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BRUNA COUTO ROCHA

A CONSTRUÇÃO DO LEITOR-MODELO EM REVISTAS BRASILEIRAS


NO AMBIENTE DA MEDIATIZAÇÃO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE TRIP E TPM

Projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação em


Comunicação e Cultura Contemporâneas para o curso de Mestrado,
na linha de pesquisa Análise de Produtos e Linguagens da Cultura
Mediática, da Universidade Federal da Bahia.

Salvador

2017

1
RESUMO

O presente projeto pretende analisar como uma revista masculina e uma revista feminina –
TRIP e TPM – publicações mensais oriundas de uma mesma editora (TRIP), se dirigem aos
seus respectivos públicos e constroem os sentidos acerca da masculinidade e feminilidade, a
partir da relação contratual entre enunciadores e co-enunciadores, no ambiente da
mediatização. Para tanto, trabalharemos com os conceitos teórico-metodológicos de contrato
de leitura (VERÓN, 2004) e leitor-modelo (ECO, 2012) para examinar as estratégias
discursivas das revista, o que as aproxima e o que as distancia do ponto de vista da
enunciação, levando em consideração a evolução sócio-cultural da Comunicação em sua
relação com a mediatização. Compreendemos que os meios de comunicação adaptam seu
comportamento e seus posicionamentos discursivos conforme o surgimento de novas
tecnologias e plataformas. A recepção é uma instância cada dia mais ativa e o processo de
atualização dos sentidos dos textos mediáticos é cada dia mais colaborativo, com o avanço
do acesso à internet de banda larga e equipamentos portáteis de comunicação. A expansão do
mercado midiático e das condições de interatividade no ambiente digital, impõem desafios
cotidianos para os meios tradicionais para manutenção da fidelidade de seu público e
permanência no mercado. Além disso, o congestionamento de informações, a diluição das
fronteiras entre público e privado, o dinamismo na construção de identidades na sociedade
globalizada, são questões a serem assimiladas pelos meios de comunicação, que funcionam
como agenciadores de comportamentos e sociabilidades, ao passo que por elas também vão
sendo moldados, a partir dos atos de linguagem que cristalizam as formas culturais. As
transformações tecnodiscursivas vêm influenciando o posicionamento discursivo das
revistas brasileiras e tensionado o próprio status quo do Jornalismo enquanto prática social e
campo profissional, atualizando permanentemente os critérios de noticiabilidade. A
tendência descentralizadora da circulação de informações é uma dimensão importante para
identificar os mecanismos de interpelação dos leitores por parte dos meios físicos. A
estrutura discursiva dos suportes físicos vêm sendo alterada de acordo com as linguagens e
estéticas propiciadas pelas afetações tecnossociais provocadas pela mediatização. Investigar
como se engendram as operações enunciativas nos discursos sociais presentes nas revistas é
um caminho para compreender as relações entre a discursividade dos meios de comunicação
e as práticas sociais de seus leitores e leitoras.

Palavras-chave: contrato de leitura; leitor-modelo; atos de linguagem; afetações


tecnossociais; discursividade; operações enunciativas; enunciação; mediatização.

2
1. INTRODUÇÃO

Com o advento da industrialização e o surgimento de novos meios de comunicação,


as teorias clássicas se demonstraram insuficientes para pensar os processos comunicativos
no contexto pós-guerras e, especialmente nos Estados Unidos, onde o crescimento
econômico estava imbricado com os avanços das tecnologias da informação e consequente
aperfeiçoamento do sistema de produção, teóricos da denominada escola de Chicago, tais
como George h. Mead e Robert E. Park, empreenderam uma investigação acerca do papel da
comunicação e dos media na construção de uma Teoria Social (SUBTIL, 2015, p. 17). Estes
pesquisadores, oriundos do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de
Chicago, estavam mais interessados em compreender o fenômeno da comunicação de
massas articulado a uma perspectiva de organização e coesão social. A comunicação era
vista como um instrumento para a consolidação de um modelo político democrático. Esta
tendência, considerada utópica, logo foi substituída pela vertente pragmática, pois aquela
não dava conta de aspectos referentes ao funcionamento dos meios de comunicação de
massa, tarefa que ficou, naquele período, a cabo de investigadores como Harold D. Lasswell,
um cientista político que desenvolveu uma importante empreitada para investigar os efeitos
dos meios de comunicação de massas sob uma pesrpectiva funcionalista, com foco nos
estudos sobre o papel da propaganda na I Guerra Mundial. Outros teóricos como Paul
Lazarsfeld e Elihu Katz, também foram importantes para a superação do modelo da agulha
hipodérmica, que supunha uma perspectiva de comunicação onde a recepção era
absolutamente passiva às mensagens emitidas pelos meios (WOLF, 1999).

