Vous êtes sur la page 1sur 10

Educação Unisinos

19(3):335-344, setembro/dezembro 2015


2015 Unisinos - doi: 10.4013/edu.2015.193.04

Antropologia da Ciência e Educação:


reflexões sobre a Sociologia no Ensino Médio
sob o idioma da coprodução

Anthropology of Science and Education: Reflections on


Sociology in high school under the idiom of co-production
Graziele Ramos Schweig
graziele.schweig@gmail.com

Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir a contribuição teórica e metodológica da
Antropologia da Ciência para a compreensão das relações entre a Escola Básica e o conhecimento
científico. Para isso, discute-se o caso do retorno da obrigatoriedade do ensino de Sociologia no
Ensino Médio, que ocorre desde 2006, processo que é acompanhado da emergência de uma
“comunidade disciplinar” em torno desta ciência. Orientando-se pela perspectiva etnográfica,
desloca-se o olhar de uma perspectiva normativa quanto ao ensino de Sociologia e busca-se
situá-lo desde o espaço escolar. Nesse sentido, os dados discutidos aqui são fruto de trabalho
de campo realizado em duas escolas da região metropolitana de Porto Alegre (RS), utilizando-se
do método etnográfico. O deslocamento proporcionado pela ótica da Antropologia da Ciência
permite conceber a escola não como um simples lugar de reprodução de um saber definido
exteriormente a ela, mas como um local de criação de um conhecimento original, tendo como
fundamento a prática cotidiana e o encontro de diferentes agentes que o “coproduzem”.

Palavras-chave: antropologia da ciência, ensino de sociologia, etnografia.

Abstract: This paper aims at discussing the theoretical and methodological contribution of the
Anthropology of Science to the understanding of the relationship between Basic School and
scientific knowledge. For this, the paper discusses the case of the return of the compulsory
teaching of Sociology in High School, which occurs since 2006, a process that is accompanied
by the emergence of a “disciplinary community” around this science. Guided by an ethnographic
perspective, we move from this normative perspective on the teaching of sociology and locate
it in the school. Thus, the data discussed here are the result of fieldwork conducted in two
schools in the metropolitan area of Porto Alegre (RS), using the ethnographic method. The
displacement provided by the point of view of the Anthropology of Science allows us to conceive
the school not as a place of simple reproduction of knowledge defined externally to it, but as
a place of creation of a unique knowledge, based on the daily practice and on the encounter
of different agents that “co-produce” it.

Keywords: anthropology of science, teaching of sociology, ethnography.

Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Attribution License (CC-BY 3.0), sendo permitidas reprodução, adaptação e
distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
Graziele Ramos Schweig

Introdução universitário. No entanto, também processo de “academização”. Sua


se tem afirmado a importância de legitimação passa a ser dada através
A Sociologia tem uma longa se manter o “caráter científico” da Universidade, que deve formar
trajetória de intermitência nos cur- da Sociologia no Ensino Médio, o professor especialista a partir da
rículos da Escola Básica brasileira, defendendo-se alguns critérios para tradição acadêmica, isto é, prope-
a qual inicia no final do século XIX a escolha dos conteúdos a serem dêutica, mais abstrata, científica e
(Moraes, 2011). No entanto, desde o ministrados, por exemplo, a partir de descontextualizada (Viñao, 2008).
acirramento da luta dos sociólogos “temas”, “conceitos” e “teorias” das Assim, resgatando este aspecto
para o retorno da obrigatoriedade da Ciências Sociais (Moraes e Guima- de anterioridade da prática do ensino
disciplina nos currículos do Ensino rães, 2010) e não como um conjunto da Sociologia na escola, este artigo
Médio até sua aprovação, por meio de temáticas pautadas por outros busca deslocar-se do viés normativo
do Parecer CNE/CEB 38/2006 e atores e espaços não acadêmicos, da comunidade disciplinar e situa-se
pela Lei 11.684/2008, observa- como a mídia, ou o próprio “senso desde o espaço escolar, apostando
-se o crescimento de um esforço comum”. Observa-se, portanto, o na perspectiva etnográfica sobre a
coletivo, por parte de professores esforço de constituição de uma “co- Sociologia na escola. Este desloca-
e pesquisadores, para refletir sobre munidade disciplinar” (Goodson, mento, ancorado na ótica da Antro-
os modos de inserção da Sociolo- 1995), composta por professores e pologia da Ciência, faz-se necessário
gia nas escolas. Especialmente, há especialistas, induzida pelo movi- na medida em que permite perceber
uma preocupação crescente com a mento de oficialização da presença a escola não como um espaço de
elaboração de materiais didáticos da Sociologia nas escolas, a qual está simples reprodução de um saber de-
e de metodologias de ensino ade- em pleno processo de invenção de finido exteriormente a ela, mas como
quadas à transposição didática para uma tradição de ensinar, bem como um local de produção de conheci-
este nível de ensino (Silva, 2005; de delimitação e legitimação da So- mento original, tendo como base
Moraes e Guimarães, 2010). Neste ciologia enquanto disciplina escolar. a prática cotidiana e o encontro de
contexto, ressalta-se a atuação dos Contudo, é interessante observar diferentes agentes (humanos e não
Laboratórios de Ensino de Ciências que a existência da prática do ensino humanos) protagonistas desta produ-
Sociais/Sociologia existentes em da Sociologia no Brasil, tanto no ção. Trata-se, portanto, de perceber
diferentes Universidades, que rea- Ensino Superior quanto na Escola a “ciência na vida” (Fonseca et al.,
lizam pesquisa e extensão em torno Básica, é historicamente anterior 2012), ou seja, questionar como
do tema1. Além disso, após esforços ao processo de institucionalização diferentes agentes nomeiam, criam
da Comissão de Ensino da Sociedade de um “campo” acadêmico e de e recriam o que chamam de ciência,
Brasileira de Sociologia (SBS), em pretensão científica da Sociolo- extrapolando o discurso dos cientis-
2005 foi realizado o primeiro Grupo gia no país. Este fato aponta para tas (neste caso, os cientistas sociais)
de Trabalho (GT) de Ensino de So- algumas considerações acerca da consagrados pelo campo acadêmico.
ciologia no Congresso Brasileiro de relação entre o ensino da Sociologia Assim, em vez de identificar em
Sociologia, legitimando espaço para como disciplina e sua articulação a que medida o ensino da Sociologia
o tema no meio acadêmico. um campo científico. Ao discutir a se aproxima ou se distancia dos
Observa-se que boa parte dos história e a formação das disciplinas parâmetros afirmados pelo campo
recentes relatos e pesquisas sobre escolares, Goodson (1995) rompe científico e pela comunidade dis-
a Sociologia no Ensino Médio tem com a ideia de se buscar suas origens ciplinar, a proposta é atentar para
se pautado por um viés normativo, “de cima para baixo”, isto é, a partir o que os professores, alunos, livros
comprometido com a constituição de de uma tradição científica previa- didáticos, salas de aulas, organiza-
parâmetros para o ensino da discipli- mente estabelecida. Ao contrário, ções temporais das escolas têm a nos
na. De modo geral, pode-se dizer que o autor discute o movimento de mostrar sobre a ciência Sociologia
há um consenso nessas produções “baixo para cima”, no qual matérias por eles praticada. Pereira (2009) já
em torno da ideia de que o ensino escolares passam por um processo de afirmou a necessidade de se fazer
da Sociologia na escola possui uma transformação em disciplinas cientí- uma Sociologia da Sociologia no
especificidade frente ao ensino ficas – ou seja, empreendem-se num Ensino Médio. Trata-se aqui, a partir

