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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

Faculdade de Filosofia

Maria Afonso Banze

A Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer: como proposta de superação


da razão instrumental

Maputo
2018
UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE
Faculdade de Filosofia

Maria Afonso Banze

A Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer: como proposta de superação


da razão instrumental

Monografia cientifica apresentada à Faculdade de


Filosofia da Universidade Eduardo Mondlane como um
dos requisitos para a obtenção parcial do grau académico de Licenciatura
em Filosofia.

Tutor: dr: Pedro Cebola Mazi

Maputo
2018
Declaração de Honra

Eu Silvestre Joaquim Manhiça, portador do B.I. n o 100100144152J emitido pelo arquivo de


identificação civil da Cidade da Matola ao 17/12/2014 Declaro que este projecto de pesquisa
científica é da minha autoria. Todas as fontes estão devidamente citadas ao longo do texto e
constam da referência bibliografia. Declaro ainda que este projecto não foi apresentado em
nenhuma outra instituição para obtenção de grau académico.

Maputo, ao 12 de Novembro de 2017


_______________________________________
Silvestre Joaquim Manhiça

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho em primeira instância a duas personalidades excepcionais, que sempre serão
parte integrante da minha vida. Aos meus pais Constâncio Alberto Langa e Avelina Azarias
Langa pelas sábias palavras que nunca permitiram a minha desistência deste longo e áspero
caminho.
Este trabalho é igualmente dedicado ao meu agregado familiar composto pelos meus manos,
desde Luís, passando por André, ao primo Célio (considerando-o irmão pela história de
convivência), até Leonel, sem se esquecer do sublime tio (Octávio), pelo apoio financeiro e
material que todos estes me prestaram durante a caminhada, reconhecendo que sem a qual não
seria possível esta ocasião.
À família que dou origem e da qual sou “chefe” especificamente à minha noiva (Adélia) e minha
filha Leona (pela compreensão das ausências resultante das longas horas de trabalho em busca da
materialização deste sonho).
Estendo esta dedicatória a todos os amigos de infância que nalguns instantes sentiram a minha
ausência nalguns encontros regulares em virtude do tempo dedicado às aulas e a leitura.
Por fim, quero dedicar este trabalho a toda família em geral. Pelo apoio moral, não se
esquecendo dos sogros por permitirem com que a sua filha abandonasse a sua casa, para cuidar
de mim (dos afazeres de casa) nos momentos de estrema devoção ao trabalho de fim de curso.

AGRADECIMENTOS

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A única forma segura de resolução de conflitos familiares e sociais é a partir da educação. Um
indivíduo mal-educado equivale a um indivíduo à margem da sociedade. Aliais, lembro-me de
uma máxima filosófica que diz “educa a criança para não lutar com o adulto”.

Gostaria de endereçar eterna gratidão a todos os que me ajudaram na realização e consolidação


do processo de educação. Agradeço aos meus pais, Constâncio Alberto Langa e Avelina Azarias
Langa por terem insistido desde a tenra idade de que a Escola é a única forma segura de
formação da personalidade, espero então ter satisfeito este objectivo.

Gostaria de estender estes agradecimentos ao tio (Octávio), Mano Luís, André, Célio e as minhas
cunhadas (Catucha, Esmeralda e Rosália) e minhas tias sem nenhuma distinção que sempre
apoiaram quando precisei, para esta árdua batalha. Sem me esquecer do primo (Dodó), por ter
me salvado numa situação de afogamento, e que sem abnegação e com toda a paciência me
ensinou as técnicas de natação para que nunca mais tivesse que gritar por socorro. Estendo os
agradecimentos à minha prima Cármen por ter me ensinado a reconhecer dentro da filosofia
oriental, o potencial incontornável do conhecimento a partir da oferta do livro de Osho.
Não seria possível me esquecer dos colegas, que nos momentos bons e maus estiveram sempre lá
para dizer, só falta mais um pouquinho, a meta é já ali.
E como não poderia ser, deixo a última dedicação para Dr. José Blaunde por me ter orientado na
realização deste trabalho, não tendo se cansado de corrigir a redundância de erros por mim
apresentados durante a elaboração do mesmo.

Muito obrigado

RESUMO
Esta monografia pretende reflectir em torno do tema “A Dialéctica do Esclarecimento em
Adorno e Horkheimer: como proposta de superação da razão instrumental”. O mesmo surgiu da
necessidade de buscar uma maior compreensão do conceito de esclarecimento, trazido por
Adorno e Horkheimer, como fundamento para a superação da razão instrumental. O problema
levantado, procura descobrir os mecanismos que poderão conduzir a humanidade a implantar
uma teoria comunicativa, para responder aos problemas da modernidade, que conduziram o

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homem a uma relação instrumental por meio da teoria capitalista que visava apenas a luta pelo
lucro. Neste contexto, Adorno e Horkheimer despertam a necessidade de criação de políticas de
assistência social, de modo a alcançar o bem-estar colectivo em substituição à luta frenética pelo
individualismo. De modo a alcançar os objectivos traçados, foi levantada a hipótese de que ao
optar-se pela Dialéctica do Esclarecimento, poderá ser possível criar uma educação capaz de
despertar, na humanidade, a necessidade de abandonar a razão instrumental, para uma relação
humana dialogante, que busque valores de liberdade no indivíduo, através de uma educação
comunicativa. A análise da Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer: como
mecanismo de superação da razão instrumental, constituiu o objectivo geral do trabalho, seguido
dos objectivos específicos que consistem em contextualizar o conceito de razão dentro do
contexto histórico; Explicar o conceito de esclarecimento em Adorno e Horkheimer como
mecanismo de superação da razão instrumental. Foi apoiando-se na Dialéctica do Esclarecimento
de Adorno e Horkheimer que chegamos a conclusão de que esta seria um fundamento para
estabelecer a razão comunicativa entre a humanidade de modo a estabelecer valores de liberdade
ao mesmo tempo que procura estabelecer a dignidade ao homem a partir de políticas colectivas.

Palavras-chave – esclarecimento, dialéctica do esclarecimento; razão instrumental.

7
ÍNDICE

Declaração de Honra........................................................................................................................2
DEDICATÓRIA..............................................................................................................................3
AGRADECIMENTOS....................................................................................................................3
RESUMO.........................................................................................................................................4
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................6
CAPÍTULO I: BIOBIBLIOGRAFIA DE HORKHEIMER E ADORNO, CONTEXTO E
CONCEITO DE DIALÉCTICA DO ESCLARECIMENTO..........................................................7
1 Biobibliografia de Adorno e Horkheimer ....................................................................................7
2 Contextualização da Dialéctica do Esclarecimento......................................................................7
2.1 Racionalismo moderno.............................................................................................................8
3 Conceito de Dialéctica do Esclarecimento...................................................................................8
CAPÍTULO II: ESCLARECIMENTO NUMA PERSPECTIVA DA MODERNIDADE ............10
2.1 Esclarecimento na perspectiva de Descartes: Renascimento ..................................................10
2.2 Esclarecimento na perspectiva de Kant: Iluminismo ..............................................................11
2.2.1 Menoridade em Kant.............................................................................................................11
2.3 Esclarecimento na perspectiva de Hegel..................................................................................11
2.4 Esclarecimento na perspectiva de Horkheimer e Adorno: guinada pragmática......................12
CAPÍTULO III: A DIALÉCTICA DO ESCLARECIMENTO COMO SUPERAÇÃO DA
RAZÃO INSTRUMENTAL..........................................................................................................12
3.1 Protótipo de homem moderno..................................................................................................12
3.2 Relação entre o Esclarecimento e Moral.................................................................................13
3.3 Esclarecimento como adormecimento das massas..................................................................13
3.4 Crítica de Adorno e Horkheimer à ética monológica de Kant.................................................14
3.5 Crítica de Horkheimer ao racionalismo cartesianismo............................................................15
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................16
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................17
Principal.........................................................................................................................................17
Secundária......................................................................................................................................18
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema: A Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer:
como proposta de superação da razão instrumental. É uma monografia para a obtenção parcial do
grau académico de Licenciatura em Filosofia. O mesmo enquadra-se no âmbito da ética e tem
como objectivo geral analisar A Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer como
mecanismo de superação da razão instrumental. De modo a cumprir com o objectivo geral, foram
arrolados os seguintes objectivos específicos:
 Apresentar a biobibliografia de Horkheimer e Adorno, contexto e conceito de Dialéctica
do Esclarecimento;
 Descrever o Esclarecimento numa perspectiva da modernidade;
 Explicar a Dialéctica do Esclarecimento como superação da razão instrumental.
Para analisar o tema do presente estudo, levou-se em conta o método qualitativo que procura
compreender a natureza dos fenómenos sociais. Seguido do método dialéctico, que tem como
objectivo colocar os autores a discutirem para que se possa extrair os principais problemas e
soluções para o tema de pesquisa. E finalmente o método bibliográfico que procura colocar os
autores a discutir de modo a alcançar uma plataforma holística a volta do conhecimento.
Desta forma, Adorno e Horkheimer fazem uma análise da situação política e social logo após a
Segunda Guerra Mundial. A grande questão é: se houve uma promessa de que o esclarecimento
da razão, baseado na ideia de que (o iluminismo e toda sua tentativa de universalizar o
conhecimento) deveria levar a espécie humana para a sua maioridade. Desta maneira, Adorno e
Horkheimer procuram conhecer as razões que teriam levado o nazi-fascismo a crescer de
maneira tão forte e teria levado as massas populares a apoiarem Hitler, Mussolini, Salazar e seus
companheiros. Neste contexto, para compreender a ideia central que teria levado o autor a
pensara de tal forma, somos sugeridos o levantamento das seguintes perguntas de pesquisa.
 Até que ponto pode-se considerar a Dialéctica do Esclarecimento como um instrumento
capaz de despertar um modelo de relação humana, como superação da razão
instrumental?
 De que forma pode-se tornar a Dialéctica do Esclarecimento num mecanismo de
superação da razão instrumental?
A Dialéctica do Esclarecimento mostra que a barbárie, com uma roupagem de ciência e de razão,
domina as esferas da vida e não é nem mesmo percebida. Chega a ser incentivada e apoiada pelas
massas, incapazes de perceberem que o avanço científico trouxe consigo a permanente
exploração de seus corpos e de suas almas. Doravante, para poder compreender, de forma nítida,
os problemas levantados houve a necessidade de arrolar as seguintes hipóteses:
 Se a Dialéctica do Esclarecimento discute o problema da superação da razão
instrumental, então ela poderá tornar-se um instrumento para despertar na humanidade a
necessidade de buscar uma razão comunicativa;
 Ao optar-se pela Dialéctica do Esclarecimento, poderá ser possível criar uma educação
capaz de despertar, na humanidade a necessidade de abandonar a razão instrumental, para
uma relação humana dialogante, que busque valores de liberdade no indivíduo através de
uma educação comunicativa.
Para este estudo foram apresentados como principais ideias: a Dialéctica do Esclarecimento,
onde Theodor Adorno e Max Horkheimer abordam sobre o mito, esclarecimento e alguns traços
a respeito da formação da subjectividade do homem que se estabelece no mundo como
esclarecido. Este mito é marcado nas relações que o herói homérico estabelece com a natureza e,
em especial, com o seu corpo. Trata de uma problemática da subjectividade no mundo ocidental
do homem moderno e esclarecido, que ao invés de garantir a ideia de progresso, condicionou a
sua própria autodestruição. A imagem primitiva deste homem, é daquele que, por sua astúcia, não
só sobrevive frente às poderosas forças naturais, mas, em um processo inseparável de sua
sobrevivência, domina e controla a natureza como objecto a sua frente. Seu eu é pressuposto e ao
mesmo tempo, formado no relacionamento com as forças míticas: Ulisses é a alegoria do sujeito
esclarecido. Alegoria, porque o que está em jogo é a similitude do espírito do herói homérico
com o raciocínio lógico, porém, instrumental predominante nas sociedades europeias,
principalmente a partir da Revolução Industrial. A Dialéctica do Esclarecimento, é precedida pala
análise de Habermas, segundo a qual a Razão Instrumental, fruto do desenvolvimento da ciência
e da técnica é resultado do mundo competitivo desenvolvido a partir da revolução industrial, em
que teria conduzido os homens a uma relação estratégica e não cooperativa como era de esperar a
partir daquilo que Kant chamou de maioridade pelo uso recorrente da razão. Ao contrário de
Herbert Marcuse, Habermas considera que a ciência e a técnica ao invés de conduzir a
humanidade à ideia de liberdade, conduzir-lhes-á a uma nova prisão. Desta forma tornou-se
urgente criar uma nova plataforma de debate que pudesse ser capaz de superar o homem da razão
instrumental para uma razão comunicativa, através da apresentação de uma teoria do agir
comunicativo. Neste contexto, o Esclarecimento, seria uma nova forma de escravatura por meio
da divisão de interesses humanos pelo bem-estar. O grande problema é que o esclarecimento
levou o homem a dilacerar a Natureza, cujos efeitos colaterais caiam sobre o próprio homem
tornando-se vítima da sua evolução racional.
O capítulo I aborda o tema: Vida, Obra e Influência Recebidas. Neste capítulo, pretendemos
abordar: Vida; Obra e Influência recebidas pelo autor, assumindo que o princípio para a
interpretação do pensamento, qualquer que seja, deverá antes de mais, conhecer o trajecto por
este desencadeado. O objectivo é dar a entender o contexto que teria determinado o pensamento
de Adorno e Horkheimer, bem como o percurso por estes traçado, ao longo da construção do seu
pensamento para uma melhor interpretação sobre o contexto que lhes teria levado a pensar de tal
forma. O facto é que para podermos compreender o pensamento do autor é necessário que se
conheça o itinerário por este traçado.
O capítulo II aborda o tema: conceito de razão dentro do contexto histórico Neste capítulo,
pretendemos fazer um olhar histórico a volta do conceito de racionalidade, na perspectiva de
diversos autores, desde os clássicos da Grécia até Adorno e Horkheimer, para compreendermos
como os problemas sobre a racionalidade foram debatidos ao longo do tempo. Abordamos desde
os principais teóricos da Grécia antiga, passando pela modernidade até a contemporaneidade
com a compreensão de Adorno e Horkheimer a volta do problema da racionalidade. O objectivo
deste capítulo, é compreender as diversas mudanças que o conceito de razão sofreu ao longo da
história, na sua relação com o mundo real para compreender a luz de Adorno e Horkheimer a
necessidade de se introduzir um novo paradigma racional, que propõe o abandono da razão
instrumental.
O capítulo III aborda: A Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer como
mecanismo de superação da razão instrumental. Neste capítulo, pretendemos compreender o
pensamento de Adorno e Horkheimer, em relação aos principais elementos que compõem a
noção sobre a racionalidade. Se a racionalidade passou a ser um problema para a sociedade,
numa relação com os novos paradigmas teóricos, torna-se pertinente compreender cada passo por
estes dado até chegar à noção de dialéctica do esclarecimento, que é uma espécie de convite para
pensarmos nos novos desafios da razão dentro do avanço da ciência e da técnica. O mais
importante, para além, de conhecer o conceito propriamente dito é identificar o meio para o qual
ele foi criado, buscando compreender: qual seria a sua importância para o meio social actual.
CAPÍTULO I: BIOBIBLIOGRAFIA DE HORKHEIMER E ADORNO, CONTEXTO E
CONCEITO DE DIALÉCTICA DO ESCLARECIMENTO
Neste capítulo, pretendemos abordar: a biobibliografia e o contexto que teria influenciado o
pensamento de Adorno e Horkheimer, bem como apresentar a definição da Dialéctica do
Esclarecimento, assumindo que o princípio para a interpretação do pensamento, qualquer que
seja, deverá antes de mais, conhecer o trajecto por este desencadeado. O objectivo é dar a
entender o contexto que teria determinado o pensamento de Adorno e Horkheimer, ao longo da
construção do seu pensamento para uma melhor interpretação sobre o contexto que lhes teria
levado a pensar de tal forma.

