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Uma vez que o mundo se coloca de saída como imagem, não só os espaços vazios, mas a
presença constante dos corpos e as ações dos personagens surgem como reprodutíveis. Em
Saute ma ville (1968), La chambre (1971), Je Tu Il Elle (1975 - foto no alto) e Jeanne Dielman,
23, quai de commerce, 1080, Bruxelles (1975), o corpo entra no mecanismo fechado da
imagem, do automatismo, da reprodução. Nas performances, a rotina é reconstruída entre
quatro paredes, para as câmaras, até que se alcance uma versão cinematográfica autoral da
casa. Parece necessário se instalar num lugar familiar e confortável, em que o habitus e o
controle das obrigações comandem as ações, para gerar dali descontrole, estranhamento ou
tensão.
Para Ivone Margulies, Akerman reinstitui em seus filmes uma dimensão teatral, tanto em
função da carga performativa, quanto da ritualização do universo cotidiano em um único
espaço, o cenário onde o corpo é o principal elemento dramático. Tal argumento parece
contrariar a proposta aqui apresentada e cada vez mais evidente nas obras da diretora: a de
que é no formalismo que a imagem entra numa dimensão artificial em que corpos e objetos
são desmaterializados pela possibilidade técnica de enquadrar e reproduzir ininterruptamente.
De Saute ma ville (curta realizado pela autora aos 18 anos) aos filmes mais atuais, a obra de
Akerman passou do egocentrismo à ausência de centro, do narcisismo à impessoalidade, na
medida em que a imagem se tornou um exercício da forma na escritura cinematográfica.
A esperança é que um dos habitantes, o espectador, ao ver pouco, veja realmente, escute
realmente, tenha uma experiência. Se, como disse Deleuze, não vemos as imagens que nos
chegam do exterior, quem sabe a estética do confinamento nos leve a perceber a imagem ela
mesma. Quando o mundo põe-se a tagarelar, o cinema seco é a consciência de que perceber
menos é perceber mais. O enquadramento é o maior responsável pela secura. Ele é a
violência no fluxo do mundo, corte que impõe a captura para que a prisão se instale. Sufoca
toda a obra e permite que sutis variações do tempo – o ritmo – apareçam. Ele está lá, no
paradigmático Hotel Monterey. Matemático, retangular, limites fixos e precisos em paralelas e
diagonais, que parecem se repetir indefinidamente ou tornar qualquer movimento demasiado
lento, qualquer cena demasiadamente igual.
Maio de 2009
editoria@revistacinetica.com.br
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