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ISSN 1981-9439
Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações
Internacionais, o Centro de Direito Internacional – CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica
de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil.
O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os
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A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA DA UNIÃO EUROPEIA E A PROTEÇÃO
DIPLOMÁTICA EM PAÍSES TERCEIROS.**
RESUMO
_______________________________
335
INTRODUÇÃO
1
História sobre o Império Brasileiro, seguindo a tradição Portuguesa, o Império delegava à Igreja católica
a função pública de determinar a legalidade ou ilegalidade dos atos civis, perdurando até o ano de 1891.
“No casamento, por exemplo, embora houvesse duas legislações em vigor sobre o assunto, uma civil e
outra eclesiástica, apenas esta última era considerada legítima”. Dessa forma, viam-se prejudicados os
protestantes e judeus. GRINBERG, Keila. Código Civil e Cidadania. 2001. Pág. 37 e ss.
2
RICHÉ, Pierre. As Invasões Bárbaras. São Paulo: Europa América, 1980.
336
atuais, embora de forma pacífica, reconhecida constitucionalmente, decorrente de uma
evolução política democrática e não de forma violenta como foi na revolução francesa.
O presente relatório possui o escopo de interpretar o Tratado da União Europeia,
bem como o Tratado que constitui a Comunidade Europeia, visando elaborar um estudo
que possa contribuir no entendimento da aplicação da figura da “cidadania da União
Europeia”, necessariamente, com um maior foco em relação a um dos direitos por ela
tutelados, o direito da proteção por autoridades diplomáticas dos Estados membros da
União, aos cidadãos europeus em países terceiros que não possuem representações
diplomáticas do seu Estado de nacionalidade.
Inicialmente, abordaremos no capítulo primeiro, a cidadania da união3, sob dois
pontos: no primeiro, as suas origens, subdividindo-se em antecedentes ao Tratado de
Maastricht e do Tratado aos dias atuais. A segunda secção consistirá na abordagem
geral dos elementos da cidadania da União Europeia, como conceito, natureza jurídica,
conteúdo e características, que consistem nos seguintes direitos: a não discriminação em
razão da nacionalidade, o de circular e permanecer, o de eleger e ser eleito, a proteção
de autoridades diplomática e consulares em países terceiros, a petição ao Parlamento
Europeu, a queixa ao Provedor de Justiça e a livre mobilidade temporal e profissional
do trabalhador da União Europeia. Logo depois, passaremos a analisar a possibilidade
de extensão dos direitos dos cidadãos europeus aos cidadãos de países terceiros, porém
desde que esses beneficiários da equiparação apresentem vínculos estreitos/parentesco
com um cidadão europeu ou sejam residentes de longo prazo. Será também analisado
nessa secção, os deveres dos cidadãos europeus que decorrem do artigo 17,
considerando nº.2 do Tratado da Comunidade Europeia4, que possibilita a indagação do
porque que o tratado estabeleceu expressamente os direitos dos cidadãos europeus e
quando tratou-se dos deveres, foi de forma abstrata?
No capítulo dois, foco principal do trabalho, analisaremos o conceito de proteção
diplomática, sempre em consonância com as convenções de Viena relativo as
representações diplomáticas e consulares. Logo depois, falaremos especificamente da
proteção diplomática de cidadãos europeus em países terceiros, também relacionando
essa figura com a figura ja existente da proteção por parte das autoridades diplomática
de seus nacionais, reconhecido pelos Estados que ratificaram as convenções acima
3
Ver site sobre cidadania da União Europeia em:
http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/amsterdam_treaty/a12000_pt.htm.
4
TCE, art. 17, considerando 2º. “Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres
previstos no presente Tratado”.
337
descritas. Em um outro ponto, elaboraremos os fundamentos da proteção diplomática,
bem como analisaremos o(s) destinatário(s) da figura da proteção: seriam os próprios
cidadãos beneficiários dessa proteção? ou os beneficiários desta figura seriam os
Estados? Em um outro momento, abordaremos o âmbito de proteção que consiste nas
seguintes espécies: proteção aos cidadãos que trabalham e residem nos países terceiros,
na proteção aos familiares que não possuem a cidadania europeia, na identificação e
translado de restos mortais e ao fim, nos procedimentos de adiantamentos pecuniários.
Porém, faz-se necessário também abordar sobre o consentimento das autoridades
dos países terceiros, uma vez que essa proteção ocorrerá em seus territórios, bem como
trata-se de uma figura reconhecida e que constitui prática internacional / entre os
Estados, embora tratando-se apenas da proteção pelas autoridades Estatais aos seus
nacionais. Assim, a proteção de nacionais de outros Estados membros, e não somente
dos seus nacionais, como esta estabelecido nas convenções de Viena, constitui uma
inovação do Tratado Comunitário no âmbito do direito internacional.
5
Ver: RABKIN, Jeremy A. Porque é que a Cidadania Supranacional é uma má Ideia (Portuguese
translation of "Why Supranational Citizenship is a Bad Idea") in Cidadania e Novos Poderes Numa
Sociedade Global ("Citizenship and Powers in Global Society") Fundação Gulbenkian, 2000, pág. 158 a
159.
338
utilização do termo faz parte de um esforço para fortalecer a
legitimidade do governo europeu, que já tinha adquirido poderes muito
consideráveis‖.
6
Ver: KOSTAKOPOULOU, Theodora. Citizenship, identity, and immigration in the European Union:
between past and future. Manchester University Press, 2001. Pág. 44 e ss.
7
Texto disponível em:
http://infoeuropa.eurocid.pt/opac/?func=service&doc_library=CIE01&doc_number=000037059&line_nu
mber=0001&func_code=WEB-FULL&service_type=MEDIA.
339
vida cotidiana, que consistia no princípio da uniformidade dos Estados, como uma
união de passaportes, o desaparecimento gradual de medidas de controle das fronteiras
entre os Estados membros, melhorias em relação aos transportes e telecomunicações,
simplificações quanto aos procedimentos de reembolso para os cidadãos que gastaram
em cuidados de saúde em outros Estados membros, uma maior integração na educação,
bem como incentivando o intercâmbio de estudantes e equivalência de diplomas8.
―IV. L’Europe des citoyens
[...] Il reste à définir ici des lignes d’action complémentaires. Je propose
que nous en retenions deux:
- la protection des droits des Européens, là où celle-ci ne peut plus être
assurée exclusivement par les États nationaux ;
- la perception concrète de la solidarité européenne par des signes
extérieurs sensibles dans la vie quotidienne‖.
