de causa e efeito, encontrará na lógica dos fatos
outro apoio de valor (1962, p. 236 apud URBAN,
2011, p. 5).

[...] cabe aqui esclarecer que a aprendizagem


em História se inicia, propriamente, no 4º.
Ano, quando a criança vai amadurecendo para
a conceituação de tempo histórico. A noção de
tempo vai sendo adquirida aos poucos, des-
de o 1º. Ano, tendo mesmo constituído uma
de nossas preocupações constantes, por ser de
gradativa apreensão, pela criança, dificultando
sobremodo o curso de História na escola pri-
mária (1962, p. 19 apud URBAN, 2011, p. 5).

O conteúdo deveria ser trabalhado seguindo


a ordem dos estudos espaciais: do mais próxi-
mo ao mais distante. Este era o princípio de
seleção de conteúdos dos “círculos concênc-
tricos”. O conhecimento histórico abordado
era diminuto, integrando o conteúdo de Ge-
Figura 08 - http://submarino.com.br ografia local e Educação Cívica. Os símbolos
pátrios eram trabalhados, tais como hinos
Os “Estudos Sociais na Escola Primária” era um e bandeira. A discussão sobre cidadania se
manual para instruir os professores nesse en- restringia em falar em voto ou serviço militar
sino. O documento expõe que só a partir da (BITTENCOURT, 2008).

capítulo 1 11
Estudos Sociais veio a subs-
tituir História e Geografia. A
disciplina somava os conheci-
mentos históricos ao de Edu-
cação Moral e Cívica, a temas
de Geografia Humana e ainda
da Sociologia, da Economia
e da Antropologia Cultural.
“Houve sempre certa dificul-
dade em estabelecer efetiva-
mente os conteúdos históri-
cos dos Estudos Sociais, em
Figura 09 - http://museudainfancia.unesc.net consequência da condição de
síntese que a área tendia a de-
As datas cívicas e as comemorações dos feitos dos sempenhar” (BITTENCOURT,
heróis e “dos grandes acontecimentos nacionais” 2008, p. 73,74).
eram, na prática, os únicos “conteúdos históri-
cos” para alunos dessa faixa etária. A comemora-
ção ou rememoração da “descoberta do Brasil”,
Bittencourt (2008) alega que
da “independência do Brasil”, da “abolição dos a mistura das disciplinas visava à constituição
escravos” e da “proclamação da República” tor- de “ciências morais” e lembra que Delagado
nou-se sinônimo de “ensino de História” para as de Carvalho, um dos precursores dos Estudos
séries iniciais (BITTENCOURT, 2008, p.76). Sociais, via estes como área de formação de
valores morais.
Vale ressaltar que não foram todas as escolas
que adotaram “Estudos Sociais” como discipli- Estudos Sociais foi, então, tomando um caráter
na. Durante a década de 60, apenas algumas ideológico, através do qual buscou-se justificar
escolas – experimentais – passam a ter o ensi- o governo militar (BRASIL, 1997). Como diz
no de Estudos Sociais. É na década de 70 que Urban, “Nessa direção os conteúdos da Histó-
este foi introduzido em todo sistema de ensino ria e da Geografia foram diluídos dando lugar
(Lei n. 5.692/71) - período da ditadura militar. aos Estudos Sociais que, de certa forma, jus-
tificavam o projeto nacional organizado pelo
governo militar implantado no País a partir de
1964” (2011, p. 1). Assim, podemos vislum-
brar os resultados dessa mudança curricular e
política (vemos aí que currículo é política!): o
conhecimento histórico é fragilizado, desarti-
culado, descaracterizado.

Considerando o momento histórico de vivência


em um mundo difícil e conturbado, os Estudos
Sociais já não se poderiam limitar a desenvolver
um espírito patriótico e nacionalista de feição
ufanista, mas deveriam criar meios de frear as in-
quietações de uma geração em um mundo sub-
metido a um ritmo acelerado de transformações
de seus valores tradicionais, tais como família, as
condições de trabalho e a ética (BITTENCOURT,
2008, p. 74)
Figura 10 - http://estantevirtual.com.br

12 capítulo 1
Figura 11 - http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011_05_01_
archive.html

Sabemos que toda atividade que propiciasse


a reflexão, a construção de um pensamento
crítico, o desenvolvimento da argumentação
e proposição era visto como ameaça e passa-
va a soar como crime no período da ditadu- Sociais foram instituídas pelo governo dos mi-
ra militar. As pesquisas históricas dessa época litares, através da criação dos cursos de Licen-
voltavam-se, entre outros, para os conflitos de ciatura Curta. Quem lucrou com essa iniciativa
classes sociais e isso também afrontava os mi- foram as entidades privadas de ensino supe-
litares. Não se podia falar sobre participação rior. Além disso, “Buscava-se, como já foi dito,
política, debate, crítica. A abordagem do co- subtrair as características críticas presentes nos
nhecimento histórico, com os Estudos Sociais, conteúdos das Ciências Sociais. Daí o interesse
passou a ter outro objetivo. Vejamos o que Ro- em se dar um caráter superficial à formação
cha (2002) fala sobre isso. dos “especialistas” responsáveis pelo ensino
das matérias da área de Estudos Sociais” (RO-
No cerne da questão estava a disputa pela direção
CHA, 2002, p. 41).
das consciências, ou seja, pelos aspectos da rea-
lidade que deveriam ser ou não enfatizados (...)
Assim, conteúdos da História, pinçados da tra-
dicional narrativa histórica, passaram a integrar
o que se denominou de área de Estudos Sociais,
que na verdade abarcava também fragmentos de
outras disciplinas, como Geografia, Sociologia,
Antropologia etc. Uma vez despidos da lógica
original que organizava essas disciplinas, os con-
teúdos passavam a submeter-se, na nova matriz
que os acolhia, aos interesses ligados à manu-
tenção da ditadura (ROCHA, 2002, p. 34-35).

Quanto aos professores de Estudos Sociais, es-
tes deveriam se utilizar de mais tempo para o en-
sino da disciplina, uma vez que reunia conheci- Figura 12 - http://blogs.ocorreiodopovo.com.br/caricato/mais-uma-do-henfil/
mentos de diversas áreas. Vale lembrar que tais
professores tinham baixos salários. O “aligeira- Os conhecimentos abordados nesses cursos,
mento” da formação desses professores poliva- naturalmente, não eram voltados para espe-
lentes também era outro fator que contribuía cificidades. Tais conhecimentos tinham carac-
para os entraves do ensino de Estudos Sociais. terísticas escolares. “Isso prejudicou o diálogo
entre pesquisa acadêmica e conhecimento es-
Neste contexto educacional, a lógica capita- colar, bem como atrasou as necessárias intro-
lista era aplicada. O sistema educacional tam- duções de reformulações dos conhecimentos
bém era pensado para reduzir custos. Essas históricos e das ciências pedagógicas no âmbi-
formações aligeiradas do professor de Estudos to escolar” (BRASIL, 1997, p. 23).

capítulo 1 13
sultados indicam a presença de um conteúdo e/
ou orientações mediadas por elementos pedagó-
gicos e psicológicos e o conteúdo passou a ver
visto muito mais em função do seu interesse e
adequação aos alunos (URBAN, 2011, p.13).

As matérias escolares, de um modo geral, so-


freram um momento de despolitização. Porém,
Ao tentar distinguir as Ciências Sociais dos Es- não podemos ser deterministas e acreditar que
tudos Sociais, Delgado de Carvalho argumen- o ensino, mesmo que não se caracterizasse
tava que sendo de História, não era comprometido em
questionar a realidade.
Enquanto a primeira é resultado de estudos cien-
tíficos, “desinteressados e elevados”, os Estudos Podemos imaginar que estes anos de despoli-
Sociais, apesar de pertencer ao mesmo campo de tização deixaram “lacunas” na formação dos
saber, seu objetivo não era propriamente a inves-
tigação, mas sim o ensino, a “vulgarização”. Para estudantes e por que também não podemos
ele, o seu propósito não era “fazer progredir a dizer dos professores? Os conceitos históri-
ciência, mas educar. Sem ser ciência normativa, cos não eram trabalhados. Não se procedia
as Ciências Sociais” guiavam os estudos sociais e a uma leitura da História. Rocha (2002) diz
os levavam “a conclusões práticas, instrutivas e
que o aluno tem um novo perfil caracteriza-
úteis” (BITTENCOURT, 2008, p.74).
do pelas dificuldades de leitura, escrita, voca-
bulário, dificuldades estas para as quais era
Os manuais didáticos voltados à formação de
voltada a atenção do professor no ensino de
professores também retratam os limites do en-
História, restringindo tal ensino às soluções
sino de Estudos Sociais. Vejamos o que a pes-
desses problemas.
quisadora Ana Cláudia Urban analisou no seu
trabalho sobre manuais de Didática dos Estu-
Rocha (2002) tenta fazer um balanço desse
dos Sociais.
período. Ele diz que

Os danos cognitivos causados pela substituição


da História e da Geografia por Estudos Sociais
são difíceis de serem avaliados, mas certamente
foram grandes. Por outro lado, a pretensão de
se introduzir conhecimentos sociológicos e an-
tropológicos não foi concretizada, sobretudo em
face das diferenças da formação de grande parte
dos docentes nessas áreas. O retorno das duas
disciplinas deveria, pois, estancar esses prejuízos
(ROCHA, 2002, p. 45).

Como disse Rocha (2002), não podemos preci-


sar as perdas à formação aos alunos e professo-
res com tal configuração do ensino de História
através da disciplina Estudos Sociais, mas uma
Figura 12 - http://produto.mercadolivre.com.br
das consequências que os autores em que nos
apoiamos convergem é sobre a despolitização
(...) Os manuais apresentam o que Fernandes desse ensino, à resumida e descaracterizada
Cuesta (1998) chama de “história com pedago-
abordagem histórica, a descontextualizada
gia”, porque ressaltam e valorizam aspectos pe-
dagógicos como fundamentais para um ensino abordagem do local (cidade, bairro, rua), ao
cujo objetivo era formar verdadeiros cidadãos. enfraquecimento do diálogo entre professores
da educação básica e universitários, a redução
No caso específico do ensino de Estudos Sociais, do conhecimento histórico em conhecimento
o processo de pedagogização dos conteúdos nos
manuais didáticos voltados à formação do pro-
escolar, as dificuldades da escrita, leitura, vo-
fessor esteve intrinsecamente articulado, particu- cabulário e conceitos históricos.
larmente, aos projetos de política educacional a
partir da década de 1970. Nessa direção os re-

14 capítulo 1
A partir da década de 80, se fortalece o debate
sobre o retorno de História e Geografia e reti-
rada dos Estudos Sociais. Essa é uma discussão
que vamos fazer no nosso próximo capítulo.
Iremos contextualizar esse retorno e analisar as
novas propostas para o ensino de História.

