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Titular de Direito Civil da PUCSP.

Professora de Filosofia do Direito,


de Teoria Geral do Direito e de Direito Civil Comparado e
Coordenadora da Subárea de Direito Civil Comparado nos Cursos de
Pós-Graduação em Direito da PUCSP.

INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DO DIREITO,


À FILOSOFIA DO DIREITO,
À SOCIOLOGlA JURÍDICA E À LÓGICA JURÍDICA.
NORMA JURÍDICA E APLICAÇÃO DO DIREITO.

20ª edição
revista e atualizada
2009

n1.Editora
~ Saraiva
74 Compêndi o de intmdução à ciência do direito
Ciência jurídica 75

sendo, fácil é verificar que, para Dewey, tais princípios necessitam de constan- gênese de qualquer atividade humana. A restauração do ~alor do sentimen to é
tes adaptações às novas situações sociais sobre as quais vão projetar-se, por-
de grande interesse, pois se o jurista, ao interpreta r a lei, ascenden do a su~s
que precisam ter utilidade prática para chegar àquelas soluções convenientes e causas, não encontrar o sentimen to, errará. O sentimen to é de grande valia
justas. Isto é assim porque, com a evolução da realidade social, aqueles princí- para a interpretação, enquanto elemento causal da produção normativa. O mundo
pios absolutizados em fórmulas rígidas seriam obstáculos para ordenar com da razão e dos conceitos está, para Dualde, construído, em grande parte, sobre
justiça as novas situações sociais. Logo, não se pode pretender a imutabili dade
0 dos sentimen tos. Como a lei, para este autor, é a expressão abstrata da vida
dos referidos princípiosi 12 • psicológi ca de relação, ou seja, do mundo sentimen tal d? legislador, c~nse­
qüenteme nte a interpreta ção seria a descober ta desse sentimen to por meio da
c.2.11. Teoria interpretativa de Joaquín Dualde intuição bergsonia na do intérprete. Essa intuição consiste no método de se
penetrar na realidade corrigind o suas desfigurações. c_º1:11º' segundo Bergson,
Joaquín Dualde, catedrátic o de direito civil da Universidade de Barcelo-
0 verdadeir o conhecim ento consiste numa união do sujeito cognosce nte com a
na, influenciado pelo intuicionismo de Bergson e pela escola do direito livre,
coisa conhecid a, ·para Dualde o intérprete não poderá ser um mero e~egeta da
lançou a tese de que deveria ser aplicada ao direito uma interpretação intuitiva,
norma, ele deverá identificar-se com ela, vivê-la, trazê-la para a vida real e
pois a inteligência humana, limitada ao mundo estático do tempo espacializado,
concreta, de onde a lei se evadiu quando se tomou um princípio legal e abstra-
seria inidônea para a apreensão da qualidade pura. Logo, interpretar uma nor- to. Daí as expressivas palavras de Dualde: "El máximo poder correspon de al
ma seria investigar a série causal em que ela se insere, visto que toda disposi- intuitivo culto, al intuitivo científico. Compren der y vivir el derecho. He ahí la
ção normativa está incluída numa série de causas e efeitos, que é constituíd a plenitud del método. El llamado sentido jurídico es la intuición a la que se l~~ga
por múltiplos fatores determina ntes da elaboraçã o da norma. Isto levará o in- después de templar todas las cuerdas del espíritu y a la que fortalecen co~ auxihos
térprete ao estudo desses vários fatores e não à investigação da intenção do tan imperfectos como necesarios, las concepcione~ intelectuales, l,o~ impulsos
legislador, que lança o fiat lex da gênese jurídica, porque a norma não é apenas sentimentales y las fuerzas inconscientes". Repudia, portanto, a log1ca formal
o resultado de um ato isolado de seu elaborador. Não sendo a lei o simples aplicada ao direito. Com isso Joaquín Dualde transformou o intérprete em um
efeito de um .fiat lex do legislador, a interpretação não pode, pura e simples-
colaborador na tarefa de criação da lei 113 •
mente, relacionar a norma com a mens legislatoris, visto que tal atitude des-
truiria a série causal da lei e a interpretação seria, então, incompleta.
c.2.12. Realismo jurídico norte-am ericano e escandin avo
O legislador nem sempre tem uma noção clara da norma por ele próprio
formulada, porque ele, segundo Dualde, é feito de consciênc ia e inconsciên- O realismo jurídico abrange as correntes teóricas que se afastam de qual-
cia; principal mente desta última, porque o legislador, como ser humano, não quer investigação jusfilosóf ica de ordem metafísic a ou ideológic a, negando
pode conhecer tudo que o influenci a ou que determin a suas reações, decisões e todo fundamen to absoluto à idéia do direito, considera ndo tão-some nte a rea-
ações. Todo legislador, tanto individual como coletivo, ignorante ou sábio, tem lidade jurídica, isto é, o direito efetivame nte existente ou os fatos_ sociais e
uma grande dose de inconsciência, devido ao condicion amento social das idéi- históricos que lhe deram origem 114 • O realismo jurídico busca a reahdad~ efe-
as, isto é, devido à circunstâ ncia de sofrer influência de vários fatores, como tiva sobre a qual se apóia e dimana o direito, não a realidade sonhada ou ideal.
hábitos, meio ambiente etc. O legislador jamais poderá conhecer, com exati- Para os realistas, o direito real e efetivo é aquele que o tribunal declara ao tratar
dão, a série causal que determin a a lei. do caso concreto.
O sentimento jurídico, esquecido pelo método tradicional, passa a ga- O realismo jurídico norte-am ericano teve como principais represent an-
nhar relevo na produção da lei, já que o sentimen to é fator importan tíssimo na tes John Chipman n Gray, Karl N. Llewellyn e Jerome Frank. Mas, além des-

