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Aula de Metafísica

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Aula de Metafísica
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Tales de Carvalho

Transcrição não revisada ou corrigida pelo professor.

Tales: O que eu quero perguntar nesta aula-conversa é sobre o livre arbítrio e da


determinação divina. Muita gente me pergunta isso, no que diz respeito ao estudo
tanto da teologia quanto da astrologia. Primeiramente eu gostaria que você
explicasse o que se entende por determinação divina. (Eu até prefiro o termo
determinação em vez de predeterminação, porque para falar de predeterminação é
preciso entender isso ontologicamente e não temporalmente, quer dizer, se dizemos:
na medida em que Deus predetermina algo, este “pré” seria ontológico e não
temporal. Então, prefiro o termo determinação, senão você teria que explicar mais
outra coisa). Então vamos lá: determinação divina e livre arbítrio humano. Peço
que você me dê uma explicação razoável do que seriam esses termos e onde os
mesmos se aplicam.

Luiz: Num certo sentido, é claro que é legítimo dizer que tudo está
determinado por Deus. Porque Deus conhece todas as coisas, Ele criou todas as
coisas, Ele tem o domínio completo delas. Mas note esta palavra, completo: sempre
que se faz uma contraposição com Deus e não-Deus as medidas nunca são exatas, e
é aí que as pessoas sempre se confundem. Por quê? Deus é absoluto, e, por um lado,
Deus é absolutamente o que Ele é. Então, num certo sentido, Ele também está
predeterminado, por Ele mesmo! Mas, ao mesmo tempo, por causa do que Ele é,
Ele é absolutamente livre. Deus é difícil de entender assim, Ele é absolutamente
imutável e é absolutamente livre. E as coisas? Elas são totalmente determinadas por
Deus. Mas elas não são absolutamente determinadas, porque não são absolutas. A
palavra determinação tem um sentido quando aplicada a Deus e outro sentido
diferente quando aplicado às coisas.

Então, dizemos que o Homem está determinado a um destino, que é

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conhecido por Deus. Ele está totalmente determinado. Mas ele está absolutamente
determinado? Não existe nenhum elemento de liberdade nele? Não é verdade.
Porque, primeiro, uma das determinações é a liberdade, é o livre arbítrio.

Tales: Que é uma das determinações. Tanto que um homem não pode nem se
libertar do seu livre arbítrio.

Luiz: Exatamente. Um homem não dá a si mesmo a natureza humana. É a


natureza humana que está dotada de livre arbítrio. E não foi ele quem deu a si
mesmo a natureza humana, ela é um dom divino, que é parte da determinação
daquele ser.

Tales: Isso é fundamental entender!

Luiz: Veja que a cada momento, e agora mesmo, escolhemos cada palavra,
cada gesto com a mão. Cada uma dessas ações, somos nós que estamos escolhendo.
De onde vem este poder de escolher?

Tales: Da própria determinação.

Luiz: Da própria determinação divina.

Tales: Quer dizer, por mais que o nosso livre arbítrio possa circunstancialmente ser
limitado externamente, ou mesmo internamente, não há como não tê-lo.

Luiz: Exatamente. Isto é destino! Você está destinado a ele. Por toda essa
vida, estamos destinados a esse livre arbítrio. Minhas ações, eu escolho livremente.
Por que eu escolho minhas ações livremente? Porque esta determinação que é a
natureza humana tem dois componentes: a alma e o corpo. E alma e corpo não são
dois componentes do mesmo nível, mas de níveis diferentes. Um é o governante e o
outro é o governado.

Tales: Pelo menos deveria ser... (risos)

Luiz: Na verdade, sempre é. Por exemplo: os desejos. Estes fazem parte da


alma, então, nós não os dominamos completamente. Mas o corpo, basta eu pensar –
nem mesmo isso, basta eu intencionar: Fechar a mão, e ela fecha; Abrir a mão, e ela
abre. Quero falar, falo; Não quero falar, não falo. Absolutamente, totalmente.
Usando a expressão de Aristóteles: “A alma tem poder despótico sobre o corpo”.
Tem o poder total sobre ele. E a ação sempre envolve o uso do corpo. Porque a ação
sempre envolve o uso do corpo, eu sou totalmente livre em relação a ela.
Totalmente.

Tales: E o interessante é que, ao mesmo tempo, toda essa liberdade não é uma

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escolha pessoal. A liberdade em si é determinada.

Luiz: Exatamente, a liberdade não é um ato e escolha. Ela faz parte do meu
destino, do destino de qualquer ser humano.

Tales: Só esse esclarecimento já mata 90% das discussões a respeito do assunto!

Luiz: Então esse é o primeiro ponto que devemos lembrar. Por outro lado, a
minha liberdade não pode ser absoluta. Porque eu não sou um ser absoluto. Isso
significa que ela também é limitada, num certo sentido. Ela não é limitada em
relação às minhas escolhas de agir ou não agir. Então essa é a primeira
característica. Eu posso ter um desejo muito forte de qualquer coisa, mas eu posso
escolher não fazer nada. Porém, para eu escolher não fazer nada, normalmente eu
preciso encontrar um motivo. E é aí que as pessoas se confundem. Elas pensam
“Não há liberdade... Eu sou escravo dos meus desejos!” Bem, um pouco, nós somos
mesmo.

Tales: Seria uma dessas limitações circunstanciais internas que mencionamos antes.

Luiz: Mas, na verdade, essa limitação deriva do próprio poder que é a


vontade. Se a vontade é livre, em que sentido ela não é absolutamente livre? No
sentido de que existe algo para o qual ela foi feita. Do mesmo modo que o sol foi
feito para iluminar o sistema solar, o lobo foi feito para caçar, uma pedra foi feita
para, sei lá, ficar parada no chão, a vontade também foi feita para uma coisa. Ela foi
feita para inclinar o sujeito na direção do Bem. Ela é a inclinação para o Bem. Então
quando o sujeito diz “Eu tenho um desejo irresistível”, acontece que ele está vendo o
objeto de desejo e percebendo-o como bom. Ele não percebe naquele momento
nenhum bem contrário que criaria um motivo para não procurar aquele primeiro
bem. Portanto, o limite da vontade está num certo sentido na sua própria natureza,
no fato de que ela é inclinada ao Bem. Então, por um lado, você tem uma liberdade
total sobre o corpo. Agir ou não agir. Este é o primeiro aspecto. Basta o sujeito se
observar, e ele percebe isso.