336
1
Temos como exemplo o Laboratório de Filosofia e Sociologia (LEFIS) da UFSC, o Laboratório de Ensino de Sociologia (LES) da UEL, o Laboratório de
Ensino de Sociologia (LES) da USP, o Laboratório Virtual de Ensino de Ciências Sociais (LAVIECS) da UFRGS e o Laboratório de Ensino de Sociologia
Florestan Fernandes (LABES) da UFRJ.

Educação Unisinos
Antropologia da Ciência e Educação: reflexões sobre a Sociologia no Ensino Médio sob o idioma da coprodução

de outros pressupostos, de realizar sujeito e objeto, representações e


neste mundo. O conhecimento e suas
uma Antropologia da Sociologia no práticas, entre outras.
encarnações são ao mesmo tempo
Ensino Médio. De um modo geral, os STS produtos do trabalho social e cons-
Nesse sentido, a seguir discuto surgem a partir da tentativa de titutivos de formas de vida social; a
a perspectiva teórica da chamada superação de um olhar apenas “in- sociedade não pode funcionar sem
Antropologia da Ciência e o quanto ternalista” ou “externalista” com conhecimento bem como o conheci-
esta pode complexificar o enten- relação ao conhecimento científico, mento não existe sem o suporte social
dimento da Sociologia na escola, enxergando a ciência enquanto uma apropriado (Jasanoff, 2004, p. 2-3,
para, posteriormente, analisar alguns prática social que envolve objetos tradução minha).
dados etnográficos coletados em “híbridos”. Nesta perspectiva, a
pesquisa de campo. Os dados se ciência deve ser investigada “em Nesse sentido, utilizando-se da
referem à experiência de observação ação” ou “em construção”, ou seja, perspectiva da coprodução para
participante em duas escolas, uma a partir da observação da prática dos pensar o ensino da Sociologia no
da rede pública estadual e outra produtores desta ciência, e não do Ensino Médio, temos que partir
particular, ambas situadas na região ponto de vista da ciência acabada do pressuposto de que o que é tido
metropolitana de Porto Alegre, Rio ou “pronta” (Latour e Woolgar, como “saber sociológico” na escola
Grande do Sul. Trata-se de um re- 1997). A Antropologia da Ciência, é produto do trabalho social de dife-
corte dos dados de campo de minha orientando-se pelo diálogo com a rentes agentes e, da mesma forma, o
pesquisa de doutorado ainda em crítica nascida nos STS, aposta na seu “conteúdo” influencia a própria
andamento, junto ao Programa de abordagem etnográfica para com- prática de produção deste saber.
Pós-Graduação em Antropologia preender o modo como diferentes Ou seja, parte-se do pressuposto
Social da Universidade Federal do agentes praticam ciência (Fonseca de que, na delimitação do saber
Rio Grande do Sul. e Sá, 2011). Assim, em sendo a sociológico produzido no contexto
Sociologia, seja na academia, seja escolar, não é determinante apenas o
A abordagem da no âmbito da escola básica, definida que o campo científico define como
Antropologia da Ciência enquanto um saber “científico”, as as melhores teorias, conceitos ou
teorizações realizadas pelos STS e temas mais importantes, desde uma
A emergente área da Antropolo- pela Antropologia da Ciência trazem visão “internalista” da produção do
gia da Ciência se constitui em inter- importantes contribuições para sua conhecimento, como se houvesse
face com o campo interdisciplinar compreensão. de antemão teorias ou metodologias
dos Science and Technology Studies Uma importante autora desta “melhores” que outras para explicar
(STS), o qual tem sua consolidação tradição é Sheila Jasanoff, que lança a realidade, ditadas por uma “his-
a partir dos anos 1960, com os tra- mão do conceito de “coprodução”, tória ou epistemologia das ideias
balhos de Latour e Woolgar (1997), de modo a levar em consideração sociológicas”. Também participa da
Knorr-Cetina (1999), entre outros. as ordens do “social” e do “natural” constituição desse saber o público
Bruno Latour, ao defender a propos- como sendo produzidas conjunta- leigo, isto é, os atores envolvidos
ta de uma “antropologia simétrica” mente, quando analisamos o conhe- na produção do ensino do que é dito
(Latour, 1994), volta-se ao estudo cimento científico. Dessa forma, a “sociológico” na escola: atores do
da ciência não por acaso, mas pelo ciência é entendida não apenas como Estado, gestores escolares, os alu-
fato desta ocupar um lugar central um simples reflexo da verdade sobre nos, os professores de Sociologia, os
na conformação da cosmologia oci- a natureza (o que seria uma ótica “in- líderes políticos e acadêmicos na luta
dental, que se funda no que Latour ternalista”) nem como um epifenô- pela implementação da disciplina,
chama de “Constituição Moderna”, meno de interesses sociais e políticos além das restrições institucionais
a qual cria duas zonas ontológicas (em uma perspectiva “externalista”). (recursos físicos e humanos das es-
distintas: a dos humanos (cultura) A noção de “coprodução”, portanto, colas, currículos, tempos e espaços,
e a dos não humanos (natureza). é assim definida: políticas educacionais, materiais
Assim, esta perspectiva vem ques- didáticos, etc.).
tionar alguns pressupostos da teoria Coprodução é uma abreviatura da Em entrevista com a professora
antropológica de um modo geral, proposição de que os modos como de Sociologia da escola estadual,
especialmente no que diz respeito a conhecemos e representamos o mun- formada em Ciências Sociais há qua- 337
do (natural e social) são inseparáveis
dicotomias próprias ao pensamento se 20 anos, perguntei quais eram os
dos modos como escolhemos viver
ocidental, como: natureza e cultura, autores em que ela mais se baseava