RESUMO
Como vimos, no Império o ensino de História
se confundia com o ensino religioso. Além dis-
so, a disciplina era vista como um instrumento Saiba Mais:
para desenvolvimento da escrita e a leitura dos
alunos. Nesse período, já havia o enfoque mo- BITTENCOURT, Circe. Conteúdos e métodos de
ral e cívico que também se identificava com ensino de História: breve abordagem Histórica.
In: __________. Ensino de História: fundamentos
elementos do ensino religioso, ou seja, era e métodos. São Paulo: Cortez, 2008 (p. 59-67 e
ensinada uma moral religiosa, com estudo da 72-76).
vida dos santos, etc.
FERNANDES, Antonia. Estudos Sociais no con-
texto da História Brasileira nas primeiras décadas
No início da república, o ensino de História
do século XX. Anais do XIX Encontro Regional de
tem caráter civilizador. Educar o cidadão - su- História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP –
jeito que deveria saber ler, escrever e contar, USP. 08 a 12 de setembro de 2008. http://www.
bem como reconhecer seu lugar na sociedade anpuhsp.org.br/sp/downloads/CD%20XIX/PDF/
- era objetivo do novo sistema político. A ideia Autores%20e%20Artigos/Antonia%20Terra%20
de%20Calazans%20Fernandes.pdf
de nação, de identidade nacional também de-
veria ser trabalhada nas aulas de História. As
tradições nacionais, portanto, eram conteúdos
da disciplina objetivando o “espírito” patrióti-
co e cívico. Atividades:
A partir de 1930, há um movimento de subs- 1. Estabeleça relação do documento abaixo
tituição da disciplina História, por Estudos com o período do ensino de História estuda-
do e suas características.
Sociais. A ideia de Dewey “do conhecimen-
to ser integrado” foi usada como argumento A História deve se iniciar por pequenos con-
para essa substituição. História, então, veio a tos históricos, que [serviriam] para despertar
somar-se à Geografia, além de Moral e Cívica a curiosidade dos alunos, interessá-los neste
e a outros conhecimentos das Ciências Sociais gênero de estudos; depois vêm as notícias
biográficas dos personagens célebres – epi-
como Antropologia e Sociologia. Estudos So- sódios importantes da História de cada povo,
ciais só passou a ser disciplina na década de noções sobre a origem, vida e costumes de
70. Através desta o aluno deveria aprender so- cada um-, um esboço geral da História Uni-
bre seu bairro, cidade e escola, porém, a abor- versal, com o desenvolvimento de certas
épocas que mereçam estudos especiais (Pro-
dagem destes temas era descontextualizada.
postas um educador sobre o ensino de His-
Em Estudos Sociais, o aluno deveria aprender tória para as escolas elementares, em 1879)
a ser cidadão, um sujeito que se adapta à so- (In: BITTENCOURT, Circe. Conteúdos e méto-
ciedade, às suas regras, para o bom convívio dos de ensino de História: breve abordagem
social. A disciplina era moralizante e refletia os Histórica. São Paulo: Cortez, 2008. p. 92).
objetivos do regime militar. Dentre as conse-
quências da proposta dessa disciplina estão a 2. A partir do que estudamos, construa um bre-
ve texto analítico sobre o documento abaixo.
ausência dos conceitos históricos e abordagem
estanque dos temas, bem como a despolitiza- O roteiro, que sugerimos para o estudo
ção de História. da localidade, será usado, também, para

capítulo 1 15
REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais. História e
Geografia/ Secretaria de Educação Fundamen-
tal: Brasília: MEC/SEF, 1997.

BITTENCOURT, Circe. Conteúdos e métodos de


ensino de História: breve abordagem Histórica.
In: __________. Ensino de História: fundamen-
tos e métodos. São Paulo: Cortez, 2008.

FERNANDES, Antonia. Estudos Sociais no con-


texto da História Brasileira nas primeiras dé-
cadas do século XX. Anais do XIX Encontro
Regional de História: Poder, Violência e Exclu-
são. ANPUH/SP – USP. 08 a 12 de setembro de
2008. http://www.anpuhsp.org.br/sp/downlo-
ads/CD%20XIX/PDF/Autores%20e%20Artigos/
Antonia%20Terra%20de%20Calazans%20Fer-
nandes.pdf

ROCHA. Ubiratan. Estudos Sociais: contex-


to político e racionalidade econômica. In:
________. História, Currículo e cotidiano esco-
lar. São Paulo: Cortez, 2002.

URBAN, Ana Cláudia. Manuais de Didática de


desenvolver o estudo do município, que vem
a ser uma aplicação e ampliação dos conhe- Estudos Sociais como fonte para o código dis-
cimentos já adquiridos. [...] Apresentando ciplinar da Didática da História. Anais Eletrôni-
o “mapa mudo” do município, [...] explicar, cos do IX Encontro Nacional dos Pesquisadores
que o desenho representa o município. Dizer do Ensino de História 18, 19 e 20 de abril de
o nome, dando assim o motivo para que os
alunos queiram saber a razão dele; vem daí o
2011– Florianópolis/SC. http://abeh.org/traba-
histórico do município. Fazer com que os alu- lhos/GT07/resumoana.pdf
nos localizem o fato histórico no espaço, cor-
relacionando a geografia à história (Manual
do professor primário do Paraná”, volume 2,
1964, p.180 In: FERNANDES, Antonia. Estu-
dos Sociais no contexto da História Brasileira
nas primeiras décadas do século XX. Anais
do XIX Encontro Regional de História: Poder,
Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. 08 a
12 de setembro de 2008. p. 8).

3. Faça o exercício de entrevistar pais, amigos,


colegas sobre o que recordam ter estudado
na disciplina “Estudos Sociais”. Procure esta-
belecer relações do material que você conse-
guiu e o que você estudou sobre o ensino da
disciplina. Através dessa atividade, você terá
um pequeno exemplo das representações
sobre Estudos Sociais.

16 capítulo 1
ENSINO DE
HISTÓRIA: ENTRE
AS PROPOSTAS OBJETIVOS específicos
CURRICULARES • Contextualizar a reinserção da História nas

E A SELEÇÃO DE séries iniciais;

CONTEÚDOS
• Discutir os objetivos do ensino de História;

• Conhecer, de forma geral, as propostas


curriculares para o ensino de História;

• Refletir sobre a seleção dos conteúdos para


o ensino de História;
Profa. Msc. Clarissa Barbosa
• Conhecer o conteúdo do ensino de História
Carga Horária | 15 horas para os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Introdução
A década de 80 do século XX apresentou vários debates sobre o ensino de História. Um deles, e
inicial, foi sobre o “retorno” da disciplina. As propostas curriculares começam a ser construídas, e
aí surge o debate sobre os objetivos do ensino de História, sobre a revisão dos conteúdos e méto-
dos. Quanto a este último, iremos estudar no capítulo 4. Os objetivos do ensino de História tam-
bém eram repensados pelo fato de os próprios objetivos gerais estarem sendo redefinidos a partir
da nova Constituição. Em 1997, os conteúdos são unificados no território nacional, por meio dos
Parâmetros Curriculares Nacionais voltados para o que chamamos, hoje, de Ensino Fundamental.
Mesmo sendo orientações do PCN, temos que fazer algu-
mas reflexões para procedermos à seleção de conteúdos
a serem ensinados.

1. O RETORNO DA HISTÓRIA E
OS NOVOS DESAFIOS
A década de 80, no Brasil, é marcada pela “reabertura”
política. Em 1979, o Congresso votou pela anistia, e o
bipartidarismo foi extinto. Em 1982, aconteceram as elei-
ções diretas para governadores dos estados (CARVALHO,
2002). Paralelo a essas mudanças, muitos professores re-
forçavam discussões sobre a educação e faziam suas rei-
vindicações. Percebemos as mudanças no ensino de His-
tória em nível municipal e estadual e, a partir da segunda
metade da década de 90, em nível nacional, por meio dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (BITTENCOURT, 2011).
Figura 01 - http://ricfigueira.blogspot.com

capítulo 2 17
Dentre essas mudanças, pontuemos também
aquela que já vimos no capítulo 1: a do perfil
dos alunos das escolas públicas. A substituição
de História e Geografia por Estudos Sociais dei-
xou consequências na formação dos estudan-
tes. Estes tinham dificuldades relativas à escri-
ta, à leitura, ao vocabulário, além da ausência
de conceitos (ROCHA, 2002). Afinal, o conhe-
cimento histórico, a partir de 70, tinha que ser
simplificado e resumido (BITTENCOURT, 2011):
“o conteúdo da disciplina foi deixado de lado,
a erudição foi considerada coisa de esnobes,
e a leitura da História foi prejudicada por tal
Bittencourt (2011) ressalta que não foi apenas simplismo” (PINSKY; PINSKY, 2012, p.18).
no Brasil que ocorreram mudanças no currícu-
lo. Esse movimento foi internacional. Os currí- Somado a isso, podemos dizer que o público
culos formais foram refletindo a “nova ordem” escolar também possuía outros hábitos decor-
mundial, cuja lógica é a de privatização, do rentes das novas tecnologias da comunicação
lucro e da tecnologia. (BRASIL, 1997). A televisão e o rádio haviam
se popularizado. O imediatismo, presente no
comportamento dos estudantes, desafiava (e
desafia) às escolas a traçarem novas estraté-
gias de ensino e aprendizagem.

As mudanças políticas e culturais, a partir dos


anos 80, portanto, impulsionam uma reformu-
lação do currículo. Professores começam a in-
sistir na discussão sobre o retorno da História e
da Geografia nas séries iniciais (BRASIL, 1997).
Mas, com o retorno da disciplina de História,
emergia a questão sobre qual conteúdo ensi-
nar. Havia novas considerações a fazer: o pú-
blico, os objetivos educacionais em uma nova
Figura 02 - http://juventudeestadeolho.blogspot.com
conjuntura política, os métodos de ensino e
a(s) perspectiva(s) teórica(s) a serem adotados.
A sociedade, por sua vez, tem de construir no-
vos conhecimentos relacionados aos meios de
comunicação, às relações competitivas, além
de ter que “dominar” o conhecimento especí-
fico da área de atuação.

Figura 04 - http://professor-josimar.blogspot.com.br

Figura 03 - http://cybermangif.gif

18 capítulo 2
Figura 05 - http://pt.scribd.com

centrais eram reis, generais e presidentes, era


Em relação aos objetivos, passamos a tê-los confrontada por uma Nova História, que pro-
revistos com a nova Constituição, que afirma punha abordar uma História do cotidiano, da
a educação estar voltada para o desenvolvi- cultura, social, das mentalidades.
mento, para o
trabalho e para
a cidadania. Na
LDB, naturalmen-
te, também os en-
contramos. Dessa
maneira, tudo o
que estivesse atre-
lado ao processo
pedagógico nas
escolas do país de- Figura 06 - http:// valejet.blog.br
veria responder a
esse objetivo maior.
A seleção dos conteúdos também tinha impli-
Portanto, os objetivos da escola básica, segundo cações, por exemplo, quanto ao conceito de
essa lei, não se restringem à assimilação maior ou
tempo, pois, com as novas discussões, se pas-
menor de conteúdos prefixados, mas se compro-
metem a articular conhecimento, competências e sou a questionar a linearidade do ensino de
valores, com a finalidade de capacitar os alunos História. Isso levou muitos professores a traba-
a utilizarem-se das informações para a transfor- lharem História em sala de aula, a partir de te-
mação de sua própria personalidade assim como mas. Outros, ainda em uma perspectiva linear,
para atuar de maneira efetiva, na transformação
passaram a intercalar a abordagem da História
da sociedade (BEZERRA, 2012, p.37).
do Brasil à História Geral (BRASIL, 1998). A divi-
são da História em Antiga, Medieval, Moderna
Quanto à seleção de conteúdos, essa, por sua
e Contemporânea por eles foi justificada com
vez, tinha o impasse das abordagens resultan-
a finalidade de didatizar o ensino de História.
tes dos novos estudos históricos. No tempo
em que a escola brasileira simplificou e resu-
Apesar das divergências de como abordar o
miu o conhecimento histórico, as reflexões
ensino de História na educação básica, vários
sobre a História avançaram. A História, até
professores e pesquisadores da área concor-
então, ensinada de forma tradicional, apenas
dam sobre a importância social dos conteúdos
com abordagens políticas, cujas personagens

capítulo 2 19
Pensar em identidade nos leva a refletir sobre
cidadania. Formar o cidadão também é pon-
tuado como objetivo no ensino de História.
Entende-se, porém, que o esforço deve estar
voltado para formar “o cidadão crítico” (BIT-
TENCOURT, 2011) - conceito que gera dis-
cussões, contudo não o faremos aqui. Vale
também lembrar que um dos objetivos mais
amplos inscritos na Constituição de 1988 é
justamente a cidadania.

Essa formação política - educar o cidadão -,


por sua vez, está atrelada à formação intelec-
tual, que significa instrumentalizar o aluno
do ponto de vista cognitivo para desenvolver
“pensamento crítico”,

(...) o qual se constitui pelo desenvolvimento da


a escolher. “Havia consenso sobre a relevância capacidade de observar e descrever, estabelecer
relações entre presente-passado-presente, fazer
social dos conteúdos veiculados nas escolas, comparações e identificar semelhanças e diferen-
mas havia divergências sobre quais os conte- ças entre a diversidade de acontecimentos no pre-
údos deveriam ser alterados ou mantidos no sente e no passado (BITTENCOURT, 2011, p. 122).
processo de reformulação curricular” (BITTEN-
COURT, 2011, p. 104).

