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Breves considerações acerca do "cuidado de si" de

Michel Foucault

Bruno Silva Moreira e Silva


Prof. Ricardo Calheiros Pereira
Universidade Federal da Bahia – UFBA
Bacharelado em Filosofia - Tópicos Especiais em Filosofia Contemporânea (FCH B66)

RESUMO

O presente trabalho busca tratar da noção de “cuidado de si” na obra A Cultura de Si, de
Michel Foucault. Para tal, entretanto, busca construir um panorama que contextualiza a
obra foucaultiana como descendente da tradição crítica kantiana e tenta aproximar, através
de uma breve passagem, a noção de jogos de verdade foucaultiano à noção de jogos de
linguagem, de Wittgentein. Por fim, trata da proposta de Foucault a respeito de como o
cuidado de si é importante para que o sujeito não se torne um indivíduo sujeitado.

1 - INTRODUÇÃO

Peter Hacker 1 afirma, em termos sintéticos, que a filosofia foi encarada, ao longo de sua
história, como um campo do saber produtor de conhecimento. Tal característica de ser um campo
do saber que produz conhecimento geralmente é atribuído às ciências (matemática, física etc.).
Pois, caso a filosofia também produza conhecimento, ela, assim como as outras ciências, deveria

1
HACKER, 2000, p. 10.
igualmente possuir um objeto de estudo – tal como a matemática, a física ou a biologia possuem.
Diferentes autores da tradição filosófica buscaram, cada uma a seu modo, empreender
uma investigação acerca do “objeto da filosofia”. Platão, Aristóteles, René Descartes, John
Locke, David Hume, Immanuel Kant – e as correntes filosóficas que carregam seus nomes como
platonismo, aristotelismo, cartesianismo, empirismo, kantismo, respectivamente – buscaram
formular proposições acerca da noção de verdade, da noção de conhecimento, da noção de bem,
de justiça, de belo, de ciência e, por fim, de qual é a natureza última das coisas.
Segundo Hacker, o que constitui o platonismo é “a investigação de objetos abstratos que
revelariam a natureza última das coisas”; o que constitui o aristotelismo é “a investigação de
princípios de cada ciência e do pensamento em geral”; o que constitui o cartesianismo é “o
estabelecimento de fundamentos de todo e qualquer conhecimento sobre bases seguras e
indubitáveis”; já o que constitui o empirismo é “a investigação sobre a origem de nossas ideias,
bem como sobre a extensão e a natureza do conhecimento humano”; por fim, o que constitui o
kantismo (ou a filosofia crítica em seu nascedouro) é “a investigação que revela as condições de
possibilidade do conhecimento em qualquer domínio dado”.

2 – TRADIÇÃO CRÍTICA, JOGOS DE LINGUAGEM E JOGOS DE VERDADE

2.1. - Tradição crítica

Em qual das correntes supracitadas a obra de Michel Foucault poderia se encaixar? Os


escritos do filósofo francês se materializam num empreendimento teórico para perscrutar a
natureza última da realidade, para saber precisamente qual é a definição de justiça, de belo, bom,
bem? Para fornecer uma definição de uma palavra como “verdade”? Ou Michel Foucault
representaria uma espécie de síntese das correntes filosóficas que buscavam investigar os objetos
de estudo “da filosofia”, fundar todo e qualquer conhecimento em bases “indubitáveis”,
investigar propriamente “qual é a natureza” do conhecimento?
A resposta para a todas as interrogações é “não”. Das correntes brevemente apresentadas,
a obra foucaultiana se aproxima mais, talvez, daquilo que foi cunhado como “tradição crítica”,
geralmente associado Kant e ao kantismo. Porém, não estritamente à tradição crítica, ao kantismo
em termos epistemológicos, no tocante a “revelar as condições de possibilidade do conhecimento
em qualquer domínio dado” (HACKER, 1997). Foucault se aproxima do Kant que, segundo o
filósofo francês, inaugurou uma maneira peculiar de fazer filosofia, i. é., “o filósofo se apropriar
do seu próprio tempo”, do tempo em que vive. Sobre isso Foucault afirma:

(...) Não quero dizer que os filósofos que precederam Kant não estavam
conscientes do seu próprio presente e que não se preocupavam com isso. Hobbes,
Descartes e Leibniz levaram em conta a sua própria situação e a situação do mundo
contemporâneo, como fizeram Platão e Santo Agostinho. Mas, para Descartes, o fracasso
de várias alegadas ciências, para Hobbes, a situação política de Inglaterra, para Leibniz,
as controvérsias e querelas religiosas, eram razões para intervir e tentar mudar essa
situação. Penso que a questão de Kant sobre o Aufklärung (POR NOTA DE RODAPÉ)
queria dizer outra coisa. Ao mesmo tempo, Kant dá uma justificação da sua própria
tarefa filosófica através da análise da atualidade a que pertence, e assume como objetivo
do seu trabalho filosófico desempenhar um certo papel na história natural, espontânea,
da razão (FOUCAULT, 2017, p. 70).

