Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Carlos Mussa1
INTRODUÇÃO
A partir do século XX o continente Africano vem sendo olhado como um continente falhado em
todos os sentidos: na politica, na economia e no aspecto social. Em suma, falar da África hoje faz
lembrar a miséria, a pobreza e as doenças como a malária, a poliomielite, a cólera e HIV/SIDA.
O afro-pessimismo talhou a África vestindo-a de estereótipos de toda espécie África é sinónimo
de pobreza e vida selvagem. Apesar disto ainda existem os que acreditam na possibilidade de
termos uma África forte.
1
Doutorado em História (França), Docente no Departamento de História e Director do ESTEC na Universidade
Pedagógica.
Uma África forte depende do desenvolvimento das suas cidades e dos seus cidadãos. Uma
África forte depende da criação científica dos seus cidadãos. Uma África forte depende da
capacidade de diálogo entre os africanos para o bem do homem africano e da humanidade em
geral. Uma África forte depende da possibilidade de existência duma democracia real,
participativa e responsável que promova e envolva todos os cidadãos sem exclusão baseada
nas cores partidárias, sem ambiguidades nem complexos. Uma África forte depende da
atitude do homem africano em termos de luta pela auto-estima. O africano não pode ter
vergonha de identificar-se como africano, os africanos tem um passado comum, todos foram
vítimas da exploração colonial, todos sofreram com o comércio de escravos, todos foram vítimas
do sistema colonial europeu, exceptuando a Libéria e a Etiópia. Uma África forte depende
igualmente da sua estratégia de desenvolvimento económico, particularmente na agricultura,
transportes e comunicação, construção civil, turismo, comercio, banca e seguros, aviação civil.
Para construir uma África forte deve-se usar racionalmente as riquezas naturais do continente.
África tem tudo o que se deseja para sair da pobreza. Assim sendo, porque a África
continua a ser o continente mais atrasado? Pelo comportamento de alguns líderes africanos
acredita-se que estes ainda não aprenderam com as lições do passado: colonialismo,
exploração e pilhagem de riquezas em proveito das metrópoles. Uma das lições que mais
marcou os africanos na época colonial foi o comércio de escravos, a exploração colonial, a
repressão e a opressão. Aquilo que também marcou negativamente o continente foi exactamente
a pilhagem colonial, a opressão e a repressão, fenómenos que não se extinguiram com o fim
do colonialismo europeu no continente. Esta herança colonial se traduz na continuidade da
opressão e repressão política em África, onde mesmo depois das independências, em muitos
países, instalaram-se ditaduras da esquerda e da direita que substituíram o poder colonial na
forma de exercer o poder, em pleno século XXI quem oprime os africanos são outros
africanos. A opressão e repressão colonial europeia foram substituídas pela opressão e repressão
africana conduzida por dirigentes africanos. Em África hoje fala-se mais de dirigentes e povo,
no lugar de se falar de cidadãos e Governo, população e Estado. Uma manifestação em África
sempre se reprime com um saldo em mortes, mesmo nos países onde se diz haver democracia.
A economia é raquítica e endemicamente frágil gerando conflitos, insatisfação,
efervescência e resistência popular provocando tumultos de tempo a tempo, tal como aconteceu
na Guine Bissau, em Moçambique, na África do Sul, na Guine Conakri, etc. Mas África não
nasceu como um bebe pobre, a pobreza em África resultou e resulta do comportamento
humano ela pode ser minimizada se houver solidariedade entre os africanos, se os governos
africanos serem solidários, determinados e sérios, se os governos africanos apostarem na criação
dum Estado de Direito, isto e, quando as leis tiverem igual tratamento e igual aplicação para
todos os cidadãos, então nascerá uma África forte. Estado de Direito implica um
compromisso com a Lei, o respeito dos direitos humanos, a aplicação da justiça sem ter como
base a fórmula: a lei e para o inimigo e a justiça para os amigos, uma justiça de
fachada.
A vitória contra a pobreza em África só será um facto quando os africanos perceberem que o seu
desenvolvimento depende de si próprios, da sua atitude e do seu grau de envolvimento e do
compromisso com a democracia e liberdade. Nenhum estrangeiro vai trazer riqueza e distribuir aos
africanos para acabar com a pobreza, a pobreza existe também nos países mais ricos, embora se
manifeste com níveis mais baixos. Transformar e mudar África deve ser uma responsabilidade dos
próprios Africanos nas suas diferentes nações. Não serão os europeus, os asiáticos, os americanos e,
muito particularmente os chineses e brasileiros, a trazer o desenvolvimento, o progresso e o
bem-estar em África. Onde há liberdade o povo não teme os seus dirigentes, respeita-os. Em
alguns Estados da África, mesmo nas universidades onde há mentes abertas e esclarecidas, as
pessoas temem os seus docentes, os gestores da Universidade são temidos em vez de serem
respeitados e isto tem como resultado o seguinte: quando o gato não esta os ratos passeiam a
sua classe por todos os cantos, até na mesa do dirigente.
