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CDD: 149.7
Resumo: A noção de análise infinita, por um lado, e a noção de mundos possíveis, por outro, são em
geral consideradas por estudiosos de Leibniz como duas saídas concorrentes para a dificuldade com que
ele se defronta relativamente à diferença entre necessidade e contingência. Neste trabalho pretendo exa-
minar as teses veiculadas na Teodiceia à luz de algumas reflexões de Leibniz sobre a noção de análise
infinita, visando destacar certos pressupostos comuns que permitam sustentar que aquelas noções – de
análise infinita, por um lado, e de mundos possíveis, por outro – não se excluem entre si como alterna-
tivas concorrentes de resposta para um mesmo problema. Antes que isso, elas podem ser interpretadas
como complementares e articuladas no interior da filosofia de Leibniz, cada qual direcionada a um
aspecto específico da dificuldade concernente à contingência. Se essa hipótese se confirmar, creio que ela
proporcionará indicações que permitirão melhor precisar o lugar que a Teodiceia ocupa no sistema
leibniziano como um todo.
Palavras-chave: Contingência, análise infinita, mundos possíveis.
Abstract: Infinite analysis and possible worlds are generally considered as two different and independ-
ent hypotheses proposed by Leibniz in order to explain the problem of contingency. In this paper, I shall
examine some passages of Theodicy in the light of Leibniz's conceptions about infinity and infinite
analysis. I intend to underline certain elements which could support the suggestion that those two solu-
tions for the problem of contingency do not exclude one another, but, instead, they might be seen as
concurring both to solve the difficulty of contingency, each one being directed to a particular aspect of it.
If this suggestion is correct, it could shed some light on the place the Theodicy occupies in the whole
structure of Leibniz’s philosophy.
Keywords: contingency, inifnite analysis, possible worlds.
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Leibniz, são: Ak: “Sämtliche Schriften und Briefe”. Deutschen Akademie der
Wissenschaften zu Berlin. GP: “G. W. Leibniz – Die philosophischen Schriften”
(Ed.: Gerhardt, C, I., George Olms Verlag. Hildesheim, 1996). GI: “Generales
inquisitiones de analysi notionum et veritatum” (em: OFI, pp. 356 – 399). GM: “G.
W. Leibniz – Die Mathematische Schriften”. Gerhardt. George Olms Verlag. Hilde-
sheim, 1971. Grua: “Textes Inédits d'après les manuscrits de la Bibliothèque provinciale
de Hanovre” (Publicados e comentados por Gaston Grua 2ª ed. PUF, Paris,
1998). OFI: ”G. W. Leibniz – Opuscules et fragments inédits – extraits des manuscrits
de la Bibliothèque Royale de Hanovre” (Ed.: Couturat, L. George Olms Verlag.
Hildesheim, 1988). Teodiceia: “Essais de Théodicée sur la bonté de Dieu, la liberté de
l'homme et l'origine du mal” (em: GP VI, pp. 21 - 471).
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3 Ver Leibnizian Possible Worlds and Related Modern Concepts, III. Ver também The
Philosopy of Leibniz, VI, §1.
4 The Philosophy of Leibniz, pp. 116-117.
5 Leibniz's Philosophy of Logic and Language, p. 198.
6 Leibniz's Philosophy of Logic and Language, p. 196.
7 Id., p. 197.
8 Id., p. 197.
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9 Para uma discussão desse assunto, ver Pinheiro, U. Contingência e análise infinita
em Leibniz.
10 Id., p. 198.
11 Convém notar que, em descompasso com essa afirmação de Ishiguro, é na
noção de análise infinita, antes que na de mundos possíveis, que Leibniz assi-
nala repousar sua solução para a compatibilização entre a tese do praedicatum
inest subjectum com a contingência: "Se, com efeito, a noção do predicado estava
naquela do sujeito por um tempo dado, como, sem contradição e impossibili-
dade, o predicado poderia agora estar ausente do sujeito sem que a noção deste
não fosse afetada por isso? 'Enfim uma luz nova e inesperada veio-me de onde
eu menos esperava, a saber, de considerações matemáticas sobre a natureza do
infinito” Há certamente dois labirintos do espírito humano: um concerne à
composição do contínuo, o outro à natureza da liberdade, ambos nascem de
uma fonte idêntica no infinito" (Phil. IV, 3, a, 1 – OFI, p. 18).
12 Leibniz's Philosophy of Logic and Language, p. 199.
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assunto, afirmando que “há dois Labirintos famosos em que nossa razão
paralisa com frequência: um concerne à grande questão do Livre e do Necessário,
sobretudo na produção e na origem do Mal; o outro consiste na discussão
sobre a continuidade e os indivisíveis, que parecem seus Elementos, em que deve
entrar a consideração do infinito” (Prefácio – GP VI, p. 29).
16 Discuto esse assunto no artigo “Sed quaeritur quid significet tó: existens”. Revista
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“Meu princípio é que tudo o que pode existir, e que é compatível com
os outros, existe. Porque a razão pela qual existem todos os possíveis
não deve estar limitada por nenhuma outra razão, a não ser que nem
todos são compatíveis” 28 .