112. John Dewey, Logical method and !aw, Cornell Law Review, v. 10, 1924; The theory
of
113. Consulte: Joaquín Dualde, Una revolución en la lógica dei derecho (concepto
interpretación dei derecho privado), Barcelona, Bosch, 1933; Recaséns Siches, La
de !ª
inquily, 1938; Problems ofman, 1946; L. Fernando Coelho, Lógicajuríd ica,cit., p. 118 nueva fil~sofi~,
e 119; Goffredo cit., p. 91-9; Goffredo Telles Jr., anotações de aula do curso de mestrado da FDUSP,
Te!les Jr., anotações de aula do curso de mestrado da FDUSP, 1972; Recaséns Siches, La 1972, Luiz
nuevafiloso fía, Fernando Coelho, Lógica jurídica, cit., p. 129 e 130.
cit., p. 88-91.
114. L. Fernando Coelho, Lógica jurídica, cit., p. 132.
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ses, destacaram-se no movimento realista U nderhill Moore (Rational basis of conduta dos juízes, isto é, estudar como eles se comportam, porque o direito
legal institution, Colwnbia Law Review, 23:609, 1923); Herman Oliphant (A efetivo e real não é o que aparece declarado nas normas, nem o que os juízes
return to stare decisis, Anierican Bar Association Journal, 1928; Facts, opinions, declaram como base de suas decisões, mas aquele que os juízes efetivamente
and value-judgements, Texas Law Review, n. 10, 1932); Walter W. Cook (The fazem, independentemente do que expõem em suas sent_enças.
logical and legal basis of the conflicts of laws, The Yale Law Journal, n. 33, Karl N. Llewellyn 116 , em sua teoria hermenêutica, distinguiu as normas
1924) e Charles E. Clark (The dilemma of American judges: is too great tmst for no papel das normas efetivas. As normas no papel são as leis, regulamentos, ou
salvation placed in them?, American Bar Association Joumal, n. 35, 1949).
seja, as normas que os juízes declaram em suas sentenças, como fundamento
John Chipmann Gray 115 , precursor da escola, ao lado de Oliver Wendell de suas decisões. As normas efetivas são as declaradas, ou não, em razão das
Holmes, que exerceu influência tanto na jurisprudência sociológica como no quais os magistrados realmente decidem os litígios.
realismo jurídico, distinguiu o direito efetivo das fontes do direito. O direito
Explica Llewellyn que certas normas no papel têm grande alcance, exer-
efetivo constituiu-se de normas aplicadas pelos tribunais, e as fontes jurídicas
cendo influência decisiva na sentença, caso em que o jurista deve averiguar
são os fatores ou materiais que inspiravam juízes e tribunais no estabelecimen-
isso em cada norma, mediante a análise da real conduta judicial. Outras não
to das normas efetivas de sua sentença, que constituíam o direito real. Tais
são nem mesmo levadas em conta pelos juízes, por serem leis e regulamentos
fatores eram as leis, os precedentes judiciais, doutrina, costume e princípios
éticos. O juiz deverá, portanto, recorrer aos princípios morais da doutrina e dos que caducaram ou perderam eficácia, embora ainda tenham vigência ou por
costumes, inspirando-se nos precedentes. A norma só é jurídica após sua inter- serem normas jurisprudenciais já esquecidas, constituindo letra morta. Outras
pretação e aplicação pelo magistrado, depois de incorporada à sentença. O são mencionadas como fundamento da decisão judicial, mas de fato não são
legislador só emite palavras que apenas entram em ação efetiva mediante as seguidas nessa sentença ou apenas em parte, de forma que constituem normas
sentenças judiciais. O direito passa a existir somente após a decisão judicial, citadas pelo juiz, mas depois são elididas, total ou parcialmente, por meio de
definindo-se como um conjunto de normas estabelecidas pelos órgãos judi- raciocínios interpretativos que pretendem demonstrar obediência à norma, mas,
ciais de um certo grupo social, para determinação dos direitos subjetivos e na verdade, constituem um disfarce de outra norma, que não foi mencionada,
deveres jurídicos. Logo, todo direito efetivo é direito elaborado pelo Poder mas que é, de fato, seguida ou aplicada. Isto é assim porque o magistrado
Judiciário. Em última instância, o direito efetivo está constituído por normas almeja atingir uma certa solução e, como não tem norma para fundamentá-la,
assentadas pela Suprema Corte de Justiça. se apóia em outras.
Os realistas completaram esse pensamento de John Chipmann Gray, fun- Para Karl N. Llewellyn, a investigação realista deverá:
dando a realidade jurídica na conduta efetiva dos juízes e dos funcionários a) remover os disfarces para revelar a norma efetiva em que o magistrado
administrativos. Partindo da distinção feita por Gray• entre direito efetivo e baseou sua sentença, independente das normas explicitamente por ele referi-
fonte do direito, diferenciaram as normas mencionadas pelo juiz na sentença das na decisão judicial;
da decisão efetiva que o magistrado toma no ato sentenciai. Salientam os rea-
listas que as normas mencionadas pelo Poder Judiciário na sentença, muitas
vezes, nada mais são do que um disfarce para justificar a sua decisão efetiva, 116_ The bramble busch: on our law and its study, New York. 1951; A realistic jurisprude11ce:
constituindo uma tentativa de justificação aparente de sua sentença perante a the next step, Columbia Law ReFiew, v_ 30. 1930: Legal tradition and the social sciences method: a
realist's critique, in Essays in research i11 the social sciences, 1931: Some realism about realism
doutrina tradicional. Mas o que, na verdade, importa não é o que o juiz diz,
responding to dea11 pouncl, Harvard Low Review, v_ 44, 1932; The normative, the legal, and the law
mas o que ele faz. As normas citadas pelo tribunal nas sentenças nem sempre jobs: the problem of juristic method, The Yale La11· Journal, 11. 49, 1940; My {J/úlosophr e;( fmv, 194 l;
são as mesmas em razão das quais ele efetivamente julga ou decide. Logo, se On the good, the true, and the beautiful 011 law, University <~/'Chicago Law Review, v_ 9, 1942. Karl N _
Llewellyn considera realistas os seguintes autores: Joseph Walter Bingham, What is the law?, Michigan
se pretende saber o que efetivamente é direito, dever-se-á averiguar a real Law Review, v. 11, 1912; Arthur L. Corbin, Legal analysis anel tenninology, The Yale Lmv Jo11rnal, n.
29, 1919; Max Radin, Law as logic and experience, 1940; Leon Gree11. Judge andjurv, 1930; Joseph
C. Hutcheson Jr., The judgement intuitive; the function of the hunch in judicial decisions, Corneff
Law Quarterly, n. 14, 1929. Sobre Llewellyn, consulte Recaséns Siches, La nuel'a filosofia, ciL P-
, 115 __ Tlze nature and the sources of the law, 1909; Luiz F. Coelho, Lógica jurídica, cit., p. 133; 104-7 e 112-4; Luiz Fernando Coelho, Lógica juri<.lica, cit., p. 133-5; Georges Gurvitch, Sociologia
Recasens S1ches, La nuevafiloso.fía, cit., p. 101-4; Goffredo Telles Jr., anotações de aula do curso de jurídica, trad. Djacir Menezes, Rio de Janeiro, Kosmos, 1946, p. 208, 215 e 216; Goffredo Telles Jr.,
mestrado da FDUSP, 1972. anotações de aula do curso de mestrado da FDUSP, 1972.
78 Compêndio de introdução à ciência do direito Ciência jurídica 79