1 Biobibliografia de Adorno e Horkheimer


Theodor Adorno nasceu em Frankfurt (1903 - 1969), filho de Oscar Alexander Wiesengrund e de
Maria Barbara Calvelli-Adorno, uma cantora lírica católica e italiana. Adorno Estudou música
com a sua tia (por parte de mãe), Agathe, uma pianista. Frequentou o Kaiser-Wilhelm-
Gymnasium, onde se destacou como estudante. Além disso, ainda durante a adolescência, teve
aulas particulares de composição com Bernhard Sekles, e leu, nas tardes de sábado, Immanuel
Kant com seu amigo Siegfried Kracauer, 14 anos mais velho e especialista em Sociologia do
conhecimento. Mais tarde, Adorno diria que devia mais a estas leituras do que a qualquer de seus
professores universitários. Na Universidade de Frankfurt (actual Universidade Johann Wolfgang
Goethe). Adorno estudou Filosofia, Musicologia, Psicologia e Sociologia. Completou
rapidamente os seus estudos, defendendo em 1924 sua tese sobre Edmund Husserl (A
transcendência do objecto e do noemático na fenomenologia de Husserl), orientado pelo
professor Hans Cornelius. Segundo Adorno, essa tese teria sido demasiadamente influenciada
por seu orientador. Antes do final de sua graduação, conhece já dois de seus principais parceiros
intelectuais: Max Horkheimer e Walter Benjamin.
Na linha de Adorno Max Horkheimer nasceu em 14 de fevereiro de 1895, em Stuttgart,
Alemanha. Entre 1911 e 1915 estudou no "Gymnasium de Handelslehre". Contudo, neste meio
tempo, abandonou os estudos para trabalhar junto com seu pai até 1918. Em 1919, Horkheimer
ingressou nos cursos de psicologia e filosofia, primeiramente em München, Freiburg e,
posteriormente, em Frankfurt, onde concluiu seu Doutoramento em 1922. Em 1925, estudou
filosofia também com o renomado Hans Cornelius. No ano seguinte, em 1926, casa-se com Rosa
Rieker. Nesse mesmo ano, funda o “Instituto de Pesquisas Sociais” (Escola de Frankfurt) em
parceria com Theodor Adorno. A carreira filosófica de Adorno começa em 1933 com a
publicação da sua tese sobre Kierkegaard. Em 1925, conhece pessoalmente um dos filósofos que
mais o influenciaram até então, o jovem Lukács. Crítico de Kierkegaard, Lukács decepcionará
Adorno ao renegar sua obra de juventude (A Teoria do Romance por completo, e a História e
Consciência de Classe em sua maior parte). Essas obras são os pilares do pensamento de
Adorno, que travará inúmeras polémicas com Lukács pelo que entende serem seus “desvios” de
pensamento em prol do partido. Outro filósofo que influenciara Adorno de forma crucial é Walter
Benjamin, a ponto de Adorno afirmar que, em determinado momento de sua produção filosófica,
sua intenção era apenas a de traduzir Benjamin para termos académicos.
Com o fim da Segunda Guerra, Adorno foi um dos que mais desejou o retorno ao Instituto para
Pesquisas Sociais em Frankfurt criando assim a parceria com Horkheimer. Adorno acabou se
tornando director-adjunto de Horkheimer e seu co-director em 1955, cuja parceria acaba
resultando na elaboração do livro A Dialéctica do Esclarecimento. “A Dialéctica do
Esclarecimento [grifo do autor] saiu em 1947 pela editora Querido em Amsterdão” (ADORNO
& HORKHEIMER; 1947:1)
O livro apresentado por Adorno e Horkheimer simbolizou a sua união para o debate dos assuntos
sociais da época que agitavam toda a Alemanha e o mundo inteiro. O livro foi se difundido aos
poucos e se tornou não muito tardiamene esgotado. Ao reeditá-lo agora, decorridos mais de vinte
anos, Adorno e Horkheimer não são movidos apenas pelas múltiplas solicitações, mas pela
crença de que não poucos dos pensamentos ainda são actuais e têm determinado em larga medida
os seus esforços teóricos ulteriores. “É difícil para alguém de fora fazer ideia da medida em que
somos ambos responsáveis por cada frase. Juntos ditamos largos trechos, e a tensão dos dois
temperamentos intelectuais que se juntaram na Dialéctica…” (ADORNO & HORKHEIMER;
1947:1).
Adorno e Horkheimer não se agarraram a tudo o que está dito no livro. Isso seria incompatível
com uma teoria que atribui à verdade um núcleo temporal, em vez de opô-la ao movimento
histórico como algo imutável. “O livro foi redigido num momento em que já se podia enxergar o
fim do terror nacional-socialista” (ADORNO & HORKHEIMER; 1947:1).
Adorno e Horkheimer pensaram sobre as soluções que apoquentavam a sociedade no período da
grande divisão política em dois blocos colossais, objectivamente compelidos a colidirem um com
o outro. Os conflitos no Terceiro Mundo, o crescimento renovado do totalitarismo não são meros
incidentes históricos, assim como tampouco o foi, segundo a “Dialéctica”, o fascismo em sua
época. O pensamento crítico, que não se detém nem mesmo diante do progresso, exige hoje que
se tome partido pelos últimos resíduos de liberdade, pelas tendências ainda existentes a uma
humanidade real, ainda que pareçam impotentes em face da grande marcha da história. Neste
contexto, Adorno e Horkheimer afirmam que “O desenvolvimento que diagnosticamos neste
livro em direcção à integração total está suspenso, mas não interrompido; ele ameaça se
completar através de ditaduras e guerras” (ADORNO & HORKHEIMER; 1947:1).
Após varias pesquisas na Alemanha, de onde são autóctones, Adorno e Horkheimer retornaram
aos Estados Unidos, onde o livro foi escrito, para a Alemanha, na convicção de que poderiam
fazer mais investidas do que em outro lugar, tanto teórica quanto praticamente. Juntamente com
Friedrich Pollock, a quem o livro é agora dedicado por seus 75 anos, como já o era por seus 50
anos, os autores reconstruíram o Instituto para Pesquisa Social com o pensamento de prosseguir
a concepção formulada na “Dialéctica”. Adorno e Horkheimer afirmam que “No
desenvolvimento de nossa teoria e nas experiências comuns que se seguiram, tivemos a ajuda,
no mais belo sentido, de Gretel Adorno, como já ocorrera por ocasião da primeira redacção”
(ADORNO & HORKHEIMER; 1947:2).
Adorno e Horkheimer não queriam retocar o que já tinham escrito, nem mesmo as passagens
manifestamente inadequadas. O facto é que, actualizar todo o texto teria significado nada menos
do que um novo livro. A ideia de que hoje importa mais conservar a liberdade, ampliá-la e
desdobrá-la, em vez de acelerar, ainda que indirectamente, a marcha em direcção ao mundo
administrado, é algo que também exprimimos em nossos escritos ulteriores. Contentamo-nos, no
essencial, com a correcção de erros tipográficos e coisas que tais. Semelhante reserva transforma
o livro numa documentação; temos a esperança de que seja, ao mesmo tempo, mais do que isso.

