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INTRODUÇÃO
Este trabalho que passamos a discorrer sob a forma de relato de caso, encontra-se em
desenvolvimento desde 2012, na Escola Municipal Professora Amélia Câmara dos Santos, no
município de Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro.
Dentre outros trabalhos que desenvolvemos como professoras de Sala de Recursos, chamou-
nos a atenção particularmente dois alunos que passaremos a denominar como A e B, com
laudos de Síndrome de Asperger, recentemente reclassificada no DSM como uma forma
branda da autismo, recomendação que deverá ser mundialmente adotada.
Sabemos que para aquisição das habilidades sociais todas os indivíduos necessitam de apoios
diferenciados de acordo com sua idade, competências e ambientes sociais. Os apoios são
recursos e estratégias que visam promover desenvolvimento, a educação, os interesses e o
bem-estar de uma pessoa, melhorando seu funcionamento individual. De acordo com
Luckason e colaboradores ( 2006) o comportamento adaptativo pode ser definido como um
conjunto de habilidades sociais, conceituais práticas adquiridas pela pessoa para corresponder
às demandas da vida cotidiana. Geralmente os alunos aprendem estas habilidades nos
ambientes naturais onde vivem, ou seja, em casa, na escola e na comunidade; porém,
educandos com necessidades especiais necessitarão de atividades planejadas, com objetivos e
metas pedagógicas para que desenvolvam estas competências.
Estes apoios devem ocorrer de forma regular em ambientes integrados e serem oferecidos no
espaço onde a pessoa vive, estuda, trabalha e se diverte. Eles devem envolver além de o
próprio indivíduo, familiares, professores, profissionais de saúde ou ajudas técnicas.
A escola regular, de uma maneira geral, não foi, nem é planejada para acolher a diversidade
de indivíduos, mas para a padronização, para atingir os objetivos educativos daqueles que são
considerados dentro dos padrões de “normalidade” ( MARTINS, 2006). Assim, vem
segregando e excluindo, de várias formas os que fogem destes padrões por requererem em seu
processo de aprendizagem respostas específicas ou diferentes das que são comumente dadas à
média dos alunos.
Não há mais como “fingirmos” ignorar àqueles que possuem necessidades educacionais
especiais que se apresentam em nossas salas de aula, em nossos pátios, refeitórios, enfim em
todos os espaços que permeiam nosso fazer pedagógico. A realidade da escola pública é,
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DESENVOLVIMENTO
O Brincar de uma maneira mais abrangente possível, explorando todas as suas formas, foi
nossa escolha de trabalho com nossos alunos S.A.
Brincar, tradução do dicionário Aurélio- divertir-se, fazer algo por brincadeira, gracejar, fazer
de conta, fingir ser – nos pareceu a melhor opção de estratégias de inclusão dos alunos em
questão.
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por exigir das crianças formas mais complexas de relacionamento com o mundo.
(OLIVEIRA, 2002)
Segundo, Oliveira, a memória mediada pelo signo tem entendimentos mais complexos, e
existem inúmeras formas de usar signos como subsídios para atividades psicológicas.
Os signos fazem com que o indivíduo liberte-se e saia do “espaço e do tempo presente” e
entre para o “tempo imaginário”, visualizando situações que poderão vir a acontecer. O tempo
vivido pressente o tempo futuro.
Para Oliveira, o surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de signos é
um momento relevante no desenvolvimento da espécie humana, momento em que o biológico
transforma-se no sócio-histórico.
É neste momento que a criança deixa de brincar sozinha e passa a perceber o prazer e a
interação com o outro. Quando ela percebe que a linguagem verbal pode ser usada junto a
suas atividades, a criança vê-se inserida no meio em que vive, e podemos perceber que no
momento que a criança vê a possibilidade de usar a linguagem como modo de inserção na
sociedade em que convive, ela inicia a utilização da linguagem como instrumento de
internalização de papéis, tanto que nas brincadeiras de faz de conta, as crianças interpretam as
falas das pessoas de seu convívio e desta forma transformam-se ,transformando e construindo
o mundo ao seu entorno.
