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Pensando o Futuro com estudantes de Ensino Médio de uma escola da rede pública

do Estado da Bahia

Juliana de Andrade Passos - Psicóloga Extensionista/UFBA


Lívia Fernandes Santos – Estudante de Psicologia/UFBA
Livia Milena Sardinha dos Santos – Estudante de Psicologia/UFBA
Allan Jeffrey Vidal Maia – Estudante de Psicologia/UFBA
Ava da Silva Carvalho Carneiro – Mestranda em Psicologia/UFBA
Sônia Maria Rocha Sampaio - Prof. Associada do Institututo de Humanidades, Artes e Ciências Prof.
Milton Santos/UFBA

Correspondência: julianapassos.psi@gmail.com

1. Introdução

Trata-se de um relato de experiência de uma pesquisa-ação-formação fruto do programa


de estágio em Psicologia Escolar e Educacional do Instituto de Psicologia da
Universidade Federal da Bahia. A experiência vem sendo desenvolvida em uma escola
da rede pública do Estado da Bahia como campo de prática do referido estágio, onde, a
partir da realidade observada, foi pensado e aplicado um projeto que visa à discussão de
perspectivas de futuro com estudantes do terceiro ano do Ensino Médio, intitulado como
“Projeto Pensando o Futuro”.

O projeto possui o objetivo de aproximar os estudantes da realidade e possibilidades de


ingresso e permanência oferecidas pelas universidades públicas baianas, tais como a
UFBA, tendo em foco o debate sobre as recentes transformações sofridas pela
Universidade – com o início, em 2005, de sua política de Ações Afirmativas e
Assistência Estudantil – primando a Educação Superior como direito de todos e dever
do estado, promotora de cidadania. Contudo, apesar de esse ser o principal objetivo do
projeto, também eram apresentadas e acolhidas outras possibilidades de projetos de
vida, visando, porém, sempre estimular a continuação dos estudos; discutindo-se a
conciliação entre estudo e trabalho e a realização de cursos técnicos e
profissionalizantes.

O fato de termos priorizado o trabalho com essa população deveu-se à identificação de


uma grande falta de informação que subsidiasse a construção de projetos de vida por
parte dos estudantes, devida em parte a certa negligência da rede de ensino do Estado
em fomentar essa discussão, com aproximações precárias da Educação Básica com o
Ensino Superior. A escolha do projeto “Pensando o Futuro” também ocorreu por conta
de outros motivos. Considerando que na Bahia os estudantes de colégios públicos
interrompem, em uma escala bem maior que alunos de escolas particulares, o
seguimento dos estudos logo após o Ensino Médio ou buscam arduamente alcançar o
Ensino Superior através do ingresso em universidades particulares, procurou-se
desenvolver um projeto que incentivasse o planejamento de vida e a continuação dos
estudos desses alunos. Outro fator importante foi a sinalização da coordenação
pedagógica da escola da ocorrência de indecisões, falta de informação e esquiva de
planejamento por parte dos estudantes do ensino médio, principalmente no que dizia
respeito à realização de um curso de graduação. Além disso, havia no passado um
serviço de Orientação Vocacional oferecido na própria escola para estes alunos, mas
que naquele momento estava desativado.
No caso específico desse projeto, é importante sublinhar a adoção de uma prática em
tripé: pesquisa, intervenção e formação, o que significa que, além de investigar o objeto
e atuar na cena pesquisada, ele se propõe a desenvolver a formação profissional dos
estudantes de Psicologia em contextos educacionais, com a obtenção de conhecimentos
e habilidades acerca do papel do psicólogo escolar e podendo atuar em contextos
coletivos e institucionais.

O referencial teórico-metodológico adotado foi o da Etnometodologia e do


Interacionismo Simbólico. O Interacionismo Simbólico defende a idéia de que aquilo
que os atores fazem do mundo social se constitui, em última instância, como objeto
essencial da pesquisa sociológica. Os interacionistas criticam o isolamento dos dados do
seu contexto para torná-los mais objetivos, recusando igualmente a isenção do
pesquisador da cena de observação. Para eles, o distanciamento do objeto é
contraditório e somente a familiaridade com os atores legitima a possibilidade de falar
sobre eles (LE BRETON, 2004). O Interacionismo Simbólico não concentra seus
esforços teóricos em pesquisas sobre noções abstratas como sistema social ou
sociedade, mas propõe debruçar-se sobre a concretude das relações interindividuais,
concebendo a realidade como aquilo que se objetiva nas e a partir das relações que se
produzem no interior dos grupos e das instituições.

