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Plantão Psicológico:

novos horizontes
Miguel Mahfoud (org)
Daniel Marinho Drummond
Juliana Mendanha Brandão
John Keith Wood
Raquel Wrona Rosenthal
Roberta Oliveira e Silva
Vera Engler Cury
Walter Cautella Junior
© 1999 by Miguel Mahfoud
1ª edição, outubro de 1999

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Daniel Marinho Drummond
Capa e Diagramação Juliana de Souza Vaz
Na capa Paul Klee, Caminho Principal e Caminhos 
Secundários (1929) Coleção C. e A.
Vowinckel
Edição do CD-ROM Daniel Marinho Drummond
Apoio técnico LaPS  Laboratório de Psicologia Social/UFMG

Todos os direitos desta edição estão reservados à 


EDITORA C.I. LTDA.
Rua Florinéia, 38  Água Fria
02334-050  São Paulo  SP
Tele/fax: 11 6950-4683
SUMÁRIO

 Autore s ................
.......................
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............ 5

Prefácio ................
.......................
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............ 7

Introdução ..............................................
..................... ..................................................
..................................................
........................... 11

Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes


 Sapien tiae: uma proposta de atendimento
 Sapientiae
aberto à comunidade
Raquel Wrona Rosenthal.................................................
Rosenthal ...............................................................
.............. 15

Plantão Psicológico na escola: uma experiência


Miguel Mahfoud.......
Mahfoud .............
.............
..............
..............
..............
.............
.............
..............
..............
..............
......... 29

Plantão Psicológico na escola: presença que


mobiliza
Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond,
 Juliana
 Juliana Mendanha
Mendanha Brandão, Brandão, Roberta Roberta Oliveira
Oliveira e
Silva ...............
.......................
................
................
................
................
................
................
................
................
................
...........
... 49
Pesquisar processos para aprender experiências:
Plantão Psicológico à prova
Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond,
 Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira e
Silva .................................................................................................. 81

Plantão Psicológico em Hospital Psiquiátrico:


Novas Considerações e desenvolvimento
 Walter Cautella Junior.................................................................... 97

Plantão Psicológico em Clínica-Escola


 Vera Engler Cury ......................................................................... 115

Psicólogos de plantão...
 Vera Engler Cury ......................................................................... 135
 Autores

 AUTORES

Daniel Marinho Drummond é psicólogo, mestrando


no Programa de Pós-Gradução em Psicologia
da Universidade Federal de Minas Gerais.
 John Keith Wood Ph.D. em Psicologia pelo The Union 
Institute (E.U.A.), foi professor na California State
University em San Diego (E.U.A.) onde
também fez plantão psicológico no Hospital e
no Centro de Aconselhamento, e, no Brasil, foi
professor no Programa de Pós-Graduação em
Psicologia Clínica da PUC-Campinas. Amigo
 íntimo e colaborador direto de Carl Rogers por
quinze anos desenvolvendo uma Psicologia de
grandes grupos e vários projetos internacionais.
 Juliana Mendanha Brandão é psicóloga pela
Universidade Federal de Minas Gerais, pós-
graduanda em Psicopedagogia pelo Centro
Universitário de Belo Horizonte.
 5
Plantão Psicológico: novos horizontes

Miguel Mahfoud é professor adjunto do Departamento


de Psicologia da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de
Minas Gerais, Doutor em Psicologia pela
Universidade de São Paulo.
Raquel Wrona Rosenthal é psicóloga pela PUC-SP,
com Especialização em Aconselhamento
Psicológico pela Universidade de São Paulo e
Curso de Estudos Avançados da Abordagem
Centrada na Pessoa (Rosenberg/Wood).
Coordenadora do Curso de Especialização em
 Abordagem Centrada na Pessoa promovido
pelo Centro de Psicologia da Pessoa em São
Paulo. Psicoterapeuta e facilitadora de grupos.
Roberta Oliveira e Silva é psicóloga pela Universidade
Federal de Minas Gerais.
 Vera Engler Cury  é professora do Instituto de
Psicologia e Fonoaudiologia da PUC-
Campinas, Coordenadora do Departamento de
Psicologia Clínica, Doutora em Psicologia pela
PUC-Campinas.
 Walter Cautella Junior é psicólogo, mestrando pelo
Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo, Chefe do Departamento de Psicologia e
Psicoterapia da Casa de Saúde Nossa Senhora
de Fátima, Coordenador e supervisor do
programa de estágios em psicologia institucional
e Presidente do Centro de Estudos daquela
mesma instituição.


Prefácio

PREFÁCIO

Este livro traz boas novas.


Primeiramente, apresenta evidências de que o
Plantão Psicológico é um serviço viável para atender
adolescentes, estudantes universitários e outros
membros da comunidade, abastados ou não.
O contato com esse serviço ajuda as pessoas
a lidarem efetivamente com os predicamentos da
 vida, não os tratando como problemas que requerem
tratamento psiquiátrico. Por exemplo, uma pessoa
em uma crise espiritual não está confrontando um
problema. Não está tendo um comportamento
normal ou anormal. É um predicamento envolvendo
questões filosóficas, buscando significados,
identidade.
O psicólogo Prof. Dr. Miguel Mahfoud ilustra
este ponto de vista em um relato sobre experiências
em um colégio. Plantão seria um espaço onde o
aluno pudesse buscar ajuda para rever, repensar e
refletir suas questões. Naturalmente, tal atividade
7
Plantão Psicológico: novos horizontes

não é apenas uma conversa entre amigos. Em


situações onde uma forma diferente de psicoterapia
é mais apropriada, a pessoa recebe a indicação de
um(a) profissional competente.
Uma outra boa nova é que plantão psicológico
pode promover uma experiência de aprendizagem
eficaz para estagiários(as). Confrontando a pessoa inteira
no contexto completo da sua existência, o estagiário(a)
necessariamente deve ampliar sua visão do papel da
psicoterapia. O filósofo e matemático inglês Alfred
North Whitehead observou que, O conhecimento
de segunda-mão do mundo instruído é o segredo da
sua mediocridade. O tipo de problemas que as pessoas
enfrentam são, em geral, de primeira-mão. A ajuda
que necessitam é de ordem prática. Esta forma de
aprendizagem é prática.
 Assim, ambos os participantes  o plantonista
e o indagador(a)  participam e se beneficiam de uma
educação intuitiva cujo objetivo é a auto-realização.
Em um encontro de pessoa a pessoa como este, onde
se procura dirigir a melhor parte de si mesmo à melhor
parte do outro com o propósito de curar a mente, o
corpo e a natureza, a essência da psicoterapia está, de
fato, sendo redefinida.
O mesmo observa Walter Cautella Junior,
descrevendo seu trabalho em um hospital
psiquiátrico: A experiência do plantão psicológico
leva a instituição a reformar sua visão do indivíduo
institucionalizado.

Há promessas de mais boas novas. A palavra


plantão vem do francês planton , quando era aplicado
em linguagem militar para designar a pessoa que ocupa
uma posição fixa, alerta dia e noite. Seu uso moderno
refere-se ao suporte, fora do horário normal,
oferecido por médicos em hospitais ou, como aqui,
por um psicólogo. Além disso, sua relevância está no
 8
Prefácio

fato de que a origem da palavra  planton  vem do latin:


 plantare , plantar.
Um significado dessa palavra refere-se a planta
do pé. Assim, o plantão psicológico pode ser visto
como tendo seus pés no chão. Sendo prático.
Respondendo às necessidades imediatas dos clientes
(que poderão ser psicológicas ou de qualquer outra
ordem).
O segundo sentido de plantar, é meter um
organismo vegetal na terra para enraizar. Essa é outra
característica do Plantão Psicológico descrito neste
livro: estar plantado na cultura brasileira com suas
deficiências e seus nutrientes. Principalmente, é um
organismo vivo e crescendo. Assim, como lembram
as palavras de Prof.a. Dr.a Vera E. Cury, Uma ética
das relações interpessoais, sutil mas poderosa, feita de
pequenos gestos e acenos suaves, simples e ainda assim
determinada, parece conduzir os projetos do Plantão
Psicológico.
Se for possível ficar imune e não se deixar
restringir por dogmas e modismos filosóficos poderá
continuar a se desenvolver efetivamente de acordo com
as necessidades da população desse tempo e lugar.

 John Keith Wood 


 Jaguariúna, Agosto 1999

 9
Introdução

INTRODUÇÃO

Frutos Maduros do Plantão


Psicológico
Miguel Mahfoud

Desde a primeira sistematização  nos idos


1
de 1987  da inicial experiência de Plantão
1
Psicológico no Brasil, que se apresentava como MAHFOUD,
desafio a ser vivenciado, como semente que muda Miguel. A vivência 
de um desafio: 
de cor e se alastra no terreno de sempre com brotos
plantão psicológico.
frágeis mas injetando a verde esperança que tudo In: ROSENBERG,
transforma, desde então a proposta de um Rachel Lea (Org.).
 Aconselhamento Psicológico aberto às mudanças de Aconselhamento
nosso tempo, de nossa cultura e de nossa realidade psicológico
centrado na
social foi brotando e formando raízes. pessoa. São Paulo:
Que solo seria o mais propício ao desenvolvimento EPU, 1987, p.75-83.
de algo que prometia vitalidade senão o nosso próprio, (Série Temas Bási-
nossa terra, nossos desafios sociais, institucionais? cos de Psicologia,
 Aprender da experiência a partir de um empenho com a Vol. 21)
realidade assim como ela é para de dentro transformá-
la. Assim, em nosso solo brasileiro a experiência de Plantão
Psicológico tomou corpo de maneira original.
O presente livro quer comunicar a sistematização
de um exercício de aprendizagem a partir da experiência
11
Plantão Psicológico: novos horizontes

de empenho em diferentes contextos institucionais.


Diversas experiências de Plantão Psicológico que dão
 vida a uma modalidade de Aconselhamento Psicológico
que aceitou romper os limites estabelecidos pelo
descompromisso teorizado de tantas psicologias, pelo
reducionismo sentimental de algumas propostas de
psicologia que se querem humanistas.
 Veremos aqui os desafios serem enfrentados em
novos horizontes. Tantos desafios permanecem os
mesmos para a psicologia desde muito: desafios sociais
como as dificuldades econômicas e de trabalho,
desafios educacionais, desafios de uma psicologia
humanista atuante dentro das instituições... A novidade
 vem da vitalidade da experiência mesma de um
atendimento que aceita outros parâmetros para orientar
seu desenvolvimento. Os novos horizontes são
indicados pela própria aprendizagem significativa
sistematizada com rigor para acolher a vitalidade que
com surpresa emerge.
Queremos que o leitor possa entrar em contato
com a vitalidade da experiência, e com a força
provocadora que algo acontecido de fato pode nos
comunicar: a força do possível. Mais do que modelos,
encontramos aqui provocações.
Uma das provocações significativas é a integração
de trabalhos de base humanista inserido em instituições.
 Tantas vezes ouvimos o refrão quase automaticamente
repetido de que as instituições têm objetivos diversos
daqueles que movem a Psicologia Humanista já que
esta quer acentuar a centralidade da pessoa e seus
processos autênticos. As experiências aqui comunicadas
indicam uma possibilidade de trabalhos claramente de
base humanista que aceitam  com nossos próprios
sujeitos  o desafio de continuamente buscar, no
contexto assim como se apresenta, a afirmação dos
interesses propriamente humanos. Se realmente fosse
impossível para nós, de que maneira poderíamos esperar
12
Introduçâo

que fosse possível para nossos clientes? Se não fosse


possível para nós, só nos restaria propor o atendimento
psicológico como espaço alternativo, e por isso
inevitavelmente alienante. Encontramos aqui
experiências que podem abrir novos horizontes neste
sentido.
Em se tratando de uma novidade que estava
apenas brotando, por muitos anos a comunidade psi
acolheu a proposta de Plantão Psicológico como algo
alternativo. No sentido que seria algo outro em
relação ao estabelecido como campo seguro e próprio
do saber e da técnica psicológica. Desconfianças,
dúvidas, reticências... cultivadas em compasso de
espera, até que os frutos amadurecessem e se pudesse
conhecer de fato esse Plantão. O próprio Conselho
Federal de Psicologia chegou a se pronunciar em
documento oficial, classificando Plantão Psicológico
dentre as técnicas alternativas emergentes. Alternativa
de maneira distinta daquelas de origem confusa ou
exotérica, mas entendida como proposta inovadora, que
em certa medida rompe parâmetros estabelecidos por
técnicas tradicionais e que ainda estava aguardando uma
avaliação mais rigorosa de sua eficácia pelas instituições
de ensino superior e de pesquisa.
Pois bem, os frutos amadureceram e são aqui
oferecidos. Amadureceram no trabalho sistemático, na
observação atenta, na sistematização com rigor
metodológico com base em pesquisas de base
fenomenológica. São esses frutos que agora, aqui, são
oferecidos à comunidade para que possamos promover
a experiência de Plantão Psicológico com uma
concepção clara, de maneira tal a possibilitar sua
correspondente avaliação.
Neste sentido este livro dá um passo histórico.
 Já não podemos falar em Plantão Psicológico técnica
alternativa. O atual e crescente interesse documentado
pela presença de mesas redondas e/ou de comunicação
13
Plantão Psicológico: novos horizontes

de pesquisa sobre Plantão Psicológico em


diversos congressos nacionais e regionais já era um
indício dessa mudança. A apresentação dessas
experiências sistematizadas e pesquisadas colocam um
ponto final.
É claro que trata-se de um ponto final só no
caráter de alternativo. Sabemos bem que estamos no
início. Plantão tem ainda muito em que crescer para
exprimir toda sua potencialidade. Os primeiros frutos
maduros apresentam o Plantão; e sabemos, agora mais
do que nunca, que vale a pena cultivá-lo, que há terreno
propício, que há horizonte amplo onde mirar.
Bom terreno, boas sementes, bons frutos... : bom
proveito!

14
O Plantão Psicológico no Instituto Sedes Sapientiae

O Plantão de Psicólogos no Instituto


 Sedes Sapientiae: uma proposta de
atendimento aberto à comunidade
Raquel Wrona Rosenthal

No final da década de 70, parte do grupo de


profissionais que antes se reunia como Grupo de
Psicologia Humanista, decide constituir no Instituto
Sedes Sapientiae , o Centro de Desenvolvimento da
Pessoa, CDP.
Estimulado pelo entusiasmo de Rachel Lea
Rosenberg, o CDP desenvolvia programas de estudos
teóricos, grupos de supervisão e reflexão sobre a
prática clínica, promovia workshops abertos ao público,
ciclos de encontros de profissionais paulistas e também
encontros nacionais, constituindo-se em importante
referência para os interessados em discutir e aprofundar
o conhecimento da ACP, Abordagem Centrada na
Pessoa.
Sempre atenta ao potencial transformador da
 ACP, considerando tanto a dimensão individual quanto
a social / comunitária, Dra. Rosenberg propõe a criação
de um serviço de Plantão de Psicólogos, inspirado
nas experiências das walk-in clinics , surgidas nos Estados
15
Plantão Psicológico: novos horizontes

Unidos para prestar atendimento imediato à


comunidade. Até então o Serviço de Aconselhamento
Psicológico, no Instituto de Psicologia da USP, sob
sua coordenação, já vinha oferecendo o que chamava
plantão, e que consistia, naquele caso, em uma
1
ROGERS, Carl disponibilidade mais atenciosa de recepção aos clientes
Ramson. As Condi- que procuravam inscrição para atendimento regular
ções necessárias e em aconselhamento psicológico. Daí surgiram as
suficientes para a
mudança terapêu-
primeiras reflexões sobre as potencialidades de um
tica da personali- serviço de Plantão Psicológico: o poder
dade. In: WOOD, transformador da escuta atenciosa, não diretiva,
John Keith et alii centrada no cliente, confiante na tendência ao
(Org.s). Aborda- desenvolvimento das potencialidades inerentes à pessoa
gem centrada na
pessoa, Vitória:
(tendência atualizante), e na possibilidade dessa
Fundação Ceciliano tendência ser estimulada, mesmo através de um único
Abel de Almeida / encontro com o profissional, desde que este último
Universidade Fede- possa oferecer sua presença inteira, através de sua
ral do Espírito San- própria congruência, capacidade de empatia e aceitação
to, 1995, p.157-179. 1
incondicional do outro, atitudes pilares da ACP.
É de Carl Rogers, o criador a Abordagem
Centrada na Pessoa, a ponderação:

Se atendermos à complexidade da vida humana com 


2
ROGERS, Carl olhar justo, temos que reconhecer que é altamente 
R a m s o n . improvável que possamos reorganizar a estrutura da 
Psicoterapia e
vida de um indivíduo. Se pudermos reconhecer este limite 
consulta psico-
ª
lógica , 1ª ed., e nos abstivermos de desempenhar o papel de Deus,
São Paulo: Martins  poderemos oferecer um tipo muito precioso de ajuda, de 
Fontes, 1987 (Cole- esclarecimento, mesmo num curto espaço de tempo. Podemos 
ção Psicologia e  permitir ao cliente que exprima seus problemas e 
Pedagogia), p.207-
208.
sentimentos de forma livre, e deixá-lo com o reconhecimento
das questões que enfrenta. 2

Muitas pessoas, em determinada circunstância


de suas vidas, poderiam se beneficiar ao encontrar essa
interlocução diferenciada, que lhes propiciasse uma
oportunidade também de escutar a si mesmos,
16 
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

identificando e reconhecendo seus próprios


sentimentos e possibilidades de auto direção, no
momento em que enfrentam a dificuldade, sem que
necessariamente tenham que se submeter a atendimento
sistemático, prolongado, como tradicionalmente
oferecem as psicoterapias.