A resposta mais frequente quando indagamos


sobre a importância de estudar História é “es-
tudamos História para compreender o presen-
te e mudar o futuro”. As propostas mais recen-
tes para o ensino em questão não se resumem
a essa ideia. Vejamos o que Bittencourt levan-
tou sobre propostas para o ensino de História.

2. OS NOVOS OBJETIVOS
DO ENSINO DE
HISTÓRIA E O PERFIL
DAS PROPOSTAS Figura 07 - http://lamparina.com.br

CURRICULARES O Parâmetro Curricular Nacional de História


No início da República, a História era ensinada adota os objetivos acima expostos, porém se
com a finalidade de fortalecer o Estado-Nação, atém notoriamente à questão da formação da
para tanto esse ensino incentivava um patrio- identidade. Sobre esse objetivo do ensino de
tismo e nacionalismo. Atualmente, as propos- História, o PCN considera constituição da nossa
tas curriculares não perderam de vista o objeti- identidade como um dos objetivos mais rele-
vo da formação de identidade, mas expressam vantes e sugere estabelecer relações com iden-
a compreensão de que esta não deve se limitar tidades individuais, sociais e coletivas. O Parâ-
à identidade nacional (BITTENCOURT, 2011). metro, no tópico sobre conteúdo, expõe que
Considerar o local e o mundial é igualmente
Nesse sentido, a proposta para os estudos histó-
necessário para pensar a identidade dos sujei- ricos é de favorecer o desenvolvimento das capa-
tos contemporâneos. cidades de diferenciação e identificação, com a

20 capítulo 2
intenção de expor as permanências de costumes
e relações sociais, as mudanças, as diferenças e
as semelhanças das vivências coletivas, sem julgar
grupos sociais, classificando-os como mais “evo-
luídos” ou “atrasados” (BRASIL, 1997, p.40).

• A apresentação mais detalhada dos pressu-


postos teóricos e metodológicos do conhe-
Figura 08 - http://josangeo.blogspot.com cimento histórico;

O documento não deixa de citar a relação da • A fundamentação pedagógica baseada no


identidade do local, do nacional e do mun- construtivismo, expresso de maneiras diver-
dial, porém o faz de forma tímida. De fato, o sas, tendo como princípio que o aluno é su-
Parâmetro reforça a relação com o local ou o jeito ativo no processo de aprendizagem;
regional e o nacional e explicita a constituição
de uma identidade social fundada no passado • A aceitação de que o aluno possui um co-
comum ao seu grupo, sem perder de vista a nhecimento prévio sobre os objetos de
História da população brasileira. estudos históricos, obtido pela história de
vida e pelos meios de comunicação, o qual
Visualizemos o levantamento que Bittencourt deve ser integrado ao processo de aprendi-
(2011, p. 112) fez sobre as propostas curri- zagem;
culares para o ensino de História a partir dos
anos 80. Nesse documento, a autora aponta • A introdução dos estudos históricos a partir
o que há em comum entre propostas de esta- das séries iniciais.
dos, municípios e PCN:

• A alteração nas formulações técnicas dos


textos curriculares, que passaram a apresen-
3. ENSINO DE HISTÓRIA
tar fundamentações sobre o conhecimento NOS ANOS INICIAIS
histórico e os demais tópicos da disciplina; DO ENSINO
• A preocupação com a implementação dos
FUNDAMENTAL
currículos, buscando sua legitimidade junto
As propostas curriculares abordam a História
com os professores, justificando sua produ-
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, na
ção e procurando diluir formas de resistên-
perspectiva que não se atenha a um naciona-
cia aos documentos oficiais;
lismo e patriotismo. O debate sobre o ensino
de História no Ensino Fundamental (anos ini-
• A redefinição do papel do professor, for-
ciais) almeja ultrapassar o enfoque nas figuras
necendo-lhe maior autonomia no trabalho
dos heróis, personagens políticos expostos de
pedagógico, concepção essa expressa na
maneira atemporal (BITTENCOURT, 2011). Sa-
ausência de um rol de conteúdos estabele-
bemos que, na escola, as festividades de “da-
cidos de forma obrigatória, para cada série
tas nacionais” ainda ocupam espaço dos con-
ou ciclo;
teúdos de História.

capítulo 2 21
todo conteúdo a trabalhar. A problematização
de um tema deve ser iniciada pelo local (his-
tória do cotidiano) e tempo presente, a partir
daí é que se deve começar a lançar as questões
ao passado, contextualizá-las em nível local e
mundial e voltar a polemizar o presente e o
local (BITTENCOURT, 2011).

Tanto para História como para Geografia, as


propostas curriculares mais recentes delimi-
tam uma abordagem temática dos conteúdos
das disciplinas. Para os anos iniciais do Fun- Figura 09 - http://spacewriting.wordpress.com
damental, sugere-se que se trabalhem noções
Ao nos aproximarmos da escola, pensando o
e conceitos históricos. Esse primeiro momento
ensino de História nos anos iniciais do Ensino
de formação é apenas um estudo introdutório,
Fundamental, podemos perceber o que Lima
como foi dito. Tais noções e conteúdos con-
[20...], em sua pesquisa, analisou: esse ensi-
tinuam a ser trabalhos na próxima etapa da
no ainda encontra sérias dificuldades, dentre
educação básica (anos finais do Ensino Funda-
várias, a sua própria regularidade. Lima [20...]
mental e Ensino Médio).
denuncia que não era sistemático o horário de
História, havendo prioridade para disciplinas
O Parâmetro Curricular de História aponta
como Português e Matemática, chegando até
como conceitos básicos: cultura, organiza-
mesmo as aulas de História não acontecerem.
ção social e do trabalho, além de noções de
tempo e espaço históricos. O tempo pode ser Quando trabalhados, então, os conteúdos sele-
problematizado já nessa etapa de ensino, sem cionados se dividiam entre uma história que par-
se restringir ao tempo cronológico. “A noção tia da realidade da criança (família, o eu, profis-
de tempo histórico é apresentada por meio da sões, meios de transporte, moradia, a escola, a
comunidade, o espaço, ruas, bairros, história do
noção do antes e depois, do conceito de gera- município) e uma história baseada nas divisões
ção e do conceito de duração (BITTENCOURT, tradicionais de conteúdo (datas comemorativas,
2011, p.113). expansão marítima, Brasil Colônia, Império, Bra-
sil República) (...) Alguns professores chegaram a
afirmar que somente trabalhavam estas nas aulas
A abordagem do “local” merece atenção, pois de história. As principais eram o aniversário da
pode ser confundida com a dos círculos con- cidade, permitindo a manutenção de uma histó-
cêntricos que estudamos no capítulo 1, abor- ria política nas escolas aos moldes conservadores,
dagem esta dos Estudos Sociais. A história lo- com a exaltação das estruturas governamentais
cal ou “história do lugar” se atém a relacionar e seus governantes (prefeitos, vereadores), o ain-
da chamado nas escolas de ensino fundamental
aspectos da realidade do estudante à história “Descobrimento” do Brasil, páscoa, dia das mães
nacional e, por sua vez, à mundial. Esse movi- e dia dos pais (LIMA, [20...], p.3).
mento de estabelecer relações em diferentes
níveis deve, segundo as propostas atuais, ser Lima [20...] afirma que apenas um sujeito da
frequente. pesquisa aponta o dia da Consciência Negra
como data comemorativa. A autora considera
Como um dos objetivos do ensino de História uma oscilação dos professores dos anos iniciais
é o desenvolvimento intelectual, a problemati- do fundamental entre uma visão tradicional e
zação há de estar presente na abordagem de a mais atual.

22 capítulo 2
Após citar o depoimento a seguir de um dos
seus sujeitos, Lima [20...] analisa que os con-
teúdos de História, nos anos inicias do Funda-
mental, ainda são repetitivos e não oferecem a
oportunidade de o aluno perceber o processo
de construção do conhecimento histórico.

Ainda sobre as datas comemorativas, em uma


sala de 2º ano, com o tema O Dia do Professor,
a aula iniciou-se com a professora solicitando às
crianças que falassem o nome das “tias” da es-
cola. Ao fim, ela comentou que estas eram pro-
fessoras e que o dia dos professores estava che-
gando. Logo depois, questionou sobre o que era
necessário para ser um bom professor. Os alunos
responderam que educação, amor, paciência,
força. A professora escreveu, então, qual era o (2011) nos adverte que tal seleção perpassa
Dia do Professor e pediu que os alunos dissessem desde o grupo que constrói as propostas curri-
uma coisa que gostariam de dar ao professor.
culares aos professores que irão concordar ou
Após as falas, as aulas foram encerradas (LIMA,
[20...], p. 5). discordar destas e adaptá-las no seu ensino.

A autora verifica, por meio do seu material de Atualmente, fala-se em conteúdos significa-
entrevista, que os professores dos anos inicias tivos (BITTENCOURT, 2011), (BEZERRA, 2012)
do Ensino Fundamental carecem de formação com base na impossibilidade de ensinar “toda
continuada. Bittencourt (2011) também faz a história da humanidade” (BITTENCOURT,
suas considerações a esse respeito, ao dizer que 2011). Estes implicam em conteúdos que se
os professores precisam “dominar” o conheci- relacionam com a realidade dos alunos, suas
mento histórico e se atualizarem quanto às pes- necessidades e interesses. Assim, diante da ex-
quisas na área de História, argumentando sobre tensão falada do conteúdo da disciplina His-
a relevância da formação continuada na área. tória, devemos fazer escolhas pensando nesse
processo de significação. “Nesse sentido, os
conteúdos ocupam papel central no processo
de ensino-aprendizagem, e sua seleção deve
4. SELECIONANDO estar em consonância com as problemáticas
CONTEÚDOS DE sociais marcantes em cada momento históri-
co.” (BEZERRA, 2012, p.39).
HISTÓRIA
As condições de ensino também devem ser
Provavelmente, ao longo da vida escolar, já levadas em consideração nesse procedimento
escutamos nossos professores falarem sobre a de selecionar conteúdos significativos. As con-
dificuldade da disciplina História quanto à ex- dições da instituição, o tempo que ela dispõe
tensão do seu conteúdo que, muitas vezes, fo- à disciplina bem como o acesso aos materiais
ram e ainda são associados a toda a trajetória didáticos são informações relevantes.
da humanidade. O acúmulo de conhecimen-
tos, portanto, está presente nessa visão. Como Podemos encontrar uma diversidade de abor-
vimos, a educação escolar não é voltada para dagem dos conteúdos apresentados tanto nas
a mera transmissão de conhecimentos e muito propostas curriculares quanto em materiais di-
menos de todo o conhecimento acumulado. dáticos e orientações de órgãos responsáveis
(em nível municipal e estadual). A periodiza-
Para ensinar História, temos como um dos ção da História em História Antiga, Medieval,
requisitos nos perguntarmos sobre o que en- Moderna e Contemporânea tem sido criticada
sinar. Que saber escolar o ensino de História pela sua perspectiva linear e sequencial. Além
deve vislumbrar? Quais conteúdos trabalhar e disso, a periodização sugere uma perspecti-
quais devem mudar e/ou permanecer? O que va de evolução da História (BEZERRA, 2012).
devemos considerar nessa seleção? Bittencourt Questiona-se se existe uma evolução ao longo

capítulo 2 23
Bittencourt (2011) salienta que

(...) currículos em torno da História por temas não


foram fruto de idealizações de um grupo de inte-
lectuais ou educadores. No decorrer dos anos 70
e 80, em várias escolas da rede pública, notada-
mente professores já começavam a trabalhar com
temas a fim de atender às especificidades do seu
público escolar e às precárias condições de traba-
lho (...) (2011, p. 124).