8
Ver: Rapport sur L´Union européenne (29 décembre 1975) – Le 29 décembre 1975, le Premier ministre
belge Leo Tindemans rend public son rapport sur L´Union européenne en vertu du mandat confié par les
Neuf lors du Conseil européen de Paris (9-10 décembre 1974). Disponível em: http://www.ena.lu/.
9
Ver: FERREIRA, Filipa Monteiro César. A Europa da União e da Diversidade: propostas educativas
para uma Cidadania Multicultural. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação, Universidade do
Porto, 2001. Pág. 32 e ss. LOBO, Maria Teresa de Cárcomo. Manual de Direito Comunitário - 50 Anos
de Integração - • A Ordem Jurídica • O Ordenamento Econômico • As Políticas Comunitárias • O Tratado
Constitucional – 3ª Ed. 2007. Pág. 69 e ss.
10
Ver: Resolução complementar da Resolução de 23 de Junho de 1981 relativa à criação de um
passaporte de modelo uniforme dos representantes dos governos dos Estados membros das CE, reunidos
no âmbito do Conselho, de 30 de Junho de 1982.
11
Ver: Formulários /Modelos europeus em:
http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe_area?p_sub=49&p_cot_id=3351&p_est_id=7923.
340
Em 14 de Fevereiro de 1984, foi apresentado o projeto Spinelli, consistia num
projeto de Tratado de criação da UE. Num de seus capítulos, dispunha sobre a
Cidadania da União Europeia, cujo teor consistia no sentido de que os cidadãos dos
Estados membros são, portanto, cidadãos da União, e a última esta ligada a primeira,
não podendo ser ganha ou perdida separadamente. E ainda, os cidadãos gozam de
direitos e deverão cumprir as normas do tratado12.
―Citoyenneté de l'Union.
3. Les citoyens des États membres sont par là même citoyens de l'Union.
La citoyenneté de l'Union est liée à la qualité de citoyen d'un État
membre; elle ne peut être acquise ou perdue séparément. Les citoyens de
l'Union participent à la vie politique de celle-ci dans les formes prévues
par le présent traité, jouissent des droits qui leur sont reconnus par
l'ordre juridique de l'Union et se conforment aux normes de celui-ci‖.
12
Ver: Projet de traité instituant L´Union européenne (14 février 1984) – Le 14 février 1984, le Parlement
européen adopte à une très large majorité (237 voix contre 31 moins 43 abstentions) le projet de traité
d´Union européenne, dit “projet Spinelli”, qui fixe comme objectif ultime la réalisation d´une union
fédérale européenne. Disponível em: http://www.ena.lu/.
13
Ver: Conclusions du Conseil européen de Fontainebleau (25 et 26 juin 1984) – Le 26 juin 1984, le
Conseil européen de Fontainebleau définit de nouvelles orientations pour la relance de la coopération
européenne et fixe le cadre d´une Europe des citoyens. Disponível em: http://www.ena.lu/.
341
de Copenhage, bem como em decorrência da evolução da Comunidade e dos seus
Estados membros no que respeita aos direitos especiais dos cidadãos da União14.
Dessa forma, após vários esboços decorrente de relatórios, em fevereiro de 1986,
no texto do Ato Único Europeu, houve a implantação expressa da disposição que abolia
o controle das pessoas nas fronteiras, no caso do mercado interno das pessoas,
implementado em 1992. Em 1990 é estabelecida a Convenção de Aplicação do Acordo
de Schengen, e desse acordo, resultam as diretivas 90/364/CEE, 90/365/CEE e
90/366/CEE, que dispoem necessariamente, sobre o direito de residência para os
cidadãos não assalariados e estudantes mediante apenas a comprovação de seus meios
de subsistência próprios e de um seguro médico-hospitalar válido para a duração da
estadia.
14
Ver: Rapport du comité pour L´Europe des citoyens remis au Conseil européen de Milan (Milan, 28-29
juin 1985) – Lors du conseil européen de Milan des 28 et 29 juin 1985, le comité Adonnino présente un
second rapport sur L´Europe des citoyens.
15
Nesse sentido: TAVOLARO, Lília Gonçalvez Magalhães. Dilemas da globalização na Europa
unificada. São Paulo, 2005. Pág. 74 e ss.
342
petição e o direito de acesso ao Provedor de Justiça16, sendo que em 12 de Julho de
1995 foi nomeado o primeiro Provedor de Justiça.
Em 1997 com o Tratado de Amesterdão, os direitos dos cidadãos europeus
foram alargados, houve uma complementação nos enunciados da lista dos direitos
cívicos de que beneficiam os cidadãos da União, uma outra inovação considerada uma
das mais importantes, foi a introdução de cláusulas de não discriminação para a
proteção dos cidadãos da União em razão da nacionalidade17, bem como especificou
melhor, elucidando a relação entre a cidadania nacional e a cidadania europeia. É
incorporado ao tratado também, o Acordo de Schengen, abolindo o controle de pessoas
nas fronteiras na maioria dos Estados membros.
Em Dezembro de 2000, a Revisão de Nice proclamou pelas três Intituições a
Carta dos Direitos Fundamentais18, bem como visou reforçar as medidas contra
qualquer forma de discriminação aos cidadãos da União.
Em 15 de Dezembro de 2001, a Declaração de Laeken discorreu sobre o futuro
da União Europeia, detalhando sobre as expectativas dos cidadãos europeus, concluindo
que os cidadãos estão pedindo uma abordagem clara, transparente e democrática da
construção de uma Europa como um pólo para o futuro mundial, com mais empregos,
qualidade de vida, menos criminalidade, ensino e saúde melhores. Bem como, ao seu
final, tende a refletir sobre a criação de uma Constituição para os cidadãos europeus,
uma vez que a União Europeia dispõe atualmente de quatro Tratados e os objetivos,
competências e instrumentos políticos estão espalhados por esses tratados19.
―Se pose enfin la question de savoir si cette simplification et ce
réaménagement ne devraient pas conduire à terme à l'adoption d'un
texte constitutionnel. Quels devraient être les éléments essentiels d'une
telle Constitution? Les valeurs auxquelles l'Union est attachée, les droits
fondamentaux et les devoirs des citoyens, les relations des États membres
dans l'Union?‖
16
Texto disponível em: http://aei.pitt.edu/5025/01/001228_1.pdf.
