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CRESCIMENTO VERDE

O Espírito Santo no Caminho da Sustentabilidade Florestal

GERALDO HASSE

Cadernos do
SINDIEX-4
CRESCIMENTO VERDE
O Espírito Santo no Caminho da Sustentabilidade Florestal

1 Cadernos do
Sindiex-4
ÍNDICE

Apresentação 04

Um negócio chamado madeira 06


A resistência do extrativismo 08

O ciclo da peroba 10
A era do reflorestamento 12

O ciclo do eucalipto 14
A queima do jacarandá 16
A polêmica ambiental 17

Um empreendimento tripartite 18

Uma revolução tecnológica 19


A conexão com a Bahia 21

O foco na madeira 22
A movelaria em guarda 24

Por uma indústria de base 26

Lenha na fogueira 28

Poupança florestal 32

Caixotaria em polvorosa 34

Carvoarias, cuidado 35

Por uma política florestal 36

O cedro e o futuro 38

Bibliografia 40

Fontes referenciais 40

Depoimentos e entrevistas 40

Sites 40

Créditos 41
APRESENTA�O

4
É com grande satisfação que publicamos o quarto O aproveitamento das sinergias coletivas geradas pela
Caderno do SINDIEX, intitulado CRESCIMENTO VERDE participação em arranjos produtivos locais, certamente,
– O Espírito Santo no Caminho da Sustentabilidade fortalece as chances de sobrevivência e crescimento
Florestal, em que o jornalista Geraldo Hasse, num das pequenas e médias empresas, constituindo-se em
texto de leitura muito agradável, faz uma narrativa sobre importante fonte geradora de vantagens competitivas
o desenvolvimento do moderno segmento florestal- duradouras
madeireiro-celulósico-moveleiro do Espírito Santo.
Severiano Alvarenga Imperial
De maneira engenhosa, discorre sobre a modernização Presidente do SINDIEX
dos transportes, a implantação da indústria de máquinas
florestais, a expansão da indústria de móveis, postes
e caixotes, além da criação da área de serviços,
especialmente sua ligação com o segmento portuário
exportador.

Este será o primeiro trabalho abordando os diversos


arranjos produtivos locais existentes ou em implantação
no Espírito Santo que poderão proporcionar um
movimento cada vez maior do comércio exterior capixaba
nos próximos anos.

A publicação conta com o patrocínio e a parceria de duas


outras importantes entidades da economia capixaba,
que são o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo
- BANDES, que desde sua criação procura fomentar e
fortalecer esses segmentos estaduais, e o movimento
empresarial Espírito Santo em Ação, que já nasceu em
2003 com a determinação de lutar pelo desenvolvimento
econômico sustentável estadual, valorizando a associação
de negócios em sistemas colaborativamente articulados.

Práticas de comércio exterior podem ser potencializadas


quando as empresas, governos e comunidades colaboram
para o desenvolvimento, mediante a implementação
de estratégias de formação de agrupamentos sócio-
econômicos locais e de sua inserção no mercado
internacional.

5 Cadernos do
Sindiex-4
UM NEGÓCIO CHAMADO MADEIRA

Os deuses das florestas estavam de bom humor quando brasil, madeira especialmente procurada pelos franceses,
escolheram o Espírito Santo e o sul da Bahia como pólos que dela extraíam uma preciosa tinta para sua indústria de
de máxima biodiversidade. Entre milhares de espécies tecidos. Em 1953, recém-contratado pelo Departamento
vegetais, colocaram nesses lugares muito pau-brasil, de Estradas de Rodagem, o engenheiro Arthur Carlos
cedro, peroba e jacarandá, árvores madeireiras de alto Gerhardt Santos participou da construção da via de
valor monetário que ao longo de cinco séculos iniciados ligação entre a BR-101 e a vila de Barra do Riacho, no
em 1500 proporcionaram conforto e fortuna a povos de litoral de Aracruz. No meio do caminho, perto da Lagoa
várias partes do mundo, a começar pelos portugueses, do Aguiar, ele e os técnicos do DER descobriram uma
que aqui abriram estradas, lavouras e cidades. fazenda bastante antiga cujos esteios e batentes eram
feitos daquela famosa madeira rubra tão apreciada pelos
É ponto pacífico que a mata atlântica remanescente não europeus. Perto dali, segundo o dono da fazenda, havia
possui a mesma riqueza de antes, mas engana-se quem um ponto conhecido como “porto dos franceses” – era o
pensar que a exploração da madeira deixou de existir no lugar onde outrora os indígenas trocavam aqueles paus
centroleste brasileiro. Extinto o extrativismo, ainda bastante avermelhados por bugigangas da civilização européia.
ativo na Amazônia, a explotação madeireira depende Não há registro de quanto tempo durou o tráfego de barcos
agora da silvicultura. Um dos palcos dessa transformação estrangeiros no Riacho, nem sequer quando se extinguiu
socioeconômica-ambiental é Aracruz, município capixaba esse primitivo fluxo de comércio de madeira. Mas não há
que se projetou nas últimas quatro décadas como uma por que duvidar da autenticidade das memórias guardadas
espécie de capital nacional do eucalipto. pelo povo dessas bandas. Até mesmo porque ainda hoje
esse mesmo lugar continua a ser uma fortíssima “boca
Apesar das mudanças, ainda se encontram em Aracruz madeireira”, responsável pelo consumo de mais de 80%
os sinais de que houve aqui uma grande reserva de pau- das toras colhidas na região. E é no porto de Barra do
Riacho que o Espírito Santo embarca o principal produto
Mata nativa de sua indústria de base florestal – a celulose de eucalipto
produzida desde 1978 em Aracruz.

O Espírito Santo (com o sul da Bahia e o leste de Minas,


entre outras regiões do Brasil) está hoje em pleno ciclo
do eucalipto, mas preserva diversos resquícios de ciclos
madeireiros anteriores, inclusive o primeiro, que deu
nome ao Brasil. Uma das provas de que a lida florestal
está no DNA capixaba é a existência em Guaraná, distrito
de Aracruz, de uma comunidade de artesãos que vive da
confecção de arcos de violino bem cotados na Europa e na
Tadeu Bianconi

América do Norte. Arcos de pau-brasil, naturalmente.


Onde essa pequena indústria artesanal encontra matéria-
prima para sobreviver é um mistério que recentemente de ricos começa a adquirir a configuração de um negócio
despertou a curiosidade das autoridades ambientais. bastante interessante. Como dizia em 1992 o engenheiro
Pelo menos um fabricante de arcos de violino admitia que florestal Renato Moraes de Jesus, gerente da Florestas
trabalhava com estoques antigos de madeira oriunda do Rio Doce, subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce
extrativismo que vigia no sul da Bahia, onde se assenta sediada em Linhares: “Um dia ainda vai se descobrir que
hoje a vanguarda da silvicultura brasileira, baseada não há melhor lavoura para ganhar dinheiro do que plantar
na exploração do eucalipto. Outros talvez tenham sido madeira”.
obrigados a abastecer-se no ‘crime organizado’ em
reservas públicas, algumas nas proximidades de aldeias
indígenas. Mas quem se der ao trabalho de ir fundo em
tema tão ricamente contraditório vai descobrir que há não
muito tempo um alemão chamado Horst John realizou em
Guaraná e arredores um inédito esforço reflorestador.
As motosserras empunhadas pelos voluntários do
extrativismo ainda faziam estragos na mata atlântica
capixaba e sul-baiana, na década de 80 do século XX,
quando o velho exportador de madeira plantou pau-brasil
com o objetivo de garantir a sobrevivência do seu pequeno
grande negócio.

Esse negociante, que viveu mais de 40 anos no Rio de


Janeiro, morreu nos anos 90 sem ter colhido o precioso
fruto dos seus plantios, aliás objeto de uma acirrada
disputa judicial posterior. Tampouco viu entrar na moda
Tadeu Bianconi

a palavra sustentabilidade, que marca sutilmente a


mudança em curso nas relações entre os homens e
a Terra. Seu exemplo – um velho plantando árvores...
– inspira capixabas nativos ou adotivos que desafiam a
aproximação da morte biológica investindo na reposição
Floresta de eucalipto
do patrimônio florestal de sua terra-querência.

Alguns plantam árvores nativas, mas a maioria aposta


nas exóticas, que crescem muito mais rápido. O caso
mais notório é o de Camilo Cola, 83 anos, fundador da
Viação Itapemirim. Maior silvicultor individual do Espírito
Santo, com 2 292 hectares de pinheiro norte-americano,
ele intensificou recentemente o cultivo do eucalipto na
região de Venda Nova do Imigrante, na montanha, onde
há 30 anos explora uma serraria. O que parecia um hobby
7 Cadernos do
Sindiex-4
A RESISTÊNCIA DO EXTRATIVISMO

Faz quase meio século que o Espírito Santo esboça partes do mundo, inclusive no Espírito Santo.
colocar a silvicultura no lugar do extrativismo florestal,
a mais antiga atividade econômica do Brasil. A primeira É conhecida a versão histórica de que o território capixaba
experiência de reflorestamento no Espírito Santo foi feita ficou longo tempo coberto de florestas, entre outras
no final dos anos 50 pela Companhia Vale do Rio Doce. causas, porque era proibido transitar do litoral do Espírito
Ao comprar reservas florestais no raio de ação da Estrada Santo para as minas no coração do país. Em conseqüência
de Ferro Vitória a Minas, de sua propriedade, a estatal dessa postura do rei de Portugal, por mais de três séculos
pensava primeiramente em suprir suas necessidades de desenvolveu-se na antiga capitania de Vasco Coutinho
postes e dormentes ferroviários. Nasceu assim a Florestas uma civilização carangueja, bastante restrita à costa
Rio Doce, dona da maior reserva privada de mata atlântica, atlântica. Na população rala, predominavam os indígenas
com 22 mil hectares, em Sooretama, ES. Mais tarde, e os escravos, controlados pelos padres jesuítas, os
quando operava uma subsidiária chamada Docemade, soldados e os fiscais da Coroa.
a Vale começou a projetar um negócio de exportação de
cavacos de madeira para a indústria de celulose do Japão. Em 1810, no fim do ciclo da mineração, quando enfim
Foi o embrião da Cenibra, implantada na década de 70 em se iniciou a construção de uma estrada para ligar Vitória
Nova Era, MG. a Ouro Preto, capital de Minas Gerais, 85% do território
capixaba ainda estavam cobertos por florestas, segundo
É ainda dos anos 50 um marcante intento silvicultor: estimativa do topógrafo Augusto Ruschi (1915-1986), o
pensando em garantir o próprio abastecimento de carvão mais conhecido estudioso da mata atlântica do Espírito
vegetal, a Companhia Ferro e Aço de Vitória (Cofavi) Santo. Aqui, nos primeiros séculos, parece que o corte
plantou milhares de hectares de eucalipto em terras foi realmente seletivo, visando sobretudo o pau-brasil e o
ganhas do governo estadual no município de Aracruz. cedro, indispensável na construção de navios.
Iniciativa malsucedida: além da falta de cuidado no plantio,
houve descuidos no manejo da primeira grande floresta Em meados do século XIX, com a penetração de tropeiros,
cultivada no litoral capixaba. migrantes e colonos dispostos a fazer fortuna com a
incipiente cafeicultura, a exploração florestal tornou-se
Além disso, uma espécie de compulsão atávica para o mais intensa no interior do Espírito Santo. Uma parte da
extrativismo retardou por décadas a tomada de consciência madeira era usada para construir casas, currais, paióis,
quanto à urgência da reposição florestal. Acelerado pelo cercas, canoas e carroças dos colonos. Negociada
rodoviarismo e o desenvolvimentismo dos anos 50/60, o no mercado madeireiro, outra parcela das derrubadas
mito da inesgotabilidade dos recursos florestais brasileiros bancava o sustento dos colonos enquanto seus cafezais
foi levado da mata atlântica para o cerrado e a Amazônia, não entravam em produção.
onde se encontra de pé, ceifando árvores madeireiras
cujas toras alimentam serrarias e indústrias de diversas No final do século XIX e nas primeiras décadas do século

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XX, os principais consumidores de árvores, sob forma de
lenha e dormentes, eram as ferrovias – duas, no Espírito
Santo: a Leopoldina, ligando a capital do Estado ao Rio
de Janeiro, e a Vitória a Minas, atravessando o vale do rio
Doce. Segundo Ruschi, em 1926 a cobertura florestal do
Estado ainda seria de 75%. As famosas selvas do rio Doce,
que haviam encantado os viajantes europeus no início do
século XIX, estavam praticamente intactas, a despeito da
construção, nos primeiros anos do século XX, da Estrada
de Ferro Vitória a Minas.