Por outro lado, você tem uma liberdade relativa à seleção dos bens que
compõem a sua ideia de felicidade, de Bem final máximo supremo. “Faço isso ou
não faço aquilo? Trabalho mais para ganhar mais dinheiro, ou descanso mais pra ter
mais prazer?” As duas coisas são vistas como aspectos do bem. E então a vontade
escolhe um ou o outro. E existe nisso uma certa liberdade de escolha. Por que
dizemos “uma certa liberdade de escolha”? Porque um dos bens pode se destacar dos
outros para a pessoa, e assim ela terá menos liberdade. Uma segunda questão são
que as ações habituais são mais fáceis de ser realizadas. E a dificuldade é um mal.
Ninguém pensa que a dificuldade é um bem! Quando as pessoas dizem “Eu gosto do
que é difícil”, elas querem dizer que gostam de vencer a dificuldade.

Tales: Sim, claro. Ninguém gosta de perder, né. Geralmente quando a pessoa diz

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isso, na verdade ela gosta é de vencer.

Luiz: Exatamente, gosta daquela sensação da vitória, de ter se superado, de


ter superado uma dificuldade. Isso, sim, é evidentemente um Bem. Ninguém gosta
da dificuldade que o vence. Então, quando a pessoa diz que gosta da dificuldade, ela
quis dizer que pode gostar de superar a dificuldade. Ou ela pode estar confundindo
as palavras e chamando de dificuldade, a ideia de: “Gosto do caminho mais difícil, o
caminho da virtude”. O que ela está falando é que gosta de seguir os seus princípios,
o que também é um Bem. Mas a dificuldade, por si mesma, ninguém prefere. Agora,
acontece que quando dizemos que a vontade é livre, as pessoas confundem isso com
a ideia: a vontade está sujeita apenas a puras determinações subjetivas internas.

Tales: É, há muita gente que acredita nisso.

Luiz: Exatamente, mas não é isso. Porque a vontade é objetivamente e


naturalmente dirigida àquilo que é percebido como um Bem. Ela tem um objeto. A
coisa que a vontade quer, ou o que quer que apareça a ela como um Bem, é o objeto
dela, para o qual ela é inclinada necessariamente. E assim ela não é livre. Nem pode
ser. Pense bem: um poder que fosse universalmente voltado para qualquer objeto
não seria um poder. Porque ele não teria nenhuma força diretriz. Se a vontade fosse
igualmente voltada para o Bem ou para o Mal, ela não seria um poder de ação de
maneira alguma. Porque ela, aleatoriamente, e sem que você possa controlar, faria
uma coisa, e você faria uma coisa em direção contrária. Porque não há nenhuma
ordem. Mas a verdade é que a vontade é naturalmente ordenada ao Bem. E nessa
ordenação ao Bem ela não tem palavra. Se eu vejo algo e penso “Nossa, isso é bom”,
quando eu percebo ali a característica de Bem, mesmo sem pensar, a vontade é
inclinada àquilo.

Tales: Então, no caso da pessoa que escolhe fazer o mal. Um exemplo extremo: um
assassino, um traficante, um ladrão, ele decide fazer aquilo porque ele escolheu. Em
última análise, ele escolheu. Isso seria por uma falha na razão? Quer dizer, o
conceito dele...

Luiz: Não necessariamente.

Tales: Quero dizer, segundo o que você está explicando, ele teria aquilo como um
Bem.

Luiz: Sim, obviamente. Qualquer coisa que nós fazemos é movida por algo
que é percebido sob o aspecto do Bem. No entanto, como já dissemos, os bens
podem ser contrários uns aos outros. Como ficar na cama ou levantar e trabalhar. As
duas opções têm aspectos de bem. Então, no exemplo do assassino. Aí temos dois
casos. Há o caso do sujeito que pensou que precisava mesmo matar o outro, e ele
pensou razoavelmente. Ele pensou que o cara tinha uma arma, que estava invadindo
a casa dele, algo assim.

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Tales: Que ele queria matá-lo, ou algo assim...

Luiz: Exatamente. Então, aquilo não foi intencional, foi um erro de


percepção. Foi um erro da consciência. A consciência humana não é infalível.
Existem até várias coisas infalíveis no ser humano, mas a consciência não é uma
delas. Quer dizer: ele pensou que havia alguém invadindo casa dele, ou alguém
armado querendo agredi-lo. Por qualquer motivo. Dá para imaginar esse cenário?
Existem crimes acidentais. Então esse é um caso.

Outro caso é onde há um vício moral. O sujeito já tinha o hábito de reagir


agressivamente a qualquer coisa vista como ofensa, sem parar para pensar: “Foi uma
ofensa mesmo? Qual o grau, a medida dessa ofensa?”

Tales: No caso do vício moral, se inclui, por exemplo, a pessoa que tem o vício
moral de não ligar para a vida alheia para obter algo que ela quer?

Luiz: Exatamente, tem o vício moral de considerar a sua própria dignidade,


sempre e sem exceção, ou quase que sempre sem exceção, mais preciosa que a vida
do outro. Existem muitos criminosos deste tipo!

Tales: É a maioria, né?

Luiz: É o cara que mata por orgulho ou vaidade: “Ei, por que você está
olhando feio pra mim?”, e assim dá um tiro no sujeito. Isso é um vício moral, porque
ele está prezando mais uma coisa menor e desprezando um Bem maior.

Tales: E o mesmo se aplica se ele quisesse uma propriedade do outro?

Luiz: Seria o mesmo: “Vou usar esse dinheiro aí, porque eu sou o cara, e não
me interessa se carteira é sua e você trabalhou para ganhar o dinheiro”.

Tales: “Nem me interessa a sua vida!”.

Luiz: Exatamente, é a mesma coisa. São vícios morais. Veja bem, o que é
um vício moral? É quando o sujeito acostuma a sua vontade a preferir certos bens
menores a outros maiores, ou a preferí-los de maneira injusta. Quer dizer, ele não se
pergunta “Se essa situação fosse invertida, o que eu faria?”.

Tales: Ele não se coloca na posição do outro.

Luiz: E isso significa que há um vício de injustiça. E este é outro ponto. Se a


vontade é uma inclinação ao Bem, isso não quer dizer que ela sempre boa, que todo
ato da vontade é bom. Porque pode existir uma vontade viciosa, acostumada a
preferir um bem menor, ou a preferir um bem de maneira injusta.

Tales: Entendi. Mas ainda assim a vontade é sempre livre.

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Luiz: Ainda assim, o sujeito escolhe apertar o gatilho ou não, escolhe enfiar a
mão no bolso do outro ou não. Note que isto não é um processo interno. Apertar um
gatilho é um processo corpóreo/físico, sobre o qual ele tem domínio. Enfiar a mão
no bolso do outro é a mesma coisa, é um processo físico. O sujeito não comete o
crime magicamente, pelos seus poderes mentais. Há um movimento do seu corpo.