17
Ver: Jurisprudência – Caso C/85/96 – Em que o Tribunal de Justiça decide que os nacionais de um
Estado membro deverão invocar a cidadania europeia como proteção contra a discriminação por parte de
outros Estados membros diversos da sua nacionalidade, em consonância aos direitos abrangidos pelo
Tratado.
18
Ver: Título V Cidadania – artigos 39 a 46 da Carta de Direitos Fundamentais. Disponível em:
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2007:303:0001:0016:PT:PDF. Da mesma
forma, ver artigo 20 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Disponível em: http://eur-
lex.europa.eu/JOHtml.do?uri=OJ:C:2008:115:SOM:PT:HTML.
19
Déclaration de Laeken sur L´avenir de L´Union européenne (15 décembre 2001) – Un an après la
Conférence intergouvernementale de décembre 2000 à Nice, qui lançait «Le débat sur L´avenir de
L´Union européenne», la Déclaration de Laeken du 15 décembre 2001 réaménage et concrétise les
questions soulevées à Nice sur la réforme des institutions. La répartition des compétences entre L´Union
et les États membres, la simplification des instruments législatifs de L´Union, L´équilibre.
343
Em 2006, surge o Programa “Europa para os cidadãos” 2007-1013, destinado a
promover a cidadania europeia ativa, uma vez que a Comissão Europeia, o Parlamento
Europeu e o Conselho da União Europeia decidiram conjuntamente instituir esse
programa, criando um quadro jurídico de apoio a uma ampla gama de atividades e
organizações, visando promover o envolvimento de cidadãos e organizações da
sociedade civil no processo de integração europeia20.
O Tratado de Lisboa, embora não esteja em vigor, no seu artigo 2º procurou
dispor sobre a liberdade de circulação do trabalhador da União, com o escopo de
conferir maiores facilidades para a fixação de residência em um dos Estados membros
diversos de sua nacionalidade, com a menção das palavras “assalariados ou não
assalariados”, visava mitigar a relação assalariada existente atualmente.
―51) O artigo 42.o é alterado do seguinte modo:
a) No primeiro parágrafo, o trecho «… trabalhadores migrantes e às
pessoas que deles dependam:» é substituído por «trabalhadores
migrantes, assalariados e não assalariados, e às pessoas que deles
dependam:»;‖
1.2.1. Conceito
20
Ver: Europa para os Cidadãos – Guia do Programa – versão final – Janeiro de 2007. Disponível em:
http://www.anmp.pt/anmp/doc/Dint/2007/div/EUPG20072001301pt.pdf.
21
Ver: Relatório de 32 de Março de 2009 do Parlamento Europeu Sobre os problemas e as perspectivas
ligadas à cidadania da União. Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-
//EP//TEXT+REPORT+A6-2009-0182+0+DOC+XML+V0//PT.
22
Ver: SILVA, Ana Margarida Perrolas de Oliveira. União Europeia: Cidadania e Imigração. “As
Sociedades Nacionais perante os Processos de Globalização”. Dissertação de Mestrado em Sociologia.
Universidade de Coimbra, 2000. Pág. 111 e ss.
344
seus significados não são necessariamente igualitários na descrição de uma mesma
relação de um determinado particular com o Estado.
O conceito de nacionalidade23 constitui na qualidade ou condição jurídica, fonte
de um vínculo ou de uma relação existente entre uma pessoa e um Estado determinado,
e em relação ao momento da sua aquisição poderá ser de duas formas: a originária,
decorrente do caráter automático do nascimento – decorrente do direito do solo ou do
sangue (jus soli / jus sanguinis)24, bem como a forma derivada, decorrente da
naturalização (que deveria chamar-se nacionalização) que em regra, decorre da vontade
do cidadão em pertencer a um determinado Estado, desligando-se do anterior ou
mantendo-os simultâneamente, sempre em consonância com a Constituição de cada
Estado envolvido.
Por outro lado, a cidadania constitui em uma categoria jurídica relativo ao
vínculo de um determinado indivíduo a uma comunidade política, decorrente de
determinadas leis que estabelecem aos indivíduos beneficiários plenos direitos civis e
políticos. Dessa forma, esses direitos foram reconhecidos no artigo 25 do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos25, relativos aos direitos de cidadania:
―Todos os cidadãos gozarão... sem restrições indevidas, dos seguintes
direitos e oportunidades:
a) Participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio
de representantes livremente eleitos;
b) Votar e ser eleito em eleições períodicas, autênticas, realizadas por
sufrágio universal, igual e por voto secreto que garanta a livre
expressão de vontade dos eleitores;
23
Nesse sentido: “Pode dizer-se que toda a nacionalidade é efectiva, isto é, que o vinculo de
nacionalidade pressupõe uma ligação de carácter sociológico entre indivíduo e Estado, de forma tal que
possa dizer-se, que há uma relação de pertença entre aquele e este - é esta ideia subjacente à noção
germânica de Staatsangehorigkeit que literalmente significa "pertença ao Estado", ou seja o indivíduo faz
parte da população do Estado ( ou mais rigorosamente do povo) - Professor Marques dos Santos, Estudos
de Direito de nacionalidade, páginas 279/281, onde apresenta vastíssima recensão de doutrina nacional e
estrangeira, sobre nacionalidade e efectividade do vinculo”. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº
04B2130, de 13 de Julio de 2004. Ver ainda: ICJ, Reports 1955, pág. 23 (sentença de 06 de abril de 1955
no caso Nottebohm), onde o Tribunal de Haia definiu assim a nacionalidade: “Segundo a prática dos
Estados, das decisões arbitrais e judiciais, bem como das opiniões doutrinais, a nacionalidade é um
vínculo jurídico baseado em um feito social de relação, em uma efetiva solidariedade de existência, de
interesses e sentimentos, unido a uma reciprocidade de direitos e deveres. Cabe dizer que constitui a
expressão jurídica do feito de que o indivíduo ao qual se confere, seja diretamente pela lei, seja por um
ato de autoridade, está de feito mais estreitamente vinculado a população do Estado que lhe confere a
nacionalidade”.
24
Embora, devido ao aumento do número de Brasileiros no exterior, houve uma modificação na
Constituição Brasileira, relativizando o princípio do jus soli, anteriormente adotado: “art. 12. São
brasileiros: I – natos: c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam
registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e
optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira”.