Mata nativa e floresta de eucalipto


Arquivo Aracruz

9 Cadernos do
Sindiex-4
O CICLO DA PEROBA

Naquele momento os exploradores dos recursos florestais forma de transportar a peroba era por água. Fácil, pois se
estavam tomados pela febre da peroba, uma madeira tratava de madeira leve, capaz de flutuar. Nos rios Cricaré
clara, macia e resistente descoberta na região de Campos, e Itaúnas formavam-se gigantescas balsas de toras de
no litoral do Rio de Janeiro. Ficou tão famosa, a peroba perobas. Sobre as pontas das balsas, colocavam-se
de Campos, que no linguajar popular se tornou “peroba eventualmente algumas toras de madeiras densas, como
do campo”, como se fosse um produto campestre, não o jacarandá, o jequitibá, a macanaíba, o louro, o vinhático.
florestal. Árvore espetacular, ela substituiu rapidamente Na boca do rio Itaúnas, em Conceição da Barra, instalou-
o pinho europeu, usado até então para atender às se a Serraria Pai João, uma das pioneiras do país, movida
necessidades de madeiras leves nas indústrias do a vapor. A madeira assim produzida era transportada de
mobiliário da capital do Brasil. barco para Vitória ou o Rio de Janeiro.

A febre da peroba alastrou-se para o Espírito Santo, Iniciado ao tempo da Primeira Guerra Mundial, o primeiro
devastando rapidamente as matas que haviam escapado ciclo da peroba alastrou-se mais tarde do norte para o
do machado dos cafeicultores, no sul do Estado. De centro do Estado, alcançando finalmente o vale do rio Doce.
acordo com um livro publicado por Domingos Ubaldo em Chegou-se a tentar usar o rio Doce como escoadouro de
1928 sobre Cachoeiro de Itapemirim, havia então nesse toras nos primeiros anos do século XX, mas a turbulência
município 10 serrarias que produziam mensalmente cerca das suas águas não favorecia o transporte por balsas,
de 3 000 m³ de madeiras colhidas nas matas vizinhas e que se desmantelavam. Além disso, predominavam nas
transportadas pela Leopoldina principalmente para o Rio. florestas do rio Doce as madeiras mais duras, que não
flutuavam, exigindo uma nova forma de transporte. A
Igual destino tinha a peroba colhida no extremo norte ferrovia tornou-se então importante via de escoamento
do Estado pela frente madeireira aberta em Conceição da madeira e de carvão vegetal. Em 1920, segundo dados
da Barra, onde se estabeleceram os irmãos Donato, oficiais, a madeira era o segundo produto de exportação do
chegados do Rio com licença oficial para extrair toda Espírito Santo, só superado pelo café, que rendia 15 vezes
madeira de valor comercial existente na mata atlântica. mais, inclusive no aspecto tributário.
Nesse contexto primitivo de abertura de novas fronteiras
para a agricultura, a madeira era um subproduto das A exploração madeireira no vale do rio Doce tomou
derrubadas contratadas para favorecer a ocupação do solo impulso decisivo depois de 1928 com a inauguração da
por migrantes e imigrantes. Bandeirantes modernos, os ponte rodoviária junto à cidade de Colatina, que se tornou
madeireiros puxavam outras lides, como a caça, a pesca, um grande centro de serrarias. Após a Segunda Guerra
o garimpo, a mineração, a pecuária e a agricultura. Mundial, o extrativismo florestal deu nova arrancada
graças à chegada de grandes caminhões capazes de
Mas não havia estradas, lembra o jornalista Rogério deslocar toras de madeiras duras para as serrarias que
Medeiros, que estudou esse período. Portanto, a única se multiplicavam no interior. Em 1954, com a inauguração

10
da segunda ponte rodoviária sobre o rio Doce, na BR-101,
coube a Linhares tornar-se o grande pólo madeireiro
capixaba, de onde partiam os caminhões para o Rio, São
Paulo, Belo Horizonte e, mais tarde, Brasília.

A motoserra portátil, inventada em 1926 na Escandinávia,


só se disseminou no Espírito Santo na década de 60,
quando o percurso rodoviário Linhares-São Mateus ainda

Tadeu Bianconi
era feito à sombra de árvores gigantescas. Viajava-se
vendo a floresta nos dois lados da estrada. A liberdade
de iniciativa empresarial, a disponibilidade de crédito
oficial para as derrubadas e as crescentes facilidades
de transporte propiciaram a rápida devastação desse
Mata nativa
patrimônio.

No rastro dos madeireiros, pioneiros na abertura de


estradas, ficaram as lavouras, fazendas, pastagens,
vilas e cidades. Em Colatina, Linhares, São Mateus e
Conceição da Barra encontram-se ainda os vestígios de
imensas serrarias que marcaram o auge do extrativismo
florestal. Mas no final dos anos 60 já se registrava certa
inquietação no eixo Espírito Santo-Bahia quanto ao futuro
das atividades dependentes da madeira na mata atlântica.

11 Cadernos do
Sindiex-4
A ERA DO REFLORESTAMENTO

Em 1967, caiu nas mãos do governo capixaba o estudo “Para os que conhecem a região, e os dados dos inventários
“Potencial Florestal e Silvicultura no Espírito Santo”, florestais procedidos na mesma isso comprovam, é
elaborado por um escritório técnico do Rio com recursos indiscutível, por exemplo, que o jacarandá já é raro
do Instituto Brasileiro do Café (IBC) e sob a orientação da nas florestas espírito-santenses. Comum, entretanto, é
Codes, embrião do Banco de Desenvolvimento do Espírito encontrarem-se toras desta madeira no pátio das serrarias,
Santo (Bandes). Com mais de 300 páginas, foi o primeiro na beira das estradas e outros lugares, ao abandono. Via
diagnóstico estruturado sobre a condição florestal- de regra, são toras finas, defeituosas, de valor comercial
madeireira capixaba (em 1963, segundo os autores do reduzido, provenientes de árvores que haviam sido
estudo, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal desprezadas na mata quando da primeira explotação, mas
havia iniciado uma investigação sobre o potencial das que posteriormente foram extraídas, na esperança de que
florestas do Espírito Santo e do sul da Bahia, região pudessem render alguma coisa” (página 45).
encarada então como uma continuação da marcha
madeireira iniciada décadas antes no litoral fluminense). “O processo de devastação é acelerado, bastando
ponderar que se foram necessários 4 séculos para o
O estudo faz inúmeras observações sobre as atividades Estado perder 60% de sua área florestada, na atualidade
florestais no Estado. “O regime de explotação é seletivo. bastaram 7 anos apenas – no período de 1959 a 1966
O produtor corta, normalmente, só as espécies que lhe – para que visse diminuída, de novo em 60%, sua reserva
são encomendadas ou para as quais tem possibilidade de de florestas nativas”. Em suas conclusões, o estudo
encontrar comprador” (página 45). “O comércio aventureiro afirma que “a diminuição ou degradação das florestas
e clandestino acha-se difundido. Motoristas-donos de atingiu no Espírito Santo a um índice que não pode mais
caminhão, quando não têm fretes de terceiros, soem ser excedido, exigindo prontas medidas em favor da
transformar-se em compradores de toras que encontram recuperação do referido patrimônio, ora reduzido a menos
na beira das estradas” (página 45). de 15% da superfície do Estado”.
600 mil hectares de florestas industriais entre
ES, MG e BA Outra constatação registra o avanço da pecuária: “Uma
apreciável proporção das antigas florestas, nas áreas mais
ricas, desapareceu para dar lugar a pastagens muito mal
conservadas”. Em outras áreas, ainda não ocupadas pela
criação de gado, “é acentuada a carência das espécies
que antes constituíam a fonte da indústria madeireira”,
havendo o risco de “uma total exaustão das reservas
nos próximos 20 anos”. Na segunda metade da década
de 60, de fato, as reservas florestais capixabas estavam
Tadeu Bianconi

chegando ao fim e boa parte dos madeireiros já ocupava o


sul da Bahia ou tinha partido para a Amazônia. A rigor, apenas o terceiro item foi posto em prática, dando
início ao ciclo do eucalipto no Espírito Santo.
O atraso da indústria madeireira capixaba foi desnudado
em linguagem elegante no relatório: “O padrão da
industrialização da madeira, no Estado, não se encontra
à altura do potencial e qualidade da matéria-prima
disponível, à abundância de mão-de-obra a baixo custo Exemplos de convivência entre
e às facilidades existentes de transporte e embarque” floresta de eucalipto e mata nativa
(página 221). E detalha: “Em grande número de empresas,
o maquinário é obsoleto, a manutenção precária, a energia
é inadequada e o layout é impróprio; com exceção das
fábricas de compensados, nas demais empresas a
secagem é desprezada e em todas as firmas o controle de
qualidade é ausente”.

Tadeu Bianconi
Esses fatores, isolados ou em conjunto, repercutiam sobre
a estrutura de custos, o aproveitamento da matéria-prima
e a qualidade dos produtos. A conclusão do estudo está
expressa num parágrafo de cinco linhas que bem poderia
se aplicar aos tempos atuais: “A menos que o Estado
empreenda uma ação concreta na racionalização dos
recursos florestais remanescentes, promova a reabilitação
da indústria madeireira e encete um programa de
reflorestamento em grande escala, com espécies de rápido

Tadeu Bianconi
crescimento, a crise se fará sentir, levando-o à perda de
sua tradicional posição de importante centro madeireiro
do país”.

Tomando por base os inventários florestais até então


realizados, o estudo estimou em 99 milhões de m³ o
volume de madeira a ser produzido na área florestal
remanescente, calculada em 614 mil hectares, sendo
452 mil hectares em florestas de tabuleiros, classificadas
como “florestas de produção”. Para superar a crise que se

Arquivo Aracruz
desenhava no horizonte, recomendou-se: 1) racionalizar
a explotação das reservas remanescentes; 2) impedir as
derrubadas para lavouras e pastagens; 3) por em prática
as medidas de estímulo ao reflorestamento.

