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Resumo
Pensar nos aspectos da produção identitária na contemporaneidade significa buscar pela compreensão de significados assumidos
e adjudicados pelos indivíduos às transformações experienciadas ao longo de suas. No contexto de uma Psicologia Social Crítica,
este debate toma especial relevância, pois a discussão reclama a elaboração de construções que contribuam para uma leitura mais
profícua da realidade social, levando-se em consideração o indiscutível compromisso político assumido pela intencionalidade teórico-
epistemológica de uma psicologia social historicamente situada. Tendo como base estas orientações, o objetivo deste estudo consiste
em revisitarmos os caminhos tomados pela obra de Antônio da Costa Ciampa, partindo de uma leitura de sua Tese de Doutoramento
em direção à construção teórica do sintagma identidade-metamorfose-emancipação, buscando explicitar os principais elementos
conceituais e o delineamento epistemológico do seu trabalho. E ao avaliarmos o potencial analítico dos escritos do autor, defendemos
que sua obra configura uma Teoria da Identidade e não apenas uma categoria analítica, cuja edificação visa, especialmente, encontrar
pontos de fuga, alternativas emancipatórias perante o quadro de individualismos, coerções e dissensos causados pela inversão de
valores nas sociedades modernas.
Abstract
Think about the aspects of identity in contemporary production means to quest for understanding meanings assumed by individuals
and attributed to transformations experienced throughout their lives and still one of the greatest theoretical challenges of today to the
different areas of the humanities. In the context of a Critical Social Psychology, this debate is especially relevant because the discussion
calls for the development of theoretical constructs that contribute to a successful result reading of social reality, taking into account the
undisputed political commitment of the theoretical and epistemological intentionality social psychology historically situated. Based on
these guidelines, the aim of this study is to revisit the paths taken by the work of Antonio da Costa Ciampa, from a reading of his doctoral
thesis toward the theoretical construction of the phrase identity-metamorphosis-emancipation, seeking to clarify the main conceptual and
epistemological design of your work. And to assess the analytical potential of the writings of the author, argue that his work constitutes a
theory of identity and not just an analytical category, whose building aims, especially, find vanishing points, emancipatory alternatives to
the framework of individualism, coercions and dissension caused by the inversion of values in modern societies.
1
Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ). Psicóloga, Mestre em Psicologia, Doutora em Psicologia Social pela PUC/SP e Pesquisadora do Grupo
Interdisciplinar de Pesquisas sobre a Identidade Humana/PUC-SP. Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da UFSJ. E-mail: sheilaze@gmail.com
Renato Teixeira
como pressuposto ontológico a ideia do ser Este processo aponta o caráter rela-
como devir (Carone, s/d; Ciampa, 1987). cional das identidades, pois Ciampa (1987)
A leitura sobre o sujeito deixa de ser fun- considera que sua produção não pode ser
damentada em algo imutável – abando- pensada sem o alicerce dos códigos de
nando as predicações definitivas – para conduta socialmente atribuídos, toman-
ser concebida através das mudanças edi- do como base a teoria dos papéis (Carone,
ficadas pelos sentidos dados ao próprio s/d). As identidades evidenciam-se ampa-
projeto de vida. radas nas relações sociais no momento em
que o autor, ao pensar nas condições sob
Nestes termos, “o indivíduo não é
as quais se produz o humano, faz o empre-
mais algo: ele é o que faz” (Ciampa, 1987,
go pensamento de Habermas (1983) e con-
p. 135) e, portanto, é considerado produ-
sidera profícuas suas leituras sobre a obra
to e produtor, autor e personagem que se
de Mead (1973).
constrói através da atividade social em um
determinado momento histórico. Assim, A unidade da pessoa, que é cons-
pensar a identidade como metamorfose sig- truída através de uma auto-identi-
nifica admitir uma transformação radical ficação intersubjetivamente reco-
nas pesquisas em Psicologia Social (Ciam- nhecida (analisada por G. H. Mead)
apóia-se sobre a participação na – e
pa, 1987), pois de tarefa até então essen-
sobre a delimitação da – realidade
cialmente descritiva (Carone, s/d), passa simbólica de um grupo, assim como
a ser um trabalho de nível compreensivo, sobre a possibilidade de se localizar
que busque “(...) captar os significados im- tal realidade (Habermas, 1983, p.
plícitos, considerar o jogo das aparências” 24, grifos nossos).
