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Resumo
O paradigma da inclusão, entendido como um amplo processo social, vem se
instalando desde a década de 80 nos países desenvolvidos. Acompanhando tal
evolução, a Atividade Física, a Dança, o Lazer e o Esporte, como fenômenos
intrínsecos e sensíveis às mudanças sociais, voltam-se a uma nova concepção de
homem, incorporando características orientadas a múltiplos e singulares padrões de
corpo e movimento. No Brasil, sobretudo nas duas últimas décadas, observam-se
iniciativas que têm favorecido a participação de pessoas com deficiência nas mais
diversas manifestações da cultura corporal. Todavia, muitas são as indagações que
têm acompanhado este processo. O que se entende por inclusão? Quem participa
deste processo? Quais são os possíveis locais de intervenção? Qual é o melhor
momento ou situação para a inclusão? Quais são as adaptações necessárias?
Quais os mecanismos de apoio existentes? Neste capítulo, nossos olhares voltam-
se para o processo de inclusão de pessoas com deficiência em programas de
Atividade Motora. Considerando as interfaces entre o sentir, o pensar e o agir sobre
as diferenças, o tema será abordado sob as dimensões conceitual, procedimental e
atitudinal, reforçando a relação de interdependência entre tais aspectos.
Palavras-chave: inclusão social, deficiência, atividade motora.
Do espelho ao caleidoscópio...
Ao longo dos tempos, em todas as culturas, é possível observar mudanças no
tratamento destinado às pessoas com deficiência, caracterizando diferentes fases no
que se refere às práticas sociais. Gradativamente, pessoas que apresentavam
condições atípicas e eram submetidas à exclusão social, passaram a ser
encaminhadas a instituições onde, mediante a segregação, poderiam receber
atendimento especializado. Paulatinamente desenvolveu-se a prática da integração
social e recentemente vem se instalando um processo de inclusão social, cuja
filosofia volta-se à modificação dos sistemas sociais gerais.
Conforme aponta Sassaki (1999), essas fases não ocorreram ao mesmo
tempo para todos os segmentos populacionais. Atualmente, enquanto grupos sociais
mais vulneráveis ainda sofrem a exclusão e a segregação, é possível identificar
indícios onde a integração começa a ceder espaço à inclusão.
Durante as últimas décadas predominaram práticas sociais pré-inclusivistas,
orientadas por um modelo médico da deficiência, visando a integração social de
pessoas em tal condição. Segundo esse modelo, a deficiência era encarada como
um "problema" do indivíduo, cabendo exclusivamente a ele a responsabilidade de
seu tratamento e reabilitação, no sentido de potencializar suas capacidades e
habilidades, a fim de adaptar-se às exigências da sociedade.
Na perspectiva da integração, a inserção da pessoa nos sistemas sociais é
baseada no princípio da normalização, o qual pressupõe que o indivíduo possui o
direito de experienciar um estilo ou padrão de vida que seria comum ou normal à
sua própria cultura (Mendes, 1994). Ao invés de normalizar os serviços e ambientes
visando o atendimento das necessidades das pessoas com deficiência, passou-se a
impor um estilo e padrão de vida voltado à equiparação de condições, onde o foco
recai sobre a deficiência, entendida como um déficit a ser superado.
No modelo integrativo, a sociedade, praticamente de braços cruzados, aceita
receber pessoas com deficiência desde que estes sejam capazes de: moldar-se aos
requisitos dos serviços especiais; acompanhar os procedimentos tradicionais;
contornar os obstáculos existentes no meio físico; lidar com atitudes discriminatórias
resultantes de estereótipos, preconceitos e estigmas; desempenhar papéis sociais
individualmente com autonomia, mas não necessariamente com independência
(Sassaki, 1999).
Recentemente, as práticas sociais inclusivistas têm se baseado num modelo
social da deficiência, onde se preconiza um movimento bilateral entre sociedade e
pessoas nesta condição, visando um desafio comum: a inclusão social. Pautada em
princípios como autonomia, independência e empowerment1, o paradigma da
inclusão enfatiza a equiparação de oportunidades.
A inclusão social é compreendida como "um processo pelo qual a sociedade
se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com
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Empowerment, ou empoderamento, significa o processo pelo qual uma pessoa, ou grupo de pessoas, emprega
seu poder pessoal inerente à sua condição para fazer escolhas e tomar decisões, assumindo assim o controle de
sua vida (Sassaki, 1999).
necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus
papéis na sociedade." (Sassaki, 1999, p.41)
Assim, a responsabilidade pela inclusão deixa de ser exclusivamente da
pessoa com deficiência e passa a ser compartilhada com a sociedade, promovendo
uma mudança de mentalidade em todos os níveis e sistemas. Segundo o autor
acima citado, a inclusão repousa em princípios como: aceitação das diferenças
individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade
humana, a aprendizagem por meio da cooperação.