Coube a mim a coordenação e supervisão do


Plantão de Psicólogos do CDP, oferecido pela primeira
 vez em agosto de 1980, como um dos chamados
cursos de expansãodo Instituto Sedes Sapientiae . O
curso tinha duração semestral, e prestava, através de seus
alunos, atendimento psicológico aberto à população.
O Instituto Sedes Sapientiae  ou Sedes , como hoje
o chamamos, fundado em São Paulo em 1975, é um
importante centro de prestação de serviços, ensino e
pesquisa ligados às áreas da Psicologia e da Educação,
tendo como compromisso

assumir sua parcela de responsabilidade na 


transformação qualitativa da realidade social, estimulando
todos os valores que acelerem o processo histórico no sentido
de justiça social, democracia, respeito aos direitos da pessoa 
humana 3
3
INSTITUTO
Feliz associação de ideais, nosso Plantão tinha S E D E S
lugar certo para acontecer! SAPIENTIAE: Carta
de Princípios, s/d
(mineo.).
 As atividades iniciaram-se pela seleção dos
plantonistas. Os critérios adotados pediam que fossem
psicólogos, que conhecessem os fundamentos da ACP,
que tivessem experiência mínima de um ano em
atendimento clínico e estivessem especialmente
sensibilizados pela natureza do serviço proposto.
Contávamos com um grupo de doze
plantonistas e uma supervisora e estabelecemos o
horário das 20 às 22 horas, às segundas e quintas-feiras
17
Plantão Psicológico: novos horizontes

para os atendimentos e nossas reuniões. Dedicamos


aproximadamente um mês e meio ao planejamento e à
divulgação do novo serviço, período em que pudemos
compartilhar nossas expectativas e fantasias, aplacando
nossa ansiedade, acentuada pela ausência de bibliografia
específica sobre plantão psicológico. Não havia
qualquer menção, nas diversas bibliotecas
especializadas que consultamos, às walk-in clinics das
quais Rachel Rosenberg nos falara.

Sabíamos que a possibilidade de psicoterapias


de curta duração vinha sendo considerada por autores
que adotavam diferentes abordagens, 4
como por
exemplo, os trabalhos de Bellak e Small, de orientação
4
BELLAK, Leopold psicanalítica. As Psicoterapias Breves vinham tendo,
& SMALL, Leonard. desde a década de 70, grande implemento e pesquisa,
Psicoterapia de mas nada de sistemático havia sobre outras experiências
Emergência e
Psicoterapia
de curta duração ou mesmo de sessões únicas de
Breve, Porto Ale- atendimento.
gre: Artes Médicas, Dra.Rosenberg, ao refletir sobre variações no
1980. tempo de atendimento, apontava o caráter preventivo
de uma intervenção no momento oportuno:

A duração prevista para um atendimento


possivelmente eficaz em terapia tem sofrido
modificações de várias espécies. Comprovações
empíricas de resultados satisfatórios justificam o uso
de atendimentos com um número pré-determinado
ou máximo de horas. Cria-se uma metodologia
específica para este tipo de atendimento em linhas
teóricas variadas [...], o atendimento de curta duração
se insere como aplicação natural, bem sucedida e cada
 vez mais utilizada. Mesmo no caso de problemas graves
ou dificuldades antigas, conclui-se que o princípio de
tudo-ou-nada  ou seja ,terapia profunda e
prolongada ou nenhuma assistência psicoterápica  
não tem real validade. Especialmente em pontos
18
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

críticos do desenvolvimento ou da vivência, uma


intervenção adequada tem, além de efeitos terapêuticos,5
caráter preventivo de conflitos maiores posteriores.
5
ROSENBERG,
 Alguns alunos supunham que, devido ao caráter Rachel Lea. Terapia
imediato do atendimento, certamente receberíamos para Agora. In
ROGERS, Carl
muitos clientes em crise emocional aguda e insistiam Ramson & 
na necessidade de contarmos com um psiquiatra ROSENBERG,
plantonista. Precisamos esclarecer que nossa proposta Rachel Lea. A
não era criar um serviço para emergências psiquiátricas Pessoa como
Centro, São Paulo:
e sim oferecer escuta imediata, recebendo a pessoa no
E.P.U., 1977, p.52.
momento da dificuldade, sem que necessariamente a
intensidade dessa dificuldade tivesse atingido um ponto
crítico que representasse ameaça iminente à sua
integridade ou à de outros; não era destinado ao suicida
em potencial, como sugeria a divulgação recente do
CVV, Centro de Valorização da Vida, cuja equipe de
plantonistas era constituída por leigos em psicologia e
prestava atendimento inicial por telefone. Por
precaução, tratamos de pesquisar e organizar uma
relação de instituições e serviços particulares de
psiquiatria, caso viéssemos a necessitar. 6
 A preocupação de Madre Cristina era de que
o novo serviço não viesse aumentar as já enormes 6
Madre Cristina,
filas de espera para psicoterapia naquela clínica, tão nascida Célia Sodré
solicitada devido à tradicional qualidade dos serviços Dória, cônega de
Santo Agostinho,
prestados. Insistíamos em esclarecer que a intenção não educadora, psicó-
era fazer triagem, embora pudéssemos, eventualmente, loga e fundadora do
realizar encaminhamentos. O Plantão Psicológico não Instituto Sedes 
foi concebido como uma alternativa tampão para S a p i e n t i a e  ,
acabar com filas de espera em serviços de assistência personalidade ines-
quecível para a
psicoterapêutica, já que não pretende substituir a Psicologia e para a
psicoterapia. Não acreditamos que uma única sessão História brasileiras.
seja capaz de resolver sérios problemas emocionais
ou promover resultados reconstrutivos da
personalidade. Somente mais tarde é que viemos a
descobrir as possibilidades terapêuticas do plantão.
19
Plantão Psicológico: novos horizontes

Fizemos várias reuniões em torno de aspectos


éticos das formas de divulgação: tratava-se de uma
nova proposta e aberta à comunidade em geral. Como
divulgá-la, transmitindo sua originalidade e
acessibilidade, sem7 banalizá-la? Optamos pela
impressão de cartazes , que foram afixados em diversas
7
um destes cartazes escolas, igrejas, hospitais, bibliotecas públicas e
encontra-se faculdades com o destaque: Psicólogos de Plantão 
digitalizado no CD- e o texto:
ROM anexo ao livro.
Somos um grupo de psicólogos prontos para ouvir, trocar 
idéias, esclarecer dúvidas. Enfim, estar com você no
momento em que sentir que um psicólogo pode ajudar. 

Seguia-se o nome da psicóloga responsável e


seu número de inscrição no CRP, o endereço e horários
do atendimento.

Os plantonistas visitaram as salas de aula do Sedes 


onde se desenvolviam outros cursos, para anunciar o
atendimento e esclarecer dúvidas a respeito. Os
primeiros a nos procurar foram justamente alguns
alunos desses cursos, uns motivados por questões
pessoais, outros, pelo interesse profissional em
conhecer melhor o Plantão.
Houve uma divulgação num programa da TV 
Cultura, uma reportagem extensa que entrevistou
plantonistas e supervisora, e que, infelizmente, só foi
ao ar às vésperas da interrupção do serviço devido às
férias. Este fator diminuiu o impacto de sua
repercussão, pois os clientes que nos procuraram em
seguida à edição do programa da TV não puderam
ser atendidos.
O jornal Folha de São Paulo publicou reportagem
do jornalista Paulo Sérgio Scarpa sobre o Plantão
Psicológico, destacando sua utilidade pública.
Interessante assinalar que a seção onde se inseriu a matéria
 20
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

intitulava-se A Folha e as respostas da sociedade à


crise(07/11/81). Outras menções ao serviço já haviam
sido feitas por esse mesmo jornal, em edição de 16/01/
81 e em seu caderno Folhetim, cuja edição ,em 20/
09/81, era dedicada
8
ao tema Desemprego e
Insegurança . Hoje, passados 19 anos, podemos
reconhecer, com tristeza, a atualidade desses temas. 8
Estas matérias se
encontram digita-
O primeiro grupo de doze plantonistas lizadas no CD-ROM
trabalhou de agosto a dezembro de 1980, dividido anexo ao livro.
em sub-grupos de seis que se alternavam entre
atendimento e supervisão: enquanto metade prestava
plantão às segundas- feiras, a outra parte reunia-se para
supervisão; às quintas-feiras, invertiam-se as funções.
 A supervisão também era acessível ao plantonista
durante o transcorrer de um atendimento, caso
precisasse dela. A duração de uma sessão de
atendimento poderia variar de uma a duas horas,
dependendo de haver ou não outros clientes à espera.
Dispúnhamos de sete salas, sendo seis destinadas
ao atendimento e uma para as reuniões de supervisão.

Madre Cristina, confiante na importância da


iniciativa, ofereceu-se para recepcionar os clientes. Assim,
quem procurava o Plantão Psicológico, mesmo nas
noites mais frias do inverno, encontrava-a logo à
entrada do Sedes , sentada atrás de uma pequena mesa,
apoiada num travesseiro para respaldar suas costas,
que tão vigorosamente suportaram, com coragem e
dignidade, as pressões da luta por justiça social em
nosso país. Cabia a ela indicar ao cliente o andar e a
sala de atendimento, o que fazia com calor e firmeza,
já despertando nele uma disposição receptiva ao
encontro com o profissional.
No primeiro semestre de 1981 foi feita nova
seleção de plantonistas e alguns dos ex-alunos,
entusiasmados que estavam, se re-inscreveram.
 21
Plantão Psicológico: novos horizontes

Novamente, para o terceiro curso, no segundo


semestre de 1981, tivemos re-inscrições.
Em 1982 não foi renovada a proposta. A
supervisora, preparando-se para sua terceira gravidez,
embevecida que estava pelo novo, decidiu-se pela
dedicação mais intensa às suas filhas, enquanto se
afastava do Sedes , levando muito para refletir a respeito
de seus plantões e suas  plantinhas. Mais tarde, é
convidada a oferecer Plantão Psicológico aos
funcionários do mesmo instituto, atividade que
desenvolveu até dezembro de 97. Esse convite atesta
o reconhecimento da importância da proposta e a
repercussão que o Plantão Psicológico alcançou dentro
daquela instituição .
 Trataremos aqui de apresentar como foi
desenvolvido o Plantão Psicológico aberto à
comunidade.

OS CLIENTES
Nos três semestres do Plantão de Psicólogos,
realizamos 145 atendimentos, sendo 28 retornos.
 Tínhamos estabelecido três retornos como possibilidade
máxima para cada cliente no mesmo semestre.
Entendíamos que, caso nos procurasse com maior
freqüência, isto indicaria a conveniência de encaminhá-
lo à psicoterapia. Tínhamos uma relação de instituições
que prestavam atendimento gratuito, como era nosso
caso, e também uma relação de psicoterapeutas
dispostos a trabalhar por honorários simbólicos.
Das 117 pessoas que nos procuraram, 52% eram
mulheres e 48% homens. Predominaram os solteiros;
o nível de escolaridade dos clientes variou de semi-
alfabetizados a curso superior completo; 17% eram
profissionais liberais (advogado, economista, psicólogo,
fisioterapeuta), e o restante composto por outras
ocupações (escriturário, comerciário, comerciante,
motorista, vendedor, feirante, office-boy, técnicos em
 22
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

serviços diversos). Procurou-nos também uma pessoa


que declarou como ocupação, ser pedinte. Meses
depois, a plantonista que o atendeu o encontraria num
dos ônibus urbanos, recolhendo esmolas entre os
passageiros.

 Após cada atendimento, era solicitado ao cliente


que depositasse numa urna um comentário escrito, sem
necessidade de se identificar. Dos 68 depoimentos
recolhidos, destacamos alguns, para ilustrar a
repercussão imediata ao encontro:

Eu nunca havia participado de uma entrevista com 


 psicólogos. Fiquei até com receio pois não sabia como
iria iniciar a conversa. Entretanto, foi mais fácil do que 
imaginava. O à vontade com que a psicóloga conduziu 
o bate-papo propiciou-me externar praticamente tudo o
que vinha me inquietando, chegando mesmo a tirar 
conclusões ou elucidar dúvidas com o simples desabafo de 
minhas preocupações. Senti-me pois tão satisfeita como
se tivesse recebido um presente de Natal .

Não acho que o atendimento recebido tenha resolvido o


meu problema, mas tenho plena convicção de que abriu- 
me algumas portas, deu-me algumas luzes e fez-me refletir.
Creio que agora estou mais apto a resolvê-lo e muito
otimista por saber que posso.

Acho que existem muitas pessoas que deveriam fazer 


esta pré-análise antes de se definir pelo terapeuta.

Não fez minha cabeça.

Como é bom ter e sentir que podemos sentar e conversar 


com uma pessoa. Falar de nossos problemas sem pensar 
que vamos ser censurados.
 23
Plantão Psicológico: novos horizontes

Achei ótima a idéia desse Plantão. Psicólogos ouvindo


 pessoas em casos de emergência emocional. Deve continuar 
e se expandir em vários locais e ser divulgado e ensinado,
dado como curso nas escolas de Psicologia.

Acho essa iniciativa muito válida e isso, acredito eu,


vem a ressaltar ainda mais o papel, ainda que às vezes 
reprimido do psicólogo na sociedade. Acredito que mesmo
sendo um só encontro, estes 50 ou 60 minutos que sejam,
nossas 23 horas restantes e dias posteriores serão
melhores.

De maneira geral, os comentários aludiam à


importância de ser ouvido, faziam referências ao alívio
pelo desabafo, sugeriam que o atendimento deveria
ser pago, apontavam a necessidade de maior divulgação
do serviço e a ampliação dos horários de atendimento
e alguns revelaram frustração da expectativa de que
pudessem receber atendimento prolongado.