(Ciampa, 1987, p. 139).
Tentar compreender os sujeitos
Em Habermas a produção das iden-
através desta teoria implica em acompa-
tidades é elucidada a partir do princípio
nharmos as constantes mudanças, as di-
de internalização das normas sociais, que
ferentes representações que podem con-
dá origem à constituição de “identidades
formar tanto a expressão do movimento de
de papel”, posteriormente superadas pelas
alterização quanto a impressão do mesmo.
“identidades do Eu” – construções que ope-
Por meio destas mudanças a identida- ram reflexivamente, transpondo os limites
de se conforma em “uma totalidade contra- e exigências impostos pelas normas socia-
ditória, múltipla e mutável, no entanto, una” lizadoras. Isto significa que “o fundamento
(Ciampa, 1987, p. 61). Nesta linha de raciocí- para a afirmação da própria identidade não
nio, temos o caráter dialético do processo, que é a auto-identificação tout court, mas a au-
se apresenta como uma unidade de contrá- to-identificação intersubjetivamente reco-
rios e, ao mesmo, tempo reflete a totalidade do nhecida” (Habermas, 1983, p. 22, grifos do
contexto vigente no microcosmo das relações autor).
sociais: o sujeito é uno e se constrói através
Tais afirmações abrem preceden-
da multiplicidade e da mudança, de acordo
tes para compreendermos a essenciali-
com seus posicionamentos como ator e autor
dade do Outro na formação do Eu, que o
do próprio processo identitário.
autor demarca em ambos os textos como
A produção ocorre através dos pro- “auto-identificação intersubjetivamente
cessos de socialização e individualização reconhecida” – partindo da concepção
(Habermas, 2002), nos quais os indivíduos interacionista da subjetividade na obra
interiorizam atribuições sociais predicadas de Mead (1973). Esta concepção aparece
pelos papéis e modificam-nas de acordo imersa na leitura dos processos psíqui-
com seus interesses particulares na articu- cos, ao levarmos em conta que os indiví-
lação de diferentes personagens (Ciampa, duos irão buscar os referenciais para de-
1987). finirem-se não só na auto-interpretação
de si, mas também no reconhecimento tuição das identidades, temos sua carac-
intersubjetivo (Habermas, 1983; 2002). terização como fenômeno ao mesmo tempo
grupal e individual, de maneira que esta
Mead (1973) desenvolve esta ideia
construção, também, ocorre pela articula-
quando afirma que a condição humana é
ção entre diferenças e igualdades, pelo cri-
inerente à constituição do self: O self cons-
tério comparativo (Ciampa, 1987).
titui a dimensão da personalidade compos-
ta pela consciência que o indivíduo tem de Neste complexo a representação dos
si mesmo ou autoconsciência que, por sua papéis designa a aparente substância, as
vez, edifica-se a partir da incorporação das múltiplas formas de predicações que no-
atividades sociais, possibilitando a sociali- meiam o indivíduo na condição de ser so-
zação através da compreensão acerca dos cializado e se exprimem na atividade social
símbolos compartilhados e a consequente através dos vários personagens, que dão
reprodução de gestos e valores comuns. corpo, significado e movimentos peculia-
Além disto, o desenvolvimento da auto- res aos sentidos e projetos de existência de
consciência também possibilita a reflexão cada um (Ciampa, 1987).
sobre os próprios atos e os determinan-
É na atividade social que ocorre a
tes sociais, gerando a autonomização das
objetivação e, portanto, que temos a carac-
ações ou individuação (Habermas, 2002).
terística de materialidade (Carone, s/d) do
Para que o indivíduo adquira a con- processo identitário. A multiplicidade das
dição de refletir sobre si mesmo, existe um determinações sociais se reflete nas repre-
pré-requisito: a compreensão dos códigos sentações individuais do sujeito, ao mesmo
sociais compartilhados, de forma que ele tempo em que ele transforma o meio e luta
só atinge um self, quando é capaz de res- para se alterizar, modificando seu entor-
ponder aos atos sociais e ver a si mesmo no: “se não há nada que não seja devir, a
a partir da perspectiva dos outros (Mead, superação, no devir, não é aniquilamento,
1925/1991). mas metamorfose: morte-e-vida” (Ciampa,
1987, p. 151).