Onde a criança poderá manifestar e exercer sua autoridade, sua oposição, sua
generosidade, sua clemência, em resumo, todas as raízes e as flores da sociedade, se
não for em estado livre, entre seus semelhantes? Eduquem as crianças pelas
crianças. A entrada na sala de jogos é, para elas, a do mundo, e é a troca com seus
pares que desenvolve suas forças intelectuais. ( RICHTER apud BROUEGÈRE
1998, p.65.)
Na brincadeira a criança encontra sentido para sua vida. Graças ao faz de conta a criança pode
imaginar, imitar, criar, ou jogar simbolicamente e assim, pouco a pouco vai reconstituindo
esquemas simbólicos. Com isso, pode ampliar seu mundo, estendendo-se ou aprofundando
seus conhecimentos para além de seu próprio corpo; pode encurtar tempos, alargar espaços,
substituir objetos, criar acontecimentos. Além disso pode entrar no universo de sua cultura ou
sociedade, aprendendo costumes, regras e limites. Percebe-se que ao brincar as crianças vão
construindo a consciência da realidade, ao mesmo tempo em que já vivem uma possibilidade
de modificá-la. Nosso trabalho privilegia as brincadeiras como forma de constituição dos
sujeitos, através das interações sociais e verbais.
O grupo é um rico contexto sociolinguístico que ajuda a criança adquirir ações
socioculturais e linguagem, já que nele a criança está embebida em ações mediadas
cujo agente usa recursos culturais e veiculam grande diversidade de experiências e
conhecimentos. (PANHOCA, 1999)
Apresentamos a seguir, algumas características dos alunos S.A. atendidos em nossa Sala de
Recursos e por nós observados:
Aluno A: V., sexo masculino, 8 anos, Asperger, aluno do 3º ano do ciclo de alfabetização.
Mora com os pais, filho caçula de dois irmãos. Mãe relata gestação sem intercorrências. Pais
zelosos, que apesar de trabalharem fora, revezam-se nos cuidados e na educação dos filhos. V.
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sistema aristocrático. Para o autor, esse sistema aparece dissimulado ainda hoje na televisão,
no cinema, nos circos e no teatro. Para descrever o funcionamento desse sistema que visaria a
romper a legítima e livre expressão promovida pela iniciativa popular de teatro, o autor cita:
Começa o espetáculo. Apresenta-se o herói trágico. O público estabelece com ele
uma forma de empatia. Começa a ação trágica. Surpreendentemente, o herói revela
uma falha no seu comportamento (hamartia) e, mais surpreendentemente ainda,
revela-se que, em virtude dessa falha (hamartia), o herói alcança a felicidade que
agora ostenta. Através da empatia, a mesma hamartia que o espectador possui é
estimulada, desenvolvida, ativada. (BOAL, 1975)
Descrição: Foi formada uma roda entre as crianças, onde mantivemo-nos no círculo com uma
bola de vôlei . A bola era jogada para a criança, que deveria segurá-la com ambas as mãos e
devolvê-la da mesma maneira à pessoa no centro da roda.
Na segunda rodada a criança deveria, simultaneamente, além de devolver a bola para o centro
da roda, obedecer a alguns comandos: emitir uma palavra iniciada por uma letra solicitada; ou
descrever quantas sílabas existiam numa palavra pronunciada pela pessoa do centro da roda;
ou responder o resultado de uma operação simples de soma, subtração, multiplicação ou
divisão. Devia assim manter a atenção na coordenação motora e na resposta.
Os alunos A e B hesitaram em participar e reagiram com nervosismo e medo diante da
atividade. Repetiam várias vezes que não eram capazes de conseguir e que não queriam tentar.
Ao perceberem a participação dos demais, decidiram experimentar e se tornaram os mais
habilidosos participantes do jogo, em seu aspecto de respostas às demandas de palavras e de
operações numéricas. Requereram um tempo maior para desenvolver suas potencialidades
motoras.
Esta habilidade descoberta por eles neste jogo (cognitiva), trouxe-lhes certa segurança que
contribuiu para seu sucesso em posteriores jogos similares. Este aspecto atuou diretamente na
melhora da autoestima.
