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T e n d ê n c i as

Sobre a integridade ética


da pesquisa *
Luiz Henrique Lopes dos Santos

H
á duas espécies de deveres cientificamente mais adequados. Pres- As regras relativas à reprodução, na co-
éticos aos quais o cientista supõe-se também que relataram fiel- munidade científica, articulam-se em
está submetido ao realizar mente os procedimentos utilizados e torno do conceito de tutoria. Pesqui-
suas atividades profissio- seus resultados. As ações de um pesqui- sadores em formação aprendem a fazer
nais: os derivados de valores sador que contrariam esses pressupos- pesquisa científica sob a orientação ou
éticos universais, como os que balizam a tos são más condutas científicas. Entre supervisão de pesquisadores já qualifi-
chamada bioética, e os derivados de va- elas, as mais graves são a fabricação (ou cados e experientes. Pressupõe-se que
lores éticos especificamente científicos, invenção) e a falsificação de dados, in- a tutoria seja sempre exercida em be-
aqueles que se impõem ao cientista em formações, procedimentos e resultados. nefício da formação do tutelado como
virtude de seu compromisso com a fina- Esse compromisso submete-o, em se- pesquisador independente. Ações que
lidade própria de sua profissão – a cons- gundo lugar, a deveres perante a co- contrariem esse pressuposto (como,
trução da ciência como um patrimônio munidade científica, que é onde seu por exemplo, a utilização do tutelado
coletivo. É a essa parte da ética profissio- trabalho se efetiva como trabalho co- apenas como mão de obra barata) são
nal do cientista que remete a expressão letivo. Essa comunidade deve organi- más condutas científicas, pois minam
“integridade da pesquisa”.   zar-se segundo regras que governam as condições de continuidade da cons-
Esse compromisso do cientista sub- a formação das reputações científicas trução coletiva da ciência.
mete-o, em primeiro lugar, a deveres (e, portanto, das relações de confian- Até o final do século passado, predomi-
concernentes à qualidade científica ça profissional) e a distribuição das nava a crença difusa de que más condu-
dos resultados de seu trabalho de pes- oportunidades, recompensas e sanções tas científicas seriam acontecimentos
quisa. Dado que o trabalho individual profissionais, bem como os modos de raros e excepcionais, de modo que o
de um pesquisador apenas se efetiva sua própria reprodução. As regras hoje debate científico rotineiro e os meca-
como parte da construção coletiva da vigentes, nesse sentido, articulam-se nismos rotineiros de peer review seriam
ciência, entendida como um patri- em torno do conceito de autoria. Dado suficientes para coibi-las ou, ao menos,
mônio coletivo, na medida em que é um relato científico, pressupõe-se que impedir que acarretassem prejuízos gra-
coletivizado, isto é, comunicado, todo os pesquisadores identificados como ves para a ciência. Desde então, impôs-
pesquisador tem o dever de respeitar seus autores apresentem resultados de se paulatinamente a percepção de que
alguns pressupostos implicados por seu próprio trabalho que julgam ser más condutas científicas não sejam tão
toda comunicação científica. originais. São más condutas científicas raras e excepcionais como se pensava.
Quando se ouve ou se lê uma comu- ações que contrariam esse pressuposto, É, hoje, um consenso que a questão da
nicação científica, pressupõe-se que os como o plágio de textos ou ideias e a fal- integridade da pesquisa merece trata-
autores utilizaram, em sua pesquisa, os sa indicação de autoria – por omissão mento sistemático e institucional.
procedimentos que julgaram serem os ou inclusão indevida. É também um consenso que, diferen-