Contudo, a organização em temas foi mais


sistematizada e tornou-se, em maior escala,
conhecida por meio dos Parâmetros Curricu-
lares Nacionais (BEZERRA, 2012), lembrando
que os eixos temáticos do PCN de História e
Geografia, por exemplo, têm o eixo temático:
da História. Quanto à linearidade, interroga-se História Local e do Cotidiano, explicita a neces-
se precisamos seguir uma linha, uma sequên- sidade de trazer a história dos grupos indíge-
cia para compreendermos determinados con- nas locais (primeiro ciclo); História das orga-
textos históricos. Será que não podemos co- nizações populacionais, devendo contemplar,
meçar pela História Contemporânea? Por que por exemplo, deslocamentos populacionais,
não hesitar em começar pela Idade Antiga? organização de lutas e grupos sociais e étni-
cos, organizações políticas e administrações
A organização de conteúdos com base em eixos urbanas, organização histórica e temporal (se-
temáticos é uma proposta inovadora, porém gundo ciclo).
não deixa de ser alvo de críticas. O recorte em
temas decorre do entendimento que não é pos- No “segundo ciclo”, partindo do local, deve-se
sível ensinar “toda a história da humanidade” e, investir no conhecimento de história de grupos
assim, é proposta a problematização de temas. de outros espaços.
Esse tipo de organização visava atender às ne-
cessidades das novas gerações de estudantes. Nessa fase, é importante que os alunos dimen-
sionem as relações sociais, econômicas, políticas
Já as propostas curriculares que concebem o e culturais que vivenciam, enriquecendo seu re-
currículo e a educação dentro de padrões mais pertório histórico com informações de outras lo-
atualizados constroem a trama expositiva, procu- calidades para que possam compreender que seu
rando envolver o aluno por meio da problemati- espaço circundante estabelece diferentes relações
zação dos temas, de sua abordagem, da relação locais, regionais, nacionais e mundiais (BRASIL,
necessária com o mundo da cultura do aluno; as 1997, p 46).
atividades constituem o cerne do trabalho peda-
gógico apresentado, pensado sempre do ponto Vejamos o que o PCN explica sobre conteúdos
de vista da construção de um conhecimento es-
do “primeiro ciclo”:
colar significativo (BEZERRA, 2012, p. 41).
Os conteúdos de História para o primeiro ciclo
Foi em São Paulo que a abordagem por temas enfocam, preferencialmente, diferentes histórias,
foi, primeiramente, oficializada, em 1986. Em pertencentes ao local em que o aluno convive, di-
1990, o ensino de História era fundamenta- mensionadas em diferentes tempos. Prevalecem
estudos comparativos, distinguindo semelhanças
do em temas geradores, época da gestão de e diferenças, permanências e transformações de
Paulo Freire, da Secretaria de Educação de São costumes, modalidades de trabalho, divisão de
Paulo. Os temas geradores eram baseados nos tarefas, organizações do grupo familiar e formas
princípios freireanos de estudo da realidade. de relacionamento com a natureza. A preocupa-
ção com os estudos de história local é a de que os
Mas o tema gerador não pode ser o único a ser alunos ampliem a capacidade de observar o seu
trabalhado ao longo do ano, além de quando entorno para a compreensão de relações sociais
abordados, deve-se estabelecer relações com o e econômicas existentes no seu próprio tempo e
contexto mais amplo (social, cultural, político, reconheçam a presença de outros tempos no seu
econômico) (BITTENCOURT, 2011). dia-a-dia (BRASIL, 1997, p.40).

24 capítulo 2
Vejamos, a seguir, a concepção de problema-
tização do Parâmetro Curricular Nacional de
História.

PROBLEMATIZAÇÃO
A abordagem dos conteúdos insere-se numa
perspectiva de questionamentos da realidade
organizada no presente, desdobrando-se em
conteúdos históricos que envolvem explicita-
ções e interpretações das ações de diferentes
sujeitos, da seleção e organização de fatos e
da localização de informações no tempo histó-
rico. As explicações para os questionamentos
implicam, por sua vez, a exposição dos confli-
tos, das contradições e da diversidade de possi- grafia. Temas, como meio ambiente, trabalho
bilidades de compreensão dessa realidade. (...) e consumo, saúde e orientação sexual, devem
perpassar todas as disciplinas, tendo, portan-
In: BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Pa- to, o ensino de História, já nos anos iniciais do
râmetros Curriculares Nacionais. História e Geografia/ Ensino Fundamental, esse desafio.
Secretaria de Educação Fundamental: Brasília:
MEC/SEF, 1997.

É importante lembrarmos que o PCN de Histó- RESUMO


ria e Geografia sugere a abordagem do local,
contextualizando com o nacional e, por sua Neste capítulo 2, situamos o contexto do retor-
vez, com o mundial. Estudamos que o local e no de História como disciplina; vimos que esta
o nacional são mais enfatizados no documen- era uma das questões debatidas na década de
to, mas vivemos em um contexto no qual é 80 e também estudamos que os professores
urgente o compromisso das relações do local colocavam dificuldades encontradas diante dos
e global. novos desafios, correspondentes às demandas
da sociedade da época, tais como a questão
Bezerra (2012) aponta que existe uma terceira da tecnologia, as dificuldades de escrita e lei-
forma de abordar os conteúdos de História, a tura e de compreensão de conceito históri-
que ele chama de “via intermediária”. Mesmo co dos alunos das escolas públicas de então.
a partir da exposição sequencial, os eventos
históricos podem ser intercalados, relacionan- Além disso, como o cenário político mudava,
do problemáticas do presente e do passado. os objetivos da educação também o faziam e,
assim, o ensino de História. As propostas cur-
As propostas curriculares devem ser adapta- riculares passaram a vislumbrar o senso crítico,
das à realidade escolar, cultural, social, política antes sufocado pelo regime militar e a cidada-
bem como ao nível e à necessidade do aluno. nia, agora sendo entendida como ação, par-
Mesmo diante dos conteúdos apontados pelos ticipação, e o cidadão como sujeito que deve
documentos oficiais, o professor deve ter um construir crítica.
olhar flexível sob estes, selecionando o que vai
trabalhar e decidindo se vai adaptar. Lembre- Conhecer a história de outros lugares passou a
mos: os documentos oficiais (propostas curri- estar relacionado com conhecer a história lo-
culares, planos, programas) são apenas diretri- cal, procurando-se, então, não tratar a história
zes (LIBÂNEO, 1994). do país como apêndice. A linearidade da abor-
dagem dos conteúdos também foi questiona-
Por fim, destaquemos a proposta de transver- da, sendo proposta a abordagem temática dos
salidade trazida pelo PCN “Temas Transversais” conteúdos: trabalhar um tema de acordo com
da mesma coleção do PCN de História e Geo- o contexto local e atual bem como o contexto
de outras sociedades e de outros tempos.

capítulo 2 25
REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais. História e
Geografia/ Secretaria de Educação Fundamen-
tal: Brasília: MEC/SEF, 1997.

BEZERRA, Holie. Ensino de História: conteúdos


e conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro. His-
tória na sala de aula: conceitos básicos, práti-
cas e propostas. São Paulo: Contexto, 2002.

BITTENCOURT, Circe. Conteúdos e métodos de


ensino de História: breve abordagem Histórica.
In: __________. Ensino de História: fundamen-
tos e métodos. São Paulo: Cortez, 2008.
Saiba Mais:
CARVALHO, José. Cidadania no Brasil: o longo
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
Parâmetros Curriculares Nacionais. História e Ge- 2002.
ografia/ Secretaria de Educação Fundamental:
Brasília: MEC/SEF, 1997. http://portal.mec.gov.br/ LIBÂNEO, José. Didática. São Paulo: Cortez,
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BITTENCOURT, Circe. Conteúdos e métodos de
ensino de História: breve abordagem Histórica. LIMA, Tatiana. A História nas séries iniciais do
In: __________. Ensino de História: fundamentos ensino fundamental: práticas e saberes. http://
e métodos. São Paulo: Cortez, 2008. www.anpuhba.org/anaisvencontro/T/Tatiana_
LIMA, Tatiana. A História nas séries iniciais do en- Polliana_Pinto_de_Lima.pdf. [20...]
sino fundamental: práticas e saberes. http://www.
anpuhba.org/anaisvencontro/T/Tatiana_Polliana_ PINSKY. Jaime; Carla, PINNSY. Por uma História
Pinto_de_Lima.pdf. [20...] prazerosa e consequente. In: KARNAL, Lean-
dro. História na sala de aula: conceitos, prá-
ticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2012.

Atividades: ROCHA. Ubiratan. Estudos Sociais: contex-


to político e racionalidade econômica. In:
________. História, Currículo e cotidiano esco-
1. Procure levantar as propostas curriculares
lar. São Paulo: Cortez, 2002.
do seu estado e do seu município. Faça uma
leitura crítica sobre os conteúdos que são su-
geridos.

2. Entreviste algum professor dos anos iniciais do


fundamental, indagando-o sobre os conteú-
dos de História que trabalha em sala de aula.

3. Escolha algum fato da história do seu local,


estude sobre ele e sobre o que acontecia no
Brasil e no mundo na época.

4. Escolha uma notícia de jornal para problema-


tizá-la a fim de estabelecer relações em nível
local e mundial.

26 capítulo 2
FUNDAMENTOS
TEÓRICOS PARA
O ENSINO DE
HISTÓRIA
OBJETIVOS específicos
• Manter contato com conceitos considera-
dos básicos para o ensino de História;

• Refletir sobre a historicidade dos conceitos;

• Perceber que os conceitos apresentados


Profa. Msc. Clarissa Barbosa devem estar presentes no ensino de Histó-
ria, mesmo que nem sempre seja de forma
Carga Horária | 15 horas explícita.

INTRODUÇÃO
Para ensinar História, é importante considerar alguns conceitos que muitos autores, como Bitten-
court (2011) e Bezerra (2012), concordam ser importantes para que os professores abordem os
conteúdos de forma mais coerente, crítica e sistemática. Bezerra (2012) usa o termo “conceitos
básicos”, Bittencourt (2011) os enquadra como conteúdos. Abordaremos, portanto, os conceitos
que também concordamos constituir os fundamentos teóricos para o ensino de História. Lembre-
mos que não são todos os conceitos que devem ser trabalhados numa abordagem direta com
crianças dos anos iniciais (antiga 1ª a 4ª série), mas se faz mister que o professor os conheça, pois
estará mobilizando-os em seu ensino. Abordar um fato da História local e problematizá-la, por
exemplo, implica reconhecermos conceito de tempo, cultura, de sujeito histórico. Compreender
os conceitos a seguir é necessário para evitar cometermos anacronismos e tecermos um olhar
maniqueísta sob os sujeitos históricos, entre outras incorreções.

1. CONCEITOS HISTÓRICOS
Nos conteúdos programáticos, capítulos de livros e no dia a dia do ensino de História, são utili-
zados conceitos históricos. Há de se ter cuidado quanto ao seu uso, pois existe a diferença dos
conceitos usados por outras áreas do conhecimento bem como o uso do senso comum.

Conceitos históricos têm sua particularidade, tendo em vista que cada época produzirá o seu
significado e, assim, o conceito terá suas variações. Podemos fazer analogias entre conceitos de
Estado, de democracia, de escravidão de diferentes períodos, porém é sempre importante situá-

capítulo 3 27
questão de caráter teórico, mas se trata também
de uma necessidade prática, porque é com base
em uma concepção de história que podemos as-
segurar um critério para uma aprendizagem efeti-
va e coerente (BITTENCOURT, 2011, p.140).

Durante muito tempo, o estudo do passado de


uma nação, centrado numa abordagem polí-
tica, de guerras, que destacava os feitos dos
“grandes personagens”, foi o que fundamen-
tou o ensino de História, podendo ter suas per-
manências ainda no ensino atual.

