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Considerações iniciais
O objetivo deste trabalho é o de lançar alguma luz às relações que se estabeleceram entre o
governo brasileiro, por intermédio do Ministério da Saúde, e os organismos e instituições
internacionais. As décadas de 1950 a 1970 caracterizaram-se pelas iniciativas do governo
brasileiro sob a forma de campanhas de erradicação de doenças, aperfeiçoamento técnico e
científico de pessoal. Muitas dessas iniciativas contaram com o apoio técnico e financeiro de
instituições estrangeiras. Esse período caracterizou-se também pelas reformas econômica e
institucional e pelo caráter fortemente centralizador da política estatal brasileira.
Trata-se de pesquisa preliminar e pretende-se mostrar uma visão panorâmica das fontes
documentais que se encontram nos fundos do Ministério da Saúde sob a guarda do Arquivo
Nacional (Coreg), cuja sede regional se localiza em Brasília, DF.
No que se refere aos estudos sobre a história da saúde no Brasil, o período da Primeira
República recebeu maior atenção por parte dos historiadores. Pode-se explicar este interesse
pela centralidade política que mereceu a área da saúde e sua percepção como problema-chave
durante aquele momento. Esse foi o período da primeira reforma sanitária cuja tônica radicou-
se na crítica à oligarquização do país e à ausência de uma ação coordenada em nível nacional
no campo da saúde. Foi também o período das primeiras reformas urbanas cuja característica
principal foi o de seguirem o modelo urbano da cidade de Paris, reformada pelo barão
Haussmann. A amplitude das transformações urbanas e sanitárias que ocorreram nas três
primeiras décadas do século XX, particularmente na cidade do Rio de Janeiro, contribuiu para
*
Universidade de Brasília. Pós-doutoranda em Relações Internacionais (CNPq). Doutora em História das
Ciências pela EHESS-França (CAPES).
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No que se refere aos estudos sobre as décadas subsequentes, existem trabalhos que tratam da
história da constituição da medicina social, da assistência previdenciária, das políticas
públicas em saúde, sobretudo àquelas implementadas pelo governo de Juscelino Kubistchek
(1956-1960). Estudos de modelos e hipóteses da literatura especializada apresentam alguns
autores que têm trabalhado direta ou indiretamente sobre as relações do Brasil com
organismos estrangeiros. Destacam-se os nomes de Renato da Silva (2008), Gilberto
Hochmann (2004), Nísia Trindade (2005), Marcus Cueto (2007) e André Luiz Vieira de
Campos (2006). Observa-se que existe uma tendência em dimensionar a participação do
Brasil junto aos organismos internacionais com base no papel desempenhado pelos seus
líderes. Em outras palavras, o termômetro que permite mesurar a presença, ou melhor, a
visibilidade do Brasil no campo das relações internacionais em saúde pública é a presença do
País nas conferências sanitárias e o fato de ele assumir a liderança em alguns organismos
estrangeiros, como a OPAS. O periódico Boletim de la Oficina Pan-americana e as Atas das
Conferências Sanitárias são, sem dúvida, as principais fontes de pesquisa em que beberam os
autores para a confecção de seus textos. Os trabalhos sobre esse período versam, geralmente,
sobre os aspectos político e econômico. Renato da Silva e Gilberto Hochmann, por exemplo,
interessaram-se pelas políticas internacionais em saúde pública que se direcionaram contra a
malária, de 1940 a 1960. Os historiadores Nísia Trindade e Marcus Cueto interessaram-se
pela colaboração do Brasil com a OPAS no combate às doenças tropicais e também na
institucionalização das campanhas de combate às endemias rurais. O excelente trabalho de
André Luiz Vieira de Campos versa sobre a trajetória do Serviço Especial de Saúde Pública
(SESP), agência bilateral que atuou no Brasil entre 1942 e 1960, financiada com recursos
norte-americanos e brasileiros.
No plano político, os anos de 1960 a 1970 foram marcados pela experiência de regimes
autoritários em países da América Latina. De 1964 a 1985, o Brasil viveu sob um modelo de
Estado bastante centralizado no formato de regimes militares. Acrescente-se a isso, os efeitos
negativos da crise econômica mundial de 1973 e 1979 que trouxeram altas taxas de inflação,
dívida externa e redução no ritmo do crescimento. O conhecido ‘milagre econômico’
brasileiro emparedou inúmeras contradições sociais e econômicas as quais tiveram um forte
impacto na saúde. Instituiu-se um modelo de atenção à saúde médico assistencial privatista,
reflexo da intervenção estatal na expansão da medicina previdenciária fundada no cuidado
médico individualizado, de base hospitalar e ambulatorial. Sobre o período da década de 70,
em particular, a autora M. Luz (1991) analisa que “... a centralização e a concentração do
poder institucional deram a tônica (...), que aliou campanhismo e curativismo numa estratégia
de medicalização sem precedentes na história do país”. Os efeitos e consequências desta
política fizeram emergir uma grande insatisfação popular em relação à ‘política de saúde da
ditadura’, já perceptível no fim do ‘milagre econômico’ (1974-1975).