A importância da proposição de
Mead reside no pioneirismo de sua leitura Morte-e-vida (Ciampa, 1987): é a
teórica, ao abandonar as premissas meta- metamorfose como possibilidade (Carone,
físicas de discussão da subjetividade, com- s/d), como realidade de potencial transfor-
preendendo os processos psíquicos como mação significativa e qualitativa, na qual
fenômenos intimamente atrelados à cons- seja possível a conscientização e os ques-
tituição de experiências de integração do tionamentos acerca das condições e limites
indivíduo à realidade das interações hu- de sua existência histórica. A característica
manas. Por conseguinte, entendemos que histórica da noção de identidade se ratifi-
o indivíduo não é visto como algo isolado ca no contexto das transformações sociais,
(Ciampa, 1987), mas como produto do através dos quais se precipitam diferentes
complexo de relações que estabelece com formas de vida, pois como nos afirma Ciam-
os outros e consigo mesmo em um contexto pa (1987, p. 157), “(...) não há personagens
histórico determinado. Torna-se, portanto, fora de uma história, assim como não há
impossível falarmos de uma Teoria da Iden- história (ao menos história humana) sem
tidade que se esgote na ideia de ipseidade personagens”.
(Almeida, 2005) como realidade absoluta,
Desse processo de transformações
sem levarmos em consideração a subjetivi-
fazem parte abandonar ou extinguir anti-
dade como algo gerido no âmbito das signi-
gas representações (morte) e mais do que
ficações produzidas por outros indivíduos,
isso, assumir um projeto político (vida) que
instituições e grupos.
remeta à humanização e à concretização
Ao considerarmos as interações da antítese no processo dialético (Konder,
como elementos fundamentais na consti- 1990).
proferimentos. Por sua vez, o ato de fala con- te socialização e individuação (Ciampa,
cretiza-se não numa ação vazia, mas numa 2005). E neste complexo epistemológico,
reivindicação de pretensão de validade, que “(...) a subjetividade do indivíduo é vista
deve ter efeitos de tomada de posição por sempre articulada com a objetividade da
parte do ouvinte. Neste ínterim, indivídu- natureza, a normatividade da sociedade e
os se tornam sujeitos quando reconhecidos a intersubjetividade da linguagem (Ciam-
em suas pretensões e não necessariamente pa, 2005, p. 07).
quando elas tornam-se práticas ou normas –
pois há também o risco do dissenso em qual-
quer tentativa de interação.
A ideia de razão comunicativa em A INVERSÃO DA METAMORFOSE: QUES-
Habermas (2002) diz respeito à razão orien- TIONANDO OS SENTIDOS DO PROCES-
tada ao entendimento, que imediatamente SO IDENTITÁRIO
nos aponta para a questão da emancipa-
A análise dos contextos de inter-
ção, na medida em que o autor defende que
-ação na teoria da ação comunicativa ha-
existe um potencial emancipatório em todo
bermasiana além de apontar possibilidades
proferimento e que sua análise teórica in-
emancipatórias, designa um tipo de inter-
tenciona mostrar as diferenciações sociais,
relação que serve aos desígnios do sistema.
identificar formas patológicas de existên-
Em contraste à ação comunicativa, as rela-
cia e compreender os sentidos das produ-
ções heterônomas se desenvolvem por meio
ções simbólicas democráticas e autônomas
do agir estratégico: uma forma de interação
(Repa, 2008).
orientada a um fim (e não a um consenso),
A centralidade da linguagem no pro- de maneira que aqui o ato de fala é utili-
jeto habermasiano deixa suas marcas na zado apenas como meio para transmissão
construção da Teoria da Identidade, na de informações, independentemente das
medida em que a leitura dos elementos da expectativas e pretensões dos atores aos
teoria do agir comunicativo entrelaçados à quais se dirige (Habermas, 2002).
noção de emancipação, legitimam a concep-
O agir estratégico depende da in-
ção de um sintagma identitário, justifican-
fluência de uns atores sobre outros, re-
do a construção de uma macro categoria
sultando na indução de uma das partes a
(Ciampa,1999) elaborada a partir de três
um determinado tipo de comportamento,
conceitos indissociavelmente articulados:
tendo portanto, um caráter instrumental
identidade-metamorfose-emancipação.
