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Do springfield ao violão, do morteiro

ao pandeiro: sambas, marchas e


reminiscências nas canções
compostas integrantes do Regimento
Sampaio da Força Expedicionária
Brasileira em 1945 e 1966*
From springfield to the guitar, from the mortar to the
tambourine: sambas, marches and reminiscences in
the gongs composed by Regimento Sampaio members
of Brazilian Expedicionary Force in 1945 and 1966

Wanderson Ramonn Pimentel Dantas


Licenciado em História pela Universidade Federal do Piauí – UFPI; mestrando em História do Brasil pelo
Programa de Pós-Graduação em História do Brasil – PPGHB – ligado à instituição anterior.

RESUMO ABSTRACT

Esta pesquisa analisa as canções interpretadas This research analyzes the songs performed in
na forma de sambas e marchas, compostas pe- the form of sambas and marches composed by
los veteranos do 1o Regimento de Infantaria (RI), veterans of the 1st Infantry Regiment, the Sam-
o Regimento Sampaio. Essas canções foram paio Regiment. These songs were recorded in
gravadas em dois momentos: “Sambas produzi- two moments: “Sambas produced in the Italian
dos na Campanha da Itália” e “Expedicionários Campaign” and “Expeditioners in rhythms”. Fol-
em ritmos”. Seguindo uma análise bibliográfi- lowing a bibliographical aspect, we intend to ap-
ca, pretendemos abordar o caráter simbólico de proach the symbolic character of Monte Castelo
Monte Castelo nas canções, e explicitar o por- in the songs, and to explain why the presence
quê de sua presença nas reminiscências. Nou- in the reminiscences. At another point in the re-
tro momento, da pesquisa, o objetivo é situar os search, the objective is to situate the audio docu-
documentos de áudio no tempo, compreender a ments in time, to understand the circumstances
circunstâncias do momento histórico no qual a of the historical moment in which the song was
canção foi composta, e as interpretações reali- composed, and the interpretations performed by
zadas pelos veteranos em 1945 e 1966. the veterans in 1945 and 1966.

PALAVRAS-CHAVE: Força Expedicionária Bra- KEYWORDS: Brazilian Expeditionary Force;


sileira; História; Sambas History; Sambas

* Artigo recebido em 12 de abril de 2019 e aprovado para publicação em 21 de maio de 2019.

Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, V. 15, no 29, p. 136-149 – 2019.
Navigator 29 Do springfield ao violão, do morteiro ao pandeiro: sambas, marchas e reminiscências nas canções
compostas integrantes do Regimento Sampaio da Força Expedicionária Brasileira em 1945 e 1966

INTRODUÇÃO tagem. A história em comunhão com as lin-


guagens, com a musicologia ou até mesmo
O pracinha brasileiro é o solda- com a etnomusicologia tem proporcionado
do que luta a mais árduas das lu- várias análises interessantes como o samba
tas sorrindo, e sim, cantando tam- no Estado Novo proposta por Adalberto Pa-
bém. Que vence os obstáculos e as
ranhos (2015), destacando como a música
asperezas da campanha, extraindo
de cada dificuldade uma pilhéria,
se tornou um instrumento político de com-
de cada vicissitude, uma anedota. bate à política do regime.
São essas pilhérias, improvisadas Atualmente, vem surgindo a necessida-
dentro do próprio perigo; é essa de não só de historicizar a música como
capacidade de contar como ane- algo que completa o que há na documen-
dota, os lances trágicos e instantes tação. A canção, nesse ínterim, funciona de
difíceis; é essa capacidade de es- forma diferente. Ela é uma fonte primária e
quecer a guerra no minuto preciso, carece de atenção especial como qualquer
que a guerra veste necessitar mo-
outra fonte documental anteriormente dis-
mentaneamente seu esforço, que
se pode chamar o moral excelente
posta. Como atesta José Geraldo Vinci de
do soldado brasileiro (HALLAWELL Moraes (2000), há a necessidade de com-
apud BBC, 1945). preender a composição em sua totalidade.
O arranjo, a interpretação e letra. A aborda-
O soldado brasileiro mostrou suas cre- gem realizada somente desse último senti-
denciais na guerra na Itália. Isto, ao conside- do ignora a totalidade simbólica da canção.
rarmos o ponto de vista do combate. Afinal Ainda mais, ele compreende que o historia-
essas demonstrações não ficaram somente dor, mesmo por não possuir noção alguma
no combate. Elas também mostraram a face de música, pode realizar uma análise sucin-
das agruras da guerra. Aí, remontamos à ta da linguagem musical.
epígrafe de Francis Hallawell. O correspon- Vale a pena destacar que esse trabalho
dente é enfático ao expor aos ouvintes a in- não é pioneiro sobre o tema. Maria Elisa
teligência do soldado brasileiro ao ponto de Pereira (2008) foi responsável por elaborar
transformar a guerra em música. Ao ponto uma tese de doutorado que tratou da rela-
de converter a tristeza, o medo, as perdas e ção entre a guerra e a música. Por outro
o perigo em controvérsias, pilhérias, anedo- lado, podemos citar aqui César Campia-
tas e embarafustadas de ritmos dançantes ni Maximiano (2004), Roney Cytrynowicz
ou não, mas acompanhado de brilhantes (2000) e Francisco César Ferraz Alves
canções e astuciosas memórias. Tal história (2009). Claro, eles representam as matrizes
é a que queremos contar. desse estudo aos quais realizaremos con-
Marcos Napolitano (2005) constante- versações com Adalberto Paranhos (2000),
mente alerta para a relação que a música Luiz Tatit (1990), etc.
tem mantido com a história. A abertura dos Aqui também realizaremos diálogos
historiadores para o novo tipo de fonte exige, com Clifford Geertz (1978) a respeito da
em contrapartida, o desenvolvimento de no- compreensão do que seria esse simbólico
vas metodologias de análise. Os estudos rea- em diálogo constante com Roger Chartier
lizados nesse sentido têm crescido, mesmo (2002) e a representação do universo simbó-
que a produção não seja considerada alta. lico presente constantemente na memória.
E, por outro lado, vale ressaltar que a pro- Com relação à memória, espacialização e
dução se permeia de grandes dificuldades identidade, pretendemos realizar diálogos
para os historiadores ao realizar análise da com Jacy Alves de Seixas (2001) e Michel
música. A interdisciplinaridade do campo, Pollak (1992) para problematizar por um
certamente contribui para as grandes possi- lado conceitos que nos são caros como re-
bilidades analíticas, as quais as produções presentação, memória e cultura.
têm se concentrado, demonstram carência Assim, a pesquisa pretende analisar a
de método analítico próprio. Julgamos que produção musical dos pracinhas desde a
aí não está a falha. Mas, sim, sua maior van- letra, às memórias cuja intencionalidade