13 Cadernos do
Sindiex-4
O CICLO DO EUCALIPTO

A Ecotec, autora do estudo, era um escritório de organizou a Aracruz Florestal, uma das primeiras empresas
planejamento econômico do Rio de Janeiro. Dele fazia nascidas à sombra do reflorestamento patrocinado pelo
parte, como sócio, o engenheiro mecânico carioca Tesouro. O capital inicial foi aplicado na compra de cerca
Antonio Dias Leite, que havia trabalhado na implantação de 7 mil hectares de terras no município de Aracruz, onde
de uma usina hidrelétrica no interior do Espírito Santo e a Cofavi – atual Companhia Siderúrgica da Grande Vitória
conhecia as pioneiras experiências de reflorestamento – havia feito (e abandonara) plantios de eucalipto como
da Companhia Vale do Rio Doce e da Cofavi. Desde futura fonte de carvão vegetal. As primeiras quotas da
então achava que se devia incentivar o plantio de árvores empresa foram subscritas por Walter Moreira Salles
madeireiras para atender às grandes demandas da (Unibanco), Fernando Portela (Banco Boa Vista), Oscar
época: dormentes, postes, lenha, carvão, madeira para a Americano Filho (CBPO, construtora), Otavio Lacombe
fabricação de compensados e aglomerados. Quando saiu (Construtora Paranapanema), Olivar Fontenelle (Casa
o Código Florestal, em 1965, ele cobrou pessoalmente do Slooper) e Erling Lorentzen (Norsul, navegação), cujo
ministro da Fazenda, Otávio Gouveia de Bulhões, a pronta interesse foi despertado pela perspectiva de transportar a
regulamentação de um dispositivo pró-reflorestamento madeira, no futuro.
previsto naquela lei. O ministro, seu ex-professor de
economia, incumbiu-o de rascunhar a meia dúzia de Segundo Lorentzen, a idéia inicial, difundida por Eliezer
regras que dariam origem ao sistema oficial de incentivo Batista, diretor da Companhia Vale do Rio Doce, era levar
ao plantio de árvores. cavacos de madeira em compartimento separado dentro
dos navios que transportavam minério de ferro para o
Graças a essa legislação, durante quase vinte anos Japão. A hipótese de carga dupla revelou-se inviável
(1967/1986), contribuintes de todo o Brasil tiveram a na prática. Também não foi adiante a idéia de exportar
possibilidade legal de empregar uma parcela do seu cavacos (a US$ 20 a tonelada, segundo estudo da Ecotec
Imposto de Renda no plantio de árvores. No início houve para a Docemade) para indústrias européias de celulose.
apostas até em laranjeiras e macieiras, mas com o tempo Só então, por sugestão de Lorentzen, aventou-se a
prevaleceram os investimentos em árvores madeireiras possibilidade de produzir a celulose no Brasil.
de crescimento rápido, destacando-se o eucalipto e o
pinus, plantados visando principalmente à produção de Exceto pelas iniciativas pioneiras da Vale e da Cofavi, foi
celulose para exportação. O sistema de incentivos fiscais efetivamente no ano de 1967 que começou no Espírito
ao reflorestamento sofreu fraudes e desvios, mas formou a Santo o plantio sistemático de eucalipto em terras antes
atual base de florestas plantadas existente no Brasil. ocupadas por cafezais ou florestas nativas. A redução
drástica da atividade cafeeira levara boa parte da população
Antes mesmo de envolver a Ecotec no estudo sobre o rural a migrar para centros urbanos, principalmente para a
potencial madeireiro do Espírito Santo, Dias Leite (que região metropolitana de Vitória, onde iniciava operações
seria ministro de Minas e Energia no período 1969-1974) o porto de Tubarão, inaugurado em 1966. Outra parte da

14
população levou para regiões como o sul da Bahia e o
norte do Brasil a tradição capixaba de explorar a floresta
e trabalhar com madeira. O processamento da madeira
ocupava então cerca de 30% da mão-de-obra industrial
do Estado.

Centenas de serrarias mantinham-se ainda em operação


de Aracruz a Conceição da Barra e penetravam fundo no
extremo sul da Bahia. Em Colatina já havia duas grandes
fábricas de compensados de madeira, ambas serrarias
antigas – a Barbados e a Alves Marques. Na Serra,

Arquivo Aracruz
começava a funcionar a Atlantic Veneer, uma nova fábrica
de laminados e “carpetes de madeira”, montada pelo grupo
americano Mohring. Na mesma época nasceu a Ceima,
sigla da Sociedade Espírito-Santense de Industrialização
de Madeiras, especializada no tratamento químico de
postes, dormentes e vigas de eucalipto. Plantio de eucalipto

Entretanto, somente no final da década de 70 teve início


o aproveitamento regular do eucalipto para fabricação
da celulose, fruto de uma mudança estratégica definida
no II Plano Nacional de Desenvolvimento. Lançado em
1972, o II PND idealizou grandes indústrias capazes de
substituir importações e exportar manufaturados. Um dos
projetos contemplados foi o da Aracruz, que evoluiu então
de “florestal” para “industrial”. Outro, no leste mineiro, o da
Celulose Nipo-Brasileira (Cenibra), parceria da Vale do Rio
Doce com capitais japoneses.

Irrigada por incentivos fiscais, floresceu a partir de então


no território capixaba uma economia ancorada nos
serviços de exportação e importação. Duas atividades
antigas, a cafeicultura e a extração da madeira, reciclaram-
se para continuar de pé. O café manteve-se viável graças
ao cultivo de uma variedade trazida da África, o conillon.
No caso da madeira, aconteceu também uma virada.
Graças ao eucalipto, o Espírito Santo entrou num ciclo de
exploração florestal sustentável.

15 Cadernos do
Sindiex-4
A QUEIMA DO JACARANDÁ

Por coincidência, na mesma época em que começava o Gerhardt espantou-se ao verificar que, no meio da “lenha”,
cultivo intensivo do eucalipto, os capixabas viviam o final havia pedaços de jacarandá, a madeira mais valiosa da
do explosivo ciclo do jacarandá, que teve como expoente época. “Você é louco, Grecco!?”, disse o futuro governador
Rainor Grecco (1925-2001), “explorador de florestas” que do Estado. “São pontas sem valor comercial”, respondeu o
virou lenda ao furar um cartel de exportadores de madeira. explorador da mata atlântica, que organizaria depois uma
Exportado inicialmente como preciosidade, o jacarandá das primeiras frentes da conquista da Amazônia promovida
não era tão raro quanto faziam crer os estrangeiros pelo governo do general Emilio Garrastazu Médici
que, estabelecidos no Rio ou Vitória, abasteciam os (1969-1973). Pelo menos no Pará e Rondônia, onde os
importadores de madeira da Europa. Foi nesse contexto motosserradores do Espírito Santo tiveram atuação mais
que o empreiteiro de derrubadas Rainor Grecco forçou a ostensiva, a palavra capixaba adquiriu novo significado
porta do mercado europeu. Na moita, no início da década – algo como ‘eficiente trabalhador da floresta’.
de 60, ele lotou um navio com 150 toras de Dalbergia
nigra e foi parar em Gênova, na Itália. Provou assim que
aquela madeira escura, rica em desenhos admiráveis,
era relativamente abundante na mata atlântica brasileira.
Ganhou rios de dinheiro, a ponto de certa noite “fechar” o
Moulin Rouge, célebre boate de Paris, para recepcionar
um grupo de amigos e convidados.

Reverenciado como herói de uma época em que derrubar


florestas virgens era prova de espírito empreendedor
e sinônimo de desenvolvimento econômico, Grecco
foi o responsável direto por 57,7% das exportações de
jacarandá, segundo o jornalista Rogério Medeiros, que o
conheceu profundamente. Outro a desfrutar da intimidade
de Grecco foi o engenheiro Arthur Carlos Gerhardt
Santos, que conta um episódio típico daquele período de
abundância e desperdício.

No início da década de 60, vizinho de Grecco em Vila


Tadeu Bianconi

Velha, Gerhardt pediu-lhe que cuidasse da preparação da


fogueira junina que suas filhas adolescentes tanto queriam.
A imponência do
“Não se preocupe, deixe por minha conta”, disse o vizinho.
jacarandá
No dia da festa, antes de acender a grande fogueira, na mata nativa

16
A POLÊMICA AMBIENTAL

Ao mesmo tempo em que manteve as florestas brasileiras um lance tributário de resultados duvidosos. Além da
na dupla condição de fonte de matéria-prima madeireira incerteza quanto ao sucesso do novo mecanismo fiscal,
e espaço privilegiado para o alargamento da fronteira eles desconheciam o ramo florestal e pouco sabiam da
agrícola, o racionalismo econômico dos primeiros realidade do Espírito Santo. Quando o empreendimento
governos militares consagrou o eucalipto e o pinus como passou de florestal para industrial, todos os sócios se
os cavalos de batalha da política de incentivos fiscais ao voltaram naturalmente para o norueguês Erling Lorentzen,
reflorestamento. Em 1972, ano da primeira conferência imigrante chegado na década de 50 para trabalhar no
sobre ecologia e desenvolvimento, realizada em transporte de petróleo. Casado com uma integrante da
Estocolmo, a defesa do meio ambiente não figurava no rol família real da Noruega, ele tinha bons contatos no mundo
das principais preocupações de autoridades e empresários. dos negócios da Escandinávia e fez a ponte que permitiu a
Por isso soavam como excentricidade as manifestações transferência da tecnologia de fabricação de celulose para
do topógrafo Augusto Ruschi contra a monocultura da o negócio montado 60 quilômetros ao norte de Vitória. De
árvore australiana em terras antes ocupadas por matas de sua trincheira em Santa Teresa, Ruschi chamou a atenção
surpreendente biodiversidade. para o potencial poluidor do empreendimento. “Ele disse
que uma nuvem de não sei quantos quilômetros cobriria
Estudioso da mata atlântica em Santa Teresa, onde Vitória”, lembra o ex-governador Arthur Carlos Gerhardt
respondia por pesquisas do Museu Nacional do Rio Santos, também ex-presidente da Aracruz Celulose.
de Janeiro, Ruschi não falava apenas por si, como No eucaliptal padrão, são
botânico cioso de um rico habitat; vocalizava temores plantadas 1111 árvores/hectare
difusos de grupos sociais ante a presença de empresas
multinacionais na economia brasileira; e fazia eco
também a uma campanha internacional absorvida pela
FAO, o órgão das Nações Unidas para a agricultura e a
alimentação. Inicialmente botânica, a polêmica sobre os
supostos malefícios do eucalipto ao solo, à flora e à fauna
foi alimentada por interesses econômicos diversos, entre
eles a competição entre potências florestais e as indústrias
papeleiras nelas instaladas. Além disso, contribuiu para
criar certo clima emocional o livro Primavera Silenciosa,
de Rachel Carson. Publicado em 1962, ele condenava os
plantios de florestas homogêneas de pinus, comparadas a
“desertos verdes” nos Estados Unidos.
Arquivo Aracruz

Para os financistas cariocas que o subscreveram, o


projeto da Aracruz Florestal foi inicialmente apenas
UM EMPREENDIMENTO TRIPARTITE