(Habermas, 2002). Não existe um acordo
A apropriação teórica dos conceitos válido nesta forma de interação, que se re-
de Habermas realizada por Ciampa (1999; aliza a partir de induções, ameaças ou en-
2003), possibilita um ampliação concei- ganos, ferindo as condições de um pacto
tual profícua à Teoria da Identidade, que consensual:
denota um compromisso de compreender o
Aquilo que se obtém visivelmente
fenômeno como um processo em constan-
através de gratificação ou ameaça,
te formação e transformação (por isto, sua sugestão ou engano, não pode valer
predicação eminentemente histórica), cujo intersubjetivamente como acordo;
sentido ético se traduz a partir de uma uto- tal intervenção fere as condições
pia emancipatória (Ciampa, 2003). sob as quais as forças ilocucioná-
rias despertam convicções e geram
Este sentido ou meta de humaniza- ‘contactos’ (Habermas, 2002, p. 72,
ção a ser alcançada, só pode ser possível grifos do autor).
por meio da realização de projetos políticos
(Ciampa, 2003), que se edificam mediados
pela intersubjetividade, ou seja, mediante Deve-se levar em consideração que
construções que articulam dialeticamen- o agir estratégico também ocorre no mun-
do da vida, justamente por causa das in- análise, provocadas de modo hete-
vasões sistêmicas. Neste sentido, aparece rônomo por um poder interiorizado
como alternativa para ações comunicativas subjetivamente e – ou apenas – ex-
fracassadas, de maneira que as relações do teriorizado objetivamente. Ou seja,
quase sempre, senão sempre, há
mercado e do poder passam a ser reguladas
um conflito político que se estabe-
pelas instituições (Habermas, 2002), que lece entre a pretensão de uma iden-
representam a articulação entre o mundo tidade social, de um lado como (1)
da vida e o sistema (Almeida, 2005). auto-afirmação e hetero-reconheci-
O pano de fundo deste complexo são mento de um projeto emancipatório
e, de outro, como (2) hetero-afirma-
as formas unilaterais e patológicas de exis-
ção e auto-reconhecimento de um
tência, pois, na medida em que as estru-
projeto coercitivo ou de dominação
turas sistêmicas se sobrepõem ao mundo (Ciampa, 2003, p. 03).
da vida, mais e mais as ações de caráter
instrumental dominam as esferas comu-
nicacionais espontâneas. A consequência O sentido do processo identitário
prática deste processo é a inversão de va- é, então, questionado, partindo do pres-
lores pelo cerceamento dos espaços de au- suposto de que este último se correlacio-
tonomia, provocando crises de sentido, a na a um conflito entre autonomia e hete-
supressão sistemática das ações voltadas ronomia, entre a pretensão de uma vida
ao entendimento e o “esmigalhamento” das que faça sentido, concretizada através da
formas de solidariedade (Habermas, 2005), efetivação de uma ação política (que pode
ou seja, a construção de interações siste- ocorrer de forma explícita ou não) e a coi-
maticamente distorcidas que levam a um sificação dos indivíduos, ou seja, um pro-
contexto de desumanização. cesso de metamorfose que é invertido no
Como já sinalizado anteriormente, seu sentido ético, no qual os indivíduos e
Ciampa (2003) com base nos elementos te- coletividades são impelidos por forças co-
óricos supracitados, aponta que a possibi- ercitivas (de ordem subjetiva e/ou objeti-
lidade da realização de um projeto que dê va) que impedem a realização de projetos
sentido ético às identidades, só se realiza políticos emancipatórios.
mediante a concretização de ações políticas. A ação política e, por consequência,
E se a identidade resulta de um “(...) encon- a produção de identidades pós-convencio-
tro entre a idéia que fazemos ou a imagem nais – ou de acordo com Ciampa (2002),
que temos de nós mesmos e dos outros e, a identidades políticas – pode ser então obs-
idéia ou a imagem que os outros têm de nós” tada por uma interiorização a-crítica de
(Almeida, 2005, p. 52), estamos falando de normas, ou heteronomia e/ou por uma
um processo essencialmente conflitivo, no ação externa que impeça ou dificulte a rea-
qual as representações pessoais e coletivas lização de projetos emancipatórios que, ge-
podem ou não convergir. ralmente, ocorre de forma violenta, através
Perante o choque entre estas re- de coerção, imposições, ameaças.
presentações, pode ocorrer a inversão da Com base nestes pressupostos, afir-
metamorfose, de maneira que o “projeto”
mamos que a condição sine qua non para a
de uma busca emancipatória se converta
produção de ações emancipatórias consiste
num processo desumanizante. Tal proces-
na assunção de uma perspectiva diferente
so ocorre quando as ações políticas vislum-
bradas pelos sujeitos ou grupos encontram daquela já estabelecida e que modifique os
obstáculos, são impedidas de forma violen- parâmetros já estabelecidos pelo contexto
ta, impositiva ou coercitiva: societário.