A noção de leitor-modelo ou leitor-ideal surge em um momento de mudança de


paradigma nos estudos da Comunicação e também da Arte, em uma época de efervescência
das tendências pós-estruturalistas na França da década de 60, e influencia o surgimento dos
estudos sobre a Recepção, cujo interesse crescente no campo da comunicação manifestou-se
na pesquisa acadêmica entre os anos 1970 e 1980 (VERÓN, 2004, p. 273). Em um
compilado de ensaios sobre o tema – Os limites da Interpretação –, Umberto Eco (2012)
desenha uma arqueologia das contribuições de diversos autores que, de alguma medida,
ajudaram a produzir uma reflexão sobre o papel da audiência, tanto nas obras de arte quanto
nos textos de literatura e comunicação. Eco e Verón apontam o pioneirismo do linguista
russo Roman Jakobson ao dizer que a emissão e recepção das mensagens não eram

3
processos da mesma natureza e que a leitura ainda era uma dimensão negligenciada pelo
Campo da Linguística. Na tradição literária, marcada pelo estruturalismo de Ferdinand
Saussure, era predominante a análise imanente do texto; ou seja, o que importava para os
estruturalistas era a pesquisa acerca das operações semânticas e sintáticas inerentes ao texto;
neste caso, se tratava do texto escrito, prioritariamente. Uma discussão sobre autor versus
narrador foi feita, em 1966, em uma perspectiva semiótico-estruturalista por Roland Barthes
em ensaios para a oitava edição revista Communications (ECO, 2012, p. 2) e outras
abordagens, que se desenvolveram posteriormente, como o texto de Michel Foucault
“Qu’est-ce-qu’um auteur?”1, evidenciavam um novo problema teórico: a ideia de autor
como “campo de coerência conceitual e unidade estilística” (ECO, 2012, p. 3) e, portanto, o
surgimento de uma compreensão mais próxima do que hoje entende-se por entidades
discursivas. Nestes termos, a noção de emissão-recepção é acrescida da noção enunciador-
destinatário (VERÓN, 2004) ou ainda enunciador-co-enunciador (FERREIRA, 2016).
Conforme se avança na compreensão da linguagem enquanto atividade humana através da
qual individualidades e coletividades se constituem mutuamente, Patrick Charaudeau (2009)
afirma que todo ato de linguagem é uma encenação. Ele propõe quatro sujeitos
comunicantes que, a partir de uma relação inter-enunciativa 2, podem produzir diferentes
resultados significantes: do lado da emissão, estão o sujeito enunciador (Eue) e o sujeito-
comunicante (Euc), e no âmbito da recepção, sujeito destinatário (TUd) e sujeito
interpretante (TUi).

A dicotomia que se segue no campo da comunicação entre os que preferiam uma


abordagem sociológica em detrimento dos aspectos significantes dos textos ou os que
privilegiavam a análise imanente dos textos, sem considerar o contexto em que são
produzidos ou consumidos, na opinião de Verón (2004), não é adequada para os estudos da
produção do sentido, sobretudo, na perspectiva da Análise do Discurso. A complexidade do
desafio da análise discursiva na sociedade contemporânea reside, justamente, na
compreensão da defasagem que há entre a produção e a recepção, e o que esta defasagem diz
sobre as operações semânticas na orientação dos discursos midiáticos que, na compreensão
da sociedade mediatizada (FERREIRA, 2016), estão completamente interligados aos modos
1
Conferência apresentada por Foucault à Société Française de Philosophie, em Fevereiro de 1969.
2
A utilização do termo inter-enunciativo serve para visualizar que no interior do processo comunicativo as
relações podem variar de acordo com os diferentes sujeitos comunicantes e isto abre precendente para que um
ato de linguagem carregue em si inúmeras possibilidades de encenação (CHARAUDEAU, 2009, p. 43)
4
de organização social. Está no centro das preocupações de Verón (2004) a pesquisa sobre a
relação que as audiências estabelecem com os meios de comunicação e, num ambiente de
grande competitividade e opções, como os veículos de comunicação conservam suas
audiências ao longo do tempo. Para tanto, Verón propõe o conceito teórico-metodológico de
Contrato de Leitura (VERÓN, 1983) para investigar o funcionamento da relação discursiva
entre os suportes de mídia e seu público. Inspirado na Teoria da Enunciação de Antoine
Culioli, Verón traz uma distinção entre Enunciado (o dito) e Enunciação (modalidades do
dizer), que é central para a superação da velha dicotomia entre forma e conteúdo.

As revistas, diferentes dos jornais, são suportes que se constituíram na relação com
seu público, sobretudo porque se desenvolveram, internacionalmente, em uma estratégia de
mercado segmentada, tendo na identificação e aproximação com o leitor um aspecto
fundamental de seu sucesso em audiência (SCALZO, 2013). Neste sentido, o discurso
jornalístico das revistas sempre teve uma marca diferencial de linguagem, pois o nível de
intimidade que se propunha estava para além dos marcos de objetividade consolidados no
Jornalismo. Para além da partilha de saberes, informações e opiniões, a relação das revistas
com seus públicos se constrói em uma perspectiva de identidade e pertencimento, a ponto de
as pessoas gostarem de “andar com elas debaixo do braço, como se fossem uma espécie de
emblema” (SCALZO, 2013). Produzidas pel Editora TRIP 3, as revistas TRIP e TPM
surgiram, respectivamente, em 1986 e 2001, com circulação mensal. Elas são apresentadas
pela Editora TRIP como revistas irmãs: uma para o público masculino e uma para o público
feminino. No vídeo de apresentação da editora, disponível no portal, Fernando Luna, diretor
editorial, sugere que o “segredo” da relação TRIP com seus clientes é sua capacidade de
“decifrar o DNA da marca, é tentar entender quais são os valores fundamentais destas
comunidades”. Já o diretor-superintendende, Carlos Sarli, afirma que a editora tem um jeito
“moderno, arrojado e diferente de ver o mundo” e isso é o que vem atraindo os clientes para
uma concepção transformadora da comunicação. A revista TRIP, que surgiu voltada para
esportes radicais (especialmente o surf) e o estilo de vida de seus praticantes, atualmente se
configura como uma revista de variedades, que aborda “da política ao sexo, da cultura de
praia às novas relações com o trabalho, da alimentação às drogas, da segurança pública ao