Sobre o conteúdo do parágrafo acima, Foucault se refere exatamente ao texto “Was ist
Auflärung? 2”. Kant busca distinguir o que ela chama de “uso público e “uso privado da razão”.
No entanto, o que chama atenção de Foucault é a suposta originalidade do filósofo de
Könnigsberg, que, enquanto filósofo, não mais se propõe a refletir meramente acerca da razão em
termos atemporais, mas, introduzir no campo da reflexão filosófica uma espécie de “consciência
histórica da atualidade”. A respeito disso Foucault afirma que

“Sou da opinião de que este texto introduziu no campo da reflexão filosófica um novo
gênero de questão, a questão da natureza, do sentido, do significado histórico e filosófico
do momento preciso em que o filósofo escreve e do qual faz parte”. (FOUCAULT, 1982,
p. 70).

Foucault, assim, dedica boa parte de suas reflexões não para buscar a compreensão do que
seriam princípios gerais da ciência, de um determinado campo do saber, ou sobre “que é a “a
razão”, “a verdade”, mas, para saber o que é possível se compreender acerca da noção de verdade

2
KANT, WAS IST AUFLRÄRUNG, 2004. Kant responde à pergunta Was ist Auflärung na primeira frase do texto:
“é a saída das pessoas da condição de menoridade pela qual elas são responsáveis”.
a partir da própria dinâmica histórica, de como a “verdade” se manifesta, e.g., no tecido da
organização social, nos âmbitos institucionais em que se se formam relações de poder através de
autoridades ou grupos que o detêm e buscam justifica-los através de discursos de dominação.

2.2. – Jogos de Linguagem e Jogos de verdade

Um dos pontos centrais de investigação da obra foucaultiana é a questão do sujeito – e,


posteriormente, da relação sujeito/cuidado de si. Sujeito, compreenda-se, não no sentido do
cogito cartesiano. Foucault, diferentemente de Descartes, não empreende uma investigação
acerca do sujeito de modo a enveredar por uma “reflexão fundamente” e categórica que busca
definir o que é o sujeito e o que é o que está “fora do sujeito” (o mundo, a realidade etc.). Do
mesmo modo que não se esmera para em saber “o que é a verdade”, Foucault também não o faz
em relação a saber “o que é o sujeito”. Assim como busca compreender a verdade – como ela se
manifesta nas dinâmicas e práticas sociais – sem a carga metafísica da tradição filosófica pós
Platão de busca por noções abstratas, Foucault procura compreender o sujeito sem se valer de
vocabulários ontológicos e epistemológicos, tanto da tradição mais antiga quanto da Filosofia da
Mente. Em vez de verdade, Foucault volta seu aparato conceitual para compreender o que são os
“jogos de verdade”; em vez de “sujeito abstrato”, compreender como se comporta, no dia-a-dia,
pragmaticamente, o “sujeito concreto”.
Foucault faz um movimento similar ao que fez Ludwig Wittgenstein em relação à
linguagem: o filósofo austríaco da linguagem, da lógica, da matemática, em vez de buscar
conceituar a linguagem sob bases axiomáticas sólidas, à luz da geometria e da lógica numa
espécie de formalismo “bem acabado”, tomou outro tipo de rota e descreveu a linguagem como
“jogos de linguagem”; não como uma, mas como várias “formas” – que, por sua vez, são
“encontradas” nas próprias práticas humanas 3.
Para Foucault, cabe cunhar termo “jogos de verdade”, por que a verdade deve ser
entendida não meramente como um conceito abstrato, mas, através da “condição de possibilidade

3
RUY, 2004, p. 3. Wittgenstein muda o foco de sua atenção, que até então se voltara à geometria determinista de um
simbolismo da linguagem e do cálculo, para o lugar em que os jogos de linguagem ocupam nas práticas humanas, ou
seja, para uma visão pragmática da linguagem.
4
de sua produção”. Sendo assim, não haveria como desvencilhar a noção de verdade dos
contextos em que ela surge; a verdade não é algo que paira sobre algum tipo de nuvem e que,
para acessá-la, é preciso se valer de um esforço de abstração conceitual. Assim como no caso dos
jogos de linguagem, os jogos de verdade aparecem (ou são encontrados) nas próprias práticas
humanas – no seio da própria dinâmica social, principalmente em instituições – escolas,
hospitais, Universidades – pautadas por relação de poder, pela subjugação, dominação e
“assujeitamento”.