2 Contextualização da Dialéctica do Esclarecimento


O século XVIII foi marcado pala queda do sistema Monárquico Absolutista que, desde o século
XVI, reinava e que se firmava sob a Lei Divina. Para os filósofos deste século (iluministas), o
sistema absolutista, fazia do homem um ser subjugado ao uso pleno da razão, tanto que este
movimento surge com o objectivo de contestar este poder absoluto e alienante. A razão pelo
exercício do pensamento teria o papel de tirar o homem da menoridade, tornando-o autónomo,
assumindo a condição de centralidade perante o cosmos. No entender de Kant, “o eu não é,
portanto, tabula rasa [grifo do autor], mas atividade [sic]” (KANT; 2001:22).
Neste contexto de que o homem não é uma tabula rasa, o Iluminismo surge como um movimento
crítico de um modelo de sociedade que estava estabelecido e que passava por profundas crises.
As raízes desse movimento estão fixadas no período renascentista, entre os séculos XV e XVI,
quando se desencadeiam transformações profundas nos campos literário, filosófico, artístico e
científico. Esse período marca a mudança de mentalidade, pois o homem passa a tomar
consciência de suas capacidades. Para Kant, “…a experiência sensível, necessária para o
conhecimento do real, transforma-se em criação do eu, é uma certa forma de consciência”
(KANT; 2001:22).
Nessa perspectiva que Kant aponta como uma busca pela consciência, o homem passa a guiar-se
em suas acções por si próprio, sem referências externas, pondo em questão os dogmas impostos
desde a Idade Média que delineavam a compreensão de sociedade, de homem e a percepção da
realidade. Segundo Kant, “Hegel a descreve assim: A consciência de um outro, de um objeto
(sic) em geral é ela própria, necessariamente, consciênciade-si, [grifo do autor] ser-refletido em
si, consciência de si mesmo no seu ser outro” (HEGEL apud KANT; 1992:14).
Com esta expressão, Hegel pretendia trazer a tona a questão segundo a qual: a ideia do
movimento cultural era evidenciar a razão humana, pois essa seria o único guia supremo capaz
de orientar o ser humano. Dessa forma, seu desenvolvimento representaria a libertação da
ignorância e dos abusos impostos, tanto pelos dogmas religiosos, como pelas autoridades da
época. A razão passou a abrir novos caminhos e horizontes e é partir dela que surge uma nova
compreensão da realidade e uma nova visão de homem. Essa razão para Hegel so era possível a
partir do domínio dos conceitos. Segundo Hegel, “a forma concreta que o conceito a si mesmo
se dá ao realizar-se está no conhecimento do próprio conceito, o segundo momento distinto da
sua forma de puro conceito…” (HEGEL; 1997:1).
Entretanto, o Iluminismo surge na sociedade europeia, fragmentada nas diversas dimensões, em
resposta ao antigo sistema que entra em crise e que, por consequência, aspira por uma
reorganização social, uma reestruturação da sociedade. O foco desta reestruturação parece estar
centrado em superar tudo aquilo que limitasse o direito da liberdade individual. O ponto de
partida do pensamento filosófico moderno e da modernidade inicia com Descartes, propondo
uma mente autónoma do homem como fundamento, juiz e o árbitro sobre a realidade. Com o
cogito ergo sum, se firma um novo estatuto ontológico do ser em si, repensando, também, as
possibilidades antropológicas, ou seja, o critério de definir o que seja a verdade. A partir daqui,
Descartes “…mostra que a capacidade de bem julgar, e distinguir o verdadeiro do falso, que é
propriamente o que se chama o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os
homens...” (DESCARTES; 2009: 37).
Mas é com Kant que a modernidade toma ainda mais força, sobretudo na consciência de um
sujeito pensante que concebe o mundo das coisas, que os capta através de sua capacidade
cognitiva. Além disso, temos o desenvolvimento do primado da razão prática, que aponta para a
práxis humana, na preocupação do agir e do como pautar com critérios racionalmente
concebidos, a acção perante os demais humanos. Kant elegeu a razão como o espaço da
autonomia do indivíduo. “Sapere aude” emancipar-se é saber fazer uso público da razão, sem a
tutela da heteronomia. Autonomia neste momento coincide com a análise e a compreensão do
mundo, via racionalidade. A partir deste momento histórico vão surgir os vários movimentos
emancipatórios modernos, socialismo e revoluções, por exemplo, que operaram uma espécie de
hermenêutica da razão subjectiva a partir de uma segunda ilustração, a emancipação dos sujeitos
sociais e da razão prática. Ser emancipado nesta etapa, entendida como segunda ilustração, não é
só compreender o mundo racionalmente, mas transformá-lo. Neste sentido, para Kant “ O saber
não é atribuído ao espírito humano finito, como tal, mas ao pensamento absoluto ou razão e,
assim, o mundo converte-se em automanífestação do pensamento”. (KANT; 2001:22).
Diante de tudo isto, Adorno e Horkheirmer, bem como outros autores tal como Habermas
passaram a criticar o projecto de emancipação moderna que passou a enfrentar por turbulentos
questionamentos na reivindicação do posicionamento do outro nos meandros do tal
esclarecimento da razão iluminista. Habermas considera que “o método científico, que levava
sempre a uma dominação cada vez mais eficaz da natureza, proporcionou depois também os
concertos puros e os instrumentos para uma dominação cada vez mais eficiente do homem sobre
os homens, através da dominação da natureza…” (HABERMAS; 1968:49).
O projecto de emancipação moderna levou o ser humano a reconhecer os direitos humanos como
valor universal e com isso colocava o desafio de zelar pelo desenvolvimento responsável. A
partir desta nova visão cognitiva que a humanidade passou a trilhar, deu-se a crise do modelo de
racionalidade iluminista que, obviamente, leva à crise da modernidade no seu conjunto. Segundo
Adorno e Horkheimer “cada passo foi um progresso, uma etapa do esclarecimento. Mas,
enquanto as mudanças anteriores […] toda forma de devotamento que se considerava objetiva
[sic], fundamentada na coisa, dissipava-se à luz da razão esclarecida” (ADORNO &
HORKHEIMER; 1985:79).
A crise do projecto moderno, que muitos têm caracterizado como crise de civilização,
apresentou-se na crise da razão técnica ou instrumental. Doravante, infelizmente, a ciência e a
técnica, em geral, se alinharam de modo mais próximo ao poder do que à proximidade da
verdade. Por isso, começaram a entrar em plena crise, que, além de ser uma crise de paradigmas,
era uma crise ética, política e social. A Escola de Frankfurt realiza uma análise crítica acerca do
desenvolvimento da modernidade mediante o seu alcance enquanto evento demarcador da
história do desenvolvimento humano.

2.1 Racionalismo moderno


O Racionalismo é uma corrente filosófica baseada nas operações mentais para definir a
viabilidade e efectividade das proposições apresentadas. Essa corrente surgiu como doutrina no
século I antes de Cristo para enfatizar que tudo que é existente é decorrente de uma causa. Muito
tempo depois, já na Idade Moderna, os filósofos racionalistas adoptaram a matemática como
elemento para expandir a ideia de razão e a explicação da realidade. Dentre seus adeptos,
destacou-se o francês René Descartes que elaborou um método baseado na geometria e nas
regras do método cientifico. “O racionalismo, como contraponto ao empirismo, busca ser uma
interpretação a priori da realidade, prescindindo de fundamentação empírica, por entender ser
a razão pura suficiente para tal fim” (VIEIRA; 2013:163).
As ideias de Descartes influenciaram diversos outros intelectuais, como Spinoza e Leibniz. Este,
por exemplo, desenvolveu o método de cálculo infinitesimal e defendeu o Racionalismo dizendo
que algumas ideias e princípios são percebidos pelos nossos sentidos, mas não estão neles as
origens. Seus argumentos tinham grande amparo da geometria, da lógica e da aritmética. As
elaborações de Descartes também impulsionaram muito o método científico em função das
quatro regras que utilizou para elaborar seu método racionalista.
Apesar desse racionalismo sob forma instrumental, o racionalismo ganha uma nova dinâmica
com Habermas ao propor a racionalidade comunicativa. Habermas observou as consequências do
racionalismo instrumental que criou uma Alemanha dilacerada pela Segunda Guerra Mundial. O
facto é que os homens tinham chegado a tal extremo de desenvolvimento da ciência e da técnica
que não se importavam mais com o diálogo, nem mesmo com a preservação da Natureza.
Segundo Habermas, “ Weber descreveu como racional aquele processo de desencadeamento
ocorrido na Europa que, ao destruir as imagens religiosas do mundo, criou uma cultura
profana” (HABERMAS; 2000:3).
Ao instaurar-se a cultura profana, os valores como (irmandade, compaixão, fraternidade,
tolerância, etc.) passaram a estar em causa, e criou uma relativa fragmentação entre os homens.
Para além de Deus, a Natureza e os poderes fortes, a razão na Idade Moderna encontrou-se
mediada por uma luta desenfreada pela superação do outro medido pela força impiedosa de
busca pelo capital, inspirada pela teoria do mercado livre do comércio. Neste diapasão, a
construção da sociedade foi medida pela fragmentação social, por um interesse de distinção, em
contraposição a cooperatividade que era de se esperar da humanidade. Neste contexto, o modo de
vida foi modificado por um “capitalismo vivenciado pelas pessoas na condução metódica da
vida de todo o dia” (WEBER; 2004:7).
A razão comunicativa, por si só, justifica a superação da razão instrumental, (a pretensa força da
razão sob forma de esclarecimento moderno). “Os processos de entendimento mútuo visam um
acordo que depende do consentimento racionalmente motivado ao conteúdo de um
proferimento” (HABERMAS; 1989:165).
A razão comunicativa é um projecto de superação da modernidade, ao propor o extermínio de
toda ética monológica, que coloca o sujeito como o centro e o fim da teoria político-social. O
estabelecimento de princípios teóricos capazes de elaborar uma acção dialógica pressupõe a
ultrapassagem de princípios monológicos baseados no sujeito. A ética moderna, baseada na ideia
de superação (da Natureza, de Deus e do próprio homem) foi muito contestada por Habermas, ao
constatar que a superação traduz em si o problema da luta pela valorização de vontades
individualistas. Ao contrário, Habermas constata que “o acordo não pode ser imposto a outra
parte, não pode ser extorquido ao adversário por meio de manipulações…” (HABERMAS;
1989:165).

3 Conceito de Dialéctica do Esclarecimento


Em toda a perspectiva sobre o esclarecimento, Adorno e Horkheimer apontam para uma
perspectiva dos perigos do avanço tecnológico para a humanidade, do ponto de vista do seu
manuseamento. Na mesma linha de Habermas, o esclarecimento para Adorno e Horkheirmer
sugere, por si, a superação da razão instrumental fruto da modernidade. Com efeito, ao apontar
os perigosos reflexos dos avanços tecnológicos contemporâneos no campo da subjectividade, os
autores configuram aqui uma problemática que não se refere somente à actividade científica, mas
ao próprio sentido desta última em um padrão cultural que transforma o pensamento em
mercadoria e a linguagem no seu mero encarecimento. É neste sentido que segundo Adorno e
Horkheimer, “no sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem
perseguido sempre o objetivo [sic] de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de
senhores” (ADORNO & HORKHEIMER; 2014:16).
Nesse sentido, Horkheimer e Adorno procuram desconstruir a ilusão de uma modalidade de
espírito conhecedor que, partindo da crença no poder dos dados e probabilidades, acreditava
assim estar livre da superstição. Tal esforço utilitário e pragmático conduzir-nos-ia de volta à
condição que mais causaria horror à actual tecnocracia ocidental e burguesa. O grande problema
neste contexto seria a indiferenciação dos homens da técnica perante a Natureza. Eis, portanto, o
fundamento último da dialéctica que se faz presente aqui: visando o que, em uma perspectiva
positivista, poder-se-ia chamar de “progresso”, aproximar-nos-íamos de um estado natural onde a
visão de mundo revelaria os seus traços míticos supostamente arcaicos e esquecidos. Neste
contexto, “o programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua meta era
dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber” (Ibdem:16).
Ao mesmo tempo, tal pensamento mítico, desde os seus primórdios (na Odisséia de Homero, por
exemplo) já guardaria em si um germe da racionalidade que caracterizaria o actual
desencantamento do mundo. É a partir desse pressuposto que o conceito de esclarecimento passa
a ser pensado em todo o seu conteúdo autodestrutivo, caracterizado tanto pela ausência de uma
reflexão crítica acerca de si mesmo quanto por esconder o facto de que, paradoxalmente, o
progresso social viria significando uma crescente naturalização dos homens. Em outros termos, o
crescente domínio técnico e o proeminente controlo humano sobre a Natureza, ao invés de
produzirem um mundo mais justo, acentuariam o nível de desigualdade social. O grande
problema deste esclarecimento é que “o que os homens querem aprender da natureza é como
empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens” (Ibdem:17).
Pior que isso, segundo a lógica de mercado, de forma complementar, o aumento da capacidade
de consumo e a melhoria da qualidade de vida da população em termos de bens e materiais
equivaleria à venda da sua capacidade crítica. Assim, a fortuna material exigiria em contrapartida
um preço bastante alto: que neste caso seria a derrocada do espírito. Desta forma, Horkheimer e
Adorno procuram desenvolver e fundamentar a sua argumentação, dada a sua indiscutível
importância para pensarmos nos variados fenómenos da contemporaneidade, como por exemplo,
os restos do “taylorismo”1 agora revestidos sob a forma de “flexibilidade” no trabalho. Após
sentirmos o efeito dessas palavras, cabe então perguntar: de que catástrofe se trata? É nas ideias
de Francis Bacon que Horkheimer e Adorno vão buscar traçar os fundamentos da actual razão
instrumental, associada por eles à “calamidade triunfal” da sociedade burguesa contemporânea.
Neste contexto, “para Bacon, como para Lutero, o estéril prazer que o conhecimento
proporciona não passa de uma espécie de lascívia” (Idem; 2011:17).
Assim é que os frankfurtianos, ao analisarem certos aspectos da obra do empirista inglês,
evidenciam o quanto já esta última captara bem o sentido da modalidade de ciência que a
sucederia, uma vez que ambas (a filosofia de Bacon e a ciência actual) adoptam o pressuposto de
que o entendimento venceria a superstição, imperando também sobre uma natureza mais e mais
desencantada. Dessa maneira, o saber, agora eminentemente técnico, não mais conheceria
barreiras impostas nem por mitologias e nem tampouco por conceitos abstractos. Tal transição,
porém, significaria uma lastimável perda: a progressiva eliminação, pelo esclarecimento, dos
restos da sua própria qualidade autocrítica. Segundo Adorno e Horkheimer “isso se deve ao fato
de que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo nos próprios mitos” (Idem; 2014:18)

