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in loco - o cinema de chantal akerman

A estética do confinamento em Chantal Akerman


por Roberta Veiga - colaboração especial para a Cinética

O cinema de Chantal Akerman instaura uma


ambiência claustrofóbica, na qual a
contenção se opõe à tagarelice
contemporânea dos modos de ver.
Nomeamos esse traço singular estética do
confinamento. Nela, o dispositivo
cinematográfico é explicitado e reiterado
como lugar de rigoroso controle sobre o olhar
e o corpo. Pressionamento de um,
enclausuramento do outro. Diretor, personagem e espectador estão submetidos a um
mecanismo fechado. Nas palavras de Youssef Ishaghpour, Akerman impõe grades ao mundo.

Se o cinema já é uma forma de constrangimento sobre o ver, a cineasta abusa dessa


premissa no método de filmar, nos recursos expressivos e na maneira de instituir a
espectatorialidade. Através de procedimentos regrados de filmagem, do rigor nos
enquadramentos, da restrição a um espaço e da duração, Akerman alcança uma experiência
visual exígua, minimal e sem dispersão. O resultado é um conjunto de filmes extremamente
lentos, onde o que se mostra é sempre muito pouco e o extra-campo parece obstruído. O
método, o “como filmar”, diz respeito à relação ética entre o cineasta e o mundo. Em Chantal,
essa escolha parte de um pressuposto já afirmado por Gilles Deleuze e Jean-Louis Comolli: na
contemporaneidade, o próprio real se põe a fazer cinema. A diretora assume completamente a
condição artificial da experiência cinematográfica, sua natureza de máquina de imagem que
sobrevive na e pela reprodutibilidade. Se algo acontece, é na imagem.

Do ponto de vista dos procedimentos de filmagem, duas características definem a estética do


confinamento na obra de Akerman: a distância e a prisão cenográfica. A cineasta mantém
sempre um mesmo distanciamento em relação ao mundo, aos objetos e aos sujeitos filmados.
O espaço é tomado não apenas como forma de habitar, mas como forma de aprisionamento
do corpo e constrição dos modos de ver. Seja o quarto, a cozinha, a casa, a cidade, do menor
ao maior, ele é instituído sob a forma de clausura. As opções expressivas se caracterizam pela
duração nas cenas, pela serialidade dos espaços e dos atos, por poucos movimentos de
câmara. Assistimos a uma ditadura do quadro. Como diz Ishaghpour, o enquadramento,
supervalorizado, é um golpe no continuum da vida. Ele determina a estética do confinamento
ao reiterar pela força da visibilidade a prisão espacial e ao reafirmar incessantemente a tela do
cinema como moldura, cujas bordas delimitam o desejo e o poder de ver. A montagem não
desfaz tal ditadura, ao contrário, a cada filme todos os planos se ligam a um enquadramento
primordial produtor de uma ambiência específica. Trata-se de um recorte geométrico que
constrange o movimento e o tempo que parecem se estender além do esperado. A
capacidade de destacar, precisar e serializar do enquadramento extrapola o “como filmar” e se
manifesta no “o que filmar”.

Corpos reprodutíveis, corpos ausentes

Uma vez que o mundo se coloca de saída como imagem, não só os espaços vazios, mas a
presença constante dos corpos e as ações dos personagens surgem como reprodutíveis. Em
Saute ma ville (1968), La chambre (1971), Je Tu Il Elle (1975 - foto no alto) e Jeanne Dielman,
23, quai de commerce, 1080, Bruxelles (1975), o corpo entra no mecanismo fechado da
imagem, do automatismo, da reprodução. Nas performances, a rotina é reconstruída entre
quatro paredes, para as câmaras, até que se alcance uma versão cinematográfica autoral da
casa. Parece necessário se instalar num lugar familiar e confortável, em que o habitus e o
controle das obrigações comandem as ações, para gerar dali descontrole, estranhamento ou
tensão.