-los nos respectivos contextos. A democracia


ateniense não é igual à democracia contem-
porânea. “Não há uma “democracia” consi-
derada em sua essência, mas democracias: na
Grécia, no século XIX, a democracia liberal,
a socialista, a atual brasileira, etc” (BEZERRA,
2012, p 47). A ideia de Estado-Nação, por sua
vez, dos tempos modernos se diferencia das
cidades-Estados gregas. Prosseguindo na refle-
xão, temos a escravidão da época dos roma-
nos da Antiguidade e do período colonial que
Figura 01 - http://artefontedeconhecimento.blogspot.com
também tem suas distinções (BITTENCOURT,
2011). Ainda teríamos os exemplos de trabalho
A abordagem desses conteúdos reflete uma
servil, trabalho escravo, trabalho assalariado.
tendência ainda do século XIX, que tem como
nome de expressão Leopold von Ranke (1795-
Dessa maneira, devemos situar o conceito no
1886). Essa tendência, considerada historicis-
contexto histórico e percebermos as diferenças
ta, almejava a exatidão da pesquisa histórica,
políticas, econômicas, sociais que colaboraram
buscando conhecer a “história verdadeira” e
para sua constituição. Temos que proceder ao
“mostrar o que realmente aconteceu”, como
exercício da explicação de qual conceito esta-
os fatos “realmente se passaram”. “O passado
mos tratando, para que, ao pronunciá-lo, não
pode, nessa perspectiva, ser reconstituído, de
gere confusões com expressões corriqueiras do
alguma forma revivido tal qual ocorreu” (BIT-
senso comum, ou mesmo, com o conceito de
TENCOURT, 2012, p. 141). Para isso, o historia-
outra ciência.
dor deveria ser imparcial, seu trabalho deveria
ter objetividade e imparcialidade, sem fazer
interpretações nem emitir juízo de valor.
2. HISTÓRIA As figuras da elite (chefes políticos e militares)
Vários autores corroboram a importância da e suas biografias eram objetos de sua pesquisa.
compreensão das concepções de História. As Isso esboça que essa tendência percebia tais
concepções do professor sobre História se re- pessoas como as que transformavam a histó-
fletem no seu ensino, na seleção de conteúdos, ria. “A história por eles escrita é uma sucessão
na metodologia e, até mesmo, na avaliação. de acontecimentos isolados, relatando, sobre-
tudo, os feitos políticos de grandes heróis, os
Conhecer e acompanhar as principais tendências problemas dinásticos, as batalhas, os tratados
da produção historiográfica não é apenas uma diplomáticos, etc.” (BORGES, 2007, p. 34).

28 capítulo 3
Figura 02 - http://histoblogsu.blogspot.com

Além de focar as elites, essa forma de narrar


a história apresenta uma divisão dos persona-
gens entre bons, maus, heróis, vítimas, entre
outros, construindo perspectivas maniqueís-
Ao longo do século XX, a visão de neutrali-
tas. Deve-se ter atenção de não cair no mani-
dade da história foi sendo questionada. Até a
queísmo, pois se torna fácil de isso acontecer
escolha que o historiador faz pelos seus temas
quando o ensino de História é tradicional, com
é subjetiva. A história passou, então, a ser vista
uma concepção tradicional de história.
como uma construção do olhar do historiador
em relação ao passado. Diferentes historiado-
res podem construir diferentes interpretações
Saiba Mais: do mesmo fato. A história foi comparada a um
caleidoscópio, que muda todas as vezes que
Para entender Maniqueísmo olhamos.

2 p.ext. qualquer visão do mundo que o divide Conforme o presente em que vivem os historia-
em poderes opostos e incompatíveis <admitir dores, são diferentes as perguntas que eles fazem
que os bons sejam sempre bons e os maus sejam ao passado e diferentes são as projeções e os
sempre maus é uma demonstração> interesses, perspectivas e valores que lançam no
passado. Eis por que a história é constantemente
Maniqueísta reescrita. Isso se resume bem na frase: “A história
4 que ou aquele que só concebe o bem e o mal é filha do seu tempo”. Mesmo quando se analisa
em termos absolutos. um passado que parece remoto, portanto, seu es-
tudo é feito com indagações, com perguntas que
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa nos interessam hoje, para avaliar a significação
desse passado e sua relação conosco (BORGES,
2007, p. 56).

A Escola dos Annales e o marxismo são ten-


dências que se opõem ao historicismo. Vale
ressaltar que essas duas novas tendências di-
vergiam entre si, pois abordavam a realidade
de forma diferente (BORGES, 2007). No mar-
xismo, “O ponto de partida do conhecimento
da realidade são as relações que os homens
mantêm com a natureza e com os outros
homens; não são ideias que vão provocar as
transformações, mas as condições materiais e
as relações entre os homens” (BORGES, 2007,
p.37). Assim, tem-se como conceitos centrais
o modo de produção, a formação econômico-
Figura 03 - Imagens de caleidoscópio odiario.com -social e as classes sociais.

capítulo 3 29
A partir dos anos 70, influenciada pelos Anna-
les, surge a produção da Nova História. Esse
“grupo” passa a enfatizar não só mudanças
mas também permanências. Além disso, existe
a preocupação de saber como as pessoas pen-
savam, e aí surge a história das mentalidades
e o desdobramento de abordagens, tais como
história do sexo, do medo, da alimentação.
Por outro lado, os Annales discordam de uma Verte-se o olhar para os detalhes do cotidiano,
história somente política, narrativa e factual. dos diversos grupos sociais. “Os historiadores
Essa tendência inovou abordando estruturas têm-se interessado mais pelas massas do que
econômicas, culturais, religiosas, etc, cons- pelas elites, mais pela encarnação social das
truindo a visão de uma história total, que per- ideias do que pela produção intelectual dos
cebe os grupos humanos em vários aspectos. grandes pensadores” (LA DURIE, 1986, p.51).
Para isso, os Annales se abrem ao diálogo com
outras áreas do conhecimento, como a Socio-
logia, Economia e Política.
3. BREVE NOTA SOBRE
Vários autores (BITTENCOURT, 2012), (BOR- FONTES HISTÓRICAS
GES, 2007), (CARDOSO, 1984) argumentam
que existem aproximações entre a tendência Devemos saber que o historiador não se utili-
que surge com os Annales e os marxistas, ape- za, apenas, de livros para construir a História.
sar de suas divergências. Vejamos a seguir: Documentos escritos, jornais, revistas são con-
siderados como fontes. Com a nova forma de
1. O reconhecimento da necessidade de uma olhar a História, são concebidas, por sua vez,
síntese global que explique, ao mesmo novas fontes, como fotografias, objetos, víde-
tempo, as articulações entre os níveis que os, gravações e até mesmo depoimentos. Esses
fazem da sociedade humana uma totalida- são utilizados pela História Oral. Essas novas
de estruturada e as especificidades no de- fontes podem vir a desconstruir mitos, cren-
senvolvimento de cada nível; ças, personagens. Já é ultrapassada a ideia de
que os documentos falam por si sós. Estes “fa-
2. A convicção de que a consciência que os lam” a partir das perguntas que lhes fazemos,
homens de determinada época têm da so- do nosso olhar crítico que lançamos a eles.
ciedade em que vivem não coincide com a
realidade social de tal época. 3.1 SUJEITO HISTÓRICO
3. O respeito pelas especificidades históricas
de cada época e sociedade (...).

4. Alguns dos membros do grupo dos Anna-


eles – mas certamente não todos – coinci-
dem em atribuir uma grande importância
explicativa à base econômica (...).

5. A aceitação da inexistência de fronteiras


estritas entre as ciências sociais (...).

6. A vinculação da pesquisa histórica com Figura 04 - http://cinefusao.blogspot.com

as preocupações e responsabilidades do
presente. O conceito de sujeito histórico é muito impor-
tante e vai variar de acordo com o entendi-
In: CARDOSO, Ciro. Uma introdução à histó- mento do conceito de História. Vimos que já
ria. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 38-39. houve a compreensão de que eram os chefes

30 capítulo 3
políticos e militares que faziam a história, que
a impulsionavam e transformavam. Atualmen-
te, é bastante difundida a ideia de sujeito his-
tórico como sendo os agentes sociais, indivi-
duais e coletivos. Que todos estamos inseridos
em uma sociedade e cultura e, à medida que
estamos interagindo, criticando, aceitando e,
até mesmo, silenciando, estamos construindo
a História, seja de forma consciente ou incons-
ciente. A reflexão sobre sujeito histórico é inte-
ressante para pensarmos a respeito da História
da Humanidade, que, durante muito tempo,
foi associada à história dos vencedores (reis,
imperadores, generais). Não se estudava a His-
tória dos Vencidos, (dos escravos, dos servos, para “reconstituí-lo” tal qual ocorreu. As per-
dos trabalhadores livres, das mulheres, dos guntas do presente que o historiador lança ao
índios, dos negros, etc.), pois estes não eram passado fazem parte da construção deste bem
considerados sujeitos da história. Inclusive, até como o passado também interfere nas ações
hoje, os historiadores têm dificuldade em suas do presente.
pesquisas devido à ausência de produção his-
toriográfica sobre esses sujeitos e, muitas ve- Nesse exercício de pensar o tempo, é interes-
zes, também de fontes. Então, percebe-se aí sante que o presente seja, então, tomado para
que o professor tem a responsabilidade de ter a construção do conhecimento histórico. Tam-
o olhar crítico sobre livros didáticos e paradidá- bém é importante fazer o exercício de cons-
ticos que possam apresentar essa visão unila- truir um olhar para o passado e saber que o
teral. A reflexão também contribui para a pro- presente dialoga e constrói esse passado.
blematização do nosso papel, do nosso lugar
nessa trama da qual todos nós fazemos parte. Conforme o presente que vivem os historiado-
res, são diferentes as perguntas que eles fazem
ao passado, e diferentes são as projeções de in-
3.2 TEMPO teresses, perspectivas e valores que lançam no
passado. Eis por que a história é constantemente
reescrita. Isso se resume bem na frase: “a his-
tória é filha de seu tempo”. Mesmo quando se
analisa um passado que nos parece remoto, por-
tanto, seu estudo é feito com indagações, com
perguntas que nos interessam hoje, para avaliar a
significação desse passado e sua relação conosco
(BORGES, 2007, p.56).

Também existe a perspectiva do tempo como


o tempo do calendário, que é um tempo ob-
jetivo, o tempo que associamos às nossas sen-
sações agradáveis ou desagradáveis, que faz,
por exemplo, minutos parecerem horas e dias,
Figura 05 - http://dacarpe.wordpress.com
meses, caracterizando-se como um tempo
subjetivo.
Não podemos pensar em conhecimento histó-
rico sem a delimitação do tempo e do espaço, Sabemos que as culturas organizam o tempo
por isso “tempo” é um dos conceitos relevan- de forma distinta. O tempo vem sendo orga-
tes para se pensar o ensino de História. Antes nizado de acordo com as necessidades das so-
de tudo, lembremo-nos de que, ao falarmos ciedades. Se temos uma sociedade agrícola, a
em tempo, não necessariamente devemos referência das estações vai ser importante para
associá-lo ao passado, pois hoje existe a com- esta. Por isso, fala-se que o tempo é uma in-
preensão de que o passado não está morto venção cultural.

capítulo 3 31
pessoas mais velhas, como pais e avós, para
que a criança possa perceber transformações
sociais “possíveis de ser percebidas” pela
criança. O material dos alunos pode ser sis-
tematizado em uma “linha do tempo”, para
que os alunos visualizem tais transformações
(BITTENCOURT, 2012).

