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fNTRODUÇf\O À ANTROPOLOGIA
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INTI\.ü))1.IÇ;\O À ANTROPOLOGIA CONCEITOS E MÉTODOS DA ANTROPOLOGIA
sociedades europeias, e que o olhar lançado sobre as sociedades a estudar uma aldeia rural da Bretanha, uma comunidade de mar-
industriais retoma, corrigindo-as, as formas de abordagem outro- ginais, um bairro de lata ou o bairro asiático de ~~s, há uma d~-
ra aplicadas às sociedades exóticas. A modemidade introduz-se tância não já geográfica mas sim social e cogmtiva, em relaçao
nas sociedades tradicionais e, inversamente, as nossas próprias ao seu objecto. Pertencer a uma cultura estudada ~ão é ne~ uma
sociedades reinventam tradições. Tal como o saber global do desvantagem nem uma necessidade para o antr?pologo, o lmpo~-
antropólogo vai beber no saber local do autóctone, que aquele tante é possuir a bagagem teórica e metodológica que lhe pemn-
formaliza, da mesma forma as sociedades locais procuram cada ta uma distanciação científica, quando estuda os Bororos ou os
vez mais conhecer-se a si próprias, graças ao olhar lançado sobre Provençais os Zulos da África do Sul, ou os "zulos" de uma
elas pelo antropólogo. Veremos, sobretudo no último capitulo, banda de r~ppers. O olhar que se lança sobre o outro implica o
que a antropologia é uma ciência do que é actual tanto quanto do estabelecimento de relações e tem como consequência um
que é tradicional. melhor conhecimento de si mesmo e da sua própria cultura, por
comparação.
A distinção entre eu e o outro, eles e nós, é proposta apenas
I -Conceitos fundamentais com uma finalidade heurística, quer dizer, de pesquisa e não para
reforçar tipos ideais, muitas vezes opostos em pares: ~rimi~-
a) O outro vo/civilizado, sociedades tradicionais/sociedades ractonars,
Uma vez que a antropologia estuda as diferenças entre comunidade/sociedade.
sociedades e culturas, destina a si própria a tarefa de pensar o
outro. Esta alteridade, inicialmente, foi concebida como históri- b) O etnocentrismo
ca (o primitivo) e como geográfica (fora da Europa), e esquema- Falar dos outros não é falar nas costas dos outros ne~ con-
tizada com o auxílio de caricaturas verbais: despotismo oriental, tra eles. Nada difícil, no entanto, atendendo ao ,etnoceritrismo
irracionalidade africana, selvajaria índia... arreigadas desde o natural a todo o ser humano, seja ele Indiano ou Arabe, Francês
século XVI. Neste nosso século, contudo, os termos positivo e ou Lapão! Cada um deles, pela língua, pe~o aspec.to, pela
negativo destes preconceitos conseguiram inverter-se: liberdade, maneira de viver, identifica-se com uma comumdade cujos valo-
igualdade, fraternidade, parece terem-se concretizado mais do res assimilou. Todos têm a tendência para rejeitar, criticar ou
lado dos "bons selvagens", na medida em que a nossa sociedade, desvalorizar os que não são como ele. Quando da desc<:be~a da
considerada alienada, desigual, sociedade da competição e do América, os Espanhóis recusaram inicialmente aos Indios o
contra-senso, pareceu repulsiva aos que denunciavam o "etnocí- carácter de humanidade, por vezes. para justificar a escravatura;
dio" e a "des-civilização" sofridos pelo Terceiro Mundo, devido por outro lado, os Índios mataram Espanhóis para comprovar que
à colonização. Tão exagerados uns como outros, estes pontos de eles eram mortais. Os Bantos dizem ser "os homens".
