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Fontes para o estudo da história da medicina: o Ministério da Saúde e a presença dos

organismos internacionais na manutenção da saúde pública brasileira (1950-1970).

ROSA HELENA DE SANTANA GIRÃO DE MORAIS∗

Considerações iniciais

O objetivo deste trabalho é o de lançar alguma luz às relações que se estabeleceram entre o
governo brasileiro, por intermédio do Ministério da Saúde, e os organismos e instituições
internacionais. As décadas de 1950 a 1970 caracterizaram-se pelas iniciativas do governo
brasileiro sob a forma de campanhas de erradicação de doenças, aperfeiçoamento técnico e
científico de pessoal. Muitas dessas iniciativas contaram com o apoio técnico e financeiro de
instituições estrangeiras. Esse período caracterizou-se também pelas reformas econômica e
institucional e pelo caráter fortemente centralizador da política estatal brasileira.

Trata-se de pesquisa preliminar e pretende-se mostrar uma visão panorâmica das fontes
documentais que se encontram nos fundos do Ministério da Saúde sob a guarda do Arquivo
Nacional (Coreg), cuja sede regional se localiza em Brasília, DF.

No que se refere aos estudos sobre a história da saúde no Brasil, o período da Primeira
República recebeu maior atenção por parte dos historiadores. Pode-se explicar este interesse
pela centralidade política que mereceu a área da saúde e sua percepção como problema-chave
durante aquele momento. Esse foi o período da primeira reforma sanitária cuja tônica radicou-
se na crítica à oligarquização do país e à ausência de uma ação coordenada em nível nacional
no campo da saúde. Foi também o período das primeiras reformas urbanas cuja característica
principal foi o de seguirem o modelo urbano da cidade de Paris, reformada pelo barão
Haussmann. A amplitude das transformações urbanas e sanitárias que ocorreram nas três
primeiras décadas do século XX, particularmente na cidade do Rio de Janeiro, contribuiu para

*
Universidade de Brasília. Pós-doutoranda em Relações Internacionais (CNPq). Doutora em História das
Ciências pela EHESS-França (CAPES).
2

ofuscar outras transformações importantes que aconteceram na área de saúde em momentos


posteriores.

No que se refere aos estudos sobre as décadas subsequentes, existem trabalhos que tratam da
história da constituição da medicina social, da assistência previdenciária, das políticas
públicas em saúde, sobretudo àquelas implementadas pelo governo de Juscelino Kubistchek
(1956-1960). Estudos de modelos e hipóteses da literatura especializada apresentam alguns
autores que têm trabalhado direta ou indiretamente sobre as relações do Brasil com
organismos estrangeiros. Destacam-se os nomes de Renato da Silva (2008), Gilberto
Hochmann (2004), Nísia Trindade (2005), Marcus Cueto (2007) e André Luiz Vieira de
Campos (2006). Observa-se que existe uma tendência em dimensionar a participação do
Brasil junto aos organismos internacionais com base no papel desempenhado pelos seus
líderes. Em outras palavras, o termômetro que permite mesurar a presença, ou melhor, a
visibilidade do Brasil no campo das relações internacionais em saúde pública é a presença do
País nas conferências sanitárias e o fato de ele assumir a liderança em alguns organismos
estrangeiros, como a OPAS. O periódico Boletim de la Oficina Pan-americana e as Atas das
Conferências Sanitárias são, sem dúvida, as principais fontes de pesquisa em que beberam os
autores para a confecção de seus textos. Os trabalhos sobre esse período versam, geralmente,
sobre os aspectos político e econômico. Renato da Silva e Gilberto Hochmann, por exemplo,
interessaram-se pelas políticas internacionais em saúde pública que se direcionaram contra a
malária, de 1940 a 1960. Os historiadores Nísia Trindade e Marcus Cueto interessaram-se
pela colaboração do Brasil com a OPAS no combate às doenças tropicais e também na
institucionalização das campanhas de combate às endemias rurais. O excelente trabalho de
André Luiz Vieira de Campos versa sobre a trajetória do Serviço Especial de Saúde Pública
(SESP), agência bilateral que atuou no Brasil entre 1942 e 1960, financiada com recursos
norte-americanos e brasileiros.