A trajetória da Aracruz se confunde com a história do Uma lenta evolução da tecnologia de plantio, processamento
Espírito Santo moderno porque foi esse o primeiro e tratamento da matéria-prima fez da celulose de eucalipto
grande grupo externo a instalar-se no Estado. Ele tinha um produto nobre, com preços variando entre US$ 390 e
características inovadoras. Fruto de incentivo fiscal, não US$ 1000 a tonelada. Metade do eucalipto consumido pela
era apenas privado, mas de capital misto: “um projeto Aracruz é usado na fabricação de papéis especiais para
tripartite”, envolvendo capital estrangeiro, capitais nacionais grandes clientes como a Kodak e a Procter&Gamble. Mérito
e dinheiro público. Como os grandes projetos siderúrgicos da fibra curta, que dá maciez ao produto final.
implantados no Estado pela Companhia Vale do Rio Doce,
a Aracruz teve inspiração, incentivo e apoio da União. O A chave do sucesso econômico da Aracruz Celulose é o
BNDES entrou com 42% do capital do empreendimento, baixo custo florestal, equivalente a ¼ do custo vigente na
no qual mantém hoje uma participação de 12,5%. Suécia. Segundo Walter Lídio Nunes, diretor de operações
da empresa, deve-se especialmente ao clima tropical
Quando começou a operar em 1978, com uma produção a atual distribuição espacial dos atores do gigantesco
anual de 400 mil toneladas, a Aracruz era a maior mercado mundial de papel e celulose. Devido ao maior
indústria de celulose do mundo. A tecnologia foi fornecida rendimento florestal, a indústria de celulose concentrou-se
pela Billerud sueca, depois absorvida pela Stora Enso no Hemisfério Sul; para ficar próxima aos maiores mercados,
finlandesa. A Billerud tinha uma planta de celulose de a indústria de papel está concentrada no Hemisfério Norte.
eucalipto em Portugal. No Brasil, algumas fábricas como a Pesam nessa divisão também os custos das terras e da
Melhoramentos, a Suzano, a Champion e a Klabin-Riocell mão-de-obra.
trabalhavam com eucalipto, mas encontravam dificuldades
para produzir uma celulose de alta qualidade.

Vista aérea da Aracruz em Barra do Riacho / ES A silvicultura protegendo a mata nativa


Arquivo Aracruz Tadeu Bianconi

18
UMA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

Para se tornar líder mundial no plantio de eucalipto, controlados. Assim nasceu o Eucalyptus urograndis, fruto
o Brasil desenvolveu uma tecnologia respeitada da mistura dos Eucalyptus urophyla e grandis. É uma
internacionalmente. Boa parte desse sucesso foi obtido espécie de árvore ideal para a produção de celulose no
nos laboratórios, viveiros e talhões da Aracruz no Espírito leste brasileiro: possui o caule reto e não tem galhos – os
Santo e no sul da Bahia, onde se conseguem hoje nós, ricos em lignina, dificultam a fabricação da pasta de
rendimentos três a quatro vezes maiores do que a média celulose. Esse trabalho de melhoramento genético rendeu
brasileira na época dos primeiros incentivos fiscais. Em aos técnicos da Aracruz o prêmio Marcus Wallenberg
1967, o rendimento médio dos eucaliptais de São Paulo concedido em 1984 pela Academia de Ciências da Suécia.
não ia além de 16 m³/hectare/ano. No sul da Bahia, em Na prática, pode-se dizer que o urograndis é o eucalipto
áreas de campo, a Aracruz já chegou a 60 m³/ha/ano. naturalizado brasileiro. Ou capixaba.

Por dar mais dinheiro do que a pecuária extensiva ou Ainda nos anos 80, a técnica da reprodução de clones do
culturas de subsistência, a árvore australiana ganha novos eucalipto foi transferida gratuitamente para a cafeicultura
adeptos na zona de influência do pólo de celulose baiano- e a cacauicultura, que se beneficiaram das conquistas
capixaba-mineiro, onde operam três fábricas e uma quarta genéticas da equipe dirigida pelo agrônomo Edgard
prepara-se para entrar em atividade em meados de 2005. Campinhos Jr. Hoje consultor independente, Campinhos
Com a entrada em produção da Veracel em Eunápolis, chegou a difundir suas descobertas na China, grande
em maio de 2005, está se formando o seguinte quadro no plantadora de eucalipto. É provável que no futuro os
triângulo da celulose: capixabas venham a se arrepender de ter ajudado a
transformar os chineses em bons players no mercado
Produção anual Área própria Área de fomento
internacional de papel e celulose.
toneladas hectares hectares
Na década de 90, com o crescimento da disputa
Aracruz 2 000 000 200 000 60 000 mercadológica no universo da biotecnologia, a Aracruz
Cenibra 750 000 130 000 em implantação deixou a liberalidade de lado e registrou o DNA dos
Bahia Sul 650 000 90 000 15 000 clones que lhe permitiram obter, sucessivamente: maior
Veracel 900 000 80 000 em implantação resistência a pragas, maior velocidade no crescimento
florestal, maior produção de madeira por área e maior
Os técnicos da Aracruz começaram apanhando dos rendimento de celulose por hectare. Se a prioridade
insetos. O combate às formigas era difícil e precário; inicial era a sanidade das florestas, a última foi a busca
o cancro atacava seriamente as árvores nascidas de de melhores resultados no processo industrial, de forma
sementes trazidas de Rio Claro, SP. Quando se deu a conseguir, por exemplo, uma tonelada de celulose com
conta de que não teria sucesso com o material genético 3m³ de madeira (no início, essa relação era 1t/3,8 m³).
disponível no Brasil, a empresa buscou novas progênies O atendimento a necessidades específicas dos clientes
no mundo inteiro, fez cruzamentos e daí tirou híbridos
19 Cadernos do
Sindiex-4
foi um luxo recente. “Hoje a floresta é para nós uma
plataforma de fibras flexíveis”, diz Walter Lídio Nunes, o
diretor de operações, garantindo que o desenvolvimento
tecnológico eliminou o risco de uma floresta inadequada,
em termos econômicos.

Resolvidos os principais problemas com o manejo do


eucalipto para celulose, a Aracruz tratou de ampliar
a escala de sua produção. Passou a enfrentar então
obstáculos na burocracia do licenciamento ambiental.
Depois de demoradas negociações, obteve em 1987
licença para duplicar a planta industrial, mas não para
aumentar a área cultivada de eucalipto, alvo fixo de uma
campanha contra os riscos das monoculturas vegetais.
Com pouco mais de 100 mil hectares, o eucalipto ocupava
então 2% do território do Espírito Santo, bem menos do
que o café (500 mil hectares) ou as pastagens (1,8 milhões
de hectares). A empresa também foi proibida de adquirir
terras no Estado.

Laboratório da Aracruz

Arquivo Aracruz
A CONEXÃO COM A BAHIA

Para garantir a matéria-prima necessária ao funcionamento Visando defender o eucalipto da campanha que o colocava
da fábrica ampliada, a Aracruz foi plantar eucalipto no sul como vilão do meio ambiente, a Aracruz montou uma
da Bahia, onde não havia barreiras ou restrições. Pelo equipe de pesquisa que chegou a reunir 60 especialistas
contrário, fora plantios avulsos, feitos por voluntários da em diversas áreas, como microbiologia do solo, ornitologia,
silvicultura inspirados no antigo exemplo da Cia Vale do ecologia e zoologia. O objetivo era reunir dados sobre a
Rio Doce, havia ali uma grande frente florestal aberta pelo convivência entre a vegetação nativa e as florestas
grupo paulista Suzano, que esboçava a implantação do plantadas, que ocupavam dois terços das áreas disponíveis.
projeto da Bahia Sul Celulose, originalmente pensado Liderado em seu início pelo agrônomo Lineu Siqueira,
para Linhares, no Espírito Santo. Como a vegetação esse grupo científico multidisciplinar foi parcialmente
não respeita divisas estaduais, o eucalipto tornou-se desmobilizado durante uma das crises cíclicas do mercado
um dos denominadores comuns da paisagem no pólo mundial de celulose, no início da década de 90, quando
florestal-celulósico emergente no eixo ES-BA-MG, onde os principais projetos de pesquisa passaram a depender
se encontram pelo menos 600 mil hectares de florestas de convênios com órgãos de pesquisas ou universidades.
industriais – sem contar o que foi plantado em regiões Entre os principais parceiros da Aracruz, destacam-se a
como o vale do Jequitinhonha visando ao carvão vegetal escola de agronomia de Viçosa, o Instituto de Pesquisas
para a siderurgia. Tecnológicas (IPT) da Universidade de São Paulo, a
Funatura (Fundação Pró-Natureza) e o Inpe (Instituto de
Como parte de sua estratégia de sobrevivência futura, Pesquisas Espaciais).
a Aracruz passou a fomentar o plantio de eucalipto em “Os esforços de pesquisa vêm gerando conhecimentos
pequenas propriedades rurais. Implantado primeiro no valiosos para a sustentabilidade de nossas práticas de
Espírito Santo, depois em Minas e mais tarde na Bahia, manejo florestal. E têm contribuído também para esclarecer
esse sistema de fomento florestal alcança hoje mais de uma série de mitos sobre o cultivo do eucalipto — uma
2 mil agricultores e representa cerca de 10% da madeira árvore extremamente versátil e útil para a sociedade”,
consumida pela empresa. Está em expansão para chegar observa Carlos Aguiar, diretor-presidente da Aracruz.
a 30% do suprimento da fábrica, hoje cinco vezes maior do Viveiro de mudas clonadas de eucalipto
que no início. Além de oferecer ao agricultor as mudas, o
fertilizante, o formicida e a assistência técnica no manejo
da área cultivada, a Aracruz dá adiantamentos financeiros
por conta da futura compra das toras. Na década de 90, o
fomento florestal incorporou como parceira a Emater-ES,
cujos técnicos passaram a assistir o plantio de árvores
nativas e exóticas. Aos poucos, os agricultores começaram
a se dar conta de que o eucalipto é uma alternativa de
receita rural. Tadeu Bianconi

