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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué

Aula 2
Bem-Vindos à segunda aula de nossa Escola Tomista. Entre a aula magna e
esta aula há uma grande diferença: esfriou muito por aqui. Realmente estou
congelando, então vamos ver se consigo sair do congelamento para uma boa
aula.

Estas aulas primeiras, excetuada a magna, são muito importantes para o


prosseguimento da Escola Tomista. A maioria de vocês nunca foi aluna minha,
alguns já foram, muitos já foram, mas a maioria não o foi. A Escola Tomista é
um curso realmente multitudinário. Então, vocês precisam conhecer-me, razão
por que tenho de ir cautelosamente nas primeiras aulas, acostumando-os
pouco a pouco a meu modo de expor, à minha didática, à minha pedagogia.
Ademais, é nessas primeiras aulas que passarei a vocês os conceitos, as
noções, as terminologias fundamentais da filosofia. É muito importante tê-la
segura, sem o que esbarrarão vocês o mais das vezes em muros
intransponíveis. “Que estará falando o professor nesse momento?” É preciso,
então, antes fincar os alicerces antes de erguer as paredes de nosso edifício.

Pois bem. Deixo aí a vocês, vocês já têm acesso a um documento relativo a


esta segunda aula, que lhes dará os termos principais usados na mesma aula.
Tanto os termos e expressões portugueses, como os termos e expressões
latinos. Em geral, dou o étimo, a etimologia das palavras e das expressões,
suas traduções, a correspondência entre o português e o latim; não só entre os
dois, mas também com o grego. Então, sugiro-lhes que tenham à mão este
documento durante a mesma aula, é uma sugestão que lhes faço. A outra
coisa é que no início de cada aula, como farei já, darei a bibliografia geral em
que me baseio nesta mesma aula, na aula presente. Não que seja necessário
aos alunos ler tal bibliografia; como insisti e insisti, as aulas do curso, as aulas
da Escola Tomista serão autoexplicativas e autossuficientes, bastar-se-ão a si
mesmas. Mas, quem quiser ler, consultar a bibliografia em que me fundo,
também o poderá fazer; por isso a dou no início de cada aula.

Esta aula dois se funda na Metafísica de Aristóteles e em seu comentário por


Santo Tomás de Aquino. A metafísica de Aristóteles, sobretudo os capítulos 1 e
2 do livro 1 e o capítulo 1 do livro 3 , e os respectivos comentários de Santo
Tomás (fabulosos, um mar de pérolas, de jóias lógicas é este comentário de
Santo Tomás à Metafísica de Aristóteles). Fundo-me ainda em passagens
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esparsas da obra de São Tomás, por exemplo, em passagens do comentário


(também magnífico) de Santo Tomás ao Segundos Analíticos ou Analíticos
Posteriores de Aristóteles. Não lhes recomendo que leiam agora este livro em
particular, ele é demasiado árduo, agora, para que se leia. E em vários outros
livros, outras obras de Santo Tomás e de Aristóteles.

Mas sobretudo fundo-me aqui no luminoso capítulo 1 do livro do Padre Álvaro


Calderón chamado “Umbrales de la Filosofía”, é um capítulo luminoso. Isso não
quer dizer que eu repita exatamente tudo como ele o diz; às vezes parece-me
haver alguma discrepância entre nós. Mas concedo que possa ser uma
discrepância de expressão, ou até de método, de didática. Mas, seja como for,
esta as duas aulas seguintes, pelo menos, se fundarão grandemente neste
primeiro e luminoso capítulo do livro “Umbrales de la Filosofía” do padre Álvaro
Calderón. A outra coisa que gostaria de dizer aqui, ou antes, de insistir aqui é
que assim como nos livros científicos, ou filosóficos (já veremos que ciência e
filosofia não há, não deveria haver, nenhuma diferença), nos livros lógicos e
mesmo nos livros dialéticos (adiante veremos a distinção entre lógica e
dialética), o estilo tem de ser despojado, a escrita tem de ser despojada. Por
quê? O rebuscamento, o refinamento, o requinte na escrita, a abundância de
metáforas brilhantes ou de chistes, piadas, gracejos muito espirituosos; eles
devem reservar-se à retórica e à poética, não devem usar-se no âmbito da
ciência, da filosofia, da lógica, nem sequer no da dialética. E se é assim porque
a escrita científica está para os problemas que ela mostra e para verdade que
ela quer alcançar, assim como a radiografia está para o radiografado. Uma
radiografia mostra a situação real do radiografado, seus problemas, suas
doenças, a verdade disto ou daquilo, e uma radiografia não é bela, uma
radiografia não visa a ser bela, ela visa, como disse, a expor, a mostrar os
problemas e alcançar certa verdade no diagnóstico. Assim também, na escrita
científica, lógica, filosófica, dialética.

Pois bem. Assim também, as aulas deste curso hão de ser como radiografias.
Não esperem de mim tiradas brilhantes, não esperem de mim metáforas
fulgurantes, piadas, desprezo ad hominem aos autores adversários meus; os
combaterei, se os combater, quando os combater, no campo da ciência, não no
campo da desqualificação pessoal. Então, não esperem de mim um estilo
rebuscado, requintado, brilhante. Antes tenderei a certa monotonia, a
monotonia que é capaz de explicar passo a passo, repetitivamente se
necessário, detidamente, detalhadamente, sempre que necessário, cada coisa
que exporei, incluindo cada termo, cada expressão usada.

Posto isso, posso começar esta segunda aula propriamente dita. Há duas
coisas que nos maravilham enormemente: a vida e o conhecimento. A vida
realmente é surpreendente. Quando vemos o nosso corpo reagir por si mesmo
a doenças e regenerar-se muitas vezes por si mesmo, como movido por algo
que lhe é intrínseco, a apetecer, a defender, a manter sua própria vida; isso
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não pode senão admirar-nos, espantar-nos, maravilhar-nos. Quando vemos


alguns animaizinhos terem partes suas reconstituídas, como o rabo da
lagartixa, por exemplo, não deixa de espantar-nos. A vida é uma coisa
espantosa. E, não é porque muitas vezes não consigamos distinguir um fungo
da ferrugem, por exemplo. Ou uma esponja de uma planta. Não é porque um
animal marítimo, a lesma do mar, que realiza a fotossíntese, que é
característica antes dos vegetais, dos protistas (protistas são aqueles
organismos unicelulares ou de um conjunto de poucas células); a entender que
o entre o não vivente e o vivente, entre a não vida e a vida, há um salto
abismal, é um belíssimo salto. Isso já depõe, como veremos na parte da
biologia, contra o darwinismo, que como digo, não é propriamente ciência em
nenhum sentido, nem sequer nos é capaz de fornecer uma base sólida de
dados para a indução; é antes um mito, mas o veremos cientificamente,
mostrá-lo-ei cientificamente, não por desqualificação de Darwin ou dos
darwinistas.