25
Adotado pela Assembleia Geral da ONU em seu Res. 2200 A (XXI), de 16 de dezembro de 1966, em
vigor desde o dia 23 de março de 1976.
345
c) Ter acesso, em condições gerais de igualdade, nas funções públicas de
seu país.‖
26
Ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 04B2130, de 13 de Julio de 2004, que estabelece: “Não
são suficientemente caracterizadores para os fins dessa atribuição (da nacionalidade portuguesa), o
casamento recente com portuguesa, a existência de um filho comum do casal; o n.º fiscal e da segurança
social, a conta bancária e o trabalho numa embarcação de pesca, bem como a declaração de que o
requerente sabe falar português”. No mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal, proferido na revista
nº. 1645/02, em 11 de Julho de 2002.
27
Adotada mediante consenso pela Assembleia Geral da ONU em sua Res. 40/144, de 13 de dezembro de
1985.
346
determina quem são os seus nacionais, e dessa forma, determinará também quem será
cidadão da União.
Importante salientar também que o artigo é infeliz em sua denominação, quando
estabelece que: “é cidadão da união qualquer pessoa que tenha a “nacionalidade” de um
Estado membro[...]”. Dessa forma, devemos ler aqui: qualquer pessoa que tenha a
“cidadania” de um Estado membro. Embora no final do artigo, ele complementa o
entendimento utilizando o termo correto, “cidadania”, “a cidadania da união é
complementar a cidadania nacional”.
Assim, a cidadania da União é conferida apenas pelo fato de determinados
cidadãos terem a cidadania de qualquer um dos Estados membros, sendo impossível a
sua obtenção ou perda de forma separada e autonoma.
Conceituando negativamente, qualquer pessoa/cidadão que não tiver a cidadania
de algum Estado membro da União Europeia será denominado em termos jurídicos de
estrangeiro, ou seja, será estrangeiro, qualquer cidadão com a cidadania de Estados
terceiros, não membros da União Europeia.
28
Artigo 2º TUE: A União atribui‑se os seguintes objectivos: (3)“o reforço da defesa dos direitos e dos
interesses dos nacionais dos seus Estados-Membros, mediante a instituição de uma cidadania da União;”
29
Ver: QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 114.
347
começarem a preocupar com a cidadania da União, estabelecendo uma forte figura
integralista sustentada por componentes sociais e humanistas.
Necessariamente, o avanço ocorrido decorreu do sucesso da aplicação prática
pelos Estados europeus, da aplicação de um mercado único e posteriormente a
implantação de uma moeda única. Com isso, os Estados membros sentiram a
necessidade da criação de uma europa dos cidadãos, visando reforçar o carácter
democrático da união européia.
O projeto Spinelli30, de 1984, em seu artigo 3º dispunha da relação de
dependência da cidadania da União para com a nacionalidade Estadual, e que foi
tomado de base pelo tratado da União Européia:
―Os cidadãos dos Estados membros são, por esse simples fato, cidadãos
da União. A cidadania da União esta ligada à qualidade de um Estado
membro; ela não pode ser adquirida ou perdida separadamente‖.
Uma melhor e mais clara interpretação foi dada pelo Tratado de Amesterdão, ao
acrescentar que a cidadania da União é “complementar” da cidadania nacional e “não a
substitui”.
Ao designar o caráter “complementar” da cidadania da União, podemos concluir
que não houve a intenção de criação de uma cidadania europeia, que se manteria
sobreposta à cidadania estatal, nem que se acumulasse como uma cidadania autônoma.
Dessa forma, é possível compreender que a União Europeia não se trata de um modelo
de tipo Estadual, uma vez que a existência de um povo, com a cidadania própria é o
primeiro requisito de preenchimento dos elementos constitutivos dos Estados. Dessa
forma, uma vez que não existe uma cidadania europeia autónoma, não haverá também
um povo europeu em sentido jurídico, e no mesmo entendimento, a União não poderá
ser considerada um Estado. Bem como, não haverá o fenómeno que ocorre nas
Federações, a “dupla cidadania” ou “dupla nacionalidade”, ou seja a sobreposição de
duas ou mais cidadanias ou nacionalidades diferentes não ocorrerá na União Europeia,
que consiste na nacionalidade do Estado membro e a nacionalidade da União, que não é
Federal, pois a União Europeia por não ser um Estado, ela também não é uma
Federação.
30
Ver: ZORGBIBE, Charles. Histoire de la Construction Européenne, 2ª ed. 1993, pág. 227 a 236.
LESSA, Antônio Carlos. A construção da Europa: A última utopia das relações internacionais. IBRI,
2003, pág. 92 e 93. QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 116.
348
Esse raciocínio, do Prof. Doutor Fausto Quadros31 é fundamentado nos artigos
189 e 190, nº.1 do Tratado da Comunidade Europeia, que dispoe sobre a atribuição de
competência do Parlamento Europeu. Embora o parlamento seja eleito por sufrágio
direto e universal, ele não representa o “povo europeu”, uma vez que esse juridicamente
não existe, mas representa os “povos dos Estados membros da Comunidade Europeia”.
Consoante ao anteriormente estabelecido no relatório da Cimeira de Paris de 1974:
―Parlamento Europeu
12. Os Chefes de Governo consideram que a eleição da Assembleia
Europeia por sufrágio universal, um dos objectivos enunciados no
Tratado, devia realizar-se o mais rapidamente possível. Para o efeito,
aguardam com interesse as propostas da Assembleia Europeia, sobre as
quais pretendem tomada de posição do Conselho em 1976. Partindo deste
princípio, podem realizar-se eleições por sufrágio universal directo a
partir de 1978. Uma vez que a Assembleia Europeia é composta por
representantes dos povos dos estados unidos no seio da Comunidade,
cada povo deverá ser representado de uma forma adequada‖.
31
Ver: QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 117.
32
Ver: Acordão do Tribunal (Sexta Secção) de 29 de Junho de 1999. Comissão das Comunidades
Europeias contra Reino da Bélgica. Processo C-172/98, ao decidir que: “Ao exigir a presença, consoante
o caso, de um associado belga na administração da associação, ou uma presença mínima, além disso
maioritária, de associados de nacionalidade belga, para o reconhecimento da personalidade jurídica de
uma associação, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6._
do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 12._ CE)”.