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CONCLUSÃO
Com base nos processos de investigação (diagnoses) ,dos alunos A e B efetuadas em 2012 e
após um ano de trabalho com estes alunos tendo prioritariamente as brincadeiras e os jogos
teatrais como ferramentas auxiliares, podemos realizar algumas análises e expor algumas
considerações. Para entender os resultados apresentados, devemos percebê-lo em três etapas
distintas.
A primeira, englobando o primeiro trimestre do trabalho, durante o qual os alunos A e B
demonstraram muito entusiasmo em participar das atividades, geralmente seguido de uma
frustração com os resultados produzidos.
Esta etapa caracterizou-se por um momento em que os alunos apresentaram dificuldades em
identificar as possibilidades, não viam saídas e expressavam um desânimo em face do que
está pela frente do jogo.
Demonstraram dificuldade em modificar sua rotina, em ampliar seus interesses, (fato esse
facilmente identificado em seu texto oral), incapacidade de colocar-se no lugar do outro,
tornando-se dessa forma o que alguns definem como “estranhos no ninho”, inabilidade no
cumprimento de regras de socialização, desatenção e apatia em seu dia a dia escolar.
Portanto, nesse primeiro trimestre se caracteriza como uma criança desinteressada e
angustiada com o produto de seu trabalho.
Na segunda etapa, que engloba o segundo trimestre de trabalho, ocorre uma mudança
subjetiva importante, pois os alunos, gradativamente, conseguem encerrar suas participações
nos jogos e brincadeiras de maneira eufórica e satisfatória diante de suas produções,
marcando uma nova etapa no processo. Iniciam a saída da situação de impasse e desinteresse
e começam a tomar consciência e a se satisfazer com o produto de seu trabalho no jogo,
valorizando sua atuação no brincar e na vida.
Na terceira etapa, que engloba o período até o final do processo após uma mudança de
posição, nossos alunos já apresentam um comportamento significativamente diferente do
relatado no início de nosso trabalho.
No entanto, apesar dessa mudança de posição presente no jogo, os alunos permanecem
afetados pela situação familiar. Ou seja, ainda lhes falta o olhar dos pais, confirmado,
inclusive, no encontro em que a mãe do aluno B, registra um depoimento de referência ao
descaso e ao desafeto do pai do aluno dispensados ao mesmo.
Entretanto, mesmo diante dessa situação, os alunos encontram no espaço do trabalho com os
jogos teatrais e brincadeiras, uma abertura para atividades mais sublimadas; e ainda um
espaço onde podem se mostrar e serem vistos, e é exatamente isso que esses alunos pedem o
tempo todo, em forma de transferência e são atendidos. Eles se caracterizam como crianças
que iniciam uma mobilização diante da situação do impasse e começam a se satisfazer com o
produto de suas participações.
Essas diferenças, percebidas pelos atores envolvidos no processo educacional, tais quais,
maior autonomia, comunicação, interação, empatia, maior número de interesses, melhor
coordenação motora, posição frente a situações-problema, menor irritabilidade e
competitividade, concentração, também é trazida a nós pelas respectivas famílias, que em
nossas conversas (entrevistas e/ou reuniões), relatando-nos casos como o de nosso aluno B,
que recentemente passou a dar laços no tênis, perguntar sobre questões da vida familiar e
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demonstrar interesses comuns a outros colegas, como pedir para ir assistir a uma sessão de
cinema.
Estes aspectos evidenciam a perda do medo em arriscar-se em tarefas das mais simples as
mais complexas, que requerem um maior grau de abstração.
Nessa etapa, os alunos estão mais autoconfiantes e consequentemente seu posicionamento
frente à vida é mais crítico e sua conduta em relação ao outro é mais respeitosa.
Este relato de casos aqui apresentado, está sendo feito quase que em tempo real, pois
entendemos que estamos na terceira etapa de um processo iniciado.
Muito há o que se fazer, muito há o que ser investido, tanto nas áreas de educação pública
quanto na de saúde.
Somos professoras pesquisadoras, que insatisfeitas com o que temos , buscamos através do
estudo com afinco, novos conhecimentos, novas perspectivas. Buscamos a capacidade de
realmente atuar de forma positiva na formação e transformação dos alunos que recebemos
provenientes de classes desprivilegiadas da periferia de uma cidade grande e tão desigual.