vista não passam de adesões ideológicas, refutadas ou muito O etnocentrismo, de que o etnólogo procura livrar-se, é a ati-
marcadas pela análise comparativa refinada do social e do cul- tude que consiste em julgar as formas morais, religios~s ~ sociais
tural. de outras comunidades de acordo com as nossas propnas nor-
O outro não está etiquetado como tal, num quadro neces- mas, e,portanto, em considerar as suas diferenças como ~ma
seriamente longínquo. Quando o antropólogo moderno se dedica anomalia. Já alguma vez provou lagartas grelhadas, para dizer
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que não presta? Tal como os Franceses chamam aos Italianos do de um reagrupamento efectuado por necessidades da adminis-
macaronis, os Ingleses tratam os Franceses porfroggies, ou seja, tração colonial. O nome pelo qual um grupo se designa, valo-
"comedores de rãs". Achamos natural dormir deitados; o pastor rizando-se, pode diferir daquele que os vizinhos utilizam para o
l11assa~,do Quénia ou da Tanzânia, dorme de pé, apoiado na sua designar. Em muitas etnias, de grandeza variável, de entre as
vara. E o etnocentrismo que encobre o orgulho local, o espírito doze mil que se arrolaram em todo o mundo, a unidade foi
de corpo dos estudantes ou dos empregados de uma grande reconstruída miticamente e as tradições locais propagaram mitos
empresa, a intdlerância religiosa ... e está presente até nos confli- respeitantes tanto às cisões como às fusões, após conquista,
tos internacionais, sob formas de expressão perigosas para a migração, federação, aliança. Por vezes, as pessoas de uma etnia
ordem social. dominada adoptaram a língua do seu dominador. O mesmo ter-
O exotismo, como culto pelo pitoresco, visando reter tudo o ritório pode ser partilhado por diversas etnias e a mesma etnia
que é curioso e bizarro nos outros, pode transformar-se em etno- pode encontrar-se em territórios muito afastados por exemplo,
centrismo, quando é acompanhado por uma atitude desvalo- Arménios na Ásia e Fulas em África. Visto que a história oral
rizadora a respeito dos outros e em racismo quando produz esteve sujeita a manipulações, aquilo que especifica a etnia como
rejeição e hostilidade. Quando L. Lévy-Bruhl opõe a mentali- tal é a identificação dos elementos com determinada etnia e o seu
dade pré-lógica à mentalidade lógica, dá provas de etnocentris- sentimento de parentela bilateral (lado do pai e lado da mãe).
mo, da mesma maneira que R. Lowie, aliás um excelente Na realidade, foi uma concepção da etnia, própria do sécu-
antropólogo, quando tenta reduzir os regimes de parentesco e de lo XIX, que levou à construção da etnologia como ciência das
casamento a variantes da família monogârnica. O etnólogo deve etnias. Contudo, reconhecendo que as sociedades que estudare-
sempre evitar a tentação de reduzir o pensamento de outrem às mos não são apenas etnias, daremos preferência ao termo
suas próprias grelhas de interpretação, tanto quanto a de se con- antropologia.
siderar superior àqueles que analisa.
d) Etnologia e antropologia
c) A etnia O facto de a mesma disciplina se chamar etnografia, etnolo-
Não é impossível que a própria ideia de etnologia possa con- gia, antropologia social ou cultural explica-se por ligeiras dife-
duzir sub-repticiamente à depreciação do seu objecto, na medida renças de conteúdo, de objecto, de método e de orientações teóri-
em que será aplicada a grupos de homens unidos num sistema cas, muitas vezes próprias das tradições nacionais, embora se
que não é o nosso, mesmo que tenha sido ~ dos Gregos, dos possam também ver nisso momentos sucessivos do trabalho
Francos, dos Visigodos, dos Tártaros ou dos Chechenos. antropológico. A etnografia é a etapa de recolha dos dados, a
A etnia defme-se geralmente como uma população (etnos etnologia a fase das primeiras sínteses, a antropologia a fase das
significa povo, em grego), que adopta um etnónimo e que recla- generalizações teóricas, após a comparação. Na realidade, esta
ma LIma mesma origem, possuindo uma tradição cultural distinção, embora não seja de todo aceitável, acentua, entretanto,
comum, especificada por uma consciência de pertença a um algumas tendências.