Com relação às pessoas em condição de deficiência, Rodrigues (2001, p.15)
ressalta que "(...) a diferença que a deficiência implica é só a parte mais visível de
uma realidade que, à semelhança dos icebergs, tem uma parte imersa muito maior."
Seguindo seu raciocínio, ceder espaço à diferença - mesmo a mais visível - é o
início de um processo que poderá conduzir à consideração desta em seus
componentes mais sutis.
Segundo Carmo (2002, p.7), "o velho e desgastado ideário da igualdade
universal entre os homens começa a dar sinais de exaustão e um novo discurso
começa a se tornar hegemônico."
Após séculos de obstinação galgando uma pretensa igualdade e
homogeneidade entre os homens, simultânea a um processo de negação e
desconsideração das diferenças concretas existentes entre esses, verifica-se que,
em meio a tantas diferenças sócio-culturais, a única semelhança é a diversidade.
Continuando seu raciocínio, o autor descarta a hipótese de negar o estado de
diferença, de desigualdade, "porque é na diferença e na desigualdade que devem
repousar as bases de nossas ações, e, seguramente, a primeira delas é não querer
igualar o desigual." (Carmo, 2002, p.12)
Na música "Sampa", composta por Caetano Veloso em 1978, encontram-se
os versos:
“Quando te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho...”
(Veloso, 1987)
Sobre os objetivos, Pedrinelli & Verenguer (2004) ressaltam que, uma vez
conhecidas as metas do programa, convém modificá-las apenas quando necessário,
em prol da integridade das atividades e respeito a todos os participantes.
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Rodrigues (2001) ressalta que este parece ser o modelo mais adequado a crianças que
apresentam deficiências, uma vez que o repertório comportamental referente ao estágio de
desenvolvimento em que o aluno se encontra fornece a base para o estágio subseqüente.
Ao escrever sobre a inclusão de alunos com deficiências em classes
regulares, Craft (1996) sugere quatro opções curriculares que podem ser aplicadas a
diversos ambientes, conforme as necessidades evidenciadas:
Currículo único: alunos que apresentam ou não deficiência participam das
mesmas atividades curriculares;
Currículo em níveis diferenciados: todos os alunos desenvolvem as mesmas
unidades temáticas constituintes do currículo, porém com objetivos e níveis
distintos, conforme as necessidades apresentadas;
Currículo com sobreposição: um grupo de alunos desenvolve as mesmas
unidades temáticas, mas pratica atividades diferentes ou adaptadas;
Currículo alternativo: são oferecidas atividades alternativas.
Os currículos na área de atividade motora abrangem um amplo repertório
relacionado à cultura corporal de movimento, caracterizado pela multiplicidade e
pluralidade de conteúdos a serem desenvolvidos em diferentes níveis de ensino.
Para demonstrar a diversidade de conteúdos que podem ser abarcados em um
programa de atividades motoras, Pedrinelli (2003) sugere um guia ilustrativo de
atividades físicas e esportivas como exemplo de um amplo universo de
possibilidades. Tal coletânea de atividades físicas e esportivas foi baseada:
em modalidades esportivas envolvidas nos Jogos Parolímpicos, dos quais
participam atletas com deficiência física (amputação, paralisia cerebral, les autres
condições), atletas com deficiência visual e, em algumas edições, atletas com
deficiência mental;
em modalidades esportivas desenvolvidas nas Olimpíadas Especiais, das quais
participam atletas com deficiência mental em esportes regulares e em esportes
unificados (modalidades das quais participam atletas parceiros que não
apresentam deficiência mental);
em modalidades esportivas dos Jogos Mundiais para Surdos, dos quais
participam atletas com perda auditiva equivalente a 55 decibéis;
em outras modalidades esportivas notoriamente conhecidas e que não fazem
parte dos eventos citados, a exemplo do futebol para atletas com amputação ou
da dança em cadeira de rodas, cujas associações ou confederações brasileiras
propiciam participação em eventos mundiais;
em atividades físicas outras que constituem opções para o desenvolvimento da
cultura corporal de movimento, nas quais podem se envolver todos os
participantes interessados.
No mesmo sentido, Winnick (2004b) aborda grande variedade de atividades
físicas e esportivas para indivíduos com necessidades especiais, ressaltando as
técnicas e habilidades necessárias, sugerindo atividades preparatórias, comentando
modificações e adaptações específicas, indicando programas esportivos já
implantados e organizados sob a perspectiva inclusiva. As referidas atividades
apresentam-se subdivididas em seis grandes grupos: exercícios físicos e posturais;
dança e atividades rítmicas e expressivas; esportes aquáticos; esportes coletivos;
esportes individuais, em dupla e de aventura; esportes de inverno.