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constava em cantar os feitos dos combaten- A penúltima parte deste trabalho alme-
tes e mostrar ainda por cima que o brasilei- ja trabalhar a representação da memória
ro é um bom soldado. Também estaremos presente nas músicas. Ao procurar respon-
atentos às interpretações, porque, sinteti- der a seguinte pergunta: de que forma os
zando Adalberto Paranhos, a interpretação combatentes apreenderam da guerra? Para
é também uma composição (PARANHOS, responder a estas perguntas, problematiza-
2000). Ao furtarmos dois momentos históri- remos as representações nas músicas rela-
cos, pretendemos contextualizar o intencio- cionando com a história do combate no dia
nal das canções e as formas que se recriam 21 de fevereiro de 1945. Cada uma dessas
por meio das interpretações. canções compõe o grande arcabouço de re-
A primeira parte do trabalho procurou miniscências dos combatentes, marcando
resumir a formação do Regimento Sampaio o seu lugar no combate. Assim, a aborda-
para a FEB, buscando informar o tipo de trei- gem se pautará por analisar as duas mídias
namento viabilizado para a Itália. O percurso “Sambas produzidos na Campanha da Itá-
dos cariocas foi longo até chegar ao com- lia” e o Long Play “Expedicionários em Rit-
plexo de defesa dos Apeninos, onde os ale- mos – 20 anos depois”.
mães estavam estacionados. Além do mais,
precisou passar por mais um período esta- “DE ONDE MESMO?”
cionado na Quinta Real San Rossore para
rearmar-se e integrar ao grosso da FEB. O 1o Regimento de Infantaria, o Regi-
Num segundo momento, é necessário mento Sampaio, situa-se na cidade do Rio
realizar um resumo da campanha no Mon- de Janeiro. Dentre as três unidades que
te Castelo. Afinal, é preciso responder a compuseram a 1a Divisão de Infantaria Ex-
pergunta: por que o Monte Castelo perma- pedicionária ao integrar o contingente em
nece na história da FEB? Buscamos aqui, 9 de agosto de 1943, por meio da Portaria
problematizar o “caminho galgado” pelos Ministerial no 43-44 (MORAES, 1947; CAS-
pracinhas mediante as narrativas escritas TELLO BRANCO, 1960; CARVALHO, 1953).
sobre os três ataques sem sucesso, tanto Em 1943, a unidade deslocou-se para
sob comando do General Paul Rutledge, a Vila Militar. O intuito era adestrar a tropa
como sob comando do General João Batista conforme o modelo norte-americano da in-
Mascarenhas de Moraes, no fatídico dia 12 fantaria antes do destino final. Os oficiais da
de dezembro de 1944, que representou uma guarnição realizaram estágios nos Estados
pesada derrota aos brasileiros. O saldo des- Unidos com o fim de aprender as estraté-
te combate para os brasileiros foi pesado. gias e táticas de batalha a ser ministradas
Pretendemos aqui problematizar as conse- aos comandados (MCCANN JR., 1995). A es-
quências das ações militares desse dia e a cola de infantaria norte-americana Fort Ben-
influência que elas exerceram logo depois, ning ofertou o curso especial de infantaria.
em 21 de fevereiro de 1945. Alguns até estagiaram em unidades norte-a-
Logo após, procuraremos contar a breve mericanas. O coronel Caiado de Castro, um
história da constituição do grupo de sam- entre os contemplados com o curso após re-
bistas-soldados. O questionamento consis- tornar ao Brasil, foi indicado a assumir o co-
te em procurar conhecer esses soldados, mando do regimento em novembro de 1943.
quem eram e como se reuniram. Nesse A unidade embarcou na manhã de 22 de
momento, a análise determinou em falar a setembro de 1944. Lotado no 2o Escalão sob
respeito das músicas do grupo, localizan- comando do General Cordeiro de Farias a bor-
do as duas produções historicamente. No do do USS General Mann. Desembarcaram
primeiro momento, procurando ressaltar o em Nápoles na jornada de 6 de outubro de
momento de euforia do fim da guerra. No 1944 para logo após serem conduzidos à ci-
segundo momento, procuraremos ressaltar dade de Livorno nas embarcações LCI – Land
a situação do Ex-combatente no grupo mu- Craft Infantry – com destino final nas imedia-
sical Expedicionários em Ritmos, no qual os ções da cidade de Pisa, na Quinta Real San
combates da memória continuam. Rossore (CASTELLO BRANCO, 1960).

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compostas integrantes do Regimento Sampaio da Força Expedicionária Brasileira em 1945 e 1966