Aliás, há coisas ainda mais surpreendentes. Não faz muito tempo descobriu-se
no mar uma água viva chamada Turritopsis Nutricula que, dizem os cientistas,
é imortal (veremos se essa hipótese da imortalidade é factível, porque o que
essa Turritopsis Nutricula faz é no momento de corromper-se, ela renasce das
cinzas qual uma ave fênix, ela se renova, é como se ela se desse nova vida,
uma espécie de ressurreição permanente no momento mesmo que está
prestes a corromper-se, a morrer. Ou seja, essa aparente falta de nitidez entre
as fronteiras, entre o não vivo e o vivo, entre o não vivente e o vivente, e entre
o vivente e o imortal, não nos devem desanimar, não nos devem impedir, não
nos devem fazer renunciar a ver que entre todas estas coisas há saltos
imensos. É o que Gustavo Corção, no melhor de sés livros na minha opinião,
“As descontinuidades da criação” (não concordo com tudo ali, mas é um livro
muito interessante), exatamente chama, há descontinuidades entre as coisas,
entre o não vivente e o vivente.

Mas também quanto ao conhecimento há saltos, saltos impressionantes.


Conhecimento, propriamente dito, ele só começa a partir dos animais, mas
entre os mesmos animais há diferenças, há gradações, porque nos animais ou
brutos (acostumemo-nos a este termo, os animais, que nós comumente
chamamos animais, são os brutos; acostumemo-nos com a linguagem
filosófica, que nem sempre é a que usamos correntemente. Os brutos, para
distinguir dos animais racionais que somos os homens. Pois bem, há alguns
brutos que só têm um sentido, o tato. Mas já este sentido é um conhecimento,
conhecimento por toque. Os animais mais perfeitos, não só têm o tato como
têm os cinco sentidos externos, além dos sentidos internos (o que veremos na
altura de estudarmos a alma dos animais). Mas têm os cinco externos, o tato, a
audição, a visão, o olfato e o paladar; esses são os superiores. Os cães, os
felinos, os símios são os animais superiores. Estes animais superiores
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exatamente porque têm não só os cinco externos, mas têm também a


memória, é por isso que eles se movem.

Há animais que, sendo quase uma ferrugem e fungos que ficam ali paradinhos,
eles não podem mover-se, eles não têm memória. Para que nos movamos é
preciso que tenhamos memória. Um cão quando se move a algum lugar é
porque memória que ali estará uma cadela, ou ali estará um osso que ele
enterrou, ele tem a memória disso. Pois bem, tudo isso é conhecimento, desde
o conhecimento por tato que têm os animais inferiores até os brutos mais
perfeitos, que têm os cinco sentidos além dos sentidos internos, incluído a
memória, e têm, por isso mesmo, movimento. Eles conhecem. Os vegetais não
conhecem de modo algum. Pode até dizer-se que de certo modo eles se
movem a nutrir-se, mas de certo modo, é um modo impróprio. Movem-se os
animais porque têm conhecimento, conhecimento do mundo sensível. O que é
o mundo sensível? É aquele que é captado pelos sentidos. Os sentidos
externos só podem captar o mundo sensível, a audição, a visão.

Mas há mais, quanto mais subirmos na escala do conhecimento animal, mais é


claro qual é o objeto de cada sentido. Atenção para este termo: objeto. Aqui ele
quer dizer aquilo a que se ordena propriamente cada sentido. Qual é o objeto
do tato? Difícil dizer, o liso, o rugoso, o quente, o frio; há animais que parecem
ter contato (com tato) com a eletricidade, com coisas eletromagnéticas, mas é
difícil dizer qual é o objeto do tato. Já não é difícil dizê-lo nos sentidos
superiores que só os animais mais perfeitos têm. O objeto da audição é o som
e o objeto da visão é a cor. Vendo a cor, ou melhor, as diferentes cores é que
também a visão pode ver o movimento, a figura das coisas, é pelas cores; se
não houvesse a luz que tornasse visível as cores, a visão não poderia alcançar
seu objeto: a cor. O objeto próprio da visão é a cor e o objeto próprio da
audição é o som. Pelo som podemos imaginar um trem em movimento, mas o
objeto próprio não é o movimento do trem, o objeto próprio da audição é o som.
Assim como o objeto próprio da visão não é a figura das coisas, a figura que eu
tenho, que você tem, que o livro tem, que o computador tem, não é isto; é a
cor, porque conhecendo a cor a visão pode distinguir as figuras, pode distinguir
também o movimento das coisas, porque sem cor a visão não poderia fazer
nada disso. Então, o objeto claro dos sentidos superiores de que são dotados
tão somente os animais mais completos, é claro.

Mas agora sim, há um salto impressionante, é o salto do conhecimento dos


brutos para o conhecimento humano. O conhecimento humano tem por objeto
outra coisa que a visão ou a audição. Naturalmente, nós homens somos seres
fronteiriços entre o imaterial e o material, razão porque nós também temos os
sentidos externos que têm os animais superiores, e os internos, muito mais
perfeitos que os deles. Os externos nem sempre são mais perfeitos, o olhar de
um gato, de um felino é muito mais agudo que o do homem, mas os sentidos
internos, em contra partida, são muitíssimo mais desenvolvidos que de todos
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os animais. Não se aflijam porque ainda não saibam o que são os sentidos
internos, vamos vê-los na altura devida.