A destruição, a degradação e a in- Neste sentido, a discussão sobre os
dignidade de pessoas e grupos são significados dados à emancipação em Ha-
formas de metamorfose, em última bermas também nos abre espaço para o
debate acerca da natureza política do pro- das ações e reivindicações coletivas assu-
cesso identitário, pois o conceito de razão midas pelos grupos oprimidos (Ciampa,
comunicativa está diretamente relacionado 2002).
à ideia de planos de ação possíveis num
A afirmação de uma identidade com
universo interativo e não à condição pura
sentido emancipatório no plano individu-
de ipseidade. Assim, a produção das identi-
al se corrobora através da conformação de
dades e seu sentido emancipatório (ou não)
identidades políticas (Ciampa, 2002), ou
implica num choque entre as pretensões
identidades pós-convencionais, de acordo
dos indivíduos e as exigências de pertinên-
com Habermas (1983).
cia dadas pelos grupos aos quais ele se afi-
lia. Falamos, portanto, de políticas de iden- Este movimento, segundo Ciampa
tidade e das possibilidades de construção (2002), é sempre alicerçado pelas políticas
de identidades políticas. de identidade que, em um primeiro mo-
mento, servem aos indivíduos como ideais
Ciampa (2002) compreende as políti-
identificatórios para a formação de laços
cas de identidade como as formas diversas
solidários e suporte às reivindicações por
pelas quais os grupos sociais hegemôni-
igualdade. Mas, para que a conformação de
cos e minoritários lutam pela afirmação de
identidades políticas seja realizada, tam-
suas identidades coletivas. São discursos e
bém se faz necessário o movimento de in-
estratégias de ação que, quando operados,
dividuação, ou seja, a criação de uma con-
traduzem a assunção de um personagem
cepção de identidade única que, ao mesmo
coletivo que corresponda às intenções do
tempo em que se vincula a determinados
(ou dos) movimento a que pertencem os su-
modelos oferecidos pela sociedade, possa
jeitos confirmando a adesão a determina-
se diferenciar, numa atitude reflexiva, para
dos modelos identificatórios.
seguir assumindo novos projetos e novas
A questão crucial para compreender- pretensões de reconhecimento.
mos o sentido das ações políticas dos indi-
Por isto a conformação de identida-
víduos reside na condição de que elas só
des políticas é sempre produto de um con-
podem ser consideradas legítimas quando
flito, pois, no contexto do sintagma identi-
centradas nos pressupostos da ação comu-
dade-metamorfose-emancipação, não existe
nicativa, nem sempre passíveis de realiza-
processo de transformação que não abra es-
ção em todos os contextos (Almeida, 2005).
paços para diferentes formas de existência.
Assim, tais políticas podem servir tanto aos
interesses sistêmicos quanto às diferentes
formas coletivas de integração dos grupos
de minorias: são as políticas de identidade
de dominação em contraposição às políti- CONSIDERAÇÕES FINAIS: LOCALIZAN-
cas de identidade emancipatórias. DO A IDENTIDADE COMO TEORIA
As políticas de identidade de domi- Ao avaliarmos a extensão e o poten-
nação são políticas regulatórias e carac- cial analítico da obra de Antônio da Cos-
terizam-se por designarem ações coleti- ta Ciampa; assim como Lima (2010) e Ca-
vas que, ao serem invadidas pelas formas rone (s/d), acreditamos que seu trabalho
sistêmicas, a exemplo das representações configure uma Teoria da Identidade e não
coletivas e dos comportamentos sociais apenas uma categoria de análise. Por isto
desenvolvidos pelo pensamento hegemô-
mesmo, ao longo deste ensaio, buscamos
nico, buscam a manutenção do status
pensar com o autor e não analisar o seu
quo. Por outro lado, as políticas de iden-
trabalho à luz de paradigmas prontos.
tidade com teor emancipatório inspiram o
vigor e a energia de mudança, construin- Esta Teoria está fundamentada na
do novos espaços de discussão e práticas orientação para a emancipação, sobretudo
políticas baseadas no consenso, a partir a partir das contribuições habermasianas.