grupo, cuja unidade se apoia em geral numa língua, numa A etnografia corresponde a um trabalho descritivo de obser-
história e num território idênticos. Mesmo assim, cada um destes vação e de escrita, comportando a recolha de dados e de docu-
critérios precisa de ser ponderado. O etnónimo pode ter resulta- mentos e a-sua primeira descrição empírica (grafia), sob a forma
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aldeia ocitana, de 1294 a 1324 (E. Leray-Ladurie*). ! Iíngua e a estrutura social (E. Benveniste, A. Haudricourt). As
Antropólogos e historiadores trabalham de braço dado num questões importantes são as seguintes: como é que os falantes
campo de actividade comum, embora com diferenças nas heran- representam a sua língua e que lugar tem ela em determinada cul-
ças, nas aprendizagens, nas carreiras e na textura da profissão. tura?
Há elementos fonéticos que se alteram de uma subcultura
c) Rumo a uma etnolinguística pura outra. A linguagem do burguês não é a do carroceiro.
Tal como o termo etno-história, também o termo etnolin- Matizes diferenciados aqui linguisticamente são designados
guística marca bem a ligação entre duas disciplinas afins. A lín- noutro local pelo mesmo termo. Entre os Bambaras do Mali,a
gua, no século XIX, não deixa de ser apreendida simultanea- palavra vermelho inclui também o violem. Noutros sítios, ver-
mente como instituição social e tesouro de uma civilização. melho, alaranjado e amarelo são designados pela mesma palavra
Elemento essencial da tradição, tem a sua vida própria dos pon- "claro", preto e azul por "escuro". Os Euas do Togo, tem até
tos de vista fonológico (os sons), sintáctico (construção da como cor o sarapintado. É possível que duas línguas coabitem
frase), semântico (sentido das palavras) ... , como escreveu E de na mesma cultura; assim, ao lado do coreano popular, a língua
Saussure (falecido em 1~.13), o primeiro a entender a língua chinesa continua a ser língua de prestígio entre as classes de élite
como um sistema de relà~ões interdependentes e a dar à linguís- coreanas, Se a língua não possui escrita, corno na maioria dos
tica a sua autonomia. Entre os discípulos de Saussure, esta lin- povos negros da África, então desenvolve-se a memória como
guística torna-se estrutural quando se considera a língua como paliativo e a tendência para memorizar.
um código e um produto do espírito humano (ponto de vista que
influencia Lévy-Strauss), ou então generativa, quando se encara d) Outras afinidades e especializações
a língua como um conjunto de regras de produção de frases. Foi graças ao desenvolvimento simultâneo dos métodos de
No entanto, formas e regras são menos de considerar, pen- militas outras ciências como a demografia, a tecnologia, a genéti-
sam EBoas e o seu discípulo E. Sapir, do que a influência de uma ca, a geografia, e graças aos pesquisadores de campo, que se
língua sobre o pensamento de um povo e sobre a sua visão do aperfeiçoaram os dispositivos de investigação (cartografia,
mundo. Desta corrente de antropologia linguística, conjugada estatística, fichas museogrãficas, pesquisas com o carbono 14).
com o estudo das condições sociais da variação das línguas e Nesta breve enumeração de algumas ciências afins, seria injusto
com as pesquisas centradas sobre as estratégias do discurso para omitir os contributos da arqueologia e da pré-história como ciên-
a produção de sentido, nascem as diversas tendências da etnolin- 'ias do passado. As técnicas de percussão na pedra lascada ou
guística contemporânea, que coloca as questões do relaciona- policia, os vestígios do homem de Neandertal ou de Cro-Magnon,
mento entre língua e cultura a partir de inquéritos de campo, dos "(I guerra do ~ogo", evocada por Y. Coppens, a olaria babilónica,
efeitos de sentido no discurso, estudados a partir de léxicos, clas- li moldagem dos objectos de bronze, o tesouro de Tutancámon, o
sificações, literatura oral (G. Calame Griaule), das relações entre cinzelado das jóias merovíngias, constituem outros tantos teste-
munhos da vida de sociedades que nos precederam.
