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RES UM O
O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade (ou não) de
o Estado se utilizar do instituto da “autotutela administrativa” para recu-
perar a posse de bens a ele pertencentes. Tal discussão deriva da diferença
de regime jurídico dos bens públicos em relação aos bens particulares,
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Artigo recebido em 11 de janeiro de 2018 e aprovado em 19 de junho de 2018. DOI:
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Procurador do Estado de São Paulo, com atuação perante os Tribunais Superiores em Brasília.
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nas áreas de direito público e direitos humanos.
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to use the institute of “administrative self-help” to recover the possession
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the legal regime of public assets in relation to private assets, bringing
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this perspective, the positioning of doctrine and jurisprudence on the
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1. Introdução
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jurídicas de direito público que disciplinam a atividade administrativa
pública necessária à realização dos direitos fundamentais e a organização e
o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu
desempenho”.1 Tem, portanto, papel fundamental na manutenção do estado
democrático de direito e proteção do interesse público.
As recentes invasões a escolas públicas e outros bens pertencentes ao
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(ou não) de utilização das vias judiciais para a defesa do interesse público.
ȱ ȱ
ǰȱ³ǯȱCurso de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
1
p. 90.
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Segundo preconiza a doutrina, tem-se que: com relação à titularidade, os bens
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a bens, estes podem ser: de uso comum ao povo, de uso especial ou bens
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refere-se a sua destinação. Tem-se, assim, três modalidades de bens públi-
cos: bens de uso comum, que são aqueles destinados ao uso indistinto de
todos, como os mares, as ruas, estradas, praças etc.; bens de uso especial,
que são aqueles que se encontram afetados a um serviço ou estabelecimento
2
ȱ ǰȱ
¢ȱǯȱDireito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 627.
3
MAROLLA, ȱȱǯȱȱǯȱDZȱ
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ǰȱ ·ȱ £ȱ ȱ ȱ ǻǯǼǯȱ Direito administrativo. Brasília:
Coutinho, 2017.
4
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros,
2015. p. 28.
5
Ibid., p. 520.
6
Para maiores detalhes, ver RAMOS, Elival da Silva. Parecer PA no 29/2008, da Procuradoria
Administrativa da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
7
ȱ ǰȱ ȱ ȱ ȱ ǰȱ
ǯȱ Curso de direito processual civil.
Procedimentos Especiais. v. II, 50. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 108.
8
COSTA, Dilvanir José da. O sistema da posse no direito civil. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, a. 35, n. 139, jul./set. 1998. Disponível em: ǀ ŘǯǯǯȦȦȦ
ȦȦřşŗȦŗřşȬŖŞǯǵƽŚǁǯ Acesso em: 9 set. 2017.
9
ȱ ȱȱȱȱȱȱęȱȱȱ³¨ǯ
10
ȱ ǰȱ ȱ
ǯȱ Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 34.
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ǯȱO controle jurisdicional da administração pública e a defesa da posse de imóveis
11
públicosǯȱ ęȱ ȯȱ ȱ ȱ ȱ ȱ ǰȱ ǰȱ ŘŖŗŜǯȱ Çȱ DZȱ
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12
ȱ ǰȱ ¢ȱ ³ǯȱ Autotutela no direito civil brasileiro. Análise crítica acerca dos
ȱ ȱ Çȱ ȱ ȱ ȱ ³ȱ ǯȱ Çȱ DZȱ ǀĴDZȦȦǯǯȦ
ȦŜŖŞşŖȦȬȬȬȬǁǯ
13
ȱ ǰȱȱDzȱǰȱǯȱȱȱ³¨ǯȱDZȱ
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ǰȱ·ȱ£ȱȱȱǻǯǼǯȱDireito administrativo.
2. ed. Brasília: Coutinho, 2018.
contrário, o titular do direito terá que se valer das medidas judiciais admitidas
para a situação em análise.
Contudo, quando o direito lesado se refere a bem pertencente à admi-
nistração pública, novos aspectos precisam ser observados, uma vez que o
ȱÇȱȱȱȱ·ȱȱȱȱÇȱ¡ȱȱ
esfera privada.
14
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ȱ
ǰȱ·ȱȱǯȱManual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007. p. 26-31.
15
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ǰȱ ȱ ȱ ȱ Dzȱ
ǰȱ ·ȱ ȱ ȱ ǻǯǼǯȱ Direito
administrativo. Brasília: Coutinho, 2017.
16
ȱ ǰȱǯȱDireito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
17
José dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, op. cit., p. 25.
18
ȱ ȱ ŞşşŞŗŜȱ ǰȱ ȱ ȱ ȱ ěǰȱ ȱ ǰȱ ȱ ȱ ŝǯřǯŘŖŗŝǰȱ
DJe de 24.3.2017.
19
STF, Súmula no 473, Sessão Plenária de 3.12.1969.
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poder de polícia, consistente na faculdade que possui a administração pública
de espontaneamente (e sem a necessidade de autorização prévia do Poder
Judiciário) zelar por seus atos administrativos e bens públicos.ȱ1ǰȱǰȱ
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por seus próprios meios, sem a interveniência do Poder Judiciário. Para Irene
Nohara, enquanto os particulares protegem a propriedade privada mediante
ações judiciárias, a administração pública pode tutelar sua propriedade por
medidas de polícia administrativa, visando eventualmente afastar a ação
danosa do particular relativa a seus bens.20
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e colocados à venda; no fechamento ou interdição de estabelecimento
comercial que descumpre as normas de higiene; nas atividades envolvendo
questões ambientais, de saúde pública, entre tantas outras. Cite-se, ainda,
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à coletividade, deverá ela embargar diretamente a obra e promover sua
demolição (se for o caso) sem necessitar de autorização judicial para tanto.21
Tal possibilidade decorre da supremacia do interesse público sobre o privado.