Tales: Então, não tem jeito: ou é acidente, ou é engano, ou é vicio moral.

Luiz: Exatamente.

Tales: Quer dizer, você pode estar segurando uma arma e, sem querer, por um
espasmo muscular, disparar e matar alguém. Ou também, você deixá-la cair no
chão. Neste caso seria o do acidente.

Luiz: Precisamos ver se aquilo foi uma circunstância razoável ou não.

Tales: Se você foi desleixado...

Luiz: Exatamente.

Tales: O segundo caso seria o engano. Como você falou: você pensa que está
acontecendo algo e não está.

Luiz: Que está acontecendo algo, e não está.

Tales: E o terceiro caso é o vício moral.

Luiz: Então, veja bem, por um lado, a vontade está limitada pelo que
conhecemos da situação. Quer dizer, o sujeito pode fazer algo errado, que não é o
que ele realmente queria. É o caso das pessoas envenenadas. Elas não queriam
comer veneno, mas elas não sabiam que havia veneno no prato.

Tales: Elas se matam por engano.

Luiz: Por engano, exatamente.

Tales: Ou, por exemplo, você está dirigindo um carro, respeitando todas as leis de
trânsito, e uma criança passa correndo...

Luiz: Exatamente, está tomando todas as precauções, e então uma criança, ou


um bicho, ou uma pessoa adulta passa correndo, e não há como evitar. Quer dizer,
mesmo o sujeito fazendo tudo direito, isso pode acontecer.

Tales: Então, veja se minha observação está certa: então a vontade estaria limitada
(não sei se palavra “limitada” é correta, me corrija se eu estiver errado) por estas
três circunstâncias: o acidente, que é completamente externo, porque a vontade do
sujeito não governa o universo.

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Luiz: Exatamente.

Tales: O engano, que já seria algo interno, uma combinação de fatores externos e
internos.

Luiz: Exatamente.

Tales: Ou o vício moral, que aí seria algo bem mais interno.

Luiz: Então existe, por um lado, a coisa mais puramente externa, o acidente.
Uma circunstância racionalmente imprevisível. É um acidente mesmo.

Tales: Você seguiu todo o manual, mas mesmo assim aconteceu...

Luiz: E existe o engano ou erro. O sujeito calculou errado, pensou errado. É


o primeiro caso que faz surgir para o homem a palavra destino – “Droga, foi um
acidente do destino, foi uma fatalidade” – porque ninguém fez nada de errado.
Portanto, é um limite da condição humana. E o segundo caso é o engano. Note que o
engano pode ser razoável ou por imprudência.

Tales: [inaudível] Porque existe também esse engano.

Luiz: Exatamente, você tinha que saber aquilo. Esse é o tipo de engano, por
exemplo, quando o sujeito pensa: “Vamos tirar um racha aqui na rua, porque à essa
hora não está passando ninguém na rua”. E então passa alguém ali... Foi um engano.
Ele pensou que não tinha ninguém. Mas ele devia ter pensado “Isto é uma via
pública, as pessoas universalmente têm o direito de atravessá-la”.

Tales: Nesse caso, o cara merece ser realmente condenado por homicídio culposo.

Luiz: Sim, merece ser condenado. Porque foi uma imprudência, um vício.
Mas note que o vício tinha mais base na avaliação dele do que exatamente na
maldade.

Tales: Sim, não houve malícia implícita.

Luiz: Não houve necessariamente malícia. E o terceiro caso é assim: não


houve exatamente um erro de cálculo, houve um erro de cálculo interno. Quer dizer,
o sujeito que mata os outros porque olharam feio para ele.

Tales: Acha que tem mais direito ao carro do outro, aos bens do outro...

Luiz: Exatamente, isso já é um vício moral. Porque é um vício que está na


vontade do sujeito, de preferir certos bens sobre outros. E essa preferência é
parcialmente uma escolha. Pois é algo que o sujeito tem que educar em si mesmo.

Tales: Sim. A preferência seria parcialmente uma escolha, mas o ato, não, né?

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Luiz: Não, o ato é sempre uma escolha.

Tales: Na hora que o sujeito pega o revolver e faz o ato, isso é uma escolha.

Luiz: Sempre o ato é uma escolha. Sempre. Porque o corpo é realmente


inerme em relação a alma.

Tales: Ele não tem autossuficiência para fazer isso sem uma decisão.

Luiz: Isso é diferente de quando os santos falam da “carne”. Eles usam essa
palavra no sentido das diversas paixões da alma. Não é do corpo, eles não estão
falando do corpo físico, do organismo. O organismo não manda nada.

Com exceção desses pontos gerais, cada pessoa é uma pessoa. Isto é, cada
pessoa tem um jeito, tem um estilo, tem certas preferências. Algumas dessas
preferências e inclinações estão nela desde o começo da vida: por causa da
constituição do corpo e da constituição da alma.

Tales: Em última análise, porque Deus quis.

Luiz: Porque Deus quis, exatamente. Uns gostam de sorvete de morango,


outros gostam de sorvete de chocolate. As preferências são diferentes. Se você
conhece as preferências de uma pessoa, você é capaz de prever os atos dela. É muito
comum, pessoas que se conhecem há bastante tempo quase que sabem como a outra
pessoa reagirá nas diversas circunstâncias. Não porque ela não é “livre” para agir.

Tales: Mas porque ela tem inclinações.

Luiz: Exatamente, porque ela tem inclinações. E todo mundo geralmente


escolhe segundo essas inclinações.

Tales: Quando nada está em jogo, as pessoas tendem a isso...

Luiz: Exatamente.

Tales: É neste ponto que eu queria chegar. É algo que já conversamos uma vez. Por
um lado, há cientistas, sociólogos e antropólogos que dirão que todas as suas
inclinações ou são fruto do seu DNA, ou da sociedade. Ou seja, você gosta de
mulher baixinha porque é uma imposição cultural, ou você gosta de sorvete de
morango por causa da cultura. Ou é por causa da cultura, da sociedade, ou é por
causa do seu DNA, existe uma explicação genética. Nunca é uma escolha. Todas as
suas inclinações seriam determinadas pela cultura. O que é uma contradição, se
você parar para pensar, você perceberá que não é assim. Uma sociedade é formada
de indivíduos. É o indivíduo que compõe a sociedade e não o contrário. Um
indivíduo numa ilha deserta sozinho continua sendo um indivíduo.

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Luiz: Exatamente, e tendo as preferências dele.