Ora a liberdade tem como fundamento a responsabilidade, exige um compromisso com os
desígnios da paz e respeito da pessoa humana. Um dirigente é uma pessoa e um cidadão
comum, ele e também é uma pessoa. A liberdade e a democracia abrem as portas para o diálogo,
para o desenvolvimento e para o bem-estar social. Contudo, deve-se perceber que a liberdade e a
democracia não podem ser vistas como a panaceia para resolver todos os problemas da África.
Os africanos devem aprender a amar e respeitar a vida, devem respeitar os direitos humanos,
devem valorizar a paz, a vida e a liberdade. O progresso e o desenvolvimento não dependem
apenas do crescimento económico e do dinheiro, a moral e honestidade devem acompanhar o
desenvolvimento. Hoje existem muitos países em África onde se regista um crescimento
económico assinalável, mas os seus povos continuam cada vez mais pobres porque os dirigentes
se apropriaram do Estado para acumular riquezas pessoais. Servir o Estado passou a ser
sinónimo de abrir as portas para alcançar a riqueza de forma desonesta. Vale tudo. Como
explicar este paradoxo? A resposta pode ser clara se percebermos que o crescimento
económico não se traduz automaticamente num desenvolvimento económico. O
crescimento económico mede-se em números, o desenvolvimento implica avaliar a qualidade
de vida. A qualidade dos cidadãos deve ser a chave para construir uma África forte, dinâmica
e próspera, onde a paz deve ser mantida respeitando a diversidade. Uma economia pode
crescer sem gerar o desenvolvimento almejado, tal como ocorre hoje em vários países africanos.
A pobreza começa quando as elites políticas e económicas africanas capturam o Estado, em
proveito próprio, sem beneficiar outros cidadãos. A pobreza da África hoje tornou-se uma
indústria, uma máquina de fazer dinheiro para os dirigentes e políticos. Hoje para se ter bom
emprego, para se viver bem em África deve-se alinhar com os desígnios dos partidos no poder,
melhor dizendo temos que alinhar na política, mesmo sem querer ser político. Em
consequência África está a tornar-se num continente onde se formam leões de intelectuais
orgânicos que nas universidades e escolas promovem a política do yes man. O estudante
universitário já não tem iniciativa, não tem pensamento crítico e autónomo, o docente
universitário vive como um corpo formatado. Os estudantes são moldados para serem
obedientes e servis.
O nascimento do Estado Moderno em África tem relação com o colonialismo europeu. Foi o
colonialismo europeu que construiu as fronteiras artificiais dos actuais Estados Africanos,
naturalmente, matando as antigas nações, reinos e Estados endogenamente africanos. Os Estados
Africanos nasceram num contexto de conflito entre a modernidade e a tradição. Olhando para a
actualidade, o conflito entre Malawi e Moçambique vem desde o tempo colonial. Hoje temos uma
situação bizarra, onde, ilhas do Malawi estão nas águas territoriais moçambicanas no Lago Niassa.
Também foi o colonialismo que implantou as línguas francas europeias em África, ditas línguas
oficiais, em prejuízo das línguas africanas. As religiões que hoje proliferam em África, embora
sincréticas resultam da adopção do muçulmanismo e do cristianismo, religiões vindas do oriente
pela via do colonialismo europeu e árabe. Na África do Norte domina o mundo árabe. África não
foi colonizada apenas por europeus, mas muitos se esquecem disso. Colonialismo e
colonialismo actuam pela via da pilhagem colonial desprezando os autóctones.