Durante as décadas de 1950 a 1970 promoveu-se um intenso combate aos vetores de


epidemias que assolavam os portos. O combate também se deu através da promoção de
campanhas de vacinação e de educação sanitária. A noção de saúde como um valor vinculou-
se à noção de bem-estar social, pela qual a prevenção, a extensão de serviços públicos e a
implementação da atenção primária à saúde evidenciaram-se como um direito dos cidadãos
(CUETO, 2007). A partir desse momento as políticas públicas na área da saúde voltaram-se
para uma maior inclusão da população, com a extensão da cobertura. Do ponto de vista
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demográfico as décadas de 50 a 70 foram marcadas por um grande crescimento populacional


em decorrência da queda da taxa bruta de mortalidade, mas manteve-se uma alta taxa de
fecundidade. Acrescente-se, ainda, a aceleração das correntes migratórias rurais e urbanas que
contribuíram para uma urbanização descontrolada e concentradora em um período
relativamente curto. Os países da América Latina depararam-se com o dilema de promover o
desenvolvimento e garantir acesso aos bens e serviços básicos.

No plano político, os anos de 1960 a 1970 foram marcados pela experiência de regimes
autoritários em países da América Latina. De 1964 a 1985, o Brasil viveu sob um modelo de
Estado bastante centralizado no formato de regimes militares. Acrescente-se a isso, os efeitos
negativos da crise econômica mundial de 1973 e 1979 que trouxeram altas taxas de inflação,
dívida externa e redução no ritmo do crescimento. O conhecido ‘milagre econômico’
brasileiro emparedou inúmeras contradições sociais e econômicas as quais tiveram um forte
impacto na saúde. Instituiu-se um modelo de atenção à saúde médico assistencial privatista,
reflexo da intervenção estatal na expansão da medicina previdenciária fundada no cuidado
médico individualizado, de base hospitalar e ambulatorial. Sobre o período da década de 70,
em particular, a autora M. Luz (1991) analisa que “... a centralização e a concentração do
poder institucional deram a tônica (...), que aliou campanhismo e curativismo numa estratégia
de medicalização sem precedentes na história do país”. Os efeitos e consequências desta
política fizeram emergir uma grande insatisfação popular em relação à ‘política de saúde da
ditadura’, já perceptível no fim do ‘milagre econômico’ (1974-1975).

Desde o começo da década de 70, muitos estudos e pesquisas foram realizados com o intuito
de demonstrar que o modelo de desenvolvimento adotado no país, com alta concentração de
renda e má distribuição de benefícios sociais, era prejudicial à saúde. O sistema de saúde
gastava mais recursos do que efetivamente recebia e não atendia adequadamente a população.

Apesar das graves crises institucionais e políticas que resultaram na saída de muitos
profissionais dos departamentos de medicina social/saúde coletiva, uma nova etapa abriu-se a
partir da década de 1980, mediante o processo de democratização, com a expansão de
programas e cursos naquelas referidas áreas e também com a publicação de teses de
doutoramento. Observou-se um aumento dos debates em torno de uma reforma sanitária
destinada a viabilizar a descentralização do sistema de saúde e garantir a sua universalização e
acesso à população.
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Em linhas gerais, as décadas de 1950 a 1970 caracterizaram-se pelo apelo das instituições
nacionais e dos governos dos países por programas de controle e de erradicação das chamadas
doenças tropicais. Agências internacionais foram criadas para coordenar, em diversas frentes,
planos globais de desenvolvimento, fomentar a formação de ‘capital humano’, manter
investimentos em equipamentos e pesquisas de campo e elaborar relatórios detalhados sobre
as condições de saúde pública nos países da América Latina e Caribe. No Brasil, destacou-se
a atuação da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Opas, do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
Durante o período pós-segunda guerra, foram firmados acordos entre o Brasil e a Agency for
International Development (USAID) – órgão norte-americano criado no período da guerra fria
que tinha como objetivo assessorar países ‘subdesenvolvidos’. Outras agências, como as
fundações Kellog e a Rockfeller, tiveram participação ativa na formação de capital humano e
nas campanhas para a erradicação de endemias rurais e tropicais. Sobre a fundação Rockfeller
existe considerável bibliografia sobre sua trajetória1.