OS PLANTONISTAS
Os plantonistas se referiam com freqüência à
sua experiência como estagiários durante o tempo da
faculdade, declarando o quanto sofreram ao se
desligar do cliente por ocasião da conclusão do curso
de graduação. Agora, a questão do vínculo, a separação
do cliente, a ansiedade em função desse único encontro,
a imprevisibilidade quanto a outra oportunidade
(sessão seguinte) para eventual reparação de sua
atuação, tudo era discutido sistematicamente nas
supervisões. Suponho que uma das conseqüências
dessas dificuldades dos alunos foi o número de
encaminhamentos realizados e a quantidade de
intervenções de natureza diretiva, com tendência a
oferecer respostas e sugestões.
Outra questão diz respeito à superação do
estereótipo de que uma relação de ajuda psicológica
 24
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

deva se estender no tempo, de que profundidade e


intensidade sejam diretamente proporcionais à duração
do atendimento. A possibilidade de que uma
intervenção de natureza breve pudesse ser suficiente
para o cliente não era claramente percebida pelos
alunos, limitação que podemos atribuir à formação que
receberam nos cursos de Psicologia, onde a habilitação
do psicólogo estava mais voltada para a atividade clínica
da psicoterapia ou do psicodiagnóstico através de testes.
 Também em relação às intervenções diretivas
observamos, muitas vezes, que o sentimento de
impotência do plantonista diante de clientes de menor
poder aquisitivo, levou-os a adotar atitudes paternalistas
e, de certa forma, desvalorizantes para o cliente; houve
casos em que o aluno procurava encontrar soluções
imediatas, dar conselhos e sugestões ou mesmo insistir
em encaminhamentos muitas vezes não percebidos
como necessários pelo próprio cliente.
Liesel Lioret, psicóloga que pouco tempo
depois iniciaria também como supervisora o
atendimento psicológico do tipo plantão em postos
de saúde através da Clínica das Faculdades São
Marcos, fez a seguinte reflexão sobre sua experiência:

A questão dos valores do psicólogo é


importante em qualquer processo psicoterapêutico, mas
quando se trata de sua vontade de ajudar pessoas
com problemas de subsistência, a visão que ele tem
da pobreza e de seu próprio lugar na sociedade modela
seus objetivos explícitos e implícitos e suas atitudes.
O psicólogo tem a tendência a se preocupar mais com
o como de sua atuação do que com o porquê, ou
seja, com as implicações pessoais e ideológicas de suas
intervenções. Por exemplo, não terá a mesma postura
se acredita que uma tomada de consciência individual
possa ser um fator de mudança, ou se acredita que
somente uma mudança social e política possa trazer
 25
Plantão Psicológico: novos horizontes

soluções para as situações individuais.[...] Ele deve, mais


do que nunca, estar atento às incongruências de seus
sentimentos com os pressupostos intelectuais: até que
ponto ele realmente confia nos recursos da pessoa para 9
enfrentar suas dificuldades e modificar seu mundo?
9
Extraído de rela-
tório pessoal não O SERVIÇO E O CURSO
publicado (1982). Quanto à estruturação do serviço, que
Parágrafo aqui acompanhava o calendário dos cursos do Instituto
reproduzido sob
permissão da Sedes Sapientiae, percebemos que a proposta
autora. semestral, com constantes interrupções devido às férias,
além de truncar o afluxo de clientes, tornava muito
curto o período de preparação do plantonista,
preparação que nos parece requerer bastante empenho,
especialmente no que diz respeito às bases conceituais
da Abordagem Centrada na Pessoa e aos valores
pessoais do profissional. Isto pôde ser confirmado
pelo número de re-inscrições dos alunos para os
semestres seguintes, evidenciando que não só
reconheciam a relevância e efetividade do Plantão
Psicológico, como também a consciência que tinham
da necessidade de aperfeiçoamento. O tempo breve
da relação com o cliente talvez torne mais perceptível,
tanto para o supervisor como para o próprio aluno,
o grau de consistência na adoção da ACP como
referencial para sua atuação. A ausência de solidez na
atitude centrada na pessoa prejudicará a qualidade
da relação de ajuda, gerando no plantonista
comportamentos incongruentes e condutas diretivas

 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANTÃO


Nossas próprias descobertas antecipam o que
diria mais tarde o rabino e escritor Nilton Bonder:

A grande descoberta deste século para as Ciências 


Humanas é a descoberta terapêutica da escuta. Não há 
melhor entendimento que alguém possa nos prestar do
 26 
O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae

que servir-nos de ouvido para as falas baixas e quase 


imperceptíveis de nossa existência 10.
10
BONDER, Nilton  
Ouvir pode sugerir uma atitude passiva, mas não Elul, O mês da 
é. Ouvir implica acompanhar, estar atento, estar presente. escuta , Kol  Boletim
Informativo da
Presença inteira. Que quer dizer presença inteira? Comunidade Judaica
 Todos sabemos o que significa presença parcial. do Brasil, Rio de
Quantas vezes duvidamos que nosso interlocutor esteja Janeiro, Ano III, n.7,
realmente nos ouvindo? Mesmo que alguém, ao ser agosto 1998, p.1.
questionado Você está mesmo me ouvindo? seja
capaz de repetir literalmente aquilo que acaba de ouvir,
a repetição soará vazia, oca de sentido, se sua presença
estiver cindida. Ser capaz de repetir neste caso não
significa ser bom ouvinte. É sutil, mas às vezes podemos
até perceber, sem mesmo ter consciência de que
percebemos - pela própria densidade de olhar do
outro, pelo tipo de brilho desse olhar - a denúncia da
parcialidade da presença. Um olhar nosso ao olhar
do interlocutor poderá revelá-la. A repetição, mesmo
quando se torne uma reprodução, isto é, quando procure
re-produzir, sintetizando o conteúdo daquilo que foi
ouvido, eventualmente em outras palavras, torna-se oca,
é apenas e simplesmente um eco.
Eco, a ninfa da mitologia grega, evitava a
companhia dos homens e dos deuses e não se importava
com o Amor. Pã, apaixonado por ela e irritado com sua
indiferença, fez que os pastores da região a
despedaçassem, espalhando os despojos pelas
campinas. Eco, dispersada por muitos lugares, limita-
se a repetir os sons que se produzem por perto.
Ouvir realmente, e não apenas ecoar, requer
concentração do plantonista (terapeuta, ouvinte etc.).
Não é possível ouvir estando disperso como Eco. E
não estou me referindo a concentração apenas como
capacidade de focalizar a atenção (no cliente ou na
fala do cliente), mas quero ressaltar a concentração
do terapeuta em si mesmo.
 27
Plantão Psicológico: novos horizontes

Proponho refletirmos sobre concentração


como congruência. Parece estranho? Congruência
pode ser entendida como o alinhamento de várias
esferas sobre um mesmo eixo. Psicologicamente
falando, significaria ter as dimensões do pensar, sentir
e agir, alinhadas em torno do mesmo eixo, ter todos
os centros num mesmo centro. Congruência é
portanto con-centração, tomar dentro de si como único
centro, o mesmo eixo de alinhamento. É alinhamento
interno, concentração, presença inteira.
 A Abordagem Centrada na Pessoa, enfatizando as
qualidades da relação (aceitação incondicional, empatia e
congruência) como fator mobilizador do crescimento
(tendência atualizante) se confirma como perfeito
referencial para o Plantão Psicológico, modalidade de
atendimento que vem abrir também novas perspectivas
de contribuição social para o psicólogo.
Relembrando a expressão tão rica de sentidos
do Prof. Miguel Mahfoud, podemos confirmar o Plantão
Psicológico como presença que mobiliza.

 28
Plantão Psicológico na escola: uma experiência 

Plantão Psicológico na escola: uma


experiência
Miguel Mahfoud

1
O presente texto
foi originalmente
apresentado no VIII
Encuentro Latino-
americano del Enfo-
que Centrado en la
Persona, promovido
pela Universidade
O desempenho profissional é fruto possível Iberoamericana da
Cidade do México e
de raízes filosóficas, e é verdade que se conhece a
pela Universidade
árvore pelos frutos. Mas se o fruto-desempenho Autônoma de
profissional não morrer, ficará só; se morrer um pouco, Aguascalientes, em
para uma reflexão mais profunda e para se misturar Aguascalientes,
com o que dá vida, produzirá cem por um. México, em 1996,
Por isso quero agradecer a possibilidade de com apoio da
1 FAPEMIG.
compartilhar experiências , a oportunidade de pensar
um pouco mais no que faço; oportunidade de me
enriquecer pela consciência de que também eu fui
plantado e que também eu sou árvore com raiz e fruto,
e oportunidade de comunicar. O sentido mais
profundo do fruto não é semear de novo?

 A Educação tem pedido técnicas à Psicologia.


Mas o risco é o de não se clarear a finalidade geral da
educação, respondendo segundo objetivos precisos
mas inadequados a essa finalidade. Ou seja, o risco é o
de não explicitarmos (nem a nós mesmos) que a
 29
Plantão Psicológico: novos horizontes

finalidade da educação é a formação da pessoa, e


querermos responder a tantas demandas com diversos
objetivos definidos (aumento do rendimento escolar,
auxílio na expressão verbal e escrita, aplacamento de
comportamentos anti-sociais...) que podem nos ocupar
muito, podemos até obter resultados, mas poderíamos
ainda assim não estar respondendo à verdadeira
finalidade da educação. Se a explicitarmos, daremo-
nos a oportunidade de que ela ilumine objetivos,
métodos e técnicas. E, ainda mais importante, daremos
a nós mesmos a oportunidade de sermos educadores,
isto é, testemunhas de uma consciência ampla possível,
que já começa a ser uma rota de orientação dentro da
desorientação cultural em que vivemos, e que as nossas
crianças e adolescentes não têm como evitar.

É nesse sentido que um pouco ousadamente


evitei assumir uma função psico-pedagógica na escola
em que trabalhei. É preciso salientar que ali tínhamos
uma condição de trabalho incomum, não sendo
chamados a desempenhar as funções de orientação
educacional, ou coordenação pedagógica ou disciplinar
- funções estas exercidas por outros profissionais. Pude
então me preocupar com uma contribuição
propriamente psicológica no âmbito escolar.
Devido à minha formação marcada pela
 Abordagem Centrada na Pessoa logo quis que também
na escola a psicologia pudesse contribuir primeiramente
constituindo um espaço para o aluno como pessoa. Um
espaço onde se retomasse a finalidade da educação através
da formação da pessoa naquele contexto, assim como é,
com todos os seus recursos e limites, já. Em um contexto
institucional cristalizado e tantas vezes inevitavelmente
partícipe da desorientação cultural que todos vivemos,
eu quis ser psicólogo e educador ao testemunhar o valor
e a potência inovadora e criadora da pessoa que cresce
com consciência de si e da realidade.
 30
Plantão Psicológico na escola: uma experiência 

 Assumindo isso como finalidade, a técnica de


atendimento breve
2
que tem sido chamada de Plantão
Psicológico serviu como método de presença entre
os alunos e professores. 2
Cf. MAHFOUD,
Sabemos bem que a imagem de um Serviço de Miguel. A Vivência 
psicologia dentro da escola é visto por todos como de um Desafio: 
Plantão Psicoló- 
algo muito diferente disso que propomos, e assim gico . In Rosenberg,
quisemos afirmar essa nova ótica para todos, mas R.L.(Org.), Acon-
principalmente - e a partir - dos alunos, a quem aquele selhamento Psi-
Serviço de psicologia queria servir. Preparamos, então, cológico Centra-
do na Pessoa ,
folhetos de divulgação da proposta, que penso possam
São Paulo: EPU,
ajudar a explicar a vocês também um pouco do que 1987, pp.75-83.
 vem a ser um Plantão Psicológico na escola. (Série Temas Bási-
 Aos alunos de nível colegial foi entregue um cos de Psicologia,
folheto com trechos da música Quase sem querer Vol. 21)
do grupo Legião Urbana, e alguns comentários
apresentando o Plantão Psicológico. Trazia os seguintes
dizeres:

Tenho andado distraído,


Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso.
...
 Quantas chances desperdicei 
 Quando o que eu mais queria 
Era provar pra todo mundo
 Que eu não precisava 
Provar nada pra ninguém 
...
Como um anjo caído
Fiz questão de esquecer 
 Que mentir pra si mesmo
É sempre a pior mentira.
 Mas não sou mais 
Tão criança a ponto de saber 
Tudo.
...
 31
Plantão Psicológico: novos horizontes

Sei que às vezes uso


Palavras repetidas 
 Mas quais são as palavras 
 Que nunca são ditas? 

de Quase Sem Querer 


(Dado Villa-Lobos/ Legião Urbana)

PLANTÃO PSICOLÓGICO NO COLÉGIO


  uma ajuda para quem não quer viver
desperdiçando chances (com os amigos,
com a família, no colégio...)

  um espaço para procurar ouvir em si as


palavras mais profundas e verdadeiras.

  uma possibilidade para todo aluno que não


quer viver quase sem querer.

Os pedidos de encontro com o


psicólogo podem ser feitos pessoalmente todas
as 3as e 6as feiras nos intervalos da manhã na
sala 45 (próximo à biblioteca e à informática).

Ou por escrito, todos os dias deixando


na portaria do Colégio um bilhete destinado
3
ao psicólogo Miguel Mahfoud contendo seu
As ilustrações nome, número e classe, data e assinatura.
dos panfletos
apresentados neste
capítulo são de   Querendo, apareça!
Durval Cordas, a
quem agradecemos
a autorização para
publicação.
 Já o folheto preparado3 e entregue aos alunos
de nível ginasial foi o seguinte :
 32
Plantão Psicológico na escola: uma experiência 

 33
Plantão Psicológico: novos horizontes

 34
Plantão Psicológico na escola: uma experiência 

 35
Plantão Psicológico: novos horizontes

 36 
Plantão Psicológico na escola: uma experiência 

 37
Plantão Psicológico: novos horizontes

 A resposta dos alunos foi bastante positiva. No


início a curiosidade sobre minha pessoa e sobre o tipo
de atendimento era o mais marcante, e vagarosamente
foi se instalando como um espaço para as pessoas, mais
do que para os problemas. Isso fez com que mesmo
quando precisávamos chamar alguém para conversar por
pedidos da coordenação pedagógica ou disciplinar, ou
por pedido de algum professor, a disponibilidade de
tratar dos problemas era já diferente, porque o interesse
era por ele, e não por suas notas ou comportamentos.
Então até suas notas e comportamentos eram discutidos;
suas queixas intermináveis, ouvidas; mas sua pessoa
continuava a ser o centro, e a resposta à situação assim
como é ainda cabe a ele, que pode agora ter alguém a
quem se referir, com quem se avaliar, em quem se apoiar.
 A consciência ampla do educador ali frente ao aluno se
traduz também em disponibilidade e cumplicidade para
que o aluno viva com realismo e com cuidado consigo
mesmo. De modo geral isso é mobilizado rapidamente
e o psicólogo permanece como referência para o aluno
na escola, também para outras ocasiões mais tarde, e a
experiência permanece como referência dentro do aluno
- espero para sempre.
 A consciência de si e da realidade pede, antes
de mais nada, discriminação. Quem é quem na escola?
Com quem você pode contar? Quais são os recursos
disponíveis na rede de relacionamentos?
Mas se provoco os alunos a estarem atentos à
realidade e ao cuidado consigo mesmos e à sua presença
na escola, é porque procuro fazer o mesmo ali. Também
eu preciso discriminar bem, e aprender a reconhecer as
diferentes contribuições dos vários professores e
coordenadores que convivem muito mais diretamente
com os alunos do que eu, e por isso podem ser um
contato importante para o meu trabalho e para diferentes
formas de ajuda a alunos em dificuldade. Eles podem
 38
Plantão Psicológico na escola: uma experiência 

me dar feed-back de minhas intervenções, podem cooperar


quando também eles se abrem a um tipo de compreensão
dos acontecimentos que considere o lado dos alunos e
as outras dimensões normalmente deixadas à margem
da sala de aula.
Na verdade a manutenção desse tipo de
proposta pede um empenho constante, e
disponibilidade a manter um diálogo continuamente
retomado  com os professores, com os alunos e
com o conjunto da instituição - para se esclarecer a
linha do trabalho, e para que se tenha atenção com o
sentido que o trabalho vai tomando para a instituição:
COM OS PROFESSORES
Quanto aos professores, é fácil que em um
primeiro momento eles sintam que somos defensores
dos alunos, e quase nos vejam como inimigos. Sentem-
se incompreendidos. Chamá-los a colaborar conosco na
atenção com os alunos nem sempre é potente para
romper aquela impressão. Às vezes é preciso que eles
 vejam alguns passos que estão sendo dados pelo aluno e
que se liguem diretamente a seu trabalho. Dedicar-se a
explicitá-los nem sempre é fácil, mas é sempre importante.
COM OS ALUNOS
Quanto aos próprios alunos, é importante
retomar a proposta de que eles próprios podem nos
procurar, e estar atentos às tensões que nossa presença 4
Este folheto
suscita entre eles, para poder lidar com elas também encontra-se degita-
enquanto escola no seu conjunto, além do âmbito de lizado no CD-ROM
que acompanha o
atendimento individual ou de pequenos grupos. 4 livro.
Como exemplo, apresento a vocês um folheto
que lançamos quando uma outra psicóloga foi trabalhar
comigo no Colégio, e aproveitamos para lidar também
com a tensão existente entre os alunos, ligada ao fato
de que alguns deles se encontravam conosco.
 39
Plantão Psicológico: novos horizontes

40
Plantão Psicológico na escola: uma experiência 

41
Plantão Psicológico: novos horizontes

42
Plantão Psicológico na escola: uma experiência 

43
Plantão Psicológico: novos horizontes

 Assim, brincamos um pouco com a tensão, e o


projeto foi re-proposto.