A outra perspectiva teórico-metodológica do estudo – a Etnometodologia


(GARFINKEL, 1967; COULON, 1993, 1996, 2008; SANTOS, 2007), compreende os
indivíduos como autores que vivenciam e modificam a realidade ao seu redor, através
de suas interações diárias nesse contexto e, ao invés de buscar explicações para seus
comportamentos, privilegia as descrições do ambiente de atuação destes atores e as
interpretações que fazem acerca dos fatos sociais. Entretanto, ao adotar a abordagem
microssocial dos fenômenos, a etnometodologia não os desvincula de seus contextos
ampliados, entendendo que o problema estudado é um fenômeno complexo, onde entra
em jogo um grande número de parâmetros habitualmente situados no nível macro
(COULON, 1993). Outro ponto que sustenta a escolha pela etnometodologia é o lugar
de contraponto entre o nível macro das complexas dinâmicas que caracterizam as
Políticas Públicas de Educação brasileiras e o nível micro do cotidiano das escolas,
onde, nas malhas das interações entre alunos e professores, se constituem as bases das
dificuldades vividas pelos estudantes.

2. Metodologia

A partir do momento em que tais referenciais reivindicam o contato direto – face a face
com os atores sociais – numa relação de imersão no terreno das dinâmicas relacionais,
faz-se adequada a utilização da Observação Participante como estratégia privilegiada de
pesquisa, servindo-se de entrevistas sob diferentes formas e de documentos pessoais a
exemplo dos diários de campo, importantes ferramentas etnográficas. Nessa perspectiva,
por imersão, o pesquisador se torna parte ativa do objeto que ele analisa. Assim, a
postura do pesquisador será a de descrever o contexto onde ocorre a produção de
sentidos, não se tratando apenas do simples ato de registrar aquilo que se vê em campo
como em um inventário, mas de um trabalho rigoroso de analisar e interpretar aquilo
que se observa. A descrição etnográfica é a realidade social apreendida a partir do olhar,
uma realidade que se tornou linguagem e que se inscreve numa rede de
intertextualidade, não consistindo em exprimir um conteúdo pré-existente e previamente
dito, mas em fazer surgir o que ainda não foi dito, em revelar o inédito (LAPLANTINE,
2004). Sua finalidade passa por podermos apreender os fenômenos sociais enquanto
totalidades localizadas, datadas e historicizadas, para chegarmos a uma descrição, o
mais completa possível, dos significados compartilhados pelos membros de um
determinado grupo e dos processos de construção desses significados pelos
participantes.

Assim, partindo das referidas bases conceituais e metodológicas, foram produzidos


diários de campo na tentativa de realizar uma inserção na comunidade escolar que fosse
coerente com os princípios desse modo de atuação adotado por pesquisadores e
profissionais, considerando a perturbação provocada por aquele que observa uma
realidade da qual não pode ser considerado “nativo” e analisando as implicações de ser
um sujeito envolvido no processo, objetiva e subjetivamente.

O projeto vem sendo desenvolvido com três turmas do terceiro ano do Ensino Médio,
sendo duas do turno matutino e uma do noturno. Em primeiro lugar, foi realizado um
levantamento, via questionário, dos planos de futuro, escolhas profissionais e
influências nas decisões dos estudantes. O processo de coleta foi realizado em poucos
dias e as informações obtidas foram transformadas em dados e gráficos para posterior
devolução aos alunos. O encontro de devolução foi precedido de uma divulgação prévia
com cartazes que traziam perguntas sobre o futuro dos alunos (Ex.: “O que querem os
alunos do terceiro ano? Prestar Vestibular? Fazer um Curso Técnico? Casar?”), com a
finalidade de incitar a curiosidade dos mesmos acerca da devolução.