Fontes para uma história da saúde pública – os fundos do MS

A documentação que trata das políticas públicas em saúde se encontra nos fundos do
Ministério da Saúde cujo período abrange desde a criação do órgão, em 1953, até o ano de
1977. Toda documentação do referido período está sob a guarda da Coordenação Regional do
Arquivo Nacional, localizada no Distrito Federal – a Coreg. Esse órgão, criado em 1975, tem
como uma de suas atribuições a promoção de apoio técnico às unidades produtoras de
documentos públicos com finalidade de garantir a preservação e o acesso aos acervos
documentais gerados pelos órgãos da Administração Pública Federal. A título de informação,
os conjuntos documentais da Coreg procedem de vários órgãos federais das regiões norte,
nordeste, centro-oeste e do Distrito Federal. Entre eles, destacam-se os acervos da Delegacia
Regional de Mato Grosso do Ministério da Fazenda (1724-1964) com documentos sobre

1
Castro Santos, Luiz. A. de. O pensamento sanitarista na Primeira República: uma ideologia de construção da
nacionalidade. Dados. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 193-210, 1985; ______. A
Fundação Rockefeller e o Estado Nacional (história e política de uma missão médica e sanitária no Brasil).
Revista Brasileira de Estudos da População, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 105-110, 1989; Löwy, Ilana. Vírus,
mosquitos e modernidade. A febre amarela no Brasil entre ciência e política. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz;
2006.
5

escravidão e a economia da região; do Serviço de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras


(1936-1987) com os registros de entrada de estrangeiros no Brasil; e da Divisão de Censura e
Diversões Públicas (1960-1988), entre outros. A Coreg foi concebida originalmente com o
objetivo de ser um depósito intermediário dos órgãos do Poder Executivo, isto é, um espaço
para a guarda dos documentos administrativos de caráter provisório os quais, após avaliação,
passaram para a guarda permanente da coordenação. Assim, seu acervo foi constituído com
documentos dos Ministérios da Justiça, das Minas e Energia, da Educação e dos Transportes,
entre outros, além daqueles provenientes de órgãos extintos como os do Banco Nacional de
Crédito Cooperativo e os da Siderurgia Brasileira - SIDERBRAS.

A partir no mês de dezembro de 2005, a Coreg recebeu a guarda permanente e o acesso dos
acervos dos extintos Serviço Nacional de Informações - SNI, Conselho de Segurança
Nacional - CSN e Comissão Geral de Investigações – CGI. Sabe-se inclusive que, desde
fevereiro de 2006, cerca de mil pessoas procuraram a Coreg na esperança de obter
informações sobre direitos trabalhistas e, outras tantas pessoas, interessaram-se por
documentos que atestassem a perseguição, a prisão e outras ações repressivas do Estado
durante o regime militar. Segundo consta, o órgão recebe desde então, dando continuidade à
política da Casa Civil da Presidência da República, acervos dessa natureza, e também
processos produzidos pelo Ministério da Justiça, documentação da Divisão de Segurança e
Informações do Ministério das Relações Exteriores, e um novo conjunto de documentos do
Conselho de Segurança Nacional o qual estava sob a guarda do Gabinete de Segurança
Institucional. A Coreg tem procurado reunir um conjunto de documentos com uma temática
comum, cuja ênfase é a repressão política no Brasil, realizada pelos órgãos integrantes do
sistema de segurança e informações nas décadas de 1960 a 1980.

O Ministério da Saúde, instituído pela lei 1.920 de 25 de julho de 1953, originou-se do antigo
Ministério da Educação e Saúde, e surgiu num momento histórico e político de grande
inquietação referente à centralização dos serviços de saúde e à gradual separação entre saúde
pública e assistência médica. Os diversos atores, entre eles políticos, médicos e sanitaristas
mobilizaram-se para a criação de uma pasta autônoma para a saúde pública. No contexto das
mudanças operadas no país com a revolução de 1930, colocava-se também a questão de uma
possível centralização dos serviços de saúde, até então caracterizados pela fragmentação.
Desde 1946, o ministério caracterizou-se pelo alargamento das responsabilidades do governo
6

na defesa e proteção da saúde da população, tendo sempre como respaldo a Organização


Mundial de Saúde (OMS). Segundo Lima

O lugar da saúde na construção do Estado e da Nação ganhou novos sentidos


diretamente relacionados ao contexto do chamado ‘otimismo sanitário’ vigente no
cenário internacional desde o pós-guerra. Propugnava-se o poder da ciência e da
medicina em combater e mesmo erradicar, mediante novos recursos tecnológicos e
terapêuticos (...). (...) Instituía-se a ideia de que a saúde era um bem de valor
econômico, e de que investimentos em ‘capital humano’ eram fundamentais para o
desenvolvimento e progresso das nações, especialmente dos países mais pobres
(2005: 46-48).