Ao selecionar os conteúdos de um Programa de Atividades Motoras, é preciso
atentar para o fato de que "todas as vezes que escolhemos o que ensinar,
escolhemos também o que deve ser ignorado." (Carmo, 2002, p.10)
O goalball, por exemplo, apesar de ser uma modalidade concebida
especificamente para pessoas com deficiência visual, consiste em um interessante
exercício perceptivo-motor, inclusive para pessoas que não se encontram em
condições de deficiência. Por que, então, restringir sua prática exclusivamente a
pessoas cegas e com baixa visão, visto que seus benefícios podem ser estendidos a
quaisquer pessoas, inclusive com outras deficiências, que se disponham a jogar com
vendas nos olhos?
Com o intuito de divulgar a prática de tal modalidade, no dia 30 de maio de
2004 foi realizado o "I Festival Universitário de Goalball" promovido pela Faculdade
de Educação Física da UNICAMP. O evento contou com a participação de 10
equipes masculinas e femininas, provenientes de 05 diferentes Instituições de
Ensino Superior do Estado de São Paulo, além de envolver a participação de
pessoas com deficiência visual da entidade local, o Centro de Integração dos
Deficientes de Paulínia - CINDEP (Primeira Página, 2004).
A iniciativa de promover a prática do goalball no meio acadêmico contribuiu
para a difusão da modalidade entre futuros agentes multiplicadores desse
conhecimento. Assim, foi inaugurada uma "via de mão dupla", que permitiu a
inclusão de pessoas que não se encontram em condição de deficiência no universo
dos esportes adaptados. Por que não seguir esse exemplo e promover um "Festival
de basquetebol em cadeira de rodas" ou um "Torneio Inclusivo de Bocha", entre
outras possibilidades, dos quais possam participar pessoas, independentemente de
suas condições?
Cabe ressaltar que o currículo voltado para a inclusão de pessoas com
deficiências não necessariamente se diferencia em conteúdos, mas compreende
técnicas, formas de organização e adaptações específicas, visando atender as
necessidades especiais dos educandos e assegurar sua participação em programas
de atividades motoras (Bueno e Resa, 1995).
Uma vez que os conteúdos não se diferenciam, há que se investir na
metodologia e nas estratégias de ensino-aprendizagem, conferindo um tratamento
pedagógico adequado às atividades ministradas, conforme será abordado a seguir.
Considerações Finais
Ao dirigir-se o olhar para um programa de Atividades Motoras voltado à
inclusão de pessoas com deficiências, é fundamental que se enxergue na
perspectiva do caleidoscópio. O respeito às diferenças e a valorização da
diversidade devem estar implícitos na filosofia do programa, manifestando-se na
diversidade de metas, currículos, conteúdos programáticos, locais de intervenção
adaptações, estilos de ensino e procedimentos pedagógicos, refletindo-se nos
valores e atitudes externados pelas pessoas envolvidas em tal processo. Para tanto,
conforme Pedrinelli (2002), é necessário estar predisposto a aprender sobre si
mesmo e sobre os outros, em uma situação de diversidade de idéias, sentimentos e
ações.
"Aprender é descobrir aquilo que você já sabe.
Fazer é demonstrar que você o sabe.
Ensinar é lembrar aos outros que eles sabem tanto quanto você.
Somos todos aprendizes, fazedores, professores."
Richard Bach
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O ensino por colegas tutores envolve a ajuda de estudantes especialmente treinados e designados
para facilitar o processo ensino-aprendizagem de pessoas com deficiência (Lieberman, 2002).
Referências Bibliográficas
KREBS, Patricia. Retardo Mental. In: WINNICK, Joseph (Org.) Educação Física e
Esportes Adaptados. São Paulo: Manole, 2004, p.125-143.
SASSAKI, Romeu K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 3 ed. Rio de
Janeiro: WVA, 1999.
TUBINO, Manoel José Gomes. O esporte como fenômeno social importante do século XX e
do início do século XXI. In: CONGRESO DE EDUCACIÓN FÍSICA E CIENCIAS DO
DEPORTE DOS PAISES DE LINGUA PORTUGUESA, 6. Acoruña, 1998. Actas... Galícia:
Acoruña, 1998, p.63-67.
VELOSO, Caetano. Caetano Veloso: songbook. Editado por Almir Chediak. Rio de
Janeiro: Lumiar, 1987.