Posteriormente, foram realizados encontros em grupo nos moldes da experiência do


Serviço de Orientação Profissional do Instituto de Psicologia da USP, baseada na
prática proposta por Lehman, Uvaldo e Silva (2006), caracterizada como uma
experiência de Orientação Profissional mais ampliada, que envolve e acolhe os mais
diferentes planos de futuro dos participantes, não se limitando apenas à escolha do curso
para o vestibular. Essa experiência foi desenvolvida em três momentos voltados para a
utilização do espaço das turmas como possibilidade de criação de projetos pessoais e
coletivos, buscando ainda fomentar nos estudantes uma maior união entre si, para que
pudessem se perceber como pontos de apoio mútuos nesse processo de transição em
suas vidas.

Também foi exibido e discutido o filme nacional “Pro dia nascer feliz”1, por se acreditar
que se tratava de um recurso interessante para promover uma reflexão e debate acerca
das diferentes realidades e perspectivas vivenciadas nas instituições escolares e para
disparar discussões que abordassem a questão dos projetos de vida, os quais podem ser
influenciados por diferentes contextos de formação.

Posteriormente, foram realizadas palestras informativas e discussões acerca de temas


como o ENEM, Assistência Estudantil e Ações Afirmativas, considerando a
proximidade da realização do vestibular da UFBA e do ENEM. Além disso, foram
distribuídos livretos que continham informações sobre as mudanças ocorridas na UFBA,
dando destaque aos novos cursos, cursos noturnos, ampliação de vagas e informações
sobre o novo modelo de Curso de Nível Superior proposto pela UFBA, os Bacharelados
1
TÍTULO ORIGINAL: Pro Dia Nascer Feliz. LANÇAMENTO: 2007-02-02. DIREÇÃO: João Jardim. CO-
PRODUÇÃO: Globo Filmes, Tambellini Filmes, Fogo Azul Filmes. DISTRIBUIÇÃO: Copacabana Filmes.
Interdisciplinares, os quais propõem uma formação mais generalista nos campos de
Humanidades, Saúde, Ciências Exatas e Artes, com a possibilidade de ingresso
posterior em um dos cursos tradicionais oferecidos pela instituição. Foram ainda
discutidas as possibilidades oferecidas por outras instituições tais como a UNEB
(Universidade Estadual da Bahia) e IFBA (Instituto Federal da Bahia).

No decorrer de todo o processo, a equipe se colocou à disposição dos estudantes para


conversar e tirar dúvidas sobre os temas abordados. É importante frisar também que
todas as atividades relatadas foram realizadas no período de aulas vagas dos estudantes,
sendo os horários de prática acordados com a coordenação pedagógica da escola, a fim
de não prejudicar os alunos – que haviam sofrido no semestre anterior com a falta de
professores e de aulas.

3. Resultados e Discussão

De modo geral, pode-se perceber que houve grande envolvimento dos alunos, que
passaram a demandar informações que pudessem instrumentalizá-los para suas escolhas
em relação ao futuro, e a incluir fortemente em seus projetos de vida o plano de cursar o
Ensino Superior, possibilidade que anteriormente não era encarada por eles como algo
atingível. Foi percebida uma diferença importante entre as perspectivas dos estudantes
do turno matutino e noturno, visto que para os últimos a perspectiva de se manter no
mercado de trabalho se mostra mais impositiva.

Na atividade de devolução dos dados colhidos através dos questionários, foi realizada
uma dinâmica inicial de apresentação que consistia em que todas as pessoas presentes –
inclusive os membros do estágio – dissessem o nome e algo que gostavam de fazer.
Depois os dados foram exibidos por meio de uma apresentação de power point e, logo
em seguida, discutidos com os estudantes. As discussões desenvolvidas envolveram
ainda o relato da experiência de um estudante do curso de Psicologia da UFBA – que
utiliza a assistência estudantil da universidade para permanecer estudando – o qual
havia sido convidado pela equipe para partilhar sua história de vida e a experiência de
ingresso na universidade pública, mesmo sendo advindo de uma pequena escola pública
no interior da Bahia.
A repercussão desse primeiro encontro foi muito positiva, sendo que os estudantes
solicitaram “mais palestras de motivação” para alguns professores. Já a devolução para
as outras duas turmas apresentou algumas dificuldades devido ao grande número de
pessoas na sala, e por não ter contado com o relato de experiência do mesmo estudante
de Psicologia, embora uma estagiária de classe popular da equipe tenha rapidamente
comentado sobre a sua inserção na UFBA. Alguns estudantes procuraram a equipe, no
fim das apresentações, para fazer perguntas sobre as mudanças ocorridas na UFBA e
sobre o ENEM. A equipe respondeu na medida do possível e indicou endereços
eletrônicos onde poderiam pesquisar acerca dos temas causadores de dúvidas.

