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Faculdade de Filosofia
Maputo
2018
UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE
Faculdade de Filosofia
Maputo
2018
Declaração de Honra
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho em primeira instância a duas personalidades excepcionais, que sempre serão
parte integrante da minha vida. Aos meus pais Constâncio Alberto Langa e Avelina Azarias
Langa pelas sábias palavras que nunca permitiram a minha desistência deste longo e áspero
caminho.
Este trabalho é igualmente dedicado ao meu agregado familiar composto pelos meus manos,
desde Luís, passando por André, ao primo Célio (considerando-o irmão pela história de
convivência), até Leonel, sem se esquecer do sublime tio (Octávio), pelo apoio financeiro e
material que todos estes me prestaram durante a caminhada, reconhecendo que sem a qual não
seria possível esta ocasião.
À família que dou origem e da qual sou “chefe” especificamente à minha noiva (Adélia) e minha
filha Leona (pela compreensão das ausências resultante das longas horas de trabalho em busca da
materialização deste sonho).
Estendo esta dedicatória a todos os amigos de infância que nalguns instantes sentiram a minha
ausência nalguns encontros regulares em virtude do tempo dedicado às aulas e a leitura.
Por fim, quero dedicar este trabalho a toda família em geral. Pelo apoio moral, não se
esquecendo dos sogros por permitirem com que a sua filha abandonasse a sua casa, para cuidar
de mim (dos afazeres de casa) nos momentos de estrema devoção ao trabalho de fim de curso.
AGRADECIMENTOS
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A única forma segura de resolução de conflitos familiares e sociais é a partir da educação. Um
indivíduo mal-educado equivale a um indivíduo à margem da sociedade. Aliais, lembro-me de
uma máxima filosófica que diz “educa a criança para não lutar com o adulto”.
Gostaria de estender estes agradecimentos ao tio (Octávio), Mano Luís, André, Célio e as minhas
cunhadas (Catucha, Esmeralda e Rosália) e minhas tias sem nenhuma distinção que sempre
apoiaram quando precisei, para esta árdua batalha. Sem me esquecer do primo (Dodó), por ter
me salvado numa situação de afogamento, e que sem abnegação e com toda a paciência me
ensinou as técnicas de natação para que nunca mais tivesse que gritar por socorro. Estendo os
agradecimentos à minha prima Cármen por ter me ensinado a reconhecer dentro da filosofia
oriental, o potencial incontornável do conhecimento a partir da oferta do livro de Osho.
Não seria possível me esquecer dos colegas, que nos momentos bons e maus estiveram sempre lá
para dizer, só falta mais um pouquinho, a meta é já ali.
E como não poderia ser, deixo a última dedicação para Dr. José Blaunde por me ter orientado na
realização deste trabalho, não tendo se cansado de corrigir a redundância de erros por mim
apresentados durante a elaboração do mesmo.
Muito obrigado
RESUMO
Esta monografia pretende reflectir em torno do tema “A Dialéctica do Esclarecimento em
Adorno e Horkheimer: como proposta de superação da razão instrumental”. O mesmo surgiu da
necessidade de buscar uma maior compreensão do conceito de esclarecimento, trazido por
Adorno e Horkheimer, como fundamento para a superação da razão instrumental. O problema
levantado, procura descobrir os mecanismos que poderão conduzir a humanidade a implantar
uma teoria comunicativa, para responder aos problemas da modernidade, que conduziram o
6
homem a uma relação instrumental por meio da teoria capitalista que visava apenas a luta pelo
lucro. Neste contexto, Adorno e Horkheimer despertam a necessidade de criação de políticas de
assistência social, de modo a alcançar o bem-estar colectivo em substituição à luta frenética pelo
individualismo. De modo a alcançar os objectivos traçados, foi levantada a hipótese de que ao
optar-se pela Dialéctica do Esclarecimento, poderá ser possível criar uma educação capaz de
despertar, na humanidade, a necessidade de abandonar a razão instrumental, para uma relação
humana dialogante, que busque valores de liberdade no indivíduo, através de uma educação
comunicativa. A análise da Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer: como
mecanismo de superação da razão instrumental, constituiu o objectivo geral do trabalho, seguido
dos objectivos específicos que consistem em contextualizar o conceito de razão dentro do
contexto histórico; Explicar o conceito de esclarecimento em Adorno e Horkheimer como
mecanismo de superação da razão instrumental. Foi apoiando-se na Dialéctica do Esclarecimento
de Adorno e Horkheimer que chegamos a conclusão de que esta seria um fundamento para
estabelecer a razão comunicativa entre a humanidade de modo a estabelecer valores de liberdade
ao mesmo tempo que procura estabelecer a dignidade ao homem a partir de políticas colectivas.