3
“Isso aqui não é uma editora no sentido tradicional. Isso aqui não é uma agência de propaganda. E acho que
não é uma agência de tendências (...) mas ela tem elementos de todos esse modelos antigos num modelo que eu
acho que é novo”, Paulo Lima, editor-chefe da Revista Trip e fundador da editora, no vídeo de apresentação da
editora, disponível em: http://www.tripeditora.com.br/apresentacao/
5
novo ativismo”4. Com tiragem média de 25 mil exemplares ao mês, a TRIP já foi premiada
diversas vezes, inclusive no prêmio ESSO de Jornalismo, sempre por seus atributos gráficos
e relação ao valor de criatividade. Para a editora TRIP, a revista TPM “mexeu com os
padrões da mídia feminina no Brasil” e se diferencia do restante das revistas do gênero por
seu “conteúdo inovador”. Em 2012, a revista lançou um manifesto 5 chamado “Você é livre”,
com um tom provocador e questionador do conteúdo editorial das revistas femininas e,
sobretudo, do modelo de mulher que estas revistas pregam: quem se interessava pelos temas
propostos pelas outras revistas, como um casamento perfeito ou uma boa forma para o
corpo, não precisaria de uma revista, mas “de uma ajuda profissional”. Com o mote “outra
conversa”, a revista TPM se apresenta na alteridade do que estava estabelecido como o
padrão de revistas femininas no Brasil, sugerindo valores relativos a liberdades de escolha e
uma perspectiva moderna de ser mulher como principal estratégia comercial com seu
público. Nos interessa compreender, agora, como estas propostas editoriais que se
apresentam entre o “transformador” e o “inovador” se materializam nos suportes, a partir de
quais relações contratuais com os públicos, suas semelhanças e diferenças entre si e quais
elementos, de fato, representam ou não, novidade com relação ao universo editorial do
jornalismo em revista no Brasil e no mundo.

2. OBJETIVOS

2.1. Geral:
Analisar as estratégias discursivas nas revistas TRIP e TPM, no período de 2001 a
2018, buscando identificar as variações enunciativas que aproximam ou distanciam as duas
revistas na sociedade em processos de mediatização, tomando como operadores teórico-
metodológicos os conceitos de leitor-modelo e contrato de leitura.

2.2. Específicos:
a) Identificar as mutações na comunicação, seus suportes e linguagens no ambiente da
mediatização;

4
Fonte: http://www.tripeditora.com.br/marcas-trip/
5
Versão escrita: http://revistatrip.uol.com.br/tpm/voce-e-livre / vídeo: https://www.youtube.com/watch?
v=gnzXoMLbgFE
6
b) Relacionar as investigações teórico-metodológicas em torno do campo da Análise do
Discurso, a partir dos conceitos de Contrato de Leitura, Leitor-Modelo e ato de
linguagem;
c) Compreender quais modelos de feminilidade e masculinidade se produzem na
discursividade das revistas TRIP e TPM, levando em consideração a construção do
gênero identitário a partir dos atos linguísticos;
d) Executar uma análise das relações contratuais que as revistas TRIP e TPM
estabelecem com o público, através da observação, identificação e comparação das
marcas de enunciação presentes nas superfícies discursivas das versões física e
digital das edições do Corpus selecionado, buscando compreender qual leitor-modelo
cada suporte apresenta em suas estratégias discursivas.

3. JUSTIFICATIVA
A abordagem que propõe a mediatização enquanto fenômeno histórico articulado ao
processo de desenvolvimento da sociedade humana desde o período primitivo (VERÓN,
2014) nos interessa para compreender o porquê de uma tecnologia não substituir a outra no
campo da comunicação, suas múltiplas formas de interação e coexistência. Neste sentido, a
perspectiva da Análise do Discurso é adotada para a conformação de uma cientificidade que
dê conta de compreender os processos sociais na contemporaneidade em sua relação
interdiscursiva com os meios de comunicação. O jornalismo é uma prática social e uma área
profissional que vem passando por permanentes transformações ao longo do tempo. O
jornalismo em revista carrega algumas características inerentes ao suporte e ao seu uso
social. A relação com o espaço privado, a dependência comercial com os anunciantes e a
emergência das plataformas de comunicação digital, são elementos que reconfiguram,
permanentemente, a identidade e rotinas produtivas das revistas (SCALZO, 2013, P. 14). É
fundamental aprofundar uma discussão sobre a evolução sócio-cultural dos suportes de
comunicação sob o pano de fundo das transformações e mutações sociais que ocorrem em
determinado espaço temporal. Filipa Subtil (2015) ressalta o quanto o campo dos estudos da
comunicação é marcado por divergências, não-linearidade e uma diversidade de correntes e
abordagens que, por sua vez, estão relacionadas à velocidade com que esta prática social se
modifica. A autora exemplifica a substituição dos estudos progressistas da Escola de
Chicago pelas pesquisas, com viés quantitativo da mass comunication research como um
7
fato “conjugado com um novo sistema técnico, econômico e empresarial de informação e
cultura que abrangia a imprensa de massas, a radiodifusão, o cinema e posteriormente a
televisão”. O advento da internet transformou potencialmente a relação dos públicos com os
meios de comunicação. Se antes da popularização do acesso e consumo às novas tecnologias
da comunicação e informação, e ao acesso à internet de banda larga, os meios de
comunicação, sobretudo as revistas (ALIGHIERI, 2015, P.40), já vinham investindo em uma
relação de reciprocidade mais direta com o leitor, através de canais de atendimento, e-mails
para sugestões de pauta e mesmo destinando um espaço no suporte para mensagens do
público, hoje, com o crescimento das redes sociais, esta relação é obrigatória para qualquer
veículo que pretenda se manter ativo no nercado. Plataformas virtuais, a exemplo de portais
e fanpages em sites de relacionamento populares como o Facebook e o Instagram, cumprem
cada dia mais o papel de articular a opinião do público com a produção dos meios: partilham
do mesmo ambiente tecnossocial de convivência. A informação se desloca por vários canais
e cada um desenvolve um tipo de relação contratual com seu público:

É esse dinamismo da mídia que fará com que novas operações de sentido
surjam no ambiente da midiatização6. Operações estas executadas em
função da atuação transversal da mídia, ou seja, ela não afeta mais os
indivíduos do mesmo modo, mas as afetações tecnossociais atingem toda a
sociedade e todas as interações que possam existir nela. (Aligieri, 2015, p.
45-46)

Pensar em termos de “afetações tecnossociais” é um caminho para observar os


deslocamentos ou, nos termos de Verón, a defasagem que existe entre as gramáticas de
produção e reconhecimento, para compreender como são construídos os vínculos de
fidelidade dos meios com os leitores. Se dedicar a uma investigação da leitura, enquanto
prática social através da qual os sujeitos se relacionam entre si e com as estruturas sociais,
tem a importância de apontar quais caminhos os meios de comunicação continuarão
utilizando ou não, na manutenção de seu papel social no presente e no futuro. Do mesmo
modo, nos interessa compreender quais mecanismos e operações viabilizam a construção de
estratégias discursivas que dialoguem com as expectativas forjadas em nosso tempo, tendo
em vista as novas dinâmicas que as tecnologias da comunicação e informação promovem
nas tecnicidades, ritualidades e socialidades (BARBERO, 1997) da sociedade
contemporânea. Nos interessa a perspectiva de nova visibilidade trazida por John B.
6
Grifo nosso: alguns autores utilizam o termo midiatização, nós optamos pelo uso da grafia mediatização por
uma relação etimológica de sua origem no Latim, mas ambas significam a mesma coisa e estão inseridas numa
mesma abordagem teórico-metodológica.
8
Thompson (2008) para pensarmos o problema da noticiabilidade na diluição das fronteiras
entre o público e o privado, entre a informação e o entretenimento. Acreditamos que as
desigualdades gênero e as tensões sociais em torno das lutas pelos direitos civis das
mulheres também servirão de pano de fundo para compreendermos a relação contratual, os
conflitos e as convergências entre TRIP e TPM, a partir das estratégias discursivas e dos
sujeitos enunciativos. Pretende-se, por fim, com este projeto, aprofundar os estudos sobre
Teorias da Comunicação já em curso desde a pesquisa de iniciação científica “Da mensagem
às práticas discursivas” coordenada pelo professor doutor Giovandro Marcus Ferreira, entre
2013 e 2014, e da participação no Centro de estudos e pesquisa em Análise do Discurso.

4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

4.1. O jornalismo em revista e as mutações na Comunicação na era da


Mediatização

Para reconstruir a história do jornalismo em revista e suas configurações no ambiente


de mediatização é pertinente demarcarmos qual perspectiva de jornalismo nos interessa e
trazer elementos que caracterizam seu papel específico enquanto saber-fazer social
institucionalizado. Maurice Mouillaud (2002) compreende o jornalismo em sua dimensão de
instituição social organizadora de dispositivos de informação. O conceito de dispositivo
(MOUILLAUD, 2002, p. 34-35) vai de encontro a uma concepção dicotômica entre forma e
conteúdo. A ideia de dispositivo enquanto “lugares materiais ou imateriais nos quais se
inscrevem (necessariamente) os textos” nos ajuda a pensar o fazer jornalístico para além dos
suportes, reafirmando a relação dinâmica e interdependente entre a forma e o conteúdo, ou,
nos termos saussureanos, entre o significante e o significado. Em uma conferência sobre
Jornalismo Cívico7 na Universidade de Columbia, Nelson Traquina afirmou que, assim
como a democracia, o jornalismo está em crise. Esta crise tem a ver não apenas com a
reestruturação cada vez mais veloz do status quo do jornalista que hoje concorre com a
produção e circulação descentralizada da informação através das novas tecnologias, mas
com a atualização dos formatos, valores e estéticas que acompanham estas transformações
técnicas (RUBLESCKI, 2010). A evolução sócio-histórica da prática cultural do jornalismo
7
Publicada no livro Jornalismo Cívico, organizado por Mário Mesquita, a conferência também está disponível
no portal da Universidade de Coimbra, podendo ser acessada através do link: https://digitalis-
dsp.uc.pt/jspui/bitstream/10316.2/36658/1/Jornalismo%20C%C3%ADvico.pdf

9
está associada às transformações pelas quais passam suas matérias-primas: a informação e o
acontecimento, e seus modos de produzi-las.