Mas há algo no homem que ultrapassa os sentidos, é o que, -- conquanto


também se chame conhecimento -- pode chamar-se, mais propriamente,
inteligência ou intelecto ou mente (vocês verão aí no documento terminológico
o étimo dessas palavras). Pois bem, se dissemos que os sentidos se
distinguem por seu respectivo objeto, então, também o espírito, a mente, a
inteligência, o intelecto tem de distinguir-se por seu objeto; pois bem, se o
objeto da visão é a cor e o objeto da audição é o som, qual é o objeto da
inteligência? É aquilo que é. Este é o objeto do intelecto humano, este é o
objeto da inteligência, este é o objeto do espírito humano: o que é. E que é? O
que é, é o ente. Detenhamo-nos um pouco neste conceito importantíssimo,
(voltem aí ao documento, sugiro-lhes) a palavra ente vem do latim ens, entis,
em Grego é ón; e ele é o que comumente as gramáticas chamam particípio
presente. Eu, na Suma Gramatical, salvo engano na página 553 e 554, mostro
que não é o melhor nome para esse tipo de modo verbal, e mostro que o
melhor nome para isso é particípio modal, então, os que têm a Suma
Gramatical e quiserem consultar, creio que é a página 553 e 554. É o particípio
modal. O que é isto? Vejam a correlação entre a palavra fluente e o verbo fluir;
fluente é aquilo que flui, é aquilo que está fluindo, é aquilo que tem fluência, um
rio, a minha fala flui (metaforicamente). Assim também, ens, entis está para o
verbo “esse” (ser em latim, vejam aí no documento), assim como fluente está
para fluir. Ente está para o esse latino (que é um verbo) assim como fluente
está para fluir. Logo, assim como fluente é aquilo que flui, é aquilo que está
fluindo, é aquilo que tem fluir, assim também ente é aquilo que é, aquilo que
tem ser.

Este é o objeto próprio do espírito, do intelecto, da inteligência, da mente


humana. Já o mostraremos. Mas, aproveite-se o ensejo para fazer um
parêntesis, nem todos alcançarão agora o que eu direi mas alguns já; mas não
importa, deixá-lo-ei registrado para que no devido momento se entenda a
coisa. É comum ver nas traduções de São Tomás e de Aristóteles traduzir ón
por ser, e traduzir eînai, que quer dizer ser, por existência. Pois bem, esta
confusão tradutória, que em grande parte se deve às correntes scotistas e
nominalistas que começam no século XIII e XIV e avançam pelo outono da
Idade Média, mas também pelos próprios tomistas, que pouco tempo depois da
morte de São Tomás já vão assimilando pouco a pouco a linguagem dos
adversários, eles estão cercados e sitiados, então vão cedendo terreno ao
inimigo; os tomistas começaram a aceitar usar existência em lugar de ser e ser
em lugar de ente, ser em lugar de ente cria uma confusão tremenda, porque eu
acabei de dizer que o ente é aquilo que tem ser, se eu traduzo ente ou digo
que o ente é o ser então eu acabarei por dizer que o ser é aquilo que tem ser.
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Isto é uma confusão terminológica que não pode deixar de induzir a confusões
de fundo.

Mas a confusão entre ser e existência causa ainda mais danos. Atenção, a
distinção entre ser e existência não é fácil, só a alcançarão vocês quando
chegarmos à metafísica, aprofundando-a ainda na Teologia Sagrada, é algo
que só é evidente para os sapientes. Mas, deixar de fazer a distinção entre
essas duas coisas levou a confusões imensas, como a de Heidegger ao acusar
que a filosofia ocidental havia esquecido o ser ou o ente. São Tomás não
esqueceu nada, foi ele o grande descobridor desta diferença, mas isso
ocasionou o desvio, a inflexão da doutrina tomista quanto a este ponto
essencial, metafísico, capital, fez com que houvesse um descarrilamento até o
ponto de Heidegger criticar aquilo que ele não sabe que criticava, porque é
como se ele pensasse que a doutrina de Santo Tomás fosse exatamente como
era expressa por seus continuadores ou por seus adversários. Fecho o
parêntesis apenas insistindo nisto: uma coisa é ser outra coisa é existência. Às
vezes podemos usar uma pela outra, mas poucas vezes. Em meu livro
“Estudos Tomistas”, eu tenho um opúsculo que fala exatamente disso: a
distinção entre ser e existência (salve engano é o segundo ou o terceiro
opúsculo do livro “Estudos Tomistas”).

Pois bem. Posto isso, voltemos ao ente. Repita-se, o ente está para o verbo
esse (ser), assim como fluente está para o verbo fluir e o ente, ou seja, aquilo
que é, aquilo que está sendo, aquilo que tem ser o que é o objeto próprio desse
conhecimento, o humano, que com relação ao animal é um salto
incomensurável e que também se chama intelecto, inteligência, mente. Mas o
fato é que há alguns homens que têm um conhecimento, uma inteligência da
realidade mais excelente que o restante dos homens, são os filósofos. O que
quer dizer filosofia? Amor à sabedoria. É bem verdade que, como diz
Aristóteles logo no início de sua metafísica, todo homem deseja saber, ou seja,
quer alcançar a sabedoria; mas, só uma minoria dos homens o consegue, e ela
tem então um conhecimento mais excelente que a maioria dos homens. Não é
que haja um salto entre o conhecimento corrente dos homens e os filósofos ou
sábios, do mesmo modo que houve um salto incomensurável entre o
conhecimento animal e o conhecimento humano, inteligência, intelecto ou
mente. Não, não há este salto, porque o sábio está em potência em qualquer
homem, antes de eu, você ou qualquer outro poder ser sábio, nós não o somos
e, no entanto, podemos vir a ser sábios; ao passo que um símio, contra o que
diz Darwin, não pode vir a ser um homem.

O conhecimento de um cão, que é mais perfeito que o do símio, chama-se


estimativo e jamais pode tornar-se o conhecimento humano, seus objetos são
diferentes. O conhecimento dos animais superiores, os símios, os cães, são as
coisas sensíveis, aquelas que se podem alcançar pelos sentidos; os animais
compararam aparências sensíveis para distinguir-me de outra pessoa, para
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distinguir qualquer pessoa de um gato, um gato de um rato, esta comida


daquela. Nós não, -- como disse, o conhecimento humano pergunta: o que é o
homem? O que é o gato? O que é o cão? O que é a comida? O que isto? O
que é aquilo? Ou seja, aquilo que é – então, aquilo que é, é o ente e cada
modo de ser ente, eu sou ente, o cão é ente, o gato é ente, a comida é ente,
mas cada um de nós tem um modo de ser, é o que é.