O IV Corpo de Exército, unidade coman- Em suma, as primeiras ações militares


dada pelo então Tenente-General Willis empreendidas pelo Regimento Sampaio
Dane Crittenberger, estivera à esquerda na sucederam-se no vale do Reno: o desígnio
linha do V Exército comandada pelo Gene- de estabelecer das primeiras posições para
ral Mark Wayne Clark. Essa unidade, à qual a ação em Monte Castelo. Àquela altura, o
os brasileiros seriam integrados, justamen- objetivo do IV Corpo de Exército pretendeu
te no incurso de 1944 necessitou de novas liberar a Estrada 64 para empreender um
tropas para compor a unidade. Deveria ataque massivo à frente de Bolonha. O 1o RI
haver o mínimo para a envergadura das foi incumbido substituir o 6o RI no dispositi-
operações elaboradas pelo Estado-Maior vo da tropa divisionária (CRITTENBERGER,
do V Exército. No entanto, o comando não 1994, FERNANDES, 2011).
dispôs de amplo dispositivo de tropas a em-
pregar, mesmo que a topografia do front, “O MORRO MALDITO”
em especial, urgisse na necessidade de
tropas especialistas no combate em eleva- O avanço brasileiro impeliu avantajados
ções. O empecilho consistiu na disposição esforços. O inimigo não foi numeroso em
de tropas com treinamento específico (sal- face das unidades brasileiras. No entanto,
vo a 10ª Divisão de Montanha). Não houve o fator moral da tropa permanecia alto. Os
alternativa senão acolher tropas à revelia alemães possuíam virtudes que os tornaram
da oferta (FERNANDES, 2011). os soldados mais bem adestrados da guerra
Ao chegar à Itália, o Regimento Sampaio mesmo durante intercurso de 1944, quan-
precisou ser reestruturado para adestrar-se. do a conjuntura permanecia crítica à Wehr-
Assim, passou a ser chamado de 1o Grupa- macht. Entre as virtudes que mantiveram a
mento Tático. Passaram um período de 35 força combativa do soldado alemão, estão a
dias para receber o material americano da
Peninsular Base Section. Sob comando do obediência e a confiança, a coo-
General Euclides Zenóbio da Costa, o grupa- peração, o domínio do armamento,
mento passou por testes necessários ao uso tudo era repetido e exercitado na
liturgia rude do instrutor germâni-
das tropas. Após o abreviado período, o Des-
co. Em meio à confusão da batalha,
tacamento é extinto, para converter-se na 1ª duas coisas deveriam preponderar:
DIE, sob comando do General João Batista o autocontrole do combatente e a
Mascarenhas de Moraes. Na íntegra, o Co- ordem no seio do seu grupo (FER-
ronel Nelson Rodrigues de Carvalho especi- NANDES, idem, p. 172).
fica-nos a movimentação:
Além disso, havia por parte dos coman-
[...] o REGIMENTO SAMPAIO dantes um certo manejo e disposição es-
[...] teve de fazer seguir o seu Ba- tratégica dos soldados dado as constantes
talhão Syzeno (IIo), que na noite de
pressões sofridas desde o combate em
20 de novembro entrou em linha,
seguindo-se o Batalhão Franklin
Monte Cassino. O “modelo prussiano” de
(IIIo), na noite de 21, os quais subs- adestramento para combate permitia ainda,
tituíram, do Regimento Ipiranga. por parte dos comandantes, a
Por sua vez, a 22, Cel. Caiado de
Castro entrou na responsabilida- flexibilidade tática [...] [n]a
de da defesa do Sub-Setor Oeste, realização das manobras rápidas
instalando o seu P. C. em Marano. de reagrupamento de forças, mes-
O Grupo Sousa Carvalho (IIIo) fazia mo de unidades diferentes os (os
o apoio de artilharia. A compa- Kampfgruppen), e tanto visava,
nhia Serpa-Sá Campelo (Obuzes) digamos, aproveitar uma repenti-
e o Batalhão Uzêda (1o) perma- na oportunidade de aprofundar a
neceram, porém, à disposição do penetração nas linhas inimigas,
Comando da Divisão, em Borgo a como operar em combate, ou ain-
Capanne e Lustrola (grifo do autor; da, em circunstancias desvantajo-
CARVALHO, 1953, p. 87). sas, sustentar um movimento re-

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trógrado, agredindo e retardando pesadas baixas. A ordem de retornar aos


os perseguidores (FERNANDES, pontos de partida no intuito de reajustar o
Idem, p. 173). objetivo do ataque, foi a ação subsequente
ao balanço da operação. Os claros decor-
Ou seja, do ponto de vista tático, os ale- rentes impeliram em pôr a tropa na reserva
mães obtiveram uma ligeira vantagem em por dezesseis dias para recuperar-se física
relação aos assaltantes porque ocupavam e moralmente. Àquele momento, tornou-se
as partes íngremes, direcionando o fogo ao necessário analisar as falhas, sem deixar
sopé. Tal circunstância tornou-se nítida nos de colher informações sobre o inimigo e o
dois primeiros ataques ao Monte Castelo, peso da ofensiva malograda. Não obstante,
sob responsabilidade do Brigadeiro-Gene- o Regimento Sampaio teve de estar prepa-
ral Paul Rutledge, comandante da Task For- rado para realizar novamente a ofensiva no
ce 45 reforçada pelo do III Batalhão do 6o Monte Castelo.
RI, juntamente ao Esquadrão de Reconhe- O ataque de 12 de dezembro de 1944
cimento executaram os primeiros assaltos foi uma contingência de vários problemas.
no intercurso de 24 e 25 de novembro sob Na contramão, o General Mascarenhas
trágico insucesso. empreendeu esforços para lograr êxito na
A disponibilidade da tropa brasileira operação. Com os recompletamentos reali-
tornou-se fator que condicionou o General zados e o reconhecimento do terreno para
Crittenberger ceder o comando da operação que o ataque não envolvesse o complexo
ao General Mascarenhas de Moraes. Dentre do Monte Belvedere por meio de patrulhas
as disposições, o comando determinava a constantes. No entanto, as más condições
obrigatoriedade de garantir as posições e atmosféricas do teatro, obrigaram a mudan-
manter-se em constante progresso na linha ça do dia para 12 de dezembro. Não seria a
Monte Castelo-Monte Della Torraccia. O as- primeira vez que representariam um proble-
salto realizou-se durante a soturna virada ma sério para o estado-maior brasileiro. No
do dia 28 para 29 de novembro (CASTELLO entanto, houve firmeza ao decidir “capturar
BRANCO, 1960; MORAES, 1947). Castello e isolar Della Torraccia do maciço
No intuito de desonerar o General Mas- Gorgolesco-Belvedere” (MASCARENHAS,
carenhas de Moraes da disposição da tropa 1947, p. 119-120).
no combate, o General Euclides Zenóbio da O General Zenóbio manteve-se no co-
Costa assumiu o comando do grupamento mando do dispositivo de ataque, composto
da ofensiva. Houve um reajustamento, no no momento pelo II Btl./1o RI e III Btl./1o RI
qual constavam o I Batalhão/1o RI coman- amparados por uma Companhia de Obuses
dado pelo Major Olívio Gondim de Uzêda, III da Artilharia. Mesmo que os comandantes
Btl./11o RI do Major Cândido Alves da Silva e houvessem deliberado a ação da artilharia
o III/6o RI do Major Silvino Castor de Nóbre- antes do ataque, o Coronel Caiado de Cas-
ga, auxiliados pelo I/2o ROAR sob comando tro houve por bem decidir que os ataques
do Tenente-Coronel José de Souza Carvalho. ocorressem sem artilharia. Segundo Walter
A tropa destinou-se a Silla com destino a La de Menezes Paes, os planos dispunham as
Ca – C. Guanella – Le Roncole. bases e as formas da empreitada:
Segundo Major Olívio Gondim Uzêda
(1952, p. 35): “os elementos do Batalhão, o ataque, desta vez, será lan-
que se deslocavam da sua base de fogos, çado de surpresa. Não haverá
sob as vistas dos magníficos observatórios preparação de artilharia. O Esca-
alemães, que nos viam até a ‘alma’, foram lão de ataque precisa ultrapassar,
submetidos a fortes bombardeios de mortei- sem ser pressentido, a faixa inicial
ros, pois não tínhamos como localizá-los”. da Zona de Ação, pois aí, os ale-
mães têm muito bem ajustadas
Diante dos apoios enérgicos do General Ze-
barragens de deter, com artilha-
nóbio, os pequenos avanços não lograram ria e morteiros, responsáveis pela
êxito. Logo, a investida foi interrompida ao grande maioria de nossas baixas
anoitecer: o saldo foi negativo, logo, gerou anteriores. Devemos cerrar sobre