Tales: E isso é engraçado, porque existem, de um lado, esses cientistas em geral que
afirmam esse determinismo do sujeito que é ladrão por culpa da sociedade, ou do
cara que é santo por mérito da sociedade, seja lá o que for. Seja por causa da
sociedade ou da sua compleição genética. Quer dizer: você irá bocejar tantas vezes
na sua vida, isso já está escrito na sua cadeia de DNA. E de outro lado, há
psicólogos que afirmam um livre arbítrio louco. Darei um exemplo politicamente
correto, mas que é verdadeiro: se você é um homem que decide ser mulher, não só
você se torna mulher, como todo mundo tem que reconhecê-lo como tal.

Luiz: É, exatamente.

Tales: Todo mundo tem que reconhecer que você, porque decidiu ser mulher, de
agora em diante realmente passou a ser uma mulher.

Luiz: Isto é você postular duas teses absolutas. Ou da absoluta determinação,


por causa do DNA, por causa dos astros...

Tales: Por causa da civilização, da sociedade.

Luiz: Por causa da cultura, da sociedade, do sistema..

Tales: Sim, há astrólogos também que dirão que é por causa dos astros.

Luiz: Ou, por outro lado, postular que você é completamente livre para
escolher o que quiser.

Tales: E você escolhe inclusive o seu estado de ser.

Luiz: Exatamente, se você começar a acreditar que é um cachorro, você é


cachorro automaticamente.

Tales: E não só isso, mas todo mundo tem que perceber e reconhecer aquilo.

Luiz: Todo mundo tem que tratá-lo daquela forma.

Tales: O que, aliás, é uma contradição. Porque se você afirma isso para um, e se o
outro, a partir o seu próprio livre arbítrio, não quiser perceber? No fim, isso vira
uma contradição, vira um beco sem saída.

Luiz: Isso é perfeito para deixar o sujeito perfeitamente confuso.

Tales: Completamente louco.

Luiz: Porque quando é conveniente, ele escolhe a teoria de que ele não tem
liberdade. Quando é conveniente, ele escolhe o contrário, que a liberdade é total.

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Tales: No fim, esse cientificismo só servirá a causas politico-ideológicas.

Luiz: É lógico. Trata-se de uma descrição real que o sujeito pode fazer dos
seus próprios atos. Se ele entende essas ideias de liberdade e destino ou
predestinação ou predeterminação, o que ele tem que fazer é listar os seus atos para
si mesmo. Ele contar a história do ato para si mesmo, como aconteceu uma coisa,
que gerou um desejo, ou gerou uma raiva, ou gerou um medo. Depois ele voltou
para casa, e pensou, e depois dormiu, e depois ele comeu. E os sentimentos foram
mudando, e não sei o quê, etc. E chegou na hora, e ele faz tal coisa. Normalmente se
ele recontar para si mesmo a história do que havia acontecido, ele percebe
claramente que ele foi se moldando numa direção ou na outra.

Tales: Para isso também serviria um exame cuidadoso de consciência dos atos.

Luiz: Exatamente. Quando um sujeito conta a história dos seus próprios atos
para si mesmo, ele percebe claramente essa, digamos, “passagem” entre momentos
em que ele é livre e aqueles em que ele não é livre. Por exemplo, ele não é livre para
sentir as coisas como boas ou más. Ele apenas as sente como boas ou más. Ele é
realmente livre, quando tem tempo, para refletir e pensar “Isso que eu senti como
bom é bom? Isso que eu senti como mal é mal?” Ele é livre para fazer isso. E ele
sabe que ele se engana, ele sabe que ele comete enganos. (...) Então o sujeito tem
que observar que em cada um de seus atos ele é livre. Na ação. Mas pode acontecer
de surgir um cenário que vai construindo uma inclinação dentro dele que torna a
ação irresistível.

Tales: Quase que inevitável.

Luiz: A palavra certa é “irresistível”. Ele não tem nenhuma força interna que
é capaz de resistir à força que inclina naquela direção. Isso pode acontecer. E é o
fato disso acontecer que faz as pessoas pensarem que elas não são livres. Elas falam
“Não tenho liberdade, eu não consigo controlar!”. Veja bem, isso é como uma
fogueira. Se você deixá-la crescer demais, chega um momento em que não é mais a
sua fogueira, é um incêndio.

Tales: Foge do seu controle.

Luiz: Exatamente. Internamente, o mesmo vale para as motivações internas:


se você deixar aquilo crescer, foge do seu controle. No entanto, no momento mesmo
em que a coisa está fugindo do seu controle, se você é o sujeito que está acostumado
a se observar, você verá que naquele mesmo momento você ainda tem liberdade
sobre o corpo. Agora, isso é algo que as pessoas não estão acostumadas a fazer hoje
em dia, especialmente porque elas estão sempre assistindo TV, estão sempre batendo
papo com alguém. As pessoas, hoje em dia, não ficam sozinhas se analisando.

Tales: E, ao mesmo tempo, através da TV e da escola, sendo doutrinadas naquelas

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doutrinas cientificistas de liberdade e destino de que falamos ha pouco.

Luiz: E elas ficam se distraindo e não costumam observar os seus processos


mentais. Não costumam observar o seguinte: nem tudo o que acontece na sua vida é
uma emergência de última hora e imprevista, e que, tudo bem, você não teve mesmo
tempo de pensar, e teve de decidir mais ou menos na última hora.

Tales: Isso é a minoria dos casos.

Luiz: Na maioria dos casos, essas coisas vão crescendo gradualmente.

Tales: E geralmente você tem tempo para pensar.

Luiz: Um dia você acorda, e sua esposa lhe faz uma cara que você não gostou
muito. Você pensou que ela estava com uma má vontade ou algo assim, e isso fica
em você ali, no fundo. No dia seguinte, acontece outra coisa. Então um dia ela faz
uma coisinha de nada, ou até uma coisa legal para você, mas você está chateado, e
assim você briga com ela. Se você observar bem, esse movimento foi sendo criado
de pouquinho em pouquinho. Ele não nasceu de repente num momento e que depois
não deu para controlar. Esse tipo de coisa só acontece quando existe uma agressão
física. A reação orgânica é imediata, e normalmente ela exige uma reação pronta e
imediata.

Tales: Sim. Por agressão física, podemos pensar até num cataclisma natural. Quer
dizer, o telhado da sua casa está caindo, e você tem uma reação...