349
de discriminação entre residentes nacionais de países terceiros ou
apátridas, dependendo do respectivo Estado-Membro de residência; sem
prejuízo da respectiva competência na matéria, confia que os
Estados-Membros suprimirão todas as fontes potenciais de
discriminação e exorta a Comissão a recorrer aos instrumentos
comunitários ao seu dispor para assegurar que a legislação comunitária
em matéria de luta contra a discriminação seja devidamente aplicada‖;
(Parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos – 21.01.2009).
33
Ver: CRAIG, Paul P. BÚRCA, Gráinne. EU law: text, cases, and materials. 4ª ed. Oxford University
Press, 2007. Pág. 847 e ss. SANTOS, António Belo. Os direitos de livre circulação e o estatuto da União
Europeia. Relatório de mestrado – FDUL. Lisboa, 2000. Pág. 5 a 8. E Acórdão TJCE: Caso Cowan de
02/02/1989, Proc. 186/87. Pág. 195 e ss.
351
O atual direito é decorrente da evolução da liberdade de pessoas, proveniente do
Tratado da Comunidade Econômica Europeia, referente as quatro liberdades de matéria
econômica. Foi uma evolução do direito que antes era meramente de carater econômico,
para a transformação do caráter atual de direito pessoal ou em um direito civil.
Dessa forma, com o Tratado da União Europeia, o direito de circular e
permanecer nos territórios dos Estados membros pertencentes a União é independente
de qualquer exercício de atividade econômica, sendo passível para qualquer atividade,
seja por exemplo para fins de turismo ou estudo. Assim, qualquer cidadão da União
goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados
membros34.
Esse direito é dividido necessariamente em dois: o direito de circular pelos
Estados membros, bem como o direito de permanecer, podendo em alguns dos Estados
membros, até a possibilidade de residir.
O artigo 308 do Tratado da Comunidade Europeia contém uma cláusula geral de
alargamento de competência que poderá ser utilizado pelo Conselho ao definir as
condições de exercício do direito de circulação e permanência, que já são de sua
competência, poderá criar ainda, caso haja necessidade, novos poderes, segundo o que
dispoe o artigo 18, nº 2 da revisão de Nice.
Quanto as limitações em relação ao exercício desse direito, o Tratado prevê
nomeadamente, as limitações relativas às matérias de ordem pública, saúde pública e
segurança pública, bem como, poderá ser imposto limitações decorrente do direito
derivado, como por exemplo, o cidadão beneficiário desse direito deverá estar portando
documento de identificação válido para o referido exercício de direito.
Dessa forma, alguns autores entendem que a liberdade de circulação ao ser
reconhecida aos Europeus na sua qualidade de agentes económicos constituiu o
primeiro momento de um posterior reconhecimento de uma cidadania da união europeia
sobre os mesmos europeus, representando assim, a concretização da vontade de
instituição de uma europa unida politicamente, conforme aos escopos decorrentes da
declaração de Schuman de 09 de Maio de 195035.
34
Nesse sentido: Caso Martínez Sala – Proc. C-85/96, Acórdão de 12/05/1998. Pág. 2691 e ss. Bem como
caso Bickel e Franz – Acórdão de 24/11/1998, Proc. C-274/96. Pág. 7637 e ss.
35
Robert Schuman, Ministro Francês dos Negócios Estrangeiros, foi o responsável pela apresentação da
proposta conhecida como “Declaração de Schuman”, que visava criar uma Europa organizada, através da
manutenção de relações pacíficas entre todos os Estados europeus, considerada como a primeira de uma
série de importantes documentos que deram início a atual União Europeia: “A Europa não se fará de uma
352
Em 14 de Junho de 1985 foi estabelecido o acordo de Schengen, relativo à
eliminação dos controles nas fronteiras internas da Comunidade Europeia, bem como
foi complementado por uma Convenção de Aplicação (1990) e por vários outros atos
que tinham o escopo de alargar o domínio de aplicação a quase todo o espaço da União
Europeia. Embora não sendo parte da União Europeia, em 2008 a Suiça também tornou-
se membro do acordo Schengen, e a aplicação plena do acordo previa a data de 12 de
Dezembro de 2008 e em 29 de Março de 2009 a eliminação dos controles de pessoas no
tráfego aéreo36. Com esses procedimentos permitiu-se uma extraordinária facilidade na
prática do direito de livre circulação dos cidadãos europeus37.
só vez, nem numa construção de conjunto: far-se-à por meio de realizações concretas que criem em
primeiro lugar uma solidariedade de facto”.
36
Ver Site oficial da Embaixada da Alemanha em Lisboa.
Disponível em: http://www.lissabon.diplo.de/Vertretung/lissabon/pt/04/Seite__Visainfo__Botschaft.html.
37
Ver: CAMPOS, João Mota. Manual de direito comunitário: o sistema institucional, a ordem jurídica, o
ordenamento económico da União Europeia. 2ª Ed. 2008. Pág. 192 e ss.
38
Ver: Diretiva 93/109/CE do Conselho, publicada no JOCE n.º L329/34 de 30/12/93, a presente fixou as
modalidades do exercício do direito eleitoral ativo e passivo nas eleições para o Parlamento Europeu,
designadamente para os cidadãos da União que residam em um dos Estados membros de que não são
nacionais.
353
autarquias locais, como no caso de Luxemburgo e França. Porém, alguns Estados
tiveram que alterar a sua carta constitucional com o escopo de acolher esse novo direito
reconhecido, do artigo 19, nº 1, como por exemplo, Portugal na revisão constitucional
de 1992, atual artigo 15, números 4 e 5.
39
Sobre o conceito de “dizer diretamente respeito” ver decisão do TJCE de 15 de Julho de 1963, referente
ao processo 25/62 – Firma Plaumann und Co. Gegen Kommission der EWG. – Rechtssache 25-62. Bem
como, decisão do TJCE de 23 de Abril de 1986, referente ao processo 294/83 – Parti écologiste “Les
Verts” contre Parlement européen – Recours en annulation – Campagne d´information pour l´élection du
Parlement européen.