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compostas integrantes do Regimento Sampaio da Força Expedicionária Brasileira em 1945 e 1966

as primeiras resistências inimigas dos “sampaístas” que menções são pre-


e surpreendê-las. Nossos fogos – sentes no seu estandarte, nas várias das
inclusive os de apoio direto – só reminiscências dos ex-combatentes. Desse
serão desencadeados a pedido modo, pretendemos analisar dois momen-
das Companhias depois de revela-
tos das canções produzidas em formas de
do o ataque. (PAES, 1991, p. 82).
reminiscência: o programa Sambas nasci-
dos na campanha da Itália e o LP Expedicio-
Mediante o estabelecimento do disposi-
nários em Ritmos.
tivo, às 6h30min da manhã de 12 de dezem-
A BBC – Britanic Broadcasting Corpora-
bro, as tropas deram início aos movimentos
tion, a empresa britânica de comunicações
nas proximidades ao Monte Castelo. As
– esteve cobrindo a guerra na Itália. Francis
condições meteorológicas, todavia, emba-
Hallawell, o “Chico da BBC”, foi correspon-
raçaram os avanços em curso. Em conse-
dente do cotidiano da FEB ao longo da es-
quência da chuva fina e tonitruante durante
tadia na campanha por meio da gravação
a manhã, tornou o terreno lamacento invia-
de vários programas e crônicas cotidianas
bilizando também o emprego dos aviões do
cujos registros de áudio foram enviados
1o Esquadrão de Aviões de Caça, e inviabili-
para Londres, que logo após seriam reme-
zando o emprego dos tanques.
tidas ao Departamento de Imprensa e Pro-
Não houve sincronia na partida das
paganda (DIP), para retransmitir em ondas
tropas. O Batalhão Franklin partiu pela es-
curtas ao Brasil. Segundo Maria Elisa Perei-
querda, avançando em direção à cidade
ra (2008, p. 22):
de C. Guanella. Meia hora atrasado, partiu
o Batalhão Syzeno. Em meio ao avanço ár-
A BBC produziu alguns dis-
duo, alguns elementos do Batalhão Syzeno cos originais em acetato na Itá-
galgaram até a frente do objetivo. O fogo lia, grandes (16 polegadas), e os
cerrado das metralhadoras, os constantes reproduziu. Depois de prensados,
bombardeios da artilharia alemã martela- cada conjunto de dois discos tem
ram as posições, provocando baixas vul- seus lados alternados (A/C, B/D),
tosas. O Batalhão Franklin, por outro lado, cada lado com perto de 15 mi-
viu-se completamente entrincheirado nas nutos. Os toca-discos das rádios
bases de fogo no transcurso da cidade de tinham duas pick-ups; assim que
uma terminava de tocar o lado A,
Abetaia. Mediante as proporções dos entra-
o disc jockey soltava o lado B, que
ves, o General Zenóbio da Costa deliberou o já estava em outra, e assim suces-
término da operação, ordenando a restitui- sivamente. Na Casa da FEB do
ção da defesa dos pontos de partida (CAS- Rio de Janeiro, encontram-se as
TELLO BRANCO, 1960; CARVALHO, 1953; seguintes reproduções: “História
MORAES, 1947; UZÊDA, 1952). do 6o RI”; “Um hospital na Itália”;
Após o estorvo para a tropa brasileira, so- “Sambas nascidos na Campanha
mente restou aguardar. A neve foi um dos fa- da Itália”; Programa “Só pena que
tores que impeliram o comando do IV Corpo voa”; Programa “Hora – Rancho” e
“Hora – Mala Postal”; “O Regimen-
de Exército a não empreender mais a ofen-
to Sampaio [1º RI] e a artilharia
siva. O momento foi propício para manter-se divisionária”; “O 11o RI”; “Conjun-
na defensiva. Era necessário angariar recur- to da Cobra Fumando”; “O mestre
sos, preservar as tropas para a grande ofen- pracinha”; “Caro expedicionário”;
siva planejada para o verão de 1945: o Plano “Com as forças brasileiras na Itá-
Encore (BONALUME NETO, 1995, 183). lia” e “Missa na Catedral de Pisa”.