Luiz: Uma reação física, e aí você age muito rápido. E podemos até dizer que
você teve menos liberdade de ação, por causa da urgência do tempo. Então, se um
sujeito fez algo errado quando estava caindo o telhado da casa dele, você deve ser
tolerante para com ele: “Não havia tempo para ele pensar... eu não sei o que eu faria
nessa mesma situação”. Não é algo que ele construiu de pouquinho em pouquinho,
não é algo para o qual ele pôde se preparar. Então, não é que ele não tinha alguma
liberdade. Claro, ele podia não fazer nada, podia fazer outra coisa, podia, em vez de
ter ido para a direita, ter ido para a esquerda. Mas realmente temos que dizer que não
houve tempo para o sujeito considerar as diversas possibilidades. Se algo deu certo
ali, atribua completamente à graça de Deus, porque não houve tempo para decidir. E
se deu errado, infelizmente foi uma fatalidade. Acontece. Mas normalmente não é
assim, normalmente as inclinações para os atos vão se construindo em ondas.
Acontece uma coisa, você anota aquilo, depois acontece outra coisa, e você anota
aquilo.

Tales: Você cria o hábito, e esse é o próprio princípio de arte marcial. O princípio
de arte marcial é você criar um hábito de uma reação que você vai...

Luiz: E acontece que o sujeito que se acostuma observar esses processos,

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num certo momento, quando ele tomar uma decisão, já existe uma força inclinando-
o na direção de uma ação. E se ele se perguntar “Agora eu faço ou não faço?”, ele se
perceberá fazendo. E ele perceberá claramente que existe um salto entre a força
inclinando-o e o ato mesmo de mover o corpo. Esse salto é o que se chama livre
arbítrio. Você tem que completar aquela inclinação com uma decisão para fazer
algo. O corpo não vai sozinho. É assim: você pode estar com muita raiva de alguém,
mas, se não existe um perigo evidente e iminente, você...

Tales: Você só bate se você quiser.

Luiz: Exatamente. Quem brigou bastante na adolescência sabe isso. Que é


preciso um último impulso, que é dado voluntariamente.

Tales: “O cara me bateu primeiro”. Só poderíamos dizer que não houve exatamente
uma decisão se o sujeito for [inaudível].

Luiz: E na verdade, nesse caso, a reação é espontânea porque, num certo


sentido, o livre arbítrio já está dado universalmente. Porque a sobrevivência do
corpo, a integridade do corpo, é espontaneamente percebida como um bem. A sua
vontade já aderiu a esse bem naturalmente. Aliás, há uma passagem de Sto.
Agostinho em que ele fala: “Existe quatro coisas que devemos amar. Deus, o
próximo, nós mesmos, e o nosso corpo”. E ele fala que só existem mandamentos
para Deus e para o próximo porque nós mesmos e o nosso corpo nós já amamos
espontaneamente.

Tales: É instintivo, ninguém precisa de uma ordem para isso. Ao contrário, é


preciso até colocar limites a isso.

Luiz: Essas quatro coisas são amáveis, e têm que ser amadas. Mas as duas
últimas, nós mesmos, e o nosso corpo, não precisam de um mandamento, porque nós
espontaneamente amamos.

Tales: É preciso de um mandamento para segurar isso um pouco!

Luiz: Então, quando o sujeito foi agredido, a reação é natural. Mas ela foi
livre. E também, essa reação natural e livre pode ser justa ou não. Primeiro: por que
você foi agredido? É um policial lhe algemando?

Tales: Exatamente. É o marido da mulher com que você mexeu?

Luiz: Então, ainda que ela seja espontânea, você tem que medi-la, porque ela
pode ser justa ou injusta.

Tales: Ver se ela foi proporcional, né? Uma coisa é um bandido lhe apontar
uma arma na rua, outra coisa é seu colega de classe brigar com você, e no dia
seguinte estará tudo bem entre vocês.

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Luiz: Exatamente, tudo tem medida.

Tales: Se o cara xinga a sua mãe, você não dá um tiro nele.

Luiz: Exatamente. Então, de modo geral, isso não anulou o princípio. O fato
de o sujeito agredido ter reagido espontaneamente. Essa reação espontânea também
é livre. É que, na verdade, parte da decisão livre foi prévia, já veio antes: “Puxa vida,
viver é bom, não ser massacrado é bom!”. Portanto, não é que não houve livre
arbítrio ali. É que parte dele é prévio à situação. Então ele não precisou pensar: “Vou
avaliar isso de novo. Fazer todo um processo”. Num certo sentido, você precisou
apenas ceder a algo que já sabia. Outro ponto sobre a vontade que as pessoas não
percebem é que muitas decisões são tomadas muito antes da situação. E parece que,
na hora, você não decidiu, ou decidiu muito pouco, ou decidiu meio passivamente.
Não é isso. Se você decidiu passivamente, é porque a decisão ativa foi tomada antes.

Tales: Agora vou lhe perguntar algo puxando mais para a astrologia. O mapa natal
da pessoa seria um indicador das inclinações com as quais a pessoa nasceu, por
decisão divina?

Luiz: Será que é realmente uma indicação das inclinações da pessoa? Na


verdade, não. Em mapa natal não é um mapa direto das inclinações. O que está
mostrado no mapa? O mapa, em primeiro lugar, é literalmente um mapa do céu. Não
um mapa da pessoa. Ele é um mapa de como estava o céu naquele momento e lugar.
Então esse é o primeiro ponto. Esse mapa pode ter uma analogia com as inclinações
da pessoa. Porém, ele tem uma analogia não apenas com uma inclinação, porque um
símbolo nunca é símbolo só de uma coisa, ele é símbolo de várias. O seu mapa
mostra, por exemplo, Júpiter na casa V. Há várias inclinações humanas podem ser
simbolizadas por Júpiter na V, várias, não só uma. Este é o ponto: não há só um
significado, há uma dúzia, uma centena. E qual, desta centena, vai aparecer no
sujeito? Não é tão fácil assim. Isso não é uma tradução literal, exata e imediata das
inclinações. Isso é algo que as pessoas têm que entender quando elas lidam com um
mapa natal. Que não se trata de uma indicação direta de uma só inclinação.

Tales: Por isso muitos astrólogos erram.

Luiz: Exatamente. Você pode depurar os diversos significados e procurar o


que eles têm em comum. E então você verá que o que há em comum aos diversos
significados de Júpiter na V não é uma inclinação, mas um esquema relações entre o
sujeito e o objeto ao qual ele se inclina. Esse esquema, sim, é um traço permanente
do sujeito.

Tales: Por isso você encontra pessoas com mapas idênticos e que são diferentes.

Luiz: O esquema das inclinações é o mesmo.

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Aula de Metafísica

Tales: Todos os mecanismos mentais que ele usa...

Luiz: A relação entre o sujeito querendo uma coisa e a coisa que ele quer,
pela inclinação, é estruturalmente a mesma. Entre ele e qualquer outro sujeito que
tem o mesmo Júpiter na V. Agora, o que ele quer? Bem, isto varia muito. Primeiro,
varia por circunstâncias acidentais. E segundo, pelo livre arbítrio. No primeiro caso,
depende de: que coisas existem aí que pode você pode querer?