Mas voltando, há alguns homens, os filósofos, os sábios que têm um


conhecimento mais excelente. Atalhemos já uma objeção, a sabedoria se diz
de muitos modos, porque, com efeito, a sabedoria é um termo, uma noção
analógica. Já o saber, a mera ciência, o ser dotado de ciência ou de filosofia, a
lógica, por exemplo, já é uma sabedoria, já é certa sabedoria, já é certo saber,
já é certo conhecer que o comum dos homens não alcance. Mas sabedoria
propriamente dita, se só houvesse o mundo sensível, seria a física, mas há
algo além da física, então a sabedoria é metafísica, mas há a sabedoria
teológica sagrada, e assim vamos. Trata-se de um conceito analógico que eu
posso usar assim ou assado em certo modo de analogia.

Pois bem, chamam-se filósofos ou sábios esses que alcançam um


conhecimento excelente com respeito ao comum dos homens. E este
conhecimento é gratuito, quando quero conhecer algo, só conhecer, quero
saber o que é algo, este conhecimento não visa senão a superar uma
ignorância, superada tal ignorância, a mente repousa, e isto é diferente se de
conhecer algo para conseguir um benefício qualquer, um fim qualquer exterior
ao próprio intelecto, à própria inteligência. Quando conheço as madeiras para
como o marceneiro fazer boas cadeiras, mesas e armários, eu tenho um
conhecimento, uma inteligência da realidade interessada, eu estou interessado
em uma utilidade que advenha, que decorra do meu conhecimento das
madeiras; mas não assim nisso que chamam sabedoria, não assim nisso que
chamam filosofia, esta tem um fim em si mesma: superar uma ignorância e
descansar naquela verdade conhecida, na resposta conhecida às perguntas
que fazem os filósofos. Isso se prova, como diz Aristóteles, pelo fato de que a
filosofia só pôde começar quando certo pressuposto estava preenchido, ou
seja, as comodidades da vida. Homens que vivessem na selva ou em cavernas
não poderiam alcançar a sabedoria, seria preciso primeiro ter alcançado certo
nível mínimo de bem-estar para que a filosofia fosse possível em certo tempo
de ócio.

Mas que a filosofia, a sabedoria é algo superior ao conhecimento do comum


dos homens, da maioria dos homens, diz Aristóteles: prova-se, mostra-se
porque é algo divino, é algo próprio da divindade. É bem verdade que os
poetas, prossegue Aristóteles, dizem que não é possível a sabedoria, porque
não o deixa a divindade, a divindade tem ciúme, zelo de que os homens
alcancem aquilo que também é divino. Mas, como diz Aristóteles, os poetas
contam muitas mentiras, e é possível ao homem alcançar a sabedoria. Mas a
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sabedoria só se completa, ela só é sabedoria em sentido mais perfeito e mais


cabal, quando o filósofo já não tem nada mais que perguntar (por isso é que,
na verdade, o homem só será sábio estritamente falando quando vir a Deus por
essência, porque vendo a Deus por essência verá a todos os efeitos de Deus,
que é a causa de tudo).

Pois bem, o próprio do sábio é perguntar, a pergunta é a semente da filosofia,


ela decorre da admiração, do espanto. Primeiro os homens se admiram das
coisas que estão ao seu redor. Como é possível que de um ovo nasça um
pinto? Depois de admiram das coisas celestes, e assim vai. E a cada
admiração uma pergunta, porque, repita-se, o próprio do sábio é perguntar.
Mas é preciso saber perguntar, não é qualquer modo de perguntar. A lógica
que, como veremos, é a arte que faz com que a nossa inteligência alcance a
verdade com facilidade, com ordem e sem erro, -- esta é uma das definições de
lógica – esta mesma lógica ensina a perguntar. E por que é importante saber
perguntar? Porque como diz Aristóteles, não se pode soltar se se desconhece
a atadura, o nó; para soltar um nó, uma atadura é preciso conhecê-la. Porque
se não se formulam as perguntas corretas, o filósofo será como aquele que
marcha sem saber para onde ir, ou que, chegado a certo ponto, não sabe que
chegou, porque não sabe exatamente o que procurava. Para soltar é preciso
conhecer a atadura. O que é a atadura? São as dificuldades, os problemas, as
objeções, -- lembrem-se do que falei da radiografia – que não só os
adversários, mas nós mesmos temos de fazer-nos. Mas, assim como o filósofo
não descansa enquanto tenha perguntas por fazer, assim também, é preciso
fazer perguntas na ordem correta.

Vimos na aula magna que as disciplinas têm de expor-se, estudar-se, ensinar-


se na ordem correta, e isto corresponde a perguntas ordenadas corretamente.
Cada disciplina tem suas perguntas, suas ataduras, suas objeções e suas
repostas. Mas, de um modo geral, qual é a primeira pergunta que faz o homem
em geral e o filósofo em particular? Quando deparamos com uma coisa que
queremos conhecer; é, o que é? Se o objeto da inteligência humana é aquilo
que é, nós queremos então saber o que é esta coisa que temos diante de nós.
Esta é a primeira pergunta dos homens e a primeira pergunta dos sábios. Qual
a diferença? É que os homens em geral não respondem cabalmente a esta
pergunta, às vezes sim, em poucas coisas, mas na maioria delas não
respondem perfeitamente; enquanto o filósofo tem a lógica como propedêutica,
ou seja, a lógica ensina a pensar, logo, em cada uma das ciências o filósofo
aprenderá a perguntar e a responder, a expor as objeções e a perguntar na
ordem correta.

Pois bem, a primeira pergunta da inteligência humana corresponde a um objeto


que é comum a todos os homens, o objeto que é comum a todos os homens é
o ente, aquilo que é. Logo, a primeira pergunta há de ser: o que é esta coisa?
Para usarmos já termos filosóficos, “o que é esta coisa?” diz-se em latim Quid
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sit? Ou Quid est? Pois bem, os escolásticos, ou seja, os doutores, os mestres


medievais, passaram a chamar a resposta à pergunta Quid sit? (ou Quid est?)
de quid ou quidditas, porque, vejam, “quid est?”, quidditas. Quidditas ou quid é
aquilo que responde a pergunta Quid est? (ou Quid sit?). E, em português,
chamamos a quidditas ou quid de quididade, essa palavrinha estranha tem que
ver com a forma latina da pergunta Quid sit?, a resposta é o quid, ou quidditas
ou, em nossa língua, quididade. Demos assim um passo importante no domínio
da terminologia filosófica, quididade é a resposta que se encontra à pergunta “o
que é esta coisa que está diante de mim mostrada a meus sentidos”?