volume 19, número 3, setembro • dezembro 2015


Graziele Ramos Schweig

quando elaborava seu Plano de Tra- estratégias de afirmação e legitima- Da mesma forma, o “público leigo”
balho na escola. Ao ter dificuldade ção moldam o próprio conteúdo das ou os estudantes do Ensino Médio
de citar autores em específico, a pro- “teorias sociológicas” escolhidas e não são vistos como “massa mais
fessora apontou estranhamento em produzidas no contexto escolar. ou menos homogênea”, mas a partir
relação à pergunta: “Na faculdade Se partirmos de uma visão que de sua diversidade de necessidades,
vocês tem muito disso, se apegam rompa com o caráter normativo e de interpretações e usos da própria
a pessoas, a autores, a livros, à teo- “cima para baixo” na produção do ciência Sociologia. Isto é, parte-se
ria, tudo se baliza por isso”. Nessa conhecimento científico, temos que do pressuposto de que há uma “agên-
fala, não podemos interpretar que levar em consideração a “agência” cia” destes jovens em relação ao
a professora esteja simplesmente de diferentes atores em sua constitui- conhecimento científico, sendo que
defendendo o “senso comum” nas ção ou “coprodução”. Assim, além eles mesmos estão ajudando a cons-
aulas de Sociologia, isto é, a falta da centralidade da trajetória e atua- truir a “ciência”. Assim, percebe-se
de “critérios científicos”. Sua fala ção docente, é essencial atentarmos a relação entre a ciência e o público
aponta para uma outra dimensão para o ponto de vista dos estudantes como de influência mútua, não de
deste saber sociológico, a dimensão do Ensino Médio. Nesse sentido, hierarquização simples.
praticada, vivenciada cotidianamen- faz-se pertinente a crítica que Irwin Esta concepção se faz importante
te, que vai além da tradição do con- e Wyne (1996) lançam ao olhar tra- aqui, pois aponta para a importância
junto de teorias das Ciências Sociais dicional com que se tem entendido o de se considerar este “público”, no
tal como produzida na Universidade. ensino ou a popularização da ciência caso desta pesquisa, os alunos do
Dada essa dimensão da prática voltados ao público leigo, envolven- ensino médio, como sujeitos ativos
do ensino de Sociologia no Ensino do uma noção de ciência “pronta”, na construção do saber sociológico
Médio, na pesquisa etnográfica rea- “neutra” e “não problemática”. Os na escola. A questão do ensino-
lizada, os professores de Sociologia autores propõem que se repensem as -aprendizagem aparece, então, como
aparecem como atores-chave para relações entre ciência e público leigo um lócus interessante de análise
o entendimento da construção do através de outra concepção sobre o para compreender as formas como
saber dito sociológico na escola, próprio conhecimento científico: são ressignificadas as relações entre
pois são aqueles que fazem me- “ciência” e “público”. Assim, além
diações, através de sua trajetória, A ciência não será representada como da importância central dada aos pro-
entre o campo científico, a gestão um simples “conjunto de fatos” ou fessores como mediadores, a escola
do sistema escolar (os diferentes como um dado “método”, mas como ganha foco central ao ser analisada
agentes e normatizações do Estado) uma coleção muito mais difusa de
a partir do conceito de “instituição
instituições, áreas de conhecimento
e os alunos da Escola Básica. As tra- mediadora”, definida, por Irwin e
especializado e interpretações teó-
jetórias desses professores tornam- ricas cujas formas e fronteiras são Wynne (1996) como espaços onde
-se particularmente significativas abertas à negociação com outras se “transmite” a argumentação cien-
quando analisamos a decisão pela instituições sociais e formas de co- tífica para o grande público2.
docência, as escolhas feitas durante nhecimento (Irwin e Wyne, 1996,
a formação acadêmica e a atuação p. 8, tradução minha). Aspectos metodológicos
profissional como sociólogos e pro-
fessores. Dentro da perspectiva da Nesse sentido, os autores apresen- Primeiramente, é necessário con-
“coprodução”, definida por Jasanoff, tam uma visão de ciência em cons- textualizar a situação da Educação
a análise de trajetórias de professores trução, mais porosa e com fronteiras Básica e, mais especificamente,
de Sociologia também tem como um menos definidas a priori. Assim, do Ensino Médio no estado do Rio
de seus objetivos perceber de que este olhar nos desloca da perspec- Grande do Sul, para situar a obser-
modo a forma como eles entendem tiva normativa sobre o ensino de vação realizada nas duas escolas
e vivenciam a Sociologia informa Sociologia, que busca estabelecer aqui descritas. No final de 2011,
as estratégias de afirmação e le- parâmetros desde a academia, para foi aprovado um novo modelo de
gitimação da disciplina na escola, o ensino da disciplina na escola e Ensino Médio no estado, chama-
assim como perceber o modo com nos volta para a construção in loco do de Ensino Médio Politécnico,
que as definições construídas como do conhecimento dito sociológico. implementado a partir do início de
338
2
Também seriam consideradas formas de “instituições mediadoras”: grupos ambientais, a indústria local, meios de comunicação de massa, organizadores
de exposições científicas, agentes do estado, médicos (Irwin e Wyne, 1996, p. 10).