354
No artigo 21, parágrafo 2, percebemos o direito a queixa ao Provedor de Justiça,
bem como a regulamentação do seu exercício pelo artigo 195. Trata-se de outro direito
de controle democrático, que consiste na possibilidade do cidadão da União queixar-se a
respeito da má administração, ou seja, à violação do dever de boa administração de
instituições, órgãos e organismos comunitários, salvo nos casos do Tribunal Penal
Internacional e do Tribunal de Justiça quando estes atuarem no exercício das suas
funções.
Em 12 de Julho de 1995 foi nomeado o primeiro Provedor de Justiça, que tem
como função investigar casos de alegações de má administração nas atividades de
quaisquer instituições comunitárias, exceto os acima mencionados.
Em 09 de Março de 1994, o Parlamento Europeu decidiu pela aprovação do
Estatuto do Provedor de Justiça40.
40
Ver: JO nº. L 113, de 04/05/1994, pág. 15.
355
embora não esteja em vigor, tratou de mitigar alguns requisitos em relação a matéria
com o escopo de alargar a integração política, afastando o caráter económico que é
exigido para o trabalhador da União Europeia.
―Art. 2º.
Livre circulação dos trabalhadores
50) Na alínea d) do n.o 3 do artigo 39.o, são suprimidos os termos «de
execução».
51) O artigo 42.o é alterado do seguinte modo:
a) No primeiro parágrafo, o trecho «… trabalhadores migrantes e às
pessoas que deles dependam:» é substituído por «trabalhadores
migrantes, assalariados e não assalariados, e às pessoas que deles
dependam‖;
41
Ver: Regulamento nº 1612/68 e Diretivas números 73/148, 90/364, 90/365 e 93/96 da CEE.
42
Ver: QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 122.
356
podemos perceber que contém a cláusula de extenção material desses direitos, porém
dependerá do Conselho, respeitando os procedimentos previstos, poderá aprovar
quaisquer disposições que destinam-se a criar novos direitos, bem como fortalecer e
ampliar os atualmente existentes43.
Em relação a extensão desses direitos (e a criação do direito de proteção contra a
expulsão) aos cidadãos terceiros sem nenhum vincúlo com um cidadão da União,
também é possível nos casos estabelecidos segundo a Diretiva 2003/109/CE, do
Conselho, de 25 de Novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países
terceiros residentes de longa duração44.
―(6) O critério principal para a aquisição do estatuto de residente de
longa duração deverá ser a duração da residência no território de um
Estado-Membro. Esta residência deverá ter sido legal e ininterrupta a
fim de comprovar o enraizamento da pessoa no país. Deve ser prevista
uma certa flexibilidade para ter em conta determinadas circunstâncias
que podem levar alguém a afastar-se do território de forma temporária‖.
43
Ver: SOUSA, Marcelo Rebelo. A cidadania europeia - nível de concretização dos direitos,
possibilidade de alargamento e suas implicações. in AAVV, Em torno da revisão do Tratado da União
Europeia, Coimbra, Almedina, 1997, pp. 119-129.
44
JO L16/44 de 23.1.2004.
45
JO L 251 de 3.10.2003, p. 12.
46
Acórdão do TJCE de 17 de Setembro de 2002. - Baumbast e R contra Secretary of State for the Home
Department. - Pedido de decisão prejudicial: Immigration Appeal Tribunal - Reino Unido. - Livre
circulação de pessoas - Trabalhador migrante - Direitos de residência dos membros da família do
trabalhador migrante - Direitos de os filhos prosseguirem os seus estudos no Estado-Membro de
acolhimento - Artigos 10.º e 12.º do Regulamento (CEE) n.º 1612/68 - Cidadania da União Europeia -
Direito de residência - Directiva 90/364/CEE - Limitações e condições. - Processo C-413/99.
357
―O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pronunciando-se sobre as questões
submetidas pelo Immigration Appeal Tribunal, por despacho de 28 de
Maio de 1999, declara:
1) Os filhos de um cidadão da União Europeia que se instalaram num
Estado-Membro durante o exercício pelo seu progenitor do direito de
residência como trabalhador migrante nesse Estado-Membro têm o
direito de residir no Estado de acolhimento com vista a aí frequentarem
cursos de ensino geral, nos termos do artigo 12.° do Regulamento (CEE)
n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre
circulação dos trabalhadores na Comunidade. O facto de os progenitores
se terem entretanto divorciado, de só um dos progenitores ser cidadão da
União e de este progenitor ter deixado de ser trabalhador migrante no
Estado-Membro de acolhimento ou ainda o facto de os filhos não serem
eles próprios cidadãos da União é, a este respeito, irrelevante‖.
47
Acórdão: Arrêt de la Cour (assemblée plénière) du 19 octobre 2004 / Affaire C-200/02 - Kunqian
Catherine Zhu et Man Lavette Chen contre Secretary of State for the Home Department (demande de
décision préjudicielle, formée par l'Immigration Appellate Authority) «Droit de séjour – Enfant ayant la
nationalité d'un État membre, mais séjournant dans un autre État membre – Parents ressortissants d'un
État tiers – Droit de séjour de la mère dans l'autre État membre».
358
em relação aos deveres do cidadão da União ou ele não dispôs sobre os deveres,
deixando-os a cargo do Estado da nacionalidade do cidadão da União?
Segundo o Dr. Vlad Constantinesco a tecer comentários sobre essa ausência de
disposições relativas aos deveres do cidadão da União, diz que: “falta à cidadania
europeia a segunda dimensão”, dado que os direitos foram outorgados “sem a habitual
contrapartida reconhecida, explícita ou implicitamente, aos deveres”48.
Dessa forma, há que existir um equilíbrio em relação aos direitos e deveres,
sendo que a obtenção e o exercício dos direitos somente existem com o cumprimento
dos deveres por parte de todos os cidadãos, cumprindo-se dessa forma, a eficácia de
uma cidadania plena.
Assim, podemos entender que os deveres dos cidadãos constituem nada mais do
que um conjunto de obrigações decorrentes da sua responsabilidade como um
participante político ativo numa sociedade, e se o tratado não estipulou expressamente
esses deveres, podemos entender que o tratado não alterou os deveres já existentes que
são por exemplo, o pagamento dos impostos que são devidos; a utilização dos serviços
públicos como o recolhimento de lixo, iluminação pública, bem como o pagamento, seja
por taxas ou preços; o pagamento da segurança social; o cumprimento e o respeito às
leis; o respeito pelos agentes públicos (autoridades); o contributo na preservação do
meio ambiente; o respeito pelas regras de tolerância e cortesia no relacionamento com
outros cidadãos, principalmente com os de outras nacionalidades, evitando assim a
discriminação em razão da nacionalidade49.