Como o verão, por um longo tempo não falarei de Deus, não falarei de alma
nem muito menos de anjos. Por quê? Porque a nossa inteligência, o nosso
intelecto é preparado, ele é próprio para entender o que é esta coisa sensível
que está diante de mim, que meus olhos vêem, que minhas mãos tocam, que
meus ouvidos ouvem, cujo cheiro, sinto. Isto é que é próprio nosso, conhecer o
que é, não ao modo dos animais ou brutos, mas ao modo humano, conhecer o
que é esta coisa sensível. Se depois, vamos fazer aquilo que Platão chamava a
segunda navegação, cujo porto era o suprassensível. Explique-se isso
rapidamente, em Grego se dizia primeira navegação aquela feita com vento e
as velas defraudadas, as velas abertas e o vento empurrava o barco, ou seja,
uma navegação fácil; a segunda navegação era mais difícil, porque sem vento,
arriavam-se as velas e navegava-se com os remos. Pois bem, é isto que Platão
chamava a segunda navegação, aquela que alcança aquilo que está além do
sensível. Isto é um segundo momento, temos de partir em todo nosso início
que o objeto próprio do intelecto é: o que é esta coisa que se nos dá aos
sentidos (à visão, à audição, ao paladar, ao tato, ao olfato).

Então, não sejamos apressados. Muitos, mesmo tomistas, incorrem neste erro,
já começam supondo coisas que não são para supor no início; elas serão um
porto como o era o porto do suprassensível que Platão pretendeu alcançar com
sua segunda navegação a remos. Insista-se, porém, antes de prosseguir na
questão da ordem. Dizia Aristóteles que o próprio do sábio é ordenar. Pois
bem, pode surgir então uma atadura, um nó. Por que a primeira pergunta é o
que é e não se é? (aliás, podemos dizer que as coisas são ou existem, todas,
menos Deus, que nem é coisa nem existe, ele não é coisa e não existe, senão
que ele é; mas isso é apenas uma excursão em algo ainda vindouro).

Voltemos, por que a primeira pergunta quando vejo algo que se me dá aos
sentidos é “o que é esta coisa”, “o que é este algo” e não se este algo existe?
Justo porque é evidente. Esta é a doença da filosofia pós-cartesiana, é a
doença de duvidar do evidente, de negar o evidente. Há um rapaz que durante
anos me perguntava: mas, professor, como posso saber que o evidente é o
evidente? E respondia eu: porque é evidente. Ou seja, essa doença de negar o
evidente leva a que a filosofia moderna pergunte: se é, se existe (em latim, na
sit) esta coisa que se me dá evidentemente, -- como se diz em linguagem mais
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técnica – por si nota aos nossos sentidos. Por isso é que a primeira pergunta
não é “an sit”, já que a primeira coisa que conhecemos é o que se nos dá aos
sentidos, como acabei de dizer com relação às duas navegações platônicas.

A primeira pergunta é “o que é”, cuja resposta há de ser uma quididade, um


quid desta coisa. Muito bem, tenho algo diante de mim, tenho uma coisa diante
de mim, posso perguntar “o que é?” e responder “é Paulo”; posso responder: é
um ente, é algo, é uma coisa (lembrem-se que coisa só Deus não o é). Paulo é
Paulo é uma primeira resposta que eu possa dar. A segunda é esta: é algo, é
um ente, é uma coisa. A outra que posso dizer é: é baixo, é magro, é
inteligente; esta é uma terceira classe de respostas. Posso dar outra classe de
respostas: é estudante universitário, é brasileiro. E posso dizer, enfim, que é
um vivente, um ser vivo, um ente vivo capaz de pensar. Recapitulem-se a
respostas possíveis a “o que é isto que se me dá aos sentidos?” A primeira, é
Paulo; mas ao responder “é Paulo” não encontrei uma verdadeira quididade
nem respondi corretamente a “o que é”, respondi a “quem é”. Quando vejo algo
que se me dá aos sentidos e digo “é Paulo”, não disse o que é essa coisa que
se me dá aos sentidos, senão que disse quem é esta coisa, Paulo. Se digo que
é um ente, é algo, é uma coisa, a resposta é tão geral quanto à pergunta “o que
é?” Ora, se a resposta é tão geral quanto à pergunta é porque ela não
responde nada, ela não diz nada, não é uma resposta concludente à pergunta
“o que é”. Se digo que ele é magro, baixo e inteligente, tampouco respondo a o
que é esta coisa que se me dá aos sentidos, digo como é esta coisa, não o que
é; podia ser alto e não baixo, podia ser gordo e não magro, podia ser menos
inteligente que o que é, podia ser de um modo ou outro sem deixar de ser esta
coisa (até porque esta coisa que se me dá aos sentidos pode ora ser gorda ora
ser magra, ora pode até perder a inteligência por alguma concussão cerebral).
Quando digo, porém, que ele é um estudante universitário e brasileiro,
obviamente isso poderia ser de outro modo, nasceu no Brasil por um acidente,
sua mãe teve o parto em uma viagem, por exemplo, mas era para ter nascido
no Chile. Que ele seja estudante universitário claramente se vê que poderia
não ser, se ele não tivesse condições financeiras de sustentar seu estudo
universitário. No entanto, quando eu digo esta coisa que se me dá aos sentidos
é um vivente, um ente vivo, aquilo que comumente se chama um ser vivo (não
é a melhor maneira de dizê-lo, já disse que não se deve confundir ser com
ente) que é capaz de pensar intelectualmente, inteligentemente, ao contrário
dos animais que não pensam propriamente, os animais estivam (como o
veremos ao alcançar a parte da biologia e da alma). Quando digo, então, esta
coisa que se me dá aos sentidos é um vivente capaz de pensar, eu já disse
uma quididade, aí sim eu respondi a pergunta “o que é esta coisa?”.