Educação Unisinos
Antropologia da Ciência e Educação: reflexões sobre a Sociologia no Ensino Médio sob o idioma da coprodução

2012 nas escolas públicas estaduais. para atuar nas escolas. Este processo pública estadual. Apesar de aten-
Na formulação da proposta, nota-se pode caracterizar a formação de uma derem clientela bastante distinta, as
uma forte preocupação com a dimi- nova geração de professores de So- instituições de ensino distam apro-
nuição da evasão e da reprovação ciologia nas escolas do Rio Grande ximadamente 2 km uma da outra. As
escolar, modificando-se as formas de do Sul, dado que este é o primeiro duas escolas possuem professoras de
avaliação do estudante. Além disso, ingresso de professores concursados Sociologia formadas em licenciatura
há a justificativa da necessidade de de Sociologia após a obrigatoriedade em Ciências Sociais, tendo sido este
uma maior articulação entre o En- legal da disciplina nas escolas5. aspecto da formação um critério para
sino Médio e o mundo do trabalho, De modo a situar a produção do a escolha dessas instituições para a
utilizando-se da ideia de “politec- saber sociológico a partir do espaço realização da pesquisa. Além disso,
nia”3. Entre as principais mudanças da escola, e não desde uma perspec- nas duas escolas, a Sociologia é mi-
previstas por este novo Ensino Mé- tiva normativa externa a ela, para nistrada em um período semanal em
dio está a inserção de uma disciplina a realização da presente pesquisa, cada série do Ensino Médio, sendo
chamada Seminário Integrado, com optou-se pela etnografia. O método que as professoras ministram aula
carga horária crescente em cada uma etnográfico, proposto e sistematiza- para os três anos (1º, 2º e 3º) e estão
das três séries do Ensino Médio. Esta do pela primeira vez por Bronislaw há mais de três anos lecionando em
disciplina visa articular a formação Malinowski (1984), é considerado a cada escola. Ou seja, todo o contato
geral (área do conhecimento da base principal abordagem metodológica que os alunos que participaram da
nacional comum) e a parte diversifi- da Antropologia, tendo recebido pesquisa tiveram com a Sociologia
cada (humana, tecnológica, politéc- algumas problematizações e desen- na escola se deu através de uma
nica)4, sob orientação da lógica da volvimentos por autores posteriores mesma professora.
pesquisa e da interdisciplinaridade. na história da disciplina. Contudo, As reflexões feitas aqui são fruto
É interessante registrar o fato de que alguns pressupostos já apresentados de trabalho de campo realizado
muitos professores de Sociologia por Malinowski (1984) se mantêm entre maio e agosto de 2013, o qual
foram designados a atuar na nova atuais: a necessidade de compre- consistiu na observação de aulas de
disciplina de Seminário Integrado, ensão da lógica da cultura nativa Sociologia nas três séries do Ensino
o que também ocorre na escola es- em sua totalidade (e não a partir Médio, em diferentes turmas de cada
tadual pesquisada. de aspectos isolados) e a técnica série, nas duas escolas. Foram rea-
Outro dado importante acerca do da observação participante, a qual lizadas entrevistas semiestruturadas
contexto do ensino público estadual implica a imersão do pesquisador com as professoras de Sociologia,
no estado do Rio Grande do Sul diz in loco, junto das atividades coti- enfocando, entre outras questões, a
respeito à contratação de professo- dianas realizadas pelos sujeitos de trajetória acadêmica e profissional,
res. Se, em 2009, o estudo de Pereira pesquisa. Ou seja, a produção do os critérios para escolha de con-
(2009) mostrou a escassez de profes- saber antropológico, por meio da teúdos, os objetivos e habilidades
sores formados em Ciências Sociais etnografia, pressupõe uma relação desenvolvidos na disciplina de
atuando no ensino da Sociologia nas de intersubjetividade, visando à Sociologia. Realizaram-se também
escolas públicas do Rio Grande do apreensão da perspectiva do outro, grupos focais com estudantes de
Sul, atualmente temos um cenário desde seu próprio contexto. todas as séries do Ensino Médio de
que se transforma. Recentemente, Dessa forma, os dados aqui apre- cada escola, buscando identificar,
foram realizados concursos para sentados dizem respeito à observa- entre outras coisas, como eles perce-
o magistério estadual (em 2012 e ção participante realizada em duas bem a especificidade da Sociologia
em 2013) e, consequentemente, escolas da mesma cidade da região frente às demais disciplinas, quais as
observa-se o ingresso de professores metropolitana de Porto Alegre, uma principais características das aulas
com formação em Ciências Sociais privada e outra pertencente à rede de Sociologia e como os conheci-

3
No documento da proposta do Ensino Médio Politécnico, a noção de politecnia é baseada nos escritos de Antonio Gramsci e Dermeval Saviani.
4
A formação geral é composta pelas disciplinas das áreas de conhecimento definidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Linguagens e suas
Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias e Ciências da Natureza e suas Tecnologias). Já a formação
diversificada deve ser composta a partir de dez eixos transversais (Acompanhamento Pedagógico, Meio Ambiente, Esporte e Lazer, Direitos Humanos,
Cultura e Arte, Cultura Digital, Prevenção e Promoção da Saúde, Comunicação e Uso de Mídias, Investigação no Campo das Ciências da Natureza e
Educação Econômica e Áreas da Produção) (SEDUC/RS, 2011).
339
5
Antes de 2012, o último concurso para o magistério, de que tive notícia, havia sido feito em 2005, data anterior à aprovação da obrigatoriedade
da Sociologia. Desse modo, os professores sociólogos que já atuavam na rede pública estadual, em grande medida, haviam ingressado na carreira
como professores de outras disciplinas, como História e Geografia, e não como professores de Sociologia (Pereira, 2009).

