Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Filoso&a
E há outro elemento que torna ainda mais precária a distinção entre fantasia
e realidade no estoicismo. Essas coisas que reconhecemos como belas e
sensuais, por exemplo, não o são de fato. O sensual nos é projetado de dentro
de nós mesmos por apropriação (oikeiosis). O amor não é uma coisa, uma
substância, mas a necessidade de se relacionar nos é implantada pela
natureza em nosso ser. Viver ou morrer é totalmente indiferente, mas a
vontade de se agarrar à vida nos é implantada pela natureza. E o mesmo vale
para tudo que desejamos, tememos, louvamos e desprezamos. As coisas por si
mesmas são nada e não tem valor algum (como montanhas de ouro em um
planeta distante), somos nós que dizemos o que elas são para nós e o quanto
elas valem para nós. Em suma, a realidade é, em grande parte, o que
construímos e projetamos a partir de nós mesmos. Daí o sentido do dito de
Marco Aurélio Antonino: Panta hypolepsis, tudo é opinião.
E infinitas cortinas
Em uma cena em que os dois se abraçam na chuva, Joi lhe diz ‘Estou tão feliz
por estar com você’, e K responde, ‘Você não precisa dizer isso’. Temos
experiências análogas quando alguém que não temos realmente como um
amigo, ou que tememos que não seja realmente um amigo, mas com quem
entretemos por qualquer motivo a encenação de uma relação, nos diz ‘Meu
amigo’, e isso nos fere, porque subitamente percebemos a irrealidade de
nossa realidade, que os atores da peça não são tão convincentes como seriam.
E mesmo assim seguimos adiante, porque… o show tem que continuar. Entre
o real e a fantasia que diferença há? Como nos disse Pessoa:
O poeta é um fingidor
Mas, na verdade, como K descobre ao final do filme, suas memórias não lhe
são próprias. Foram-lhe implantadas por motivos alheios à sua pessoa. Ele
era só um meio para um fim que não lhe concernia.
Caminhando pela cidade, após a destruição de Joi, ele se depara com uma
gigantesca projeção holográfica seminua de Joi, uma propaganda de trinta
metros de altura. K a observa, e o holograma percebe-o abaixo de si e, como
anúncio interativo, se dirige a ele:
“”Joi”: Alou, belo rapaz. Que dia dia hein?! Você parece solitário. Posso dar um
jeito nisso.
K tenta, ainda, buscar nos olhos do holograma a mulher que ama. Mas, claro,
não a encontrará, ela não está lá. Quebrando-se esses laços imaginários,
desfaz-se a realidade da fantasia na qual vive. Daí o sentimento de falta de
sentido e irrealidade que se experimenta ao fim de relações intensas. A cena
lembra o encontro do Pequeno Príncipe de Exupéry com as inúmeras rosas de
um jardim na Terra. O príncipe, que amava apenas uma rosa, ao se deparar
com todas aquelas rosas idênticas, lhes diz:
“Sois belas, mas vazias … Não se pode morrer por vós. Um passante qualquer sem
dúvida pensaria que a minha rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém mais
importante que todas vós, pois foi ela quem eu reguei. Foi ela quem eu pus sob a
redoma. Foi ela quem eu abriguei com o pára-vento. Foi nela que eu matei as
larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi ela quem eu escutei
queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. Já que ela é a minha
rosa” (O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry)
Compartilhe isso:
Twitter Facebook
prévio
próximo
Before Bride Said 'I Do', Her Stepdad Made An Announcement That Ruined The Wedding
BridesBlush
Posts relacionados
Por que as ideias epicuristas se adequam aos desafios da vida
secular moderna
1 mês atrás
13 min
Início
Nossa equipe
Privacy