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08/10/12 Filosof ia & Educação

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Kant: o princípio da acção moral

A teoria ética de Kant oferece-nos um princípio da moral que deve poder ser
aplicado a todas as questões morais. Kant enuncia-o de diferentes maneiras com
o objectivo de esclarecer as suas implicações. Partiremos de um caso simples, de
senso comum, para esclarecer essas diferentes formulações:

Silva reparou que uma pessoa que saía da sua pequena loja deixou cair
uma nota de 50 €. Apanhou-a e ... que fez?

Avaliemos três decisões possíveis de Silva

a) Ficou com os 50 €.
b) Devolveu os 50 € para ficar bem visto e ganhar reputação de
honesto.
c) Devolveu os 50 € pelo simples facto de pertencerem ao cliente.

O princípio do desinteresse

A acção a) é claramente imoral. Silva ficou com os 50 € por causa do seu


interesse. Quanto à acção b), o senso comum diria que é hipócrita ou interesseira,
por Silva devolver os 50 € apenas por isso ser do seu interesse. De facto, o
princípio da decisão em b) foi o mesmo que em a) ― o interesse. Pôr o seu
interesse acima de tudo, como princípio das acções, é imoral. Assim, só a acção
c) é moralmente correcta, já que Silva ultrapassou os seus interesses e agiu de
forma desinteressada.
O nosso juízo sobre cada uma das possíveis decisões de Silva foi guiado pelo
princípio do desinteresse:

"Age desinteressadamente."

A teoria de Kant não impede que a pessoa satisfaça os seus interesses ― afinal
também era do interesse de Silva decidir o que fazer com os 50 € e, apesar de
não ter sido esse o motivo da acção c), também ganhou a consideração do
cliente. O acto deve ser desinteressado mas se, para além disso, satisfizer
interesses, tanto melhor para o agente; se contrariar interesses, paciência.

O princípio da imparcialidade

Podemos enunciar o princípio do desinteresse de outra maneira:

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"Decide com imparcialidade."

Aprovamos moralmente as decisões e as acções quando o sujeito, como no caso


c), decide como um juiz imparcial. Nos casos a) e b) Silva permitiu que os seus
interesses lhe roubassem a imparcialidade.
É provável que Kant, neste aspecto, se afaste um pouco do senso comum. O
senso comum pode pensar que "imparcialidade" será considerar igualmente "cada
um dos interesses envolvidos" ou, então, ajuizar sobre cada caso atendendo ao
"interesse de todos". Mas os "interesses das partes envolvidas" podem ser
igualmente imorais. Quanto ao "interesse de todos" pode nem existir (afinal é
típico os interesses estarem em conflito ...) e, se existir, será, como todos os
interesses, contingente, caprichoso como a humanidade, e a moral não pode estar
sujeita a caprichos. Imparcialidade para Kant significa decidir independentemente
de quaisquer interesses. De facto, Kant pensava, em parte de acordo com o senso
comum, que o progresso moral também ajuda à felicidade e aos interesses mais
dignos das pessoas. Mas ele sabe que a harmonia entre a moral e a felicidade não
é certa e que se a acção moral gerar felicidade será por acréscimo ou efeito
secundário.

O princípio do dever

Se a pessoa não deve agir por interesse, então deve agir por obrigação, por
dever. A acção a) foi em tudo contrária ao dever. A acção b) está em
conformidade com o dever, porque Silva fez o que deveria ter feito, mas foi feita
por interesse e não por dever. Só a acção c), a única a ter toda a nossa
aprovação moral, foi feita por dever. Assim, o princípio da moralidade pode ser
enunciado deste modo:

"Age apenas por dever e não segundo quaisquer interesses, motivos ou


fins."

Devemos ter em mente que falamos de decisões e acções morais. Se um papel


inútil na minha secretária me incomodar, é do meu interesse deitá-lo para a
reciclagem e, ao fazê-lo, não estou a violar o princípio dos deveres; mas se atirar
o papel para o quintal do vizinho, deixo de cumprir o dever de respeitar as pessoas
...

Os deveres morais e as convenções sociais

Os princípios do desinteresse, da imparcialidade e do dever dizem a mesma coisa


e têm as mesmas implicações. Isto permite esclarecer o que são deveres morais:

O dever é uma regra estipulada por uma razão desinteressada,


imparcial.

Assim, podemos evitar o erro, bastante difundido, de supor que os deveres morais
são criações ou convenções sociais. Dois argumentos contribuem para este erro.
O primeiro parte do facto de alguns dos "deveres morais" de uma sociedade
serem diferentes dos de outras, para concluir, erradamente, que todos os deveres
são convenções sociais. O segundo argumento parte do facto de muitas vezes
cumprirmos os deveres contrariados, como se fôssemos obrigados por uma
autoridade externa, para concluir que não podem ter origem em nós mas sim
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numa autoridade externa.


Ora, a teoria kantiana permite distinguir os deveres morais das regras ditadas por
quaisquer autoridades exteriores ao agente. O indivíduo tem na sua razão o
critério dos deveres: pensando desinteressada e imparcialmente ele sabe o que é
o dever. O conflito entre o dever, que é a ordem que damos a nós mesmos ("Sê
honesto!" ― ordenou Silva a si mesmo), e os interesses que nos afastam do
dever ("Mas os 50 € davam-me jeito ..." ― hesitou Silva), explica porque o dever
parece ter uma origem numa autoridade exterior que nos contraria.