Em Jeanne Dielman..., a diretora exibe o dia-


a-dia da mulher, no quarto, na cozinha, na
sala, e busca (des)funcionalizá-lo através da
reiteração de atos ordenados (cozinhar,
comer, limpar, deitar, levantar) e da reificação
das relações com o filho, os objetos, o
espaço doméstico e o próprio corpo. Nesse
processo, tais formas de relação se deslocam
e ganham novos arranjos, através dos quais
tanto o lugar da mulher, seu enclausuramento
no espaço doméstico, quanto os valores que gera, serão interrogados. O corpo se submete à
clausura numa espécie de funcionamento auto-determinado, para então ser liberado através
da imagem colocada a distância. As tarefas ordinárias são repetidas com tamanha constância
que se tornam justaposição de imagens que podem ser reproduzidas continuamente. As
imagens se descolam das ações que se despregam de seu sentido prático, colocando o olhar
do espectador num movimento que vai da automatização à desautomatização. A significação
do doméstico perde suas referências codificadas. Akerman reinventa as formas de
disciplinarização feminina no sentido de tornar o corpo estranho em seu habitat.

Em Je Tu Il Elle, a cineasta (e personagem) passa longo tempo nua dentro do quarto, se


alimenta de açúcar e refaz os mesmos gestos que parecem sem finalidade. O corpo, limitado
pela funcionalidade e pelas angulações do espaço semi-vazio, vagarosamente é esvaziado de
suas histórias, e se cola ao imediatismo da imagem. A situação vivida pela personagem não
encontra nenhuma relação indicial com algo que poderá acontecer do ponto de vista diegético
e nem com o que está fora de campo, já que o fora de campo só existe enquanto inferências
vagas que não se traduzem em nenhum sentido para as ações exibidas. Manifesta na
banalidade imediata do mundo que filma e no efeito visível da forma, a relação que Akerman
mantém com o cinema a distancia de um “eu”, aos poucos reduzido em seus possíveis.

Para Ivone Margulies, Akerman reinstitui em seus filmes uma dimensão teatral, tanto em
função da carga performativa, quanto da ritualização do universo cotidiano em um único
espaço, o cenário onde o corpo é o principal elemento dramático. Tal argumento parece
contrariar a proposta aqui apresentada e cada vez mais evidente nas obras da diretora: a de
que é no formalismo que a imagem entra numa dimensão artificial em que corpos e objetos
são desmaterializados pela possibilidade técnica de enquadrar e reproduzir ininterruptamente.
De Saute ma ville (curta realizado pela autora aos 18 anos) aos filmes mais atuais, a obra de
Akerman passou do egocentrismo à ausência de centro, do narcisismo à impessoalidade, na
medida em que a imagem se tornou um exercício da forma na escritura cinematográfica.

Em Hotel Monterey (1972 - foto), News From


Home (1977) e Là-bas (2006), o corpo é
ausência. Ele some da imagem, se dilui num
olhar que vaga por entre espaços vazios e
vidas anônimas. Mudo, sem qualquer som,
Hotel Monterey é pura experiência do ver.
Ação, ou ainda, performance do olhar que
capta corredores, quartos, angulações,
paredes, luzes, do hotel. Dura num rosto
desconhecido, produz um portrait, e continua
a coletar pedaços do espaço, inventariando
imagens. Por longo tempo o movimento da
câmara é o movimento do elevador, que sobe, pára e abre a porta para um cômodo qualquer
vazio, desce, pára e abre a porta para pessoas que por ali transitam. Em Là-bas e News From
Home o corpo é a voz, que se contrapõe ao olhar distante e frio, e preenche o espaço de
memória. A diretora é aquela que narra. News From Home exibe Nova York sempre a uma
distância constante, a uma mesma altura, através de lentos travellings, planos longos e
semelhantes. A cidade filmada por Akerman parece por demais fechada e as leituras das
cartas de sua mãe, por onde entra o afeto, não a tiram dali, mas enfatizam seu isolamento.