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temente dos aspectos éticos da pesquisa Se a responsabilidade principal pela que o respeito a eles aconteça esponta-
que dependem essencialmente de valo- manutenção da integridade da pes- neamente, e o desrespeito gere sanções
res universais, os aspectos concernentes quisa cabe às instituições de pesquisa, morais imediatas.
à sua integridade devem ser objeto de outras instâncias institucionais devem Para a formação dessa cultura, certa-
autorregulação e autocontrole pela co- compartilhar com elas, em maior ou mente, é um elemento fundamental a
munidade científica. Cabe aos cientis- menor grau, essa responsabilidade. percepção da punibilidade, a existên-
tas formular os princípios e valores es- Particularmente, as agências de fo- cia de procedimentos explícitos para
pecificamente científicos que definem mento vêm desempenhando, em mui- a identificação, investigação e eventual
o conceito de integridade da pesquisa, tos países, um papel central no que punição de supostas más condutas.
definir critérios que permitam distin- concerne à formulação e aplicação de No entanto, tão ou mais importantes
guir as boas e más condutas nas diferen- políticas de integridade. são ações que visem a dar visibilida-
tes áreas da ciência, assim como aplicar É o que acontece no Brasil e, particu- de contínua à questão da integridade,
esses critérios para a identificação, in- larmente, no estado de São Paulo. Em como, por exemplo, a instituição de
vestigação e punição de más condutas. 2011, o Conselho Nacional de Desen- programas de educação e treinamento
Vale notar que a caracterização de uma volvimento Científico e Tecnológico voltados a pesquisadores em formação,
ação particular como boa ou má con- (CNPq) divulgou um conjunto de a divulgação de materiais educativos, a
duta, muitas vezes, depende de juízos diretrizes relativas à ética na pesquisa. inclusão de compromissos formais com
de natureza propriamente científica. No mesmo ano, a Fundação de Ampa- códigos de boa conduta em contratos
Nem sempre é trivial, e frequentemen- ro à Pesquisa do Estado de São Paulo de trabalho ou termos de concessão de
te requer perícia, determinar se as ideias (Fapesp) lançou seu Código de Boas Prá- bolsas e auxílios.
expostas por um autor como suas são ticas Científicas, um conjunto sistemáti-  A ciência vive de sua credibilidade, da
suficientemente semelhantes a ideias co de normas concernentes aos diferen- qual depende sua principal razão de ser:
de outro autor para que essa exposição tes aspectos da integridade da pesquisa. seu potencial para fazer diferença na
seja considerada como um plágio, ou Esse código foi complementado, em vida das pessoas, por meio da amplia-
distinguir o erro involuntário da má 2013, por portarias que regulamentam a ção do estoque de seus conhecimentos
conduta, ou distinguir desvios cien- divulgação das más condutas científicas e dos meios de orientação racional de
tificamente injustificados de práticas investigadas sob a supervisão da Fapesp suas ações. Assim, no que concerne à
científicas geralmente aceitas e desvios e incluem, nos termos de outorga de au- integridade da pesquisa, a missão que
inovadores cientificamente valiosos. xílios e bolsas, cláusula de compromisso se impõe hoje a todos os pesquisadores
É também um consenso que cabe às ins- dos pesquisadores e instituições com o e instituições comprometidos com o
tituições de pesquisa a responsabilidade respeito ao código avanço da ciência é educar e prevenir,
principal de garantir que as pesquisas As ações necessárias para a garantia da para que seja cada vez menos necessário
que nelas se realizam se conformem a integridade da pesquisa implicam a ar- investigar e punir.
padrões rigorosos de integridade. Por ticulação de esforços das muitas pessoas
ser o ambiente em que os pesquisadores e instituições envolvidas no fomento e Luiz Henrique Lopes dos Santos é professor
livre docente do Departamento de Filosofia
desenvolvem sua atividade científica, realização das pesquisas, bem como na
da Universidade de São Paulo (USP) e mem-
ela dispõe dos meios mais ágeis e efica- publicação de seus resultados. O ob-
bro da coordenação adjunta da diretoria
zes para promover os valores da integri- jetivo principal dessas ações deve ser a científica da Fundação de Amparo à Pesqui-
dade da pesquisa, e também para im- formação de uma cultura de integridade, sa do Estado de São Paulo (Fapesp).
plementar mecanismos de prevenção, no sentido da palavra “cultura” em que
identificação, investigação e punição de ela remete ao arraigamento de certos * Texto adaptado de artigo publicado original-
eventuais más condutas. valores na prática cotidiana, a tal ponto mente no site da Fapesp, em abril de 2011 .

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