21 Cadernos do
Sindiex-4
O FOCO NA MADEIRA

O foco das investigações da Aracruz sempre esteve interior paulista. Edmundo Navarro de Andrade (1880-
concentrado no desenvolvimento do eucalipto para 1941), o agrônomo responsável pela “importação” maciça
celulose, mas a empresa nunca desdenhou os do eucalipto e pelas pesquisas sobre suas utilidades,
conhecimentos existentes sobre as outras aptidões da provou que o eucalipto era bom também para móveis.
árvore australiana, especialmente na marcenaria. Prova Suas experiências, entretanto, ficaram confinadas ao
disso era uma bela mesa onde, no início da década de 90, Horto de Rio Claro, onde se podem admirar belas peças
costumavam fazer suas reuniões gerais os pesquisadores de mobiliário fabricadas pelo pessoal do serviço florestal
da Aracruz. Os visitantes se surpreendiam ao saber que da Paulista, depois Fepasa, atual Ferroban.
aquela madeira clara, rica em desenhos, não era baraúna,
peroba ou qualquer das maravilhas da mata nativa O vegetal oriundo da Austrália produziu nova surpresa
brasileira, mas o singelo imigrante vegetal da Austrália. nos anos 50, quando Max Feffer (1927-2001), herdeiro da
Fruto de uma aliança entre a tecnologia do IPT e a Companhia Suzano de Papel e Celulose, teve sucesso em
habilidade de um moveleiro capixaba, a mesa sugeria um suas experiências no emprego da fibra curta do eucalipto
novo emprego para aquela madeira, no futuro. Tratava-se como matéria-prima da celulose. Foi nessa brecha que se
da redescoberta de pesquisas feitas na década de 30 em infiltrou a Aracruz Celulose. Fora do ramo papel/celulose,
Rio Claro, SP. quem mais plantou eucalipto no Brasil foram siderúrgicas
mineiras que necessitavam garantir suprimentos de carvão
Presente na América do Sul desde a primeira metade do vegetal.
século XIX, o eucalipto começou a ser cultivado em grande
escala no Brasil nos Ao aprofundar o conhecimento sobre o eucalipto, suprindo
primeiros anos do século uma lacuna deixada pelos países do Hemisfério Norte, que
XX pela Companhia concentraram suas pesquisas em coníferas, a Aracruz
Paulista de Estradas de abriu caminho para algo que não estava no seu projeto
Ferro, a mais eficiente original, mas acabou entrando em seu plano de negócios:
ferrovia brasileira da a produção de sólidos de madeira. Foi no final dos anos
época. Para garantir o 90, quando a empresa constatou a existência de um
suprimento de lenha, “problema”, principalmente no sul da Bahia: um excedente
dormentes e postes, a de madeira representado por árvores acima de sete anos,
empresa implantou 17 a época ideal de corte para aproveitamento na indústria de
hortos florestais ao longo celulose.
de seus trilhos, entre
Jundiaí e Colômbia, no No espaçamento 3 x 3 metros, um eucaliptal padrão
A Lyptus facilita o Aracruz, contendo 1111 árvores por hectare, visa
uso de eucalipto na primordialmente fornecer o máximo volume de madeira no
indústria moveleira
Arquivo Aracruz 22
corte raso aos sete anos, mas pode ser objeto de um corte como diz seu diretor, o engenheiro Lupércio Lima. Os
parcial de até 70% do material. As árvores remanescentes resultados são visíveis em capas de revistas de arquitetura
engrossarão até o ponto de, aos 14 anos, atingir o diâmetro e decoração.
necessário para disputar um mercado bilionário -- tábuas,
pisos, laminados, perfis e outros insumos das indústrias do Além da relação de parentesco acionário, a Tora mantém
mobiliário e da construção civil. “O Brasil é incipiente no com a Lyptus uma parceria na busca da madeira certa para
uso industrial da madeira”, diz Walter Lídio Nunes. cada projeto. É com afinidade semelhante que sonham os
outros (poucos) clientes brasileiros da Lyptus, entre os
Foi precisamente para “testar” esse mercado que a Aracruz quais se destaca a tradicional Locatelli, de Colatina, que
investiu US$ 40 milhões na implantação da Lyptus, uma se baseia no eucalipto para produzir uma linha de móveis
serraria mecanizada em Posto da Mata, no sul da Bahia. escolares. Já em Linhares, cujo pólo moveleiro trabalha
Voltada mais para a exportação do que para o mercado principalmente com madeira aglomerada, a introdução
interno, essa unidade começou a operar em 1999 e do eucalipto maciço nas linhas de produção é lenta, pois
está para dobrar sua capacidade de produção, pois há os fabricantes de móveis temem que a irregularidade
disponibilidade de madeira no sul da Bahia – uma serraria no fornecimento desse novo/velho insumo venha a
como a Lyptus precisa de 30 mil hectares de mata. comprometer suas linhas de montagem.
Mudas de eucalipto sendo retiradas do viveiro
Entretanto, disposta a manter o foco no eucalipto para
celulose, a Aracruz resolveu entregar a operação da Lyptus
ao seu maior cliente norte-americano, assim transformado
em parceiro. Mas a direção da empresa está convencida de
que produzir eucalipto para serrarias a serviço da indústria
moveleira e da construção civil tende a virar hábito no

Arquivo Aracruz
Brasil. Desde que haja matéria-prima, naturalmente, não
é fora de propósito pensar na implantação de serrarias
semelhantes em outras regiões. Muito mais do que a tora
fina triturada pela indústria de celulose, a tora grossa é o
começo de uma interminável cadeia produtiva capaz de Raiz da muda de eucalipto
multiplicar várias vezes o valor da matéria-prima florestal.
Tudo começa nas tábuas. Ou até antes.

Uma boa prova disso é a Tora Logs, indústria implantada


há cinco anos no Espírito Santo pelo grupo Lorentzen,
detentor do controle acionário da Aracruz, com 28% do

Arquivo Aracruz
seu capital. A Tora juntou tecnologia do mundo inteiro
e especializou-se no fornecimento de madeira maciça
para residências de alto padrão. Só opera com madeira
plantada: eucalipto e pinus. Praticamente sem concorrente
direto, “a Tora transforma árvores em conforto e estilo”, Close de viveiro de eucalipto
23 Cadernos do
Sindiex-4
A MOVELARIA EM GUARDA

A expressão “apagão florestal” aparece com freqüência restante é eucalipto, cuja valorização tornou essa madeira
nas conversas de Domingos Rigoni, o maior fabricante – mesmo a produzida no Espírito Santo ou no sul da Bahia
de móveis do Espírito Santo. Dono da Movelar, ele fala do -- mais cara do que o jequitibá trazido do Mato Grosso.
“apagão” para enfatizar que o Brasil vive um quadro crítico Mistérios de um mercado em que ainda convivem os frutos
de escassez de madeira. “Quem imaginaria que para fazer do extrativismo florestal e da silvicultura em larga escala.
móveis o Brasil precisaria importar madeira da Argentina? A valorização do ex-maldito eucalipto tem a ver com a
É o que já está acontecendo em Santa Catarina”, diz demanda internacional por móveis feitos com madeira
ele, ressalvando que a crise da madeira é um fenômeno originárias de florestas sustentáveis.
internacional.
A história do moderno pólo moveleiro de Linhares
As fábricas de móveis do Espírito Santo ainda não começou na década de 60, quando José Maria Rigoni
chegaram a importar madeira, mas precisam buscar decidiu fabricar no próprio sítio, na zona rural, os bancos,
matéria-prima a 1 400 quilômetros, no Paraná, já que cadeiras e mesas de que precisava sua numerosa família
as primitivas indústrias capixabas de chapas entraram – os pais e 14 irmãos. A indústria caseira, no porão da
em colapso justo quando emergia o pólo moveleiro de residência, cresceu atendendo encomendas de vizinhos.
Linhares, município que foi sede de centenas de serrarias O crescimento da demanda levou os Rigoni a instalar
até os anos 60. uma marcenaria com maquinário alugado nos arredores
de Linhares em 1969. Assim, escorada pela freguesia, a
Segundo Domingos Rigoni, paga-se cada vez mais caro Movelar se tornaria uma verdadeira escola do ramo.
pelas matérias-primas mais importantes. De abril a agosto
de 2004, o preço da madeira aglomerada subiu 33%; a Responsável por um terço da produção de móveis
de MDF (medium density fiberboard), 30%. Esses dois seriados de Linhares, a Movelar emprega hoje 970
insumos representam 95% do consumo da Movelar; o pessoas e terceiriza o trabalho de mais 300 operários em
duas outras fábricas tocadas por João e Rita Rigoni, os
caçulas da família. No total, contando mais duas indústrias
pertencentes a José Maria (Delare) e Luiz (Rimo), os
Rigoni empregam a metade da mão-de-obra ocupada na
indústria de móveis local, constituída por mais de 150
empresas, com um total de 3 500 empregos diretos. No
Estado, contando os pólos localizados em Colatina, na
Grande Vitória e no sul do Estado, a indústria moveleira
capixaba emprega diretamente cerca de 10 mil pessoas e
Arquivo Aracruz

tem um faturamento anual de cerca de R$ 500 milhões.

24
Móveis fabricados com eucalipto
Luiz Rigoni, que preside o Sindicato da Indústria da
Madeira e do Mobiliário de Linhares, considera o Espírito
Santo privilegiado porque 70% da mão-de-obra empregada
no ramo descende de italianos, que “têm a carpintaria e a
marcenaria no sangue”. Enquanto Linhares se destaca
em móveis seriados, Colatina continua forte em móveis
sob encomenda e Vitória é um centro de excelência em
mobiliário personalizado, sob design ou orientação de
arquitetos e decoradores.

Para se equiparar aos competidores no mercado


internacional, os moveleiros de Linhares criaram o Centro
de Tecnologia de Móveis, que forma pessoal técnico em
prazos mais curtos do que o Senai local. As fábricas que
podem mandam seus técnicos para centros moveleiros
mais evoluídos no sul do Brasil ou em outros países. Um
recente diagnóstico da situação da indústria do mobiliário
do Espírito Santo mostrou que o seu principal gargalo é a
dificuldade no suprimento de madeira.

Cadeira Diz
Design: Sérgio Rodrigues
Material: eucalipto

25 Cadernos do Arquivo Aracruz


Sindiex-4
POR UMA INDÚSTRIA DE BASE

Para escapar dos efeitos do “apagão florestal”, os capixabas visitou uma indústria recém-implantada pela
moveleiros capixabas tentam atrair para perto de si Duratex em Botucatu, SP. Entre os visitantes estavam o
uma fábrica de madeiras aglomeradas ou MDF capaz secretário da Agricultura Ricardo Ferraço, o economista
de atender a um consumo regional estimado em 13 mil José Antonio Buffon, diretor de operações do Bandes,
m³/mês (o terço restante da produção mensal de 20 mil e o industrial Luiz Rigoni, presidente do Sindicato das
m³ seria exportado ou colocado em estados vizinhos, Indústrias da Madeira e do Mobiliário de Linhares.
principalmente em Minas, onde se destaca o pólo moveleiro
de Ubá). Só assim poderão livrar-se de fretes que chegam Os integrantes de órgãos do governo capixaba acreditam
a onerar os produtos finais em 15%, contribuindo para que o assunto ainda não chegou ao ponto ideal de
minar a competitividade dos móveis seriados de Linhares. amadurecimento, quando haverá uma natural convergência
para resolver o impasse, “talvez com a participação de uma
“Nosso futuro é negro”, diz Domingos Rigoni, num empresa-âncora desse mercado”, diz Buffon, do Bandes.
desabafo meio brincalhão em que expressa o sentimento Segundo ele, a indústria de aglomerados de madeira no
de insegurança de todos os que lidam com madeira no Brasil tem capacidade ociosa, que se esgotará em três
território capixaba. Como os moveleiros não têm recursos anos, no ritmo atual de crescimento do consumo. Assim,
para investir fora de suas atividades originais, resta-lhes pode-se pensar em 2008 como o ano do equilíbrio entre a
torcer para que capitais de outras áreas ou regiões venham oferta e procura de MDF e similares.
aplicar na silvicultura e na montagem de uma indústria de
base, resolvendo assim o duplo dilema da cadeia produtiva Já pensando lá na frente, Luiz Rigoni acredita que a
da madeira no Espírito Santo: localização ideal para essa indústria de base estaria entre
os municípios de João Neiva, favorecido pela proximidade
1- quem investirá US$ 80 milhões numa fábrica de madeira dos centros consumidores e a existência da conexão
aglomerada/MDF numa região marcada pela escassez de rodoferroviária; e Pedro Canário, onde haveria terras
matéria-prima? ociosas e mecanizáveis para o plantio intensivo de árvores
madeireiras.
2- quem plantará árvores madeireiras em terras
que mesmo ocupadas por pastagens anti-econômicas não Embora não seja grande consumidora de madeiras – a
são exatamente baratas? maior parte da demanda vem da indústria de celulose (ver
a tabela I) --, a indústria de móveis é a mais exigente em
A saída desse círculo vicioso pode estar numa aliança entre qualidade da matéria-prima e tempo para a colheita (14
a iniciativa privada e o governo do Estado. A implantação anos contra sete anos para a celulose).
de uma fábrica de madeira aglomerada no Espírito Santo
está realmente na agenda do governo estadual. Em março
de 2004 um grupo de autoridades, empresários e técnicos