1 É o modelo de administração desenvolvido pelo engenheiro norte-americano Frederick Taylor


(1856-1915), considerado o pai da administração científica e um dos primeiros sistematizadores da disciplina
científica da administração de empresas. Acedido em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Taylorismo, 14 de Novembro de
2017.
Nessa veemente recusa em admitir a qualidade explicativa dos mitos, poder-se-ia ver aqui os
elementos de um totalitarismo a toda prova, o qual, caracterizando a componente mítica como
simples projecção antropomórfica sobre a natureza, evidenciaria o seu ideal de uma unidade
explicativa bastante redutora. Nesse discurso arbitrário de uma sociedade burguesa dominada
pelo equivalente, que tornaria a subjectividade algo irrelevante frente à adesão cega e totalitária,
o múltiplo se reduziria ao ordenado, a história ao fato e as coisas aos números, agora
canonizados. Aqui Horkheimer e Adorno expõem uma das ideias principais do seu trabalho
ligado ao facto de que estes mesmos mitos, que ora seriam vítimas das acusações do
esclarecimento, já se constituiriam em produtos deste último. Afinal, para além do simples relato,
as proposições míticas também deteriam em si mesmas um amplo carácter explicativo e,
importante, normativo, o qual, com o tempo, ter-se-ia reforçado e alcançado a forma de doutrina.
É a este último que, dado o seu carácter mediado pelas figuras do feiticeiro e/ou curandeiro,
caberia um importante papel: mostrar aos homens que a afirmação perante os deuses significaria
total submissão, remetendo-os a um reconhecimento do poder como princípio básico de todas as
relações.
Mais adiante, dando prosseguimento a esta lógica, a qual associa ao mesmo tempo, a dominação
na esfera do conceito à dominação na esfera do real e o esclarecimento ao pensamento mítico, a
dominação da natureza teria tido como repercussão imediata a identificação do sujeito com o
pensamento ordenador. Em última instância, tal movimento viria a significar a sujeição do
homem a si próprio. Assim, “o despertar do sujeito tem por preço o reconhecimento do poder
como o princípio de todas as relações” (Ibdem:20).
Do medo o homem presume estar livre quando não há nada mais de desconhecido. É isso que
determina o trajecto da desmitologização e do esclarecimento, que identifica o animado ao
inanimado, assim como o mito identifica o inanimado ao animado. O esclarecimento é a
radicalização da angústia mítica. A pura imanência do positivismo, seu derradeiro produto, nada
mais é do que um tabu, por assim dizer, universal. Neste caso, Adorno e Horkheimer sugerem
que, como o pensamento mítico, o esclarecimento agiria como uma espécie de mecanismo de
defesa narcísico ante a angústia do homem frente ao desconhecido. Portanto, seria em si mesmo
uma ilusão. Neste contexto, a busca de regularidade apareceria como a função normativa do
mito, a qual, mais tarde, seria complementada pela ciência em um processo de dominação já
iniciado nas categorias propostas pelas próprias tribos ditas primitivas. Neste contexto, a “teoria
crítica pretende ser antes de tudo denúncia [grifo do autor], realizando uma análise crítica
rigorosa da razão instrumental, na qual se confundem racionalidade dos meios técnicos e
racionalidade da dominação” (JIMENEZ; 1977:28).
Então, em uma impressionante demonstração de fidelidade argumentativa, Horkheimer e Adorno
mais uma vez retomam o princípio de O Conceito de Esclarecimento, apontando como tal
domínio científico da natureza voltar-se-ia contra o pretenso sujeito dominador, anulando
precisamente a sua qualidade pensante e o transformando em escravo dos factos. Nessa
perspectiva, toda busca do conhecimento em seu sentido social, histórico e humano seria
abandonada, pois negaria o valor do dado imediato. O número e o facto passariam a ter a última
palavra e, finalmente, a redução axiológica da ciência ao terreno do facto a conduziria ao
passado, à predeterminação e a privação do novo, da esperança. Assim, renovar-se-ia a tão
temida proximidade para com o mito. Por isso, mato considera que “só há emancipação do
indivíduo na medida em que é nele que se concentra o conflito entre a autonomia da razão e as
forças obscuras e inconscientes que invadem essa mesma razão” (MATOS; 1993:58)
Com isso, no mundo agora “esclarecido”, a mitologia teria invadido a esfera profana e a
existência seria agora preenchida com a conotação de novos demónios: os números. Neste
contexto ideológico, onde a injustiça social apareceria tomada como algo intangível, onde, além
da alienação do produto do trabalho realizado pelo corpo, o próprio espírito ver-se-ia coisificado
por um padrão de auto-conservação e assimilação de modelos de conduta previamente definidos
(e o que é pior: pelos outros), a ideia surgiria como que associada ao crime e, por isso mesmo,
seria severamente vigiada por uma ilusória superfície de colectividade, daí que, configurar-se-ia
aqui o eterno retorno a uma fatalidade conformista, pois o horror do esclarecimento aos atributos
míticos teria visado sempre a auto-conservação. Por essa razão, “ [...] a tarefa primordial da
Teoria Crítica desde sua primeira formulação na obra de Marx é a de compreender a natureza
do mercado capitalista” (NOBRE; 2004:25)
A questão é que este eu, agora tão capturado pela civilização, ver-se-ia subitamente tão ou mais
perdido e inumano do que antes. Com o pretexto de se atingir um apogeu tecnológico e
civilizatório, o prazer teria sido aprisionado pelo trabalho, cujo trabalho conduziria para a
dominação da natureza. Paradoxalmente, tal dominação da realidade, que visava o afastamento
do terror de um estado mítico primitivo e puramente natural, acabaria por conduzir a humanidade
de volta a uma condição semelhante. Com a descoberta de que o trabalho conduziria à
dominacao da Natureza, Adorno e Horkheimer denunciam que “É só com o progresso da
civilização e do esclarecimento que o eu fortalecido e a dominação consolidada transformam o
festival em simples farsa” (ADORNO & HORKHEIMER; 1947:50).
Com a difusão da economia mercantil burguesa, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol
da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie. Daí o
grande paradoxo: o progresso da técnica, pela via da divisão do trabalho, forçaria os homens a
uma regressão, já que a persistência da dominação em relação à natureza se converteria na
repressão do que ainda havia de natural (instintivo) no próprio homem, que teria a sua
capacidade de simbolizar cada vez mais diminuída. É o empobrecimento tanto do pensamento
quanto da experiência, uma vez que a separação dos dois domínios acabaria por prejudicar a
ambos. Finalmente, com a conversão das qualidades em funções, operar-se-ia a regressão do
antes humano ao mundo dos anfíbios.
CAPÍTULO II: ESCLARECIMENTO NUMA PERSPECTIVA DA MODERNIDADE
Neste capítulo, pretendemos fazer um olhar histórico sobre o desenvolvimento do
Esclarecimento, dentro da era moderna até Adorno e Horkheimer, para compreendermos como os
problemas sobre o Esclarecimento foram debatidos ao longo desse tempo. O objectivo deste
capítulo, é compreender as diversas mudanças que o conceito de Esclarecimento sofreu ao longo
da história moderna, na sua relação com o mundo real para compreender a luz de Adorno e
Horkheimer a necessidade de se introduzir um novo paradigma racional.

2.1 Esclarecimento na perspectiva de Descartes: Renascimento


Descartes é sem dúvidas o filósofo que abre os primeiros debates para uma virtude renascentista.
O interesse do Renascimento pela cultura clássica tornou acessível aos europeus o pensamento
não-aristotélico da Antiguidade. “O pensamento de Descartes tem sido, em especial neste
século, um incontornável campo de debate e controvérsia em torno dos problemas filosóficos
tradicionais e mesmo em torno daqueles que, em tempos recentes, parecem emergir como
novos” (MEIRINHOS; 1996:485).
As ideias de Platão e das principais escolas filosóficas do período helenístico — o estoicismo, o
epicurismo e o cepticismo —, que durante séculos tinham permanecido mais ou menos
esquecidas ou ignoradas, devido à enorme influência de Aristóteles sobre o pensamento
medieval, tornaram-se conhecidas e discutidas nos centros e cultos da Europa, e tiveram um
profundo impacto sobre o pensamento europeu dos séculos XVI e XVII. O mesmo aconteceu
com o pensamento de Pirro de Élis, que se tornou conhecido através das obras de Sexto Empírico
e esteve na origem do ressurgimento do cepticismo. De igual modo, as ideias de Epicuro,
apresentadas por Lucrécio, no poema Rerum Natura2, tornaram-se populares nesta época e
estiveram na base do reaparecimento de concepções mecanicistas e atomistas da matéria e do
mundo. Para Descartes, a razão ao contrário dos sentidos não engana, “pois, quer eu esteja
acordado, quer esteja dormindo, 2+3 formarão sempre o número cinco, e o quadrado nunca terá
mais do que quatro lados”. “A conclusão disso é que somente podemos ser enganados ao
compor nós mesmos de certa maneira o que acreditamos” (DESCARTES; 2012:89).
O pensamento de descartes surge (em certa medida) em discordância do pensamento medieval,
que se mostrou ausente de razão para julgar os meios e artefactos à sua volta. Em primeiro lugar,
Descartes achava as teorias dos filósofos medievais duvidosas e incertas, isto é, desprovidas de
razão, uma vez que não tinham o grau de certeza que ele considerava necessário para que fossem
conhecimento, era possível duvidar da sua verdade. A partir daqui, Descartes “…mostra que a
capacidade de bem julgar, e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se chama
o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens...” (DESCARTES; 2009: 37).
Segundo Descartes, isto seria a uma consequência da teoria do conhecimento que as suportava,
que tinha também as suas raízes no pensamento de Aristóteles, e afirmava que todo o
conhecimento tem origem na experiência. Ao contrário daquilo que pensavam os medievais,
Descartes não pensava que a experiência pudesse garantir a verdade das nossas crenças e,
portanto, julgava que a experiência não constitui uma base sólida e segura para o conhecimento.
Daí que Descartes acreditava que cada um devia usar a sua razão em busca da verdade porque
todos, na sua essência são capazes de alcança-la. “Assim meu propósito aqui não é ensinar o
método que cada um deve seguir para bem conduzir a razão, mas apenas mostrar de que
maneira procurei conduzir a minha” (DESCARTES; 2009:39).
Em segundo lugar, Descartes discordava completamente da metafísica tradicional. Como a
maioria das pessoas da época, ele aceitava as crenças essenciais do Cristianismo — a existência
de Deus e a imortalidade da alma —, mas recusava o essencial da metafísica de Aristóteles e dos
medievais, que dependia de vários tipos de causas e de um infindável número de substâncias e de
distinções conceptuais, de que Descartes não via nem a necessidade nem a utilidade. Embora