volume 19, número 3, setembro • dezembro 2015


Graziele Ramos Schweig

mentos construídos a partir das aulas tentativa e erro, a como ser docente, da importância e legitimidade da
de Sociologia se relacionam com como escolher os recursos didáticos Sociologia na escola, de modo a con-
suas vidas. Também foi feita análise e como afirmar a importância da quistar o interesse dos estudantes e o
dos materiais didáticos utilizados Sociologia na escola. Talvez esta respeito dos colegas das demais áre-
pelas professoras e os projetos pe- “desestabilização” vivenciada pelas as do conhecimento. Esta afirmação
dagógicos das escolas. professoras no início da carreira da importância da disciplina passou
tenha a ver com a percepção prática por dois aspectos: a realização de
Trajetórias docentes, do quanto a Sociologia é “coprodu- provas e avaliações mais exigentes,
espaços escolares e qual zida” no espaço escolar – a partir da que inicialmente causaram estranha-
sociologia ensinar relação com um outro ambiente, um mento inclusive entre os pais dos
outro tempo e com outros agentes – alunos; e a explicitação do caráter
A pesquisa etnográfica na escola em contraposição a uma concepção científico da Sociologia. Quanto
demonstrou uma relação entre a de ciência (Sociologia) que se apren- a este último, Ângela relata que
trajetória docente e a escolha dos de na academia, permeada por uma solicitou participação dos trabalhos
conteúdos ministrados. Mesmo noção de autonomia em relação ao elaborados pelos alunos, nas aulas de
com um Plano de Trabalho mais mundo social. Sociologia, nas “feiras de ciências”
rígido (no caso da escola parti- A seguir discuto a trajetória de da escola. Inicialmente este pedido
cular), é possível perceber que as cada professora articulada às ex- causou estranhamento por parte dos
professoras inscrevem suas opções periências de atuação nas escolas. demais professores, contudo Ângela
teóricas e profissionais na escolha Os nomes próprios são fictícios. relata que foi convencendo-os, ao
ou ênfase em determinados temas afirmar que a disciplina também é
e na opção por certas metodologias Ângela e a dimensão ciência: “tem um método, tem uma
de ensino-aprendizagem. Da mes- científica da Sociologia base teórica. Não é achismo”. Dessa
ma forma, atentar para a trajetória forma, hoje Ângela coordena um
das professoras é importante para Ângela é professora de Sociolo- projeto de cunho científico nesta
compreender a forma como elas gia na escola particular, possuindo mesma escola e tem levado seus
encaram os objetivos da Sociologia cinco anos de experiência na docên- alunos de Sociologia a apresentarem
na escola e como orientam sua prá- cia no Ensino Médio. É formada em trabalhos no “Salão UFRGS Jovem”,
tica docente. As escolhas feitas em licenciatura (em 2004) e bacharelado evento de mostra da Universidade
termos de qual sociologia ensinar em Ciências Sociais pela UFRGS e voltado a pesquisas levadas a cabo
também estão em correlação com possui mestrado em Educação. Atu- por estudantes de Ensino Médio.
os limites e as possibilidades encon- almente ela dá aulas em duas escolas Ângela também me relatou seu
tradas nos espaços de trabalho onde privadas, nunca tendo sido professo- interesse em cursar Doutorado em
essas professoras constituíram sua ra na rede pública de ensino. Ângela Educação, pesquisando a temática
experiência docente. relata que seu início na docência da do ensino de Sociologia através da
Chama atenção, no relato das Sociologia não foi fácil, tendo ela pesquisa científica.
duas professoras, a fala de que o começado a carreira em outra escola, Na escola particular onde realizei
curso de licenciatura em Ciências na qual a disciplina possuía pouca as observações, apesar de Ângela
Sociais não as preparou suficiente- legitimidade como componente cur- mencionar não ter encontrado re-
mente para a docência. Há um dis- ricular, tanto entre os alunos quanto sistência quanto ao reconhecimento
curso comum que afirma existir um entre o corpo docente. Esta situação da importância da Sociologia, é
distanciamento entre a Universidade é atribuída por Ângela ao fato de possível notar em sala de aula estes
e a Educação Básica. O inicio da que, antes de ela assumir o ensino da dois aspectos mencionados por ela
docência, portanto, é relatado como disciplina nesta escola, a Sociologia como tendo firmado seu caminho
difícil, pautado pela tendência inicial era ministrada por um professor de inicial de construção da importân-
de se basear no modelo do ensino História, o qual se utilizava dos pe- cia da disciplina: a valorização das
universitário (metodologia exposi- ríodos de Sociologia para ministrar provas e avaliações e a afirmação do
tiva e textos teóricos), seguido pela conteúdos da disciplina de História caráter científico da disciplina. Nesta
frustração de ver que essa “impor- ou como “período livre” onde os escola, adota-se o Sistema de Ensino
340 tação” de modelo não funciona na alunos assistiam a filmes. SER, da Editora Abril, o qual forne-
escola. As professoras contam que Ângela conta que precisou re- ce apostilas como material didático
foram “aprendendo na prática”, por alizar um trabalho de afirmação para as aulas. A apostila de Sociolo-

Educação Unisinos
Antropologia da Ciência e Educação: reflexões sobre a Sociologia no Ensino Médio sob o idioma da coprodução

gia, referente aos três anos do Ensino de modo a auxiliá-las na escrita da renciar as características dos modos
Médio, é escrita por Pércio Santos de redação no vestibular. de produção (comunal-primitivo,
Oliveira. O Plano de Trabalho anual A preocupação com o concurso escravista, asiático, feudal, capita-
segue de forma mais ou menos rígida vestibular era algo constante na lista, socialista). Era sempre após,
os conteúdos propostos na apostila escola privada observada. Nas salas ou de modo articulado, à exposição
do SER, sendo que periodicamente de aula das terceiras séries do Ensino conceitual que os debates com par-
são aplicadas provas externas, elabo- Médio havia recortes de jornal sobre ticipação dos alunos ocorriam. Nos
radas pela equipe do SER, onde são profissões. O serviço de orientação debates eram levantadas dúvidas, a
“cobrados” os conteúdos da apostila. escolar da instituição, certo dia, re- professora fazia questionamentos e
Desse modo, nas aulas observadas, alizou divulgação nas salas de aula eram trazidos exemplos cotidianos.
havia uma preocupação constante da de um trabalho de orientação voca- Os alunos pareciam gostar dos
professora em “vencer o conteúdo da cional direcionado ao vestibular. Nos momentos de debate em sala de
apostila” e uma lembrança quase que grupos focais realizados com os alu- aula. Inclusive alguns deles men-
diária acerca do quanto aqueles con- nos, a questão do vestibular surgiu cionaram que se tinha pouco tempo
teúdos trabalhados seriam cobrados inclusive como motivo de apreensão para esta dinâmica, em função de
em avaliações, de modo a incentivar por parte deles, evidenciando uma haver somente um período semanal
a atenção dos alunos. Da mesma cobrança por parte dos pais para e o conteúdo ser muito extenso.
forma, frequentemente os alunos escolherem cursos que “dariam mais Chamou-me atenção o fato dos
perguntavam se determinada parte dinheiro” em contraposição a cursos alunos realmente se utilizarem do
do conteúdo seria objeto de cobrança que trariam satisfação pessoal. Em vocabulário mais “técnico” apre-
em avaliações. As provas elaboradas alguma medida, o foco no vestibular sentado por Ângela ao longo dos
pela professora continham questões e a proximidade ou vislumbre do debates. Quando, nos grupos focais,
retiradas de vestibulares e concursos universo acadêmico por boa parte eu os questionava acerca dos con-
públicos da área de Sociologia, além dos alunos também podem ser um ceitos que haviam aprendido em
de questões dissertativas. Havia a fator que condiciona e possibilita Sociologia, os alunos prontamente
realização de trabalhos, com peso esta ênfase no caráter mais “cientí- eram capazes de citar uma lista:
menor de avaliação, em formato fico” e propedêutico da Sociologia, socialização, cultura, fordismo, etc.
mais flexível6. levado a cabo por Ângela. No geral, os alunos demonstravam
As aulas de Ângela possuíam Às vezes iniciando determinado ter uma visão bastante positiva da
como metodologia especialmente conteúdo a partir de temas e às ve- Sociologia e da forma de condução
a exposição dialogada, alternando zes a partir das ideias de autores da das aulas pela professora, sendo que
a utilização de Power Point com Sociologia, os debates realizados em apenas uma aluna mencionou que na
sistematizações do conteúdo escritas sala de aula eram sempre feitos pos- aula de Sociologia poderiam se en-
no quadro e copiadas pelos alunos, teriormente a uma exposição teórica volver mais com trabalhos práticos,
bem como a utilização de trechos por parte da professora. Um exemplo como gincanas para arrecadação de
de filmes e documentários. Sobre a da preocupação de Ângela com a de- roupas e mantimentos ou trabalho
importância de reconhecer o caráter limitação conceitual aparece no con- assistencial, o qual já é realizado
científico da disciplina, percebe-se teúdo da 2ª série sobre “modos de em outros projetos da escola, que
uma ênfase no vocabulário “téc- produção”. Ângela realizou mais de é confessional católica. Segundo
nico” da Sociologia, utilizado por uma aula expositiva, enfatizando que esta aluna, a Sociologia poderia
Ângela nas aulas, preocupando-se os alunos deveriam saber diferenciar contribuir para levar os estudantes
constantemente com a definição os seguintes conjuntos de concei- a perceberem a “vida real”.
de conceitos e diferenciando-se da tos: “bens e serviços”, “produção,
linguagem cotidiana. Quanto a isso, distribuição e consumo”, “trabalho, Carla e a dimensão
chamou atenção o fato de duas de matéria-prima e instrumentos de política da Sociologia
suas alunas terem relatado que fazem produção”, “meios de produção, for-
um glossário, anotando palavras ças produtivas, relações de produção Carla possui uma trajetória pro-
aprendidas na aula de Sociologia, e modos de produção”, antes de dife- fissional também fora da docência.