Partindo para os encontros de Orientação Profissional em grupo, foi utilizada no


primeiro encontro desenvolvido a dinâmica intitulada “Viagem dos Sonhos”, conforme
indicada por Lehman, Uvaldo e Silva (2006), a fim de estimular o protagonismo dos
estudantes em relação aos seus projetos e intenções para o futuro. Foram distribuídas
tarjetas de cartolina de cores diferentes aos alunos participantes e se solicitou que
escrevessem respostas às questões que lhes eram feitas. Depois da realização dessa
dinâmica foram realizadas perguntas sobre as respostas oferecidas por cada grupo de
estudantes, tentando vincular o conteúdo que surgia ao cotidiano dos alunos,
principalmente em relação aos projetos futuros de continuação dos estudos. Os alunos
constataram que não existe um caminho ideal, cada um possui critérios próprios de
escolha e não se consegue ter certeza do que irá acontecer no futuro. Através da
dinâmica, procurou-se recuperar a capacidade de planejar e sonhar, mesmo quando o
que se almeja parece estar muito distante de ser alcançado, além do fortalecimento da
crença de que cada um possui competências para projetar o seu futuro.

O segundo encontro proposto pela equipe da USP, ao ser adaptado para a realidade local
da escola, partiu da sugestão de que os grupos de alunos, divididos conforme o número
de pessoas na sala, produzissem cartazes sobre os seguintes assuntos: vestibular,
profissões, faculdade e mercado de trabalho. Pedimos que não fossem inseridos títulos
nos cartazes, tendo em vista que os colegas deveriam adivinhar o assunto tratado por
cada grupo. Os alunos discutiram animadamente o conteúdo dos cartazes elaborados,
trazendo porém muitas angústias em relação aos temas abordados, demonstrando grande
insatisfação com a realidade educacional e de trabalho do país. Os próprios estudantes
tiveram a iniciativa de afixar os trabalhos nas paredes da escola, o que foi
surpreendentemente positivo, mostrando seu amplo interesse em discutir tais questões.

No terceiro encontro, solicitamos aos alunos que escrevessem em pequenos pedaços de


papel o que pensavam e sentiam quando ouviam a palavra “Vestibular”. No turno da
noite, a palavra Vestibular foi substituída pela palavra “Futuro”, pelo motivo dos
estudantes da noite se direcionarem muito mais para o mercado de trabalho
propriamente dito (a maioria dos alunos já trabalhava e tinha idades entre 20 e 40 anos).
Depois pedimos para que eles inserissem os papéis em bexigas e as enchessem. Foi
colocada para tocar a música “Vou deixar”, do grupo musical Skank, enquanto os
alunos e estagiários jogavam para cima e trocavam as bexigas. Em seguida foi pedido
que cada aluno agarrasse uma bexiga a estourasse, solicitando-o que lesse o papel em
voz alta, dizendo o que achava do que estava escrito e que conselho daria para a pessoa
que havia escrito aquelas palavras. Depois disso todos puderam discutir o tema do
vestibular, com algumas pontuações dos estagiários. Por fim um dos estagiários, que
estava se despedindo do estágio, pediu que todos os presentes ficassem em círculo e se
abraçassem, ao som da música “Caçador de Mim”, com a interpretação do cantor
Milton Nascimento. Muitos se emocionaram e avaliaram positivamente todas as etapas
do trabalho realizadas até então, alguns perguntando quando seriam retomados os
próximos encontros (já que a escola entraria em recesso), sendo que os passos seguintes
do projeto foram esclarecidos pelos estagiários.