OS EXPEDICIONÁRIOS EM RITMOS: A Aqui, os pracinhas escreveram músicas


HISTÓRIA DOS SAMBISTAS-SOLDADOS que se misturam em teias simbólicas. Suas
memórias reevocadas especializam-se e
Esse capítulo da história militar brasi- deste modo tornam-se signos representati-
leira perpetuou-se de tal modo na memória vos, ou como prefere Clifford Geertz e Roger

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Chartier, são símbolos imersos nessa teia onde vi muito tedesco”, “Cabrocha baiana”,
de significados do grupo para significar a si “No Brasil tem”, “Tedesco levante o braço”,
mesmos (CHARTIER, 2002; GEERTZ, 1978). “Sorrindo e cantando” e “Minha homena-
Assim, o período coincidiu com o auge do gem”. Os brasileiros encantaram com os
rádio brasileiro, a “era de ouro” da música sons compostos. Além do mais, inovaram
popular brasileira. Sejam artistas renoma- ao produzir, pois convertiam agruras, difi-
dos ou populares, adquiriam notoriedade a culdades, tensões e mortes na irreverência
ponto de retransmitir em ondas curtas pelo do samba, da marcha. Apropriavam-se das
País. As várias rádios clube serviram de pal- agruras e transformavam em pilhérias.
co para divulgações de composições popu- Após a apresentação, os sampaístas no
lares como programas desenvolvidos pelo 5o escalão de regresso da FEB. O 1o esca-
DIP (PEREIRA, 2008; VICENTE, 2017). lão presenciou a euforia contagiante do
A rendição incondicional dos alemães, Rio de Janeiro. Ocasião que rapidamente
em 2 de maio de 1945, findou a guerra. A arrefeceu. Isto porque, ao contrário do que
FEB passou um período curto na ocupação imaginavam, os diferentes ex-combatentes
militar, para desmobilizar-se e voltar ao Bra- viveram períodos que Francisco César Alves
sil. As apresentações realizadas em Franco- Ferraz (2010) distingue como desmobiliza-
lise logo após o término da Campanha em ção e festas: houve festas, comemorações
1945 envolveram os combatentes do Regi- bebidas pagas, promessas de emprego. O
mento Sampaio anteriormente ao remane- processo de esquecimento acelerado pelo
jamento para Nápoles, ao ter como destino passar dos anos obteve contribuição de fa-
final o Brasil. O Coronel Aguinaldo Caiado tores políticos e militares, principalmente
de Castro pensou numa forma de descon- a alta oficialidade “caxias” do Exército. Os
tração e comemoração mediante o sucesso febianos não se tornaram esse vetor de mo-
da unidade, com a apresentação da banda dernização do Exército como planejou-se
sob o comando do Primeiro-Tenente Haral antes de enviá-los, em contrapartida, eles
Tabb de Morais. assumiram a posição de agentes de memó-
A iniciativa partiu do então Cabo Sera- ria da FEB nas associações.
phim José de Oliveira em 1943. Durante o Ao assumir essa tarefa, a batalha dos ve-
período de aquartelamento na Vila Militar, teranos verteu-se na trincheira da memória.
a rotina intensa impelia na concessão de A memória tornou-se a eles sua identidade,
pequenas folgas cujos momentos impera- Sintetizando Pollak, os veteranos constroem
vam a descontração. Os relatos de alguns a si mesmos por meio das lembranças, ou
ex-combatentes são vivazes ao caracterizar seja, assimilam uma identidade (POLLAK,
suas experiências com a música. Nesse 1992). Desse modo, as associações de ex-
ambiente, ele descobriu outros que tam- -combatentes, por exemplo, tornaram-se
bém improvisavam músicas. Destarte, a essa vanguarda na luta contra o esqueci-
ele, juntaram-se os Terceiros-Sargentos Ary mento (FERRAZ, Idem). No entanto, algu-
Carvalho Vasconcelos, Quialdo A. Lemos; os mas outras armas para o combate, como o
Cabos Walter Gomes, José Augusto Noguei- Long Play, Expedicionários em Ritmos – 20
ra, Newton Ventrik Braga, Arode Lourenço anos depois –, reataram laços com o passa-
da Silva, Hermínio Pacheco de Resende; e do vitorioso. O reencontro do grupo compos-
os Soldados Natalino Cândido da Silva, Pieri to por Seraphim José de Oliveira, Raimundo
Junior e Eupídio Viana. Oliveira da Silva, Arodi Lourenço da Silva,
Naquele momento, os companheiros no- Pieri Júnior, Nelson Barros, Newton Ven-
vos dos músicos-infantes trocaram instru- trick Braga, José Augusto Nogueira, Ary de
mentos: o springfield pelo violão, o pandei- Carvalho Vasconcelos; sob companhia dos
ro pelo morteiro, que estiveram presentes instrumentos, respectivamente: crooner e
nas ações do dia 21 de janeiro 1945. Logo violinista, violinista, violinista tenor, tantan,
após uso das armas, resolveram contar o pandeiro, cabaça, reco-reco, ganzás; signi-
combate/experiências em oito canções: “Pa- fica um novo momento artístico para os ex-
rabéns”, “a Lurdinha está cantando”, “Mas -combatentes no campo artístico e político.

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compostas integrantes do Regimento Sampaio da Força Expedicionária Brasileira em 1945 e 1966