341
6
Em entrevista, Ângela também apresenta um olhar crítico acerca da avaliação, entendendo que, mesmo sendo necessária, o objetivo que o aluno
deve ter na disciplina de Sociologia não deve se resumir a “ir bem nas provas”, sendo a Sociologia “uma disciplina que faz o aluno pensar, faz o aluno
olhar a realidade e questionar esta realidade”.

volume 19, número 3, setembro • dezembro 2015


Graziele Ramos Schweig

Ingressou no curso de licenciatura ciologia foi construída aos poucos, de Pérsio Santos de Oliveira (2008),
em Ciências Sociais da UFRGS nos através da visibilidade dada por meio do qual Carla seleciona trechos para
anos 1990, já com a expectativa de da mobilização dos estudantes da as aulas em que escreve texto no
atuar como professora. Ela conta que escola. Carla atribui às discussões quadro para os alunos copiarem nos
diante do restrito mercado de traba- sobre “política” e sobre “liderança” cadernos. Diferentemente de Ânge-
lho para o licenciado, em função da realizadas nas aulas de Sociologia o la, nota-se uma flexibilidade bem
não obrigatoriedade da disciplina fato de alguns alunos terem começa- maior em termos de seleção de con-
na época em que se formou (1994), do a se questionar acerca do Grêmio teúdos por parte de Carla, não haven-
Carla fez uma pós-graduação em Estudantil da escola, o qual acabou do tanto uma pressão por “vencer”
Ciência Política e passou a trabalhar sendo recentemente reativado, após tais conteúdos ou na utilização das
com assessoria política a vereadores anos estando inativo. Assim, Carla, avaliações como meio de afirmação
de diferentes partidos. Seu interesse em conjunto com uma professora da importância da disciplina. Essa
pela política já existia antes de in- de História, auxiliou os alunos que maior liberdade também impacta
gressar nas Ciências Sociais, tendo montaram chapa para o Grêmio nas escolhas metodológicas mais fle-
sido reforçado quando do estudo das Estudantil e atualmente realizam xíveis, que em geral não envolvem
teorias da Ciência Política. Manten- atividades na escola. Este processo, muitas aulas expositivo-dialogadas,
do o interesse pela atuação na docên- na ótica de Carla, evidenciou a im- mas a elaboração de resumos de
cia, Carla ingressou no magistério portância do trabalho realizado na textos por parte dos alunos, debates
estadual quando da publicação de disciplina de Sociologia. em seminários, realização de traba-
edital para contrato temporário em Além de sua visão acerca do lhos práticos, como saídas a campo
2006 (mantendo este tipo de vínculo papel da Sociologia na escola, as me- para realização de observação de
de trabalho até hoje). todologias de ensino propostas por um “fenômeno social” e pesquisa e
Carla relata que a intenção de Carla possuem estreita relação com caracterização de “grupos urbanos”.
dar aula se reforçou a partir da ex- seu trabalho profissional anterior na Nota-se que, por não estar tão “pre-
periência profissional na assessoria assessoria a vereadores. No terceiro sa” ao conteúdo programático, Carla
política, pois percebeu ano do Ensino Médio, quando Carla parte mais de temas e de discussões
trata do conteúdo de Política, ela empíricas do cotidiano dos alunos,
a necessidade de trazer um pouco
propõe um trabalho no qual, em gru- não possuindo a mesma ênfase no
de ética e cidadania para os jovens,
porque eu via muito a falta disso lá pos, os estudantes constroem uma “domínio conceitual” da Sociologia.
no final [...] a gente precisa ter esta candidatura fictícia, propondo uma Este aspecto da proximidade com
consciência desde jovem; então eu plataforma de governo, tendo que, o cotidiano foi um dos diferenciais
realmente abracei esta bandeira e até posteriormente, em debate, fazer a da aula de Sociologia, apontados
hoje eu faço isso, eu trabalho com defesa das propostas políticas em pelos alunos, em relação aos demais
o jovem até chegar no terceiro ano, áreas como saúde, educação, trans- componentes curriculares. De modo
quando eu realmente abordo política
porte, segurança e meio ambiente. geral, para eles, a disciplina de So-
com eles e faço eles, se não gostarem,
mas que eles tenham a noção de que
Para embasar a construção da can- ciologia se destaca das demais por
eles fazem parte do processo (Pro- didatura, Carla realiza seminários discutir questões que dizem respeito
fessora Carla). ao longo de um trimestre nos quais ao dia a dia. No 3º ano, Carla realiza
estes temas são debatidos em aula seminários temáticos, dentro do tra-
A experiência com assessoria po- para que os alunos fundamentem a balho de construção da candidatura
lítica, portanto, coloca em evidência proposição da candidatura. fictícia, nos quais os alunos debatem
para ela o caráter promotor da “cida- Carla faz uso do livro didático a partir de um conjunto de questões
dania” da disciplina de Sociologia. adotado pela Escola, de Nelson em torno do tema escolhido. Era
Quando questionada acerca do papel Dácio Tomazi (2010), mas não se possível notar que os alunos que
que a disciplina possui na escola sente na obrigação de dar conta dos mais se envolviam nos debates,
em que foi realizada a pesquisa, e conteúdos do livro, sendo que utiliza relatando situações cotidianas, eram
na qual Carla leciona desde 2006, outras referências para trabalhar de- os alunos que exerciam algum tipo
ela relata que a importância da So- terminados conteúdos, como o livro de trabalho7, o que poderia chegar
342
7
Interessante notar que, em um Seminário cujo tema era Transporte Público, Carla solicitou a um aluno que era cobrador de ônibus que a ajudasse
na elaboração das questões que norteariam o debate em sala de aula.