b) descobrir os verdadeiros fatores, de índole variável, que influenciaram sistema de solução dos problemas de conservação daquelas instituições de di-
os juízes na apreciação e qualificação jurídica dos fatos sub judice, ou seja, na reito. Tal definição jurídica é, portanto, elaborada sob o ponto de vista da soci-
eleição das normas efetivas em que se fundam suas sentenças. ologia jurídica, a partir da concepção pluralista das ordenações jurídicas e da
sociedade.
Analisa, ainda, Llewellyn, os problemas atinentes às questões de fato
tanto no que concerne à prova como no que diz respeito à qualificação jurídic~ Jerome Frank 117 analisou, em suas obras, a conduta efetiva do juiz e os
dos fatos relevantes. Salienta que os fatos nunca chegam ao magistrado no problemas relacionados com a apreciação da prova, além de ter desenvolvido
e~t~do em que realmente se deram, porque lhe são apresentados após uma um estudo primoroso da ordem jurídica e criticado a metodologia jurídica fun-
sene_ ~e reapresentações e reconstruções. Primeiramente, são os advogados dada na lógica silogístico-dedutiva.
dos ht1ga~tes ,que selecionam os fatos, mostrando ao órgão judicante apenas os Para Jerome Frank, o direito nada tem de geral, uniforme, certo, seguro,
que convem a sua causa, e dentre estes nem todos podem ser apresentados, porque ele dá mais importância à verdade circunstancial da vida do que à inva-
mas somente o~ qu~ forem admi~síveis legalmente, na forma prescrita pela lei riabilidade da norma jurídica. O único direito certo é o revelado na sentença
proc~ssual. Alem disso, os dep01mentos das testemunhas, muitas vezes, não judicial. Antes que\1m tribunal se pronuncie sobre um problema, não se pode
expnmem o real pensamento delas, que é desvirtuado, principalmente nas res- saber quais os deveres jurídicos e direitos subjetivos decorrentes de uma deter-
postas dadas ao advogado do demandado ou ao do demandante. minada situação. Se alguém firmar um contrato e perguntar ao seu advogado
qual seu direito e seu dever, essa pergunta não poderá ser respondida com
. O ~uiz ouve e julga os depoimentos sob o jugo de diversos fatores que plena certeza, pois é impossível prever o que vai ocorrer em juízo. Enquanto
mfluenciam sua convicção, como, p. ex., a aparência física da testemunha, 0 não houver sentença não há direito certo, mas tão-somente um direito prová-
olhar, o tom de voz etc. Depois de substanciados os meios de prova, cada um vel, isto é, o direito opinativo ou o direito dos pareceres. O direito efetivo
dos advogados qualifica os fatos de modo diferente, em razão do objetivo que consiste nas decisões judiciais. Assim sendo, o direito sobre certa situação, na
p:etende alcançar; conseqüentemente, os fatos da sentença podem não coinci- lição de Jerome Frank, ou é o direito efetivo, contido numa sentença, ou é o
dir com os fatos como eles se deram. direito provável, contido numa suposição sobre uma sentença futura, resultan-
Segundo Llewellyn, há íntima correlação entre a norma eleita e a senten- te de intuição ou de sentimentos.
ça, pois o juiz, antes de descobrir a norma para dela extrair sua conclusão Acrescenta Frank que o direito provável é, sem dúvida, relativamente
r~?on~trói os fat?s, formando sua convicção, mesmo antes das provas, das au~ certo, uniforme em sociedades simples, pouco evoluídas e de estrutura estável,
?1enc1~s, da pentagem, decidindo-se em favor de uma conclusão que estima mas nas sociedades do nosso tempo, evoluídas e civilizadas, as normas jurídi-
JUSta, mdo, então, procurar uma norma que justifique aquela sua decisão. Tal cas são sempre instáveis, inseguras e incertas, devido ao rápido desenvolvi-
norma assume um caráter de justificativa a posteriori, ou seja, de conclusão já mento da vida moderna. O direito, na opinião de Frank, é uma ordem essenci-
tomada com fundamento na íntima convicção do magistrado. almente mutável, por ter uma dimensão plástica adaptável às novas circunstân-
Para ele os criadores do direito não são os legisladores, nem os magistra- cias. O direito não mais possui a segurança estática que era estabelecida para
dos, porque o direito provém da sociedade em fluxo. Entretanto, embora de garantir velhas situações. O direito atual possui, no seu entender, segurança
origem soc_ial, o direito se manifesta com a atividade do Poder Judiciário para dinâmica para proteger as pessoas de novas situações determinadas pela reali-
o qual a lei e o precedente são tão-somente guias. O direito não se encontra dade, que, muitas vezes, nem remotamente estão previstas nas normas
~p,enas nos textos legais, mas também na conduta do povo em geral e na dos estabelecidas, de modo que o juiz, freqüentemente, precisa formular novas
JUizes, em especial. normas sob a aparência de estar interpretando as velhas e, outras vezes, precisa
eleger entre princípios igualmente válidos aquele que vai fundamentar sua sen-
. " ~ara e~e,. a sociologia jurídica é o único fundamento científico para a tença, sofrendo nesta eleição, que depende de juízos valorativos, a influência
c1encia do dire1to. Llewellyn define o direito pela sociologia, destarte, o jurídi- de suas convicções pessoais.
co se lhe apresenta como generalização normativa estandardizada onde se
distinguem o direito-modo, que é a conduta jurídica, e o direito-s~bstância
que indica toda manifestação cultural relacionada com o jurídico, abrangend~
117. Law mui the nwdem mind, cit.; Courts on triai, cit., l 949; Goffredo Telles Jr., anotacões
n~rmas, i~sti,t~ições juridicas, juristas, hábitos, costumes, órgãos judiciais, bi- de aula do curso de mestrado da FDUSP, l 972; Rec;séns Siches, La nueva filosofía, cit., p. l 08- Í 1 e
bliotecas Jund1cas e escolas de direito e até mesmo a técnica jurídica, como l l 4-9; L. Fernando Coelho, Lógica jurídica, cit., p. 135-8.
80 Compêndio de introdução à ciência do direito Ciência jurídica 81