O LP continha 12 músicas, concomitan- gravação da música popular seguiu-se da


temente: “Presente”, composta por Roldão abertura do mercado musical para empre-
Alves Guttemberg; “Heróis da Retaguar- sas estrangeiras, cujo interesse mercado-
da”, por Pieri Júnior; “Tedesco levante os lógico visava artistas nas grandes mídias.
braços”, por Pieri Junior; “A Lourdinha está Ele concorda com Marcos Napolitano que
cantando”, por Natalino Cândido; “Onde eu o mercado de LP’s ainda não se apresenta-
vi muito tedesco”, por Natalino Cândido; “Te- va a uma grande massa de consumidores.
desco eu quero ver”, Seraphim José de Oli- Pelo contrário, voltar-se-ia para um merca-
veira; “Capitão Iedo comandou”, Seraphim do regional e o público de menor valor aqui-
José de Oliveira; “Minha homenagem”, por sitivo. Lançaram novos artistas, e novos es-
Pieri Junior; “Sorrindo e cantando”, por Pieri tilos; e reataram com estilos que voltaram à
Junior; “Acelerado”, Seraphim José de Oli- época saudosa do samba carioca.
veira; “Parabéns à FEB”, por Seraphim José
de Oliveira e por fim, “No Brasil tem”, de au- FORJOU O REGIMENTO SAMPAIO MAIS
toria do anterior. UM ELO NA FEB PARA A HISTÓRIA DO
O Capitão Seraphim José de Oliveira, BRASIL!
aproveitando do cargo no Serviço de Rela-
ções Públicas do Ministério da Guerra, foi César Campiani Maximiano (2004, p. 353)
responsável por esta reunião. A apresenta- atenta para a importância da compreensão
ção no Clube Municipal do Rio de Janeiro da vivência dos expedicionários no front por
rendeu, além de relembrar as canções que meio do caráter simbólico das suas produ-
marcaram a vida de cada um, calorosos ções. A fabricação de memórias, as várias
aplausos para o delírio de uma plateia bem representações, sejam elas por meio de fo-
mais ampla que os expedicionários de ou- tos, áudios, e testemunhos escritos, cons-
trora (EXPEDICIONÁRIOS, 2002). O cenário tituem-se vetores para compreender suas
musical permuta-se. O rádio cede lugar para apropriações da guerra. Desse modo, tais
a indústria de LP’s. Considerando a situa- formas foram reflexos em fatores de expres-
ção periférica do Brasil, Marcos Napolitano são e tensões do front refletida na produção:
(2005, p. 37), compreende que, naquele pe- “Uma fonte que auxilia o entendimento das
ríodo, havia um comércio em ascensão: “o racionalizações criadas pelos febianos, para
consumo de produto fonográfico mais caro lidar com a realidade da guerra são as poe-
da época em questão – o LP – era o carro- sias e as canções compostas pelos solda-
-chefe da indústria, uma tendência próxima dos, muitas vezes escritas dentro de seus
aos países capitalistas centrais”. abrigos individuais no front”. Em suma, tal
A repercussão levou-os longe. Ao pon- consideração torna possível também, com-
to de o grupo apresentar-se no programa preender o delineamento da ofensiva. Desse
de TV do apresentador João Roberto Kelly. modo, continuaremos a analisar os dois mo-
Nesse momento, o grupo entra no eixo mentos das canções e as formas musicais
mercadológico da música popular, corro- que tomaram.
borando com a gravação do LP durante o O comando brasileiro foi incumbido de
ano de 1965 (EXPEDICIONÁRIOS, op. cit.). realizar difícil missão. O IV Corpo delimitou
A proposta de gravação justamente por que a ofensiva não seria realizada somente
reatar com a “Era de Ouro” do samba em pela FEB, tanto que houve ajuda da recém-
contraposição a uma época em que a MPB -ingressa 10th Mountain Division. A unida-
e a Bossa Nova representavam a nova linha de ficou responsável por compor a ofensiva
de frente da música popular. A gravadora principal em direção ao Monte Della Torrac-
Chantecler dispôs interesse na iniciativa. cia com o dispositivo de ataque da 1a DIE
Aproveitando o saudosismo histórico dos à direita, mantendo contato com o 371o RI.
agentes de memória no processo de re- Durante a alvorada do dia 18 para 19, as ope-
memoração, a gravadora tem interesses rações começaram e a tropa americana lo-
mercadológicos. Segundo Eduardo Vicen- gra êxito sobre o Monte Belvedere seguindo
te (2017), a crescente hierarquização da para dispor condições para o avanço geral.

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Wanderson Ramonn Pimentel Dantas

Coube ao Regimento Sampaio, apare- Queria me acertar


lhado no dispositivo de ataque, adentrar em Mas eu também
linha durante a virada do dia 20 para o 21. Que conduzia o meu 60
O grupamento continuou sob comando do Fui metendo a mão na venta
E 88 fiz calar [...]
General Zenóbio e manteve a configuração:
I Btl/1o RI, III Btl/1o RI e II Btl./11o RI com O 105 atirava com afinco
auxílio do 1o GAvCA. O primeiro objetivo foi Era quatro e era cinco
tomar Mazzancana para poder empreender Nossa tropa avançava
ataque sobre o Monte Castelo. O II Btl./11o A aviação que
RI ficou na região de Abetaia para realizar Causou grande confusão
manobra diversionária. Cada vez que se abaixava
Ao iniciar a investida às 5h30 do dia 21 de Era um ovo que soltava (BBC,
fevereiro, os brasileiros movimentaram-se idem).
rumo ao objetivo. A ação militar foi captada
pela canção composta e interpretada pelo A citação é longa, mas torna-se válida a
Soldado Natalino Cândido “Onde eu vi mui- nossas pretensões. O autor não pretendia
to tedesco”, na qual ator tomou parte como somente mostrar seus feitos, queria apontar
soldado. Ele demonstra destreza ao narrar a que o infante não dispunha somente da “Lur-
tomada do Castelo pelo fato de realizar uma dinha” como inimiga: havia também o “tal de
embolada: ritmo característico do Nordeste, 88”. Aqui, ele faz referência ao temido Flak
embarafustado de tom satírico, ele demons- 88, a arma projetada para destruir tanques e
trava à sua maneira guerra: aviões, como também era convertida em ar-
tilharia para avanço da infantaria. No entan-
Mas onde eu vi muito tedesco to, contorna a situação com que dispunha: o
Foi no Monte Castelo “60”, o “105” e o “ovo da aviação” provaram
Subindo ao monte o sobressalto brasileiro sobre a tropa que
Encontrei sinhá Lurdinha defendia o Monte Castelo. Respectivamente,
Tava toda afobadinha
o morteiro de 60 mm, o obus de 105 mm e
Querendo me pegar
Joguei-me ao solo
os P-47 Thuderbolt, caças-bombardeiros que
Comecei a rastejar martelavam as posições dos alemães nas
Farejava, farejava alturas “soltando ovos”, ou seja, as bombas.
Mas nada de me encontrar Impôs a muitos o abandono das posições fir-
(BBC, 1945). memente defendidas e bem-dispostas no ter-
reno íngreme. A ação do Senta a Pua foi fun-
O estilo musical combina características damental a garantia do avanço das tropas.
das Jazz bands, influenciada pelos instru- Cada unidade experienciou de sua forma
mentos de sopro típicos aos aspectos da no dispositivo de ataque da FEB. Cada ex-
música popular com a gíria da malandra- -combatente, a seu modo, possui uma forma
gem carioca, sem olvidar o caráter nordes- de relatar os acontecidos daqueles dias. O
tino de “embolar”, bem característico da Soldado Pieri Junior, o enfermeiro da 8a Cia.
música popular carioca. Em tom de dúvida, do III Btl., mantinha posto avançado às li-
ele inquire ao cantar o estribilho para que o nhas inimigas. A canção, embarafustada na
restante do grupo responda: “foi no Monte gíria “Tedesco levanta os braços!”, represen-
Castelo!”. Sem auferir característica despro- ta o inevitável contato com o inimigo, cuja
posital, ele procura reforçar a quantidade de ação primária consta em desarmá-lo para
alemães que enfrentou a galgar o objetivo. O não apresentar perigo. Na canção a seguir,
valor simbólico da canção fala das dificulda- ele expõe a situação que os infantes brasilei-
des do infante ao enfrentar a metralhadora: ros passaram no dispositivo de ataque:
abaixar era necessário para manter-se vivo.
Tedesco levante o braço
Logo em seguida E peça a paz
Vinha um tal de 88 Tedesco levante o braço
Que também todo afoito Que já é tarde demais