A invenção da informação transformou os textos, pelo menos o texto do


jornal francês no final do século XIX. A escrita literária e política, que nele
era dominante, exigia textos longos que impunham aos jornais páginas
cinzas e monótonas. A escritura dos fatos fragmentou o discurso da
imprensa em sequências curtas e heterogêneas cuja unidade não provém
mais da ordem interna do discurso, mas da ordem externa da diagramação.
(MOUILLAUD, 2002, p.32)

Perceber como a “invenção da informação” e sua transformação em notícia,


enquanto produto principal do jornalismo, a partir da leitura de Mouillaud de “escritura dos
fatos”, é uma pista para pensarmos o quanto as formas de veicular e os trajetos de circulação
desta informação pode reinventá-la, bem como foi feito no século XIX no jornal francês. O
próprio jornalismo em revista nasce com características diferentes do jornalismo em jornal, a
partir da relação já apontada entre o texto o dispositivo. A primeira revista que consta na
história data de 1663, na Alemanha, e tinha um formato muito parecido com um livro e o
que a diferenciava deste gênero, era substancialmente sua periodicidade e seu recorte
segmentado por temas (SCALZO, 2011). Do ponto de vista da informação, estes periódicos
(que na época não se intitulavam revistas) tinham a missão de “aprofundar os assuntos mais
que os jornais, menos que os livros”. Em 1731, na Inglaterra, surgiria a primeira revista mais
próxima do formato atual, cujo nome – The Gentleman’s Magazine – inspira a criação de
outras revistas em francês e inglês (IBDEM, 2011, p. 20). A estratégia comercial de
segmentação por público e temas específicos sempre foi uma marca diferencial das revistas,
para além de sua periodicidade, geralmente semanais e mensais. A primeira revista semanal
de notícias, em 1923, nos Estados Unidos – Time – surge de uma “necessidade de informar
com concisão em um mundo já congestionado de informações impressas” (IBDEM, 2011,
p.22) e inaugura uma perspectiva de “resumo semanal” mais aprofundado das notícias
veiculadas nos jornais diários. A ideia de temporalidade e a lógica do imediatismo da notícia
jornalística são substituídas pela valorização de uma apuração menos factual e mais
aprofundada dos acontecimentos. É importante destacar a noção de Mouillaud de
acontecimento, enquanto um recorte da realidade “posto em evidência” a partir do olhar do
jornalista, de acordo com uma ética profissional, bem como a informação “é o que é possível
e o que é legítimo mostrar, mas também o que devemos saber, o que está marcado para ser
percebido” (MOUILLAUD, 2002, p.38) de acordo com o horizonte de expectativas dos

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leitores, visto que a comunicação só se realiza no interior de um campo semântico de saberes
e valores compartilhados (ECO, 2012). Time foi precursora de um formato que ganhou
ressonância internacional, inspirando o surgimento de similares como a Veja, revista de
maior tiragem no Brasil, com uma média de um milhão e duzentas mil exemplares vendidos
semanalmente, de acordo com o Instituto de Verificação de Circulação8

O advento da fotografia também foi um divisor de águas na construção do jornalismo


em revista. Em 1936, o lançamento da revista Life nos Estados Unidos marca o surgimento
de uma nova tendência a ser copiada por todo o mundo: a reportagem fotográfica. Mais uma
vez, o avanço de uma nova técnica de comunicação – a fotografia – traz implicações no
modus operandi do fazer noticioso, sobretudo nas revistas. Este modelo foi sucesso em todos
os países no período pós-industrial e no Brasil se materializou nas revistas Manchete e O
Cruzeiro, que, além de terem uma inédita relevância comercial, do ponto de vista da
circulação, também inauguraram uma nova relação contratual com seu público, a partir dos
aspectos “gráficos e fotográficos”, consolidando o formato de revista ilustrada no país.

Partindo das contribuições de Marshall McLuhan, Canavilhas (2011) afirma que a


internet abriu novas possibilidades para o fazer jornalístico e aponta uma diferença entre o
jornalismo online, aquele que seria uma mera adaptação dos jornalismos pré-existentes
(escrito, radiofônico e televisivo) para o ambiente da internet, e o webjornalismo, que
implicaria uma nova forma de jornalismo a partir das interações possibilitadas pela WEB.
Entende-se que a interatividade é a principal característica do novo suporte e imprime o
desafio da produção de novas gramáticas de produção e reconhecimento, a partir de uma
transformação espaço-temporal fundamental tanto nas rotinas produtivas quanto nos hábitos
de leitura, o que tem implicações sobre o próprio status e capacidade de alcance da notícia,
ou da webnotícia.

No webjornalismo a notícia deve ser encarada como o princípio de algo e


não um fim em si própria. Deve funcionar apenas como o "tiro de
partida"para uma discussão com os leitores. Para além da introdução de
diferentes pontos de vista enriquecer a notícia, um maior número de
comentários corresponde a um maior número de visitas, o que é apreciado
pelos leitores. (CANAVILHAS, 2001, p. 2-3)

8
Fonte: https://www.poder360.com.br/midia/jornais-e-revistas-continuam-avancando-em-2017-com-suas-
edicoes-digitais/
11
Estas considerações remetem, novamente, ao conceito de dispositivo, pois apontam
para uma inquestionável mutabilidade das linguagens de acordo com os suportes. Nossos
objetos de pesquisa, as revistas TRIP e TPM, têm uma experiência consolidada na formato
multimídia e um olhar sobre seus suportes virtuais, como os portais das revistas, as páginas
nas redes sociais e a TRIP TV (canal virtual de televisão da editora TRIP) será fundamental
para investigarmos sobretudo as condições de produção das revista.