Diante das provas o juiz forma a sua opinião do que é justo no caso sub desejos de paz, que o mal e o perigo andam soltos, que existem guerras, pestes,
judice, por meio da intuição ou do sentimento do justo. Tal convicção depende crises econômicas, que nada é como se quer, por isso o homem foge da reali-
muito das idéias pessoais do magistrado, pois mesmo quando ele não deseja dade, finge que é real o que gostaria que o fosse, apegando-se a idéias de um
fazer prevalecer suas idéias, orientando-se pela convicção social predominan- mundo imaginário, substituindo o real pelo ideal. A certeza do direito decorre
te, são suas opiniões éticas, sociais e políticas que vão determinar a sentença. deste processo psíquico do ser humano. O direito, na realidade, nada tem de
Além disso, o juiz tem sempre um conhecimento indireto do fato sub judice, certo, mas a sua incerteza não é um mal catastrófico, pelo contrário, constitui a
pois só vai obtê-lo mediante provas, como o relato das testemunhas, documen- condição do incremento da justiça e do progresso do direito. A sociedade, na
tos, opiniões de peritos etc. O juiz é uma testemunha do testemunho das teste- verdade, prescinde da certeza jurídica, por necessitar muito mais de magistra-
munhas, no dizer de Frank. O juiz ao considerar as provas é influenciado, dos amadurecidos e autoconscientes que promovam as mudanças que a vida
inconscientemente, por uma série de fatores causados pela natureza dos fatos social requer. Nem excessiva estabilidade, nem instabilidade total. Eis o que a
ou pelo feitio das pessoas com eles relacionadas, conforme suas tendências realidade revela.
pessoais, emoções, simpatias, antipatias, preferências e seu relacionamento
O direito efetivo, por estar petrificado em normas abstratas, se aperfei-
com as partes. Muitas vezes até as experiências pretéritas do juiz são causas de
çoa, paulatinamente, pela ação decisiva dos juízes.
suas reações imprevisíveis, p. ex., pode ocorrer que ele tenha desconfiança ou
repulsa por certas pessoas (certo tipo de mulheres, homens barbados etc.) ou As normas jurídicas gerais existem e são importantes, diz Frank, mas
não se simpatize com ciganos, com pessoas de determinadas raças ou filiadas apenas como ingredientes que intervêm na elaboração do direito efetivo, em
a certas correntes políticas e sociais. Tais fatores podem, inconscientemente, que o fator central é a personalidade do magistrado, que sofre influência de
afetar a atenção e a memória do magistrado sobre a declaração testemunhal, vários fatores, como educação geral e jurídica, vínculos familiares ou pes-
influindo nos motivos de credibilidade. Como a personalidade do juiz é um soais, posição econômica e social, experiência política e jurídica, filiação reli-
fator decisivo na elaboração da sentença, daí a incerteza do direito positivo. giosa, temperamento etc. A convicção do magistrado resulta, convém repetir,
Somente depois de já haver formado a sua convicção, de haver elaborado sua de uma intuição ou sentimento do justo, dependentes do sistema de referência
sentença, ainda que mentalmente, é que o juiz vai buscar os princípios, os do juiz, dos seus ideais pessoais, de sua escola axiológica. A personalidade do
considerandos que possam justificar sua opinião, dando a qualificação jurídica magistrado é o fator principal na determinação da sentença, daí a insegurança
do fato. Com isso, adotou de certa maneira a opinião de Llewellyn. Tal quali- do direito. O direito efetivo depende desses fatores e não de conclusões tiradas
ficação jurídica é, geralmente, posterior à convicção do juiz sobre o que é justo das normas jurídicas gerais.
naquele caso concreto. Assim, o direito efetivo e real é o contido na decisão Os realistas norte-americanos, portanto, procuraram demonstrar que a
judicial. Ninguém pode conhecer o direito relativo a certa situação até que sentença não constitui silogismo, por ser um ato mental, uma espécie de intui-
tenha havido uma decisão específica a respeito, porque•a sentença está influ- ção intelectiva que abrange a decisão, os fatos relevantes e juridicamente qua-
enciada pela dieta do juiz, suas preferências, seus preconceitos e seu estado de lificados e a norma pertinente.
ânimo. Gurvitch 118 , apreciando o realismo jurídico norte-americano, observa que,
A exigência da certeza do direito só poderia ser, então, atendida se os além de identificar a realidade concreta do direito com o direito dos juízes e
hábitos mentais e as condições emocionais dos magistrados fossem idênticos, tribunais, eliminou, devido ao seu ceticismo axiológico, da ciência jurídica, as
ou se a designação estatal de juízes tivesse por objetivo pessoas de mentes considerações teleológicas e valorativas. Deveras, alguns realistas, como
estereotipadas, insensív:eis às mutações sociais, agindo mecanicamente. Será Llewellyn, voltam-se para uma sociologia jurídica baseada, exclusivamente,
que tal insensibilidade do órgão judicante conduziria a soluções mais justas? em julgamentos da realidade e libertada da dependência da ciência do direito,
Tal questão, segundo Frank, levanta dúvidas. cuja única tarefa consiste em aplicar os resultados dos julgamentos da reali-
Frank declara que a decantada certeza e segurança do direito não passa dade, sem qualquer consideração de fins e valores. Outros, como Frank, eli-
de uma ilusão, de um mito decorrente de um complexo de infância. A criança
foge do inseguro, procura o aconchego do estável e, inuitas vezes, cria o ideal
de urn mundo perfeito. É uma peculiar tendência do ser humano, di,z Frank, a 118. Sobre o movimento realista norte-americano, v. Gurvitch, Sociologia jurídica, cit., p.
204; Lon L. Fuller, American legal realism, 1934; E. N. Garlan, Legal realism and justice, 1941; José
de ver o mundo pelo avesso. A observação mostra que o mundo é hostil aos Maria Rodriguez Paniágua, Historia, cit, p. 293-9.
82 Compêndio de introdução à ciência do direito Ciência jurídica 83