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Navigator 29 Do springfield ao violão, do morteiro ao pandeiro: sambas, marchas e reminiscências nas canções
compostas integrantes do Regimento Sampaio da Força Expedicionária Brasileira em 1945 e 1966

Resolva logo a sua situação de reinventar-se, por constantemente por-


Que lá vai tiro de metralha que ela segue os ritmos presentes na cul-
De bazuca e de canhão (BBC, tura popular. Os sambistas ex-combatentes
idem). reinventam-se também. Nesse momento,
os “sambas fazem-se e refazem-se” apro-
A marchinha incorporou a estrutura rít- priando-se de algumas novas caracterís-
mica americana esbanjando solos de pistão ticas que no programa “Sambas nascidos
e trombone antes e depois da letra, somado na Campanha da Itália”, ainda não estavam
ao acompanhamento do violão. O autor da presentes. Como ressaltamos, eles foram
letra também é o intérprete. Mas, durante a convidados para regravar algumas can-
frase “Que lá vai tiro de metralha/ De bazu- ções. O que percebemos é que há uma
ca e de canhão”, o grupo faz coro à sua voz nova roupagem, porque os sambas agora
solitária. A música reveste-se de tons bem estão voltados para o show business, e a
característicos da cultura popular brasilei- relação entre mercado e música, segundo
ra com o aspecto lúdico, no entanto não Luiz Tatit (1990), estará mais considerada.
esconde a tensão da circunstância. Seme- Ora, a própria proposta da Chantecler para
lhante experiência obteve o Terceiro-Sargen- reatar com um estilo de música regional,
to Silas Munguba, pertencente ao grupo de favorecendo a um mercado popular repre-
combate da do I Btl. Aborda a respeito da senta uma estratégia de mercado.
famosíssima patrulha do Tenente Rigueira, A canção composta por Natalino Cândi-
em que o sargento foi atrás de alemães na do, “A Lurdinha está cantando”, passa por
casa de um italiano próximo do Monte Cas- uma modificação considerável. Ela possui
telo. Na íntegra, ele relata: um novo aparelho rítmico, mais sincopado
e com a presença de percussão. Ao con-
Quando a gente chegou e trário do primeiro momento, haverá outro
olhou, o coitado do italiano viu ponto circunstancial para modificação da
aquilo e deu um berro: ‘sentine- música: o engenheiro do som. Ao retomar-
la tedesca’, ‘sentinela alemã’. Ao mos Luiz Tatit, ele define este homem como
dizer isso, o toco – que era um vi-
o “produtor, diretor ou técnico do som, esta
gilante, um vigia que eu pensava
personagem oculta cuja habilidade é to-
ser um toco – virou-se para mim
e deu um grito [...] raus! raus!, [...] talmente desconhecida do grande público
dizem que é ‘fora daí’ num tom está por trás de inúmeros êxitos no mer-
bem agressivo. Empunhei a me- cado do disco” (Idem, pp. 41-42). A música
tralhadora, aponto para ele (estava possui recursos musicais que não haviam,
bem perto, talvez uns 15 metros); como o sibilar de uma metralhadora duran-
quando puxo o gatilho, não funcio- te o estribilho:
na; [...] peguei a granada de mão;
quando fui botar o dedo no aro Você já viu iaiá
para tirar o grampo, não entrava, Você já viu iaiá
porque a luva era grossa. Repare, No front, a Lurdinha cantar
tudo isso em décimos de segun- A turma tem que ficar
dos; então tirei a luva com os den- Atenta para escutar
tes, arranquei o grampo e lancei a É a metralha vamos atacar (NAS-
granada. Acabei com aquele ca- CIMENTO, 2014).
marada ali (BRASIL, 2001, p. 94).
Quanto ao valor simbólico, a música
As reminiscências do ataque ainda re- apresenta peculiaridades a respeito do valor
servam mais histórias. Os três batalhões em do comando em uma missão. O infante pre-
linha naquele dia a cada avanço, obtiveram cisa ficar atento para os desdobramentos
perspectivas diferentes da guerra. durante as operações. Ricardo Bonalume
Noutro momento, urge analisar algumas Neto (1995, p. 197) atesta que havia a neces-
canções divulgadas no LP Expedicionários sidade constante de empregar fogo e movi-
em Ritmos. A música é conhecida pela arte mento porque

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Wanderson Ramonn Pimentel Dantas