Educação Unisinos
Antropologia da Ciência e Educação: reflexões sobre a Sociologia no Ensino Médio sob o idioma da coprodução

a quase dois terços dos alunos, em afirmação acerca da postura de es- cobranças de uma empresa), já que
uma turma do último ano. Quando cuta e “relativização” por parte das faz perceber que “existem os dois
questionados acerca de planos para professoras. A aula de Sociologia é lados da história”.
realização de vestibular, não havia considerada pelos alunos como um De um modo geral, os alunos
consenso e alguns alunos ainda não espaço onde eles podem manifestar expressam um reconhecimento da
haviam pensado sobre a questão, seus pontos de vista, o que nem sem- importância da Sociologia para a
aspecto bastante distinto do que foi pre é possível nas demais aulas com vida pessoal e uma ligação próxima
percebido na escola privada, onde a os outros professores. Esta postura ao cotidiano, aspecto que a diferen-
ideia de preparar-se para o vestibular de escuta e consideração do ponto cia das disciplinas consideradas por
era mais presente. Contudo, muitos de vista do aluno, a qual os jovens eles como mais semelhantes à Socio-
deles planejavam realizar o ENEM atribuem às professoras de Socio- logia, como a História, a Filosofia e
(Exame Nacional do Ensino Médio). logia, se relaciona às habilidades a Geografia. Os alunos enfatizam,
Chamou atenção, em consonância que eles percebem que a Sociologia portanto, um caráter e um potencial
com a perspectiva de Carla na ênfase desenvolve neles próprios. bastante práticos da disciplina. Con-
dada à política, o fato dos alunos Quando questionados sobre o tudo, em ambas as escolas, os alunos
mencionarem que um trabalho que eles aprendem com a disciplina, percebem a falta de valorização
realizado no 2º ano, sobre Direitos em ambas as escolas surgiu a ideia que a disciplina recebe, apontando
Humanos, foi um dos que mais lhes de que a Sociologia mostra que há especialmente a pouca carga horária
havia chamado atenção, juntamente diferentes perspectivas acerca da como indicativo deste fato.
com um olhar, aprendido no 3º ano, realidade: Com relação ainda ao aspecto
mais “positivo sobre a política”, de especificidade da Sociologia,
rompendo com ideias como “polí- A Sociologia não te coloca o que é por mais que possuam abordagens
ticos são todos ladrões”. Da mesma certo e o que é errado, ela te coloca o e ênfases distintas acerca da disci-
ponto de vista de quem estava envol-
forma, quando perguntados sobre plina, chama atenção que ambas as
vido na situação. [...] Ela não diz: é
como estabelecem relações entre o professoras apresentam uma pers-
isso e ponto (aluna da escola privada).
que veem na mídia e as aulas de So- pectiva parecida quando pensam o
ciologia, uma aluna disse relacionar [...] Sociologia ajuda a se colocar percurso de formação dos estudantes
notícias sobre protestos e manifesta- no lugar do outro (aluno da escola no Ensino Médio:
ções às teorias que haviam aprendido pública).
sobre “democracia” e “participa- No primeiro ano, os alunos têm aces-
ção”, pois via as “pessoas lutando Contudo, é interessante notar so à teoria, uma teoria mais bruta,
por seus direitos”. Por outro lado, e o quanto a experiência social e as mas isso é fundamental para que na
2ª e 3ª série eles possam pensar por
diferentemente da escola particular, perspectivas de vida dos alunos
si próprios. “O pensar não ‘eu acho’,
quando questionados diretamente se impactam na própria relação que
mas o pensar baseado em algo que já
lembravam conceitos aprendidos na eles estabelecem com a Sociolo- foi construído” (Professora Ângela).
aula de Sociologia, os alunos tinham gia. Na escola privada, ouvi falas
dificuldade de mencionar algum. que associavam a importância da O primeiro ano é uma preparação
Sociologia com o desenvolvimento mesmo para eles terem base so-
Refletindo sobre a da capacidade de argumentar bem, ciológica, entender por que aquele
especificidade da de expor as ideias, o que seria um sociólogo pensou aquilo, porque
surgiu a Sociologia, o histórico da
Sociologia “diferencial no mercado de trabalho
Sociologia [...]. E quando eles che-
competitivo”. Na escola pública,
gam no segundo ano, eles adoram,
Por mais que as duas professoras onde muitos alunos já estão inseridos aí o debate é um momento que eles
possuam dinâmicas distintas para a no mundo do trabalho, a Sociologia gostam [...] que eles botam realmente
condução das aulas de Sociologia, foi reconhecida como um saber que suas ideias, eles estão mais prepara-
tanto os estudantes da escola pública auxilia a se relacionar bem com o dos (Professora Carla).
quanto os da escola privada manifes- chefe e com os colegas de trabalho.
taram entendimentos semelhantes a A Sociologia ajuda a ter o “jogo de Nesse sentido, o relato de am-
respeito da Sociologia. Quando per- cintura” necessário às relações de bas as professoras, juntamente à
guntados acerca do que diferencia trabalho, muitas vezes tensas (como perspectiva dos estudantes, pode 343
as aulas de Sociologia das demais as relatadas por um aluno que traba- indicar que, apesar das diferenças
disciplinas da escola, foi comum a lha com telemarketing, no setor de socioculturais, de trajetórias e de