3 – CUIDADO DE SI

A saída que Foucault encontra para o imbróglio do “assujeitamento”, da dominação


impostos através de práticas e discursos travestidos de “verdades” é o cultivo do “cuidado de si”.
Para tal, o filósofo francês bebe nas fontes da filosofia clássica – tanto grega, quanto romana. Há
a busca por resgatar a noção de “cuidar de si”. Mais propriamente através de duas expressões
gregas: o “cuidado de si” e “ocupar-se de si mesmo”; “epimeleia heautou” e “epimelesthai
heautou”, respectivamente. Ambas são expressões que dão a entender um sujeito que, ao se
empenhar em cuidar de si próprio, garante que não haja nada de externo que possa perturbá-lo em
termos de harmonia, tanto consigo mesmo como em relação à sociedade com a qual ele se
relaciona.
A cultura greco-romana pós-socrático-platônica, no entanto, abordava, segundo Foucault,
o cuidar de si de maneira peculiar. Enquanto Sêneca e Epicuro, por exemplo, sustentavam que a
noção de cuidar e ocupar de si deve ser permanente, Platão (através de Sócrates) – no diálogo
Alcibíades – acredita que o quão mais cedo os sujeitos perceberem que o ocupar-se de si é algo
fundamental para o seu próprio desenvolvimento enquanto sujeito “senhor de si”. No caso
específico de Alcibíades, Foucault afirma,

Por que é que Alcibíades deve cuidar de si próprio? A razão dada por Sócrates é que ele
está num momento de transição da sua vida. Alcibíades não estava satisfeito com os

4
BIRMAN, 2007, p. 307. A regra seria então uma produção social, que fundaria igualmente tanto os jogos de
linguagem quanto os de verdade, inserindo-se no registro do artifício e não da natureza. Para Foucault e para
Wittgenstein, enfim, a categoria de jogo remete tanto ao registro do social, que produziria e plasmaria a regra, quanto
ao da história, que a reproduziria pelo seu uso recorrente.
privilégios que lhe davam o nascimento, a fortuna e o estatuto. Diz precisamente que não
quer passar a vida, katabionai, a tirar proveito de tudo isso Alcibíades quer triunfar sobre
todos os outros na cidade e também, fora dela, sobre o rei de Esparta e o soberano da
Pérsia. Mas Alcibíades mostra-se desde muito cedo incapaz de ter sucesso. Não recebeu
boa educação dada aos jovens Espartanos. Foi confiado a um velho escravo
completamente ignorante e nem sequer sabe o que significam as palavras “justiça” e
“concórdia”. Está desesperado. Mas Sócrates intervém e diz-lhe esta coisa importante:
“Se tivesses cinquenta anos, a situação seria preocupante: seria demasiado tarde. Mas
ainda és muito jovem, e este é precisamente o momento em que deves epistemeisthai
heautou, cuidar de ti (FOUCAULT, 2017, p.76).

Enquanto que para Sócrates o cuidar de si deve ser cultivado o quanto antes, desde a
juventude mais tenra, para os filósofos pós-platónicos, mesmo gregos como Epicuro, é possível
que o cuidado de si se dê, também, numa idade mais avançada. Conforme Foucault,

Sócrates, como se devem lembrar, recomendava a Alcibíades que aproveitasse a


juventude para se ocupar de si próprio. Aos cinquenta anos, seria demasiado tarde.
Epicuro, pelo contrário – e escrevia depois de Sócrates, no século III –, dizia: “Quando
se é jovem, não devemos hesitar em filosofar, e quando se é velho, não devemos hesitar
em filosofar. Nunca é demasiado cedo e nunca é demasiado tarde para cuidarmos da
nossa alma”. É este princípio de atenção perpétua a si próprio que ganhar claramente
vantagem. (FOUCAULT, 2017, p. 81).

Foucault enfatiza que a cultura do ocupar-se de ti tem, sobretudo, um aspecto de


terapêutica; como entendida contemporaneamente – a relação “paciente/analista” de “fala e
escuta”. Mas a relação terapêutica em termos de que, quando o sujeito se volta para ocupar-se de
si mesmo – seja através da relação de autonomia que desenvolve consigo e com seus pares
concidadãos, seja através da prática das artes, da escrita, da boa conversa –, acaba por
desenvolver uma relação de compreensão de si mesmo que pode ajuda-lo tanto a curar os males
da alma – paixões, sentimentos arrebatadores – como a ser mais resistente a aceitar que lhe
imponham ordens com mero intuito de lhe transformar em sujeito obediente sem poder de
decisão sobre si mesmo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FOUCAULT, Michel. O que é a crítica? seguido de A cultura de si. Tradução: Pedro Eloi Duarte.
Lisboa. Edições Texto & Grafia, 2017.

HACKER, P.M.S. Wittgenstein. Natureza Humana. Tradução: João Vergílio Gallenari Cuter. São
Paulo, 2000.

BIRMAN, Joel. Jogando com a verdade. Uma leitura de Foucault, 2002. Disponível em
<http://www.scielo.br/pdf/physis/v12n2/a07v12n2>. Acessado em 17/06/2019.

RUY, Mateus Cazelato. O conceito de jogos de linguagem nas Investigações Filosóficas de


Wittgenstein. Disponível em:
<http://www.uel.br/eventos/sepech/sepech08/arqtxt/resumos-anais/MateusCRuy.pdf>. Acessado
em 17/06/2019.

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