COM A INSTITUIÇÃO
Quanto à necessidade de recolocar continuamente
a proposta, a nível institucional a questão também não é
simples. Às vezes nos sentimos um pouco marcianos.
Mas o trabalho vai sempre no sentido de responder às
demandas da instituição retomando sempre o ponto
de partida da centralidade da pessoa. De fato, isso é
muito desafiador e criativo. Criamos métodos e
instrumentos novos ao procurar responder aos pedidos
e necessidades da instituição retomando a finalidade da
educação e as contribuições da Psicologia.
Gostaria de citar dois exemplos:

1) O primeiro se refere a um pedido que a


direção da escola nos fez de nos ocuparmos de
Orientação Profissional, sugerindo a aplicação de testes.
Na nossa visão, para aqueles alunos, o problema
se localizava no tema da escolha . Sendo alunos de classe
sócio-econômica A, poderiam escolher o que
quisessem - mas na verdade não podem escolher porque
não sabem o que querem, ou porque o caminho
profissional já está traçado por herança familiar (a
empresa da família, o consultório do pai...). Não
queríamos aplicar testes, porque não os ajudaria em nada
a enfrentar o problema de não se conhecerem, e o de
assumirem conscientemente um caminho para si na vida
e na sociedade. Não queríamos substituí-los nessa tarefa
de escolha que é tão importante, e assinala uma passagem
para o mundo adulto.
 A atenção a isso nos deu criatividade para
utilizar, dentro de nossa abordagem, instrumentos
criados a partir de outros parâmetro teóricos.
Utilizamos textos da cultura brasileira, por exemplo o
da música Caçador de Mim (Sérgio Magro/Luís
44
Plantão Psicológico na escola: uma experiência 

Carlos Sá) como imagem da busca de si que aquele


momento de escolha envolve; ou o poema Que é o
Homem? de Carlos Drummond de Andrade para abrir
espaço a uma pergunta sobre si e sobre o mundo num
horizonte amplo.
Mas desenvolvemos um novo método de
Orientação Vocacional adaptando o  Método de História 
de Vida apresentado por Julius Huizinga no IV Fórum
Internacional da Abordagem Centrada na Pessoa, no
Rio de Janeiro em 1989. Pedimos aos alunos para
desenharem o gráfico de sua história de vida, assinalando
as experiências mais significativas desde o nascimento
até o momento presente, avaliando-as como positivas
ou negativas em diferentes graus. Depois pedimos que
redijam um texto apresentando um dia comum no
futuro, cerca de 15 anos mais a frente. Desse trabalho é
possível extrair o critério pessoal com o qual cada um
deles olha, avalia e se engaja na própria vida. Então se
propõe enfrentar a questão da escolha profissional com
aqueles critérios pessoais, tendo em vista as profissões
que mais favoreceriam a expressão e o desenvolvimento
de suas características; ao invés de perseguir a questão
de onde ele deveria se encaixar para poder ser feliz - 5
Cf. MARTINS, C.R.
questão esta que parte de uma posição alienada e Psicologia do
alienante. Só depois de explicitados esses critério e Comportamento
mobilizado esse processo de busca é que utilizamos, Vocacional. São
eventualmente, testes de personalidade (como o de Paulo: EPU/EDUSP,
5 1978.
Pfister) e o Modelo de Holland de grupos profissionais
associados a características de personalidade. A proposta
é a de enriquecer e ampliar a reflexão
6
sobre si como 6
ser-no-mundo, único e irrepetível, ao invés de esperar FRANKL, V. E.
daqueles instrumentos uma resposta. Psicoterapia e
sentido da vida:
fundamentos da
2) Outro exemplo, para nós muito significativo, logoterapia e
foi quanto à dificuldade da instituição em trabalhar análise existen-
explicitamente a questão das drogas, que preocupa cial . São Paulo:
muito a todos - direção, professores, pais e alunos. Quadrante, 1973

45
Plantão Psicológico: novos horizontes

7 Frente à necessidade de um trabalho de


Cf. CARLINI, E.A.;
CARLINI-COTRIN, prevenção ao uso de drogas e frente às dificuldades
B. & SILVA FILHO, institucionais de tratar do tema, nos pareceu mais
A.R., Sugestões adequado procurar utilizar o método
7
que vem sendo
para programas chamado de Educação Afetiva , que procura modificar
de prevenção ao
abuso de drogas
fatores pessoais considerados disponentes à utilização
no Brasil , São de drogas (como auto-estima, identidade, resistência a
Paulo: CEBRID, pressão de grupo etc.) sem necessariamente enfocar o
1990. tema drogas.
 Assim, Sílvia Regina Brandão e eu elaboramos8
o primeiro material brasileiro de Educação Afetiva ,
8
MAHFOUD, Miguel sempre retomando a questão da centralidade da pessoa,
& BRANDÃO, Sílvia e abordando principalmente o tema da identidade a
Regina. Educação  partir da existência, do ser-no-mundo e o tema da
Afetiva . In. I Con-
gresso Interno conjugação entre desejo e limite.
do Instituto de
Psicologia da SITUAÇÃO DESAFIADORA 
USP , São Paulo, Para terminar, eu não seria verdadeiro comigo
1991, p. Z6.
mesmo se não citasse uma situação que para mim tem
sido muito difícil e desafiadora: trata-se da situação de
morte de alunos, em particular quando há suspeita de
suicídio. Por um lado retomo com muita força a
questão da finalidade da educação no que se refere à
formação da pessoa e à formação de uma consciência
ampla de si e da realidade. Uma morte assim nos coloca
em xeque, tolhe a possibilidade de lutar e de construir
com aquela pessoa, significa que ela não aceitou a
referência que quisemos propor e evidencia o mistério
da liberdade do homem.
Mas também nesse momento a nossa
contribuição de adultos, educadores e psicólogos passa
pela consciência ampla que podemos testemunhar. E
consciência ampla nesse momento significa poder ficar
frente ao mistério da vida e da morte, perplexos, ao
lado dos adolescentes desorientados. E isso só é
possível para nós adultos se com eles retomamos a
última frase do caderno Educação Afetiva: retomar
46 
Plantão Psicológico na escola: uma experiência 

sempre o que é importante para mim, me ajuda a fazer


escolhas, me ajuda a verificar as pessoas e os grupos
que mais podem me ajudar a nunca deixar de desejar e
batalhar para ser feliz.
Isso não é dado por nenhuma identidade social,
por nenhuma formação universitária e por poder
algum. Isso só pode ser dado por uma companhia
 viva, de horizonte de vida amplo, à qual cada um de
nós pode ou não aceitar pertencer.
Passa por aí o sentido do nosso trabalho, que
não será dado pela instituição em que trabalhamos,
mas ao contrário, será a instituição que crescerá com
sentido se o carregarmos conosco ao vivermos ali.
Parafraseando a introdução do caderno
Educação Afetiva, quero desejar a cada um de vocês o
mesmo que desejo àqueles com quem trabalho: que
também o seu trabalho ajude a encontrarmos caminhos
sempre novos - para cada um e para a convivência
entre nós - na constante batalha para ser feliz!.

47
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

Plantão Psicológico na escola:


 presença que mobiliza
Miguel Mahfoud
Daniel Marinho Drummond
 Juliana Mendanha Brandão
Roberta Oliveira e Silva 

Comunicar uma experiência , explicitar seu


1

1
método, ressaltar a potencialidade de uma proposta, dar Expressamos o
 visibilidade a um processo real: são objetivos do presente reconhecimento dos
capítulo. Impactar-se com a força do possível que emerge plantonistas que
colaboraram em
de uma experiência: eis a motivação destas páginas. uma primeira siste-
Experiência, é claro, se dá em tempo, espaço e matização desta
contexto social determinados; e da compreensão de seus experiência:
elementos fundamentais depende a continuidade de sua Alessandra R.
Alvarenga, Ivana
presença mobilizadora ao longo do tempo. Na verdade, Carla B. C. Santos,
se assim não fosse, nem ao menos poderíamos chamá-la Lilian Rocha da
de experiência. Procuramos, então, aqui, explicitar o Silva, Romina
palmilhar de um percurso feito. Compartilhado o Magalhães, Ronnara
caminho com o leitor, a continuidade da experiência já Kelles Ribeiro e
Tânia Coelho de
será objeto de atenção de todos nós, cada qual em seu Alcântara.
tempo, espaço e contexto social.

TEMPO, ESPAÇO E CONTEXTO SOCIAL


Relatamos aqui a implantação de um Serviço de
Plantão Psicológico em uma escola pública de segundo
49
Plantão Psicológico: novos horizontes

grau num
2
bairro operário na periferia de Belo Horizonte
(MG) , estabelecendo um campo de estágio da
2
A experiência aqui disciplina Aconselhamento Escolar: Plantão
relatada se deu em Psicológico no curso de Psicologia da Universidade
1997. Federal de Minas Gerais, a partir da proposta de Plantão
Psicológico3
no contexto escolar elaborada pelo
professor .
3
Confira o capítulo  Trata-se de uma aplicação original  cunhada
Plantão Psicoló- em comum entre professor e estagiários  iniciada e
gico na escola: uma levada a cabo com atenção a potencializar os recursos
experiência  , de
Miguel Mahfoud,
pessoais e materiais que aquele grupo e aquela instituição
neste mesmo livro. apresentavam. Trata-se, então, não de aplicação
mecânica de um novo modelo, mas de atualização de
uma atenção viva às pessoas que compunham a equipe,
de maneira tal que atentas à própria experiência se
colocassem no contexto escolar mobilizando a mesma
atenção; de maneira tal que disponíveis ao encontro
com o novo se inserissem na escola despertando o
desejo de encontro e de crescimento que constitui todo
homem; de maneira tal que atentos aos movimentos
de transformação e crescimento se desenrolando entre
nós da equipe, se dispusessem a observar, acolher e
facilitar, com curiosa e discreta abertura, cada
movimento promovido no contexto institucional.
 Aquela escola específica foi escolhida por estar
inserida em uma comunidade muito ativa em termos
de movimentos sociais, comunitários e culturais. A
própria escola foi idealizada e construída pela
comunidade local (construída enquanto instituição mas
também enquanto espaço físico). Poder contar com
esse perfil dinâmico e mobilizador da comunidade para
o desenvolvimento do nosso trabalho foi uma das
intenções, de maneira tal que as relações entre o
atendimento individual, a instituição e a comunidade
em que estão inseridos fossem objeto de atenção; de
maneira tal que o atendimento aos alunos dentro
daquela escola pudesse concretamente contribuir  
 50
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

ainda que de maneira simples  com um movimento


social mais amplo que, por posicionamento político e
cultural, valorizamos.
Estabelecemos um contrato com a escola,
através de sua diretora, oferecendo um Serviço de
atendimento em Plantão Psicológico nas dependências
da escola, nos horários normais de aulas, para receber
alunos que solicitassem ajuda psicológica. Em
contrapartida, a escola garantiria alguns aspectos
fundamentais para o andamento do trabalho: espaço
físico adequado para acomodação dos estagiários onde
pudessem ser feitos os atendimentos; autorização aos
alunos para saírem de sala de aula para procurar o
Serviço; o não encaminhamento dos alunos ao Plantão
Psicológico por parte de professores e direção.
Uma vez que para atingir nossos objetivos de
mobilizar os alunos era fundamental abrir para eles
um espaço em que a busca por ajuda pudesse ser livre
de qualquer imposição ou limitação de horários por
parte da escola, era fundamental que eles tivessem a
liberdade de procurar-nos no momento que fizesse
mais sentido para eles, do modo que achassem melhor,
para falar sobre o que desejassem.
 A diretoria da escola recebera de bom grado a
proposta e sentia-se honrada em ser o público número
um de um projeto piloto em Belo Horizonte, em
conjunto com a nossa universidade.

PREPARAR: DA APREENSÃO À ATITUDE DE ESCUTA PROFUNDA 


Habitualmente, ao se pensar em presença de
psicólogos no contexto escolar emergem duas
concepções: a da intervenção psico-sociológica
tradicionalmente considerada  com planejamento a
partir de uma leitura diagnóstica da instituição  e a da
intervenção de base clínica, voltada a favorecer a
superação de dificuldades localizadas no aluno, em seu
desenvolvimento e/ou saúde mental. Essas concepções
 51
Plantão Psicológico: novos horizontes

se apresentam insistentemente a quem se dispõe a


adentrar aquele contexto, e a proposta de um modelo
outro, baseado em acolher as demandas dos alunos
enquanto pessoas  normalmente desconhecidas antes
que se inicie o trabalho  e que procura acompanhar
as ressonâncias institucionais de mobilizações pessoais
  que se verificarão só a partir da intervenção  não
pode deixar de provocar apreensão.
 A proposta de Plantão Psicológico em si mesma
já requer uma abertura ao não-planejado; quando se
acrescenta a vinculação institucional a ser delineada no
decorrer do processo, a exigência de disponibilidade
a acompanhar um processo sem um planejamento
prévio é ainda maior. Frente à inevitável apreensão,
uma sugestão: observar atentamente para conhecer;
ouvir profundamente para facilitar a expressão do que
de mais significativo será trazido a nós; estar realmente
presente, disponível, e atentar à mobilização que pode
nascer daí.
Contato com literatura especializada e relatos
de experiências de intervenções nessa modalidade de
 Aconselhamento Psicológico (cf. Mahfoud, 1987, 1989,
1992; Mahfoud, Morato & Eisenlohr, 1993), ajudaram
que se estabelecesse uma posição de ativo empenho
com a proposta  que é mesmo um tanto
desconcertante , respaldados também na literatura
fundamental acerca da Abordagem Centrada na Pessoa
elaborada por Rogers.
 A proposta era disponibilizar-se em termos de
tempo e de escuta. Ou seja, os estagiários comporiam
uma equipe sempre presente na escola: estariam
literalmente de plantão ali à disposição dos alunos,
cobrindo todos os horários de funcionamento daquela
instituição, disponíveis ao atendimento à pessoa do aluno
no momento em que ele estivesse precisando de ajuda,
não sendo assim necessário marcar horário com
antecedência e não estaria implicada necessariamente
 52
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

uma continuidade de atendimento. O que dirige o


percurso é a necessidade da pessoa, garantida a
permanência da disponibilidade da equipe de plantonistas
e contando com a iniciativa dos próprios alunos
buscarem atendimento quando fizer sentido para eles.
Mas afinal o que estaríamos oferecendo neste
serviço? Um espaço onde o aluno pudesse buscar ajuda
para rever, repensar e refletir suas questões. O objetivo
era possibilitar aos alunos a oportunidade de se cuidar,
de estarem atentos ao que é realmente importante para
eles naquele momento, e então de se posicionarem
diante disso. O psicólogo neste tipo de serviço não
está ali atento a solucionar algum problema mas
procura estar presente acolhendo a pessoa e escutando-
a ativamente, possibilitando com isso que ela se
mobilize frente à sua situação; procura estar centrado
na pessoa mais do que no problema.
Esse momento de preparação fora fundamental
do ponto de vista do método, pois pôde ficar claro
que ouvir   escuta ativa, profunda  é uma intervenção,
e que aquilo que verbalizamos para a pessoa, aquilo
que pontuamos ou refletimos devolvendo para ela é
uma intervenção complementar à escuta, vem como
que acoplada. A escuta, enquanto postura básica, é
saber ouvir o outro, estar preparado e disponível para
receber a vivência que estiver trazendo, tomando-a em
sua complexidade original, em seus múltiplos
horizontes, de maneira tal a facilitar que a pessoa examine
com cuidado as diversas facetas de sua experiência.
Essa escuta solicita de nós uma atenção a uma
multiplicidade de perspectivas, mas sobretudo requer
uma atenção à perspectiva que aquela pessoa escolhe
  ou pode no momento examinar para adentrar sempre
mais profundamente na própria experiência; e isso
requer mais respeito ao caminho empreendido pela
própria pessoa do que qualquer habilidade preditiva
por parte do plantonista. Abertura ao novo
 53
Plantão Psicológico: novos horizontes

incansavelmente emergente em cada pessoa que


examina sua vivência; abertura maravilhada diante do
mistério da liberdade de cada ser humano, e daquele
ali em particular: é o primeiro passo para entrar em
contato com a realidade das pessoas.
Nos permitimos entrar em contato com o ouvir
não só do ponto de vista teórico (cf. Rogers, 1983;
 Amatuzzi, 1990) mas reconhecendo nossa experiência,
sabendo que está em nós o recurso fundamental para
facilitar que o outro se escute a si próprio.
Reconhecemos, então, o fundamento do Plantão
Psicológico naquela atitude que propicia a facilitação
de um processo que é do cliente, e portanto a função
do psicólogo não é conduzir esse processo mas
acompanhá-lo.
Mas, na prática, o que seria ouvir? O que
representaria esse tipo de atenção para com o outro
ali diante de mim? Preocupação primária e fonte de
ansiedade para os iniciantes em atendimento
psicológico, mas preocupação e ansiedade em outra
medida sempre presente também para quem, por anos
a fio, busca se colocar diante do outro com a abertura
confiante necessária para que se dê um processo na
direção do crescimento e da mobilização, para que se
dê um processo de mudança em função do sentido
tão próprio àquele que pede ajuda.
E na supervisão não poderia ser diferente:
atentar para os recursos ali presentes, enquanto pessoa,
e acolhê-los, sobretudo para que cada estagiário pudesse
descobrir-se como terapeuta no decorrer do contato
com o outro, mobilizando seus próprios recursos
afetivos e intelectuais. Todos nós, diante desse tipo de
escuta, livres de interpretações, generalizações e pré-
concepções, estaríamos mais propícios a nos perceber
e perceber o outro. O grande segredo é o aprendizado
com a própria experiência. E esse segredo se revela
efetivamente só com o decorrer do próprio trabalho.
 54
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