A periodização é importante para o estudo da


história. Durante muito tempo, convencionou-
-se “dividir” a história em: Antiga, Moderna,
Medieval e Contemporânea, sugerindo uma
ideia de linearidade, de progresso, de sucessão
de fatos, ou seja, uma compreensão demasia-
da factual. Ainda em uma perspectiva linear,
passou-se a intercalar a abordagem da História
do Brasil à História Geral (BRASIL, 1998) e a
Diante de tais informações, o importante é
divisão da História em Antiga, Medieval, Mo-
levar o aluno a perceber as diversas tempora-
derna e Contemporânea foi justificada com a
lidades no decorrer da História e que a orga-
finalidade de se didatizar o ensino de História.
nização do tempo reflete a organização das
sociedades.
A linearidade também aponta para uma visão
Daí a necessidade de relativizar as diferentes con-
eurocêntrica. Existe um eurocentrismo na di-
cepções de tempo e as periodizações propostas; visão de períodos, adotada pela maioria das
de situar os acontecimentos históricos nos seus escolas. Idade Antiga, por exemplo, é centrada
respectivos tempos. O conceito de tempo supõe em Roma e Grécia; Idade Média, na França e
também que se estabeleçam relações entre con-
em outros países europeus, e assim por dian-
tinuidade e ruptura, permanências e mudanças/
transformações, sucessão e simultaneidade, o te; também ocorre com a Idade Moderna e a
antes-agora-depois (BEZERRA, 2012, p.45). Contemporânea. Como vimos no capítulo 1,
a História do Brasil, durante muito tempo, foi
Não faz parte da construção de um conheci- apêndice da História Geral (cuja abordagem,
mento significativo, mencionado no capítulo em sua maioria, é voltada para a Europa). É
anterior, a memorização de datas. Essas infor- possível sistematizar acontecimentos recorren-
mações tornam-se importantes quando pro- do a outros critérios, por exemplo, mediante
fessor e aluno refletem sobre o significado da temas que contemplem a temporalidade de
datação, que implica a “explicação sobre o que diferentes populações (BITTENCOURT, 2012).
vem antes e depois, sobre o que é simultâneo
ou ainda sobre o tempo de separação de di-
versos fatos históricos” (BITTENCOURT, 2011,
p. 212). As datas são importantes, nesse caso,
Saiba Mais:
para a compreensão dos acontecimentos.
Entendendo o Anacronismo...

O tempo pode ser problematizado nos anos ini- O Anacronismo consiste em atribuir a determi-
ciais do Ensino Fundamental, sem se restringir nadas sociedades do passado nossos próprios
ao tempo cronológico. “A noção de tempo his- sentimentos ou razões e assim interpretar suas
tórico é apresentada por meio da noção do an- ações ou aplicar critérios e conceitos que foram
elaborados para uma determinada época, em cir-
tes e depois, do conceito de geração e do con- cunstâncias específicas para outras épocas com
ceito de duração” (BITTENCOURT, 2011, p.113). características diferentes (BEZERRA, 2012, p. 45).

A noção de geração vinculada ao tempo cro-


nológico é sugerida por Bittencourt (2011)
para o ensino de História nos anos iniciais.
A autora sugere o trabalho com vestígios de

32 capítulo 3
3.3 CULTURA
É importante lembrarmos que não é o nosso
objetivo aqui “esgotarmos” o conceito de cul-
tura, mas apontar a relevância de considerá-lo
no ensino de História, até por que sabemos que
cultura é um dos conceitos acadêmicos mais
vastos e complexos, se assim podemos dizer.

Na década de 80 do século XX, podemos veri-


ficar a aproximação entre História e Antropo-
logia. Tal aproximação deu início ao que cha-
mamos de História Cultural. Nessa tendência,
existe uma preocupação em se abordarem as
ideias numa perspectiva sociocultural. Inte-
ressa-lhe o confronto das ideias de diferentes tendem a julgar a cultura do outro, a não fazer
grupos. Notadamente, essa abordagem não se o movimento de compreendê-la em um con-
restringe a estudar as ideias das elites (BITTEN- texto. Então, fiquemos atentos!
COURT, 2011).
3.4 CIDADANIA
Um dos conceitos mais recorrentes nos estu-
dos históricos é o de cidadania. Como falamos,
boa parte da historiografia e do ensino de His-
tória, durante muito tempo, foi voltada para a
história política. Conceitos de democracia e de
cidadania estão presentes quando discutimos
diferentes períodos. Atualmente, sabemos que
um dos objetivos da educação brasileira é a
formação do cidadão. Por essa razão, faz-se
importante constituir-se cidadania como con-
ceito básico para o ensino e a aprendizagem
Figura 06 - http://paixaocapixaba.com.br
de História.

O conceito de cultura, por sua vez, ampliou-se Vimos que, na época em que prevaleceram os
com a aproximação entre História e Antropo- Estudos Sociais no Brasil, no regime militar, se
logia. Cultura passa a ser associada às organi- falava em cidadania. Mas cidadão, nesse caso,
zações das famílias, do trabalho, das religiões, era o homem de bem, que respeitava as leis,
dos ritos. Assim, essa tendência contribuiu não questionava o sistema, não colaborava
para a caracterização dos grupos sociais (BE- com agitações, como greves e manifestações.
ZERRA, 2012).
Com a redemocratização, o termo cidadania
Chamo, então, “cultura”, na realidade, a uma uni- passou a ser demasiadamente utilizado. Mui-
dade de tempo – de tempo social – compreendi-
da entre as duas alterações importantes ocorridas
tos dizem que até perdeu o seu sentido. Hoje,
no mesmo espaço. (...) uma cultura distingue- do ponto de vista acadêmico e dos movimen-
-se, pois, por um sistema próprio e homogêneo tos sociais e de ativistas, é associada à ação, à
de comportamentos, que se modificam quando participação. É um termo que vem sendo muito
passamos para a cultura precedente ou para a adjetivado: cidadania popular, cidadania ativa,
seguinte. As culturas são, pois, necessariamente
diferentes umas das outras, e cabe ao historiador cidadania plena, cidadania mundial. Todas são
apreender essas diferenças (ARIÈS, 1986, p.22). passíveis de discussão, porém não o faremos
aqui, o que importa é perceber a proliferação
É possível incorrer no erro do Anacronismo ao em torno desse conceito. Por outro lado, faz
falar de cultura, pois, geralmente, as pessoas parte ainda do senso comum uma compreen-

capítulo 3 33
Todas essas ideias apresentadas sobre cidada-
nia são atuais e não podemos olhar o passa-
do, entendendo a cidadania de outra época,
como a nossa. Precisamos, porém, saber em
que conceito estamos nos baseando para es-
tabelecer relações, perceber continuidades e
rupturas entre diferentes contextos históricos.

RESUMO
Neste capítulo, entramos em contato com
conceitos que são tidos como básicos. Enten-
demos que esses conceitos variam de acordo
com a época. Vimos que quando atribuímos
os nossos conceitos ao de outra época, esta-
são da cidadania ainda restrita a “votar e ser mos cometendo Anacronismo, erro grave para
votado”, “ter direito e ter deveres”. A propó- os historiadores.
sito, esse último ainda é o entendimento de
muitos professores da Educação Básica sobre Estudamos que hoje o conceito de história não
cidadania (BARBOSA, 2007). é mais como uma ciência que estuda o pas-
sado, como este aconteceu. Entende-se que a
Para entendermos melhor o conceito, deve- história é construída a partir do olhar do histo-
mos situar que a democracia é um requisito riador, das perguntas que ele lança ao passado
da cidadania. Falamos em cidadania, em um e que não é possível precisar o que realmente
estado democrático. Por sua vez, democracia aconteceu. Os conceitos de tempo e sujeito
implica conflitos - um conflito legítimo - no histórico têm novo significado. Questiona-se o
sentido de pluralidade de ideias. Hoje, existe eurocentrismo e a linearidade da periodização.
a compreensão de que a cidadania é ação, Quanto ao conceito de sujeito histórico, não
é participação, é ter direitos e deveres, mas, são mais atores da história os grandes per-
além disso, é ter direito a ter direitos. Signifi- sonagens vindos da elite. Todos nós fazemos
ca que não vou ser cidadão e concordar com história: individual e coletivamente, consciente
as leis, mas posso questioná-las, posso mudá- ou inconsciente. As fontes, por sua vez, são
-las, posso lutar por novos direitos. É válido ressignificadas, e outras passam a ser conside-
lembrar que a democracia é constantemente radas, tais como fotografias, objetos, filmes,
ameaçada: na macropolítica, nos governos, na entre outras.
micropolítica, nas escolas, nos trabalhos, nas
instituições, e o exercício da cidadania vai ter Por fim, foram considerados os conceitos de
que se fazer, apesar dessas violações. cidadania e cultura. O conceito de cidadania
é recorrente nos estudos históricos, e é pre-
Mesmo muitos dizendo que o termo cidadania ciso ter uma clareza do conceito atual para
perdeu o seu sentido por causa do uso em ex- estabelecermos relações com outras épocas.
cesso, vemos outros ainda o utilizando. A cida- É igualmente relevante estudar esse conceito
dania ainda se faz necessária e é por isso que devido ao próprio objetivo do ensino de Histó-
ainda a mencionamos e discutimos sobre ela. ria ser, também, instrumentalizar o aluno, fa-
zendo com que ele possa atuar como cidadão.
Um conceito recente é o de cidadania mundial. O conceito de cultura é amplo, abrangendo o
Nessa perspectiva, diante dos conflitos que se comportamento de vários grupos sociais, em
tornaram internacionais: guerras, alerta atômi- seus ritos, trabalhos e religiões.
co, pobreza, crise ambiental, tem sido propos-
ta uma cidadania que vá além das fronteiras,
cuja atuação seja local e com a compreensão
de que a luta é global (BARBOSA, 2007).

34 capítulo 3
Saiba Mais:
SUGESTÃO DE LEITURA

BEZERRA, Holie. Ensino de História: conteúdos e


conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro. História
na sala de aula: conceitos básicos, práticas e pro-
postas. São Paulo: Contexto, 2002.

Atividades:
1. Leia a poesia de Ferreira Gullar e construa um
pequeno texto, estabelecendo relações com
os conceitos que estudamos.

“A história humana não se desenrola ape-
nas nos campos de batalhas e nos gabinetes
presidenciais. Ela se desenrola também nos
quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas
de subúrbios, nas casas de jogos, nos pros- REFERÊNCIAS
tíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namo-
ros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha ARIÈS, Philippe. Uma nova educação do olhar.
poesia. Dessa matéria humilde e humilhada,
In: ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges; LE GOFF,
dessa vida obscura e injustiçada, porque o
canto não pode ser uma traição à vida, e só Jacques. História e Nova História. Lisboa: Teo-
é justo cantar, se o nosso canto arrasta con- rema, 1986.
sigo as pessoas e as coisas que não têm voz”.
BARBOSA, Clarissa. Educação planetária: o
Corpo a corpo com a linguagem, 1999.
que dizem e pensam os professores do ensino
fundamental das escolas estaduais de Pernam-
2. Sistematize, em produção textual, o pen-
samento histórico que rompeu com o buco. CE: UFPE, Dissertação, 2007.
historicismo.
BEZERRA, Holie. Ensino de História: conteúdos
3. Construa um quadro pontuando as ideias e conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro. His-
que você tinha sobre o conceito estudado e tória na sala de aula: conceitos básicos, práti-
a compreensão que você construiu após esse
estudo.
cas e propostas. São Paulo: Contexto, 2002.

BITTENCOURT, Circe. Conteúdos e métodos de


ensino de História: breve abordagem Histórica.
In: __________. Ensino de História: fundamen-
tos e métodos. São Paulo: Cortez, 2008.

BORGES, Vavy. O que é história. São Paulo:


Brasiliense, 2007.

CARDOSO, Ciro. Uma introdução à história.


São Paulo: Brasiliense, 1984.

LA DURIE, Emmanuele. Os caminhos da Nova


História. In: ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges;
LE GOFF, Jacques. História e Nova História.
Lisboa:Teorema, 1986.

capítulo 3 35
METODOLOGIA
DO ENSINO
DE HISTÓRIA
OBJETIVOS específicos
• Revisitar os métodos de ensino de História
na educação básica no Brasil;

• Conhecer os pressupostos metodológicos


do ensino de História;

Profa. Msc. Clarissa Barbosa • Discutir métodos de ensino coerentes para


o ensino de História;
Carga Horária | 15 horas
• Refletir sobre materiais didáticos para o
ensino de História;

• Pensar visitas a museus como método de


ensino de História.

INTRODUÇÃO
Os métodos de ensino são os caminhos que escolhemos para a construção do conhecimento,
para a realização do processo de ensino e aprendizagem. Os métodos vão variar de acordo com
os objetivos educacionais, a concepção de educação e até mesmo a relação professor-aluno. O
processo de redemocratização no Brasil foi fértil para questionar os métodos de ensino de Histó-
ria, considerados, nesse tempo, como tradicionais. Os professores de História queriam superar o
estigma da disciplina que era o de “saber de cor” datas, nomes e fatos, pois até então a memori-
zação era muito presente na cultura escolar e, por sua vez, no ensino de História.