Dentre as agências internacionais que mais se destacaram no incremento à saúde pública no


Brasil situa-se a OPAS. Essa organização tem suas origens na Repartição Sanitária
Internacional, fundada em 1902. No ano de 1923, a repartição mudou sua denominação para
Repartição Sanitária Pan-Americana, ou Oficina Sanitária Pan-americana. A mudança de seu
nome para OPAS aconteceu em 1943, como resolução da XII Conferência Sanitária Pan-
Americana, ocorrida na Venezuela. Embora a entidade tenha mudado sua denominação, ela
continuou mantendo o seu órgão executivo designado como RSP e a sua antiga estrutura
decisória — um colegiado com um membro de cada país. Enquanto entidade autônoma dentro
das relações intergovernamentais, a OPAS não estava submetida à nova estrutura da
Organização dos Estados Americanos (OEA, 1948). A relação entre ambas era diplomática.
Em 1950, a OPAS passou a ser uma Organização Especializada Interamericana dentro da
OEA.

Acordos foram firmados entre OPAS e a Organização Mundial de Saúde (OMS) com a
finalidade de buscar uma integração desses órgãos e de garantir a autonomia da OPAS em
matéria de saúde pública. Com a criação da OMS, em 1948, a OPAS também foi reconhecida
por este órgão como autônoma diante dos organismos da Organização das Nações Unidas.
Intercalando períodos de dificuldades e prioridades, as ações da OPAS passaram por muitas
transformações. A adesão dos países como membros aconteceu plenamente entre 1940 e
1950, quando a organização passou a englobar as Américas e o Caribe.

Após o término da segunda guerra, a América Latina tinha muitas expectativas depositadas
nas novas relações internacionais, principalmente com os EUA, que pudessem resultar em
ganhos econômicos para a região. O Brasil era o maior e mais fiel parceiro daquele país e
participou ativamente no conflito dando apoio logístico no período da guerra.
7

Outro organismo que atuou no campo da saúde pública e sobre o qual se tem muitos
documentos depositados nos fundos do Ministério da Saúde foi o Serviço Especial de Saúde
Pública (SESP). Silva atesta, em interessante trabalho de doutoramento, que:

A criação do Instituto de Assuntos Interamericanos (IAIA) e o Serviço Especial de


Saúde Pública (SESP) em 1942 podem ser apontados como exemplo concreto da
cooperação Brasil e EUA ainda no período de Guerra. (...) a criação dessas
instituições foi “as raízes da ação cooperativa norte-americana” no Brasil. A
guerra havia gerado uma demanda urgente por determinadas matérias-primas,
dentre todas as da borracha era a principal. Os locais em que estavam localizados
a borracha e também importantes minerais para guerra como a mica e o quartzo
eram as regiões da Amazônia e do Vale do Rio Doce, localidades infestadas de
doenças tais como malária, febre amarela e tifoide etc. O Brasil, além de ceder
bases aéreas no Nordeste, participar ativamente da guerra com envio de tropas
para a Europa, passou a ser um estratégico fornecedor de matérias-primas e
minérios para o governo norte-americano. Isto é, o Brasil tornou-se o principal
suporte logístico dos EUA na região. Os EUA passaram a fornecer os recursos para
impulsionar o desenvolvimento social e econômico brasileiro. O IAIA e o SESP
foram responsáveis pela montagem de uma estrutura sanitária nas áreas
estratégicas, que eram locais com pouca presença da autoridade federal (SILVA,
2008).

