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A Margem

Mostra do coletivo Garapa viabilizada pelo ProAc


Centro Cultural São Paulo – 07/06 a 15/08 de 2013
São Paulo

Curadoria: Eder Chiodetto


Museografia: Marcus Vinícius Santos
Projeto gráfico: Milena Galli
Produção executiva: Frida Projetos Culturais

Para se contar a história, ou pelo menos algumas histórias de um rio, é preciso


incorporar o balanço, a fluidez, o insondável, e saber que entre uma margem e outra as
águas não correm para uma única direção: elas deslizam entre fatos e fábulas, lugares
atemporais e vestígios, e por uma intrincada justaposição de tempos e espaços.

Geografia mutante por excelência, o rio é um dos principais símbolos da ideia de


transformação permanente. O filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso professava a
doutrina de que “tudo flui, tudo está em permanente movimento”. Para ele, o devir, a
eterna renovação, se dava pelo agenciamento dos contrários. É dele a propagada frase
“o mesmo homem não pode atravessar o mesmo rio duas vezes, porque o homem de
ontem não é o mesmo homem, nem o rio de ontem é o mesmo de hoje”. Um rio são
muitos rios.

A guerra dos opostos, entre as margens de um rio, reside na fluidez inexorável das suas
águas em contraponto às margens – aparentemente – estáticas, mas também na oposição
entre a história oficial, cartográfica e documentada, e as memórias que as pessoas
guardam, envoltas em atmosferas ficcionais, narrativas afetivas e contos fantásticos.
História movente, também em reconstrução ininterrupta.

Do embate entre o movimento do rio – e, por extensão, da vida – e aquilo que se


imagina fixo, histórico, surge uma espécie de vertigem espaço-temporal, que é a tônica
inequívoca de todo rio.

Conscientes dessa potencialidade de dobras simbólicas, históricas e labirínticas contida


entre as duas margens e os mais de 1.100 quilômetros de extensão do rio Tietê, no
estado de São Paulo, os fotógrafos do coletivo Garapa se lançaram em diversas
expedições, refazendo o percurso dos navegantes que partiram em missões exploratórias
pelo rio nos séculos 18 e 19. Foram guiados, também, pelo faro de pesquisadores:
encontraram acervos, ouviram histórias de moradores, se deixaram levar sabiamente por
pistas falsas, posto que elas também são fontes ricas a denotar o rio como espaço mais
simbólico que geográfico.

Essa exposição pretende, assim, ser uma devolução para o público de parte do material
recolhido nessas incursões; propõe, sobretudo, uma reflexão sobre como constituir
narrativas a partir de um referente que desliza e não se deixa apreender de forma
objetiva. Trata-se de um ensaio tateante, que busca dar contornos ao seu objeto, ciente
de que a imprecisão é a regra, posto que o rio segue se transformando à medida que se
revela apenas parcialmente.

Os trabalhos aqui expostos, portanto, dialogam frontalmente com a nova forma de


pensar o documentarismo por meio da fotografia. O desnudamento da trama fotográfica,
empreendida há décadas por diversos teóricos, obrigou a uma reavaliação, no cerne do
fotodocumentarismo, sobre as noções conservadoras de verdade e realidade, por
exemplo.

Com os amadores fotografando cada vez mais, e utilizando diversas ferramentas que
incrementam esteticamente suas imagens, a capacidade que a imagem tem de criar
mundos paralelos à realidade, mais do que simplesmente certificar a existência do
visível, tem ficado cada vez mais notória para o grande público. Essa massificação da
fotografia seria, portanto, uma das responsáveis por legitimar, enfim, as teorias que
sinalizavam para o poder de ficcionalização da fotografia.

Essa percepção levou o fotojornalismo a uma crise ainda insolúvel. O coletivo Garapa é
formado por três fotógrafos egressos de redações de jornais e revistas. Ao se juntarem e
criarem um núcleo de produção de trabalhos em plataformas multimídia, incorporaram
também uma atitude interdisciplinar ao pensar a elaboração de suas reportagens,
documentários e trabalhos autorais, inclusive cruzando todas essas classificações e
embaralhando as noções entre trabalho comercial, autoral, conceitual, jornalístico e
artístico.

Essa atitude libertária baliza as ações que levaram à pesquisa e produção do projeto “A
Margem”, assim como já havia ocorrido nos bem-sucedidos projetos “Mulheres
Centrais” e “Morar”. Modalidades renovadas de narrativas surgem a partir da expertise
do fotojornalismo que agora é pensada à luz de pesquisas bem alinhadas sobre arte
contemporânea, noções de antropologia visual, referências à história da arte, um olho
aguçado a perceber as mudanças comportamentais da sociedade e uma atualização
constante sobre as tecnologias multimídia que, mais que ferramentas, potencializam
conceitualmente os cruzamentos entre as tantas áreas de interesse do coletivo.

O resultado dessa empreitada é um relato que, já distante da tradição impositiva e


unidirecional do fotojornalismo tradicional, por exemplo, percebe as questões objetivas
e históricas do referente, mas em nenhum momento despreza a dialética, a dúvida e,
sobretudo, a subjetividade e a polissemia dos diversos pontos de vista, inerente a
qualquer tema. É preciso representar seu objeto de estudo dentro da complexidade que
lhe é nata e não domesticá-lo por um ponto-de-vista limitador e ideologicamente
conformado. A aventura da representação torna-se, então, muito mais complexa. É
preciso ter olhos para as suas idiossincrasias, suas contradições, sua impositividade
como signo, mas também para a poética impalpável que flutua e reverbera em cada
pessoa de forma distinta.

Alinhar tantas questões é exercício de muitos embates. Esse é o dilema diário, fruto de
longas discussões do coletivo, mas também a razão de existência dele. Afinal, o grupo
deve saber como incorporar as dissonâncias tantas que correm nesse rio, sabendo que as
margens que o contêm devem reconstituir a experiência dessa viagem pelas águas da
representação de forma intensa para os novos viajantes que agora se aventuram pelos
seus próprios rios. Afinal, há sempre um novo rio a nossa espera.
Eder Chiodetto

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