Desde o começo da década de 70, muitos estudos e pesquisas foram realizados com o intuito
de demonstrar que o modelo de desenvolvimento adotado no país, com alta concentração de
renda e má distribuição de benefícios sociais, era prejudicial à saúde. O sistema de saúde
gastava mais recursos do que efetivamente recebia e não atendia adequadamente a população.
Apesar das graves crises institucionais e políticas que resultaram na saída de muitos
profissionais dos departamentos de medicina social/saúde coletiva, uma nova etapa abriu-se a
partir da década de 1980, mediante o processo de democratização, com a expansão de
programas e cursos naquelas referidas áreas e também com a publicação de teses de
doutoramento. Observou-se um aumento dos debates em torno de uma reforma sanitária
destinada a viabilizar a descentralização do sistema de saúde e garantir a sua universalização e
acesso à população.
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Em linhas gerais, as décadas de 1950 a 1970 caracterizaram-se pelo apelo das instituições
nacionais e dos governos dos países por programas de controle e de erradicação das chamadas
doenças tropicais. Agências internacionais foram criadas para coordenar, em diversas frentes,
planos globais de desenvolvimento, fomentar a formação de ‘capital humano’, manter
investimentos em equipamentos e pesquisas de campo e elaborar relatórios detalhados sobre
as condições de saúde pública nos países da América Latina e Caribe. No Brasil, destacou-se
a atuação da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Opas, do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
Durante o período pós-segunda guerra, foram firmados acordos entre o Brasil e a Agency for
International Development (USAID) – órgão norte-americano criado no período da guerra fria
que tinha como objetivo assessorar países ‘subdesenvolvidos’. Outras agências, como as
fundações Kellog e a Rockfeller, tiveram participação ativa na formação de capital humano e
nas campanhas para a erradicação de endemias rurais e tropicais. Sobre a fundação Rockfeller
existe considerável bibliografia sobre sua trajetória1.
A documentação que trata das políticas públicas em saúde se encontra nos fundos do
Ministério da Saúde cujo período abrange desde a criação do órgão, em 1953, até o ano de
1977. Toda documentação do referido período está sob a guarda da Coordenação Regional do
Arquivo Nacional, localizada no Distrito Federal – a Coreg. Esse órgão, criado em 1975, tem
como uma de suas atribuições a promoção de apoio técnico às unidades produtoras de
documentos públicos com finalidade de garantir a preservação e o acesso aos acervos
documentais gerados pelos órgãos da Administração Pública Federal. A título de informação,
os conjuntos documentais da Coreg procedem de vários órgãos federais das regiões norte,
nordeste, centro-oeste e do Distrito Federal. Entre eles, destacam-se os acervos da Delegacia
Regional de Mato Grosso do Ministério da Fazenda (1724-1964) com documentos sobre
1
Castro Santos, Luiz. A. de. O pensamento sanitarista na Primeira República: uma ideologia de construção da
nacionalidade. Dados. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 193-210, 1985; ______. A
Fundação Rockefeller e o Estado Nacional (história e política de uma missão médica e sanitária no Brasil).
Revista Brasileira de Estudos da População, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 105-110, 1989; Löwy, Ilana. Vírus,
mosquitos e modernidade. A febre amarela no Brasil entre ciência e política. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz;
2006.
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A partir no mês de dezembro de 2005, a Coreg recebeu a guarda permanente e o acesso dos
acervos dos extintos Serviço Nacional de Informações - SNI, Conselho de Segurança
Nacional - CSN e Comissão Geral de Investigações – CGI. Sabe-se inclusive que, desde
fevereiro de 2006, cerca de mil pessoas procuraram a Coreg na esperança de obter
informações sobre direitos trabalhistas e, outras tantas pessoas, interessaram-se por
documentos que atestassem a perseguição, a prisão e outras ações repressivas do Estado
durante o regime militar. Segundo consta, o órgão recebe desde então, dando continuidade à
política da Casa Civil da Presidência da República, acervos dessa natureza, e também
processos produzidos pelo Ministério da Justiça, documentação da Divisão de Segurança e
Informações do Ministério das Relações Exteriores, e um novo conjunto de documentos do
Conselho de Segurança Nacional o qual estava sob a guarda do Gabinete de Segurança
Institucional. A Coreg tem procurado reunir um conjunto de documentos com uma temática
comum, cuja ênfase é a repressão política no Brasil, realizada pelos órgãos integrantes do
sistema de segurança e informações nas décadas de 1960 a 1980.