A USAID (Agency for International Development), agência norte-americana criada no


período da guerra fria, assessorou os países subdesenvolvidos em várias áreas. Em 1966 foi
assinado o acordo CONTAP-USAID que tinha a finalidade de treinar técnicos rurais. Ocorreu
também o assessoramento na área da educação, em especial, no ensino superior. Encontram-
se, no fundo do MS, alguns documentos que versam sobre convênios entre a USAID e o
governo brasileiro para o fornecimento de leite em pó para regiões do nordeste e do sul do
Brasil. Nota-se que esses tipos de convênio faziam parte dos chamados Programas de
Suplementação Alimentar, através dos quais a criança podia receber leite em pó desde o início
da vida. A título de conhecimento, somente no final da década de 1970 é que se percebe um
interesse em incentivar o aleitamento materno. Nesse período, ocorreu a Reunião Conjunta
OMS/UNICEF sobre Alimentação Infantil e da Criança Pequena (1979), organizada pela
OMS, em Genebra. Neste evento discutiu-se a elaboração de um código de conduta ética
quanto à propaganda de produtos que interferiam na amamentação. A propaganda de fórmulas
infantis circulava livremente em revistas leigas e de pediatria. Incentivava-se a prática de
substitutos do leite materno. O Brasil foi representado naquela reunião pela presidência do
Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), que colaborou na elaboração do
Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno. M. F. Rea (2003)
atesta que esse fato contribuiu para o incremento de um programa pró-amamentação no País.
Pediatras passaram a apelar para a necessidade de acumular divisas no país em um momento
8

de crise econômica, e explicitaram a importância do valor econômico do leite materno,


comparando-o aos gastos com fornecimento gratuito de leite em pó.

A pesquisa preliminar, de 1970 a 1977, mostra documentos sobre as diversas campanhas


sanitárias empreendidas pelo governo brasileiro e revelam, dentre outros elementos
interessantes, as dificuldades de financiamento e manutenção dessas campanhas. Existem
documentos referentes a OPAS e a outros organismos internacionais cujas ações resumiram-
se no interesse em capacitar profissionais de saúde brasileiros. Os organismos internacionais
financiavam cursos de formação, estágios de pesquisa, participação em congressos
internacionais, bolsas de pós-graduação e
visitas a centros de referência científica. Os
milhares de cartas de aceite encontrados no
fundo do MS atestam essa informação. As
bolsas de estudo no exterior foram muito
importantes para a formação de
profissionais que, ao retornar ao Brasil,
assumiam cargos mais proeminentes e
contribuíam para engrossar as fileiras de
profissionais da saúde em áreas
estratégicas, senão, relevantes, para a saúde
pública brasileira. Formaram-se quadros de
docentes com atuação nos cursos de pós-
graduação na área de medicina preventiva a
qual se encontrava ainda em sua infância.
Entre a documentação encontram-se folders
e programas de encontros de profissionais da saúde cuja temática principal dos eventos tratava
sobre Medicina Preventiva e gestão em saúde pública. Escorel (1998) atesta, inclusive, que foi
durante a década de 1970, o período de maior efervescência de cursos de pós-graduação na
área de Medicina Preventiva.

Pode-se questionar em que medida e, sobretudo, sob quais pretextos ocorreram os auxílios
financeiros e técnicos por parte dos organismos internacionais ao governo brasileiro2. Estas

2
Figura: Arquivo Nacional. 1970. MS, caixa 358, pasta 14990. Carta do Diretor do Instituto Presidente Castello
Branco ao Presidente da Fiocruz (Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1970). Convênio firmado entre o Ministério
da Saúde e da Educação e Cultura com a OPAS e a UNICEF.
9

questões poderiam encontrar algumas respostas nas reflexões feitas por Silva (2008) o qual
trabalhou sobre as políticas de saúde pública de combate à malária implantadas pelo governo
JK. Silva preocupa-se em explicar como o governo de Juscelino conseguiu articular um
discurso que favorecesse a obtenção de financiamento, sobretudo da parte dos EUA, para as
campanhas sanitárias tendo como base o contexto político na qual se insere o binômio
capitalismo/socialismo no pós-segunda guerra (SILVA, 2008).

Encontram-se entre os documentos do Ministério da Saúde, relatórios de instituições, projetos


de lei, processos, ofícios, estatísticas médicas de hospitais, artigos e cartas sobre os diversos
programas de combate a doenças, tais como o de combate à tuberculose, a hanseníase, ao
câncer, a malária e a diversas endemias rurais.