minaram a ciência do direito para substituí-la pela psicanálise dos juristas. ciados pela filosofia da linguagem concebem o direito como um meio de co-
Outros ainda reduzem a ciência do direito apenas a uma técnica jurídica, base- municação entre os seres humanos, como forma de controle social do compor-
ada numa generalização indutiva do comportamento dos órgãos judiciais. tamento; logo, o sentido jurídico-normativo das expressões lingüísticas que o
Observa, a respeito, Luiz Fernando Coelho 119 que o alcance metodológico identificam deve ser buscado por meio da análise lingüística ao nível da sinta-
do movimento realista é inquestionável por ter chamado a atenção dos meios xe, semântica e pragmática. Sua teoria da interpretação jurídica pode ser, por
jurídicos para a falácia em que a certeza e segurança do direito, na visão isso, identificada como realismo lingüístico, o que a distingue do realismo
dogmática e analítica, consistiam, esboçando uma tentativa de basear a verda- psicológico dos juristas norte-americanos.
de jurídica em fatos reais e não em princípios carentes de conteúdo. O direito, Axel Hagerstrõm foi o criador desse movimento, com sua teoria sobre a
para os realistas, é o resultado de forças sociais e um instrumento de controle inexistência factual de direitos subjetivos e deveres jurídicos. Segundo ele, o
social. Abre, o realismo jurídico, perspectivas para a procura da realidade do direito subjetivo e o dever jurídico não existem, por não poderem ser identifi-
direito nas decisões judiciais. cados com nenhum. fato, carecendo, por isso, de realidade efetiva. Os concei-
O realismo jurídico escandinavo preocupa-se com a questão hermenêutica tos jurídicos fundamentais devem corresponder a forças reais independentes
e com a delimitação do ser do direito, tendo por escopo superar a concepção das faculdades humanas naturais, liberadas pelas fontes do direito. Considera,
que o considera como um conjunto de fatores sociais, a consideração ainda, ser um absurdo afirmar a existência de um poder sobrenatural, pelo que
epistemológica que se apresenta como uma espécie de psicologia social e o as pessoas crêem que estão dotadas, em relação às coisas (direitos reais) e às
jusnaturalismo que vislumbra o direito como uma ordem normativa que retira pessoas (direitos pessoais ou obrigacionais).
sua validade de princípios apriorísticos 120 • Os juristas da escola de Upsala re- Lundstedt, baseado nessas idéias, estabelece um ceticismo epistemológico
jeitam o direito natural e todas as idéias absolutas de justiça, daí seu relativismo, ao negar à ciência jurídica uma hierarquia científica e ao afirmar que o direito
por negar que as normas sejam deduzidas de princípios imutáveis de justiça. subjetivo nada mais é do que uma posição favorável em relação a uma pessoa,
Essa escola preconiza uma interpretação antijusnaturalista dos em razão da pressão psicológica exercida nos demais membros da sociedade.
ideais jurídicos, na descoberta dos princípios gerais de direito e dos ideais Esse jurista da escola de Upsala propôs a substituição do critério da justiça,
empíricos, que não são apriorísticos, visto que resultam da experiência concre- por considerá-lo inútil, pelo do bem-estar social, referido a convenções tidas
ta da coletividade. como úteis pela sociedade, nas investigações jurídico-científicas.
A escola de Upsala, iniciada por Axel Hagerstrõm, teve como sequazes Karl Olivecrona, por sua vez, considera as normas jurídicas como impe-
Lundstedt, Karl Olivecrona e Alf Ross. rativos derivados da vontade intermitente de certos indivíduos e não de um
O direito é um fato social que compreende dois aspectos: a ação e a nor- sujeito unitário como o Estado. Esses imperativos devem ser sistematizados,
ma. Tal dualismo epistemológico leva a separar a sociologia jurídica, que se tendo-se em vista a existência de uma organização coercitiva. Buscou, ainda,
ocupa da ação, da ciência do direito, que trata da norma, mas ambas as ciências compreender o direito a partir da linguagem jurídica, que assume caráter
se implicam porque a conduta, objeto sociologicamente observável, assume diretivo, influindo no comportamento humano, dirigindo-o como instrumento
caráter de juridicidade em função das normas jurídicas em vigor. de controle social.
Trata-se de uma concepção empírica do direito, com fundamento na na- Alf Ross, opondo-se ao jusnaturalismo, ao kelsenismo e ao realismo jurí-
tureza humana social, que pode ser descoberta mediante observações empíricas dico norte-americano pretendeu expor, em suas obras, uma teoria realista do
de cunho psicológico ou sociológico, buscando interpretar a vigência do direi- direito, isto é, uma teoria empírica, buscando uma interpretação de acordo
to em termos de efetividade social das normas jurídicas. com os princípios de uma filosofia empírica, afastando a especulação metafísica,
Partindo do problema ontológico-jurídico, os realistas escandinavos de- concentrando-se nos fatos do ser, pois os conceitos jurídicos fundamentais
duzem as conseqüências para a teoria e a técnica jurídica. Fortemente influen- devem ser interpretados como concepções da realidade social, do comporta-
mento humano em sociedade. Isto é assim porque para existir uma ciência
empírica do direito, voltada aos fatos da experiência, o direito deve ser conce-
bido como fato do ser e as normas jurídicas como normas do ser, ou melhor,
119. Lógica jurídica, cit., p. 138.
120. Alf Ross, Hacia una ciencia realista dei derecho, Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1961, como normas que enunciam como se conauzem, de fato, os homens, isto é, os
p. 11. aplicadores, e não como devem comportar-se.
84 Compêndio de introdução à ciência do direito Ciência jurídica 85