7
ÍNDICE
Declaração de Honra........................................................................................................................2
DEDICATÓRIA..............................................................................................................................3
AGRADECIMENTOS....................................................................................................................3
RESUMO.........................................................................................................................................4
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................6
CAPÍTULO I: BIOBIBLIOGRAFIA DE HORKHEIMER E ADORNO, CONTEXTO E
CONCEITO DE DIALÉCTICA DO ESCLARECIMENTO..........................................................7
1 Biobibliografia de Adorno e Horkheimer ....................................................................................7
2 Contextualização da Dialéctica do Esclarecimento......................................................................7
2.1 Racionalismo moderno.............................................................................................................8
3 Conceito de Dialéctica do Esclarecimento...................................................................................8
CAPÍTULO II: ESCLARECIMENTO NUMA PERSPECTIVA DA MODERNIDADE ............10
2.1 Esclarecimento na perspectiva de Descartes: Renascimento ..................................................10
2.2 Esclarecimento na perspectiva de Kant: Iluminismo ..............................................................11
2.2.1 Menoridade em Kant.............................................................................................................11
2.3 Esclarecimento na perspectiva de Hegel..................................................................................11
2.4 Esclarecimento na perspectiva de Horkheimer e Adorno: guinada pragmática......................12
CAPÍTULO III: A DIALÉCTICA DO ESCLARECIMENTO COMO SUPERAÇÃO DA
RAZÃO INSTRUMENTAL..........................................................................................................12
3.1 Protótipo de homem moderno..................................................................................................12
3.2 Relação entre o Esclarecimento e Moral.................................................................................13
3.3 Esclarecimento como adormecimento das massas..................................................................13
3.4 Crítica de Adorno e Horkheimer à ética monológica de Kant.................................................14
3.5 Crítica de Horkheimer ao racionalismo cartesianismo............................................................15
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................16
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................17
Principal.........................................................................................................................................17
Secundária......................................................................................................................................18
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema: A Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer:
como proposta de superação da razão instrumental. É uma monografia para a obtenção parcial do
grau académico de Licenciatura em Filosofia. O mesmo enquadra-se no âmbito da ética e tem
como objectivo geral analisar A Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer como
mecanismo de superação da razão instrumental. De modo a cumprir com o objectivo geral, foram
arrolados os seguintes objectivos específicos:
Apresentar a biobibliografia de Horkheimer e Adorno, contexto e conceito de Dialéctica
do Esclarecimento;
Descrever o Esclarecimento numa perspectiva da modernidade;
Explicar a Dialéctica do Esclarecimento como superação da razão instrumental.
Para analisar o tema do presente estudo, levou-se em conta o método qualitativo que procura
compreender a natureza dos fenómenos sociais. Seguido do método dialéctico, que tem como
objectivo colocar os autores a discutirem para que se possa extrair os principais problemas e
soluções para o tema de pesquisa. E finalmente o método bibliográfico que procura colocar os
autores a discutir de modo a alcançar uma plataforma holística a volta do conhecimento.