2.1. Conceito
48
CONSTANTINESCO, Vlad. La citoyenneté de l`Union, Baden-Baden, 1993. Pág. 27. QUADROS,
Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 122 e 123.
49
Nesse sentido: Direitos e deveres do cidadão europeu – Dos princípios e direitos inscritos nos Tratados
ao seu impacto no dia-a-dia. Disponível em:
http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe?p_cot_id=2990&p_est_id=7217.
359
nacional, por meio do “endosso”, o Estado natal da referida vítima passa a ter o
“dominus lítis”, ou seja, passa a ser o titular da causa50. Importante observar também
que as normas e os procedimentos aplicados, decorrentes da avocação da causa por
parte do Estado de origem, serão os do Estado de ocorrência, ou seja, serão as normas e
procedimentos do Estado acreditado.
Segundo o Professor Dr. Carlos Piernas51, o direito da proteção diplomática é
uma faculdade do Estado, que a exerce com caráter discricionário, salvo se o
ordenamento interno dispor contrariamente. E também diferencia a proteção em sentido
lato sensu e stricto sensu, cabendo nesse trabalho apenas a abodagem do último, que
segundo o autor, consiste:
―... mediante a apresentação de uma reclamação formal frente ao Estado
presumidamente autor da violação ou de uma norma convencional na
mesma matéria estrangeira ou de uma norma convencional na mesma
matéria, incluida qualquer convénio bilateral ou multilateral em vigor, se
a violação afeta a pessoa nacional do Estado reclamante‖.
50
SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2ª ed. Universidade do Texas. 2002. Pág. 288 e ss.
E BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. E Outros. O Brasil e os novos desafios do direito internacional.
Universidade do Texas, 2004. Pág. 73 e ss.
51
PIERNAS, Carlos Jimenez. La protección diplomática y consular del ciudadano de la Unión Europea.
Revista de Instituciones Europeas, Madrid, v.20n.1(Enero-Abr. 1993), p.25 a 27.
360
2.2. A Proteção de cidadãos europeus em países terceiros
361
situações de crise, como por exemplo as catástrofes naturais, atos terroristas, pandemias
e conflitos armados. Esses instrumentos são:
―— o mecanismo de protecção civil, que pode intervir dentro e fora da
União;
— a ajuda humanitária às populações civis atingidas por catástrofes fora
da União;
— instrumentos específicos para fazer face a situações de gestão de
crises, como o mecanismo de reacção rápida;
— missões civis de gestão de crises, no âmbito da Política Externa de
Segurança e de Defesa‖.
Para que esses instrumentos possam ser utilizados de forma eficaz, há uma
necessidade de cooperação estreita entre o Conselho e a Comissão, visando garantir
coerência e dinamismo nas atividades externas da União e de seus Estados membros.
A equiparação de direitos decorrente do Tratado de Amizade, Cooperação e
Consulta entre à República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, poderia levar
a um entendimento equívoco quanto a proteção diplomática dos cidadãos beneficiários
desse Tratado se não fosse pelo seu artigo 20, que estabelece que:
―O brasileiro ou o português, beneficiário do estatuto de igualdade, que
se ausentar do território do Estado de residência terá direito à proteção
diplomática apenas do Estado da nacionalidade‖.
2.3. Fundamentos
55
No grupo COCON, em Abril de 2006, o número destas viagens foi estimado em cerca de 180 milhões
por ano.
56
Ver dados sobre representações diplomáticas em: Documento do Conselho 15646/05, de 12 de
Dezembro de 2005. JO C30/8 de 10.2.2007 – Livro Verde – A proteção diplomática e consular dos
cidadãos da União Europeia nos páises terceiros (apresentado pela Comissão) – 2007/C 30/04.
362
Uma repartição consular do Estado que envia poderá, depois da
notificação competente ao Estado receptor e sempre que este não se
opuser, exercer funções consulares por conta de um terceiro Estado‖.
57
Documento de Trabalho sobre a proteção diplomática e consular dos cidadãos da União nos países
terceiros de 13.6.2007. Parlamento Europeu – Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos
Assuntos Internos.
363
Novamente, de acordo com o Professor Dr. Carlos Piernas58, ao diferenciar as
ações de natureza diplomática e as ações e assistências consulares, ele cita como
exemplo os presos espanhois que cumpriam penas em estabelecimentos prisionais
tailandeses e eram entregues aos presos, por meio da assistência consular, alimentos,
roupas, medicamentos e materiais de higiene pessoal, e ao mesmo tempo, eram
realizadas intensas reúniões diplomáticas, que resultaram na adoção de um acordo
bilateral sobre cooperação em matéria de execução de sentenças penais, permitindo aos
presos espanhois cumprirem o resto de suas penas em Espanha.
58
PIERNAS, Carlos Jimenez. La protección diplomática y consular del ciudadano de la Unión Europea.
Revista de Instituciones Europeas, Madrid, v.20n.1(Enero-Abr. 1993), p.26 a 27.
59
Por exemplo, só alguns Estados-Membros reconhecem o direito de recurso contra a recusa de
protecção.
60
Jornal Oficial da União Europeia. LIVRO VERDE A protecção diplomática e consular dos cidadãos da
União Europeia nos países terceiros (apresentado pela Comissão) (2007/C 30/04).
61
JO L 183 de 14.7.1988, p. 35.
364
disposições comuns nos acordos bilaterais e de melhorar a protecção dos nacionais dos
Estados-Membros que trabalham e residem nos países terceiros.
E a conclusão que chegamos para essa eficaz proteção é a necessidade de uma
expansão legislativa, necessariamente na inclusão de disposições em matéria de
proteção dos cidadãos da União, que encontram-se previstas no artigo 20º do Tratado
CE, bem como a inclusão de disposições sobre a mesma matéria nos acordos bilaterais
com os países terceiros.
A sugestão dada no Livro Verde é a inclusão de disposições de proteção dos
cidadãos da União que trabalham e residem nos países terceiros, nos acordos bilaterais
dos Estados-Membros com estes países, a fim de aplicar plenamente a Decisão
88/384/CEE.