CONTATOS INICIAIS
Nos primeiros contatos de toda a equipe do
Plantão Psicológico com a escola confirmamos, da
parte deles, o interesse e a disponibilidade em colaborar.
Porém, já de início eram perceptíveis as expectativas
da instituição quanto ao trabalho: a de que
responderíamos a demandas pré-definidas por eles,
ligadas ao que consideravam ser os problemas mais
graves, recorrentes e emergenciais como, por exemplo,
abuso de álcool e gravidez na adolescência.
Nos parecia natural que frente à novidade da
proposta, surgisse na escola  juntamente à
disponibilidade e abertura  alguma dificuldade em
colocar-se numa perspectiva diferente, centrada no
aluno e a partir de um posicionamento diverso por
parte da Psicologia. Demo-nos conta de que não era
preciso que a escola entendesse, imediatamente, tudo
o que iríamos fazer ali: o fundamental naquele momento
é que aceitasse o desafio e possibilitasse nossa atuação.
 Afinal, quem de nós sabia o que estava por vir? Era o
início de nossa presença ali; e sabíamos que clarificar,
continuamente, nossa proposta era mesmo parte de
nosso trabalho. No vivo da interação com a instituição
 íamos repropondo e reafirmando os princípios e os
fundamentos. Era imprescindível que fôssemos firmes
em nossa proposta assim como nas exigências
necessárias para colocá-la em prática. E então, melhor
do que argumentar seria mostrar a que viemos.

 APRESENTANDO A PROPOSTA 
Organizamos uma apresentação da equipe de
plantonistas e de nossa proposta para os alunos  que
sabíamos ser útil a todo o quadro da escola. Evitamos
passar de sala em sala, ou reunir a todos para explicar o
que é Plantão Psicológico. A apresentação da proposta
ao público interessado precisava ter impacto para marcar
nossa presença e nosso trabalho entre eles, sem deixar
 55
Plantão Psicológico: novos horizontes

também de explicitar com clareza nosso objetivo. Além


do quê, era preciso desmistificar a Psicologia, aproximá-
la da realidade daqueles adolescentes, mostrando a eles
que psicólogo não é pra doido, como muitas pessoas
costumam pensar, mas para todos que tenham interesse
em se conhecer melhor, olhar para si e se reconhecer em
suas vivências, cuidar para vivê-las de um modo mais
saudável e consciente; era preciso afirmar que estaríamos
ali disponíveis para acompanhá-los em sua experiência.
Para alcançar tal objetivo elaboramos uma
apresentação que fosse clara e próxima dos alunos,
procurando utilizar uma linguagem própria da idade
deles e que pudesse abarcar ao máximo a realidade em
que vivem. Utilizamos recursos musicais e teatrais pois,
além de provocar certo impacto, era uma maneira em
que nos sentíamos muito à vontade. Estávamos
lançando mão de nossos próprios recursos, oferecendo
nossa disponibilidade, cada um podendo se colocar
com o que tem para oferecer tornando o grupo uma
equipe coesa e disponível, cada um com suas diferenças,
facilitando assim que as diversidades se aproximassem.
Essa forma de se apresentar aconteceu nos três
turnos, aproveitando o horário do recreio, por
considerarmos ser o momento em que poderíamos estar
mais próximos dos alunos e para passar a mensagem que
estávamos propondo um espaço realmente voltado a eles
na escola. Preparamo-nos sem que os alunos soubessem;
apenas a diretoria estava ciente do que iríamos fazer.
Quando tocou o sinal para o recreio e os alunos
começaram a sair das salas e se dirigirem para o pátio nós
começamos a tocar uma música e iniciamos a apresentação,
distribuímos panfletos com a letra de uma música
composta por nós e no verso uma explicação do que
seria o Plantão Psicológico. Utilizamos algumas músicas
já conhecidas, com temática bem jovem e atual, que traziam
questões propícias a se mobilizar em direção a se cuidar,
como por exemplo as de Legião Urbana, Kid Abelha,
 56 
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

Lulu Santos, Ultraje a Rigor. Criamos também algumas


músicas-paródia e até compusemos O Rap do Plantão.
Seguem alguns exemplos:

Rap do Plantão

Cheguei em casa da escola tô cansado de estudar 


 Meu pai não me entende não adianta conversar 
 Minha mãe me repreende não tenho com quem falar 
Liguei pra namorada e ela não estava lá 
Procurei por meus amigos 
 Me disseram: Sai pra lá! 
 Ninguém 
 Quer me entender 
 Ninguém 
 Quer me responder 
Em minha cabeça tudo roda e eu não sei o que fazer 
 Quem sou? 
De onde vim? 
Pra onde vou? 
O que fazer, o que fazer? 
 Não consigo esclarecer tá difícil de entender 
 Não consigo me acalmar tá difícil de aguentar 
 Mil problemas me esquentam 
 Mil questões me atormentam 
E os outros no meu pé 
Cada um com seu palpite 
 Minha cabeça dá um nó 
E não há quem acredite 
E eu? 
O que que eu faço desta vida? 
E eu? 
 Qual vai ser a minha história? 
E eu? 
 57
Plantão Psicológico: novos horizontes

Reggae do Plantão
(Paródia de Pensamento, do grupo Cidade Negra)

Eu preciso falar do que se passa aqui dentro


Vou procurar o plantão
Preciso de alguém que me escute e me entenda 
Prá eu também me entender 
É este mundo
É minha vida 
 Quero mudar 
 Quero aproveitar 

 Quem não se cuida 


 Não curte a vida 
Fica parado sem sair do lugar 

Exibem poesia as palavras de um rei 


Faça sua parte 
 Que eu te ajudarei 

 Twist do Plantão
(Paródia de Twist and Shout)

Vou conversar no Plantão (no Plantão)


Não sei se tem solução (solução)
É um espaço pra mim (para mim)
É disto que eu tô afim.
Ah... Ah... Ah... Ah... Ah...

Melô do Plantão

 No plantão falar é bão 


 Muito bão (Repete 3x)
 Muito bão.
 No plantão falar é bão.
 58
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

Pretendíamos criar um momento de


apresentação em que eles se reconhecessem e
pudessem estar mais atentos à explicação que iríamos
dar posteriormente sobre o Serviço.
Elaboramos uma dramatização que pudesse
representar bem a vivência de um adolescente
incompreendido em sua própria casa e que por fim
resolve buscar ajuda no Plantão Psicológico como meio
de pensar e refletir sobre suas questões.
De início os alunos pareciam espantados e aos
poucos foram se ambientando, começaram a interagir
conosco cantando as músicas e batendo palmas, e até
mesmo dançando. Nos entremeios de uma música e
outra e o teatro íamos falando de forma espontânea
quem éramos nós e o que estávamos fazendo ali. 4
Procuramos tocá-los no que diz respeito à vivência Uma breve edição
em vídeo de filma-
de ser adolescente cheio de questões, dúvidas, inquietações gens feitas durante
e à dificuldade de contar com alguém que possa estar estas apresenta-
junto com ele acompanhando-o nessa experiência. ções está incluída
Estávamos propondo a eles que uma maneira legal de no CD-ROM anexo
se cuidar, de manter-se bem em meio aos problemas e ao livro. As músicas
também podem ser
dificuldades, é dar-se a oportunidade de falar dessas coisas, ouvidas já integra-
pensando sobre elas e sobre como eles podem estar das ao vídeo ou
 vivendo de forma consciente cada situação, podendo até através de um CD-
passar a vê-la de modo diferente. Divulgamos assim o player convencio-
nal (faixas 2, 3, 4, e
Serviço de forma descontraída sem perder 4
a seriedade 5)
do nosso compromisso com a proposta.

OS ATENDIMENTOS E AS DEMANDAS
No dia seguinte à apresentação da proposta aos
alunos, os estagiários começaram a ficar de plantão, na
sala disponibilizada pela escola, e imediatamente os
atendimentos começaram. Os estagiários se dividiam
pelos três turnos de aulas, de segunda a sexta-feira, e
também no sábado de manhã, o que fazia com que sempre
houvesse um ou dois estagiários na sala do Plantão,
disponíveis para os alunos.
 59
Plantão Psicológico: novos horizontes

Nos atendimentos procurávamos acompanhar a


organização própria dos alunos, pois era centrando na
experiência destes que descobríamos como proceder.
Esta atenção ao movimento que os alunos faziam ao
buscar o Plantão Psicológico nos indicava como
responder à este movimento. Sendo assim, o número
de alunos que participava de uma sessão, a duração desta,
a marcação de uma nova, e o próprio andamento de
cada sessão acompanhavam a necessidade do momento
e não uma regra pré-estabelecida. O que mantínhamos
firme sempre era nossa disponibilidade para ouvi-los,
ajudá-los a examinar sua experiência, e a proposta de
que o Plantão Psicológico era para qualquer aluno que
quisesse se cuidar. Atendemos então indivíduos e
grupos, em uma ou mais de uma sessão, que duraram
de quinze minutos a uma hora e meia.
Nos casos em que os alunos voltavam, sendo
atendidos diversas vezes, e se percebia uma necessidade
de ajuda que ia além da proposta de atendimento em
Plantão Psicológico (ver abaixo a categoria Incômodo
com a maneira de ser e de reagir à situações), nós os
encaminhávamos para Serviços ou clínicas sociais que
oferecessem psicoterapia a um baixo custo ou
gratuitamente. Foram poucos os casos encaminhados,
já que na maioria não houve esta necessidade.
 Ao final do primeiro semestre, realizados
atendimentos no período de abril a junho, havíamos
atendido 11,9% do total de alunos da escola (124 de
um total de 1035), em 134 sessões (ver tabela I na
próxima página). Note que o número de alunos
atendidos e de sessões é diferente, já que um aluno
pode ter sido atendido em mais de uma sessão e vários
alunos, em grupo, podem ter sido atendidos em uma
única sessão. Para chegarmos a este total de alunos
atendidos contabilizamos as sessões efetivas, (ou seja,
aquelas em que os alunos haviam se movimentado
frente à alguma questão) deixando de lado, para efeito
60
D  T 
 a  A 
 d  B 
 o 
 s 


ALUNOS MATRICULADOS ALUNOS ATENDIDOS ATENDIMENTOS (SESSÕES)
 q 
 u A 
 a  I  

 t  
i  
 t  
 a 
Número de % de alunos Número de % de pessoas % de pessoas Número de % de
 t  
i  

alunos matriculados pessoas atendidas no atendidas no atendimentos atendimentos
 o 
 s 
 s 
matriculados em relação atendidas no turno em turno em re- no turno no turno em
 o 
 b 

em cada ao número turno rela-ção ao lação ao relação ao
 e 
 c 
 a 
turno total de total de total de total de P 
l   
 a 
 d 
 a  alunos da alunos ma- pessoas atendimentos n
 t  
 t    ã  
 u


escola triculados no atendidos na na escola
 o 

 o 
mesmo turno escola  s 
i  
 c 
 o 
l   
 ó  
  g 
Manhã 423 40,9% 31 7,3% 25 36 26,9 i  
 c 
 o 
n
Tarde 126 12,2% 46 36,5% 37,1 14 10,4  a 
 e 
 s 
 c 
Noite 486 46,9% 47 9,7% 37,9 84 62,7  o 
l   
 a 
 : 
  p 
Total 1035 100% 134 100% 100% 124 100% r 
 e 
 s 
 e 
 6    n
1     ç 
 a 
  q 
 u
 e 
m
 o 
 b  
i  
l   
i  

 a 
Plantão Psicológico: novos horizontes

de contagem, as situações em que os alunos passavam


rapidamente pela sala do Plantão Psicológico para dizer
olá, espiar, ou fazer um comentário, e aquelas em que
os alunos permaneciam conosco por algum tempo
conversando fiado ou querendo saber mais sobre
nossa proposta, fazendo perguntas do tipo O que é
mesmo o Plantão?. Vale dizer que algumas situações
como estas serviram como via de acesso à ajuda, ou
seja, o aluno chegava como quem não quer nada para
logo em seguida, já ambientado, conseguir falar de si,
transformando
transfor mando a visita em um atendimento, que era
então contabilizado.
Durante todo o semestre os atendimentos eram
discutidos nos encontros semanais de supervisão.
super visão. Para
Para
cada sessão ou atendimento era feito um relatório
escrito. Nestes encontros, além dos atendimentos,
conversávamos também sobre a instituição em seus
diferentes âmbitos, ou seja, falávamos dos professores,
da diretoria, dos turnos, do que observávamos
enquanto estávamos na escola.
Queríamos estar atentos para as repercussões
que nossa presença estava tendo na escola. Isto também
era parte de nossa proposta de Plantão Psicológico.
 Ao escutar os alunos,
alunos, estávamos
estávamos intervindo também
na instituição, ajudando estes a se dar conta de suas
necessidades frente à escola, o que poderia mobilizá-
los a atuar nesta para transformá-la. Ao escutar a
instituição em cada um de seus âmbitos estávamos
também intervindo, pois surgiam então respostas que
poderiam ser dadas ao grupo
gr upo..
Um exemplo disto foi nossa atuação
diferenciada em relação à características singulares que
o turno da tarde tinha em relação aos outros turnos:
No turno da tarde funcionavam três turmas,
todas do primeiro ano do segundo grau, totalizando
cento e vinte e seis alunos. No início do trabalho, os
alunos deste turno não procuraram o Plantão
62
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

Psicológico, diferenciando-se dos outros turnos onde


a procura foi imediata, acontecendo já no primeiro dia
de funcionamento do Serviço. Através de observações
que os estagiários haviam feito enquanto aguardavam
atendimento e de conversas informais com os alunos,
principalmente no horário do recreio, levantamos
algumas características específicas deste turno que
poderiam explicar a não-procura pelos atendimentos
naquele turno. Concluímos
Concluímos que a procura poderia estar
sendo dificultada por:
- um maior
maior controle
controle sobre
sobre os alunos, por parte
parte
de quem ocupava a direção da escola naquele
período, no sentido de evitar que os alunos
ficassem fora de sala de aula no horário letivo;
- um maior
maior controle
controle dos alunos
alunos sobre
sobre os
próprios alunos. Neste turno haviam poucas
turmas, o que fazia cada aluno estar mais
exposto. Todos eles eram a
novatos na escola  
já que eram turmas de 1 série do científico  e
estavam provavelmente
provavelmente tentando se enturmar,
entur mar,
fazer amigos, e a busca por um Serviço de
atendimento psicológico poderia atuar
negativamente neste sentido, pela imagem
tradicional do psicólogo como alguém que
atende loucos. De fato os alunos que falavam
em procurar o Plantão Psicológico eram
caçoados pelos colegas.
Entendemos que precisávamos intervir
diferenciadamente neste turno para facilitar o acesso à
ajuda. Criamos para isto uma estória em quadrinhos
que foi colocada em um cartaz bem visível aos alunos
deste turno. Essa estória retratava a situação de um
aluno que queria ir ao Plantão Psicológico mas se
intimidava pois os colegas caçoavam quando
expressava esta vontade. Ele conversa então com um
outro colega que havia ido mas que se recusa a explicar
o que havia acontecido lá, dizendo que No plantão falar 
63
Plantão Psicológico: novos horizontes