Tales: Circunstâncias externas.

Luiz: Isso pode variar de um lugar para o outro. Segundo: que hábitos que
você vai criando? Por exemplo, o sujeito decide: Não, isso eu não posso, porque é
imoral, é contra o mandamento de Deus. E era uma das coisas potencialmente
desejáveis para o sujeito que tem Júpiter na V. Mas ele recusa, porque aquilo é
imoral. Como ele tem aquela inclinação de Júpiter na V, aquela natureza de Júpiter
na V, ele procurará outro objeto que corresponde àquela inclinação. E ele pode
encontrar um que esteja dentro dos mandamentos. Ou até um que seja aconselhável
pelos mandamentos. Então, ele realiza o mesmo esquema, mas o que ele fez foi
totalmente diferente. Então devemos lembrar isso: o mapa natal é um mapa de,
digamos, esqueletos de ações humanas, não de ações humanas ou inclinações
humanas reais, mas do esqueleto delas. Da estrutura da relação entre sujeito e objeto.

Agora, é claro que, como há certas coisas que sempre estão presentes, e sobre
as quais é difícil surgir uma razão moral, certas coisas são fáceis de prever. Por
exemplo, o sujeito tem Júpiter na IV. Ora, todo mundo mora em algum lugar.

Tales: Eu tenho Júpiter na IV.

Luiz: Quando alguém tem Júpiter na IV, dizemos que a pessoa gosta de ficar
em casa, gosta da sua casa, acha que a sua casa é o lugar da liberdade, o melhor
lugar que existe... Mas se você observar bem, essa é uma previsão que não está
levando em conta apenas o fator “Júpiter na IV”. Ela está levando em conta o fator
todo mundo mora em algum lugar. Algo que não é determinado pelo mapa, algo é
determinado pela existência. Em segundo lugar, raramente surgirá um motivo moral
para o sujeito não gostar de ficar na sua casa.

Tales: Raramente. É uma exceção.

Luiz: Se existir, qual é o motivo? Ainda que o sujeito more, digamos, num
covil de ladrões. Digamos que ele é filho de um ladrão e mora num covil de ladrões.
Ainda assim, sendo a casa dele, não é imoral ele morar ali, não é imoral ele gostar da
casa dele. Então essa é uma previsão fácil. Dá a impressão de que o sujeito utilizou
só a astrologia, que ele observou só o Júpiter na IV. Mas está subentendido que essa
é uma questão fácil. E esse aspecto “questão fácil” não foi dado pelo mapa
astrológico. Ele foi dado pela condição humana.

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Aula de Metafísica

Tales: Então me deixe resumir tudo isso, para eu ver se entendi bem: com relação à
determinação divina: podemos dizer que existe a determinação e ela se aplica ao
livre arbítrio. Isto é, o livre arbítrio é uma determinação divina.

Luiz: Determinação total sobre o Homem.

Tales: E em segundo lugar, existem também certas circunstâncias interiores e


exteriores, difíceis de examinar, mas que podemos também relacionar à
determinação divina. É difícil distinguir e saber se aquela circunstância que nos
limita, interna ou externa, foi algo gerado por nós, com o passar do tempo, ou se foi
uma imposição exterior em que não podemos interferir. Mas existem limitações que
também seriam determinação divina, embora seja difícil determinarmos quais
sejam. Exceto a que são evidentes. No caso das limitações exteriores, existem
aquelas evidentes. Por exemplo, eu não posso voar. Há uma limitação. Eu não
posso me tornar um especialista em 250 ciências diferentes. Essa é uma limitação
interna, e mesmo que me tragam 250 professores diferentes, eu não conseguirei
tornar-me um especialista em 250 ciências diferentes. Porque existe uma limitação
interna, que não é gerada por mim, que é imposta. Ou seja, são limitações impostas
por Deus e que nós realmente não temos como...

Luiz: Exatamente, o sujeito não pode escolher.

Tales: O sujeito querer ser um passarinho, ou querer ser um peixe, ou um homem


querer mulher, ou uma mulher querer ser homem. Não é possível. Essa é uma
limitação imposta por determinação divina e ponto final. Portanto, no que diz
respeito à determinação divina, isso seria um entendimento razoável. Tanto o livre
arbítrio, quanto essas limitações são uma determinação divina. E quanto ao livre
arbítrio, temos que entendê-lo como a própria decisão da vontade, levando em
consideração aqueles três fatores de que falamos há pouco: o acidente, o engano e
o vício.

Luiz: Exatamente. Voltando a questão astrológica. Se você espremer o


significado de uma posição astrológica até chegar a uma característica que estará
sempre presente em todo mundo que tiver aquele traço astrológico, todo mundo que
tiver aquele planeta naquela posição, você verá que o resultado disso não é um
objeto de escolha. O resultado não é, por exemplo, uma ação.

Tales: Entendi. Seria mais um modo.

Luiz: Pode ser um modo, uma preferência muito sutil, uma relação entre o
sujeito e o objeto da preferência. Se você espremer, espremer, espremer, você não
chegará a uma ideia do tipo: “Quem tem este traço sempre faz aquilo... sempre!”
Isso é óbvio. Nós já podíamos concluir que não funciona assim quando percebemos
que a ação é livre. Quer dizer, na hora de mover o corpo, é você quem decide.
Sempre é o sujeito que decide. Então quando você espreme o significado do mapa,

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Aula de Metafísica

você vê que, em última análise, não existe nenhum tipo de contradição, porque só a
partir do mapa não é possível inferir uma ação que todo mundo com uma certa
posição astrológica fará.

Tales: Então, veja se eu estou entendendo direito: a liberdade seria, como já


falamos, dentro daqueles três limites, do acidente, do engano e do vício. Quer dizer,
você teria mais liberdade campo do vício ou da virtude, em primeiro lugar.

Luiz: Na verdade, onde você teria mais liberdade é na ação ou não-ação. É


onde você tem liberdade total. Você sempre pode agir ou não agir. E em segundo
plano, entre a virtude e o vício, entre o melhor e o pior. Ou seja, entre aquilo que é
um bem moral e aquilo que é um bem externo, um bem temporário. Em um bem
maior: aquilo que é justo ou injusto. Mas por que essa seria em segundo plano?
Porque depende de o sujeito repetir certos atos.

Tales: Entendi, para ele pegar o hábito.

Luiz: Enquanto que os atos, não. Cada um deles você foi escolhendo. Então a
liberdade primária é escolher uma ação ou não. A liberdade primeira do sujeito é
quanto aos meios imediatos de alcançar um bem, e o meio imediato de alcançar um
bem é a ação, é o que você faz. Incluindo na “ação”, evidentemente, a fala.