O realismo de Alf Ross é um misto de psicologismo e condutivismo soci- pode ser explicada em virtude de certas atitudes de submissão, de reconheci-
al, já que aceita o realismo condutista na medida em que busca encontrar a mento da competência de certas autoridades, que por isso podem ditar nor-
consistência e pré-decidibilidade na conduta verbal do juiz, isto é, no ato de- mas válidas. Opõe-se à concepção que pretende afirmar que o direito consiste
cisional, e o realismo psicológico, pelo seu entendimento de que essa consis- nas decisões judiciais, pois a qualidade de juiz não é um atributo natural, mas
tência é um todo coerente de significado e motivação, cuja possibilidade en- conseqüência da aplicação do direito vigente sobre a nomeação dos magistra-
volve o pressuposto de que o magistrado, em sua vida espiritual, se encontra dos, que uma vez nomeados não ditam sentenças a seu bel-prazer, mas por-
influenciado por uma ideologia normativa. O realismo psicológico baseia-se que se sentem vinculados juridicamente. O conteúdo dessas decisões, de cer-
em fatos psíquicos, de tal sorte que a norma vigente é a aceita pela consciência to modo, está condicionado e determinado pelo que o juiz considera obrigató-
jurídica popular, que também determina as reações do juiz ao aplicar aquela rio como direito. Como o realismo norte-americano faz girar o estudo do di-
norma, e o condutista é o que encontra a realidade jurídica nas ações dos tribu- reito em torno das previsões sobre o que decidiriam os tribunais, Ross enten-
nais. Assim uma norma será vigente se houver fundamentos suficientes para de que, para compreender o direito, não basta atender às decisões judiciais e
supor que será aceita pelos juízes e tribunais como base de suas decisões. Para às profecias dessas resoluções, mas levar em conta o que vincula e obriga o
Alf Ross só se poderia alcançar uma interpretação sustentável da vigência do juiz, ou seja, a noção de validade, que se explica pelo reconhecimento da
direito se se efetuasse uma síntese do realismo psicológico e condutista. competência legislativa.
Em sua obra Sobre el derecho y la justicia, Alf Ross procura lançar as A ciência do direito deve estudar as normas consideradas como obriga-
bases de uma teoria do direito e da justiça sob o prisma da moderna filosofia tórias.
empirista. As normas jurídicas são comandos dirigidos aos juízes e funcionários
Contestando todas as doutrinas que dão ao direito uma validez transcen- encarregados da aplicação do direito. Medida legislativa que não contenha
dente, pondera que a validade jurídica apóia-se na realidade dos fatos. Deve- diretiva aos juízes e tribunais deve ser considerada como um pronunciamento
ras, para ele, direito vigente é o conjunto abstrato de idéias normativas que ideológico, moral, sem nenhuma relevância jurídica; logo, o estudo do direito
servem como um esquema de interpretação para os fenômenos jurídicos em vigente deve levar em conta a sua validade em relação aos aplicadores da nor-
ação, isto é, de normas efetivamente obedecidas, porque são vividas como ma: juízes e funcionários. A conduta do aplicador só pode ser compreendida
socialmente obrigatórias pelo juiz e outras autoridades jurídicas, ao aplicar o mediante uma interpretação ideológica, isto é, pela consideração das normas
direito. que são, por ele, tidas como vinculantes ou obrigatórias. O direito vigente é
A teoria realista de Alf Ross procede à eliminação da dimensão da vali- um conjunto de normas que operam no espírito do órgão judicante, que as
dade como categoria independente da experiência, reduzindo-a à dimensão aplica, porque este as vive como socialmente obrigatórias e por isso as obede-
da realidade, a fatos ou fenômenos psicofísicos. A ciência realista do direito ce, com conduta desinteressada.
considera a tese do dualismo entre dever-ser e ser, validade e eficácia, devido Os conceitos jurídicos fundamentais devem ser interpretados como con-
ao seu caráter metafísico, como fonte fundamental de erros. Por isso a doutri- cepções da realidade social, logo., sob o ponto de vista epistemológico, a ciên-
na de Ross repousa na identificação de validade com eficácia, isto é, com o cia jurídica é uma ciência social empírica, que procura interpretar a validade
fato de que as normas são aplicadas pelos órgãos judicantes, porque se sen- do direito, em termos de efetividade social, isto é, de uma certa correspondên-
tem obrigados por estas normas. Logo, dois são os fatores contidos no seu cia entre um conteúdo normativo ideal e os fenômenos sociais. O conhecimen-
conceito de validade: o externo ou físico, relativo à eficácia do direito, isto é, to científico-jurídico deve, portanto, concentrar-se no factum externo da
à conduta do magistràdo correspondente ao direito, e o interno ou psíquico, efetividade. A ciência do direito dirige sua atenção ao conteúdo abstrato das
atinente ao motivo dessa conduta, ou seja, ao sentimento de estar obrigado diretivas para descobrir o conteúdo ideal, ou seja, a ideologia que funciona
pelo direito. Todavia, conserva a validade como idéia normativa ao declarar como esquema de interpretação para o direito em ação e para expor esta ideo- ·
que um de seus elementos é a crença dos juízes na competência jurídica ou na logia como um sistema. A ciência jurídica está intimamente ligada à sociolo-
autoridade dos que criam a norma, ou melhor, a crença de que eles devem gia jurídica, porque se não verificar a função social do direito é insatisfatória
comportar-se da maneira prescrita pelo legislador. Essa crença ou sentimento sob o ponto de vista do interesse em predizer as decisões jurídicas, visto que o
de estar obrigado pelo direito não é, para ele, um impulso interessado, isto é, juiz não está apenas motivado por normas: mas também por fins sociais e pela
o temor das sanções, mas uma atitude desinteressada da conduta. A validade captação teorética das conexões sociais relevantes para a consecução daque-
86 Compêndio de introdução à ciência do direito Ciência jurídica 87