2 De rerum natura (Sobre a natureza das coisas) é um poema didáctico, dentro do género
dos periphyseos cultivado por alguns pré-socratico gregos, escrito no século I a.C. por Tito Lucrécio Caro; dividido
em seis livros, proclama a realidade do homem num universo sem deuses e tenta libertá-lo do seu temor à morte.
Expõe a física atomista de Demócrito e a filosofia moral de Epicuro. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/De_rerum_natura, acedido em 27 de Março de 2018.
não recuse a noção de substância, ele vai aceitar apenas dois tipos de substâncias e eliminar a
maior parte do aparato conceptual medieval. Por último, Descartes recusa também a ciência
medieval, em particular, a física, que é, no essencial, uma vez mais, a de Aristóteles. Esta física
recorria a diferentes tipos de causas para explicar os objectos. Uma estátua, por exemplo, tem
uma causa formal (a forma da estátua), uma causa material (a matéria de que é feita), uma causa
eficiente (o artista), e uma causa final (o propósito ou finalidade com que é feita), que em última
instância determina o que ela é. A física de Aristóteles é, por este motivo, uma física finalista:
tudo o que acontece é explicado pelo seu propósito ou finalidade. Descartes recusa esta
explicação por intermédio de causas finais e substitui-a por uma física mecanicista, que, tal como
a física actual, aceita apenas a causa eficiente e explica os fenómenos a partir de um número
muito reduzido de leis da natureza

2.2 Esclarecimento na perspectiva de Kant: Iluminismo


Kant revela a ideia iluminista segundo a qual há uma forte possibilidade de o homem seguir por
sua própria razão, sem deixar enganar pelas crenças religiosas, tradições e opiniões alheias. No
sentido concreto seria “a saída do homem de sua menoridade”, ou seja, um momento em que o
ser humano se torna consciente da força e inteligência para fundamentar a sua própria maneira de
agir, sem a doutrina ou tutela de outrem. “A intuição intelectual, conceito-limite para Kant,
significando qualquer coisa concebível, mas não acessível, adquire foros de cidadania…”
(KANT; 2001:22).
Com a expressão “Sapere aude” ou simplesmente sirva-se do seu próprio pensamento, Kant
introduz, assim, que a vida traduz-se na coragem de vencer o medo, a preguiça e a cobardia,
gerados pela difusão de preconceitos que servem de rédeas para a maioridade. Para Kant, o
homem consegue sair de uma situação de menoridade em que ele próprio se coloca através do
esforço próprio mediante a prática da consciência. Par Kant, “…a experiência sensível,
necessária para o conhecimento do real, transforma-se em criação do eu, é uma certa forma de
consciência” (KANT; 2001:22).
Vivemos num período de globalização em que as influências são muitas e com um poder
manipulador cada vez maiores, a tarefa iluminista de actuar livremente nesse bombardeio de
opiniões torna-se árdua. Se por um lado conquista-se a cada dia maior liberdade de pensar, por
outro esse processo de globalização busca limitar essa liberdade, com a imposição de padrões. É
difícil para o Iluminista pregar uma liberdade racional, num contexto em que por todos os lados a
população tem sua liberdade cerceada e é direccionada a não raciocinar, por isso poucos são os
que pensam por si.

2.2.1 Menoridade em Kant


O conceito é bem abrangente, mas aqui será delimitado á ideia Kantiana. Menoridade é a
incapacidade de se servir da razão, do entendimento sem necessitar da tutela, ajuda de outras
pessoas. Sair da menoridade é pensar com autonomia segundo a qual o homem coloca para si
mesmo o que ele é e, portanto, o que deve fazer e conhecer para ser efectivamente tal como deve
ser, ser efectivamente o que já é em potência. Kant determina a causa dessa menoridade como a
falta de decisão, de coragem do próprio sujeito. A menoridade é por culpa do próprio sujeito
minimizado que se deixa abater pela preguiça, o comodismo e a cobardia que são cada vez mais
comuns até mesmo nos dias actuais. No entender de Kant, “o eu não é, portanto, tabula rasa,
mas atividade” (KANT; 2001:22).
Revelando que Kant constrói uma ideia, mesmo cerca de 230 anos atrás, bastante actual. Essa
situação cómoda e minoritária ainda é facilitada pela existência de pessoas, tutores que se
utilizam do comodismo da maioria para lucrar cada vez mais, determinando como devem agir,
falar, comer e enfim como devem viver. Tutores como a religião, a média, as ideologias, que
fazem com que o cidadão não consiga pensar além do que lhe é apresentado. Eles limitam os
seres humanos numa ditadura estética, económica, religiosa e cultural, destinando-lhes preceitos
e fórmulas que só os aprisionam cada vez mais. Para buscar a maioridade é necessário buscar a
auto-consciência dos indivíduos. “A consciência própria está, pois, ainda bem longe de ser um
conhecimento de si próprio, não obstante todas as categorias que constituem o pensamento de
um objeto em geral pela ligação do diverso numa percepção” (KANT; 2001:186).
É valido ressaltar também que essa menoridade é um vício de longa data do qual, tornou-se
hábito e portanto de difícil reversão, mesmo que o homem consiga se desprender, o salto dado
será mínimo e a tentação ao retorno imensurável. Com base nisso é que também se pode inferir
que são pouquíssimos os que atingem a maioridade visto que para isso é necessário ultrapassar o
banal e amadurecer.
2.3 Esclarecimento na perspectiva de Hegel
Para entender a filosofia de Hegel, é conveniente situar alguns pontos básicos a partir dos quais
se desenvolve a sua reflexão. O primeiro desses pontos é o entendimento da realidade como
Espírito. Esse conceito, desenvolvido a partir da filosofia de Fichte e Schelling, é ampliado ainda
mais em Hegel. Entender a realidade como Espírito, de acordo com a filosofia de Hegel, é
entendê-la não apenas como substância, mas também como sujeito. Isso significa pensar a
realidade como processo, como movimento, e não somente como coisa (substância). Segundo
Hegel, “a forma concreta que o conceito a si mesmo se dá ao realizar-se está no conhecimento
do próprio conceito, o segundo momento distinto da sua forma de puro conceito” (HEGEL;
1997:XL).
O pensamento de Hegel é diversificado, cheio de nuances, com uma escrita difícil de ser
entendida, mas é preciso concentrarmo-nos a aquilo que é importante esclarecer. Neste caso, é
importante esclarecer que os sistemas filosóficos anteriores a este, tinham tentado estabelecer
critérios eternos para que o homem pudesse saber sobre o mundo. Isto vale para Descartes e
Spinoza, Hume e Kant. Filósofos estes que dedicaram as suas análises por aquilo que constitui a
base de todo conhecimento humano. Entretanto, para Hegel “a afirmação de que o homem não
pode conhecer o Bem, de que só o encontra em sua aparência, de que o pensamento é o
contrário da boa-vontade, tais afirmações recusam ao espírito qualquer valor intelectual ou
moral” (HEGEL; 1997:116).
Hegel não quis “moldar” a história a um esquema pré-estabelecido, podendo derivar este modelo
da própria história. Se um progressista e um conservador sentam para tratar de problemas sociais,
logo, já surgem divergências. Hegel compreende esse movimento do real, ou do Espírito que se
realiza, como um movimento que se processa em três momentos: o primeiro, do Ser em-si; o
segundo, do Ser outro ou fora-de-si; e o terceiro, que seria o retorno, do Ser para-si.
Esses três momentos são comummente chamados de tese, antítese e síntese. Hegel os concebe
como um movimento em espiral, ou seja, um movimento circular que não se fecha, pois cada
momento final, que seria a síntese, se torna a tese de um movimento posterior de carácter mais
avançado. Neste contexto, Hegel afirma que para “que o indivíduo alcance uma justa
apreciação é coisa que depende da sua formação subjetiva articular segundo o ponto de vista
próprio deste domínio, que é ainda o ponto de vista da moral subjetiva” (HEGEL; 1997:116).
Compreender a dialéctica da realidade, segundo Hegel, exige um trabalho árduo da razão, que
deve se afastar do entendimento comum e se colocar do ponto de vista do absoluto. Esse
caminho da consciência que se afasta do conhecimento comum e se eleva ao saber absoluto é o
objecto de reflexão do autor em sua obra fenomenologia do espírito. Neste caso, para Hegel, só o
que é racional é variável. “Não é fácil mostrar como se entrelaçam Histórica e Dialética no
discurso da Fenomenologia. baste-nos dizer aqui que o propósito de Hegel deve ser entendido
dentro da resposta original que a Fenomenologia pretende ser à grande aporia transmitida pela
Crítica da Razão pura” (HEGEL; 1992:10).
Em sua análise, Hegel atribuiu uma grande importância ao que ele chamou de “forças
objectivas”. Com isto Hegel se refere à família e ao Estado, sendo que para ele, o Estado tem
sempre que ser racional. Assim, a razão ou “espírito do mundo” só se tornam visíveis nas
relações pessoais. O “espírito do mundo” se consciencializa de si mesmo no indivíduo, onde ele
chama de “razão subjectiva”. Depois disso, tal espírito alcança um andar mais elevado, na
família e no Estado, onde chegamos a “razão objectiva”, pois trata de uma relação entre
indivíduos. É aí que os comentadores de filosofia costumam tropeçar, pois há um terceiro estágio
mais elevado do conhecimento humano: a “razão absoluta”, onde se encontra a Filosofia, e,
consequentemente, a razão científica.

2.4 Esclarecimento na perspectiva de Horkheimer e Adorno: guinada pragmática


A Teoria racional de Horkheirmer e Adorno apresenta uma crítica, inicialmente, à
tradição iluminista que vê na razão uma base possível de emancipação: A teoria crítica de
Horkheimer e Adorno faz uma viragem paradigmática do programa iluminista que propõe ao
indivíduo a ideia de ousar pensar por si mesmo, como condição de possibilidade de autonomia
do homem. Contudo, essa mesma razão que se erguera como potencial libertadora, sob forma de
esclarecimento, também se instrumentaliza, se subordina à técnica e a um processo de
dominação hostil da natureza se afastando desta forma do seu projecto originário. Por isso
Adorno e Horkheimer põem em causa as conquistas da razão iluminista. A partir desta
constatação, Adorno e Horkheimer consideram que “O pensamento tem origem no processo de
liberação dessa natureza terrível, que acabou por ser inteiramente dominada” (ADORNO &
HORKHEIMER; 1947:50).
Para Horkheimer e Adorno, a razão é sobremaneira emancipatória, cria, na verdade, condições
para a instrumentalização das mentes e ao instrumentalizar-se nega o seu fundamento primordial,
baseado na emancipação. A teoria crítica visa repensar a própria racionalidade, resgatando o
significado de guiar-se pela razão”. “Com o conceito de razão instrumental [grifo do autor],
Horkheimer e Adorno querem acertar as contas com um entendimento calculador que usurpou o
lugar da razão. (…) Ela denuncia o esclarecimento que se tornou totalitário com os meios do
próprio esclarecimento” (HABERMAS;2000:170).
O esclarecimento como projecto iluminista, em que a humanidade saíra de sua menoridade e
como condição de possibilidade para atingir a maioridade e autonomia, para usar uma expressão
kantiana, cedeu lugar ao obscurantismo da razão instrumental. É principalmente na segunda fase
do pensamento de Adorno e Horkheimer, sobretudo a partir da publicação em conjunto da
obra Dialética do Esclarecimento temos uma visão pessimista de que o sonho de uma
humanidade emancipada e “iluminada” transformou-se em uma nova catástrofe. “…a
dominação universal da natureza volta-se contra o próprio sujeito pensante; nada sobra dele
senão justamente esse ‘eu penso’ eternamente igual que tem que poder acompanhar todas as
minhas representações” (ADORNO; HORKHEIMER; 1991:38).
Adorno e Horkheimer denunciam o desvio do projecto e o descaminho da razão iluminista. E por
isso a própria razão deve passar por um processo de esclarecimento, sob pena de ameaçar o
projecto originário de emancipação do sujeito. Tendo sido iniciado o projecto iluminista, mas
sem uma previsão real de efectivar-se, o certo é que a humanidade não pode prescindir desse
horizonte possível. É com esse intuito, com a dissertação em questão que Adorno e Horkheimer
analisam a possibilidade de emancipação diante do actual cenário social, político e económico da
sociedade contemporânea, investigando o sentido de emancipação proposto pelos autores da
Teoria Crítica, mediante uma teoria crítica da sociedade.
CAPÍTULO III: A DIALÉCTICA DO ESCLARECIMENTO COMO SUPERAÇÃO DA
RAZÃO INSTRUMENTAL
Neste capítulo, pretendemos compreender o pensamento de Adorno e Horkheimer, em relação
aos principais elementos que compõem a noção do Esclarecimento. O segundo momento passa
por reconhecer que o Esclarecimento passou a ser um problema para a sociedade, numa relação
com os novos paradigmas teóricos, daí que, torna-se pertinente compreender a necessidade de
cada passo apresentado por Adorno e Horkheimer para se chegar à noção de que a Dialéctica do
Esclarecimento seria uma espécie de convite para pensarmos nos novos desafios da razão dentro
do avanço da ciência e da técnica.