26
27 Cadernos do
Sindiex-4
LENHA NA FOGUEIRA

No frigir dos ovos, caberá de fato à silvicultura a resolução a generalizar-se a convicção de que a silvicultura tem
do impasse em que se encontra a indústria de base espaço para prosperar no norte do Espírito Santo e no
florestal do Espírito Santo e arredores. A cultura de árvores sul da Bahia, onde abundam as pastagens degradadas
madeireiras começa a caber dentro do horizonte imediatista (ver a tabela II). A dúvida é saber se haverá terras baratas
dos agricultores. Na família Rigoni, por exemplo, pelo o suficiente para justificar a implantação de uma cultura
menos um dos 14 irmãos planta eucalipto em grande típica de longo prazo, à qual não estão habituados os
quantidade. Trata-se de Laurito Rigoni, agrônomo formado proprietários rurais.
em 1961 em Viçosa. Ele é o segundo filho do velho
Jerônimo Rigoni (Iconha, 1912), que atravessou o rio Diversos levantamentos oficiais indicam que pelo menos
Doce em 1939, já com meia dúzia de dependentes. Desde um terço do território capixaba tem aptidão florestal.
que deixou de ser sócio da Movelar, em 1989, Laurito Uma certa racionalização econômica no uso do solo
passou a investir em lavouras de café, cacau e madeira. leva diversos proprietários a optar espontaneamente
Possui atualmente dois milhões de eucaliptos no Espírito pelo cultivo do eucalipto, abandonando paulatinamente
Santo e no sul da Bahia. No começo, só contava com a a pecuária extensiva ou estabelecendo consórcios entre
demanda da indústria de celulose. Ultimamente, a procura a criação de gado e a silvicultura, nos moldes de uma
aumentou. Afortunadamente, o eucalipto virou uma proposta da Embrapa para recuperar pastos deteriorados
espécie de commodity florestal. Tanto em áreas planas na região amazônica. Tal modelo pode ser válido para a
como nas montanhas. região da mata atlântica, onde velhos remanescentes do
ciclo de exploração extrativista dos recursos florestais do
De fato, já não é difícil encontrar empresários dispostos centroleste alinham-se hoje como adeptos da produção
a investir no plantio de árvores madeireiras. Começa sustentada de madeira.

Eucalipto cortado para produç�o de celulose Anthero Bragatto nasceu em 1925 em Ibiraçu e desde
garoto acompanhou a aventura da exploração da madeira
nas selvas do vale rio Doce. Viu Colatina ser tomada pelas
serrarias depois da abertura da ponte rodoviária no final
dos anos 20 e Linhares virar a capital da madeira após a
inauguração da ponte da BR-101 pouco antes do suicídio
do presidente Vargas em 1954. Trabalhou especialmente
com dormentes, o produto florestal de maior demanda nas
décadas de 50 e 60.

Quando o presidente Castello Branco (1964-1966) criou


uma lei tornando obrigatório o uso de madeira tratada em
Tadeu Bianconi

obras públicas (dormentes, postes e cruzetas para postes),


29 Cadernos do
Sindiex-4
Bragatto associou-se à Ceima, uma das grandes empresas gerais”.
preservadoras de madeira fundadas na segunda metade
dos anos 60 no município da Serra. Sua maior concorrente, Além de se refugiar no Pará, a Ceima sobreviveu graças às
a Atlantic Veneer, pertencente a um dos maiores players precauções de Bragatto para evitar depender de matéria-
madeireiros da América do Norte, instalou-se quase ao prima alheia. Para suprir as necessidades da própria
lado, no bairro Laranjeiras, onde o governo capixaba, num indústria, ele plantou madeira. Nos últimos anos, essa é
esforço de modernização, implantava o Centro Industrial a sua atividade principal. Tem 400 mil árvores no Espírito
de Vitória (Civit). Uma década e meia mais tarde, em 1983, Santo e um milhão no sul da Bahia, parte plantada para a
a Atlantic Veneer tinha mais de 3 mil empregados. Aracruz, que lhe compra a madeira dos cortes precoces,
enquanto os tardios ficam para autoconsumo. “Já estou
Os madeireiros do centroleste tiveram seu auge na década extraindo madeira própria para fazer postes e dormentes
de 70. Foram favorecidos pela construção de estradas e a na Ceima”, diz ele, gratificado por envelhecer reflorestando
expansão das linhas de eletrificação e telecomunicação. a terra em que nasceu.
Quando a madeira começou a escassear em seu Estado
natal, Bragatto abriu uma frente no Pará em 1982. O Bragatto não tem dúvida de que mexer com madeira
negócio bifronte da Ceima chegou a ter 1500 empregados, ainda é um bom negócio, apesar dos riscos embutidos em
mas perdeu terreno paulatinamente. Hoje está reduzido a empreendimentos sujeitos aos altos e baixos do clima e
menos de um terço do que foi. Mesmo assim, sustenta do mercado. “O que estraga nosso ramo são os picaretas
toda a descendência de Bragatto. Dos seus sete filhos e as firmas laranjas”, diz ele, lembrando que no meio
homens, dois vivem da indústria do Espírito Santo e cinco florestal ainda proliferam aventureiros, notas frias e fiscais
da serraria do Pará; as duas filhas participam de ambos. corruptos. Tem certeza de que é preciso reestabelecer
Em 1994 a Ceima entrou com 50% na Preservar, uma os mecanismos de incentivo ao reflorestamento, mas
firma de postes, mourões e escoras em Ipatinga, MG; a “com fiscalização para valer” na produção de mudas, nos
outra metade é da Acesita Energética, que dispõe de muito plantios, na extração, no transporte e no comércio das
eucalipto no leste mineiro. madeiras.

No início da escassez madeireira, agravada nos anos 80 Seu filho José Anthero Bragatto, diretor comercial da Ceima
pelas leis de proteção das matas nativas, os preservadores e presidente da Associação Brasileira de Preservadores de
de madeira do Espírito Santo saíram em busca de eucalipto Madeira (ABPM), herdou a convicção de que o eucalipto
na região da mata de Minas e na serra fluminense. está ocupando um espaço que antes era exclusivo das
Empresa do Ano em 1980 segundo Os Melhores e Maiores madeiras de lei. “Os madeireiros fizeram chover no seu
da revista Exame, superando companhias de prestígio tempo, mas o extrativismo está na contramão da história”,
como as paulistas Eucatex e Duratex, a Atlantic Veneer diz ele, convencido de que a contravenção florestal tem os
buscou em Cuiabá uma saída para continuar produzindo dias contados. É verdade que ainda sai muita madeira da
laminados e pisos -- Ouropiso era sua marca, pioneira Amazônia para países como a China, que usa a matéria-
no mercado capixaba. Teve problemas durante o Plano prima brasileira para fabricar móveis concorrentes da
Cruzado (1986) e nunca mais arribou. Tanto que entrou em indústria do mobiliário do Brasil, mas tudo indica que o
concordata em 1998, saiu do ramo madeireiro e sobrevive negócio caminha para a moralização. Não apenas por
do aluguel de suas antigas instalações, agora “armazéns razões ambientais ou aspectos legais, mas por questões
30
econômicas. a matéria-prima disponível. O que não serve para poste e
dormente, seus principais produtos, sai como escora da
Por largo tempo o negócio da exploração madeireira construção civil. O resto vira carvão, exportado para países
contou com a cumplicidade do estado, presente nas europeus de 2003 para cá. Negócio limpo, com selo verde,
duas pontas do processo, seja financiando a devastação, a bom preço, garante o diretor da Ceima.
seja recolhendo divisas na exportação dos derivados da
floresta. Aos poucos, porém, a modernidade cancelou
as oportunidades de aventura econômica, agressão
ambiental, risco pessoal e sonegação tributária oferecidas
pelas florestas selvagens. As exigências dos verdes, aqui e
acolá, mudaram o panorama do ramo, que não tem futuro
sem selo ecológico.

Além de sujeita a crescentes restrições legais, a antiga


‘madeira de lei’ proveniente de matas nativas está cada
vez mais longe. Os plantios renováveis são melhor
fonte, em quantidade e até em qualidade. A madeira
de reflorestamento é homogênea, a colheita totalmente
mecanizável. “Quem plantar hoje vai ganhar dinheiro sem
correr riscos”, diz Bragatto, lembrando que ainda há um
longo caminho a percorrer na busca da qualidade ideal A colheita do eucalipto é feita com alta tecnologia
para cada fim. Na sua linguagem técnica, própria de quem
vive a realidade de um mercado em transição, ele explica
que a maior parte dos plantios existentes é de eucalipto
mole, para fazer celulose. Ainda é pequeno o plantio
de eucalipto duro, próprio para a indústria de móveis,
dormentes ou postes.