O Ministério da Saúde, instituído pela lei 1.920 de 25 de julho de 1953, originou-se do antigo
Ministério da Educação e Saúde, e surgiu num momento histórico e político de grande
inquietação referente à centralização dos serviços de saúde e à gradual separação entre saúde
pública e assistência médica. Os diversos atores, entre eles políticos, médicos e sanitaristas
mobilizaram-se para a criação de uma pasta autônoma para a saúde pública. No contexto das
mudanças operadas no país com a revolução de 1930, colocava-se também a questão de uma
possível centralização dos serviços de saúde, até então caracterizados pela fragmentação.
Desde 1946, o ministério caracterizou-se pelo alargamento das responsabilidades do governo
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Acordos foram firmados entre OPAS e a Organização Mundial de Saúde (OMS) com a
finalidade de buscar uma integração desses órgãos e de garantir a autonomia da OPAS em
matéria de saúde pública. Com a criação da OMS, em 1948, a OPAS também foi reconhecida
por este órgão como autônoma diante dos organismos da Organização das Nações Unidas.
Intercalando períodos de dificuldades e prioridades, as ações da OPAS passaram por muitas
transformações. A adesão dos países como membros aconteceu plenamente entre 1940 e
1950, quando a organização passou a englobar as Américas e o Caribe.
Após o término da segunda guerra, a América Latina tinha muitas expectativas depositadas
nas novas relações internacionais, principalmente com os EUA, que pudessem resultar em
ganhos econômicos para a região. O Brasil era o maior e mais fiel parceiro daquele país e
participou ativamente no conflito dando apoio logístico no período da guerra.
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Outro organismo que atuou no campo da saúde pública e sobre o qual se tem muitos
documentos depositados nos fundos do Ministério da Saúde foi o Serviço Especial de Saúde
Pública (SESP). Silva atesta, em interessante trabalho de doutoramento, que:
Pode-se questionar em que medida e, sobretudo, sob quais pretextos ocorreram os auxílios
financeiros e técnicos por parte dos organismos internacionais ao governo brasileiro2. Estas
2
Figura: Arquivo Nacional. 1970. MS, caixa 358, pasta 14990. Carta do Diretor do Instituto Presidente Castello
Branco ao Presidente da Fiocruz (Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1970). Convênio firmado entre o Ministério
da Saúde e da Educação e Cultura com a OPAS e a UNICEF.
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questões poderiam encontrar algumas respostas nas reflexões feitas por Silva (2008) o qual
trabalhou sobre as políticas de saúde pública de combate à malária implantadas pelo governo
JK. Silva preocupa-se em explicar como o governo de Juscelino conseguiu articular um
discurso que favorecesse a obtenção de financiamento, sobretudo da parte dos EUA, para as
campanhas sanitárias tendo como base o contexto político na qual se insere o binômio
capitalismo/socialismo no pós-segunda guerra (SILVA, 2008).
O acervo contem ainda projetos e pareceres do governo brasileiro cujo conteúdo versa sobre a
formação de enfermeiros e técnicos em enfermagem, médicos, cirurgiões dentistas e de
técnicos em radiologia. Nesses documentos o governo demonstra preocupação com a
regulamentação das profissões e com a definição do currículo base dos cursos. A
documentação contem também inúmeras solicitações e oferecimento de bolsas de estudo. O
Ministério da Saúde procedeu à cessão dos seus servidores para eventos e cursos de
especialização os quais foram, correntemente, financiados pela OPAS. Constata-se a carência
de recursos próprios do ministério da saúde no que se refere ao financiamento de estudos no
exterior.
Bibliografia de referência
BENCHIMOL, Jaime Larry (coord.). Febre amarela: a doença e a vacina, uma história
inacabada. Rio de Janeiro: Bio-Manguinhos/Editora Fiocruz, 2001.
CAMPOS, André Luiz Vieira de. Políticas internacionais de saúde na era Vargas: o Serviço
Especial de Saúde Pública, 1942-1960. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006.
CANESQUI, Ana Maria. Assistência médica e a saúde e reprodução humana. Textos NEPO
13. Campinas, p. 15-166, 1987.
FARLEY, John. To Cast out the Disease: a history of the International Health Division of the
Rockefeller Foundation (1913-1951). New York: Oxford University Press, 2004.
FINKELMAN, Jacobo (org.). Caminhos da Saúde Pública no Brasil. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2002.
LIMA, Ana Luce Girão Soares de; PINTO, Maria Marta Saavedra. Fontes para a história dos
50 anos do Ministério da Saúde. História, Ciências, Saúde-Manguinhos. V. 10, n.3, p. 1037-
1051, 2003.
LIMA, Nísia Trindade (org.). Saúde e Democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.
PIRES-ALVES, Fernando A.; PAIVA, Carlos Henrique Assunção. Recursos Críticos: história
da cooperação técnica Opas-Brasil em recursos humanos para a saúde (1975-1988). Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2006.