les fins. A sociologia jurídica, que visa estudar o direito em ação, a conduta árbitro dos peritos; da atividade de ponderar considerações, decidindo como
jurídica e as idéias jurídicas que operam nesta conduta, por sua vez, também árbitro dos peritos; e da formulação lingüística da decisão, numa linguagem
está ligada à ciência do direito, pois os fenômenos sociais, que constituem sua jurídica aceitável e em harmonia com o conjunto de normas existentes.
temática, só adquirem caráter específico quando relacionados com as normas Sua grande contribuição à moderna ciência jurídica foi a consideração da
jurídicas vigentes. política de sententia ferenda, um dos aspectos da constituição do direito vi-
A ciência jurídica visa o conhecimento da efetiva conduta humana, logo gente, visto que a política jurídica era apenas considerada de lege ferenda, isto
o fenômeno jurídico deve ser descoberto dentro do campo da psicologia e da é, entendida como política legislativa, porém tal atitude, no entender de Ross,
sociologia. As asserções lógicas da ciência jurídica sobre o direito vigente, isto não corresponde à realidade dos fatos, já que o direito não é apenas uma cria-
é, as proposições doutrinárias, são uma predição de acontecimentos sociais ção do legislador. A autoridade judicial, apesar de sentir-se obrigada pelas fon-
futuros, que por serem indeterminados impossibilitam que se formulem a seu tes do direito, tem papel constitutivo, pois a norma jurídica concreta, em que a
respeito predições isentas de ambigüidade. Como toda predição é, decisão se traduz, é sempre criação no sentido de que não é mera derivação
concomitantemente, um fator real que pode influir no curso dos acontecimen- lógica das normas,' arredando assim a teoria silogística da sentença, cuja ex-
tos e um ato político, conseqüentemente, torna-se impossível estabelecer uma pressão é o exegetismo. Logo, a política jurídica serve de guia não só para o
nítida distinção entre teoria e política; por isso não se pode traçar uma linha legislativo, como também para os juízes e autoridades que aplicam o direito.
divisória entre os enunciados cognoscitivos referentes ao direito vigente e a Esta forma de política jurídica aparece na contribuição que a doutrina dá à
atividade político-jurídica. Deveras, a partir da mútua interação existente entre interpretação jurídica. As considerações políticas confundem-se com as
conhecimento e ação, entre ideologia e atitude, Ross desenvolve uma teoria teoréticas. Conforme as premissas adotadas, a interpretação doutrinária pode
que considera, de modo unitário, ciência e política jurídicas. ser uma asserção teorético-jurídica sobre o modo mais provável de como que-
rem os tribunais atuar ou um enunciado político-jurídico que indica ao órgão
A expressão direito vigente é uma predição de que, sob certas condi-
judicante como ele deve agir. As Súmulas do nosso Supremo Tribunal Federal,
ções, o direito será aceito como base, para a decisão de futuras controvérsias
ante sua normatividade, sob a perspectiva de Alf Ross, traduziriam, segundo
jurídicas. Tal predição será possível por meio de um processo determinado
Luiz Fernando Coelho, um dos meios técnicos da política de sententiaferenda,
por atitudes e conceitos, por uma ideologia normativa comum, ativa e pre-
devido ao aspecto constitutivo da atividade jurisdicional. Ao lado de uma polí-
sente no espírito dos juízes quando atuam como tais. A ideologia só pode ser tica de lege ferenda, evidencia-se, portanto, uma de sententia ferenda, que não
observada na conduta efetiva dos magistrados, e é o fundamento para as pode ser olvidada pela ciência do direito.
predições da ciência jurídica. A ideologia das fontes do direito, isto é, dos
A ciência do direito está, portanto, fundada em princípios empiristas,
fatores que influenciam na formulação judicial das normas nas quais baseia
visto que sua tarefa é verificar a conduta futura dos juízes e de outras autorida-
sua decisão, como a legislação, o costume, o precedente e a razão ou tradi-
des que aplicam o direito, em certas condições, de forma que a proposição
ção de cultura, é a que de fato anima os tribunais, e a doutrina das fontes do
"norma 'x' é direito vigente" equivale à predição de que o tribunal, em certas
direito é a que se refere ao modo como os juízes efetivamente se comportam.
circunstâncias, baseará sua decisão na norma "x". Tal predição da conduta
Como a ideologia das fontes do direito varia de uma ordem jurídica a outra,
judicial só será possível se se tomar por base um complexo de fatos sociais,
sua descrição é tarefa da ciência do direito (a doutrina das fontes do direito),
incluindo os fatos psicológicos, comportamentos ou atitudes 121 •
que só pode ser levada adiante pelo estudo detalhado da maneira como pro-
cedem, de fato, os tribunais de um país para encontrar as normas que funda- O realismo jurídico, sem os exageros da corrente norte-americana que
mentam suas decisões. reduz a juridicidade à decisão judicial, favorece a base para a superação do
Para Alf Ross, o objeto da política jurídica extravasa a tarefa legiferante,
abarcando todos os problemas práticos oriundos do uso de técnica do direito
para a consecução de objetivos sociais. Compete à política jurídica tratar dos 121. Sobre o realismo jurídico escandinavo, consulte: L. Fernando Coelho, Lógica jurídica,
cit., p. 138-44, 224 e s.; Alf Ross, Sobre el derecho y la justicia, Eudeba, 1963; caps. 1, 2, 3, 6, 14 e 15;
problemas especificamente técnico-jurídicos de natureza sociológico-jurídica Hacia una ciencia realista del derecho, cit., p. 11 e 12; El concepto de validez y otros ensayos,
(política jurídica em sentido próprio); dos problemas jurídicos estreitamente Buenos Aires, 1969, p. 32; Karl Olivecrona, Lenguaje jurídica y realidad, p. 43-59; Wilhelm Lundstedt,
conexos, na prática, com aqueles que por sua índole pertencem ao campo Legal thinking revised, Stockholm, 1956, p. 6, 137 e~-191; José Maria Rodriguez Paniágua, Historia,
cit., p. 315-23; W. Friedmann, Théorie générale du droit, cit., p. 265 e 319; Kelsen, Contribuciones a
profissional de outros peritos - logo o jurista em relação a eles surge como la teoría pura dei derecho, Buenos Aires, Centro Editor da América Latina, 1969.
88 Compêndio de introduçâo à ciência do direito Ciência jurídica 89