4.2 Entre o Contrato de Leitura e o Leitor Modelo: as gramáticas de produção e


reconhecimento no discurso jornalístico das revistas

A emergência do discurso como objeto de análise promove algumas rupturas em


paradigmas até então sustentados pela lingüística, por exemplo, a destruição da fronteira
entre sintaxe e semântica, entre forma e conteúdo (VERÓN, 2004). Outra questão
importante é o papel desempenhado pelos sujeitos discursivos no texto, a partir do conceito
de Enunciação: aqui a emissão e a recepção enquanto sujeitos comunicantes não são mais
suficientes para compreender a relação implícita no texto, e por isso, a adoção de uma
perspectiva sobre entidades discursivas se mostra muito mais eficaz para a análise do
discurso midiático. Neste sentido, enunciador e co-enunciador são entidades discursivas
presentes no texto que determinam as gramáticas de produção e reconhecimento dos
discursos. Para Verón (2004), a análise do discurso é, invariavelmente, intertextual, pois a
produção do sentido de determinado discurso depende de um conjunto de outros discursos
que se relacionam entre si de maneira interdiscursiva; todo discurso é, portanto, um “lugar
de manifestação de uma multiplicidade de sistemas de condições, uma rede de
interferências”. A diferenciação entre enunciado, enquanto aquilo que é da natureza do dito,
e enunciação, enquanto aquilo que diz respeito às modalidades de dizer (VERÓN, 1983),
também é uma premissa importante para a compreensão teórico-metodológica do contrato
de leitura.

A relevância do conceito de contrato de leitura está ligada à importância que a


recepção passou a ter nos estudos de comunicação após a década de 70, e faz parte de um
esforço de propor uma metodologia adequada para análise das operações significantes
presentes nos textos e o que elas diziam de sua produção, mas também de sua recepção.
Verón apontava a leitura como uma prática social invisível, sugerindo que a Lingüística,
preocupada com as características imanentes do texto, negligenciava a ato da leitura,
12
enquanto a Sociologia se preocupava com a análise etnográfica dos leitores, mas não na
relação que eles estabeleciam com o processo de produção de sentido dos textos (VERÓN,
1985). É neste “vazio” teórico que ele propõe o contrato de leitura como “um novo método
para os estudos do posicionamento dos suportes dos media” 9, que consiste em uma tarefa
semiológica de análise dos textos dos discursos e também de entrevistas semi-dirigidas em
grupos. Aqui, nos ateremos à análise dos contratos de leitura implícitos nos textos do corpus
escolhido para a pesquisa.

Algumas perguntas motivam o interesse de Verón pelo contrato de leitura, como: por
que dois suportes parecidos, dirigidos ao mesmo público, podem ter repercussões distintas e
mesmo uma grande diferença no alcance e na permanência no mercado? Ou ainda: por que
pessoas com um mesmo perfil se interessam por diferentes suportes? O autor sustenta que de
nada vale um conhecimento profundo sobre o texto ou sobre o perfil sociodemográfico dos
leitores se não se compreende a relação que se estabelece entre eles no momento da leitura.
Como se vê, a reflexão acerca do contrato de leitura precede de uma comparação entre
diferentes veículos de comunicação e de uma análise da relação destes veículos com seus
leitores em determinado espaço de tempo, pois é preciso buscar as invariantes, ou seja,
características que persistem no texto de determinado suporte ao longo de suas edições. O
método comparativo parte do pressuposto da interdiscursividade:

Se a análise dos discursos é uma análise de diferenças, é porque os


discursos sociais são sempre produzidos (e recebidos) dentro de uma rede
extremamente complexa de indeterminação. A noção de relações
interdiscursivas é essencial em todos os níveis do sistema produtivo do
sentido. (VERÓN, 2004, p.69)

É através dos desvios interdiscursivos que é possível identificar os traços das


condições de produção e reconhecimento do texto, ou seja, só é possível perceber as
invariantes de um discurso, comparando-o com outro. A relação interdiscursiva também
pode ser apreendida sobre a perspectiva da semiose infinita, tal como a designou Charles
Sanders Peirce (VERÓN, 2004, p. 72): uma compreensão da relação de interdependência e
coexistência dos signos. Sob a concepção peirceana do signo triádico, Verón propõe um
paralelo com os termos da análise do contrato de leitura, onde o objeto corresponderia às
representações, o signo ao discurso e o interpretante às operações. O conceito de operação é
9
Tradução nossa do título original, em francês: L'analyse du contrat de lecture : une nouvelle méthode pour lês
études de posicionament des supports presse. Versão em espanhol disponível em
http://www.catedras.fsoc.uba.ar/delcoto/textos/veron_eliseo_analisis_del_contrato_de_lectura.pdf
13
importado de Culioli (IBDEM, 2004, p. 65), para denominar os mecanismos subjacentes
através dos quais se constroem as marcas presentes na superfície discursiva que remetem às
condições de produção do discurso. Através das operações, é possível identificar a posição
do enunciador e a posição que o enunciador propõe ao co-enunciador. Quando Mouillaud diz
que “a produção do sentido começa com a diagramação”, nos remete ao que Verón apontou
como “dimensões fundamentais de cada contrato” a ser levadas em consideração quando da
análise dos dispositivos de enunciação. São algumas delas as capas, o estilo de paginação, a
articulação imagem/texto e elementos de enquadramento como os títulos e subtítulos.