1. REVISITANDO OS MÉTODOS DE ENSINO DE


HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL
Durante o século XIX, o ensino de História era associado à memorização. Saber de cor datas,
nomes da mesma forma que estava nos livros e cadernos. O livro didático seguia o método do
catecismo, que partia de perguntas e respostas, devendo o aluno repetir oralmente e também por
escrito. Em caso de erro ou esquecimento, era punido com a palmatória (BITTENCOURT, 2011).

Como saber História era sinônimo de saber de cor muitos acontecimentos do país, entendemos,
então, por que o método de ensino era o da memorização. “Aprender era memorizar” (Op. Cit,
p.68). Os exercícios eram, portanto, voltados para esse aspecto bem como as estratégias que
buscavam para esse ensino. O método mnemônico, por exemplo, exibia imagens relacionadas às
informações para facilitar a memorização.

capítulo 4 37
Bittencourt (2011), atenta ao fato de o mé-
todo de memorização ainda ser utilizado nos
dias atuais, quanto às críticas ao método, faz a
seguinte ressalva:

Parece certo afirmar que a crítica feita é contra


um tipo de memorização mecânica, do “sa-
ber de cor”, da pura repetição, e não contra o
desenvolvimento da capacidade intelectual de
memorizar. Essa distinção deve ser feita. O que
se julga totalmente desnecessário é o fato de
desenvolver nos alunos a capacidade de me-
Já no final do século XIX, o método mnemô- morizar acontecimentos, no caso da História,
nico era criticado. Surgia, em contrapartida, a e referenciá-los no tempo e no espaço, para
proposta de métodos ativos, que vislumbrava que, com base neles, se estabeleçam outras
a participação dos alunos na aprendizagem, o relações de aprendizado. Parece-nos que re-
cuidado em pensar a forma de “contar a his- side nesse ponto, ou seja, na confusão entre
tória” (Atenção: o conteúdo era o mesmo) e o memorização mecânica e memorização cons-
uso de gravuras, mapas e materiais outros que ciente, a necessidade de particularizar a crítica
pudessem colaborar com o ensino de História contra esse método de aprendizagem (BITTEN-
(BITTENCOURT, 2011). COURT, 2011, p. 70).

Figura 01 - http://itamarfo.blogspot.com.br/2010/11/mobiliario-rustico-e-parede-esburacada.html

38 capítulo 4
No período em que a disciplina Estudos Sociais
começa a ser ensinada (década de 30 – século
XX), sabemos que os métodos ganham impor-
tância. Os métodos ativos, que partem do cen-
tro de interesse da criança, são adotados nes-
se ensino. São estimuladas a observação e a
descrição do local, feitas a partir de visitas aos
“locais de interesse histórico e de excursões”
(BITTENCOURT, 2001, p.75). Lembremos que
o objetivo de Estudos Sociais era educar um
indivíduo eficiente para o sistema, inserindo-
-o em sua comunidade. Para isso, deveria ser
criado um “clima pedagógico”. Outro ponto a
ser lembrado é o fato de
os círculos concêntricos
(organização dos conteú-
dos do mais próximo ao
mais distante) surgirem
a partir desse método.

No final dos anos 60, os


métodos tornam-se mais
importantes que o con-
teúdo no ensino de Estu-
dos Sociais. Na década de
70, quando a disciplina é
oficializada, as inovações
técnicas são associadas
à inovação nos métodos
inovadores. O audiovisual
vai sendo mais utilizado,
“os estudos dirigidos, pa-
lavras cruzadas e outros
jogos de caça-palavras
correspondiam às técnicas
mnemônicas, entendidas
como “métodos de ensi-
no inovadores” (BITTEN-
COURT, 2011, p. 226).

Figura 02 - http://amigasdaedu.blogspot.com.br/2011/05/atividades-historia-do-brasil.html
A atividade ao lado é re-
cente, apresentada por
uma professora em blog, mas retrata a pro-
posta da qual falávamos.
2. MÉTODOS DE
Nos anos 80, com a discussão sobre o retorno ENSINO EM HISTÓRIA
do ensino de História, o método da disciplina
era alvo de crítica, pois História ainda era vista Os métodos do ensino de História foram du-
como “saber de cor” as datas e os nomes; era ramente criticados desde o debate sobre a
vista, enfim, como tradicional. Retomaremos reinserção da disciplina no currículo. Eles eram
essa questão no próximo tópico. associados a métodos tradicionais, contra os
quais tinham vários slogans na década de 80
(BITTENCOURT, 2011).

capítulo 4 39
parte o uso de imagens, mapas, gráficos, sli-
des, fotografias, protótipos, etc. O professor,
dessa forma, pode proceder à exposição de
um tema, utilizando-se desses materiais. Além
disso, associa-se à aula expositiva o fato de os
alunos ficarem passivos. Libâneo (1994) adver-
te que, no método de exposição, o professor
deve provocar o aluno, instigar a curiosidade.
Nenhum método é perfeito, se o aplicarmos
única e exclusivamente. Assim, como todos os
outros métodos, o expositivo deve ser alterna-
do com os demais, para dinamização das aulas
e coerência da abordagem dos conteúdos.

Como vimos, o conhecimento histórico implica


Os novos desafios para o ensino, tais como a a construção de conceitos. O método exposi-
dificuldade de leitura e escrita do público, as tivo é propício à construção de conceitos para
precárias condições econômicas dos alunos explicá-los. Os alunos também podem expor o
para adquirir materiais, apontavam para a re- que sabem, podendo desenvolver relação en-
novação do ensino de História. Os métodos tre “o pensamento e a linguagem, a coorde-
passaram a ser pensados de acordo com os nação de ideias e a sistematização de conhe-
problemas do contexto escolar e os conheci- cimento” (LIBÂNEO, 1995, p.162), elementos
mentos dos estudantes. Estes são, na verdade, estes que os alunos devem vivenciar nas aulas
os requisitos para o ensino de qualquer disci- de História.
plina: conhecer o contexto dos alunos, levantar
seu conhecimento prévio, além de conhecer os Vejamos o que Bittencourt (2011) também
planos e programas educacionais. considera sobre elementos da educação cha-
mada tradicional.
Conhecer o contexto dos educandos é impor-
tante para o ensino como um todo. Para o Outro aspecto a ser levado em conta no pro-
cesso de renovação é o entendimento de que
ensino de História, essa relevância é reforça- muito do “tradicional” deve ser mantido, por-
da, pois não esqueçamos que ainda hoje as que a prática escolar já comprovou que muitos
orientações metodológicas são de abordar os conteúdos e métodos escolares tradicionais são
conteúdos do local para o mais distante. Par- importantes para a formação dos alunos e não
convém serem abolidos e descartados em nome
tir do local é matéria-prima inerente ao ensino do “novo”. Assim, há que haver um cuidado
de História, para que possa estabelecer relação na relação entre permanência e mudança no
com outros contextos, sendo, assim, propícia a processo de renovação escolar (2011, p. 229).
construção do conhecimento histórico.
Como a relação entre professor e aluno vem
Como a disciplina vinha sendo associada ao mudando através da compreensão de que este
método tradicional, aulas de História, por sua último é construtor do seu saber, na maioria
vez, também eram associadas às aulas exposi- das aulas, provavelmente, (imagina-se) o alu-
tivas, concebidas como método em que só o no pode falar, colocar-se, tirar as suas dúvidas,
professor fala. Em contrapartida, aulas em que por isso, às vezes, pensamos ser nossa aula
são utilizados o audiovisual ou o computador expositiva, quando, na verdade, é uma aula
são consideradas “inovadoras”. dialogada.

Precisamos fazer uma breve reflexão sobre a A aula dialogada precisa de uma sistematiza-
questão. As aulas expositivas são aulas em que ção para lançar questões à turma e iniciar o
o professor expõe oralmente algum tema, en- diálogo entre professor e aluno, alunos e alu-
fim, um conteúdo. Muitos não sabem que tal nos. Não podemos pensar o ensino de História
método possui técnicas, como ilustração, de- sem a dimensão do diálogo. A relativização de
monstração e exemplificação, das quais fazem conceitos, as relações entre diferentes contex-

40 capítulo 4
tos demandam o diálogo nas aulas de História.
As atividades desse método devem provocar a
reflexão, a colocação de novas questões, a ar-
gumentação, a aprendizagem da escuta, do
respeito a diferentes ideias, bem como apren-
der o direito de refutá-las.

momentos em que o aluno estude, aprenda


Figura 03 - https://encrypted-tbn2.google.com/images?q=tbn:
os conceitos, construa uma leitura crítica e um
ANd9GcSf03El9a-HzIGqfcCwCgobsaWMRL8bGLewsUPwK_pI5J5f44Tiuw texto que esboce um conhecimento histórico.
Nessas atividades, os alunos têm a possibilida-
de de sistematizar esse conhecimento e, até,
O debate, por sua vez, é igualmente importan- dependendo da orientação da atividade, arti-
te e faz parte do método do trabalho em gru- cular saberes. Dessa forma, fazem-se coeren-
po. Não pensamos o ensino de História sem o tes ao ensino de História as atividades que os
debate, sem a construção do argumento, sem alunos possam realizar individualmente.
o exercício da crítica. Fazem parte também do
trabalho em grupo os seminários e a tempes-
tade de ideias, caros ao ensino de História. A
construção coletiva do conhecimento histórico
se faz mister, já que propicia ao diálogo a per-
cepção de que existem olhares diferentes sob
um mesmo objeto e não mais uma verdade
sobre os fatos.

Não descartemos a relevância da leitura e da


escrita no ensino de História. Inicialmente,
como estudamos, esse ensino era centrado
nessas duas atividades. Hoje, refletindo sobre
Figura 04 - http://jornalcidade.uol.com.br
vários caminhos para a construção do conheci-
mento, a escrita e a leitura são elementos que
se somam a outros para a construção deste. Por fim, temos o método do estudo do meio.
Esse método, como já dito, foi muito utilizado
O método de trabalho independente compre- nas primeiras décadas do ensino de Estudos
ende o estudo individual ou em dupla, a pes- Sociais. É comum vermos excursões na disci-
quisa, a resolução de questões, as produções plina de História ou mesmo visita a museu.
escritas. Esse método só não pode ser usado Aprofundaremos essa questão mais adiante.
para ocupar o aluno nem ser solicitado dele Ressaltemos aqui que esse método pode vir a
atividades muito acima ou abaixo do seu nível levar o aluno a contextualizar o conteúdo que
de desenvolvimento e conhecimento para não está sendo trabalhado em sala e aguçar sua
resultar em um desestímulo. Assim, pensar curiosidade e interesse.

capítulo 4 41
3. ENSINO DE HISTÓRIA
E VISITA A MUSEUS
Muitos alunos associam “excursões” e visitas a
museus a passeio. Quando não, ou além disso,
de fato não compreendem o objetivo de tal
“passeio”. Várias pessoas, em sua vida escolar,
que participaram dessas atividades se pergun-
tavam, enquanto nela estavam, “por que vie-
mos para cá?”, “o que isso significa”? Isso sem
falar nos relatórios que sucediam às visitas.
Relatórios estes que devíamos escrever em um
quantitativo de páginas, sem, na maioria das
vezes, termos compreendido, de forma clara,
o que vimos, o que ouvimos, enfim, o que foi
proposto.
Vejamos as considerações didáticas que faz o
Parâmetro Curricular de História e Geografia
Apresentamos, de forma geral, no tópico so-
(1997, p.53).
bre métodos, que o estudo do meio – excur-
sões, visitas a museus - contribui para que o
• valorize, inicialmente, os saberes que os
aluno contextualize o que está estudando,
alunos já possuem sobre o tema abordado,
mas isso deve acontecer de forma sistemática.
criando momentos de troca de informações
O professor deve trabalhar o conteúdo com os
e opiniões;
alunos a fim de prepará-los para a atividade.
Os alunos têm que compreender os objetivos
• avalie essas informações, identificando
da excursão, da visita técnica a um museu.
quais poderiam enriquecer seus repertórios
e suas reflexões;
Contudo, não é só sobre o professor que re-
cai a falta de êxito dessas atividades especiais.
• proponha novos questionamentos, informe
No caso dos museus, estes podem tornar-se,
sobre dados desconhecidos e organize pes-
como alguns já foram, um lugar de culto à
quisas e investigações;
memória de elites, políticos, enfim, de grupos
dominantes.
• selecione materiais de fontes de informação
diferentes para que sejam estudados em
Não se resumindo a isso, vemos, por vezes,
sala de aula;
objetos, como armas, louças, indumentárias,
quadros expostos isoladamente, que terminam
• promova visitas e pesquisas em locais ricos
sem constituir um significado para o visitante.
em informação;
Os museus não devem ser o local onde exis-
te a “apresentação de um conteúdo que será
• proponha que os estudos realizados se ma-
mais um conteúdo acumulado, mas que de-
terializem em produtos culturais, como
vem suscitar a criatividade, o questionamento,
livros, murais, exposições, teatros, maque-
a reflexão crítica e a busca de um novo fazer...”
tes, quadros cronológicos, mapas, etc.
(SANTOS apud, ALMEIDA; VASCONCELLOS,
2012, p.108).