365
Oceano Atlântico. As autoridades locais do país terceiro podem exigir uma série de
formalidades, como a obtenção de um livre-trânsito mortuário (emitido pela autoridade
consular) ou certificados sanitários e das autoridades policiais que atestem a morte e as
respectivas causas, o respeito de determinados requisitos em matéria de saúde pública
relativamente ao caixão ou a tradução oficial dos documentos administrativos.
Alguns dos Estados-Membros aderiram ao Acordo do Conselho da Europa, de
26 de Outubro de 1973, relativo ao Traslado de Corpos das Pessoas Falecidas62, que
visa simplificar as formalidades administrativas do traslado dos restos mortais. O
relatório do Livro Verde analisa esse acordo emitindo duas opiniões importantes, ao
alegar que o instrumento acima citado deixa uma ampla margem de apreciação aos
Estados membros, bem como diz que é importante convencer a totalidade dos Estados
membros a aderirem a este instrumento, buscando simultaneamente uma ação
simplificativa na matéria.
No que diz respeito às despesas ligadas ao traslado dos restos mortais, uma vez
que a familia que é a responsável pelos custos, embora os cidadãos mais precavidos
possuam seguro viagens que cobrem o translado, a criação de um sistema europeu de
compensação poderá constituir uma ação complementar.
Salienta ainda o relatório, que a identificação dos restos mortais é uma condição
prévia e necessária para a efetivação do traslado. Nesta matéria, a Comissão incentivará
a investigação e o desenvolvimento de instrumentos eficientes que permitam a análise
do DNA e que sejam menos onerosos do que os existentes actualmente.
As sugestões do Livro Verde constituem em duas modalidades:
“A curto prazo: A alteração da Decisão 95/553/CE, a fim de incluir a
identificação e a trasladação dos restos mortais. Bem como a Recomendação aos
Estados-Membros que ainda não são partes contratantes no Acordo de Estrasburgo de
1973 no sentido de aderirem ao mesmo”.
“A longo prazo: A simplificação dos procedimentos de traslado dos restos
mortais, uma eventual criação de um sistema europeu de compensação, e ainda, um
incentivo à investigação e ao desenvolvimento de instrumentos de análise do DNA, bem
como à especialização de alguns laboratórios europeus na identificação de vítimas”.
62
Convenção nº 80 da Série dos Tratados do Conselho da Europa (ratificada por 15 Estados-Membros).
366
2.4.4. Procedimentos de adiantamentos pecuniários
367
O artigo 20 do Tratado CE prevê a obrigação dos Estados membros realizarem
as negociações internacionais necessárias para a matéria.
Essas negociações são possíveis por meio de acordos bilaterais com os países
terceiros63, bem como atravez de acordos mistos, celebrados pela Comunidade e pelos
seus Estados membros, contendo cláusula(s)-tipo de consentimento da proteção
diplomática e consular comunitária. Por força dessa(s) cláusula(s) acordadas, os países
terceiros aceitariam que os cidadãos da União pudessem ser assistidos por qualquer dos
Estados membros acreditante em seu território.
Um exemplo citado pelo Livro Verde, como um modelo a ser seguido a longo
prazo, trata-se dos acordos de pesca, que constitui um caso específico, embora análogo,
sobre o apresamento dos navios de pesca que arvoram pavilhão de um Estado membro,
bem como a detenção do capitão e da tripulação. Assim, nos termos de alguns acordos
de pesca, as autoridades do país terceiro são obrigadas a informar a delegação da
Comissão Europeia no local, que exerce “um dever de protecção diplomática”64,
perfeitamente observado no acórdão “Odigitria”65.
Embora, não sendo possível utilizar o acórdão “Odigitria” como precedente na
referida matéria, ou seja, fora do contexto do acordo de pesca no âmbito do qual foi
proferido. No entanto, como foi dito pelo relatório do Livro Verde, a longo prazo,
poderá levantar-se a questão da aplicação deste dever de proteção diplomática se este
decorrer do exercício das competências comunitárias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
63
Estes acordos completam os previstos pela Decisão 88/384/CEE: ver ponto 3.1.
64
Por exemplo, o Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República da Costa do Marfim
relativo à pesca (JO L 379 de 31.12.1990, p. 3).
65
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1995, processoT -572/93.
368
Ao estabelecer direitos especiais ao cidadão da União, a integração europeia
passa a fortalecer o seu ramo político, principalmente após o sucesso da “experiência
integralista”, que como observamos iniciou-se no âmbito económico, bem como outras
“conquistas europeias” como a livre circulação de mercadorias, a adoção de uma moeda
única.
Assim, em relação ao direito de proteção diplomática em especial, podemos
considerar que o artigo 8º do atual Tratado da Comunidade Europeia, estabelece um
direito de proteção diplomático subsidiário, com o escopo de suprimir a inexistência de
uma proteção Estatal aos seus nacionais no território estrangeiro, e somente nesse caso.
Porém, para a sua efetivação, há a necessidade do consentimento dos países terceiros
em seus territórios, e como visto, de acordo com sugestões do Livro Verde, esse
requisito poderá ser sanado atravez de simples acordos, sejam eles bilaterais ou mistos.
Não se trata de direitos acabados, expressamente definidos nos Tratados da
União Europeia e no Tratado das Comunidades Europeias, mas sim de direitos especiais
elásticos, flexíveis, passíveis de fácil ampliação, e com o escopo principal de
concretizar o tão sonhado sentimento de paz entre os povos europeus, que segundo
Churchill: “NÓS NÃO COLIGAMOS ESTADOS, NÓS UNIMOS HOMENS”.
BIBLIOGRAFIA
CRAIG, Paul P. BÚRCA, Gráinne. EU law: text, cases, and materials. 4ª ed. Oxford
University Press, 2007,
369
FERREIRA, Filipa Monteiro César. A Europa da União e da Diversidade: propostas
educativas para uma Cidadania Multicultural. Dissertação de Mestrado em Ciências da
Educação, Universidade do Porto, 2001,
MOURA, Aline Beltrame. Cidadania Europeia: Uma ponte entre a Europa dos
Mercados e a Europa dos Cidadãos. Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível
em: http://www.insieme.com.br/portal/conteudo.php?sid=247&parent=247. Acesso em:
25 de junho de 2009,
370
PIERNAS, Carlos Jimenez. La protección diplomática y consular del ciudadano de la
Unión Europea. Revista de Instituciones Europeas, Madrid, v.20n.1(Enero-Abr. 1993),
p.9-51,
371