Ao falar de leitor-modelo, Umberto Eco parte da premissa de que todo texto é


incompleto, forjado no bojo de um conjunto de elementos não-ditos, e pressupõe um
destinatário, mesmo que não seja empírico, para a atualização do sentido (ECO, 1993, p.73-
74). Compreendendo que emissão e recepção não são processos da mesma natureza, a
cooperação interpretativa é um desafio para a prática comunicante e mesmo para a prática
significante; um desafio que extrapola os limites do código linguístico e depende de outras
variantes circunstanciais relacionadas à cultura compartilhada entre os sujeitos da
comunicação (IBDEM, 1993, p.77). Quando o autor afirma que “generar un texto significa
aplicar una estrategia que incluye las previsiones de los movimientos del otro” 10, quer
dizer que a interpretação é parte indissociável do movimento de construção do sentido. É
neste caminho que se conforma o contrato de leitura e a partir desta premissa que
analisaremos a relação que as revistas TRIP e TPM propõem com seus públicos, através das
estratégias enunciativas. Cabe destacar que o enunciador não apenas pressupõe a existência
de um leitor-modelo para a sua mensagem, mas o institui no texto, perante alguns aspectos,
como a língua, a estética e outras “marcas distintivas de gênero”. Um conjunto de correntes
teóricas, vertentes e abordagens têm se interessado pelo campo da recepção e da
interpretação, a exemplo da sociologia da literatura ou da própria hermenêutica, mas aqui
nos localizamos no âmbito do que Eco (2012, p. 9) irá chamar de “semiótica da
interpretação”: uma metodologia de análise que nos permitirá buscar manifestações da
intentio lectoris nas estratégias discursivas que compõem a intentio operis11.

10
Tradução: gerar um texto significa aplicar uma estratégia que inclua as previsões dos movimentos do
outro.

11
Intentio operis, intentio lectoris e intentio autoris (respectivamente: intenção da obra, intenção do leitor e
intenção do autor) são conceitos que Umberto Eco introduz no livro A obra aberta, de 1989, para tratar do
caráter polissêmico das obras de arte e o papel ativo do leitor no âmbito da interpretação. Para uma
14
4.3. O masculino e o feminino em TRIP e TPM: a construção do gênero
identitário no contrato de leitura das revistas

Devemos considerar que TRIP e TPM são revistas semelhantes, denominadas como
“irmãs” pela descrição da editora TRIP, que funcionam com uma rotina produtiva
combinada, uma estética muito parecida, porém, destinadas a públicos diferentes a partir de
um marcador prioritário de gênero. No entanto, ambas revistas se colocam como veículos
que propõem novas perspectivas sobre problemáticas efervescentes na contemporaneidade,
inclusive, as desigualdades de gênero, tema que já estampou algumas vezes a capa das
edições, sobretudo da TPM. Nosso interesse é compreender como se constrói a ideia de
feminilidade e masculinidade nos contratos de leitura das revistas, quais são as rupturas e
repetições que nossos objetos apresentam em relação à divisão sexual da imprensa.

As revistas femininas surgiram no Brasil junto com a chegada do gênero revista, no


século XIX, e cumpriam uma função de atualizar as mulheres “letradas” das tendências em
moda, culinária e outros temas dedicados ao “interesse feminino” (SCALZO, 2011, p 33). A
segmentação de gênero é uma das principaismarcas comerciais do mercado editorial
brasileiro. Em 1950 e, sobretudo a partir de 1970, a entrada no mercado de trabalho e as
transformações provocadas pela industrialização consolidaram as mulheres como potencial
público consumidor e, atualmente, compõem a maioria do público leitor de revistas no
Brasil. O surgimento da revista Claudia, lançada em 1961, com um maior investimento na
produção fotográfica e mesmo na variedade de temas abordados, na opinião de Scalzo
(2011) começa a definir de forma mais clara o que virá a ser o jornalismo feminino no Brasil
e vai refletir as mudanças sociais e econômicas que vão atingindo as mulheres ao longo dos
anos. A coluna “A arte de ser mulher”, escrita pela jornalista e psicóloga Carmen da Silva a
partir de 1963, representou um marco na relação das revistas com as leitoras, pois trazia
temas relacionados aos problemas enfrentados pelas mulheres, como a solidão, o machismo,
as relações no mercado de trabalho, gerando uma relação de cumplicidade e um novo
paradigma de relacionamento do público feminino com a revista (IBDEM, 2011).