* Publicado em 1984 por Edições 70 com o título Montaillou, Cátaros e
Católicos numa aldeia francesa -1294-1324; e que será ieeditado, numa edição
revista e aumentada, no início do ano 2000, com o título Montaillou, câtaros e Não falaremos dos contributos da psicologia e da psi-
católicos numa aldeia ocitana, de 1294 a J 324; com prefácio do Autor (N. do canálise, que projectam, cada uma delas, um tipo de iluminação
E.)
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que a primeira julga inimigo, o de não conseguir recuo suficiente _ Pode tratar-se de observação interna (auto-observação ou
para compreender um grupo onde se incorporou demasiado. observação do seu próprio grupo), ou então de observação exter-
Apesar destes inconvenientes, todo o desterro é factor de nu (observação de um grupo exterior).
uma dinâmica pessoal e toda a incursão pelo exótico é instrutiva. _ A observação simples utiliza apenas os nossos sentidos; a
É claro que, sem que o deseje, o etnólogo, pela sua presença, observação equipada faz-se com gravador de som, máquina de
arrisca-se a modificar, pouco que seja, os factos que pretende filmar, fita-métrica, máquina fotográfica ...
abordar, mas o diálogo com pessoas diferentes também modifi- _ A observação contínua, por um investigador presente no
ca o próprio etnólogo. terreno durante várias semanas; difere da observação descon-
Pode acontecer que alguns, tendo enfatizado demasiado o tínua de uma reunião, de uma manifestação.
desterro, a expatriação, fiquem decepcionados por encontrar _ Eni~diversos graus, a observação pode ser descomprometi-
noutros sítios comportamentos semelhantes aos do cidadão da ou participativa, declarada ou clandestina. .
europeu e, nos campos africanos, os mesmos ciúmes, antagonis- _ Distinguem-se também a observação descritiva - relativa-
mos e deson~stidades que na sua própria terra. Por todo o lado, o mente passiva, própria do etnólogo - da observação que t~m
modernismo vive na vizi~ança da miséria e da vilania; e o ofí- como finalidade conseguir um diagnóstico para guiar a acçao,
cio de etnólogo pode ser-~xercido com a mesma paixão tanto na caso do agente de desenvolvimento local.
moderna urbanização como na aldeia mais remota. Sob a forma de conselhos ao observador, a seguir esquema-
tizamos as regras gerais da observação:
Tomemos como dado adquirido que o etnólogo não é teste- 1) Personalidade e competência do observador: a1é~ do ~gor e
munha de uma presença que se apaga, nem é só o recuperador da precisão requeridas para um trabalho exausb.~o, são-lhe
das coisas da vida rural: objectos da vida quotidiana, saberes, necessárias intuição, imaginação e uma certa empana, que con-
apetrechos e produtos do trabalho, habitats e sítios, arte popular, siste em tentar pensar e sentir como as pessoas que analisa.
música e história oral; ele pode, igualmente, aplicar a sua análise 2) Necessidade de aprendizagem: a aprendizagem incide ao
às coisas da vida moderna e urbana numa antropologia do tra- mesmo tempo sobre a capacidade para desvendar os problemas e
balho, da comida, do desporto, dos lazeres, etc. os comportamentos signjficativos, sobre a exactid~o das an?-
tações e sobre o desenvolvimento da memória. E nec~ssário
treinar-se no estabelecimento de categorias, no conhecimento
b) A observação participante dos sistemas de fichas e métodos de classificação. O etnólogo
Embora a observação não seja uma técnica de investigação deverá trabalhar previamente as técnicas de tomada de notas,
verdadeiramente codificável por ser artesanal, ela é, no entanto, para coligir o máxirno de elementos, distinguindo os factos
a mais exigente. A dificuldade resulta da posição do observador observados e as anotações por eles sugeridas.