O acervo contem ainda projetos e pareceres do governo brasileiro cujo conteúdo versa sobre a
formação de enfermeiros e técnicos em enfermagem, médicos, cirurgiões dentistas e de
técnicos em radiologia. Nesses documentos o governo demonstra preocupação com a
regulamentação das profissões e com a definição do currículo base dos cursos. A
documentação contem também inúmeras solicitações e oferecimento de bolsas de estudo. O
Ministério da Saúde procedeu à cessão dos seus servidores para eventos e cursos de
especialização os quais foram, correntemente, financiados pela OPAS. Constata-se a carência
de recursos próprios do ministério da saúde no que se refere ao financiamento de estudos no
exterior.

Inúmeros são os documentos onde se pode atestar a implementação de programas e de


convênios atinentes à saúde materna e infantil. O Ministério da Saúde coordenou, em âmbito
nacional, a assistência materno-infantil cujas diretrizes iniciais primaram pelo cunho
nacionalista. Era “um dever imperioso defender de maneira eficaz a criança brasileira, em
verdade, ainda o melhor elemento a salvaguardar o futuro da nacionalidade” (CANESQUI,
1987).

Os documentos do fundo mostram como se deram as campanhas contra as endemias rurais e


revelam a grande preocupação do governo com o problema da subnutrição de populações da
região nordeste e de algumas cidades da região sul do Brasil. Encontram-se também algumas
fontes documentais sobre o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), órgão
vinculado ao Ministério da Saúde, criado pela Lei nº. 2743 de 06 de março de 1956. Aos
centros e núcleos do DNERu, espalhados pelas diversas regiões do País, competiam: realizar
10

estudos e pesquisas sobre o conhecimento da malária, leishmaniose, doença de Chagas, peste,


brucelose, febre amarela, esquistossomose, filariose e de outras endemias brasileiras. Cabia
ainda investigar a natureza e o comportamento dos agentes etiológicos, vetores e hospedeiros,
assim como os fatores e modos de transmissão de doenças. O DNERu representou o
movimento de estruturação de instituições de saúde pública, e atuou tanto no combate às
enfermidades endêmicas quanto no combate a doenças remanescentes.

Alguns médicos foram enviados as mais remotas regiões da Amazônia e do nordeste


brasileiro para averiguar as condições de saúde e de higiene das populações. Esses médicos
produziram relatórios os quais compõem o acervo documental do MS. Entre os documentos
encontram-se muitos projetos de parlamentares cuja temática trata das campanhas contra o
tabagismo. O governo brasileiro vinha, desde os anos de 1950, implantando campanhas
educativas contra o tabagismo. Noutros documentos, referentes às campanhas de
conscientização da população, encontram-se escritos e cartazes que versam sobre o tratamento
das neoplasias. Percebe-se, pela tônica das campanhas, como o câncer esteve cercado de uma
aura de medo e preconceitos. Os estudos e tratamento da doença caminhavam vagarosos, mas
o governo procurou incrementar campanhas de esclarecimento: para o Ministério da Saúde, o
câncer tinha cura e as pessoas não deveriam temer o diagnóstico da doença. O fato de
constatar a enfermidade, não significava uma sentença de morte evidente.

Considerações finais sobre o conteúdo das fontes de arquivo

O fundo documental do Ministério da Saúde constitui um marco de referência na pesquisa,


coleta, preservação e divulgação de documentos arquivísticos do campo da história da saúde e
das ciências biomédicas. A pouca produção historiográfica referente aos anos de 1950-1970 e
a ampliação sistemática do recolhimento e preservação de documentos que forneçam
subsídios para a pesquisa histórica, como fontes, fazem com que o acervo da Coreg de
Brasília se torne fundamental para os estudos da história da saúde pública no Brasil.

Para o Ministério da Saúde, o objetivo de levar assistência médica e sanitária às regiões


brasileiras mais recônditas mostrou-se ser uma tarefa árdua e lenta. Constata-se a carência de
11

recursos e a falta de pessoal especializado. A excessiva centralidade dos serviços também


prejudicou a tomada de iniciativas e a implementação dos programas em saúde pública.

As primeiras impressões do trabalho de pesquisa mostram que o governo brasileiro manteve


relações intensas com organismos internacionais, sobretudo, com a OPAS. Esse organismo
financiou bolsas de estudo para profissionais das áreas de saúde e de gestão em administração
pública. Em outras palavras, percebe-se o nítido interesse do governo brasileiro em constituir
um conjunto de profissionais especializados com o intuito de fazer frente à crescente demanda
por assistência médica à população brasileira.

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