problema hermenêutico, que, defluindo do movimento dos juristas Tais normas devem apresentar as características da generalidade, isto é, de-
escandinavos, considera a juridicidade como algo dimanado da norma no mo- vem ser gerais, aplicando-se a todas as pessoas que se encontrem dentro de
mento de sua aplicação, de forma que a validade e a legitimidade se identifica- seus limites; da permanência, pois devem ser permanentes, habitualmente
riam com a efetividade 122 • obedecidas por certa classe de pessoas e da sua decorrência de autoridade
competente, uma vez que devem ser ditadas por pessoa que tenha competência
c.2.13. Teoria de Herbert L. A. Hart para emitir normas.
As normas secundárias que conferem poderes jurídicos para decidir lití-
As idéias de Herbert L. A. Hart revolucionaram a ciência jurídica inglesa gios ou legislar (competência pública) ou para criar ou modificar relações jurí-
por terem apontado o caminho para uma superação da própria jurisprudência dicas (competência particular), não podem ser interpretadas como ordens res-
analítica, a que estava ligado, e do próprio realismo jurídico, pois sua teoria paldadas por ameaças, mas sim corno normas corno modelo de competência.
apresenta grandes afinidades com o movimento realista jurídico escandinavo, Tais normas estabelecem que os seres humanos podem introduzir novas nor-
pelo abandono de critérios metaempíricos de validade do direito e pela aceita- mas do tipo primário, extinguir ou modificar as normas anteriores, determinar
ção da existência da ordem jurídica como fenômeno social, isto é, correspon- de diversas maneiras o efeito delas ou controlar sua atuação.
dente a uma quantidade de fatos sociais heterogêneos, identificados pela refe-
rência à prática efetiva, ou seja, à maneira como os tribunais identificam o que Para justificar sua idéia do direito como união de normas primárias e
deve ser considerado direito e a aceitação geral ou aquiescência a respeito secundárias, considera, por hipótese, urna sociedade sem legislador, tribu-
destas identificações. Tal superação deu-se pela união entre o pensamento ana- nais ou funcionários, cujo único meio de controle social é a atitude do grupo
lítico inglês e a preocupação filosófica influenciada pela teoria da que traça pautas de comportamento. Uma estrutura social desse tipo baseia-
verificabilidade empírica como critério de validade da ciência jurídica. Com se em normas primárias de obrigação. Em confronto com a natureza humana
isso Hart procurou colocar os ideais jurídicos, inclusive a moral, dentro do e com o mundo em que vivemos, tal estrutura social simples de normas pri-
próprio fenômeno da juridicidade, não como fundamentos metaempíricos de márias apresenta, segundo Hart, três defeitos: a) sua falta de certeza, pois se
validez do direito positivo, mas como algo empiricamente verificável dentro surgem dúvidas sobre quais são as normas observáveis em dada situação, ou
do próprio direito positivo, exprimindo, por conseguinte, uma realidade social. sobre qual o alcance preciso de uma determinada norma, não haverá qual-
quer procedimento para solucionar tais dúvidas; b) seu caráter estático, já
Em sua obra El concepto del derecho, ao criticar o voluntarismo, teoria
que naquela sociedade hipotética não haverá nenhuma maneira de adaptar
que considera a obediência habitual de um grupo social às ordens do soberano
deliberadamente as normas às novas circunstâncias, eliminando as antigas
como condição necessária e suficiente da existência do direito, passa a enume-
normas, introduzindo novas, porque para que isso seja possível se pressupõe
rar os elementos jurídicos, salientando que a caracterí,stica distintiva do direito
a existência de um tipo de norma diferente da primária de obrigação, que é a
consiste na fusão de normas primárias, que impõem deveres ou obrigações, e
secundárias, que conferem poderes, regulamentando a produção jurídica. Cla- única que rege a vida dessa sociedade; c) insuficiência de pressão social
ra é, nesta teoria, a relação entre norma e poder. difusa, exercida para cumprir a norma, ante a inexistência de órgãos oficiais
para determinar com autoridade o fato da sua violação. Deveras, as discus-
As normas primárias ou de obrigação impõem deveres, definindo certos
sões sobre se uma norma foi ou não violada continuarão indefinidamente se
tipos de comportamento que devem ser omitidos ou realizados por aqueles a
não houver um órgão especial com poder para determinar, definitivamente e
quem se aplicam, pr~screvendo sanções no caso de sua violação. Todavia, es-
com autoridade, as infrações.
clarece Hart, nessas normas, como modelo penal, não há nenhuma ameaça
latente de dano para sua desobediência, ou seja, imposição de um mal ao seu Logo, continua Hart, o remédio para cada um dos defeitos principais des-
infrator, pois, para ele, mandar é exercer autoridade sobre homens, e não o ta forma mais simples de estrutura social consiste em complementar as normas
poder de causar dano, não é um apelo ao medo mas ao respeito à autoridade. primárias de obrigação, que se ocupam das ações que os indivíduos devem ou
não praticar, com as secundárias de reconhecimento, mudança e adjudicação,
visto que se ocupam das nonnas primárias, especificando o modo como po-
dem ser verificadas, introduzidas, eliminadas, modificadas, determinando de-
122. Luiz Fernando Coelho, Lógica jurídica, cit., p. 148; José Eduardo Faria,' Poder e legitimi-
dade, São Paulo, Ed. Perspectiva, 1978, p. 105. finitivamente sua violação.

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