27 “Visto que uma proposição verdadeira é aquela que é idêntica ou que pode
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que essa redução deve envolver o infinito, é preciso que essa última
proposição reúna uma infinidade de verdades contingentes. Caso con-
trário, a consistência daquela conjunção poderia ser provada em um
número finito de passos – o que a tornaria uma proposição necessária,
antes que contingente.
Pode-se situar aí a raiz das convicções infinitistas de Leibniz a
respeito dos existentes, das substâncias e do mundo criado. Se as ver-
dades contingentes devem ser em número infinito, devem ser igual-
mente infinitas as realidades que verificam essas verdades. Desse ponto
de vista, a infinitude do mundo seria uma decorrência das exigências
imposta pela distinção entre necessidade e contingência vis-à-vis a tese
do praedicatum inest subjecto. E diria respeito não apenas ao mundo efeti-
vamente criado, mas a qualquer que seja o candidato à criação. Pois,
como visto, a determinação da verdade em termos de máxima compos-
sibilidade concerne ao contingente enquanto tal, devendo valer para
todos os possíveis.
Se essas considerações estão corretas, elas permitem suspender
as restrições de Ishiguro anteriormente mencionadas. Pois decorre que,
ao contrário do que ela afirma, a infinitude do universo não seria uma
postulação da qual dependeria a noção de análise infinita, e sim uma
consequência desta. De resto, a impossibilidade de provas a priori das
verdades contingentes não se fundaria na vontade de Deus, e não
depende do princípio do melhor, mas decorreria da distinção entre
necessidade e contingência, que exige que a determinação do valor de
verdade das proposições contingentes se dê em termos de consistência
externa, e não interna.
As mesmas considerações permitem também sugerir uma res-
posta à dificuldade erguida por Mates. Pode-se afirmar que, no caso de
proposições contingentes da forma ‘A é B’, a prova da inclusão de que
o predicado está no sujeito remete à prova da consistência externa da
relação atributiva, prova que, por seu turno, envolve o infinito. Do
ponto de vista da mera consistência interna, visto tratar-se de uma pro-
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tem mais termos do que pode ser descrito por qualquer número finito, e não
que o número de termos é um número finito dado” (GM III, p. 566). “Supo-
nha que todas as subdivisões de uma linha, 1/ 2, 1/4, 1/8, 1/ 16, 1/ 32, etc. efeti-
vamente existem. Inferir dessa série que o termo inifitésimo existe seria um
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são verdades, portanto, não tem um fim, mas tem um limite. Este cor-
responde àquela proposição infinitamente complexa que descreve e-
xaustivamente a totalidade absoluta, isto é, omnitemporal, do que exis-
te, totalidade que Leibniz denomina “mundo” 32 .
Essa passagem ao limite das verdades contingentes, que co-
nhecemos, à totalidade inesgotável da proposição maximal consistente
que descreve o mundo, que nos é impossível percorrer, parece nos ser
de muito pouca serventia no conhecimento dos existentes. Afinal, ela
resulta inútil para a prova de uma verdade existencial, em primeiro lugar
porque dita passagem ao limite não proporciona o conhecimento da
proposição infinitamente complexa a partir da qual a prova seria efetu-
ada. Além disso, mesmo que proporcionasse, a prova envolveria o infi-
nito, sendo inexequível. Em contrapartida, a passagem ao limite parece
desempenhar um papel relevante para a metafísica e a teologia elabora-
das por Leibniz. Pois disponibiliza os expedientes para formular as no-
ções metafísicas a partir das quais ele examina um terceiro labirinto: o
“labirinto da predestinação” 33 .
Uma dessas noções, de mundos possíveis, interessa-nos aqui
diretamente. A tese de que a máxima compossibilidade constitui a con-
dição de determinação dos valores de verdade das proposições contin-
gentes traz consigo não apenas a ideia de mundo, enquanto totalidade
infinita dos existentes, mas também a de uma infinidade de conjuntos
maximais de verdades contingentes totalizando infinitas alternativas à
existência.
erro. Pois penso que não se segue disso senão que há uma fração finita deter-
minável que pode ser tão pequena quanto se deseja” (Id., p. 536). Ver também
GP II, pp. 314 – 315.
32 “Chamo Mundo toda a sequência e toda a coleção de todas as coisas existen-
tes, a fim de que não se diga que vários mundos poderiam existir em diferentes
tempos e diferentes lugares. Pois seria preciso contá-los todos juntos como um
mundo, ou, se se preferir, por um Universo” (Ensaios de Teodiceia I § 8 - GP VI,
p. 107).
33 Discurso preliminar da conformidade da fé com a razão, § 24 – GP VI, p. 65.
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igualmente infinito, é abusar do nome existência, pois não se pode dizer se essas
coisas existem ou não agora. Ora, a existência, tal como a concebemos,
envolve um tempo determinado; nós dizemos que algo existe somente quando
podemos, em algum momento do tempo, dizer ‘esta coisa existe agora’” (Ak
VI, iii, p. 581).
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“…é preciso saber que tudo está ligado em cada um dos Mundos possí-
veis: o Universo, qualquer que possa ser, é uma única peça, como um
Oceano (…). Assim, se o menor mal que acontece no mundo aí faltas-
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se, não seria mais este mundo, que, tudo pesado, tudo computado, foi
considerado o melhor pelo Criador que o escolheu” 38 .
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Referências Bibliográficas
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