A exibição e discussão do filme “Pro dia nascer feliz”, por sua vez, partiu do objetivo de
relacionar o conteúdo do filme – o qual problematiza a realidade das escolas públicas e
Educação Brasileira – à realidade local da escola, enfocando o cotidiano vivido pelos
estudantes. Esse foi um momento bastante positivo na medida em que propiciou que os
estudantes falassem sobre as dificuldades que enfrentam na escola, denunciando
questões como dificuldades de relacionamento com a direção da escola e com os
professores – os quais têm uma tendência a desmotivá-los quanto à continuação dos
estudos e ingresso na universidade – e falta de oportunidades para exercitar o
protagonismo juvenil.

Com relação aos encontros informativos, foi percebido um grande interesse por parte
dos estudantes em buscar informações que pudessem instrumentalizá-los para fazer
escolhas mais conscientes em relação ao seu futuro, propiciando construções individuais
e coletivas de projetos de vida coerentes com suas possibilidades concretas, porém sem
perder de vista o sonho de desenvolver e ser reconhecido por uma profissão, galgando
melhores posições na dinâmica social e qualidade de vida. É importante frisar que foi
amplamente incentivado que eles passassem a buscar essas informações por si sós, com
vistas a não se manterem tão dependentes de nossas orientações enquanto
multiplicadores.

De modo geral, a maior parte dos alunos avaliou como positiva e satisfatória a
participação na série de encontros que as equipes de estágio promoveram. É fato que
nem todos que estiveram na reunião de devolução participaram das etapas posteriores
do processo, contudo, a quantidade mínima de alunos que contamos durante um
encontro foi de dez estudantes. Pode-se dizer que a temática da importância do
planejamento do futuro criou um ambiente possível para discutir outras questões que se
fazem presentes para os alunos envolvidos, com a reflexão e problematização das
dificuldades e necessidades que eles possuem em seu cotidiano. No caso dos alunos do
terceiro ano noturno, a questão das dificuldades econômicas enfrentadas por eles e suas
famílias e as implicações disso na relação com a escola foi bastante abordada.

Em alguns momentos sentimos uma espécie de desânimo e falta de esperança por parte
deles, como se sonhar com o ingresso no ensino superior fosse algo impensável. Apesar
de percebermos que os relatos de experiências de estudantes que também pertencem à
classe popular os mobilizaram bastante, no sentido de “se ele pôde fazer isso, eu
também posso”, às vezes parecia que o discurso de possibilidade de ingresso num curso
de graduação, veiculado pela equipe, não fazia sentido para a maior parte deles, mesmo
quando eram sinalizados recursos objetivos e legais que poderiam contar para entrar e
se manter estudando numa universidade pública. Levando isso em conta, ajustamos a
dinâmica em relação ao turno da noite, considerando os planos para o futuro de maneira
mais ampla e valorizando o que nos era relatado, sem direcionar o processo tanto para a
questão da continuação dos estudos. Quando surgia algo que convergia para o objetivo
original do projeto, como a inscrição para o ENEM, ou a dúvida sobre alguma mudança
no vestibular da UFBA, salientávamo-na e nos detínhamos mais nela.

Durantes os encontros realizados com o terceiro ano da noite, também se constatou que
a maior parte dos estudantes trabalha durante os outros turnos, em geral ocupando
profissões pouco valorizadas no mercado de trabalho, sem contrato de trabalho ou com
vínculo empregatício bastante precário. Como ressaltam Lehman, Uvaldo e Silva (2006,
p. 85): “Hoje, os padrões ocupacionais dos jovens apontam para o agravamento do
quadro de marginalização e desagregação social produzido pelas políticas
macroeconômicas e reproduzidas pelo funcionamento desfavorável do mercado de
trabalho”.

Conforme essa perspectiva, percebemos que as questões mais valorizadas pelos alunos
do turno noturno, quando pensavam sobre o futuro, se vinculavam às oportunidades de
trabalho e ascensão econômica, algumas vezes deixando em segundo plano a realização
pessoal, que poderia se fazer presente com o exercício de uma profissão. Também em
relação ao público da noite, é importante relatar que alguns professores, quando
conversavam informalmente com a equipe de psicologia acerca do projeto, nos
aconselhavam a não realizá-lo no período noturno, já que consideravam os alunos da
noite muito “fraquinhos” para ingressar numa faculdade, sendo que o máximo que
muitos poderiam (e desejavam) alcançar era um diploma de nível médio. Percebemos
certa convergência dessa concepção apresentada por estes professores com a chamada
“teoria da deficiência sociocultural”. Patto (1999) e, mais especificamente Charlot
(2000), apontam que essa teoria pode aparecer seguindo três modalidades principais: a
teoria da privação, que se remete a algo que falta no jovem – em termos de capacidades
e habilidades e que impede o alcance de sucesso na escola; a teoria do conflito
sociocultural, que se relaciona a uma discriminação e desvalorização da cultura familiar
das classes populares, que não consegue atender às demandas escolares e a deficiência
institucional, que admite que é o próprio tratamento oferecido pela escola às crianças e
adolescentes de baixa renda que provocam essa desvantagens nos alunos.