3.1 Protótipo de homem moderno


Para chegar ao mito do esclarecimento Adorno e Horkheimer partem da situação social causada
pelo desenvolvimento da ciência e da técnica, que modificou a linguagem e o ser dos homens.
Ulisses e seus companheiros sofrem, enfrentam os obstáculos, as intempéries da natureza, que
também lhes dão condições para a sua sobrevivência. Necessitam de respeitar as regras impostas
pelos deuses e da natureza para enfrentar o desconhecido, o monstruoso. A lei da hospitalidade
não é respeitada, e Ulisses e seus companheiros padecem do elo entre os mortais e a dos deuses.
“Mas Ulisses como sujeito mortal constitui-se astuto mediante a dominação de seus instintos e
da natureza em relação aos perigos do mar” (MASS; 2011:143).
Ulisses forja uma mediação às normas da natureza, submetendo-se numa aparente rendição ao
seu destino, para superar os obstáculos, os percalços imprevistos. Para Adorno e Horkheimer, a
desmitologização e a dominação da natureza não estão interrompidas. O conceito de
esclarecimento está relacionado ao desencantamento do mundo, por meio da imaginação e a
criação mítica e à modernidade, por um saber mais lógico, abstracto e seguro. A sociedade
burguesa, dominada pelo equivalente de sobrevivência desenvolve um processo de repulsa
quando não há mais reconhecimento do seu poder, substrato de sua dominação: “cada resistência
espiritual que ele encontra serve apenas para aumentar a sua força. Para Adorno e Horkheimer
isso se deve ao facto de que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo nos próprios
mitos”. Segundo Adorno e Horkheimer “assim como o episódio das Sereias mostra o
entrelaçamento do mito e do trabalho racional, assim também a Odisseia em seu todo dá
testemunho da dialética [sic] do esclarecimento” (ADORNO & HORKHEIMER; 2014:46)
Por isso, o fim do terror nacional-socialista e as sucessivas guerras não são meros fatos históricos
isolados ou acidentais, mas resultado do totalitarismo e da hipocrisia da civilização burguesa que
impera por meio do medo e da autoconservação. A partir do conceito de racionalidade
instrumental desenvolvida na Dialéctica do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer, procuram às
raízes da ruína da modernidade, do projecto iluminista que não conseguiu atingir seus objectivos,
sua finalidade: tornar os indivíduos livres numa sociedade emancipada. A racionalidade
científica por meio da tecnologia, é que permitiria aos indivíduos criar condições materiais
favoráveis a fim de promover o bem-estar a todos os indivíduos. Progresso é sinónimo de
conquista e os desenvolvimentos tecnológicos, auxiliariam nas transformações históricas
específicas que solucionariam os problemas económicos e sociais da humanidade. Daí que, “a
assimilação habitual da epopeia ao mito – que a moderna filologia clássica, aliás, desfez –
mostra-se à crítica filosófica como uma perfeita ilusão” (Ibdem:46).
Ulisses constrói uma relação diferenciada e ambígua em relação às formas miméticas de
assimilação e abstracção perante as divindades. Para adorno e Horkheimer a Odisseia mito,
dominação e trabalho em que, a sobrevivência é assegurada mesmo que seja minimamente
consciente ou esclarecida, em que “o eu consegue escapar à dissolução na natureza cega, cuja
pretensão o sacrifício não cessa de proclamar”3 então entrelaçados. Portanto, a nossa
argumentação é de por meio da leitura da Odisseia de Homero, é possível reconstruir a origem da
pró-forma do indivíduo burguês da racionalidade moderna. Vamos trazer presente somente uma
das passagens da Odisseia, reinterpretada na Dialéctica do Esclarecimento: o encontro de Ulisses
com o gigante Polifemo. “O discernimento do elemento esclarecedor burguês em Homero foi
enfatizado pelos intérpretes de Antiguidade ligados ao romantismo tardio alemão e que seguiam
os primeiros escritos de Nietzsche” (Ibdem:46)
Ulisses é um personagem da odisseia de Homero, que representa uma ruptura em relação à
natureza, embora seja afectado, passa por diversos perigos e é colocado à prova constantemente
pelas forças sagradas da natureza. Sua agudeza se origina através de uma aparente rendição ao
processo cíclico às leis mitológicas, que tinham um vínculo directo e devidamente determinado
por meio de representações ritualísticas pré-definidas. Segundo Pucc, “se a sobrevivência dos
mitos baseava-se na necessária repetição e cumprimento das normas contratuais, Ulisses
consegue cumprir o contrato, mas acrescenta novas artimanhas não previstas nas cláusulas
originais” (PUCC; 2000:49). A formação psíquica dos indivíduos era determinada e provinha do
poder divino, dos deuses, representados por meio de figuras específicas e rituais de sacrifícios
atrelados a um poder regente. Ulisses forja uma mediação às normas da natureza, submetendo-se
numa aparente rendição ao seu destino, para superar os obstáculos e os percalços imprevistos.

3.2 Relação entre o Esclarecimento e Moral


Para Kant o esclarecimento “é a saída do homem de sua menoridade, da qual é o próprio
culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir de seu entendimento sem a direcção de
outrem”. Ser capaz de seguir sem a direcção de outrem seria, literalmente, ser dotado de razão
própria. O indivíduo superior deve ter autonomia racional de unir conhecimentos isolados em um
sistema. A ideia exposta no início, de que o homem busca funcionalizar o conhecimento, vai ser
recusada por Kant ao defender que a razão tem como objectivo a aplicação funcional do
entendimento. Neste contexto, Kant considera que “a legislação ética, em contrapartida,
converte também as ações [sic] internas em deveres, mas sem excluir as externas, estendendo-se
antes a tudo o que, em geral, é dever” (KANT; 2013:26).
A sistematização inerente ao processo racional deverá conectar-se com as demais produzidas na
sociedade, sempre num carácter de fusão e a partir de princípios que a embasam. Essa
sistematização só é possível porque a razão encontra uma concordância entre as unidades
desenvolvidas isoladamente e isso irá implicar que aqueles pensamentos que não se orientem
junto ao sistema serão desnorteados ou autoritários. Posteriormente, o processo racional será
capaz de derivar o particular do universal, pela observação, cada vez mais apurada, dos
princípios que regem o sistema.
“Todo objetivo [sic] a que se refiram os homens como um discernimento da razão é, no sentido
rigoroso do esclarecimento…” (ADORNO & HORKHEIMER; 2014:71).
É pressuposto básico que, quanto maior e mais adequado um sistema se prova, mais
credibilidade ele tem para fazer tais deduções. Podemos ler tal fato, entretanto, na óptica do
retorno à mitologia: quanto mais hegemónico se torna um sistema do conhecimento, mais ele se
aproxima da crença, visto que seus membros pensantes deixam de questionar aquilo que
fundamenta o sistema em si.
Pouco interessante é, para a sociedade, a fuga do sistema; são nessas situações que “a ponte cai, a
planta definha ou o remédio faz adoecer”. O individuo pertencente à menoridade se revela como
incapaz da auto-conservação, princípio chave para não só a sistemática científica como para o
contexto burguês. Necessitamos enfatizar o burguês como operador lógico do esclarecimento.
Segundo Adorno e Horkheimer, a ideia de Kant, ao entender o esclarecimento racional como
algo que gere liberdade social, é ambígua, porque será este esclarecimento que buscará dominar
a natureza e aqueles pertencentes à menoridade que precisam ser esclarecidos. Daí que Adorno e
Horkheimer consideram que “a razão fornece apenas a ideia da unidade sistemática, os
elementos formais de uma sólida conexão conceitual” (Ibdem:71).
Será nas obras de Nietzsche e Sade, que se aproveitará para entrar mais no assunto da
menoridade humana, em especial os sentimentos de compaixão e piedade. Apesar do contexto
complexo que se inserem as obras desses autores, retira-se que eles não criticam a compaixão
como uma moleza (apesar de atribuírem à virtudes femininas que são dispensáveis, algo
problemático), mas seus aspectos intrinsecamente limitadores. A compaixão, a piedade ou a
caridade, chame-se como quiser, se inserem no sistema como virtudes filantrópicas, ou seja,
enaltecem aquele indivíduo que as pratica. Tal relação, entretanto, confirma o quão interiorizada
é a diferença entre, por exemplo, ricos e pobres, ao dar um benefício moral para o indivíduo de
uma classe superior (ou mais esclarecido) que se estende aos menos afortunados. Não critica-se a
vantagem que o menos afortunado ganha, mas o reforço constante que acções desse tipo dão na
lógica de classes. Numa visão Kantiana, seria de interesse que o indivíduo esclarecido inspirasse
a busca pelo conhecimento nos indivíduos que compõe a menoridade, ao invés de lhes dar
benefícios obtidos por ele devido ao seu alto esclarecimento. Entretanto, para Adorno e
Horkheimer “a liberação, porém, foi mais longe do que esperavam seus autores humanos”
(Ibdem:77).

3.3 Esclarecimento como adormecimento das massas


Para Adorno e Horkheimer que estavam numa época de iniciação da televisão – na qual o rádio
e o cinema já estavam bem estabelecidos – tratava-se de criticar os visíveis resultados dessas
indústrias. Frankfurt, como escola filosófica, vai ser famosa por suas análises da estética e
cultura e, portanto, tomamos como bastante significativas as ideias de Adorno e Horkheimer ao
afirmar que nem o cinema, nem o rádio (e posteriormente nem a televisão) precisam se
apresentar como arte. A realidade é que são ramos cuja efectiva finalidade é o negócio, a
circulação de capital; elas próprias se definem como indústrias. Para Adorno e Horkheimer, “o
cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de
um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que
propositalmente produzem” (ADORNO & HORKHEIMER; 2014:99)
Doravante, reprodutibilidade é uma das palavras chave, para uma indústria cultural vale
“disseminar bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais” . Essas necessidades de
consumo refletem apenas algo já inserido nos desejos do consumidor, por isso são aceitos sem
resistência. Trata-se de um processo complexo de criação de desejo, na qual a indústria quer o
tempo todo, se não afirmar, fazer o consumidor acreditar que ele precisa do produto. Isso se
desencadeia em um ciclo interminável, conforme o esclarecimento permite a humanidade
encontrar mais formas tecnológicas hábeis a serem produtos. Entretanto, segundo Horkheimer
“quanto mais a produção material e a organização social se tornam complicadas e reificadas,
mais difícil se torna o reconhecimento dos meios como tais, desde que eles assumem a aparência
de identidades autónomas [sic]” (HORKHEIMER; 2003:106).
Se analisarmos superficialmente a transição das tecnologias de comunicação, do telefone para o
rádio, veremos uma mudança de um eixo que permitia ao participante desempenhar seu papel
como sujeito e veicular sua mensagem para uma situação em que, o novo aparato tido como
democrático, transforma todos os cidadãos em iguais (perante o rádio) ouvintes e distribui sua
mensagem de maneira autoritária. A fórmula para todas as estações de rádio é a mesma e isso
independe dos jogos que envolvem a participação do ouvinte, tanto porque representam uma
parcela ínfima do tempo de programação, como porque o resto das pessoas que estarão no rádio
foram seleccionadas para tal. Aliás, estando a tecnologia radiofónica assentada, os talentos que
participarão de uma rádio, “já pertencem à indústria muito antes de serem apresentados [aos
espectadores] por ela”: aquele que ouve a rádio pode vir a fermentar em si o sonho de se tornar
parte activa dela e vai voluntariamente atrás, tendo a indústria pouca necessidade de cooptar
talentos. Daí, Adorno propõe que “é preciso abandonar a ilusão de que ele […] poderia manter
a essência cativa na finitude de suas determinações” (ADORNO; 2009:19).
A grande genialidade da indústria cultural é que a atitude do público é parte essencial do sistema.
Para moldar o consumidor a indústria vende, in advance, os ideais que outras partes do sistema
irão oferecer como produto ao consumidor: é uma política essencialmente solidária com outras
partes do sistema empresarial pós-industrial. Adorno e Horkheimer sugerem que tal fato ocorre,
porque as parcelas comunicacionais da indústria cultural – como o rádio e o cinema, mas
também outros relacionados à veiculação de informação – são sectores que cresceram acessórios
a outros mais fortes, como os monopólios do aço, do petróleo, da electricidade ou da química.
Nesse sentido, eles se inseriram no papel de dar razão aos donos do poder, para também
aproveitar de uma parcela deste.
O produto em si, ainda que não venha directamente das indústrias de base que ditam tendências
globais, sofre do mesmo processo. É curioso como se ramificam as diferentes classes de produtos
até um ponto em que o consumidor se digladia racionalmente sobre a questão de qual produto
comprar – sendo os dois iguais em essência. É um esquematismo tremendo tornar duvidosa a
compra da moto de uma marca ou de outra, tendo ambas praticamente os mesmos parâmetros,
aliás, serão esses parâmetros (técnicos e estéticos) as desculpas – ensinadas pela indústria – do
consumidor para a sua dúvida cruel na hora de consumir. As vantagens e desvantagens de um
produto e seu semelhante somente servem para perpetuar a ilusão da concorrência e da
possibilidade de escolha. E o critério industrial para a definição do valor do produto parece ser
simplesmente associada ao sentido do produto, o orçamento da indústria cultural pouco parece se
relacionar com o valor objectivo do produto.
Se os resultados científicos tiveram aplicação útil na indústria, ao menos
parcialmente, por outro lado ela fracassou exatamente [sic] diante dos problemas
do processo global, que antes da guerra já dominava a realidade através das crises
cada vez mais acentuadas e das lutas sociais daí resultantes (HORKHEIMER;
1990:9).