volume 19, número 3, setembro • dezembro 2015


Graziele Ramos Schweig

contextos institucionais, é possível saber acerca da Sociologia no Ensino dimento e da aventura dos nativos nos
delinear algumas continuidades e Médio. A perspectiva antropológica arquipélagos da Nova Guiné melanésia.
3ª ed., São Paulo, Abril Cultural, 432 p.
construção de identidades no ensino desestabiliza pressupostos acerca
MORAES, A.C. 2011. Ensino de Sociologia:
da Sociologia nas escolas. de quais são os agentes autorizados
periodização e campanha pela obriga-
a produzir conhecimento em nome toriedade. Cadernos Cedes, Campinas,
Considerações finais da ciência Sociologia, ao mostrar a 31(85):359-382.
pluralidade, a riqueza e as potencia- MORAES, A.C.; GUIMARÃES E.F. 2010.
Os dados etnográficos aqui apre- lidades daquilo que se faz em nome Metodologia de ensino de Ciências
sentados indicam que os sentidos da Sociologia na vida cotidiana esco- Sociais: relendo as OCEM-Sociologia.
e as experiências da Sociologia no lar. Assim, espera-se que a reflexão In: A.C. MORAES (org.), Sociologia:
Ensino Médio escapam, em muito, ensino médio. 1ª ed., Brasília, MEC/
apresentada aqui possa ser extrapo-
SEB, p. 45-62.
ao que está previsto nos documentos lada para se pensar outras ciências OLIVEIRA, P.S. de. 2008. Introdução à So-
oficiais e nos livros didáticos, bem e suas relações entre comunidades ciologia. São Paulo, Editora Ática, 320 p.
como nos discursos acadêmicos. disciplinares e práticas escolares, PEREIRA, L.H. 2009. Por uma Sociologia
Estas experiências são múltiplas, contribuindo para a compreensão da da Sociologia no Ensino Médio. In:
podendo passar pela afirmação do Escola Básica brasileira a partir do Congresso Brasileiro de Sociologia, 14,
caráter científico da disciplina, pela aporte da Antropologia da Ciência. Rio de Janeiro, 2009. Anais... Salvador,
mobilização política na escola atra- SBS, p. 1-21.
vés da ativação do Grêmio Estudan- SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCA-
Referências ÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE
til, pela apropriação do vocabulário
DO SUL (SEDUC/RS). 2011. Proposta
da Sociologia para utilizá-lo na reda- BOURDIEU, P.; CHAMBOREDON, J.-C.;
Pedagógica para o Ensino Médio Politéc-
ção do vestibular, pela aprendizagem PASSERON, J.-C. 2007. A profissão de
nico e Educação Profissional Integrada ao
de um senso de respeito no ambiente sociólogo: preliminares epistemológicas.
Ensino Médio (2011–2014). Disponível
6ª ed., Petrópolis, Vozes, 328 p.
de trabalho, pela capacidade de em: http://www.educacao.rs.gov.br/da-
FONSECA, C.; ROHDEN, F.; MACHADO,
articulação de conceitos elaborados dos/ens_med_proposta.pdf. Acesso em:
P.S. (orgs.). 2012. Ciências na vida:
por autores acadêmicos, pelo reco- 05/08/2014.
Antropologia da Ciência em perspectiva.
nhecimento de que existem direitos SILVA, I.F.A. 2005. Imaginação sociológica:
São Paulo, Terceiro Nome, 312 p.
desenvolvendo o raciocínio sociológico
a serem conquistados. Nesse sentido, FONSECA, C.; SÁ, G. 2011. Apresen-
nas aulas com jovens e adolescentes.
por meio da perspectiva etnográfica t a ç ã o . H o r i z o n t e s A n t ro p o l ó g i -
In: Simpósio Estadual de Sociologia,
aqui apresentada, buscou-se atentar cos, 17(35):17-23.
Curitiba, 2005. Anais... Curitiba, SES.
especialmente para a “agência”, GOODSON, I.A. 1995. The making of curric-
Disponível em: http://www.uel.br/grupo-
ulum: collected essays. 2ª ed., Washington
especialmente dos professores e estudo/gaes/pages/arquivos/Ileizi%20
DC, The Falmer Press, 217 p.
dos alunos, no que diz respeito à IRWIN, A.; WYNNE, B. (eds.). 1996.
MINI%20CURSO%20A%20Imagina-
produção do saber sociológico no cao%20Sociologica.doc. Acesso em:
Misunderstanding science? The public
05/08/2014.
Ensino Médio. reconstruction of science and technol-
TOMAZI, N.D. 2010. Sociologia para o
Ao apresentar elementos obser- ogy. Cambridge, Cambridge University
Ensino Médio. 2ª ed., São Paulo, Saraiva,
vados em campo, este artigo teve Press, 232 p. http://dx.doi.org/10.1017/
256 p.
por objetivo aproximar o debate CBO9780511563737
VIÑAO, A. 2008. A história das disciplinas
sobre o ensino de Sociologia, e JASANOFF, S. 2004. States of knowledge:
escolares. Revista Brasileira de História
the co-production of science and social
acerca da própria Escola Básica, de da Educação, 8(3/18):173-215.
order. New York, Routledge, p. 352. http://
alguns pressupostos da tradição da dx.doi.org/10.4324/9780203413845
Antropologia da Ciência. A proposta Submetido: 12/08/2014
KNORR-CETINA, K. 1999. Epistemic cul-
Aceito: 14/06/2015
de descentramento da perspectiva tures: how the sciences make knowledge.
normativa sobre o ensino, além de Cambridge, Harvard University Press,
ampliar a visão sobre as potenciali- 352 p.
dades em termos de experiências dos LATOUR, B. 1994. Jamais fomos modernos.
saberes ditos científicos na escola, Rio de Janeiro, Editora 34, 150 p.
LATOUR, B.; WOOLGAR, S. 1997. A vida Graziele Ramos Schweig
também se configura como uma for-
de laboratório: a produção dos fatos Universidade Federal do Rio Grande
ma de “vigilância epistemológica”
344 (Bourdieu et al., 2007), já que pro-
científicos. Rio de Janeiro, Relume Du-
mará, 310 p.
do Sul
Instituto de Psicologia. Rua Ramiro
Barcelos, 2600
põe um questionamento acerca das MALINOWSKI, B. 1984. Argonautas do 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil
próprias condições de produção do Pacífico Ocidental: um relato do empreen-

Educação Unisinos

Vous aimerez peut-être aussi