num espaço determinado, com uma perspectiva limitada, tendo 3) Procedimento: depois de estar familiarizado com o objectivo
um determinado estatuto no sistema e sendo ele próprio nó de da pesquisa e de ter memorizado uma lista de controlo dos ele-
interacções. Algumas distinções e questionários clarificarão o mentos' que se propõe observar, tomará as suas ~otas, ~ue~ em
problema, embora todas estas formas de observação sejam uti- cima do acontecimento, na medida em que as circunstâncias o
lizadas pelo mesmo investigador num momento ou noutro. permitirem, quer o mais depressa possível, sem dar tempo a
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esquecer os pormenores e indicando as suas próprias acções de 2) Os informadores: se não forem impostos pelas circunstâncias
observador, que podem modificar a situação devido à sua pre- ou pela autoridade local, como frequentemente acontece, serão
sença. escolhidos em função do seu saber, identificando-se as suas
4) Conteúdo: as fichas deverão incluir a data, a hora, a duração pertenças e o ajustamento dos subgrupos de que fazem parte:
da observação, o local exacto (mapas, fotografias, esboços), as fanulia, profissão, idade, culto. É bom avaliá-los em função da
circunstâncias, as pessoas presentes e o seu papel, a aparelhagem diversidade das competências: ancião, chefe, dignitário reli-
e o equipamento utilizados, os aspectos eventualmente influentes gioso, professor primário, jovem aculturado dinâmico; em
do ambiente físico (temperatura, iluminação, ruídos). Conversas função da diversidade das origens: lugar, família, determinados
e diálogos deverão ser relatados ou resumidos em estilo directo. textos orais que podem ser propriedade de um recitador ou de um
Opiniões e observações serão anotadas à parte, no diário da feiticeiro;' em função da diversidade de caracteres: tagarela,
in vestigação. meditativo, falador de dia ou de noite.
5) Elaboração do relatório: logo que seja possível, faz-se a Há que desconfiar daquele que poderá mentir por venali-
revisão das notas tomadas, para eventualmente as corrigir ou dade, prazer, receio dos seus ou dos deuses. O não-letrado não
completar. Deverá proceder-se a uma classificação provisória está isento de respeito humano ou de tabus. O evoluído compõe
com numeração cronológica, marcação das rubricas, classifi- uma personagem e ignora com frequência as tradições ou
cação por sistemas de fichas manuseáveis. Obter-se-á assim uma despreza os irmãos. O desleixado dá informações aparentemente
documentação concreta sobre os aspectos de uma cultura de que coerentes, mas que podem ocultar o essencial.
se terão relatado os elementos imponderáveis e até anedóticos, 3) As informações: obtêm-se no momento da observação, por
que pertencem a um determinado contexto de expressão e que exemplo, da construção de uma casa, pedindo explicações, ou
permitem caracterizar uma tradição ou avaliar uma dinâmica. então através de conversas privadas, ou num círculo de discussão
com diversos interlocutores. Quer se trate de interrogatório
c) O inquérito por informadores metódico ou de conversa não dirigida, dever-se-á estar atento à
A observação não seria suficiente sem conversações junto ordenação dos discursos, aos interesses do inquirido, às suas
de informadores classificados. curiosidades e dissimulações, ao cotejo com aquilo que outros
disseram. As biografias de informadores, as genealogias, os
I) Os investigadores: o etnólogo pode certamente trabalhar so- orçamentos, os recenseamentos de bairros ... , .obtêm-se por
zinho, mas muitas vezes encontrará na proximidade do seu ter- inquérito, mas não se omitirá a recolha de conversas do dia-a-dia,
reno um linguista, um médico, um tecnólogo, um historiador das nem o registo de qualquer coisa que diga respeito à personali-
religiões, a quem poderá solicitar o alargamento da sua rede de dade do informador.
informação. Nos inquéritos de desenvolvimento, vários investi- 4) Os docwnentos: além dos documentos puramente verbais,
gadores trabalham com os mesmos objectivos com utensílios incluindo os léxicos, nomenclaturas, contas ... , o inquiridor uti-
dííercrucs - os do economista, os do agrónomo, os do sociólogo, liza os documentos materiais e todas as formas de gravação dos
por exemplo. lnquiridores locais, particularmente honestos, factos humanos, tais como desenhos, pinturas, objectos de arte
~(lrnplentes e perspicazes, conhecendo a língua do país, podem ou de culto, cartografia, fotografia, filme, canção, fita audio ou
ti svlr d intermediários com a população visada. video, seJ? esquecer a documentação escrita proveniente quer da
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imprensa, quer de fontes privadas (biografias escritas, diários de de não interpretar o suficiente, de descrever simplesmente factos
missão, arquivos de organização ...), quer de fonte pública (minu- verificados empiricamente, sem referências às suas causas e
tas de julgamentos, arquivos nacionais, dados estatísticos de condições. Efectivamente, a interpretação etnológica deve ultra-
ordem fiscal. ou hospitalar, etc.). Resta-lhe produzir uma crítica passar, e até contradizer, a interpretação indígena, ou pelo
dos testemunhos e uma crítica da origem, da integridade e do sig- menos, reconstrui-Ia em outras redes semânticas.