Progressivamente o mundo todo é forçado ao filtro da indústria cultural. Ela irá reproduzir, como
na experiência do filme, o ambiente do consumidor em sua própria propaganda para que ele se
adeque ao se sentir semelhante. É típico da experiência do espectador de cinema perceber “a rua
como um prolongamento do filme que acabou de ver” e, quanto mais habilmente a indústria
duplica os objectos, mais natural se torna a ilusão no mundo virtual do cinema ou da propaganda.
O consumidor se vê frequentemente confundindo o espaço virtual do desejo de consumo com o
espaço real de sua vida, já que muitos dos elementos são duplicados. Aquele que tentar combater
tal fenómeno perceberá que trata-se de efeito mnemónico, mas teriam sido tais memórias
naturalizadas pela indústria cultural ou apenas reflexo do processo de vida? Questão impossível
de se responder no mundo contemporâneo: a indústria é um reflexo do consumidor que é um
reflexo da indústria. Sabemos que o ovo veio primeiro que a galinha, mas na situação actual da
criação de frangos, precisamos da galinha para a existência do ovo, que é necessário à existência
da galinha. No entanto, “a racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação.
Ela é o caráter [sic] compulsivo da sociedade alienada de si mesma” (ADORNO &
HORKHEIMER; 2014:100).
Fica claro, na lógica da indústria cultural, que a idealização de um estilo autêntico é mecanismo
do esclarecimento, e futuramente será cooptado para o universo dos estilos massificados. Ainda
sim, “os grandes artistas jamais foram aqueles que encarnaram o estilo da maneira mais íntegra e
mais perfeita, mas aqueles que acolheram o estilo em sua obra como uma atitude dura contra a
expressão caótica do sofrimento” e, portanto, eles mesmos entendiam que se tentassem se ater a
um estilo, estariam caindo mais rapidamente na falácia do esclarecimento. A realidade constante
era um fracassado esforço em buscar uma identidade, que, enquanto bons artistas tentavam
prolongar, aqueles mais massificados assumiam rapidamente que haviam encontrado um e o
exploravam, tornando-o reprodução. Hoje, a indústria cultural se coloca, de maneira bem mais
intensa, no papel de posicionar estilos para serem copiados. Os autores irão, inclusive, criticar as
criações feitas em nome da cultura, pois, para eles, o ato de reunir manifestações dentro de uma
classificação de título de cultura a coloca à mercê do processo racional e, posteriormente,
daquelas maquinarias sociais que lucram com ele. “O denominador comum “cultura” já contém
virtualmente o levantamento estatístico, a catalogação, a classificação que introduz a cultura no
domínio da administração”. Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou apenas à
padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra
e a do sistema social (Ibdem:100)
A sobrevivência nesse sistema cada vez mais presente é directamente relacionada com a
flexibilidade do indivíduo ou grupo de se adaptar às subtis mudanças ao longo do tempo, subtis,
porque o modus operandi continua igual, apenas mais adornado. O espírito meritocrático é
essencial à indústria cultural: precisa-se fomentar o desejo de se tornar actor dela para que parte
da população competente a perpetue. Nesse sentido o sistema nutre-se de exemplos individuais
de sucesso e torna deles um dos temas mais frequentes, paradoxalmente, ele se acentua cada vez
mais, aumentando as discrepâncias sociais entre os bem e mau sucedidos. Quão maior se torna o
espaço entre a massa e os protagonistas, maior é o número de cadeiras que um integrante do coro
pode ocupar esse espaço existe na realidade, mas seu efeito no imaginário das pessoas é ainda
maior. Sobrevive na indústria cultural a “tendência do liberalismo a deixar caminho livre” para
os homens capazes. “No trajecto para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e
substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade” (ADORNO &
HORKHEIMER; 1947:6).
Neste conjunto de substituições, Adorno e Horkheimer consideram que as massas
“obstinadamente insistem na ideologia que as escraviza”. Um mecanismo interessante na
indústria é a recusa pelo novo. Não cabe para ela, arriscar massificar um produto cujas variáveis
ainda não foram testadas dentro de seu sistema ou forçadas a se tornarem parte dele. Dessa
forma, ela trabalha, de preferência, com a adopção lenta, gradual e segura de novas variáveis
dentro de velhos estilos. Isso também é importante para o princípio do menor trabalho ao
consumidor. Na teoria dos autores: “o poder da indústria cultural provém de sua identificação
com a necessidade produzida. A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo
tardio. Adorno e Horkheimer pretendiam a partir destas declarações, denunciar que “o que não
se submete ao critério da calculabilidade e da utilidade torna-se suspeito para o
esclarecimento” (ADORNO & HORKHEIMER; 1947:6).
Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo
em condições de enfrentá-lo”. A diversão torna-se então, importante válvula de escape do
sistema, válvula, esta, extremamente calculada; ela deve propagar, nos tempos de lazer, o desejo
comercial que impulsiona o indivíduo nos momentos de trabalho a acumular reservas
económicas para obter seus sonhos de consumo e movimentar a economia. Assim, extraímos que
as obras de diversão da indústria cultural necessitam sempre conter a capacidade de induzir o
comércio de alguma forma (o mercado, cada vez mais, se encarregará, também, de criar produtos
diversos o suficiente para se enquadrar nos padrões de consumo produzidos pela indústria). No
contexto em que o individuo vira-se apara a intenção subjectiva, Adorno e Horkheimer
consideram que “isso se deve ao facto de que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo
nos próprios mitos” (ADORNO & HORKHEIMER; 1947:6).
Mas, para os autores, a diversão também presume uma diminuição de esforço, ela deve se tornar
um ato fácil – o consumidor não deve ter dificuldade para encontrar formas de se divertir, elas
devem estar implantadas ao longo do sistema de forma a serem sempre figuradas. E, dessa
forma, as obras artísticas vão se tornando cada vez mais independentes de um esforço intelectual
do espectador para entendê-las – tudo que é massificado segue essa regra – e pior, ao adequar
uma produção artística dentro de um estilo, facilitamos que tal conexão seja traçada; tornar-se
cada vez mais difícil de pensar algo novo. “A arte sem sonho destinada ao povo realiza aquele
idealismo sonhador que ia longe demais para o idealismo crítico” (Ibdem:102).
A promessa do prazer é prorrogada indefinidamente. Ainda que não haja um finale, há de se
contentar com o processo, afinal nele se encontram uma diversidade de nomes, imagens, gatilhos
que remetem ao prazer relacionado ao desejo, sendo possível ao indivíduo ver cor em seu
quotidiano. Muitas vezes, a indústria apenas transmite essa metade do caminho, ela apenas
“excita o prazer preliminar” a partir das imagens do objecto de desejo. A visão do suéter na loja
ou do torso nu do herói cumprem esse papel que propicia o indivíduo a um masoquismo. A
indústria cultural é essencial pornográfica, ela reduz o prazer verdadeiro à sua simulação
permitida pelo desejo da mesma forma que a segunda é capaz de reduzir o amor ao romance. O
processo de reprodução em série é, sem dúvidas, chave importante nesse processo que remove o
significado do objecto, da sensação ou do ato, conforme mais reprodutível ele é. Conforme
recalcamos uma mensagem mais fácil se torna de passa-la adiante. Se falamos de um
recalcamento teórico, podemos falar de uma massa que, cada vez mais, entende o objecto e o ato
como a versão recalcada do que estes deveriam ser. É nesse sentido que o livro afirma que
oferecer-lhes algo é a mesma coisa que privá-los disso.

3.4 Crítica de Adorno e Horkheimer à ética monológica de Kant


A crítica que Adorno e Horkheimer dirigem à Kant incide-se a ideia do Iluminismo que propôs a
visão de emancipação da razão. Kant foi responsável por introduzir a perspectiva do imperativo
categórico, que entretanto, condicionou a exacerbação da razão. Segundo Abbagnano, o termo
autonomia foi introduzido na filosofia por Kant para “determinar a interdependência da vontade
em relação a qualquer desejo ou objeto [sic] do desejo e a sua capacidade de determinar-se em
conformidade com uma lei própria, que é a da razão” (ABAGNANO; 1999:97).
A autonomia é um conceito-chave não apenas no pensamento kantiano, mas, também para toda
época denominada de maioridade. Kant viveu no Século XVIII, conhecido como “Século das
luzes”, um período de grande agitação filosófica, tendo sido também denominado de “Século do
Iluminismo”, movimento que, segundo o próprio Kant, significava:

A saída do homem de sua menoridade, da qual o culpado é ele próprio. A


menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção [sic]
de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a sua
causa não estiver na ausência de entendimento, mas na ausência de decisão e
coragem de servir-se de si mesmo sem a direção [sic] de outrem (KANT;
2005:115).