Mais aceso do que nunca, o mercado da madeira acelera


a fixação de tecnologias para o melhor aproveitamento da
matéria-prima proveniente de florestas plantadas. Bragatto
lembra que, das 600 variedades de eucalipto existentes
no mundo, o Brasil cultiva principalmente 40 e normatizou
apenas cinco para postes, tratados com soluções de

Arquivo Aracruz
cromo, cobre, arsênio, bromo e creosoto. A expansão da
construção civil nos centros urbanos levanta a demanda
por postes e outros roliços de madeira. A revitalização das
ferrovias acordou o comércio e a indústria de dormentes.
Nessa nova onda, firmas como a Ceima aproveitam toda
31 Cadernos do
Sindiex-4
POUPANÇA FLORESTAL

O negócio de plantar madeira chama a atenção não de lenha para o secador de café. Logo depois surgiu o
apenas pela rapidez no crescimento das árvores, mas pela fomento da Aracruz, que o estimulou a continuar plantando
superfície que ocupa. Mesmo em pequenas propriedades, para ocupar espaços disponíveis na propriedade. Está
são empreendimentos que dão na vista. Nas grandes, dando certo. No início de 2004, vendeu 30 mil metros
tem-se a impressão de que a eucaliptocultura adquiriu cúbicos, tapando o buraco deixado pelo café, cujo preço
uma dinâmica própria. Na região serrana de Domingos está no chão. “E ainda sobrou um troco”, diz Stockl,
Martins e Marechal Floriano, no Espírito Santo, destacam- cafeicultor ressabiado, silvicultor satisfeito.
se dois proprietários rurais que trocaram a cafeicultura
pelo eucalipto. Carlos Prest, dono de uma empresa de Segundo Eduardo Martins Dan, responsável pelo fomento
terraplenagem em Domingos Martins, teria hoje mais de um florestal em Marechal Floriano e arredores, a Aracruz
milhão de árvores, as primeiras plantadas em 1988. Walter cuida de 432 projetos florestais nessa região serrana, com
Venturini, criador de aves e comerciante de combustíveis média de 10 hectares cada (a média geral dos projetos
em Marechal Floriano, teria 1,2 milhão de eucaliptos. São fomentados é de 20 hectares, graças aos maiores plantios
casos notórios pela envergadura. Há também aqueles que do sul da Bahia). A média de produção nessas áreas é
se tornaram referências pela antiguidade, a qualidade e os baixa, 23 m³/hectare/ano. A previsão é que chegue a 30
resultados. m³. Mesmo com tal rendimento, o eucalipto plantado nas
piores áreas pode ser mais interessante do que o café,
A família Stockl chegou a Marechal Floriano em 1924. submetido a baixas cotações nos últimos anos. Por isso,
Possui hoje 500 hectares, metade em reservas florestais o eucalipto é visto pelos produtores como uma espécie de
nativas, 170 ha de café, 70 de eucalipto e 10 de cedro poupança. Uma diversificação agrícola que já não depende
australiano. José Stockl, 60 anos, líder de quatro irmãos, do fomento industrial para se viabilizar.
plantou eucalipto pela primeira vez em 1989 como fonte
Hoje, de fato, o que mais engorda as estatísticas florestais
As propriedades rurais do ES cultivam o eucalipto
na área sob influência econômica do pólo celulósico do
para complementar sua renda
centroleste brasileiro são os plantios feitos aqui e ali
por pequenos proprietários sitiantes que se dispõem a
aproveitar espaços ociosos em suas terras. Na região
de Domingos Martins, metade dos plantios de eucalipto
realizados ultimamente foram feitos diretamente pelos
sitiantes, sem vínculos com o sistema de fomento da
Aracruz. Na hora da colheita, o agricultor paga em média
R$ 4,50 por cada metro cúbico cortado e empilhado. A
partir daí, pode optar pela entrega à Aracruz, que desde
Tadeu Bianconi

julho paga R$ 31 pelo metro cúbico posto nos depósitos


regionais da fábrica em Marechal Floriano e Ibatiba; ou
pela venda a caixotarias e serrarias que recentemente
passaram a disputar a mercadoria, chegando a pagar
R$ 40 o metro cúbico posto no mato. Dessas disputas
participam, marginalmente, as carvoarias, infladas pela
valorização do carvão vegetal.

Sem dúvida, a Aracruz Celulose ainda é a principal


referência do mercado da madeira plantada no Espírito
Santo, até porque responde direta e indiretamente pela
maior parte das plantações existentes. Mas devido
à vigilância sobre as matas nativas, escassas e de
exploração anti-econômica, organiza-se em torno das
matas de eucalipto uma demanda sem precedentes.
Para ter uma idéia do que isso significa, em geração
de emprego e apropriação de renda, basta conhecer a
recente experiência madeireira de Santa Teresa, berço da
colonização italiana no Estado.

33 Cadernos do
Sindiex-4
CAIXOTARIA EM POLVOROSA

O negócio dos caixotes começou na serra há 20 anos, tranqüila que podia ser tocada pelos familiares. Kiepper
mas adquiriu visibilidade na década de 90. Calcula-se teve a sorte de passar de caixotes para pallets, cuja
que mobiliza um exército de 1500 homens, contando os demanda é garantida por grandes indústrias dos ramos
empenhados na extração da madeira e no transporte das cerâmico e siderúrgico, mas recentemente quase entrou
toras e das caixas. É a segunda atividade econômica de em parafuso por falta de matéria-prima. Em julho, para
Santa Teresa, superada apenas pelo café. Em municípios honrar uma encomenda, precisou comprar uma carga de
vizinhos também adquiriu importância à medida que se madeira de pinus na serraria da Fazenda Pindobas, em
intensificou a cultura do eucalipto. Venda Nova do Imigrante. Pagou R$ 350 o metro cúbico,
mais frete e ICMS. Perda de dinheiro na certa, pois os
As caixotarias típicas da serra capixaba empregam uma clientes não aceitam reajustes de emergência. Tentando
média de 12 pessoas, que se revezam em tarefas comuns uma recuperação, mandou seu pessoal cortar as árvores
a uma serraria (cortar toras, fazer tábuas ou ripas) e ações mais grossas do seu jovem eucaliptal -- “uma judiaria”.
próprias de carpintaria (pregar peças, formando caixotes ou
pallets). Aproveitando ao máximo uma carga de caminhão Arcilio Lutzke toca uma nova fábrica de caixotes em
de eucalipto (23 metros estéreos), uma caixotaria padrão Marechal Floriano. Antes, mantinha negócio semelhante
fabrica até 1495 caixas para acondicionamento de produtos em Domingos Martins, mas “quebrou” ao tentar ampliar
agrícolas. Trata-se de embalagem de altíssima demanda os ganhos com outras atividades da cadeia florestal,
que, por lei, devia ser one way -- não é, o reaproveitamento como a extração e o transporte de madeira. Concluiu
é generalizado. que é preciso ter muito controle de custos para ganhar
dinheiro fabricando caixotes numa situação de escassez
Ganha dinheiro no ramo o empreendedor capaz de de madeira em que até produtor de carvão vegetal passou
vender um caixote por R$ 1,50. Na safra, de outubro a a falar grosso. “Estão vendendo carvão a 70 reais o
maio, vende-se tudo que se fabrica. Na entressafra, no metro cúbico”, dizia ele em julho, admitindo que chegou
inverno, a coisa se complica, não apenas pela redução da a esboçar um movimento rumo ao último elo da cadeia
demanda. Em meados de 2004 o negócio ficou mal parado produtiva da madeira, mas desistiu depois de concluir que
por causa da escassez de matéria-prima. Não estava fácil “carvoeiro não é gente”.
conseguir madeira. Alguns dos eucaliptais disponíveis
Caixotes de madeira de eucalipto
foram contratados pela Aracruz, que está triplicando seu
esforço de fomento florestal.

Altimar Kiepper fundou sua fábrica de caixotes há 15


anos nos arredores de Santa Teresa, onde possui um sítio
coberto de eucaliptos. A concorrência, especialmente de
Tadeu Bianconi

caixotarias clandestinas, algumas operando em bocas de


mato, tornou difícil uma atividade até há pouco tempo tão
CARVOARIAS, CUIDADO

Sacolas de carvão vegetal estão presentes em quase plantadas em Minas. Ela consome 60 mil m³/mês e
todas as residências, encontram-se em churrascarias e prepara-se para dobrar esse volume, garantido pelo auto-
alimentam uma variadíssima gama de usuários, mas seu suprimento. O problema extrapola a realidade de cada
maior consumidor é o setor siderúrgico. São principalmente Estado, configurando uma questão de alcance internacional
as usinas de ferro gusa que dão serviço às carvoarias, por seu impacto ambiental, social e econômico.
itinerantes por natureza e geralmente fora do alcance das
leis. Muitas delas acompanham os colhedores de madeira
e vivem do aproveitamento de resíduos das colheitas,
como as pontas e os galhos, nisso empregando até
mão-de-obra infantil. Por suas características, dimensões
e valores, a carvoagem é um ramo semelhante ao da
reciclagem de lixo. Não é raro o furto de madeira -- e ainda
subsiste o corte de mata nativa --, mas o fogo apaga as
pistas, deixando boas margens de lucro.

Uma fornada de carvão rende R$ 1600 em 9 dias. Para


fazer um metro de carvão, é preciso dois metros estéreos
de madeira. Uma usina de ferro gusa consome até 50 Carvoaria
mil m³ de carvão por mês, o que equivale à produção de
240 hectares/mês ou 2 880 hectares/ano. Para implantar
um hectare de eucalipto, gasta-se pelo menos R$ 2 mil
com mudas, formicida, mão-de-obra, trator, combustível
e roçada. No Espírito Santo há três usinas de gusa. Em
Minas Gerais, dezenas, algumas alimentadas por carvão
do Pará. Poucas guseiras têm base florestal própria. É o
caso da Acesita, que possui 130 mil hectares de matas

Carvão ecologicamente correto, de eucalipto


Tadeu Bianconi

35 Cadernos do
: Tadeu Bianconi Sindiex-4
POR UMA POLÍTICA FLORESTAL

A falta de retaguarda florestal conspira contra o terras, clima e tecnologia para gerar excedentes”, afirma
crescimento de diversos segmentos da economia. Em o economista Arlindo Vilaschi, que lecionou na Finlândia,
alguns casos, ameaça a sobrevivência de empresas com uma potência do ramo. Para ele, que estudou a indústria
boas perspectivas mercadológicas. Por isso se acredita de móveis de Linhares, o que falta é uma política pública
que é impossível equilibrar o jogo da oferta e da demanda capaz de articular os diversos interesses existentes no
de madeira sem um planejamento global. Somente meio florestal, da pesquisa agrícola à exportação final,
uma boa gestão do patrimônio florestal brasileiro pode passando pela logística, o design dos produtos e os
assegurar a continuidade de negócios de envergadura processos tecnológicos de toda a cadeia de produção, cuja
global (como a exportação de celulose, de móveis e de sobrevivência depende, essencialmente, da qualidade da
material de construção) ou ajudar a resolver problemas silvicultura. Por isso, a experiência da Aracruz é um marco
sociais emergentes (como a invasão de áreas por pessoas no tempo e no espaço.
que exploram resíduos florestais para fazer carvão).
Quando fala de política pública, Vilaschi não quer dizer
Da constatação da diferença entre oferta/procura de iniciativa governamental. Para ele, o atual momento
madeira brotou o conceito do “apagão florestal”. Foi em capixaba lembra o caso ocorrido no Rio Grande do
julho de 2003 durante o seminário “A Questão Florestal e Sul durante o governo Olivio Dutra (1999-2002). Por
o Desenvolvimento”, realizado no Rio, na sede do BNDES. necessidade da indústria de móveis de Bento Gonçalves,
Desde então os empresários do setor florestal defendem o arranjo florestal-madeireiro gaúcho atraiu para o Estado
a adoção de uma política setorial de longo prazo que, a uma indústria de MDF, montada por um grupo da construção
partir das metas de crescimento dos diversos segmentos civil de Porto Alegre. No Espírito Santo, diz ele, ainda falta
da cadeia produtiva, determine as necessidades de consciência aos diversos atores em cena. Um sinal da
ampliação das florestas plantadas. confusão reinante é a diversidade de nomes que se dá ao
segmento florestal-madeireiro: ora se fala de cluster, ora
Para satisfazer um consumo superior a 300 milhões de de arranjo florestal, ora de cadeia do agronegócio florestal,
m³ por ano, a Sociedade Brasileira de Silvicultura afirma ora de plataforma... E tudo em esforços espasmódicos,
que o Brasil precisa plantar 600 mil hectares/ano nos sem integração entre as partes, cada uma tentando salvar-
próximos dez anos. No período 1999/2003, os plantios se mais ou menos sozinha, quando já se tornou evidente
não ultrapassaram 200 mil hectares/ano, 90% dos quais que é preciso buscar uma solução geral.
realizados por grandes empresas conscientes da própria
vulnerabilidade. A importação de pinus da Argentina, É provável que os novos caminhos sejam apontados pelo
promovida desde 2003 por uma indústria de móveis economista Orlando Caliman, do Instituto Futura, que
de São Bento do Sul (SC), foi o primeiro sinal de que coordena um diagnóstico sobre o setor florestal-madeireiro,
o Ministério do Meio Ambiente tinha razão quando, em por encomenda do movimento empresarial Espírito
2000, previu a falta de madeira no Brasil. “E o país possui Santo em Ação. Perito em econometria, ex-secretário de