Desta forma, Adorno e Horkheimer fazem uma análise da situação política e social logo após a
Segunda Guerra Mundial. A grande questão é: se houve uma promessa de que o esclarecimento
da razão, baseado na ideia de que (o iluminismo e toda sua tentativa de universalizar o
conhecimento) deveria levar a espécie humana para a sua maioridade. Desta maneira, Adorno e
Horkheimer procuram conhecer as razões que teriam levado o nazi-fascismo a crescer de
maneira tão forte e teria levado as massas populares a apoiarem Hitler, Mussolini, Salazar e seus
companheiros. Neste contexto, para compreender a ideia central que teria levado o autor a
pensara de tal forma, somos sugeridos o levantamento das seguintes perguntas de pesquisa.
Até que ponto pode-se considerar a Dialéctica do Esclarecimento como um instrumento
capaz de despertar um modelo de relação humana, como superação da razão
instrumental?
De que forma pode-se tornar a Dialéctica do Esclarecimento num mecanismo de
superação da razão instrumental?
A Dialéctica do Esclarecimento mostra que a barbárie, com uma roupagem de ciência e de razão,
domina as esferas da vida e não é nem mesmo percebida. Chega a ser incentivada e apoiada pelas
massas, incapazes de perceberem que o avanço científico trouxe consigo a permanente
exploração de seus corpos e de suas almas. Doravante, para poder compreender, de forma nítida,
os problemas levantados houve a necessidade de arrolar as seguintes hipóteses:
Se a Dialéctica do Esclarecimento discute o problema da superação da razão
instrumental, então ela poderá tornar-se um instrumento para despertar na humanidade a
necessidade de buscar uma razão comunicativa;
Ao optar-se pela Dialéctica do Esclarecimento, poderá ser possível criar uma educação
capaz de despertar, na humanidade a necessidade de abandonar a razão instrumental, para
uma relação humana dialogante, que busque valores de liberdade no indivíduo através de
uma educação comunicativa.
Para este estudo foram apresentados como principais ideias: a Dialéctica do Esclarecimento,
onde Theodor Adorno e Max Horkheimer abordam sobre o mito, esclarecimento e alguns traços
a respeito da formação da subjectividade do homem que se estabelece no mundo como
esclarecido. Este mito é marcado nas relações que o herói homérico estabelece com a natureza e,
em especial, com o seu corpo. Trata de uma problemática da subjectividade no mundo ocidental
do homem moderno e esclarecido, que ao invés de garantir a ideia de progresso, condicionou a
sua própria autodestruição. A imagem primitiva deste homem, é daquele que, por sua astúcia, não
só sobrevive frente às poderosas forças naturais, mas, em um processo inseparável de sua
sobrevivência, domina e controla a natureza como objecto a sua frente. Seu eu é pressuposto e ao
mesmo tempo, formado no relacionamento com as forças míticas: Ulisses é a alegoria do sujeito
esclarecido. Alegoria, porque o que está em jogo é a similitude do espírito do herói homérico
com o raciocínio lógico, porém, instrumental predominante nas sociedades europeias,
principalmente a partir da Revolução Industrial. A Dialéctica do Esclarecimento, é precedida pala
análise de Habermas, segundo a qual a Razão Instrumental, fruto do desenvolvimento da ciência
e da técnica é resultado do mundo competitivo desenvolvido a partir da revolução industrial, em
que teria conduzido os homens a uma relação estratégica e não cooperativa como era de esperar a
partir daquilo que Kant chamou de maioridade pelo uso recorrente da razão. Ao contrário de
Herbert Marcuse, Habermas considera que a ciência e a técnica ao invés de conduzir a
humanidade à ideia de liberdade, conduzir-lhes-á a uma nova prisão. Desta forma tornou-se
urgente criar uma nova plataforma de debate que pudesse ser capaz de superar o homem da razão
instrumental para uma razão comunicativa, através da apresentação de uma teoria do agir
comunicativo. Neste contexto, o Esclarecimento, seria uma nova forma de escravatura por meio
da divisão de interesses humanos pelo bem-estar. O grande problema é que o esclarecimento
levou o homem a dilacerar a Natureza, cujos efeitos colaterais caiam sobre o próprio homem
tornando-se vítima da sua evolução racional.