Tomemos três exemplos para mostrar que nem todas as partes das coisas
sobre as quais perguntamos “o que são?” devem levar-se em consideração na
resposta. Tome-se uma árvore, a árvore pode ora ter folhas verdes ora ter
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 11

folhas amarelas, ela tem raízes. A amizade, se pergunta o que é amizade? Ela
supõe um trato constante, uma convivência constante, ainda que seja por
epístola, por carta, por missivas. E o rosto humano? O rosto humano pode ser
amarelo, negro, branco, vermelho, e tem sempre testa, olhos, nariz, boca. Mas
vejam no caso da árvore e no caso do rosto humano, no caso da árvore eu
digo “tem folhas verdes”, mas isso pode não ser assim, ela pode no outono ter
folhas amarelas, e pode até perder, e perde na maior parte dos casos as folhas
no mesmo outono. O rosto pode ser amarelo, branco, negro, vermelho, e tem
de ter obrigatoriamente testa, olhos, nariz, boca, assim como a árvore tem de
ter raízes. Mas mesmo deixando de lado aquelas coisas que podiam não ser,
ou seja, folhas verdes ou amarelas, ou não folhas, e, a cor branca, preta,
amarela, vermelha para o rosto humano; mesmo deixando de lado essas
coisas, ao responder o que é a árvore ou o que é o rosto humano, não
precisamos levar em consideração não só aquele primeiro bloco, mas
tampouco o fato de que a árvore tem raízes e de que o rosto tem testa, olhos,
nariz, boca, queixo, eles estão aí, mas às vezes podem não estar.

No caso do rosto, por exemplo, por algum defeito ou por uma perda acidental
podemos deixar de ter nariz. Claro, sentiremos que há algo estranho, que algo
é um defeito, uma falta, uma carência; ao passo que ser negro, branco,
vermelho ou amarelo não é considerado defeito, são cores, podemos ter
qualquer destas cores de pele; mas em nenhum dos dois casos se tem em
conta ao responder o que é a árvore ou o que é o rosto humano. Já se eu
disser que a árvore é um vegetal e que o rosto humano é o lugar dos órgãos
dos sentidos humanos (não todos obviamente, o tato é por todo o corpo), agora
sim, já respondi a o que é quiditativo, já dei uma quididade do rosto humano e
dei uma quididade da árvore.

Pois bem. Aquele primeiro bloco de coisas que não se devem levar em
consideração ao responder à pergunta “o que é?”, aquelas coisas, aquelas
partes, aqueles aspectos das coisas que não se devem levar em consideração
ao responder à pergunta “o que é?” são chamados acidentais; ao passo que
aquilo que se deve necessariamente levar em conta ao responder à pergunta
“o que é esta coisa?” é chamado essencial. Estamos na distinção entre o que é
acidental e o que é essencial. Vejam aí no documento o étimo da palavra
essência. Por aí, vocês já verão que essência normalmente se toma como o
mesmo que quididade; claro, se aquilo que é essencial é o que responde à
pergunta ”o que é esta coisa que se nos dá aos sentidos?” e se já dissemos
que aquilo que responde a esta pergunta é a quididade, logo, quididade e
essência são o mesmo. Antecipe-se, porém, que ao alcançarmos a física geral
veremos que quididade e essência não são absolutamente o mesmo, são o
mesmo, mas visto de ângulos distintos. Não são exatamente o mesmo, mas,
por hora, consideremos que essência (ou quididade) é aquilo que se encontra
ao responder a pergunta “o que está coisa?”. Quando digo que a árvore é um
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 12

vegetal e que o rosto humano é o lugar de órgãos dos sentidos externos tem
quididades, coisas essenciais do rosto humano e da árvore.

Insista-se em uma distinção anterior, disse eu que há coisas que não se devem
levar em consideração ao responder à pergunta “o que é?”, e estas coisas são
as acidentais. Se as coisas que se devem levar em consideração ao responder
à pergunta “o que é?” são as essenciais, as que não se devem levar em
consideração são as acidentais. Diga-se desde já, uma vez mais, agora
fazendo um excurso a algo mais próximo, não tão distante. Há dois tipos de
coisas acidentais. Umas são as acidentais propriamente ditas, as outras são as
também chamadas “propriedades” ou “próprios”. Acidental vem de acidente
(em latim, accidens), que vem do verbo accidere (que é formado de ad cadere),
ou seja, cair, vir a acontecer, resultar. Como veremos na próxima aula,
acidentes são aqueles que caem na substância, -- mas isso na próxima aula
que o entenderemos – por hora devemos entender que os acidentes são aquilo
que não cai na resposta que damos à pergunta “o que é?”. Logo, acidental é
aquilo que não é essencial. Os acidentes não são parte da quididade (ou
essência) da coisa que queremos conhecer ao perguntar “o que é esta coisa
que se nos dá aos sentidos?”. Mas hão de perguntar-me: como podemos
distinguir o que é acidental do que é essencial? Como podemos distinguir os
acidentes daquelas partes que devem entrar na resposta à pergunta “o que é a
coisa que se nos dá aos sentidos”? Pela inteligência, inteligindo. O verbo
inteligir quer dizer usar a inteligência, conhecer. Mas qual é a origem desta
palavrinha inteligir? É o latino intelligere (que é formado de duas partes, inter
legere). E o que é inter legere? É distinguir, escolher, eleger entre duas coisas
(daí a nossa palavra eleger, que é o mesmo que escolher).

É usando a inteligência, é inteligindo que sabemos distinguir o essencial do


acidental. O essencial, repita-se, é aquilo que cai na resposta da coisa que se
nos dá aos sentidos, e com respeito ao qual pergunto “o que é?”. E o acidental
é aquilo que não cai nesta resposta. Isso nós fazemos distinguindo, elegendo,
escolhendo (inter legere) a coisa que se nos dá aos sentidos. Isto é a
inteligência. Isto é o inteligir, antes de mais nada, no próprio umbral da filosofia.
A lógica vai ensinar-nos a distinguir uma coisa de outra: os aspectos (ou partes
acidentais) da coisa com respeito a qual pergunto “o que é?”, das partes (ou
aspectos essenciais) desta mesma coisa. Por isto a pergunta “o que é” é a
primeira das perguntas e, por isso, a resposta que se lhe dá é a primeira das
respostas. Dizia Aristóteles, é preciso saber perguntar e é preciso saber
responder, o que nos é ensinado pela lógica, e não se faz isso se não se usa a
inteligência que é, antes de tudo em primeiro sentido, escolher, eleger,
distinguir uma coisa de outra.