As guerras mundiais, o anti-colonialismo americano e soviético, a acção da ONU, o
movimento dos países não alinhados, criado na década de 1950, propiciaram o ambiente
para a efervescência política em África que viria a terminar nas lutas políticas e nas
guerras de libertação clandestinas ou abertas, para a conquista das independências. Mas,
assim que os Estados africanos se tornaram independentes, eles ficaram reféns dos
libertadores dos países, muitos destes optaram em instituir regimes monolíticos da esquerda
(Moçambique, Angola,) ou da direita (Malawi, Zaire) imitando aquilo que acontecia nas
suas antigas metrópoles. No contexto da guerra fria, os novos Estados ou alinhavam com o
capitalismo ou com o socialismo. Apesar de alinhar com o capitalismo, a maior parte dos novos
países adoptou o mono partidarismo, os Estados empobreceram cada vez mais. O mesmo se
pode dizer dos ditos Estados socialistas. Nos Estados africanos a classe política tornou-se uma
elite intocável e inamovível. Muitos dirigentes africanos não valorizam o diálogo político. Assim
se explica porque houve mais de 53 golpes de Estado em África, desde da altura das
primeiras independências. Vários partidos que chegaram ao poder não ascenderam pela via
do voto popular. Assim, os que se instalaram no poder por meio dos seus partidos
introduziram o monopartidarismo. Esta medida tinha como justificação evitar a dispêndio
de recursos com a criação de diversos partidos políticos. Por outro lado, afirmava-se que esta
opção política pretendia evitar o surgimento de partidos etno-tribais, era necessário matar a tribo
para fazer nascer a nação moderna. Mas os políticos africanos se esqueceram que uma nação
deve ser vista como uma mãe: a mãe não se inventa nem se cria, a nação não se inventa, ela
nasce pela vontade de se querer partilhar o viver comum, pela vontade de querer partilhar os
mesmos sentimentos espirituais e a mesma vivência, pela vontade de querer construir uma
vida comum, a nação deve ser entendida como a alma de uma pessoa, ela é singular,
historicamente particular, cada povo tem a nação que lhe merece de acordo com as suas
origens. Quando o bebe nasce ele não escolhe a nação onde quer nascer, a nação não se cria pela
simples acção política ou por mera imposição Ideológica e política, ela resulta da partilha de
experiências comuns, da comunhão solidária entre os cidadãos que sentem a necessidade de
viverem juntos. Nenhum político tem o direito de reclamar, indo pelos quatro cantos de um país
e dizer: este cidadão me pertence, porque eu o libertei do colonialismo. A liberdade não tem
preço nem patrão. O justo preço da liberdade nasce do sacrifício comum consentido no
processo da luta pela independência. Esta luta não foi apenas dos que pegaram em armas, mas
ela inclui também a luta dos que morreram nas cadeias coloniais por causa da tortura ou dos
que morreram quando as autoridades coloniais reprimiam as manifestações populares ou no
decorrer do trabalho forçado. Quando os líderes africanos reclamam que a Europa deve
pagar pelo comércio de escravos, este discurso não passa duma falácia. Nenhum valor pode
pagar as vidas de escravos vendidos, vitimizados e mortos, a vida de um homem não tem
preço, como se de uma mercadoria se tratasse. Do mesmo jeito, ninguém pode reclamar dizendo
ser o pai da democracia. A democracia deve ser vista como um processo em construção e
reconstrução perpétua, a vida da democracia depende do querer dos povos e cidadãos.
Alguns partidos políticos nasceram, em alguns casos, a partir da transformação dos antigos
sindicatos. Assim se explica, por exemplo, o surgimento de Sekou Toure como líder político
na Guine Konacri (Ki-Zerbo, 1972). Os africanos se apropriaram do pilar do poder político
ocidental - os partidos políticos. Já antes da II Guerra Mundial, em alguns territórios
franceses e britânicos nasceram alguns partidos políticos, por exemplo, o ARPS da Goald
Coast(Ghana), o Nigerian Democrático Parte, o Nacional Congresso of British West África, o
Partido Socialista Senegalês que nasceu em 1929, cujos membros eram intelectuais e
letrados como Leopold Sedar Senghor e Lamine Gueye. (M’Bokolo, 2007: 523) Em
Moçambique, ocorreu um processo similar, os actuais dirigentes políticos foram antigos
membros do NESAM77, da Casa dos Estudantes do Império; deste grupo faziam parte
Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Eulália Maximiano, entre outros. Alguns partidos
procuravam traduzir a multietnicidade regional, por exemplo, o Northern People Congress
da Nigéria. Outro exemplo a indicar: o National Council for Nigeria and Cameroons. Mas
havia também casos de partidos de cariz etno-religioso, como exemplo temos o Gâmbia
Muslim Congress e o Afro-Shirazi Party de Zanzibar.
Para se conseguir a independência houve estratégias diferentes nas diversas colónias. Uns
recorreram a luta armada, assim que o poder colonial se recusou a dialogar pacificamente.
Outros movimentos tiveram sucessos pela via de negociação política, outra forma de luta foi a
não cooperação com o regime colonial e a luta pela via da literatura e imprensa. Assim sendo,
os movimentos políticos passaram de moderados a radicais. Dai a recusa em aceitar o
multipartidarismo visto em tempo como sinonimo de falta de unidade.