O capítulo I aborda o tema: Vida, Obra e Influência Recebidas. Neste capítulo, pretendemos
abordar: Vida; Obra e Influência recebidas pelo autor, assumindo que o princípio para a
interpretação do pensamento, qualquer que seja, deverá antes de mais, conhecer o trajecto por
este desencadeado. O objectivo é dar a entender o contexto que teria determinado o pensamento
de Adorno e Horkheimer, bem como o percurso por estes traçado, ao longo da construção do seu
pensamento para uma melhor interpretação sobre o contexto que lhes teria levado a pensar de tal
forma. O facto é que para podermos compreender o pensamento do autor é necessário que se
conheça o itinerário por este traçado.
O capítulo II aborda o tema: conceito de razão dentro do contexto histórico Neste capítulo,
pretendemos fazer um olhar histórico a volta do conceito de racionalidade, na perspectiva de
diversos autores, desde os clássicos da Grécia até Adorno e Horkheimer, para compreendermos
como os problemas sobre a racionalidade foram debatidos ao longo do tempo. Abordamos desde
os principais teóricos da Grécia antiga, passando pela modernidade até a contemporaneidade
com a compreensão de Adorno e Horkheimer a volta do problema da racionalidade. O objectivo
deste capítulo, é compreender as diversas mudanças que o conceito de razão sofreu ao longo da
história, na sua relação com o mundo real para compreender a luz de Adorno e Horkheimer a
necessidade de se introduzir um novo paradigma racional, que propõe o abandono da razão
instrumental.
O capítulo III aborda: A Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer como
mecanismo de superação da razão instrumental. Neste capítulo, pretendemos compreender o
pensamento de Adorno e Horkheimer, em relação aos principais elementos que compõem a
noção sobre a racionalidade. Se a racionalidade passou a ser um problema para a sociedade,
numa relação com os novos paradigmas teóricos, torna-se pertinente compreender cada passo por
estes dado até chegar à noção de dialéctica do esclarecimento, que é uma espécie de convite para
pensarmos nos novos desafios da razão dentro do avanço da ciência e da técnica. O mais
importante, para além, de conhecer o conceito propriamente dito é identificar o meio para o qual
ele foi criado, buscando compreender: qual seria a sua importância para o meio social actual.
CAPÍTULO I: BIOBIBLIOGRAFIA DE HORKHEIMER E ADORNO, CONTEXTO E
CONCEITO DE DIALÉCTICA DO ESCLARECIMENTO
Neste capítulo, pretendemos abordar: a biobibliografia e o contexto que teria influenciado o
pensamento de Adorno e Horkheimer, bem como apresentar a definição da Dialéctica do
Esclarecimento, assumindo que o princípio para a interpretação do pensamento, qualquer que
seja, deverá antes de mais, conhecer o trajecto por este desencadeado. O objectivo é dar a
entender o contexto que teria determinado o pensamento de Adorno e Horkheimer, ao longo da
construção do seu pensamento para uma melhor interpretação sobre o contexto que lhes teria
levado a pensar de tal forma.
2 De rerum natura (Sobre a natureza das coisas) é um poema didáctico, dentro do género
dos periphyseos cultivado por alguns pré-socratico gregos, escrito no século I a.C. por Tito Lucrécio Caro; dividido
em seis livros, proclama a realidade do homem num universo sem deuses e tenta libertá-lo do seu temor à morte.