é bão , com uma expressão muito satisfeita, indicando


que este deveria descobrir por si mesmo. O aluno
decide então ir ao Plantão Psicológico. Com este cartaz
estávamos espelhando a situação dos alunos para eles
mesmos. Era já uma escuta.
Uma outra intervenção desse gênero foi a de
uma estagiária, que envolveu um grupinho de alunos,
convidando-os para a ajudarem a confeccionar um
cartaz onde foi escrito Plantão Psicológico para ser
colocado na porta de nossa sala. Buscava com isso
aproximar mais os alunos do nosso espaço de
atendimento, desmistificando também o psicólogo
como distante e como coisa para doido.
 A resposta a estas intervenções foi imediata. No
dia seguinte à fixação da estória em quadrinhos num
corredor da escola, um grupo de alunos apareceu para
conversar. Os atendimentos começaram então a
acontecer também no turno da tarde, no qual foram
atendidos 46 alunos, ou seja, 37,1% do total de alunos
atendidos na escola. O número de atendimentos neste
turno foi de 14, que corresponde a 10,4% dos
atendimentos realizados na escola. A diferença entre o
número de atendimentos e o de alunos atendidos é
grande pois houveram vários atendimentos em grupo
neste turno. Esta preferência dos alunos pelos grupos,
e o fato dos atendimentos terem acontecido geralmente
no horário do recreio ou quando algum professor não
comparecia para dar aula, pode ser entendida: se é o
grupo que comparece, diminui o controle individual
que as características de contexto descritas mais acima
exerciam sobre os alunos.
Os turnos da manhã e da noite tinham um
número bem próximo de alunos matriculados, sendo
423 no da manhã e 486 no da noite. Nestes dois turnos
os alunos procuravam o Plantão Psicológico em
qualquer horário, ou seja, no recreio ou durante as aulas,
quando queriam ser atendidos. No turno da manhã,
64
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

foram atendidos 31 alunos (7,3% do total de alunos


atendidos na escola), em 36 atendimentos (26,9% do
total de atendimentos realizados na escola). Houveram
atendimentos em grupo, embora não tantos quanto no
turno da tarde. O turno da noite se diferencia neste
aspecto pois quase não houveram atendimentos em
grupo. Neste turno ocorreram a maior parte dos
atendimentos realizados na escola (62,7% do total),
sendo atendidos 47 alunos (37,9% do total). Quanto à
porcentagem de pessoas atendidas em cada turno em
relação ao total de alunos naquele mesmo turno, os
turnos da manhã e da tarde se assemelham, com
respectivamente 7,3% e 9,7% de seus alunos atendidos.
 Já o turno da tarde se destaca pois teve 36,5% dos
seus alunos atendidos, geralmente em grupos, como já
foi dito.
 Após passarmos pela experiência de um
primeiro semestre atendendo em Plantão Psicológico,
surgiu a necessidade de organizar essa experiência,
buscando entender com clareza as necessidades
daqueles sujeitos que nos procuravam. Essa
organização nos daria, através de uma leitura mais
sistematizada das demandas dos alunos, um maior
conhecimento sobre os sujeitos que atendíamos e,
conseqüentemente, uma ajuda para o entendimento da
dinâmica da instituição escolar e até para nossas
intervenções ali. Além disso, seria importante para o
retorno que daríamos à escola sobre nosso trabalho e,
de forma mais geral, sobre as questões mais discutidas
pelos alunos. Esse retorno, por sua vez, poderia levar
a escola a rever sua visão e sua posição frente aos alunos.
Deste modo, passamos um semestre atendendo
em Plantão Psicológico, ouvindo cada pessoa enquanto
pessoas únicas, com demandas próprias, que iam, à
medida em que eram escutadas e se escutavam, fazendo
seu movimento em direção à mudança (cf. Mahfoud,
1989). Mas a singularidade do movimento de cada
65
Plantão Psicológico: novos horizontes

um não ocultava que muitos alunos ali atendidos vinham


falar de coisas que às vezes eram comuns a outros. E
foi em busca do que fosse comum que fizemos uma
categorização das demandas que os alunos da escola
traziam, a partir dos relatórios dos atendimentos que
eram escritos pelos plantonistas.
É importante frisar que as categorias de
demandas não foram criadas antes de examinarmos
atentamente os relatórios, para que tentássemos
encaixar nelas os problemas já-categorizados dos
alunos, pois se fizéssemos assim, correríamos o risco
certeiro de distorcer a experiência do aluno
enquadrando-o em pré-suposições nossas. Ao
contrário, optando por uma metodologia
fenomenológica, deixamos que as categorias
emergissem, fossem des-cobertas, após discussões
concentradas sobre os diversos casos.
 Assim, discutimos qual o tema central de cada
atendimento, qual a principal demanda que ali se
sobressaía como uma questão importante para o aluno,
na perspectiva dele. Não tentamos ver o que estava
por trás do que ele dizia e nem nos guiar em direção
daquilo que mais se chocava aos nossos olhos  mais
que aos deles  como a violência, que por vezes
permeava suas realidades.
 Algumas vezes, a questão principal de um sujeito
só aparecia ao final de um atendimento, após serem
discutidos outros assuntos ou mesmo problemas. Mas
o momento em que o tema central aparecia era aquele
em que a demanda tornava-se nítida, através de indícios 
como uma maior emoção, atenção, entusiasmo,
constrangimento, brilhos no olhar ou até a revelação
da própria pessoa dizendo que aquela era sua demanda
principal, era o principal motivo pelo qual estava ali.
 As diversas questões principais descobertas
eram comparadas entre si a fim de se descobrir
semelhanças entre elas. Questões que envolviam um
66 
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

mesmo tipo de dificuldade, incômodo ou mesmo busca


foram, então, agrupadas sob uma mesma expressão que
as abarcasse todas.
Desta forma, elaboramos 15 categorias, além de
uma chamada demanda indeterminada. Quando uma
pessoa vinha ao Plantão Psicológico e durante o
atendimento várias questões apareciam como igualmente
importantes para ela, o atendimento era considerado
demanda indeterminada. Também dentro desta
categoria foram incluídos os casos em que não foi
identificada nenhuma demanda claramente ou aqueles
em grupo em que cada pessoa trazia uma diferente
questão, aparecendo então uma multiplicidade de
demandas principais na mesma sessão. Essa
impossibilidade de se identificar a demanda se deveu
em alguns casos a relatórios mais interpretativos do que
descritivos que, dando mais ênfase na visão do plantonista
do que na fala do aluno atendido, nos impossibilitou de
identificar sua demanda principal. Perceber essa falha
nos relatórios foi uma indicação valiosa para futuros
relatos de atendimentos e até para atendimentos em si,
nos quais se corre o risco de abandonar a atenção
centrada na pessoa que busca o Plantão Psicológico para
 voltá-la para elocubrações que a ultrapassam.
 A escola tinha expectativas quanto às questões
que mais seriam abordadas pelos seus alunos.
Esperavam, por exemplo, que os alunos falassem de
gravidez na adolescência, de seus professores e
diretoras e ainda de abuso de álcool. Nós mesmos
esperávamos que o tema violência aparecesse
enquanto uma categoria isolada, já que essa questão
foi muito abordada nos atendimentos. Notamos, no
entanto, que esses temas eram na maior parte das vezes,
apenas subjacentes àquilo que mais os incomodava.
Como se fosse um cenário às particulares histórias dos
 vários sujeitos que procuravam atendimento ou mesmo
mais uma contingência difícil de suas vidas.
67
Plantão Psicológico: novos horizontes

Foi muito importante entender que, muitas


 vezes, o que era atordoante para os plantonistas  como
a violência sexual, familiar e de rua  e que talvez por
isso esperávamos que fosse o mais importante e
atordoante também para a pessoa que nos procurava,
às vezes, podia não se apresentar assim. Desse modo,
percebemos que, atendendo pessoas que vivem uma
realidade diferente da nossa e categorizando esses
atendimentos segundo suas demandas, devíamos
cuidar para que nossa atenção centrada na pessoa e
em sua perspectiva não fosse abandonada em função
de nossos próprios valores.
Entre as categorias de cujo aparecimento havia
alguma expectativa de nossa parte, apenas a demanda
dificuldade com drogas(4) foi realmente
categorizada. No entanto, surgiu apenas um caso em
que essa demanda, enquanto principal, foi apresentada.
De um modo geral, em nossa categorização, a
questão da violência apareceu associada a outras,
incluídas na categoria insatisfação com as atribuições
e contingências (11). As pessoas cujos atendimentos
foram aí categorizados queixavam-se de insatisfação
com as condições externas a elas, o que as
incomodavam, mas que independiam de suas ações. O
que se poderia fazer, então, era quase que suportar tal
realidade e se colocar em relação a ela de maneira
diferente. Um exemplo de um caso incluído nesta
categoria seria aquele em que o aluno queixa-se de sua
mãe que é alcoólatra, de seu pai violento e foi
atribuído a ele, cuidar dos irmãos mais novos. Tudo
isso, são contingências de sua vida que o incomodam
com as quais tem que lidar e que lhe foram impostas
por outros, no caso, o pai e a mãe.
Na categoria preocupação com conseqüências
de ações ou decisões passadas (14), foram agrupados
os casos em que havia uma ansiedade acerca de
decisões ou atos já realizados, como o da aluna com
68
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

medo de estar grávida ou do rapaz preocupado com as


implicações de ter montado um trailler e como conciliaria
isto com seus estudos. Uma outra categoria, dificuldade
em fazer escolhas(6), foi criada para aqueles casos
em que uma pessoa tinha diante de si opções entre as
quais deveria escolher uma, a qual poderia mudar o
rumo de sua vida. Incluímos, nessa categoria, as
demandas de orientação profissional e também
demandas relacionadas a outras decisões a serem
tomadas na vida pessoal.
Os casos em que sujeitos tinham que aprender
a lidar com alguma perda que haviam sofrido
configuraram a categoria elaboração de perdas(7)
que incluiu perdas por morte ou por separação, como
término de relacionamento amoroso.
 Já a categoria arrependimento e culpa (1)
abarcou os casos em que as repercussões de atos e
decisões já efetuados levavam a estes sofrimentos
especificados. Havia um questionamento relacionado
à adequação de tais ações e decisões já tomadas,
fazendo com que sentimentos de culpa ligados a
 valores pessoais e sociais emergissem. Um exemplo
dessa categoria seria o da aluna que se sentia
arrenpendida e culpada por ter feito um aborto. Esta
categoria se diferencia da categoria preocupação com
as conseqüências de ações passadas pelo fato de que
nesta, havia uma ansiedade (uma pré-ocupação) em
torno das ações já realizadas, como que um medo de
sofrer pelas conseqüências, e na categoria
arrependimento e culpa, a conseqüência de um ato
já está causando sofrimento.
 As demandas ligadas à categoria sexualidade
eram, em sua maioria, associadas a uma necessidade
de discussão, por parte de alunas, a respeito de
 virgindade, valores da sociedade sobre a sexualidade,
a posição e idéias de cada aluna frente ao assunto.
 Todos os atendimentos dessa categoria foram feitos
69
Plantão Psicológico: novos horizontes

em grupo e no turno da tarde, no qual, talvez pela


idade dos alunos (eram mais novos que os dos outros
turnos), tais assuntos despertassem maior interesse.
Uma outra categoria: dificuldades com a
escola(5) englobou os assuntos relacionados à vida
escolar dos alunos, desde dificuldades com um
determinado professor até problemas de atenção, notas
e aprendizagem.
Na categoria busca de reconhecimento,
agrupamos os casos em que os alunos nos procuravam
para nos contar como estavam lidando bem com os
desafios que lhes eram colocados pela vida. Eles já
haviam tomado uma decisão, gostavam da própria
maneira de ser e precisavam apenas de alguém que, de
certa forma, poderia os deixar mais seguros sobre o
que estavam fazendo ou sobre seu próprio jeito de ser.
 Ao nosso ver, o aparecimento da demanda
busca de reconhecimento em nossa categorização é
um sinal do diferencial que uma proposta como o
Plantão Psicológico em Escola representa, em relação
a outras propostas de atendimentos psicológicos em
instituições de ensino. Isso porque, ao situar o psicólogo
em um espaço também para o que é saudável, para o
se cuidar e não apenas para o se tratar, o Plantão
Psicológico abre um caminho para o sujeito que está
bem se expressar de maneira total, obtendo uma escuta
aberta ao seu modo de viver sua própria vida.
Uma outra categoria  incômodo com a maneira
de ser e de reagir às situações(10)  abarcou justamente
os casos opostos à última categoria explicada. As
pessoas que entraram nessa categoria queixavam-se de
não estarem felizes com algo no seu jeito de ser, como
nervosismo, timidez, solidão, ou com a forma como
sempre reagiam a situações específicas. Um exemplo
deste caso, seria o da mulher que sempre chorava
quando o marido se atrasava. Ela não gostava desta
sua própria reação ao marido, já que não a ajudava em
70
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

nada. Este tipo de sofrimento, um sofrimento que só


dependia do próprio sujeito para que pudesse ser
alterado, foi o que mais demandou atendimentos
(totalizaram 24 sessões) e sobre o qual mais pessoas se
queixaram (14 pessoas com essa demanda). Através da
relação entre o número de pessoas nessa categoria e o
número de sessões, podemos ver que, para este tipo
de demanda é necessário, na maior parte das vezes,
que uma mesma pessoa seja atendida mais de uma vez.
Por causa das características desta demanda,
cujos atendimentos visam uma mudança estrutural na
maneira de ser de uma pessoa, e do tempo maior
necessário para que isso aconteça, começamos a pensar
na possibilidade de encaminhar os sujeitos com essa
demanda para uma psicoterapia, o que fizemos em
alguns casos. Isso não quer dizer que o espaço do
Plantão Psicológico não seja suficiente para que uma
mudança estrutural aconteça, pois vimos que ela
ocorreu em alguns atendimentos. Porém, é uma
proposta de atendimento por Aconselhamento
Psicológico, especialmente adequado a mobilizar
mudanças situacionais, ligadas a questões que os
sujeitos trazem em um determinado momento, causadas
por algo que os aflige ou acontece agora. Essas
questões situacionais se adaptam muito bem ao espaço
dinâmico do Plantão Psicológico. As mudanças
estruturais podem ser trabalhadas mais calmamente
através da psicoterapia com atendimentos mais
regulares, mais garantidos (porque haverá menos
chance de outra pessoa estar com o psicólogo no
momento da procura) e dentro de um processo que
pode ser mais longo e contínuo (bem maior que o
período letivo ao qual o Plantão Psicológico na escola
está atrelado). O encaminhamento de pessoas com
essas demandas para uma psicoterapia ainda possibilita
que mais pessoas com as outras demandas sejam
atendidas no Plantão Psicológico.
71
Plantão Psicológico: novos horizontes