A dimensão confessional se mantém em Là-bas. O espaço doméstico é o cativeiro de onde


parte um olhar que não é mais para si. O corpo enclausurado da narradora não pode ser visto.
É a voz e o olhar que são colocados em cena. Akerman filma o fora enquanto seu discurso se
desenvolve à maneira de um diário, escrita de si que não visa ao outro, texto secreto sem
destinatário. A tela de cinema é o quadro que dá a ver o apartamento que mostra a janela,
enquadramento que mostra outras janelas que também são quadros. Seguimos no ato de
mostrar e de olhar. Essa orquestração de enquadramentos revela uma composição em
abismo, mise en abyme. Onde está o fora de campo, quando o campo que vemos revela mil
enquadramentos no enquadramento da janela? A prisão se refaz. Mesmo nos filmes em que o
corpo performa para a câmara, como em Je tu il elle, é como se o fizesse para um espelho
que devolve seu olhar para o mesmo ponto, pois o que vale é o aqui e agora, a reflexividade
daquelas ações. A câmara não o liberta, pois a imagem aprisiona.

O espectador, prisioneiro da imagem

Na obra de Akerman, a estética do confinamento conjura o extra-campo e faz com o que


espectador fique preso no próprio mecanismo de ver, seja porque um aparato leva a
construção em abismo, seja porque os atos da mulher em sua vida doméstica ganha uma
dimensão artificial e se torna ele mesmo reprodução técnica. Só resta ao espectador
capturado pelo enquadramento primordial ser prisioneiro da imagem. E a prisão é seca.
Sequidão na escritura exígua, na economia dos recursos expressivos: ausência de rodeios e
ornamentos, garantida pelo rigor formal, pela rigidez nos procedimentos. O olhar parece
puramente maquínico, sem desejo, sem busca, sem deleite. Um cinema que raramente dá a
ver extensão, espaços abertos, paisagens, o horizonte, o vento, a liquidez, o amor... Seco,
principalmente naquilo que constituí a experiência do espectador: onde ele procura a
identificação, o conforto e a crença, encontra a aridez, barrado pela concretude dos espaços,
pelas grades dos quadros, pelos gestos que se repetem. Confinado. Cinema severo, no qual
aquele que espera, que cria expectativas em torno do que virá, se frustra. Não há
condescendência com aquele que vê. Aqui o dispositivo se revela, constrange, captura e
submete o espectador à crise. Mas não é da crise que o espectador pode refazer sua relação
com a imagem?

Contrário às sobreimpressões videográficas, à intertextualidade exagerada, aos excessos e


saturações, este cinema não passou totalmente para o lado da função pós-moderna, ou
maneirista, como diria Serge Daney. Não está fora dela, mas a fere de dentro. Estamos nas
imagens, nelas deslizamos, por isso é preciso uma forma de aderência ou de atrito. Conter a
aceleração e profusão das imagens, ao confinar-se em seu interior. Ver torna-se sinônimo de
sofrer a ação da imagem. Se a lógica é tudo ver, vejamos tudo. No entanto, ver tudo pode
custar muito mais do que o ingresso para a exibição. Pode ser ver bem pouco, quase nada, e
assim, frustrar o desejo pela transformação que o cinema, como diz Comolli, desperta nos
corpos que habitam o filme.

A esperança é que um dos habitantes, o espectador, ao ver pouco, veja realmente, escute
realmente, tenha uma experiência. Se, como disse Deleuze, não vemos as imagens que nos
chegam do exterior, quem sabe a estética do confinamento nos leve a perceber a imagem ela
mesma. Quando o mundo põe-se a tagarelar, o cinema seco é a consciência de que perceber
menos é perceber mais. O enquadramento é o maior responsável pela secura. Ele é a
violência no fluxo do mundo, corte que impõe a captura para que a prisão se instale. Sufoca
toda a obra e permite que sutis variações do tempo – o ritmo – apareçam. Ele está lá, no
paradigmático Hotel Monterey. Matemático, retangular, limites fixos e precisos em paralelas e
diagonais, que parecem se repetir indefinidamente ou tornar qualquer movimento demasiado
lento, qualquer cena demasiadamente igual.

Maio de 2009

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