Expõe a física atomista de Demócrito e a filosofia moral de Epicuro. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/De_rerum_natura, acedido em 27 de Março de 2018.
não recuse a noção de substância, ele vai aceitar apenas dois tipos de substâncias e eliminar a
maior parte do aparato conceptual medieval. Por último, Descartes recusa também a ciência
medieval, em particular, a física, que é, no essencial, uma vez mais, a de Aristóteles. Esta física
recorria a diferentes tipos de causas para explicar os objectos. Uma estátua, por exemplo, tem
uma causa formal (a forma da estátua), uma causa material (a matéria de que é feita), uma causa
eficiente (o artista), e uma causa final (o propósito ou finalidade com que é feita), que em última
instância determina o que ela é. A física de Aristóteles é, por este motivo, uma física finalista:
tudo o que acontece é explicado pelo seu propósito ou finalidade. Descartes recusa esta
explicação por intermédio de causas finais e substitui-a por uma física mecanicista, que, tal como
a física actual, aceita apenas a causa eficiente e explica os fenómenos a partir de um número
muito reduzido de leis da natureza
Progressivamente o mundo todo é forçado ao filtro da indústria cultural. Ela irá reproduzir, como
na experiência do filme, o ambiente do consumidor em sua própria propaganda para que ele se
adeque ao se sentir semelhante. É típico da experiência do espectador de cinema perceber “a rua
como um prolongamento do filme que acabou de ver” e, quanto mais habilmente a indústria
duplica os objectos, mais natural se torna a ilusão no mundo virtual do cinema ou da propaganda.
O consumidor se vê frequentemente confundindo o espaço virtual do desejo de consumo com o
espaço real de sua vida, já que muitos dos elementos são duplicados. Aquele que tentar combater
tal fenómeno perceberá que trata-se de efeito mnemónico, mas teriam sido tais memórias
naturalizadas pela indústria cultural ou apenas reflexo do processo de vida? Questão impossível
de se responder no mundo contemporâneo: a indústria é um reflexo do consumidor que é um
reflexo da indústria. Sabemos que o ovo veio primeiro que a galinha, mas na situação actual da
criação de frangos, precisamos da galinha para a existência do ovo, que é necessário à existência
da galinha. No entanto, “a racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação.
Ela é o caráter [sic] compulsivo da sociedade alienada de si mesma” (ADORNO &
HORKHEIMER; 2014:100).
Fica claro, na lógica da indústria cultural, que a idealização de um estilo autêntico é mecanismo
do esclarecimento, e futuramente será cooptado para o universo dos estilos massificados. Ainda
sim, “os grandes artistas jamais foram aqueles que encarnaram o estilo da maneira mais íntegra e
mais perfeita, mas aqueles que acolheram o estilo em sua obra como uma atitude dura contra a
expressão caótica do sofrimento” e, portanto, eles mesmos entendiam que se tentassem se ater a
um estilo, estariam caindo mais rapidamente na falácia do esclarecimento. A realidade constante
era um fracassado esforço em buscar uma identidade, que, enquanto bons artistas tentavam
prolongar, aqueles mais massificados assumiam rapidamente que haviam encontrado um e o
exploravam, tornando-o reprodução. Hoje, a indústria cultural se coloca, de maneira bem mais
intensa, no papel de posicionar estilos para serem copiados. Os autores irão, inclusive, criticar as
criações feitas em nome da cultura, pois, para eles, o ato de reunir manifestações dentro de uma
classificação de título de cultura a coloca à mercê do processo racional e, posteriormente,
daquelas maquinarias sociais que lucram com ele. “O denominador comum “cultura” já contém
virtualmente o levantamento estatístico, a catalogação, a classificação que introduz a cultura no
domínio da administração”. Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou apenas à
padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra
e a do sistema social (Ibdem:100)
A sobrevivência nesse sistema cada vez mais presente é directamente relacionada com a
flexibilidade do indivíduo ou grupo de se adaptar às subtis mudanças ao longo do tempo, subtis,
porque o modus operandi continua igual, apenas mais adornado. O espírito meritocrático é
essencial à indústria cultural: precisa-se fomentar o desejo de se tornar actor dela para que parte
da população competente a perpetue. Nesse sentido o sistema nutre-se de exemplos individuais
de sucesso e torna deles um dos temas mais frequentes, paradoxalmente, ele se acentua cada vez
mais, aumentando as discrepâncias sociais entre os bem e mau sucedidos. Quão maior se torna o
espaço entre a massa e os protagonistas, maior é o número de cadeiras que um integrante do coro
pode ocupar esse espaço existe na realidade, mas seu efeito no imaginário das pessoas é ainda
maior. Sobrevive na indústria cultural a “tendência do liberalismo a deixar caminho livre” para
os homens capazes. “No trajecto para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e
substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade” (ADORNO &
HORKHEIMER; 1947:6).