Quatro categorias de demandas dizem respeito


a relacionamentos:
 A primeira delas  desconfiança nos
relacionamentos(3)  relacionada a relacionamentos
em geral: amorosos, de amizade, familiares etc.
Compreende os casos em que o aluno tem uma pessoa
de quem gosta e por quem se empenha, essa pessoa
parece também agir dessa forma, mas o aluno desconfia
da legitimidade dos sentimentos dos outro para com
ele. Essa desconfiança vem muitas vezes acompanhada
de insegurança.
 Já a categoria insatisfação nos relacionamentos
com a família(12) envolve as dificuldades que o aluno
pode ter com qualquer membro de sua família, exceto o
cônjuge, que podem se modificar dependendo de como
se coloca frente a elas. Isso é, basicamente, o que difere
essa categoria da insatisfação com atribuições e
contingências, na qual as dificuldades existem
independentemente do aluno, como algo realmente
externo a ele. Um exemplo para essa categoria 12, seria o
do filho que não consegue conversar e ser mais próximo
do pai, embora este se mostre bastante disponível.
 As outras categorias que envolvem
relacionamentos  falta de correspondência nos rela-
cionamentos amorosos(8) e falta de reciprocidade nos
relacionamentos já estabelecidos(9)  têm uma diferença
básica que é justamente o já-estabelecimento ou não do
relacionamento amoroso. A primeira categoria citada é
aquela na qual os relacionamentos ainda não estão
estabelecidos e uma frase que a explicaria seria: eu
gosto de alguém que não gosta de mim. Já no segundo
caso, já há um compromisso firmado, de namoro,
casamento, noivado etc, pressupondo-se que duas
pessoas pelo menos se gostam. No entanto, ocorre que
o empenho das duas neste relacionamento não é
recíproco. Um se empenha mais que o outro e essa
falta do outro é que traz o sofrimento. É interessante
72
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

colocar aqui que todas as pessoas aí categorizadas foram


mulheres que se queixam dos relacionamentos com os
companheiros.
Por fim, resta falar da categoria obter opinião
profissional(13) que abarca os casos em que a pessoa
procura o Plantão Psicológico realmente para obter
opinião profissional sobre assuntos diversos, como
educação de filhos, escolha de nomes para eles,
psicopatologias de membros da família etc. O assunto
de tais atendimentos não vai se tornando mais pessoal
ou profundo, embora os atendimentos possam durar
mais de 40 minutos. Nestes atendimentos, às vezes,
temos a impressão, que estas pessoas têm uma outra
questão ou incômodo embutidos no que expressam.
 A sessão poderia ter um desenvolvimento baseado
nisso, porém, em todos aqueles casos isso não
aconteceu, talvez porque a demanda principal dos
sujeitos fosse realmente obter informação.
Era claro que as pessoas que nos procuravam
com esta demanda queriam de nós uma resposta às
suas indagações. Nesses momentos, nos firmávamos
em nossa posição de escuta aberta, empática e centrada
na pessoa, mas sem nos esquecer de que seria ela
própria quem deveria encontrar seus próprios recursos
para lidar com suas dúvidas e angústias. Tentávamos
sempre remetê-las a si mesmas, aos seus sentimentos
em relação ao seu dilema e à sua capacidade de
resolvê-lo, o que às vezes era bem difícil de se fazer e
caíamos na tentação de dar respostas. A maior parte
das pessoas que procurou o Plantão Psicológico com
essa demanda obteve a informação que buscava.
 Algumas voltaram para outros atendimentos já com
outras demandas.

 ACEITAÇÃO DA PROPOSTA E MOBILIZAÇÕES


Partindo da consideração de que nosso trabalho
é uma proposta inovadora, ou pelo menos desconhecida,
73
Plantão Psicológico: novos horizontes

tivemos um retorno positivo; as pessoas mostraram ter


entendido a proposta e mais do que isso a aceitaram,
colocando-se à disposição para que ela funcionasse, e
apostaram nisso. Não foi necessário esperar o término
do trabalho para constatar essas evidências: a resposta à
nossa presença apareceu durante o decorrer deste.
 Algumas mudanças perceptíveis mostraram isso.
Um fato muito interessante aconteceu: a vice-
diretora nos procurou pedindo ajuda psicológica, disse
que gostaria de conversar com um dos estagiários sobre
as questões que a incomodavam naquele momento de
sua vida e que influenciavam seu trabalho na escola.
Comentou que ao ver ao alunos se mobilizando para
buscar atendimento deu-se conta de que ela também
tinha aquela necessidade mas não estava podendo
reconhecê-la até então. Diante desse pedido nos
mantivemos firmes à proposta de prestar atendimento
apenas aos alunos. Mas não deixamos de pontuar  
também consonantes à proposta  que era muito
importante que ela estivesse procurando ajuda nesse
momento que ela julgava crucial, e que a iniciativa de
se cuidar era valorizada e reconhecida por nós. A vice-
diretora pediu licença na escola e iniciou psicoterapia.
 Trata-se da mesma pessoa que tínhamos identificado
como um fator determinante quanto ao controle sobre
os alunos tão diferenciado no turno da tarde. Ao
retornar no segundo semestre estava sensivelmente
diferente, em seu modo de agir e inclusive na aparência,
estava mais cuidadosa e flexível no relacionamento
com os alunos e consigo mesma. Vimos esse fato como
resultante da nossa presença propícia à mobilização
em direção à mudança. Nossa escuta em relação à não
-procura dos alunos do turno da tarde por atendimento,
levando-nos a intervir com os cartazes, e a ter como
resposta a estes a procura pelo Serviço, é indício de
que podemos mobilizar também o grupo com uma
ação pontual e eficaz.
74
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

No final do primeiro semestre fizemos um


momento musical para anunciar o encerramento de
nosso trabalho na escola, para um período de férias.
 Alguns alunos, do turno da manhã ao nos verem
tocando e cantando, se aproximaram e pediram para
tocar e cantar ao microfone. A princípio ficamos surpre-
sos, mas acolhemos essa iniciativa e o resultado foi uma
grande integração entre nossa equipe e os alunos. Nos
turnos da tarde e noite, devido ao resultado da manhã,
resolvemos convidar os alunos para ocupar também
aquele espaço de expressão. Alguns alunos timidamente
foram se apresentando e expondo seus dotes artísticos.
 A participação dos alunos dos três turnos nos fez ficar
atentos para como o Plantão Psicológico vinha susci-
tando neles a iniciativa de se expressarem, de se
mostrarem sujeitos, além do espaço da salinha Plantão.
Foi surpreendente ver a repercussão que esse momento
teve entre os professores. Um aluno que era margina-
lizado pelos colegas e desqualificado pelos professores,
por não ter um bom desempenho escolar, e que dizia
tocar vários instrumentos musicais  o que alguns não
acreditavam  teve sua imagem mudada, a partir desse
dia, ao se aproximar de nossa equipe, no palco
improvisado, e tocar algumas músicas ao teclado. Todos
se impressionaram com seu dote artístico e o aplaudiram
e elogiaram muito. A partir de então, pelo menos os
professores, passaram a vê-lo como uma pessoa, dotada
de outras capacidades, além de ser mais um aluno dentre
os outros. Em uma reunião do corpo docente, no início
do segundo semestre, foi discutida e muito valorizada
essa forma de expressão dos alunos, o que inclusive
deu margem à iniciativa de criar um momento musical,
em periodicidade regular, em que a participação dos
alunos se tornasse efetiva, podendo vir no futuro a ser
assumida por eles próprios. Percebemos nesses profes-
sores um movimento de reconhecimento da pessoa do
aluno, com quem eles interagiam no dia-a-dia em sala
75
Plantão Psicológico: novos horizontes

de aula, e da importância de se permitir que esse aluno


se expresse enquanto tal. Essa mudança de atitude,
também dos professores, documenta o quanto a nossa
presença na escola é mobilizadora.
 Ainda no primeiro semestre, no encerramento,
resolvemos colher informações com os alunos sobre o
Plantão Psicológico. Distribuímos folhetos com a
seguinte pergunta: O que você achou do Plantão
Psicológico? Dê sua opinião mesmo que você não tenha
ido., e pedimos que eles respondessem e colocassem
em uma urna no pátio. Queríamos saber como os alunos
estavam entendendo nosso trabalho, nossa proposta e
ter uma idéia de como estávamos sendo vistos por eles.
 Após a leitura de cada resposta acabamos por criar
categorias que facilitassem o levantamento de um perfil
do que seriam o reconhecimento, a aceitação e a adesão
à proposta do Plantão Psicológico. Algumas respostas
continham o que eles reconheciam como características
do Plantão, como por exemplo disponibilidade dos
atendentes a qualquer hora que eles precisassem; a
possibilidade de expressar-se naquele espaço, falando
de si e de suas questões; a eficácia do serviço que
possibilita um resultado efetivo; o Plantão Psicológico
como transformador, proporcionando mudanças de
atitude etc. Além dessa percepção do Plantão
Psicológico, falaram do uso que fizeram dele, revelando
processos pessoais, ou seja, a tomada de consciência de
sua postura diante do problema, e reconhecendo a
repercussão do Serviço no âmbito coletivo, citando
mudanças e transformações entre grupos de colegas e
até na relação com a instituição. Até mesmo os alunos
que não foram atendidos se expressaram com uma
avaliação positiva elogiando o Plantão Psicológico.
 Alguns destes disseram pretender procurar o serviço
no segundo semestre. Dentre esses alunos apareceram
também algumas categorias que foram citadas pelos
alunos atendidos.
76 
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

De um modo geral, vários indícios nos


mostraram a efetividade dessa proposta, tanto no
decorrer do trabalho quanto no encerramento do
primeiro semestre. Pudemos perceber nas opiniões que
os alunos deixaram escritas: nos folhetos de avaliação
final; no próprio retorno que eles nos davam do
atendimento quando vinham nos contar como haviam
resolvido sua questão, ou como lidavam com ela agora;
na fala dos professores e da diretora em uma reunião
com eles no fim do primeiro semestre, em que disseram
ter notado mudanças em alguns alunos no decorrer
do tempo em que o Plantão Psicológico funcionou;
na nossa percepção subjetiva no momento do
atendimento, em que estávamos acompanhando o
movimento do aluno durante o percurso da sessão.
Nossa presença de escuta atenta nos permitiu
distinguir que há tanto pessoas que apoiam quanto
aquelas que não vão se dispor a colaborar, podendo
inclusive boicotar, prejudicando o trabalho. A experiência
nos ensinou que é fundamental identificar as pessoas
com quem podemos contar. Apostar no contato com
essas pessoas é mais favorável para manter a proposta,
bem como efetivá-la. Estar consciente que é possível
haver resistências faz parte do trabalho, estar atento
para identificá-las e atuar de modo a mostrar-lhes o
benefício dos resultados é mais eficaz do que lutar
contra elas. Por isso é necessário repropor continuamente
a proposta. Mesmo que algumas pessoas dêem indícios
de que já entenderam, outras podem continuar insistindo
numa compreensão errada da mesma, como por exemplo
alunos pedindo nossa interferência direta quanto a
problemas com professores ou direção, e professores
ou diretoria pedindo nossa ajuda para aqueles que julgam
ser alunos-problema. Ter firme uma postura que confir-
me e reafirme a proposta inicial é elemento fundamental
para mantê-la, além de intervir diretamente, quando
necessário, para explicitá-la de modo claro e eficiente.
77
Plantão Psicológico: novos horizontes

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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de Psicologia / Instituto de Psicologia da
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 pessoa . São Paulo: EPU, 1987, p.75-83. (Série
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MAHFOUD, Miguel. O Eu, o Outro e o Movimento em 
Formação.  Anais da XIX Reunião Anual da
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MAHFOUD, Miguel, ALCÂNTARA, Tânia Coelho
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78
Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza 

Matilde Agero, BRANDÃO, Juliana Mendanha,


DRUMMOND, Daniel Marinho, MAGA-
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Psicológico na escola: a psicologia em campo e as respostas 
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MAHFOUD, Miguel, ALCÂNTARA, Tânia Coelho
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Matilde Agero, BRANDÃO, Juliana Mendanha,
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Caderno de Resumos, São Paulo: Universidade
São Judas, 1997, p.68.
MAHFOUD, Miguel, BRANDÃO, Juliana Mendanha,
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Roberta Oliveira e. Plantão Psicológico na Escola: 
 facilitando o acesso a ajuda e o surgimento de demandas .
 VII Semana de Iniciação Científica  
Caderno de Resumos , Belo Horizonte: UFMG,
1998, p.371
MAHFOUD, Miguel & DRUMMOND, Daniel
Marinho. Site Plantão Psicológico: mensagens recebidas,
necessidades explicitadas. VII Semana de Iniciação
Científica  Caderno de Resumos , Belo
Horizonte: UFMG, 1998, p.371
ROGERS, Carl R. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1983.
79
Pesquisar processos para apreender experiências

Pesquisar processos para


apreender experiências: Plantão
Psicológico à prova
Miguel Mahfoud
Daniel Marinho Drummond
 Juliana Mendanha Brandão
Roberta Oliveira e Silva 

N o capítulo anterior relatamos nossa


experiência em Plantão Psicológico em uma escola
de Belo Horizonte, Minas Gerais, onde
apresentamos evidências da eficácia da proposta de
Plantão em contexto escolar e identificamos nossa
presença como mobilizadora. Buscando uma leitura
abrangente, consideramos não apenas os resultados
no âmbito individual, entre os alunos que
atendemos, como também no âmbito coletivo, ou
seja, como a instituição recebeu e respondeu à nossa
presença.
Estávamos, no entanto, interessados em
compreender melhor como ocorriam os
atendimentos, em cada sessão, com cada pessoa que
nos procurou. Queríamos entender o processo em si
de cada atendimento, apreender o movimento do que
acontecia no momento em que a pessoa estava diante
de nós (cf. Mahfoud, 1989). Buscamos identificar no
atendimento clínico, propriamente dito, quais as suas
 81
Plantão Psicológico: novos horizontes

fases, as mudanças de rumo e o movimento que a


pessoa realizava durante a sessão.
Sabíamos que nossa presença era mobilizadora no
sentido de fazer a pessoa entrar em contato consigo mesma
e pensar mais claramente acerca da questão trazida,
explorando mais amplamente seu problema e assumindo
uma posição diante dele. Segundo a Abordagem Centrada
na Pessoa o nosso papel era o de um ouvinte ativo, a
pessoa era quem conduzia o próprio processo e nós
apenas a acompanhávamos, o que não quer dizer que
seja pouco. Um olhar minucioso sobre o processo poderia
nos informar quais movimentos a pessoa fazia no decorrer
do atendimento, permitindo-nos visualizar passo a passo
o que existia nesse tipo de atendimento. Partimos, então,
para uma investigação mais detalhada do processo de
atendimento.