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Planejamento, Caliman começa por desconfiar de um dado
segundo o qual o segmento de base florestal representa
7,69% do Produto Industrial do Estado, que representa
36% do Produto Interno Bruto. A ser isso verdade, o
segmento florestal-madeireiro representaria menos de

Tadeu Bianconi
3% do PIB capixaba. Por outro lado, uma estimativa
divulgada em 2003 pela Secretaria da Agricultura garantia
que os R$ 3 bilhões movimentados anualmente pelo setor
equivaleriam a 15% do PIB, gerando 60 mil empregos
diretos e indiretos.
“O objetivo do nosso estudo é apurar dados que
permitam construir uma visão de futuro em termos de Pinus cortados da Fazenda Pindobas
competitividade, gargalos, soluções”, diz Caliman. Ele
espera que o melhor conhecimento da realidade permita
pactuar parcerias úteis na superação de uma crise a que
não está alheio o governo do Espírito Santo. Em agosto
de 2003 o governador Paulo Hartung foi a Cachoeiro
de Itapemirim para lançar o Plano de Desenvolvimento
Florestal do Espírito Santo, iniciativa da Secretaria da
Agricultura em parceria com as Secretarias do Meio
Ambiente e de Desenvolvimento Econômico e Turismo.
O lançamento no sul do Estado sinalizou a intenção
de apoiar a implantação naquela região de florestas de
produção econômica e de proteção ambiental. O plano
visa recuperar com o plantio de árvores 31 mil hectares
em quatro anos. De fato, sem planejamento a longo prazo,
não há perspectiva de solução para a crise da madeira.
As partes envolvidas nesse processo talvez tenham algo a
aprender com o caso do cedro australiano, árvore bastante
comentada nos meios florestais do Espírito Santo.

37 Cadernos do
Sindiex-4
O CEDRO E O FUTURO

Nos anos 70 a Aracruz formou um grande pomar de árvores Tanto que já não é difícil distingui-lo na paisagem entre
madeireiras, com predominância absoluta de variedades eucaliptos, cafezais e manchas de mata nativa.
de eucalipto próprias para a produção de celulose. O
objetivo era sustentar o viveiro de mudas da empresa, No porte, silhueta e até na folhagem, o aspecto é
concentrada na implantação das florestas que supririam semelhante ao do Cedrela fissilis, o cedro nativo, uma das
as necessidades da fábrica. Desde então uma parcela de árvores mais conhecidas da mata atlântica brasileira. A
sementes e mudas passou a ser distribuída a agricultores diferença é que o cedro estrangeiro demonstra ser imune à
através do sistema oficial de extensão rural. Não apenas praga – uma lagarta -- que come a maior parte dos brotos
eucalipto, mas outras espécies, inclusive nativas. da variedade nativa. As mudas plantadas há 14 anos
transformaram-se em árvores portentosas, com diâmetro
Entre as sementes dadas a sitiantes por volta de 1990, equivalente ao de eucaliptos da mesma idade. Segundo
estavam as de Toona ciliata, o cedro australiano. Por Dan, é cedo para dizer se o cedro australiano pode repetir
interferência do agrônomo Pedro Burnier, gerente florestal a façanha do eucalipto, que cresce pelo menos três
da Aracruz, cerca de 300 mil sementes de cedro foram vezes mais rápido aqui do que na sua terra natal. Fora a
parar na mão do técnico agrícola Eduardo Martins Dan, resistência sanitária, por enquanto deu para perceber entre
que trabalhava para o Instituto de Terras do Estado em os dois uma diferença fundamental: enquanto o eucalipto
Venda Nova do Imigrante, na montanha capixaba. Dan vai bem até em terra ruim, o cedro exige solo bom.
começou fazendo plantios “ornamentais”, em beira de
estradas. Depois distribuiu sementes e mudas para Em Marechal Floriano, um dos fazendeiros que possuem
sitiantes, técnicos agrícolas, escolas rurais, reservas mais cedro australiano é José Stockl. Ele tem uma dezena
ecológicas e tutti quanti demonstraram algum interesse de bosques espalhados pela fazenda, num total de 11 mil
prático ou teórico pelo plantio de uma árvore considerada árvores, plantadas no mesmo espaçamento do eucalipto
produtora de boa madeira para a fabricação de móveis. (3 x 3 m). Os bosques mais antigos foram formados há
Mais tarde, no seu próprio viveiro -- meio hobby, meio bico seis anos. Depois do desbaste recomendado pelo bom
–, ele continuou produzindo mudas de cedro para venda. manejo florestal, sobrarão três a quatro mil unidades que,
No que até ganhou algum dinheiro, reconhece. ao chegar em idade de corte, por volta dos 15 anos, serão
vendidos pela melhor oferta.
Hoje gerente do depósito de madeira da Aracruz Celulose
em Marechal Floriano, Dan já não consegue como antes O valor depende do volume disponível, mas já se fazem
citar de cabeça todos os nomes dos proprietários e a prognósticos. Os Stockl não são os únicos adeptos do
localização de cada sítio onde se encontram exemplares cedro. A montanha está pontilhada de cedricultores, nem
isolados ou bosques mais ou menos densos de cedro todos diletantes ou simplesmente curiosos. Perto de
australiano. É que a propagação da árvore intensificou-se casa, no distrito de Araguaia, Stockl mantém meia dúzia
espontaneamente nos últimos anos nas serras capixabas. de cedros adultos olhados com respeito por vizinhos e

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visitantes. Foram plantados em 1990 e servem como
referência de crescimento. Uma dessas árvores tombou há
dois anos, sendo levada para a serraria e desdobrada em
tábuas e taipas. A madeira leve, cheirosa e resistente foi
rapidamente consumida na fazenda, de mistura com pinus
e eucalipto. Delas sobraram algumas ripas que sustentam
fantasias milionárias dos herdeiros da propriedade.

Baseado no valor de eucaliptos da mesma idade, o


jovem Fabiano Stockl estima que poderá vender um

Tadeu Bianconi
cedro adulto, em pé, na fazenda, por R$ 1 mil. “É uma
fortuna”, diz ele, consciente de que o café já não é a única
commodity produzida nas montanhas capixabas. Fabiano,
que percorre a fazenda de moto, conta que no primeiro
semestre de 2004 atendeu ao telefone da firma (a família
tem um armazém de café) e alguém afobado perguntava Eduardo Martim Dan
se a fazenda tinha mesmo cedro australiano em ponto de junto a um cedro australiano cultivado
corte ou para pronta entrega.

A procura por cedro pode ser extemporânea e inusitada,


mas não há dúvida de que a silvicultura entrou na agenda
dos agricultores capixabas. No futuro o cedro pode
virar “mico”, como se diz que aconteceu com o pinheiro
americano em território capixaba. Mas pode também
repetir o sucesso do seu irmão australiano, trazido em
massa há 100 anos para o Brasil. En passant, escorado
José Stockl, plantador de cedro australiano
talvez em sua vivência na Aracruz, o ex-governador Arthur
Carlos Gerhardt Santos comenta que o pinus “não deu
muito certo” no clima da montanha. Parece que Camilo
Cola não reconhece o equívoco. Mesmo que se tenha
rendido parcialmente à versatilidade do eucalipto e ao
potencial de outras espécies, o dono da Fazenda Pindobas
está dobrando a capacidade de sua serraria para dar conta
do volume de produção dos pinheirais cultivados desde

Tadeu Bianconi
1973 na região de Venda Nova do Imigrante.

Às vezes, onde parece haver um desarranjo florestal, aí é


que mora o equilíbrio. Árvore nunca é demais.

39 Cadernos do
Sindiex-4
BIBLIOGRAFIA

Fontes referenciais Depoimentos e entrevistas

APLAN/SEPLA – “Estudo do Setor Madeireiro do Estado Almir Ahmed Deud


do Espírito Santo”, Vitória, 1983. Altimar Kiepper
Anthero Bragatto
BORGO, Ivan; ROSA, Lea Brígida Rocha de Alvarenga; Antônio Dias Leite
PACHECO, Renato – “Norte do Espírito Santo: Ciclo Arcílio Lutzke
Madeireiro e Povoamento (1810-1960)”. Edufes: Vitória, Arlindo Villaschi Filho
1996. Arthur Carlos Gerhardt Santos
Domingos Rigoni
ECOTEC – “Potencial Florestal e Silvicultura”, Rio, 1967. Duarte Henrique Vervloet de Aquino
Eduardo Martins Dan
ETESAL – “Estudo do Setor de Madeiras do Estado do Fabiano Stockl
Espírito Santo”, Vitória, 1974. Fabio Jacob Tesch
Fridolino Hoffmann
GALVEAS, Pedro Arlindo – “Plano Estadual de Agricultura José Anthero Bragatto
2003 (Silvicultura)”. José Antônio Buffon
José Stockl
IDEIES – “Exportações de Móveis e Produtos de Madeira Luiz Rigoni
pelo Espírito Santo”, Vitória, 1980. Luiz Wagner Chieppe
Lupércio de Barros Lima
LORANDI, Ari Bruno (editor) – “A Trajetória de Domingos Nilson Vitória Pereira
Rigoni e da Movelar”, Série Uma História de Sucesso, Orlando Caliman
Central da Excelência Moveleira, Curitiba, 2002. Pedro Burnier
Rogério Medeiros
RIGONI, Adriana Schnaider – “Indústria do Mobiliário: um Tadeu Mussi de Andrade
Estudo Comparativo”, Vitória, 1995. Walter Lídio Nunes
Zoé Antônio Donati
STCP/Aderes – “Plano Mestre para o Desenvolvimento
Florestal e da Indústria de Base Florestal do Espírito Sites
Santo”, Curitiba, 1998.
www.delare.com.br
www.seculodiario.com.br
www.sindiex.org.br

40
CRÉDITOS

Autor
Geraldo Hasse

Idealização e Planejamento
Nilo Martins

Projeto gráfico
Multi Comunicação

Direção de arte
Mónica Rebolledo

Titulo
Plínio Uhl

Fotografias
Tadeu Bianconi
Arquivo Aracruz

Foto da capa
Sagrillo Fotografia

Realização
Sindiex

Apoio
Bandes
Espírito Santo em Ação

41 Cadernos do
Sindiex-4
Este caderno foi impresso em papel AP 90 g/m², para
o miolo, e, para a capa, Papel Supremo 250 g/m².
Vitória - Primavera de 2004
Edição de 5000 exemplares

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APOIO REALIZAÇÃO

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