Neste conjunto de substituições, Adorno e Horkheimer consideram que as massas
“obstinadamente insistem na ideologia que as escraviza”. Um mecanismo interessante na
indústria é a recusa pelo novo. Não cabe para ela, arriscar massificar um produto cujas variáveis
ainda não foram testadas dentro de seu sistema ou forçadas a se tornarem parte dele. Dessa
forma, ela trabalha, de preferência, com a adopção lenta, gradual e segura de novas variáveis
dentro de velhos estilos. Isso também é importante para o princípio do menor trabalho ao
consumidor. Na teoria dos autores: “o poder da indústria cultural provém de sua identificação
com a necessidade produzida. A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo
tardio. Adorno e Horkheimer pretendiam a partir destas declarações, denunciar que “o que não
se submete ao critério da calculabilidade e da utilidade torna-se suspeito para o
esclarecimento” (ADORNO & HORKHEIMER; 1947:6).
Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo
em condições de enfrentá-lo”. A diversão torna-se então, importante válvula de escape do
sistema, válvula, esta, extremamente calculada; ela deve propagar, nos tempos de lazer, o desejo
comercial que impulsiona o indivíduo nos momentos de trabalho a acumular reservas
económicas para obter seus sonhos de consumo e movimentar a economia. Assim, extraímos que
as obras de diversão da indústria cultural necessitam sempre conter a capacidade de induzir o
comércio de alguma forma (o mercado, cada vez mais, se encarregará, também, de criar produtos
diversos o suficiente para se enquadrar nos padrões de consumo produzidos pela indústria). No
contexto em que o individuo vira-se apara a intenção subjectiva, Adorno e Horkheimer
consideram que “isso se deve ao facto de que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo
nos próprios mitos” (ADORNO & HORKHEIMER; 1947:6).
Mas, para os autores, a diversão também presume uma diminuição de esforço, ela deve se tornar
um ato fácil – o consumidor não deve ter dificuldade para encontrar formas de se divertir, elas
devem estar implantadas ao longo do sistema de forma a serem sempre figuradas. E, dessa
forma, as obras artísticas vão se tornando cada vez mais independentes de um esforço intelectual
do espectador para entendê-las – tudo que é massificado segue essa regra – e pior, ao adequar
uma produção artística dentro de um estilo, facilitamos que tal conexão seja traçada; tornar-se
cada vez mais difícil de pensar algo novo. “A arte sem sonho destinada ao povo realiza aquele
idealismo sonhador que ia longe demais para o idealismo crítico” (Ibdem:102).
A promessa do prazer é prorrogada indefinidamente. Ainda que não haja um finale, há de se
contentar com o processo, afinal nele se encontram uma diversidade de nomes, imagens, gatilhos
que remetem ao prazer relacionado ao desejo, sendo possível ao indivíduo ver cor em seu
quotidiano. Muitas vezes, a indústria apenas transmite essa metade do caminho, ela apenas
“excita o prazer preliminar” a partir das imagens do objecto de desejo. A visão do suéter na loja
ou do torso nu do herói cumprem esse papel que propicia o indivíduo a um masoquismo. A
indústria cultural é essencial pornográfica, ela reduz o prazer verdadeiro à sua simulação
permitida pelo desejo da mesma forma que a segunda é capaz de reduzir o amor ao romance. O
processo de reprodução em série é, sem dúvidas, chave importante nesse processo que remove o
significado do objecto, da sensação ou do ato, conforme mais reprodutível ele é. Conforme
recalcamos uma mensagem mais fácil se torna de passa-la adiante. Se falamos de um
recalcamento teórico, podemos falar de uma massa que, cada vez mais, entende o objecto e o ato
como a versão recalcada do que estes deveriam ser. É nesse sentido que o livro afirma que
oferecer-lhes algo é a mesma coisa que privá-los disso.