Marcado pela influência do pensamento de ção. Esta mudança denota uma ampliação
uma Teoria Crítica da Sociedade, a obra conceitual, elaborada sobretudo, a partir
de Ciampa parte do pressuposto de que o centralidade da linguagem no projeto ha-
funcionamento da sociedade não deve ser bermasiano. A identidade continua a ser
somente explicado, mas analisado em sua concebida como um processo de transfor-
dimensão concreta à luz de um “interes- mações qualitativas constantes, todavia,
se emancipatório”. Isto significa buscar a a leitura dos sentidos dados a esta cons-
construção de um quadro teórico de análi- trução passa a ser o principal foco de in-
ses que contemple tanto as estruturas so- quietações do autor. A produção identida-
ciais de dominação quanto os processos de de pressupõe, portanto, um sentido ético
superação desta mesma realidade (Saave- (demarcado por um horizonte emancipató-
dra, 2007), ou seja, a sociedade, os limites rio desejável) e uma natureza política, de
e possibilidades à condição emancipatória. forma que sua conformação como projeto
emancipatório só realiza perante a concre-
Num primeiro momento de sua pro-
tização de ações políticas implementadas a
dução, diante de um contexto histórico de
partir de um projeto de vida.
revisão crítica dos conceitos em Psicologia
Social (Lane, 1995/2009), o autor inova ao Neste contexto, o processo de eman-
defender a tese da identidade-metamorfo- cipação passa a ser entendido também
se, concebendo-a como processo inesca- como um processo de comunicação. De
pável de transformações. Ciampa (1984, forma que o diálogo sem coações externas
1987) redimensiona os parâmetros teóricos constitui, portanto, a saída para a alie-
do entendimento da identidade, ao realizar nação, para a perda da individualidade e
uma análise crítica acerca da constituição para a recuperação da autonomia (Deluiz,
humana, partindo do pressuposto de que 1995), ou seja, a saída para a constituição
“o devir homem-sujeito é praticamente im- de identidades políticas, ou identidades
possível (ao menos universalmente)” (Ciam- pós-convencionais, de acordo com Haber-
pa, 1987, p. 182). mas (1983).
Além disto, o autor considera a pro- Mas Ciampa (2003) nos aponta tam-
dução identitária como um processo in- bém o perigo da inversão da metamorfose.
tersubjetivo, construindo uma estrutura Este fenômeno é assinalado a partir do con-
teórico-conceitual que projeta uma con- ceito habermasiano de agir estratégico, que
cepção de sujeito transformador e autor de proclama as “invasões sistêmicas do mundo
sua própria história, mediante os limites da vida”. A inversão do processo identitário
impostos pelo contexto hegemônico: assim, ocorre quando indivíduos e grupos são im-
os sujeitos se constroem a partir dos pro- pedidos (de forma objetiva e/ou subjetiva)
cessos de socialização e individuação. da realização de suas ações políticas, cons-
trangidos pelas imposições e ameaças pre-
Esta perspectiva trás tanto a possi- sentes no contexto hegemônico.
bilidade de aparecimento das identidades-
-mesmice, quanto o aparecimento do po- Esta situação coercitiva é caracte-
tencial emancipatório, movimento no qual rística das atuais sociedades, nas quais
verificamos uma dinâmica politicamente
o sujeito hominiza-se e reage à coerção da
descontrolada e guiada pelo princípio do
sociedade, opondo-se à heteronomia infli-
desempenho, que substitui as formas de
gida pelos processos socializadores (Miran- comunicação e participação na formação
da, 2014). democrática da vontade. Em outras pala-
No segundo momento de sua traje- vras, emerge uma tendência de despoliti-
tória, o autor acresce à Teoria a constru- zação dos cidadãos, que pode ser exem-
ção de um sintagma, organizado a partir de plificada pela lógica de mercado (ou lógica
três conceitos indissociavelmente articu- neoliberal) invadindo diferentes setores da
lados: identidade-metamorfose-emancipa- vida de modo crescente (Habermas, 2005).