Apesar de identificarmos a presença da teoria da deficiência sociocultural no discurso


de alguns professores, outros procuraram a equipe para parabenizar o projeto,
demonstrando o interesse de participação e acreditando nas possibilidades de mudanças
que poderiam surgir desse trabalho. Percebemos mudanças sutis também por parte dos
alunos. No turno da noite, algumas alunas que não interagiam antes da realização dos
encontros combinaram de estudar juntas para as provas que prestariam no futuro, cada
uma colaborando com as matérias em que são mais eficientes. Isso pode indicar que os
estudantes passaram a se enxergar mais como apoio, no sentido de reconhecerem que
algumas necessidades e dificuldades que possuem não são apenas individuais mais
também coletivas. O advento dessa compreensão, por parte dos alunos foi algo bastante
incentivado pela equipe de estágio.

O público de alunos do turno da manhã se mostra mais heterogêneo: havia adolescentes


pertencentes à classe média e outros de classe baixa que precisavam trabalhar para
ajudar a família. Contudo, apesar de percebermos fortes preocupações objetivas deles
com o mercado de trabalho, a questão da escolha da profissão – no sentido de avaliar
habilidades e gostos por determinadas matérias ou predisposição de perfil subjetivo em
relação à profissão escolhida – também se fazia presente. Assim, foi enfatizado que as
incertezas e ansiedades fazem parte da vida e que o momento pelo qual estão passando
– considerando as fortes cobranças da sociedade – é propício para o surgimento dessas
sensações e sentimentos de dúvidas e angústias.

Por fim, vale ressaltar que a experiência de implantação e desenvolvimento do projeto


“Pensando o Futuro” foi muito gratificante para a equipe de estagiários de psicologia e
para a maioria dos alunos participantes. A equipe acredita que a temática do
planejamento do futuro e a mobilização coletiva dos estudantes no sentido de exercerem
direitos já assegurados legalmente, assim como o incentivo ao desenvolvimento de
habilidades que venham a convergir com os seus projetos de vida, apesar de
dependerem também das políticas públicas e macroeconômicas direcionadas para a
Educação e a juventude, também podem ser encorajadas pelas comunidades escolares
locais de forma integrada e em rede de apoio. Acreditamos que com iniciativas como
essa estaremos primando para o desenvolvimento da Educação em nosso país, buscando
instituir e assegurar, além da Educação Básica, também a Educação Superior como
direito de todos e dever do Estado, promotora de cidadania.
Referências:

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto
Alegre: ArtMed, 2000.

COULON, Alain. Ethnométhodologie et éducation. Paris: PUF, 1993.

______________. Lethnométhodologie. Paris: PUF, 1996.

______________. A Condição de Estudante: a entrada na vida universitária.


Salvador: EDUFBA, 2008

GARFINKEL, H. Studies in Ethnomethodology. Englewood Cliffs-NJ: Prentice-Hall,


1967.

LAPLANTINE, François. A Descrição Etnográfica. São Paulo: Terceira Imagem,


2004.

LE BRETON, David. L'Interaccionisme Symbolique. Paris: PUF, 2004.

LEHMAN, Y. P.; UVALDO, M. C. C; SILVA, F. F. O jovem e o mundo do trabalho:


consultas terapêuticas e orientação profissional. Imaginário. vol. 12, n. 12, p. 81-96.
jun. 2006.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e


rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

SANTOS, G. G. Dos Récits d'éducateurs: un regard sur la politique et la pratique


de prise en charge d'enfants ayant'expérience de la rue à Salvador, Bahia Brésil.
Thèse Doctoralle en Sciences de L'education Université de Paris VIII, U.P. VIII,
Françe, 2007.

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