Como disse Freire (1996)
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Pesquiso para constatar,
constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer o
que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (p.29)
Nosso trabalho não tem pretensão de encerrar nenhuma verdade inabalável ou nenhum
elemento que não possa ser contestado. Mas, podemos afirmar sem receios, que o exposto é
tão somente o reflexo da realidade que vivenciamos com nossos alunos Síndrome de
Asperger.
Buscamos um entrosamento, se não perfeito, o mais próximo possível das experiências que
criamos ou nos são apresentadas diariamente, tentando formar um elo, aluno/professor.
Esse processo é intensamente permeado pelo diálogo, pela troca de informações, de saberes e
até mesmo, de angústias.
Nossa linha de atuação é comprometida com o desenvolvimento social. Não esperamos,
apesar de acreditarmos que facilitamos, nenhum tipo de avanço ligado ao currículo escolar.
Nossa preocupação maior é facilitar a interação, a cooperação, motivar expectativas positivas
e de autoconhecimento.
O que nos importa é o resto da vida de nosso alunado, como ele se comportará diante dos
fatos corriqueiros com o quais se depararão? Como construirão e preservarão sua identidade?
Com que armas se defenderão dos ataques da soberba, da indiferença, da exclusão...?
Se em nosso fazer pedagógico pudermos contribuir para que a resposta às perguntas acima
seja: - Se sairão satisfatoriamente- então entenderemos que obtivemos sucesso.
Tornar nossos alunos cônscios de si mesmos e do mundo que os rodeia, ajudá-los a formar e
emitir suas opiniões, fugindo do lugar comum e dessa forma participarem dos meios sociais,
não como observadores, mas sim como transformadores, fazer com que percebam a
importância vital de uma atividade partilhada com responsabilidade por um grupo, onde as
ideias, as intenções, os meios busquem um fim comum e não simplesmente se prestem a
atender vontades individuais e transitórias, são os objetivos de nossa caminhada.
Acreditamos que estamos obtendo avanços palpáveis e encorajadores, somos otimistas, apesar
de termos muitos motivos para não o sermos.
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O que temos ao final de um ano trabalhando com nossos alunos A e B, que cabe ressaltar
fazem parte de um número total de 24 (vinte e quatro) componentes da Sala de Recursos,
cujas necessidades educacionais especiais são variadas, podem ser melhor explicitados pelo
que disse, Davis:
Os alunos se tornam mais conscientes de si mesmos, aprendem a ouvir e a
incorporar críticas às sugestões dadas, a defender suas ideias e seu espaço no grupo,
a dividir tarefas de modo produtivo. Sobretudo, a atividade conjunta leva a
compreensão de que o esforço solitário para obtenção de um determinado fim deve
ser enriquecido no trabalho partilhado, onde se trocam informações, apoio e
incentivo. (DAVIS, 1994).
Sim. Brincamos. Sim. Fazemos de conta. E independentemente da falta quase sempre integral
da parceria da família e da falta de um entrosamento entre educação e saúde, nossas
brincadeiras, nossos faz de conta, têm até aqui demonstrado serem coisas muito sérias e
eficientes.
E assim , brincando, pretendemos seguir com nosso trabalho e desta forma avançar no
desenvolvimento de nossos alunos, e , é claro, continuarmos envolvendo-nos, encantando-
nos com essa forma tão sublime, “ingênua” e poderosa que é o mundo da ludicidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOAL, Augusto (1975). Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira.
DAVIS, Cláudia. Psicologia na Educação. São Paulo: Cortez, 1994-2ª ed. Ver- (Coleção
magistério, 2º grau. Série formação de professores).
HOLANDA, A. B., 1998, Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa, 1 ed, Editora
Nova Fronteira, Rio de Janeiro.
LUCKASON, R., Borthwick- Duffy, S., Buntinx, W. H., Couter, D.L., Craig, E. M., Reeve,
A., et al. (2006). Mental retardation: Definition, classification, and systems of supports.
Washington. D C:
A merican Association on Mental Retardation.
MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos. Por uma escola aberta às desigualdades dos alunos.
Temas sobre desenvolvimento. Vol. 10, n.55, 2006, p.28-34
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OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. Coleção Docência
em formação. São Paulo. Cortez, 2002.
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