Além disso, podemos nos deparar com vitri-


nes e legendas que nos afastam do significa-
do, ou melhor, da possibilidade de construção
de significados a partir da observação (livre ou
dirigida) dos objetos expostos que não podem

42 capítulo 4
estar dispersos, desarticulados. “(...) os obje-
tos devem estar reunidos para produzirem
um discurso museográfico inteligível para os
leigos, através dos documentos materiais ali
apresentados” (ALMEIDA; VASCONCELLOS,
2012, p.107). A organização dos objetos de
forma relacionada colabora para que seja pos-
sível estabelecer relações, comparações e se-
melhanças entre esses objetos (BITTENCOURT,
2011). Assim, o museu não pode se resumir a
um lugar de coisas velhas e sem sentido, mas a
um lugar de memória, onde se propicie expe-
riência de leitura crítica e reelaboração do pas-
sado, do entendimento do objeto como tendo História e seus alunos no ensino da disciplina.
sido parte de uma sociedade, ritual, cotidiano. Bittencourt (2012) destaca que a educação
museológica é científica e estética.
Consideremos a seguinte compreensão do ter-
mo Museu: Almeida e Vasconcellos (2012, p. 114) reco-
mendam que sejam feitas as considerações
(...) uma instituição permanente, sem finalidade abaixo para o preparo de uma visita a museus:
lucrativa, a serviço da sociedade e de seu desen-
volvimento. É uma instituição aberta ao público,
que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exi- • Definir os objetivos da visita;
be evidências materiais do homem e do seu am-
biente, para fins de pesquisa, educação e lazer (Es- • Selecionar o museu mais apropriado para o
tatutos do Comitê Brasileiro do ICOM, artigo 6º, tema a ser trabalhado; ou uma das exposi-
apud ALMEIDA; VASCONCELLOS, 2012, p.105). ções apresentadas ou parte de uma exposi-
ção, ou ainda, um conjunto de museus;
Muitos museus têm departamento de educa-
ção. Museus, como o Museu Histórico Nacio- • Visitar a instituição antecipadamente até
nal (RJ) e o Museu Paulista (SP – USP), vêm pro- alcançar uma familiaridade com o espaço a
movendo mais formações continuadas para ser trabalhado;
professores nesse espaço. São construídos ma-
teriais didáticos por esses museus e entregues • Verificar as atividades oferecidas pelo mu-
aos professores. Também acontecem exposi- seu e se elas se adaptam aos objetivos pro-
ções em que é possível o contato, a manipula- postos e, nesse caso, adaptá-las aos pró-
ção, o manuseio de algum ou alguns objetos, prios interesses;
o que, sistemática ou não, é uma experiência
pedagógica proposta por tais museus. • Preparar os alunos para visitas por meio de
exercício de observação, estudo de conteú-
Deve-se perguntar: o que representa o museu? dos e conceitos;
O que representa os objetos expostos? Qual
foi a trajetória de determinado objeto? Lem- • Coordenar as atividades de acordo com os
bremos que a qualidade da experiência do alu- objetivos propostos ou participar de visita
no está ligada ao conhecimento do professor monitorada, coordenadas por educadores
sobre museu e como explorá-lo do ponto de do museu;
vista do ensino da História.
• Elaborar formas de dar continuidade à visi-
É importante atentarmos para a questão que ta quando voltar à sala de aula;
os museus variam de acordo com as áreas.
Estamos aqui discutindo os referentes à área • Avaliar o processo educativo que envolveu
de Ciências Humanas. Almeida e Vasconcellos a atividade a fim de aperfeiçoar o planeja-
(2012) colocam que os museus de Arte tam- mento de novas visitas em seus objetivos e
bém podem ser explorados pelo professor de escolhas.

capítulo 4 43
conhecimento histórico de maneira prazerosa.
Uma das coisas a se fazer para evitar maiores
dificuldades: é aconselhável o professor articu-
lar a essa atividade a contextualização histórica
do período em que o documento está sendo
considerado como também o seu nível.

Bittencourt (2011) sugere as reflexões de Mar-


son referentes ao cuidado da utilização dos
documentos em situação escolar.

1º) Sobre a existência em si do documento:

O que vem a ser documento? O que é capaz


de dizer? Como podemos recuperar o sentido
do seu dizer? Por que tal documento existe?
Quem o fez, em que circunstâncias e para qual
finalidade?

2º) Sobre o significado do documento como


objeto:

4. DOCUMENTOS E O que significa como simples objeto (isto é,


ENSINO DE HISTÓRIA fruto do trabalho humano)? Como e por quem
foi produzido? Para que e para quem se fez
No capítulo anterior, conhecemos a diversida- essa produção? Qual a relação com o docu-
de atual das fontes históricas. Tais fontes po- mento, (como objeto particular) no universo
dem ser utilizadas em sala de aula, contribuin- da produção? Qual a finalidade e o caráter ne-
do para a introdução e o desenvolvimento do cessário que comanda sua existência?
aluno quanto ao pensamento histórico, bem
como para a compreensão de que os vestígios 3º) Sobre o significado do documento como
do passado podem vir de lugares diferentes, sujeito:
devendo ser preservados, pois são patrimônio
da sociedade. Para isso, o professor deve ter Por quem fala tal documento? De que história
clareza de como o historiador procede diante particular participou? Que ação e pensamento
dos documentos e pensar a atividade com esse estão contidos em seu significado? O que fez
recurso. Não significa que deve levar o aluno perdurar como depósito da memória? Em que
a ser um pequeno historiador, mas colaborar consiste seu ato de poder?
para que ele construa sua análise, exercitando
(MARSON apud BITTENCOURT, 2011, p. 332)
a crítica (BITTENCOURT, 2011).

Podem-se utilizar documentos desde as séries Vale revisarmos que podemos tomar como
iniciais; em tais situações, considerando as di- fonte: revistas, quadros, filmes, livros, fotogra-
ferentes faixas etárias, é preciso maior cautela fias, documentos. O estudante há de entender
na escolha dos mais apropriados, daqueles que que esses são vestígios do passado. Eles podem
efetivamente despertem interesse e esteja de
acordo com os objetivos específicos para os di-
ser utilizados em aula como apenas ilustração
ferentes níveis de escolarização. ou explicação de um contexto histórico e ainda
para introdução de tema. As fontes, que são,
Deve-se ter o cuidado para que a dificuldade da nesse caso, recursos didáticos das linguagens
linguagem, com termos complexos e vocabu- visual e audiovisual, requerem conhecimentos
lário não conhecido, não desestimule o aluno. específicos da área para que sejam tratados
Lembremos que o objetivo é estimular a crítica (BITTENCOURT, 2011).
do aluno, provocá-lo, levá-lo a interagir com o

44 capítulo 4
Figura 05 - http://mundoeducacao.com.br

Figura 06 - http://facebook.com

Figura 08 - http://rarosdanet.blogspot.co

Diante dessas considerações, podemos pensar


atividades para as quais os alunos tragam fo-
tos de suas famílias, documentos escritos (cer-
tidão de nascimento, bilhetes de passagens,
entradas de teatro, cinema, jogos, revistas ou
jornais velhos que tiverem em casa).

RESUMO
Neste capítulo, fizemos uma retrospectiva dos
métodos desde o século XIX. Nessa época, o
método era voltado para a memorização de
datas, nomes e acontecimentos. No final do
século XIX, o método mnemônico propunha
imagens que estivessem associadas a tais in-
formações para que auxiliassem a aprendiza-
Figura 07- http://rarosdanet.blogspot.co gem do aluno.

capítulo 4 45
caça-palavras, que levavam à memorização de
personagens, lugares, acontecimentos, que,
por sua vez, eram informações desarticuladas,
não levando o aluno a refletir, a problematizar.
Devemos estar atentos para não reproduzi-las.

A década de 80 é marcada pela crítica ao ensi-


no de História. A disciplina é considerada tra-
dicional, e os professores, com o desafio do
novo perfil do público, começam a repensar o
ensino. O que mais se enfatizava era a impor-
tância da contextualização nas aulas de Histó-
ria, partindo-se da realidade do aluno. Propu-
Com a introdução de Estudos Sociais nas es- nha-se que as datas e os nomes não fossem
colas, o método foi enfatizado em detrimento a questão central da aula. A memorização foi
do conteúdo. Na década de 70, como vimos, ressignificada: de uma memorização mecânica
estruturou-se a disciplina e, por sua vez, refor- para uma memorização consciente.
çou-se a questão do método. O método ativo
é divulgado e se reforçava a importância das Por fim, vimos como trabalhar fontes como
visitas in loco e do conhecimento de outros lo- materiais didáticos. Essas são consideradas va-
cais, enquanto o procedimento de abordar os riadas desde documentos oficiais a revistas e fil-
conteúdos era do mais próximo ao mais dis- mes. Vimos também como proceder quanto à
tante. Também, nessa década, tornaram-se co- visita a museus: sistematizando essa visita e res-
muns as atividades, como palavras cruzadas, significando o museu como lugar de memória.

Atividades:
1. Para fazer atividades práticas com seus alunos, utilizando diferentes materiais, procure
experimentá-los antes de sua execução. Pensando nisso, faça um levantamento das fotos
da sua família, reúna seus documentos (Certidão, Carteira de Identidade, de Trabalho),
inclusive bilhetes de entradas de eventos culturais, etc.

2. Levante os museus da sua cidade, procure conhecê-los e reflita sobre como você
poderia pensar uma visita ao museu ou aos museus encontrados e selecionados.

3. Pense em uma atividade na qual você utilizasse o documento abaixo. Como você prepara-
ria a aula? Como você construiria a problematização para esse documento?

Figura 09 - http://ahpoa.blogspot.com

46 capítulo 4
4. Escolha um outro tipo de fonte para construir um plano de aula.

5. A partir das fotografias abaixo, construa um plano de aula. Escolha a série/ano para
a atividade.

Figura 11 - http://antiquibraga.com

Figura 10 - http://imperial-photo.blogspot.com

Figura 12 - http://portalguandu.com.br

Figura 13 - Sagres http://portogente.com.br

Figura 14 - http://portogente.com.br ou escribacafe.com

capítulo 4 47
REFERÊNCIAS
ALMEIDA; Adriana. VASCONCELLOS, Camilo.
Por que visitar museus. In: BITTENCOURT, Cir-
ce. O saber histórico na sala de aula. São Pau-
lo: Contexto, 2012.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.


Parâmetros Curriculares Nacionais. História e
Geografia/ Secretaria de Educação Fundamen-
tal: Brasília: MEC/SEF, 1997.

BITTENCOURT, Circe. Conteúdos e métodos de


ensino de História: breve abordagem Histórica.
In: __________. Ensino de História: fundamen-
tos e métodos. São Paulo: Cortez, 2008.

48 capítulo 4

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