Pois bem. Mas acabo de dizê-lo e já me assalta uma atadura, duas, para falar
a verdade. A primeira: é fácil isso, não? Parece que é fácil, que não se trata de
algo difícil. Então, incha-nos a soberba, e já nos achamos filósofos (ou sábios).
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 13

Ledo engano, é preciso alcançar a humildade expondo nossas mesmas feridas,


ou seja, os mesmos nós, as mesmas ataduras diante das quais estamos, e que
temos de desatar; quem não conhece a atadura não pode soltar, dizia
Aristóteles. Pois bem, pergunte-se algumas coisinhas, o que é uma árvore? E,
o que é um arbusto? Pensem vocês. Vocês hão de responder que tanto a
árvore como o arbusto são vegetais. Muito bem. Mas por que uma é um
vegetal e outra é um arbusto? Falta alguma quididade para que eu responda
perfeitamente à pergunta o que é a árvore? O que é o arbusto? Sem dúvida
alguma. Algo falta. Pergunto: o que é a molécula? É a parte ínfima da matéria?
Mesmo os que são versados em ciências físicas saberão responder a isto?

Pergunto, outra vez repito: o que é o espaço? Muitos responderão: é o vácuo, é


o vazio. Em outras palavras é o nada, mas como o nada pode ser colorido?
Retornemos aos tempos antigos, quando não tínhamos ainda telescópios, não
tínhamos instrumentos de precisão, que são como extensões dos nossos
olhos. Quando se olhava para o sol sabia-se perfeitamente que o sol é algo
distinto daquilo de que parece fazer parte, ou seja, do céu.

A maça é uma coisa à parte ou é parte da macieira? Estas perguntas não têm
resposta e digo mais, a maioria das perguntas não tem resposta fácil.
Antecipando um pouquinho. Podemos dizer com perfeição que o homem é um
animal racional; responda-se agora, o que é o cão? É um animal canino? Isso é
uma falácia, é um paralogismo. Se defino bem o que é o homem ao dizer que
ele é um animal racional, não defino e, portanto, não conheço o que é o cão se
digo que ele é um animal canino, ou que o gato é um animal felino. Isso é uma
petição de princípio (estudaremos aqui as falácias, e uma delas é a petição de
princípio).

Vejam a multidão de perguntas que se podem fazer, e que não sabemos


responder. Mas exatamente porque a maioria dos homens não é dotada da
arte da lógica que, repita-se, é a arte que ordena, que regula o próprio ato da
nossa inteligência para que ele alcance sua finalidade com ordem, com
facilidade e sem erro; a maioria não é dotada desta arte. Portanto, nem faz, na
maioria das vezes, as perguntas na ordem correta nem respondem a elas de
modo cabal, perfeito ou completo.

O padre Calderón, no referido primeiro capítulo de seus “Umbrales de la


Filosofía”, diz que neste caso os homens muitas vezes conhecem as coisas
segundo as aparências sensíveis, assim como os animais brutos. Creio que no
padre isso seja um modo de exprimir-se, porque não é verdade propriamente.
Os homens, mesmo os que não são dotados da ordem e da completude que
lhes dá a lógica, conhecem as coisas diferentemente dos animais. Quando
chegarmos à psicologia, ao estudo da alma humana comparando-a à alma dos
animais, veremos que nós temos algo na mente, que são as espécies
inteligíveis. Em muitos casos, às vezes a maioria dos homens acertam numa
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 14

coisa ou noutra, nos demais casos é que eles não conseguem fazer o que se
chama as operações do intelecto (que serão matéria de aulas próximas). Mas,
pelas espécies inteligíveis, eles de certo modo reconhecem as coisas de
maneira distinta de como os brutos conhecem por sua estimativa. Os brutos
não têm inteligência, não têm mente, não têm intelecto e, portanto, não têm
espécies inteligíveis. Não se assustem com a expressão, já entenderão o que é
isso. Digo-lhes que tenho em vários livros artigos sobre isso, sobre exatamente
as espécies inteligíveis e o que são as duas primeiras operações do intelecto,
em resposta aos erros de ninguém menos que Jacques Maritain e outros
tomistas importantes.

Estou apenas antecipando para que os que leiam o livro do padre Calderón
entendam essa sua passagem que a maioria dos homens entende a maioria
das coisas como as entendem os animais, ou seja, por comparação de
aparências sensíveis é, provavelmente uma maneira de expressar-se, uma
maneira de não entrar em assuntos mais complexos e futuros. Mas, eu gostaria
de ressaltar que não é exatamente; o homem, mesmo o mais ignorante, o mais
bruto deles jamais será igual a um animal bruto, a não ser em casos de
demência. Mas o fato é que a maioria dos homens, na maioria das vezes, não
faz as perguntas certas, ou na ordem certa, nem lhes dá as respostas cabais,
completas. Por exemplo, volte-se ao exemplo dado já, se pergunto a qualquer
pessoa ela normalmente dirá respondendo à pergunta “o que é a árvore?”: é
um vegetal. Mas já vimos que dizer que a árvore é um vegetal tem um
problema, é incompleto. Porque se olho para o arbusto digo que é um vegetal,
se olho para a roseira e digo que é um vegetal; mas então o que distingue a
roseira, do arbusto e da árvore? O que os distingue? Ou são a mesma coisa?
Serão a mesma?

Dê-se outro exemplo. O homem é um animal racional, distingue-se do conjunto


dos brutos, que são animais não racionais. Se respondo que o cão, o gato, o
cavalo, a zebra, a minhoca, o passarinho são animais irracionais, das duas
uma: ou a resposta está incompleta, porque não conseguir distinguir entre eles
quididades (coisas essenciais), aquilo que faz o passarinho essencialmente
diferente da zebra, e a zebra da minhoca, ou, então, eles são a mesma coisa, e
a diferença entre a zebra, a minhoca, o cavalo, o cão, o gato, seria uma
diferença semelhante a que há entre Paulo e Maria e mim, entre aquela
criança, entre aquele velho, entre aquele alto, entre aquele magro. Então, a
zebra, o cão, o gato, o cavalo, a mosca teriam apenas diferenças acidentais.