nificado do documento, como fazem os historiadores .:
Nas obras de metodologia das ciências sociais poderá ·e) A monografia
encontrar-se um estudo das diferentes etapas do inquérito. A maior parte das vezes, uma investigação antropológica
Terminado este, importa proceder ao inventário e à' análise. termina pela redacção de uma monografia, em que se expõem os
seus resultados. Nascida em sociologia por meados do século
d) A interpretação dos resultados XIX, com os trabalhos de Le Play sobre os orçamentos fami-
Entre a utilização dos métodos e a exposição monográfica, liares e o operário europeu, este género foi adoptado pela maio-
situa-se um momento capital, o da interpretação dos resultados, ria dos antropólogos de campo, principalmente depois de, em
que supõe a construção de hipóteses e a administração da prova. 1874, ter sido elaborado pela Royal Antbropological Institute,
Não será demasiado i~istir na necessidade de uma bagagem em Notes and Queries on Anthropology [Notas e Inquéritos em
teórica e metodológica, se se quiser adaptar o próprio ponto de Antropologia], um modelo de inquérito que serviu de plano-
vista a outro diferente do do ingénuo que acredita na transparên- catálogo para cobrir sistematicamente e de forma ordenada o
cia do social e no saber imediato. Mesmo com uma longa for- conjunto das instituições e traços de cultura de uma sociedade
mação, o doutorando tropeça ao nível da explicação. Muitas particular: ambiente físico, língua, habitat, economia, organiza-
vezes contenta-se em confirmar as interpretações com exemplos ção social, organização política, leis, religião, folclore,
adequados, o que é tanto mais fácil quanto a hipótese e o exem- mudanças. Uma monografia total deste tipo pretende dizer tudo·
plo são vagos. Há hipóteses que funcionam sempre, porque elas sobre uma etnia ou sobre um grupo humano, ordenando os fac-
não ensinam grande coisa e são compatíveis com grande número tos desde o ecológico até ao espiritual. Mas acontece que pode
de dados; escapam a qualquer tentativa de prova (recurso à noção faltar-lhe uma problemática abertamente definida e, portanto,
de identidade, categoria do rito de passagem). A permanência de preocupações teóricas, o que bloqueia as categorias do obser-
um facto não constitui uma explicação, mas sim um facto a vador, em vez de analisar as categorias indígenas. Exige também
explicar. Um simbolismo universal não passa de uma muleta do investigador uma competência total, difícil de atingir. Às
para erguer, digamos, um enigma. As séries indefinidas de com- grandes monografias são preferidas, cada vez mais, quer as
parações nada provam, quando se tem por referência um conjun- monografias de aldeias, de bairro urbano, de farm1ias, servindo
to cultural homogéneo. Evidentemente, importa não ocultar os de modelos reduzidos de um grupo mais alargado (tais como
documentos incómodos e os casos de figura que invalidam a Chanzeaux, village d' Anjou, do Americano L. Wylie, ou Os
hipótese, embora se possa deixar um mínimo de resíduos por Filhos de Sanchez; de O. Lewis), quer as monografias orientadas
explicar. por um fenómeno que permite agrupar à sua volta os principais
Censura-se ao etnólogo ou de interpretar demasiado, de aspectos da vida de uma sociedade. Em Os Argonautas do
sobreinterpretar, de impor um sentido, ou então, pelo contrário, Pacifico Ocidental, Malinowski descreve-nos magistralmente a
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