Tales: Entendi. Sem querer puxar para a crítica político-ideológica, vemos que é um
completo absurdo que a pessoa diga que um assassino é fruto da sociedade, do meio
etc, ele virou um assassino por causa da sociedade. E ao mesmo tempo diga que o
sujeito tem liberdade para ser um homem ou uma mulher.

Luiz: Ou uma coisa ou a outra, né?

Tales: Quer dizer, ele não tem liberdade sobre suas ações, mas ele tem liberdade
para alterar a sua realidade existencial.

Luiz: O máximo que o sujeito pode dizer é que ele prefere ser mulher a ser
homem, ou prefere ser homem a ser mulher. E esse, na verdade, é um campo em que
ele não tem liberdade total. Pode ser que ele prefira isso e não consiga mudar a
preferência. Porque a preferência não é assim: você é o sujeito que gosta sorvete de
chocolate, e então você estala o dedo, e agora não gosta de sorvete de chocolate, e
gosta de sorvete de baunilha. Realmente a preferência não é assim. O sujeito pode
chegar numa situação em que ele tem uma preferência e de uma hora para outra, tem
outra preferência. Não se trata de algo simples.

Tales: Agora é tarde.

Luiz: Então, esse, na verdade, é o campo em que ele tem menos liberdade,
comparado ao da ação. A liberdade aí não é imediata e total, ela é imediata e parcial.

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Aula de Metafísica

Ela depende do sujeito voluntariamente se treinar numa direção ou na outra. E mais


ainda. Por exemplo, de fato um desequilíbrio corpóreo pode mudar uma preferência.

Tales: É lógico, eu não levei isso em consideração no que eu falei...

Luiz: Isso é só para lembrar que esse aspecto da preferência, é onde o sujeito
não é totalmente livre. E dizer que ele é livre, que ele é totalmente livre, para isso, é,
na verdade, um engano. Ele é parcialmente livre. É aquela velha história: o doente
não gosta de tomar o remédio, porque a doença altera o paladar, e deixa o remédio
com um gosto pior. E também há o fator do hábito.

Tales: O hábito. Normalmente, a pessoa não toma remédio, então, de repente, ela
fica doente e passa a tomar uma substância que a altera. Só hipocondríaco gosta de
tomar remédio quanto está doente, porque ele gosta de tomar remédio sempre. Já
possui o hábito, né?

Luiz: Aí é que ele gosta mesmo!

Tales: Agora ele tem um motivo. Sairá exclamando: Está vendo? Eu sempre disse
que era doente!

Luiz: Enquanto que na ação: atirar numa pessoa, não atirar numa pessoa;
pegar o dinheiro da pessoa, não pegar o dinheiro de pessoa, o sujeito é sempre livre.
A ação é sempre livre. Ele sempre pode dizer não, desde que ele tenha um motivo
suficiente para isso. Não vai acontecer de ele dizer não sem ter um motivo. É assim:
um sujeito, por exemplo, tem uma religião, e ele quer cometer um pecado. Ele
começa a imaginar o pecado e colocar esta imagem entre ele a idéia de que aquilo é
pecado. Até essa imagem ficar tão consolidada que ele não resiste. Tem de fazer
assim.

Tales: A pessoa religiosa tem que fazer assim para conseguir.

Luiz: Porque ele tem um motivo interno: não é para fazer esse Pecado!.

Tales: Ele não consegue, do nada.

Luiz: Claro, todo mundo pode sofrer uma tentação súbita que se interpõe
entre ele e a sua consciência moral com muita força.

Tales: Principalmente devido a circunstâncias externas, né?

Luiz: Pode acontecer. E então o sujeito não consegue ver um motivo. Esse é
o ponto em que a liberdade pode ser diminuída. Ela pode aumentar ou diminuir, mas
não pode ser eliminada. Ela pode aumentar ou diminuir, mas não pode desaparecer.

Tales: Entendi. Ficou bem claro isso.

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Aula de Metafísica

Luiz: Na astrologia, você conseguiria dizer qual é a ação que alguém com
uma determinada posição astrológica sempre faz? Não há como achar isso.
Realmente você não conseguirá achar. Porque o mapa não é um mapa nem das
inclinações diretas do sujeito. Mas de um esquema de várias inclinações possíveis.

Tales: Acho que ficou bem claro.

Luiz: Então, isto não é aquela coisa pagã, de Vênus da X: “Os deuses
mandaram e eu fiz!” – o cupido soltou uma flecha e o sujeito não resistiu...

Tales: “Aí eu me apaixonei pela menina!”

Luiz: O mapa não traduz tão diretamente o sujeito. Uma coisa é o mapa do
céu, que pode significar vários sujeitos possíveis. Tanto pode que, na verdade, ele de
fato significa. Vários sujeitos podem nascer no mesmo tempo, no mesmo lugar.

Tales: De fato, vários sujeitos nascem no mesmo tempo e lugar, acontece muito!

Luiz: E entre as inclinações dele e as do outro haverá uma analogia. Mas um


pode se tornar um criminoso e o outro um santo. E, ainda assim existir uma analogia
entre ambos. Porque nem todas as diferenças humanas estão na escala vertical, que
vai do psicopata ao santo. Existem outras diferenças que não estão nesta escala, que
estão na direção lateral. Por exemplo: não existe o santo bonzinho e o santo durão?
Não existe o santo inteligente e o santo ingênuo? São diferenças. E essas diferenças
têm analogias também.

Tales: Existe até santo que matou (...)

Luiz: [inaudível] Até santo que tem uma analogia com o bandido astuto. E o
santo ingênuo tem uma analogia com o capanga burro. Existe uma analogia neste
exemplo. Percebe-se que quando o sujeito se torna santo ele não é como uma xerox.
Muita gente pensa isso, pensando que todas as diferenças estão na escala vertical.
Mas nem todas estão, há outras na horizontal também. Existe santo ativo e santo
passivo. Do mesmo jeito que existe sujeito diligente e sujeito preguiçoso. Essas
diferenças continuam existindo. Então o sujeito pode ter exatamente a mesma
posição astrológica e estar numa escala diferente, na vertical, mas estar na mesma
direção que o outro. Um comportamento tem analogia com o outro.