Nessa linha, a realização de reintegração pela própria administração pública
constitui-se como um poder-dever a ela inerente, na defesa do interesse da
coletividade, como ocorreu nas hipóteses de ocupação de escolas públicas
durante o período letivo.
Logo, observa-se que, diferentemente do que ocorre na esfera privada,
“o ato de defesa do patrimônio público, pelaȱ³¨ǰȱ·ȱ¡¤ǰȱ
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ǰȱȱÇǯȱDireito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014.
20
21
Ricardo Pinha Alonso e Renato Bernardi, Poderes da administração, op. cit.
ȱȱ¨ǰȱȱǰȱȱȱȱÇȱǰȱȱ¡ȱ¡³¨ȱ
imediata amparada pela força pública, quando isto for necessário”.22
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dade, a administração, logo depois de ter praticado o ato, deve (se for o caso)
instaurar o procedimento administrativo para que o administrado tenha con-
dições de avaliar sua conduta e posicionar-se a esse respeito, cumprindo as
determinações da administração ou contestando administrativa ou judicial-
mente o que entender de direito, inclusive quanto aos eventuais vícios come-
ȱ ȱ ³¨ȱ ȱ ¡Çȱ ȱ ȱ potestade. Nos casos em que a
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amparo judicial.23
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prevista em lei” ou “quando se trata de medida urgente que, caso não adotada
de imediato, possa ocasionar prejuízo maior para o interesse público”.24
Veja-se, a propósito, que o parecer PA no 29/1998 da PGE/SP, elaborado por
Elival da Silva Ramos, concluiu que o fundamento jurídico dessa prerrogativa
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que a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional traçaram para a
atuação dos entes públicos. Assim, o regime jurídico de direito público con-
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trativos em geral e as medidas de polícia administrativa.
Outro aspecto que merece destaque refere-se ao fato de que, no direito
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que foi conferido ao Estado o monopólio da prestação jurisdicional. Já no
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ato de polícia administrativa pela própria administração, sem a necessidade
ȱ ȱ ǯȱ ǰȱ ·ȱ Çȱ ȱ ȱ ¡ȱ
22
CRETELLA JÚNIOR, José. Da autotutela administrativa. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro, v.108, p. 47-63, abr./jun. 1972.
23
Ricardo Pinha Alonso e Renato Bernardi, Poderes da administração, op. cit.
24
ȱ ȱǰȱȱ¢ȱǯȱDireito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 202.
25
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Moacir Peres; Data da decisão: 13/8/2012.
26
DALLARI, Dalmo de Abreu. Entrevistaǯȱ Çȱ DZȱ ǀĴDZȦȦŗǯǯȦȬȦ
noticia/2016/05/especialistas-divergem-sobre-parecer-que-aceita-reintegracao-sem-mandado.
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27
Odete Medauar, Direito administrativo moderno, op. cit., p. 286-287.
28
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ȱ ȱ ǵȱ Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 220,
p. 103, abr./jun. 2000.
29
ROMANO, Santi. ȱ ȱ Ĵȱ : principii generali. Padova: Cedam, 1937.
p. 191.
30
ALESSI, Renato. ȱ£ȱȱĴȱǯȱDZȱ ě¸ǰȱŗşśŞǯ
31
VASCONCELOS JÚNIOR, Marcos de Oliveira. Autotutela administrativa e alguns limites
decorrentes da segurança jurídica. Disponível em: ǀ ǯǯȦȏǯ
ǵƽŗŘřŝǁ. Acesso em: 10 jan. 2018.
32
ȱ
ǰȱ ·ȱ ȱ ǯȱ Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:
Almedina, 1998.
33
ȱ
ȱ ǰȱ O controle jurisdicional da administração pública e a defesa da posse de imóveis
públicos, op. cit.
34
ALVES, Adalberto Robert. Parecer AJG 193/2016, de 10 de maio de 2016. Boletim Cepge, São
Paulo, v. 41, n. 5, p. 35-51, set./out. 2017.
35
José Cretella Júnior, Da autotutela administrativa, op. cit., p. 48.
36
Eugenia Cristina Cleto Marolla, Contrato administrativo, op. cit., p. 86.
37
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo:
Malheiros, 2001. p. 48.
ȱ ȱ Çęȱ ȱ ³äȱ ȱ ǰȱ Ȭȱ ȱ ȱ
ocorreram como forma de protesto em face de decisões políticas adotadas em
relação ao tema “educação”. Contudo, as consequências danosas trazidas
para a população que se utiliza dos serviços prestados pelas escolas ocupadas
criaram para o Estado o poder-dever de agir com vistas a recuperar a posse
dos referidos imóveis e garantir o direito fundamental à educação para as
pessoas lesadas por tais condutas.
Assim, não obstante houvesse a possibilidade de utilização das forças
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forças policiais e os ocupantes das escolas (em geral, alunos das referidas
escolas).
Tal decisão administrativa pautou-se em juízo de conveniência e opor-
tunidade, sendo possível — a qualquer momento — a utilização da força
policial para recuperação da posse dos imóveis e proteção dos direitos da
coletividade (no caso, o direito à educação). Registre-se, apenas, que tais atos
de força devem ser utilizados nos estritos termos necessários para a efetivação
da medida e proteção dos bens jurídicos lesados, sob pena de o responsável
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Conclusões
Referências