As décadas de 1970 e 1980 vão ser marcadas por mudanças profundas. O colonialismo chega ao
fim nos finais dos anos 80. Com a guerra fria, que se acelera dos anos 60 até aos anos 80 do
século XX, em África ocorrem golpes de Estado e eclodem guerras civis (Zaire, Nigéria,
Uganda, Angola e Moçambique). A falência da URSS obriga os países socialistas a aproximar-
se ao ocidente para ter apoios financeiros através do FMI e BM. O colapso da RDA em 1989,
com a queda do muro de Berlim, assiste-se a reunificação alemã, a cortina de ferro cai. Em
1990 a URSS colapsou. Assim, o mundo ocidental passou a ser visto como referência na política
mundial. Os programas de reajustamento estrutural em curso nos diferentes países aprofundam o
compromisso com o mundo ocidental que impõe o multipartidarismo. Assim se percebe porque
em vários Estados africanos os políticos não aceitam o princípio de alternância no acesso ao
poder. Na década 1990 há uma febre e corrida para a introdução do multipartidarismo quer pela via
pacífica, quer como resultado do fim das guerras civis. Contudo esta democracia do tipo
liberal não está tendo sucesso em África devido a aspectos como: não-aceitação da alternância no
acesso ao poder; falta de transparência nos processos eleitorais, sempre contestadas ( ex: Costa de
Marfim, Moçambique, Angola), fragilidades das instituições democráticas, sobrevalorização do
poder executivo em detrimento do legislativo e judicial, existência de uma economia derrapante
e frágil, elevado índice de analfabetismo, forte dependência em relação aos doadores que ate
condicionam os modelos de eleições, inexistência de comissões e tribunais eleitorais
independentes e falta de igual tratamento do voto, havendo a preferência de beneficiar os
candidatos e partidos políticos no poder o que cria um clima comum de déficit político, aparentando
que a oposição está desorganizada e fraca, isto ocorre porque não existe liberdade de acção
política, não se respeitam as constituições politicas vigentes. Em muitos países africanos hoje
temos democracias do tipo “faz de conta”.
A democratização foi imposta pelo ocidente como condição para se ter acesso aos
empréstimos para financiar os projectos de desenvolvimento e os processos eleitorais em África.
Assim a democracia continua a ser um processo em construção, uma miragem, uma meta a
atingir e não um facto consumado. Os pleitos eleitorais são vividos: Kenia e Zimbabwe são
um exemplo claro. A minha pergunta é: os Estados Africanos são uma realidade ou utopia?
Estes Estados são Estados de facto ou Estados “faz de conta”? A resposta a esta questão depende
do lado em que nos encontramos. Se fazemos parte das elites políticas dizemos que sim os
Estados são soberanos, são reais. Mas se estivermos do lado do pobre dizemos que não
houve mudanças substanciais entre o período colonial e o momento pós-independência, apenas
mudaram os beneficiários e actores políticos.
A maior desgraça da África foi não ter conseguido criar uma engenharia política que pode gerar
regimes políticos e Estados endógenos. Com o advento do modernismo adoptou-se o modelo
do Estado colonial das antigas metrópoles, mesmo nos países onde existem monarquias, estas
estão pervertidas, não são genuinamente africanas no conteúdo e na forma de poder.
O poder político deve reforçar-se criando equilíbrio entre os poderes, executivo, legislativo
e judicial. As sucessivas mudanças da Constituição Política não ajudam a consolidar a
democracia uma vez que estas mudanças vão apenas ao encontro dos interesses dos
políticos no poder ou representados no parlamento.
África precisa apostar numa Educacao de qualidade, as Universidades devem ser centros de
produção do saber e não do simples consumo do saber produzido por outros. Deves-se
apostar numa assistência médica mais competente e actuante, deve- se potenciar a cooperação
regional sem menos prezar o mundo extra-africano. Deve- se criar um empresariado nacional
forte, actuante, crítico e com iniciativa, Os africanos devem criar seus próprios bancos para
financiar seus projectos de desenvolvimento. Os Estados devem controlar a Banca e Seguros.
Aproveitando a oportunidade que a natureza oferece, deve-se potenciar a exploração rentável
e sustentável do sector de turismo, mas este turismo deve ser feito olhando para a
necessidade de próprio africano desfrutar dele.
Concluindo: a democracia é um projecto viável em África desde que haja vontade política,
trabalho árduo e entrega.