Uma das principais características do iluminismo era a ênfase no poder da razão. Neste contexto,
podemos colocar a ideia de crítica como um dos ideais deste tempo. Com este projecto, Kant
buscava não apenas submeter todo o conhecimento à crítica da razão, mas também confrontar a
razão à crítica para, com isso, poder determinar os seus limites. Essa postura crítica frente à
própria realidade exige que o sujeito seja o artífice do próprio conhecimento e não um ente
passivo. Esta mudança de método garante a autonomia do sujeito na construção do conhecimento
e também pode abrir caminho para uma reflexão sobre a questão de uma educação que estimule a
emancipação intelectual. Doravante, naquilo que se tratou como revolução copernicana, segundo
Kant, “a razão não percebe senão aquilo que ela mesma produz segundo o seu próprio projeto”
(Idem; 1983:11).
No pensamento Kantiano o sujeito é a autoridade, ele é um legislador. Essas considerações sobre
o sujeito como legislador do conhecimento nos reporta à necessidade de uma educação
emancipadora, capaz de tirar o homem de sua menoridade intelectual que segundo Kant, “a
preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens (...)
continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida” (Idem; 2005:115).
Em contrapartida ao pensamento apresentado por Kant, Adorno e Horkheimer apresentam uma
nova visão sobre o esclarecimento que coloca uma certa reflexão ao indivíduo. Neste caso, diante
da barbárie promovida pelo nazismo, o recurso às propriedades do intelecto passou a ser visto
com desconfiança, em vista de seus possíveis usos nefastos. Não havia mais como deixar a razão
conduzir, por si só, os destinos humanos. Além disso, a sua capacidade de conferir a autonomia
aos indivíduos passou a ser questionada. O pensamento não era mais o caminho para a
emancipação, mas um perigo a ser evitado.
Horkheimer e Adorno não negam que a razão instrumental tem, em si mesma, certa possibilidade
de emancipação. Entretanto, consideram que ela apresenta-se sob forma de uma fé ingénua nas
ciências empíricas que, ao término de tudo, quase sempre recai no mito, na barbárie e na
dominação. A razão instrumental determina um saber voltado para a técnica e a dominação da
natureza e dos homens que destrói qualquer tentativa de promover uma situação na qual os
sujeitos possam almejar a verdade. A Teoria Crítica diz que essa razão se transformou num poder
que define os homens como meros manipuladores de instrumentos e transforma as pessoas em
máquinas. Esses pressupostos se apoiam no princípio objectivista da ciência que reduz o sujeito a
mero objecto de observação e controlo. Tendo concluído tamanha barbárie da ciência e da
técnica por meio do iluminismo, Adorno e Horkheimer questionam-se, “por que a humanidade,
em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está em uma nova espécie de
barbárie? ” (ADORNO & HORKHEIMER; 1985:11).
Com o pensamento iluminista de Kant esperava-se que com a civilização científica e o triunfo do
pensamento esclarecido, levaria a sociedade a uma idade de ouro, livrando-se da barbárie própria
da vida natural. No entanto, a situação da vida humana mostra que os sonhos do iluminismo
eram apenas ilusões. Depois disso, concluiu-se que uma sociedade bem administrada o indivíduo
não pensa de forma desgovernada. Quando o indivíduo pensa sem colocar o crivo de
humanização no seu pensamento, a razão torna-se cega e isso é uma nova forma de barbárie. É
daí que Adorno e Horkheimer afirmam já se saber os perigos que este tipo de racionalidade
esclarecida representa para a humanidade. A única conclusão possível de alcançar mediante todas
as evidencias levantadas, segundo Adorno e Horkheimer é que:

No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem


perseguido o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de
senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma
calamidade triunfal. O programa do esclarecimento era o desencantamento do
mundo sua meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber [...] O
preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a alienação daquilo sobre
o que exercem o poder. O esclarecimento comporta-se com as coisas como o ditador
se comporta com os homens. Este conhece-os na medida em que pode manipulá-los.
O homem de ciência conhece as coisas na medida em que pode fazê-las. (Ibdem:17-
21).

3.5 Crítica de Horkheimer ao racionalismo cartesianismo


O ponto do qual parte Horkheimer é a crítica do que ele próprio denomina Filosofia da
Consciência Cartesiano-Empírica. Para Horkheimer, tanto o racionalismo de origem cartesiana,
quanto seus críticos empiristas, compartilham determinadas suposições às quais uma lógica
dialéctica não pode aderir. “Como os cartesianos, os empiristas ingleses também consideram a
essência humana composta de processos isolados de consciência, cogitationes [grifo do autor]”
(HORKHEIMER; 2006:96).
Segundo Horkheimer, uma das doutrinas principais do racionalismo de carácter cartesiano é a
separação do mundo em dois domínios, um espiritual e outro espacial. Para Horkheimer, os
críticos empiristas do racionalismo de Descartes e de seus sucessores, dirigiam-se principalmente
ao menosprezo de questões sensoriais e experimentais e, consequentemente, para essa posição, o
ego abstracto não se ocuparia com a produção autónoma de pensamentos, mas seria responsável
pela constatação e conexão das experiências dos sentidos. No entanto, ainda assim, seria possível
afirmar que Horkheimer sustenta que o racionalismo e o empirismo pressupõem que haja uma
relação necessária entre o pensamento e o Ser. “Horkheimer sustentará, a partir de então, uma
visão crítica do processo de racionalização, visto que o associa ao conceito unilateral de razão
subjetiva [sic]” (SILVA; 2011:24).
Por seu turno, Descartes acreditava que todo conhecimento verdadeiro emergiria do sistema
lógico de dedução a partir dos primeiros princípios e era óbvio, para ele, que este modelo não
poderia ser aplicado aos estudos humanos. A ciência, desde seu impulso inicial com Descartes,
sempre vislumbrou o homem na perspectiva única do pensamento, como uma teoria fechada, e
não na perspectiva do ser social que se produz e se realiza na medida em que produz a sua
realidade histórica. “A partir da década de 40, porém, a filosofia de Horkheimer distancia-se do
programa de materialismo interdisciplinar, orientado para o entendimento teórico dos processos
sociais, e passa a empreender uma crítica radical da razão” (CHIARELLO; 2001: 21).
Doravante, Horkheimer colocava-se contrário a esta postura limitadora exercida pelo
racionalismo e volta-se as suas críticas na direcção de um resgate do homem e do mundo
histórico, ou seja, filosofia de carácter humanista que procurava romper com o dogmatismo de
uma racionalidade naturalista em nome de um pensamento compreensivo e esclarecedor dos
domínios humanos. Desta forma, Horkheimer formulou uma filosofia de negação dos
pressupostos naturalistas da razão em nome de um pensamento humanista e de resgate do
homem real. Sua maior característica era o enaltecimento de uma realidade instrumentalizada
que, restrita as utilidades de dominação da natureza, se apresentava útil à ciência e a indústria.
Com o pensamento humanista Horkheimer pretendia “desenvolver uma teoria da sociedade em
que a construção filosófica não seja mais dissociada da pesquisa empírica” (HORKHEIMER;
1999: 129).
Esta racionalidade instrumental, também chamada de razão subjectiva por Barbara Freitag3, tem
seu ponto de origem no célebre dualismo entre a realidade espiritual e a realidade corpórea e, por
seu turno, o desenvolvimento, cada vez maior, de uma razão individualista, fechada e abstracta.
Com o advento da razão subjectiva, esta lógica atingiu sua forma mais radical, com isso a
realidade objectiva tornou-se mera matéria. Tão-somente substrato para dominação e o
pensamento, com o aperfeiçoamento de uma lógica própria, fechou-se no âmbito formal; sujeito
e objecto viram-se, como nunca antes, totalmente afastados. É fato que a realidade objectiva
perde sua natureza racional e se transforma no substrato para as realizações das actividades
individuais. A realidade deixou de ser ponto dominante do racional, para curvar-se diante do
sujeito que, com a formalização e instrumentalização do pensamento, se tornou o porta-voz da
razão. Baseando-se na crítica ao cartesianismo o maior objectivo de Horkheirmer era de
“mostrar as limitações que sofre a ciência por causa de suas restrições classistas e finalmente
rompê-las” (Idem; 2006:10).
A racionalidade foi o marco maior da radicalização de uma razão formalizada, ela foi à expressão
mais clara do individualismo moderno. Ao se afastar de qualquer conteúdo objectivo, e se fechar
no âmbito de uma lógica própria, o pensamento, ou a razão, converteu-se a um bem restrito ao

3 Bárbara Freitag Rouanet é professora emérita da UnB-Universidade de Brasília, onde leccionou


por 30 anos, aposentando-se em 2004.Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Teoria Sociológica,
Cidade e Literatura, actuando principalmente nos seguintes temas: crítica da cultura, cultura urbana, cidades,
pensamento social e filosófico. É membro eleito do PEN-Clube do Brasil (2006) e da Academia Brasileira de
Filosofia (2013). Disponível em: http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoab/barbara-freitag-rouanet, acedido em 6
de Fevereiro de 2018.
sujeito. A razão não mais se preocupa com a questão de um em si, de algo objectivamente
racional, mas unicamente com o racional com o sujeito que pensa, por isso, esse conceito de
razão pode ser chamado de subjectivo. É neste contexto que Marcuse faz uma radiografia sobre a
evolução da sociedade moderna com relação ao seu valor comportamental. “Marcuse descreve o
que se tornou conhecido como a sociedade tecnológica [grifo do autor], na qual a tecnologia
reestrutura o trabalho e o lazer, influenciando a vida desde a organização do trabalho até os
modos de pensamento” (MARCUSE; 2007:XII).
Para Horkheimer, a forma como o homem se relaciona com o mundo – com sua sociedade, com
a natureza em seu redor e com sua própria razão – é o alicerce determinante de sua natureza.
Portanto, conhecer o homem implica no conhecimento da forma com que este se insere e se
relaciona com o mundo. Em seu entendimento, o homem é fruto das relações que estabelece com
sua realidade histórica, pela forma como produz sua própria vida social e intelectual, coisa que a
razão subjectiva não se preocupava. Para Horkheimer, o homem tem uma relação de utilidade
com sua razão. A razão tem a ver com aquilo que é útil. Neste contexto, “a suposição da
invariabilidade social da relação sujeito, teoria e objeto [sic] distingue a concepção cartesiana
de qualquer tipo de lógica dialética [sic]” (HORKHEIMER; 1975:141).
A dificuldade para aceitação de Horkheimer a racionalidade cartesiana e que, sendo a razão
subjectiva, instrumento de utilidade pessoal, uma vez que se fecha no âmbito formal e se
determina pelos procedimentos lógicos, também, o reconhecimento do útil, emergirá de um
procedimento lógico, formal e abstracto. Ou seja, o reconhecimento racional do útil, não
emergirá de considerações objectivas e nem mesmo de uma compreensão ampla daquilo que é
realmente útil ao género humano, com isso, nada mais natural do que a limitação da razão às
estreitas fronteiras de uma lógica formal.
CONCLUSÃO
Esta monografia tem como tema: A Dialéctica do Esclarecimento em Adorno e Horkheimer:
como proposta de superação da razão instrumental. No desenvolvimento da mesma, Concluiu-se
que a dialéctica do esclarecimento é uma oportunidade para os homens discutirem os problemas
da exacerbação da razão trazida pelos avanços tecnológicos, com a falsa pretensão de
emancipação. Se uma das maiores promessas do esclarecimento foi de construir um pensamento
autónomo, capaz de condicionar ao homem um agir independente, este por sua vez, transformou-
se em travão para a relação humana intersubjectiva, sob a forma de uma razão instrumental.
Neste contexto, concluiu-se que a dialéctica do esclarecimento é um desafio para os problemas
trazidos pela modernidade, que colocam à prova a necessidade de criação de políticas dialógicas
(em que a razão dialoga com a natureza e com o próprio homem) no processo de implementação
de valores de emancipação, de modo a responder aos problemas da dignidade humana. Na busca
por uma razão mais responsável, a elaboração de uma teoria política para a prática da liberdade,
passou a ser o maior desafio dos novos tempos. Para salvaguardar o direito pela liberdade da
razão garantindo que a mesma não marginalize o homem, constatou-se a existência de uma
urgência para o estabelecimento de uma prática dialógica do esclarecimento. Como se pode
notar, dentro desta diversidade de conteúdos, foi possível alcançar uma plataforma de
pensamento, que pudesse expressar a intenção de esclarecer a importância da dialéctica do
esclarecimento como paradigma para a criação de valores de liberdade, baseado no princípio
colectivo. Neste contexto, para a pesquisa, foram levantados os seguintes problemas:
 Até que ponto pode-se considerar a Dialéctica do Esclarecimento como um instrumento
capaz de despertar um modelo de relação humana, como superação da razão
instrumental?
 De que forma pode-se tornar a Dialéctica do Esclarecimento num mecanismo de
superação da razão instrumental?
Estas questões foram respondidas tendo em conta as hipóteses, que tiveram a sua confirmação
nos seguintes termos:
 Se a Dialéctica do Esclarecimento discute o problema da superação da razão
instrumental, então ela poderá tornar-se um instrumento para despertar na humanidade a
necessidade de buscar uma razão comunicativa;
 Ao optar-se pela Dialéctica do Esclarecimento, poderá ser possível criar uma educação
capaz de despertar, na humanidade a necessidade de abandonar a razão instrumental, para
uma relação humana dialogante, que busque valores de liberdade no indivíduo através de
uma educação comunicativa.
Em jeito de resumo, este trabalho procurou articular a relação entre o esclarecimento e a
possibilidade de preservação da Natureza, como forma de discutir a possibilidade de alcançar um
modelo liberdade que responda aos novos paradigmas de racionalidade. O grande desafio,
consiste em estabelecer um modelo de acção capaz de garantir um ambiente saudável no
processo de formação e consolidação do estado, tanto para o cidadão bem como para os meios
envolventes.
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