Uma das principais características do iluminismo era a ênfase no poder da razão. Neste contexto,
podemos colocar a ideia de crítica como um dos ideais deste tempo. Com este projecto, Kant
buscava não apenas submeter todo o conhecimento à crítica da razão, mas também confrontar a
razão à crítica para, com isso, poder determinar os seus limites. Essa postura crítica frente à
própria realidade exige que o sujeito seja o artífice do próprio conhecimento e não um ente
passivo. Esta mudança de método garante a autonomia do sujeito na construção do conhecimento
e também pode abrir caminho para uma reflexão sobre a questão de uma educação que estimule a
emancipação intelectual. Doravante, naquilo que se tratou como revolução copernicana, segundo
Kant, “a razão não percebe senão aquilo que ela mesma produz segundo o seu próprio projeto”
(Idem; 1983:11).
No pensamento Kantiano o sujeito é a autoridade, ele é um legislador. Essas considerações sobre
o sujeito como legislador do conhecimento nos reporta à necessidade de uma educação
emancipadora, capaz de tirar o homem de sua menoridade intelectual que segundo Kant, “a
preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens (...)
continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida” (Idem; 2005:115).
Em contrapartida ao pensamento apresentado por Kant, Adorno e Horkheimer apresentam uma
nova visão sobre o esclarecimento que coloca uma certa reflexão ao indivíduo. Neste caso, diante
da barbárie promovida pelo nazismo, o recurso às propriedades do intelecto passou a ser visto
com desconfiança, em vista de seus possíveis usos nefastos. Não havia mais como deixar a razão
conduzir, por si só, os destinos humanos. Além disso, a sua capacidade de conferir a autonomia
aos indivíduos passou a ser questionada. O pensamento não era mais o caminho para a
emancipação, mas um perigo a ser evitado.
Horkheimer e Adorno não negam que a razão instrumental tem, em si mesma, certa possibilidade
de emancipação. Entretanto, consideram que ela apresenta-se sob forma de uma fé ingénua nas
ciências empíricas que, ao término de tudo, quase sempre recai no mito, na barbárie e na
dominação. A razão instrumental determina um saber voltado para a técnica e a dominação da
natureza e dos homens que destrói qualquer tentativa de promover uma situação na qual os
sujeitos possam almejar a verdade. A Teoria Crítica diz que essa razão se transformou num poder
que define os homens como meros manipuladores de instrumentos e transforma as pessoas em
máquinas. Esses pressupostos se apoiam no princípio objectivista da ciência que reduz o sujeito a
mero objecto de observação e controlo. Tendo concluído tamanha barbárie da ciência e da
técnica por meio do iluminismo, Adorno e Horkheimer questionam-se, “por que a humanidade,
em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está em uma nova espécie de
barbárie? ” (ADORNO & HORKHEIMER; 1985:11).
Com o pensamento iluminista de Kant esperava-se que com a civilização científica e o triunfo do
pensamento esclarecido, levaria a sociedade a uma idade de ouro, livrando-se da barbárie própria
da vida natural. No entanto, a situação da vida humana mostra que os sonhos do iluminismo
eram apenas ilusões. Depois disso, concluiu-se que uma sociedade bem administrada o indivíduo
não pensa de forma desgovernada. Quando o indivíduo pensa sem colocar o crivo de
humanização no seu pensamento, a razão torna-se cega e isso é uma nova forma de barbárie. É
daí que Adorno e Horkheimer afirmam já se saber os perigos que este tipo de racionalidade
esclarecida representa para a humanidade. A única conclusão possível de alcançar mediante todas
as evidencias levantadas, segundo Adorno e Horkheimer é que:
Secundária
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