O princípio da universalidade

A teoria moral de Kant concilia a ideia de que os deveres morais são criações dos
indivíduos e a ideia de que a moral é universal, comum a todos. Esta ideia pode
surpreender-nos: não é verdade que "cada cabeça, cada sentença"?
A acção correcta é decidida pelo indivíduo quando adopta uma perspectiva
universal. Como? Abstraindo dos seus interesses, a pessoa pensará como
qualquer outra que também faça abstracção dos seus interesses adoptando,
portanto, uma perspectiva universal.
Regressa ao exemplo dado e verifica que qualquer pessoa que abstrai dos seus
interesses e pensa imparcialmente faz o mesmo: é honesta e devolve os 50 €.
Aplica a mesma ideia a deveres morais comuns como "Cumpre as promessas",
"Paga o que deves", "Sê leal", "Não roubes" e verifica, com Kant, que só o
interesse e a parcialidade do agente podem levar à violação de tais regras ou
deveres morais. Eliminada a parcialidade, pensamos segundo uma perspectiva
universal e aprovamo-las. Kant exprimiu esta ideia numa fórmula conhecida por
princípio da universalizabilidade:

"Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo
tempo que se torne lei universal."

Uma máxima é uma regra que deve valer para certos tipos de acção e será moral
ou imoral consoante esteja ou não de acordo com o princípio moral, que é uma
regra que deve valer para todas as acções. A máxima da acção a) poderia
enunciar-se assim "Se isso servir os teus interesses, não devolvas dinheiro ao seu
dono." Poderia Silva querer que ela fosse universalmente acatada? Não, porque a
obediência universal a tal regra criaria um estado de coisas terrível em que mesmo
os seus interesses acabariam por ser lesados ... Tenta transformar outras
violações dos deveres em máximas e pergunta se podes querer que todos as
cumpram. Pode o ladrão querer que todos roubem quando a oportunidade surge?
Podes querer que todos façam promessas sem a intenção de cumprir?

O princípio da autonomia

Se juntares agora o princípio da universalizabilidade e o esclarecimento da origem


dos deveres, compreenderás a ideia surpreendente de Kant de que nas decisões
morais nós somos legisladores criando regras válidas para todos os seres
racionais.
Esta ideia também pode parecer estranha porque nos parece que os deveres não
estiveram à nossa espera para serem criados. Pensamos que são as tradições que
constituem listas de deveres apoiadas em sistemas de punições e recompensas.

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Mas, aceitar esta teoria implica afirmar que a acção c) é impossível porque, nesse
caso, Silva só poderia agir por causa do seu interesse em evitar punições ou de
ser recompensado e, em consequência, a nossa aprovação moral de c) não teria
sentido. Se aceitarmos os princípios já expostos, conclui Kant, aceitamos que em
cada juízo ou decisão moral, o sujeito determina o dever. O facto de esses
deveres coincidirem com alguns dos deveres tradicionais explica-se pela
universalidade da razão. Kant sublinhou esta ideia de autonomia do sujeito em
outras fórmulas do princípio moral:

"Age como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua


vontade, em lei universal da natureza."

"Age ... de tal maneira que a vontade pela sua máxima se possa
considerar a si mesma ao mesmo tempo como legisladora universal."

A fórmula da universalizabilidade ainda poderia sugerir que quando decide


moralmente, o sujeito escolhe entre máximas que ele não criou mas que já estão
disponíveis. A novidade mais notória destas fórmulas está no facto de acentuarem
a autonomia do sujeito: o sujeito deve obedecer apenas a regras que criou, ao
mesmo tempo, para si mesmo e para todos os seres racionais.

O princípio do respeito pela pessoa

Perguntemos como é que, em cada um dos casos a), b) e c), as pessoas são
tratadas.
Em a), Silva usou o outro como meio, como se a outra pessoa fosse uma coisa
ou instrumento, para o aumento directo da sua fortuna. Em b), Silva usou a outra
pessoa como meio de marketing e propaganda. Nestes dois casos, ao mesmo
tempo que usou a outra pessoa apenas como meio, Silva usou-se como meio,
abdicando da sua autonomia para favorecer impulsos e interesses que o
escravizam. Que quer dizer "usar-se como meio"? Silva é uma pessoa, um ser
autónomo. O que constitui esta pessoalidade ou autonomia é a capacidade de
pensar e decidir por si. Mas nos casos a) e b) usou estas capacidades para servir
fins ditados pelo interesse. Usar-se como meio é usar a sua autonomia para a
perder.
Em c), Silva não tratou a outra pessoa como meio, tratou-a como sendo um fim.
Devemos esclarecer esta ideia.
Se a devolução dos 50€ não visou servir qualquer interesse, então para quê fazê-
lo? Qual é a sua finalidade? A finalidade, já vimos, foi a de cumprir o dever pelo
dever. Mas isso, também já vimos, é, ao mesmo tempo, definir a única legislação
adequada a qualquer a pessoa, ou seja, a todo o ser racional, capaz de
ultrapassar interesses para pensar e decidir por si. Assim, cumprindo o dever que
deu a si mesmo, Silva respeita todos os seres racionais, incluindo, claro, tanto o
próprio Silva como a pessoa do seu cliente. O mesmo seria dizer que respeitando
a pessoa do seu cliente, Silva respeita-se e respeita todos os seres racionais,
tomando-os como fins da sua acção.
Kant sintetizou o seu pensamento em outra fórmula

"Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como
na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca
apenas como meio."

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Nota que a fórmula não proíbe as pessoas de serem meios umas para as outras,
porque se o proibisse, proibiria qualquer prestação de serviços. A lei moral não
proíbe Silva de usar os seus clientes para prosperar, mas se Silva enganar nos
preços e não devolver dinheiro esquecido pelos clientes, está a tratá-los apenas
como meios, instrumentos ou objectos.

Júlio Sameiro, 2006

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