Temos sempre que lembrar que a relação entre o mapa e a pessoa é uma
relação analógica. E que um símbolo nunca é símbolo só de uma coisa. Explicando:
Este mapa é o mapa da pessoa? Sim. Mas veja bem, isso é o mesmo que, por
exemplo, o leão é símbolo do verbo divino e do diabo. Está nas Escrituras, o “leão
de Judá” e o “leão que está pronto para nos devorar”. Estes são extremos opostos da
escala vertical. Mas eles têm uma analogia com o leão. Então, digamos que mapa
seja o leão, que em nossa analogia, o mapa astrológico equivale ao leão. Ele é

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Aula de Metafísica

símbolo tanto disso aqui em cima, quanto disso aqui em baixo. O mesmo vale para o
mapa: ele é símbolo do sujeito, tanto no grau de sociopata quanto no grau de santo.
Ele pode significar um sujeito em qualquer um desses graus. Continua sendo o
mesmo mapa. Ele mesmo não indica exatamente para onde a pessoa vai. Porém, é
claro que você não lê um mapa completamente isolado da pessoa ou da circunstância
humana. Você é um ser humano e quem lê o mapa é também um ser humano, que
sabe um pouco da vida humana. Então ele já agrega essas informações à leitura de
um mapa.

Tales: É lógico. Se vier o Fernandinho Beira-Mar lhe pedir uma leitura do mapa,
você não fará a mesma leitura que faria para o sujeito que tem um mapa igual e
está num mosteiro.

Luiz: Exatamente. Porque você já tem alguma informação extra. Você já sabe
que as pessoas estão vivendo em escalas diferentes. Pode dar a impressão de que
você usou só a informação puramente astrológica. Mas não, você usou também a sua
percepção da pessoa. Você combinou as coisas.

Tales: Você tem que ver o contexto.

Luiz: Se você tem uma certa posição astrológica e está pensando tal coisa, e
isso, claro, foi você quem me contou, então aquela outra posição valerá neste outro
plano aqui. E assim se calcula. E a sua analogia fica mais precisa. Mas essa precisão
não foi dada pelo mapa. Ela foi dada pela conjunção entre o mapa e a própria pessoa
que está falando com você.

Tales: Você vê isso até na vida dos santos, né? O antes e o depois.

Luiz: Exatamente. Os santos, depois que se tornaram santos, ainda são


substancialmente a mesma pessoa de antes. São as mesmas inclinações.

Tales: São a mesma pessoa. Em alguns, isso é bem evidente. Naqueles que têm
biografia detalhada.

Luiz: Naqueles que têm uma biografia detalhada, é muito evidente. Que foi
uma linha de subida, não uma linha de alteração. Se alguém perguntasse: Mas e São
Paulo? Ele perseguiu os cristãos e depois mudou. Mas o espírito de combatividade
dele continuou exatamente o mesmo! E São Francisco, de espírito alegre, generoso,
continuou exatamente o mesmo!

Tales: Sto Inácio, o seu espírito guerreiro.

Luiz: Exatamente, a disciplina, a força de vontade, ele continuou o mesmo!


Então podemos dizer que algo do caráter ou da personalidade básica da pessoa
continua independente do grau espiritual dela. É lógico, é o grau espiritual dela, não

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Aula de Metafísica

de outra pessoa.

Tales: Sim. Não há um nível espiritual “em si mesmo”.

Luiz: Exatamente. É o nível espiritual dela.

Tales: Entendi. Agora ficou tudo bem claro.

Luiz: Então, isso é lógico. É a mesma pessoa.

Tales: É muito importante que as pessoas entendam isso. Porque as pessoas têm às
vezes uma visão preconceituosa, no sentido literal da palavra preconceito, a
respeito dessa questão. O sujeito leu a biografia de três ou quatro santos mais
populares, e acha que se ela não for daquele jeito...

Luiz: Você não será daquele jeito. Você não é ele!

Tales: Não será porque você não é ele. Já começa por aí. E, na maioria das vezes,
não é nem parecido com ele.

Luiz: Existe sempre nas pessoas uma tendência à simplificação das coisas. E
quando elas começam a pensar em coisas como santidade, ou quando estudam
astrologia, elas tendem a imaginar que todas as diferenças entre as pessoas estão
uma linha vertical. Não, o mundo tem três dimensões, ele não tem uma só. A
dimensão vertical é somente a mais importante. Se o sujeito vai para cima ou vai
para baixo, isso é a coisa mais importante.

Tales: É o fundamental.

Luiz: Porém, indo para cima ou para baixo, no curso da sua vida, você
também estará indo um pouquinho para a direita, para a esquerda, para frente, e para
trás. A vida é uma linha sinuosa, em que, no fim, você tem o resultado de ter ido
para cima ou para baixo. Você não foi numa reta. Cada um seguiu um caminho
ondulante, e esse desenho é dele. Então a vida não é só unidimensional.

Então, é só pensar na própria biografia do santo, antes de tornar-se santo, ele


tinha um mapa, e depois que se tornou santo, continua tendo o mesmo. E basta você
observar o santo, e verá que: este sujeito aqui é aquele sujeito, santo. O São
Francisco, já santo, é o mesmo São Francisco da adolescência, mas santo. O Sto.
Inácio, já santo, é o mesmo Sto. Inácio da adolescência, mas santo.

Tales: Isso é bem notável nesses santos que, em primeiro lugar, possuem biografias
detalhadas e, em segundo lugar, que tiveram essa ruptura na vida, né? Porque nem
todo santo tem isso. Há alguns que você não chega a ver a sua versão não-santo.
Por exemplo, uma pessoa como Sto. Antão: Na biografia de Sto. Antão, ele nasceu
numa família cristã e, desde muito jovem, já queria aquilo. Neste caso, você não

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Aula de Metafísica

chega a ver essa polaridade, esses dois lados.

Luiz: Exatamente. E São Bento, o sujeito que desde os 7 anos de idade já


apresenta sinais de santidade. Bem, eu não sei como ele era antes de ser santo.

Tales: Como é a versão “não-santo” dele, né?

Luiz: Para os santos que tiveram um progresso claro na sua biografia, e cuja
biografia inteira você conhece, você vê claramente que mudou o grau do sujeito.
Mas a pessoa continuou a mesma.

Tales: É verdade, é isso mesmo. Bom, acho que ficou claro.

Luiz: Para ser mais claro do que isso, nós teríamos de entrar na parte técnica,
e explicar o que é vontade? O que é inteligência? Etc.

Tales: Teria que ser um curso e não uma aula.

Luiz: Ou uma descrição teológica: O que é predestinação? O que é criação?


O que é liberdade divina? E isso é muito complicado. Só com cursos, mesmo. Isto
são anos de estudo, não é uma aula.

O ponto importante, para quem está estudando astrologia, é lembrar: Leão é


símbolo tanto de Deus quanto do diabo, e de um monte de coisa no meio do
caminho. Um mapa também: ele é símbolo de você no inferno ou no céu, e de todas
as pessoas no meio do caminho.

Transcrição: Carlos Augusto G. do Nascimento

Revisão: Juliana de M B. Ferreira do Amaral

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