Mas parece evidente que isto está errado, algo está errado aí. Não é possível
que a diferença entre uma mosca e uma zebra seja acidental, que entre a
minhoca e o orangotango haja apenas diferenças acidentais. Logo, a maioria
das pessoas não responderá cabalmente, e não é fácil responder o que é o cão
O cão é um animal irracional canino, falta algo; vejam, é uma petição de
principio. Não é fácil para maioria dos homens nem para os filósofos. Mas, a
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 15

diferença entre a maioria dos homens e os filósofos é que armado, dotado da


lógica -- que é a arte propedêutica a todas as ciências, é a arte que permite à
razão alcançar seu fim com ordem, com facilidade e sem erros, fazendo as
perguntas corretas e respondendo a elas de modo correto – fazem que o
verdadeiro filósofo, o sábio vá pouco a pouco respondendo adequadamente a
estas perguntas feitas na ordem adequada, e, como dito, o verdadeiro filósofo
não descansará enquanto não se esgotar o estoque de perguntas relativas à
realidade. Pode ser que se esgote o estoque de perguntas com respeito a dada
coisa, mas logo veremos que esta coisa tem relação com outras, ou porque foi
gerada por outras, ou porque se ordena a outras, então já surgem quanto a
estas ordenações, quanto a esta geração .

Não é difícil antever numa excursão que faço aqui que nem o maior dos sábios
que foi São Tomás de Aquino pôde descansar enquanto estava vivo. Por isso é
que ele ao final da vida, aos 47, deixou de escrever porque teve uma
revelação, e após ter tido esta revelação (que certamente foi um lampejo
daquilo que o olho nunca viu, e que o ouvido nunca ouviu) pôde dizer então
que tinha parado de escrever, porque tudo quanto tinha escrito lhe parecia
coisa módica; não palha nem muito menos que estava errado como dizem os
inimigos do tomismo. Recomendo-lhes, se quiserem, meu estudo introdutório
ao Compêndio de Teologia, um longo estudo que saiu pela editora Concreta.

Voltemos agora à humildade dos primeiros passos, voltemos ao terra-terra dos


primeiros degraus, e veremos que aos homens em geral, incluindo os filósofos,
não há resposta fácil para a maioria das perguntas. A pergunta é sempre a
mesma, por enquanto: o que é esta coisa? O problema é que só com respeito a
poucas coisas o homem comum é capaz de dar a resposta adequada, a
quididade, a essência desta coisa com respeito a qual pergunta; mas também o
filósofo terá suas dificuldades, com a diferença de que a própria sabedoria,
encarnada agora em Aristóteles (essa alma gêmea de Santo Tomás de Aquino,
esse gênio lógico, são os dois maiores gênios lógicos e metafísicos que já
pisaram nesta terra; Platão era um grande gênio metafísico, mas era um mau
lógico; Guilherme de Ockham era um excelente lógico, mas um pífio metafísico;
Descartes era um ótimo matemático, ruim em tudo o mais), ensinou a quem o
queria seguir, aos que o querem seguir a responder a estas perguntas difíceis
“o que é esta coisa?”, “o que é aquela coisa?”, sempre atendo-se ao essencial,
e não ao acidental, seja esse essencial o essencial propriamente dito, stricto
sensu, ou o acidental que é também uma propriedade (ou próprio) da coisa, ao
Aristóteles erguer esta catedral que é seu Órganon, são seus livros lógicos.

Há discussão quanto a quantos livros integram o Órganon aristotélico. Não


importa isto por hora, importa é que ele descobriu o conjunto da arte lógica de
uma maneira difícil, porque seus escritos lógicos, seu Órganon são de uma
dificuldade extrema, são obscuros, dizia São Tomás de Aquino. Foi preciso
então a alma de Santo Tomás de Aquino desentranhar o sentido de alguns
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 16

livros lógicos de Aristóteles, é o caso do Peri Hermeneias que São Tomás


deixou incompleto, e é o caso do comentário aos Segundos Analíticos que ele
completou de maneira magnífica. Os demais livros do Órganon não foram
comentados por Santo Tomás, ou melhor, é provável que seja dele um
opúsculo em que explica os Elencos Sofísticos que fazem parte de algum
modo do Órganon. Mas mesmo nestes casos não somo órfãos, para o primeiro
livro do Órganon que são as Categorias (ou Predicamentos), comentou o
grande Cardeal Caetano, é sobre ele que versa meu livro “O Tratado dos
Universais: do verbo cordial ao verbo vocal”, é uma espécie de expansão do
dito pelo Cardeal Caetano. Como veremos na hora H, os Primeiros Analíticos
foram, de certa maneira, comentados por Jacques Maritain, com alguns erros,
mas de modo útil a nós.

Vamos com o tempo entendendo toda essa obra, essa catedral lógica que foi o
Órganon aristotélico, com esses comentários que fizeram os grandes doutores,
e eu humildemente também o faço com o respeito às Categorias, e também
aos Predicáveis, que é outra obra, essa já não de Aristóteles, é uma obra que
se somou ao Órganon, a Isagoge de Porfírio.

Quero apenas dizer que essas excursões que faço a assuntos futuros são
apenas para precaver os alunos de interpretações falsas a que eles mesmos
possam chegar precipitadamente, ou ler em autores igualmente precipitados.
São como sinais na estrada, aquelas setinhas, vamos para lá, mas não quer
dizer que já tenhamos chegado ao ponto para o qual indicam essas setinhas,
ainda estamos nesta altura da estrada em que apenas vemos uma seta. Então,
peço-lhes encarecidamente que não me perguntam, por hora, coisas que
ampliem o que não é senão excurso. Claro, se não entenderam o que eu disse
exatamente com as palavras que disse, escrevam-me perguntando-me. Mas
por favor, não venham perguntar o que é a Santíssima Trindade, se Deus pode
ser demonstrado que ele é (sua “existência”), isto ainda não está em jogo, eu
apenas pus setas para que lhes evite tropeços por certas precipitações
próprias, ou devidas a leituras de outrem.

Creio que posso terminar a segunda aula anunciando que a terceira começará
por outra distinção importantíssima nesses primeiros trechos da estrada real
que conduz à sabedoria mais perfeita. A distinção entre substância e acidente.
Coisa tão mal entendida por aristotélicos e até por alguns tomistas, é uma
distinção fulcral. Sugiro-lhes que vejam quantas vezes sejam necessárias este
vídeo, esta aula é fundamental, não só porque não se pode soltar se se
desconhece a atadura, como não se pode galgar uma escada se não se temo o
pé firme em cada degrau, e este é o primeiro degrau de nossa ascensão à
sabedoria.

Muito obrigado.

Até à aula três de nossa Escola Tomista.

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