Mudando dinamicamente o ponto de Sob o comando


onde sai o fogo das diversas armas, fazen- Do bravo capitão
do as unidades se apoiarem mutuamen- Aproximei-me do buraco
te, requisitando o apoio da artilharia, o Onde estava o alemão
avanço pode prosseguir desse modo sis- Quando ele viu
temático. Mas não é fácil. O soldado que O fio do meu padrão
avança se expõe. O bicho ficou tremendo
E caiu duro no chão
Aliás, não podemos esquecer que o ex-
-combatente andava com 25 kg a mais car- [...] O brasileiro
Com bravura e devoção
regando o fuzil e cunhetes com as balas e
Conquistou Monte Castelo
outros materiais em franca progressão es- Que era do alemão
carpada (MAXIMIANO, 2004). Assim, urgia o No corpo a corpo
valor da liderança, como o restante da can- Houve muita confusão
ção evidencia: Foi até rabo de arraia
Pauladas e pescoção (NASCIMENTO,
A voz de comando 2014).
É firme e segura
A turma avança A marcha-rancho em ritmo menos sinco-
Ninguém tem paúra pado e mais marcada e mais ritmo apresenta
Aquele corre-corre deixa até a roupa!
na composição constante acompanhamen-
Pro brasileiro, alemão é sopa!
Pro brasileiro, alemão é sopa! (NASCI-
to de violão e da batucada bem compassa-
MENTO, 2014). da. Outro ponto importante é a presença
dos backing vocals em breque, cujas vozes
Sem se abster da malandragem, o autor femininas fazem eco a voz de Guttemberg.
da música embarafusta a linguagem com Esse é outro aspecto que proporciona-nos
termos cariocas e italianos. “Paúra”, reme- entender a importância da engenharia so-
te-se a medo: coisa que o combatente deve- nora na constituição do som.
ria esquecer no momento que “corre-corre” Quanto ao aspecto simbólico, podemos
para tomar a metralhadora. Natalino Cân- perfeitamente compreender o valor do co-
dido, noutro momento, em vídeo gravado, mandante durante os combates. Cujo com-
afirma o porquê da expressão “pro brasilei- bate corpo a corpo foi necessário muitas
ro alemão é sopa”. Ele afirma que era uma vezes. O Capitão Yedo eternizou-se por ser
forma de desmoralizar – o que é bastante um dos gravemente feridos durante a toma-
comum no front, todos os apelidos como da. O Major Olívio Gondim de Uzêda ressal-
“tedesco”, “fritz”, “hans” eram demasiada- ta a importância que o valente capitão da 3a
mente comuns para a tropa aliada – me- Cia exerceu durante o assalto, realizando
diante a propaganda alemã, que afirmou patrulhas e limpando a área da cota 1027 a
que o “o preto brasileiro manchava os bran- Carjé. Por volta das 16 h, a Cia do capitão
cos” e que “todo preto brasileiro é sifilítico” deslocou-se a noroeste do alvo, onde os pro-
(NATALINO, 2014). gressos desimpedidos de alguns dos seus
O valor da liderança ainda é realçado comandados mais avançados tomaram-no
pela figura do Capitão Yedo Jacob Blauth. às 18 h. Logo após tomar-se o objetivo, era
A música composta por Pieri Junior e in- necessário estabelecer dispositivos defen-
terpretada pelo Seraphim José de Oliveira, sivos para repelir contra-ataques e prote-
“Capitão Iedo comandou”, ressalta o brio de ger-se contra a “chuva de artilharia”, que o
um dos comandantes ativos na tomada do vitimaria (UZÊDA, 1952; CARVALHO, 1953).
Monte Castelo. À guisa da representação: Ao que parece, o Capitão Blauth apela ao
comandante do batalhão para o reforço de
Capitão Yedo comandou (comandou!) mais uma subunidade. O Major Uzêda, por
A minha terceira atacou outro lado “incentiva-o, faz-lhe um apelo em
Escalamos com nossas baionetas nome do Brasil, dizendo-lhe que nossa mis-
Foi só pena que voou! são ainda não está completa” (Idem, p. 114).

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Navigator 29 Do springfield ao violão, do morteiro ao pandeiro: sambas, marchas e reminiscências nas canções
compostas integrantes do Regimento Sampaio da Força Expedicionária Brasileira em 1945 e 1966

E realmente não estava. Àquele momento, FERNANDES, 2015; MORAIS, 1947). Contu-
faltava a tomada do complexo do Monte Della do, o que representou para os soldados? Po-
Torraccia, que ainda não havia estado em demos dizer que seria uma questão de hon-
mãos americanas devido à resistência inci- ra, mas de honrar as vultuosas baixas que
siva das defesas alemãs. Os avanços foram o morro demandou para ser tomado. Não
sendo empreendidos para a linha Roncovec- menos importante, o morro imortalizou-se e
chio–Seneveglio pelo III Btl./11o RI do Major hoje faz parte da tradição do Exército come-
Ramagem e o II Btl. do Major Syzeno toma- morar o dia 21 de fevereiro de 1945.
ram o Monte Della Caselina, avançando por Os combatentes do Regimento Sampaio
La Serra. Retomando novamente à canção foram herdeiros das glórias do grande Gene-
de Natalino Cândido, a tropa do Batalhão ral Sampaio o herói de Tuiuti. Não foi despre-
tensiosa a forma que a batalha do Castelo
Major Syzeno também fez a sua guerra aparece em muitos relatos. A eles, essa foi
Com a conquista de La Serra a “Batalha de Tuiuti” dos ex-combatentes.
Com todo seu batalhão As dificuldades dos três últimos ataques do
E foi a quarta
qual participaram renderam muitas vidas de
Foi a quinta
E foi a sexta
homens. Inclusive não podemos dizer que
Até mesmo CPP com 81 em posição houve marcas somente pelos que tomba-
(NASCIMENTO, 2014). ram: os que perderam membros, os psicolo-
gicamente afetados pelas agruras também
Tremendo foi o combate! A “sexta” (6a sofreram em longo prazo preço muito caro,
Cia.) comandada pelo Capitão Wolfango por sinal, de cada tentativa.
Mendonça adentra o dispositivo protegido Os homens que em 1945 cantaram para
da cota 958 ao objetivo, percorreu campos o Brasil por meio da rádio e que novamente
minados e o bombardeiro frenético. Expul- cantaram em 1966 para os ouvintes de LP
sou os alemães por volta das 23h e ainda desejavam não somente perpetuar a gló-
suportou três contra-ataques. As operações ria do Regimento, mas mostrar o caráter
em torno do Monte Castelo estavam encerra- humano, ou melhor, as representações do
das nesse momento (CARVALHO, 1953; MO- infante sobre a batalha e também lutar in-
RAES, 1947). Mas, os avanços não poderiam tensamente contra o esquecimento ao qual
parar, já que ainda havia muitos alemães os ex-combatentes diariamente sofrem,
para serem expulsos no Vale do Marano. aliado a outro, tenaz e implacável: o tempo.
Por fim, ressaltamos que o aspecto malan-
CONSIDERAÇÕES FINAIS dro, típico dos cariocas ritmado ao dever
de comprometimento aos companheiros,
Apesar disso, resta saber por que o Mon- como destaca Ricardo Bonalume Neto:
te Castelo aparece tantas vezes na música “Cada veterano tem orgulho da sua unidade
dos Expedicionários? Muitos autores deno- e acha que ele era a melhor, desde o regi-
tam que a tomada daquele objetivo lavou a mento [...] até as menores frações como pe-
honra dos comandantes brasileiros (CAS- lotões e grupos de combate” (BONALUME
TELLO BRANCO, 1960; CARVALHO, 1953; NETO, 1995, p. 132).

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