As revistas estritamente masculinas surgiram marcadas por elementos do erótico e do


sexual. No século XX, as chamadas revistas galantes foram sucesso e, com exceção do
período dos regimes militares em que foram censuradas, sempre mantiveram um público

compreensão mais aprofundada dos conceitos, ver Albuquerque e Silva (2007) e Reimer (2010).
15
cativo e hoje a principal revista neste gênero é a “Playboy” que nasceu em 1974, com o
nome “Status e Homem” (SCALZO, 2011, p 35). Outros temas gerais como política,
economia e esportes também inspiraram a criação de revistas direcionadas ao público
masculino, pois na estruturação da sociedade sexista enquanto modelo dominante das
representações sociais, um conjunto de atividades, hábitos e interesses são marcadores
arbitrários do que seria uma conduta esperada por parte dos homens ou das mulheres.
Natansohn (2003) traz uma abordagem pertinente à nossa reflexão, só que para analisar
produtos televisivos:

Assim como existe, no mundo social, uma cultura patriarcal que normatiza,
com maior ou menor êxito, uma série de prescrições, gostos, tabus,
costumes, hábitos, sensibilidades, valores e práticas culturais que
conformam duas esferas supostamente dicotômicas (porém, não
completamente excludentes e sem tensões), as esferas do feminino e do
masculino, também podemos observar, nos produtos televisivos, uma
classificação genérica que responde e dá forma a esta dicotomia.
(NATANSOHN, 2003)

A relação que a autora faz entre gênero textual (genres) e gênero identitário (gender)
para estudar a relação contratual em programas televisivos é pertinente para pensarmos as
diferenças e semelhanças entre os contratos de leitura das revistas masculinas e femininas, a
partir da discursividade. Natansohn sustenta que as construções de gênero identitário têm
impacto relevante nas formas culturais e que, por outro lado, os gêneros textuais operam na
manutenção das diferenças do gênero identitário, ainda que através de relações nem sempre
fixas e previsíveis, ou seja, um produto destinado ao público masculino por perfeitamente
ser consumido por mulheres e vice-versa. No entanto, partimos do pressuposto de que é,
substancialmente, na linguagem, seja em seu aspecto performativo ou instituinte
(NATANSOHN, 2003), que as representações de gênero identitário se cristalizam através
dos atos linguísticos.

5. METODOLOGIA

Nossa pesquisa tomará como instrumental teórico-metodológico os operadores da


Análise do Discurso, fundamentalmente os conceitos de Leitor-Modelo de Umberto Eco
(1993) e Contrato de Leitura, de Eliseo Verón (2004). Uma vez que nosso corpus é
constituído por revistas ilustradas onde a fotografia e o design gráfico são elementos fortes
na sua identidade, partiremos da noção de interdiscursividade voltando nosso olhar para as
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diversas matérias significantes (verbal, não-verbal) presentes nas estratégias enunciativas de
TRIP e TPM. Utilizaremos o método comparativo em dois sentidos: sintagmático para
analisar as invariantes que constituem o contrato de leitura em cada uma das revistas,
observando as modificações e não-modificações ao longo dos anos analisados, e
paradigmático para observar as variantes que diferenciam as relações contratuais e outras
estratégias enunciativas em ambas revistas, em cada mês analisado. . Trabalharemos ainda
com a concepção de atos de linguagem como encenação de Patrick Charaudeau, para
identificarmos as variações entre os sujeitos enunciadores, bem como entre os sujeitos
destinatários, e a partir daí, traçar os possíveis perfis dos sujeitos comunicante e
interpretante, uma vez que, identificando qual lugar o enunciador constrói para si,
poderemos supor o lugar que propõe também ao co-enunciador.

Compreendendo que nosso objeto se trata de revistas jornalísticas, nos apropriaremos


da concepção de dispositivos de Maurice Moullaud (2002) para identificarmos o que o autor
chama de “os invólucros” do sentido, do ponto de vista de veiculação de informações por
parte da revista. Para tanto, uma observação apurada de elementos fixos dos veículos estará
presente em nossa análise, a exemplo dos títulos, manchetes e editoriais. Outro aspecto
importante é que a segmentação das revistas em questão é marcada pela divisão de gênero e
isto nos impulsionará a pensar como a problemática do gênero na sociedade contemporânea
está presente nas estratégias enunciativas das revistas analisadas. Para isso, nos utilizaremos
da contribuição metodológica de articulação entre os conceitos de gênero textual e gênero
identitário proposto por Graciela Natansohn (2003), para compreendermos de que modo
tensões presentes na organização social podem se materializar nas formas culturais utilizadas
pelos meios de comunicação e vice-versa.

A partir de uma adaptação do método da “semana construída”, de Jacques Kayser,


selecionaremos um mês, dentro de cada ano, entre 2001 e 2018, seguindo uma linearidade
entre os anos e meses (1º ano: janeiro, 2º ano: fevereiro, e assim sucessivamente). Nosso
corpus é fundamentado no ano de nascimento da revista TPM (2001), em uma perspectiva
de compreender como se dá a relação com a revista TRIP desde o seu surgimento até os dias
atuais.

17
6. CRONOGRAMA DE TRABALHO:

O projeto deverá ser concluído em um prazo máximo de 24 meses, seguindo as


atividades abaixo programadas:

ATIVIDADES 2017.1 2017.2 2018.1 2018.2

Revisão Bibliográfica XXX XXX XXX

Disciplinas no PósCom XXX XXX


(obrigatórias e optativas)

Participação no CEPAD XXX XXX XXX XXX

Seleção de Corpus XXX XXX

Tratamento dos dados XXX XXX

Redação da dissertação XXX XXX

*Legenda:
XXX – Maior intensidade de dedicação
XXX – Intensidade média

REFERÊNCIAS

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ambiente da midiatização. Curitiba: Appris, 2015.

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18
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