DESCRIÇÃO INICIAL
Como nosso material de pesquisa utilizamos
relatórios escritos pelos estagiários que haviam realizado
os atendimentos, que descreviam como tinham
transcorrido as sessões.
 À medida em que líamos os relatórios,
buscávamos identificar fases que emergiam destes,
correspondentes ao movimento do cliente em relação
à sua demanda. Se por exemplo, o aluno contasse
porque estava procurando nossa ajuda e em seguida
começasse a falar sobre formas como já tinha agido
frente à sua questão, identificaríamos duas fases. Os
relatórios que não nos permitiam ter uma visão do
processo do atendimento, desta movimentação do
aluno, foram excluídos da análise, para que tivéssemos
um maior rigor na pesquisa.
Ficamos então com 56 relatórios de sessões,
que descreviam 37 casos de alunos atendidos. Destes
37 casos, 27 consistiram de uma única sessão e 10 de
mais de uma (entre 2 e 6 sessões).
 82
Pesquisar processos para apreender experiências

DE DESCRIÇÃO DE CASOS A APREENSÃO DE FASES


DO PROCESSO
Inicialmente, as fases que íamos identificando,
eram descritas como no exemplo seguinte:
1. lança dúvida: deixar ou não a escola devido às
dificuldades com matemática.
2. diz que já havia conversado com a professora
sobre a dificuldade e esta deu sugestões que ele
não seguiu.
3. diz que trabalha e da dificuldade de organizar
seu tempo (não estuda em casa).
4. ...etc
Este tipo de descrição parecia-nos um resumo
do atendimento, apresentando demasiadamente o
conteúdo específico da questão trazida por aquele aluno
em particular. Para atingirmos nosso objetivo, era-nos
interessante encontrar uma mesma expressão que fosse
capaz de descrever fases similares em atendimentos
diferentes, mesmo que o conteúdo específico fosse
outro. O aluno podia ter procurado o Plantão
Psicológico por estar triste com a morte de alguém
ou porque não sabia se deveria sair da casa dos pais
ou não; em qualquer destes casos ele estava falando
do motivo que o havia levado a buscar ajuda. Para
este momento buscamos encontrar uma expressão.
 Assim colocamos lado a lado as fases que havíamos
encontrado em cada relatório, buscando expressões
que fossem capazes de abarcar momentos similares
com conteúdos diversos. Assim, a expressão 1 do
exemplo acima foi classificada como AQ  Apresenta 
a Questão . As expressões 2 e 3 foram classificadas em
conjunto como EQ  Explora a Questão .
Reunimos um conjunto destas expressões, que
à medida em que eram criadas substituíam as frases
que havíamos separado em cada relatório.
 83
Plantão Psicológico: novos horizontes

 A primeira fase, na maioria dos atendimentos


atendimentos,,
foi a que chamamos AQ AQ  apresenta a questão na qual o
aluno diz porque veio, qual é o seu problema ou
dificuldade e às vezes diz o que espera dos plantonistas.
plantonistas.
Um exemplo: Raquel chegou dizendo que queria
mostrar algumas coisas aos plantonistas. Queria saber
se podiam dar uma opinião. Tirou vários documentos
da bolsa, enquanto explicava o caso de seu irmão que
havia desaparecido.
 Após apresentar
apresentar a questão,
questão, o sujeito geralmente
apresenta a história (da questão)  AH ou explora a questão
  ExQ . Na apresentação da história, o sujeito conta os
precedentes de sua questão até o momento atual,
temporalmente e, na exploração, ele mostra vários
âmbitos atuais da questão,
qu estão, explorando-os, explicando-
os. No exemplo de Raquel, esta, após o AQ, passou a
explorar o assunto do desaparecimento do irmão,
dizendo que apesar de provas policiais de que ele estaria
esta ria
morto e da família acreditar nisto, ela não acreditava e
tentava provar para a polícia que ele estava vivo.vivo. Se ao
invés de explorar a questão, apresentasse a história da
questão,
questão, ela poderia contar vários acontecimento
acontecimento desde
o desaparecimento até o momento presente.
 Alguns clientes não apresentaram uma única
questão. Quando o aluno apresentou mais de uma,
quase que simultaneamente, utilizamos a expressão AV 
  apresenta várias questões . Se este então passou a se
debruçar mais sobre uma questão específica dentre as
que havia trazido, categorizamos como ElQ  elege 
questão . Em outros casos, alunos que já haviam
apresentado uma questão (AQ) apresentavam uma
nova, seja após explorar a questão inicial (ExQ) ou
mudar de perspectiva (MP  ver abaixo) em relação a
esta. Para estes casos a expressão OQ  outra questão 
foi atribuída. Uma outra possibilidade encontrada
refere-se aos casos em que após apresentar uma
questão (AQ) o aluno a ampliou, ou seja, manteve a
 84
 8 4
Pesquisar processos para apreender experiências

mesma questão mas englobava novos aspectos de sua


realidade nesta: chamamos de AmQ AmQ  amplia questão .
amplia a questão 
Outras expressões que utilizamos, para nomear
fases foram:
  a questão do aluno era um pedido
PI  pede informação   
de informação do tipo Se eu der para o meu filho
o nome do meu marido faz mal?. Estes pedidos
de informação terminaram sempre com a obtenção
da informação  OI .
  quando o aluno reafirma a atitude
RA  reafirma atitude   
que tinha frente ao problema, ou à nova atitude que
havia assumido em uma sessão anterior.
NC  não comparece     o aluno marca uma sessão, falta
e retorna para uma nova sessão. É diferente do caso
em que o aluno marca, falta e não retorna mais, o
que encerraria o processo, pois nos casos aqui
incluídos entendemos o não-comparecimento
como parte do processo.
resolveu    se aplica aos
RQR  relata como a questão se resolveu   
casos em que entre uma sessão e outra ocorre uma
mudança na situação do aluno, mudança esta que
resolve para este a questão que ele tinha. Um
exemplo é o caso do aluno que namorava uma
garota mas estava ficando com outra e se
preocupava pois havia uma possibilidade da
namorada oficial estar grávida. Ele retorna ao
Plantão Psicológico para uma nova sessão dizendo
que a namorada não estava grávida, ou seja, esta
questão estava resolvida e não havia por que se
preocupar. Mas este fato não eliminou sua questão
em relação a estar com as duas pessoas, o que o faz
retomar esta questão, já discutida em um
atendimento anterior. Este tipo de retomada foi
chamado  RQ - retoma questão.
RQ  retoma questão (explicação dada no exemplo acima).
  após o aluno ter comparecido
RCA  relata como agiu   
a uma sessão ele retorna para contar como agiu
 85
Plantão Psicológico: novos horizontes

frente à questão colocada. Estes casos aconteceram


após um DA  decide agir, uma MP  mudança de
perspectiva ou após um PR  propõe-se a refletir.
PR  propõe-se a refletir   esta categoria foi usada na
situação que ocorre ao término de uma sessão
quando o aluno disse que ia pensar sobre o que
havia conversado com o plantonista. Em todos estes
casos os alunos retornaram para uma nova sessão.
AP
AP  apresenta possibilidades  quando os alunos apresen-
apresenta possibilidades 
tavam uma ou várias maneiras possíveis para lidar
com sua situação ou resolver seu problema, utiliza-
mos esta expressão.

FA SES
SES DE ENCERRAMENTO DO PROCESSO
Quanto aos encerramentos de atendimentos,
identificamos uma tríade de fases bastante indicativa
do desfecho do movimento percorrido pelo sujeito
ao longo do processo. São elas: MP  mudança de 
 perspectiva , ANA
 perspectiva  ANA - assume nova atitu de e D
n ova atitude  DA decide agir .
A - decide
a) MP - mudança de perspectiva : A primeira diz respeito a
uma mudança na forma de enxergar a questão
apresentada que passa a ser vista sob outro prisma,
outra perspectiva; muda a idéia que o sujeito tem
sobre sua questão. Nesta fase, a ênfase está na
questão, que passa a ser vista de outra forma. No
exemplo de Raquel apresentado anteriormente,
ocorreu a MP após uma I - intervenção  decisiva do
plantonista (note-se
(note-se que isto não é uma regra, embora
aconteça em alguns casos). A aluna discutia se o
irmão estava vivo ou morto mas também falava de
como ele era importante na vida dela. O plantonista
pla ntonista
interviu dizendo que independente do fato do irmão
estar vivo ou morto, pelo que falava ele fazia uma
falta muito grande na vida dela, já que não estava
mais com ela. Neste momento a conversa mudou
de rumo e a questão não era mais se ele estava vivo
ou não. Como todo o processo de atendimento
atendi mento pode
 86 
 8 6 
Pesquisar processos para apreender experiências

ser considerado uma intervenção, apenas


denominamos com a letra I aquelas intervenções
que haviam sido bem marcantes, já que após estas a
sessão mudou de rumo. As outras intervenções que
não tinham esta característica específica também
podem ter feito parte do processo e ajudado.
b) ANA - assume nova atitude : Assumir nova atitude já
acarreta lidar com a questão de forma diferente,
assumir uma atitude diferente diante do problema. A
ênfase está no sujeito diante de sua questão. A aluna
Raquel, nessa fase, logo após a MP, disse que se o
irmão estivesse vivo, um dia iria aparecer pois quem
tá vivo sempre aparece o que nos leva a pensar que
ela está considerando que, no momento, ela deveria
aceitar sua ausência e que ela poderia chegar a saber
se ele estava vivo se ele voltasse algum dia.
c) A fase de decide agir  é observada quando o sujeito
expressa sua intenção de agir em relação àquela
questão de modo a tentar resolvê-la. A ênfase está
na ação que o sujeito expressa. DA é comum em
demandas que exijam ação para serem resolvidas
como dificuldades em fazer escolhas/decisão ou 1
dificuldade nos relacionamentos e mais raras em É importante assi-
nalar que só porque
demandas de elaboração de perdas nas quais, às este caso estava
 vezes, assumir nova atitude já é suficiente para a suficientemente
elaboração de uma questão. Nosso exemplo, apesar detalhado e bem
de ser da demanda elaboração de perdas, mostra descrito em um
essa fase quando a cliente disse que não iria mais relatório de aten-
dimentos, de acordo
ficar procurando a polícia e questionando-a sobre com a ordem crono-
o desaparecimento do irmão, como fazia antes. lógica em que os
fatos foram sendo
UM PROCESSO: UMA SEQÜÊNCIA DE FASES relatados, é que
essa análise por
 A seguir apresentamos um caso ilustrativo1 da fases pôde ser feita.
seqüência de fases AH-AQ-ExQ-MP-ANA-DA. :
Uma aluna chega apresentando a história de sua
questão (AH). Conta que namorava um primo quando
morava em São Paulo e que a mãe não gostava dele.
 87
Plantão Psicológico: novos horizontes

 Veio para Belo Horizonte pensando que iria ficar


mais fácil o namoro à distância. Namoraram durante
três anos dessa forma e diz não saber como conseguiu.
Logo conclui que foi porque eles terminaram muitas
 vezes neste período. Sofreu muito por sua causa (ele
pisou muito). Um vez ele esteve em sua cidade num
final de semana e só ligou para falar que estava ali: não
quis se encontrar com ela, não ligou novamente e foi
embora.
 Após todo esse relato a aluna apresenta sua
questão (AQ): no início da semana (em que foi feito o
atendimento) ele havia ligado dizendo que estava
precisando da ajuda dela e que queria vir à Belo
Horizonte para falar-lhe. Pediu que ela pensasse e
telefonasse para dar a resposta. Não sabia o que fazer.
Essa é uma demanda classificada
2
como dificuldade
em fazer escolhas/decisão .
2
Confira classifi-  A seguir, a aluna passa a explorar a questão
cação de demandas (ExQ): Fala que contou o caso para muitas pessoas e
no capítulo Plantão só uma sugeriu que ela o deixasse vir. A princípio, ela
Psicológico na es- diz que não sabe se quer que ele venha; está há um mês
cola: presença que
mobiliza, dos mes- namorando um outro rapaz que estuda em sua escola
mos autores do e está percebendo o quanto é bom ter um namorado
presente capítulo, por perto. Antes não ia a festas, pois todos iam
neste livro. acompanhados e ela ficaria sozinha. Quando
perguntavam se ela tinha namorado, dizia que sim e
que ele morava em São Paulo. Durante o atendimento,
ela passou a dizer que quer dar um tempo naquele
relacionamento e que em São Paulo, existe muita gente
a quem ele pode pedir ajuda, e que se ele estiver com
um problema pessoal ela não quer saber. Além disso,
disse temer que a vinda dele atrapalhasse o namoro
com o atual namorado.
 A partir dessa exploração da questão, a aluna
consegue mudar a perspectiva (MP): diz que não sabe
o que fazer, mas sabe que não quer encontrar o ex-
namorado agora. Acha que o que ele está querendo é
 88
Pesquisar processos para apreender experiências

 voltar pra ela, o que ela não deseja porque não tem
nada para dar certo e porque ela está com outro
namorado.
Com essa nova perspectiva, a aluna consegue
assumir nova atitude diante da questão (ANA), a
atitude de quem não quer encontrar o ex-namorado
por três motivos que ela consegue explicitar: a
possibilidade de atrapalhar o novo namoro, no qual
ela quer investir; se o ploblema do ex-namorado for
pessoal e não tiver relação com ela, que ele procure
outra pessoa para ajudá-lo; ela quer interromper o
relacionamento deles. Neste exemplo, as fases MP e
 ANA são muito ligadas e, na verdade, elas quase
coincidem já que, a atitude da aluna foi imediatamente
transformada quando ela mudou a perspectiva de sua
questão. Lembramos que a maneira de se distinguir as
duas fases está no foco central do movimento do
sujeito: na fase MP, o foco é a questão, vista sob outra
perspectiva, e em ANA, o foco é o sujeito com uma
nova atitude frente à questão.
 A última fase desse atendimento é a do decide
agir na qual a aluna expressa que iria ligar para o ex-
namorado dizendo que iria viajar no final de semana
(como sua madrinha havia sugerido) e que, na segunda-
feira, ligaria novamente dizendo que não queria que
ele viesse procurá-la e diria os três motivos.

BUSCANDO UM PADRÃO
 Após categorizarmos todas as fases dos
processos passamos a buscar algum padrão na
seqüência em que essas fases apareciam. Ao se examinar
o conjunto dos casos que tínhamos com as fases
categorizadas, vimos que existem algumas que
aparecem com a primeira dos atendimentos que se
repetem para a grande parte de casos, como as fases
 AQ, AH ou AV. Vimos também que, ao final dos
atendimentos cujas questões estavam sendo mais bem
 89
Plantão Psicológico: novos horizontes

TABELA I

Sessões
Pessoas
Demanda Anali sa- Processo de Cada Pessoa
Atendi das
das

1. Arrependimen- 1. AQ - ExQ
2 2
to e culpa 2. AH - AQ - ExQ - DA

2. Busca de 1. RA
2 3
reconhecimento 2. àRCA - ExQ - RQ àRQ - ExQ

3. Desconfiança
nos relaciona- 0 0 -
m entos

4. Dificuldade 1. AQ - AH - ExQ à RCA - ExQ à RA


1 4
com drogas - ExQ à MP à RCA

5. Dificuldade
0 0 -
com escola

1. AH - AQ - I - AmQ - ExQ - PR à
RCA - MP - OQ à RQR - RQ - AP à
RCA - ExQ à OQ - ExQ à RQ - I -
6. Dificuldade em MP - DA
4 11
escol has  / decisão 2. AQ - AH - ExQ
3. AQ - AH - ExQ - MP - ANA - DA
4. AQ - AH - ExQ - MP - PR àAP -
MP - DA

1. AQ - I - AP - OQ - I - AP - OQ - AP
7. Elaboração de 2. AQ - ExQ - I - RQ - MP - IQ - ANA
4 4
perdas 3. AQ - ExQ - I - MP - ANA - DA
4. AQ - AH - I - MP - ANA

8. F alta de
correspondência
1 1 1. AQ - AH - OQ - RQ - MP - I
nos rel aciona-
mentos am orosos

1. AH - AP - RQ - ExQ - MP à RA
2. AQ - AH - ExQ - ANA
9. F alta de
3. AQ
reciprocidade nos
4. AQ - AH - ExQ - AP - I - DA à
rel acionamentos 6 9
RCA - MP - ExQ - ANA - DA à RA
am orosos j á
5. AV - ElQ - I - MP - DA à continua
estabelecidos
na demanda 12, caso 3
6. AV - I - ElQ - ExQ - MP

 90
Pesquisar processos para apreender experiências

TABELA I - Continuação

Sessões
Pessoas
Demanda Anali sa- Processo de Cada Pessoa
Atendidas
das

1. AQ - I - AP
2. AQ - AH - AP
3. AQ - ExQ - OQ
10. Incômodo 4. AQ - OQ - RQ - ExQ - MP - DA
com a maneira de 5. AQ - AH - AP - PR à RCA - MP -
9 11
ser e reagir às OQ - ExQ à AP
situações 6. AQ - ExQ - MP - DA
7. AV
8. AQ - OQ - ExQ - AmQ - I - MP - ElQ - I
9. AV - I - AP - AH - AQ - ExQ - MP

11. Insatisfação
com as 1. AVQ - AP
2 2
atribuições e 2. AH - AQ - AP - OQ - I
contingências

1. AQ - I - AP - ANA
12. Insatisfação
2. AQ - AH - ExQ - AP - DA àNC
no relaciona-
4 6 RCA à continua na demanda 2, caso 2
mento com a
3. à RCA - OQ - AP - DA
fam ília
4. AQ - AH à RCA - MP

13. Obter opinião 1. AQ - I - ExQ - I


2 2
profissional 2. PI - OI

14. Preocupação
com conseqüên-
0 0 -
cias de ações ou
decisões passadas

15. Sexualidade 0 0 -

16. Dem anda


1 1 1. AQ - Am Q - I - AP
indeterm inada

 91
Plantão Psicológico: novos horizontes

r esolvidas, apareciam as fases MP, ANA e DA nessa


ordem, mesmo se alguma delas não estivesse presente.
Fora estas fases comuns nos inícios e nos finais de
atendimento, cada um parecia ter uma história própria,
um percurso particular que não se assemelhava a um
número significativo de outros casos.

Fizemos então uma organização dos casos


segundo as categorias de demandas. Vimos com isso
que, dentro de cada categoria, os processos dos casos
que estão ali são mais semelhantes, percebendo-se
neles um padrão de forma mais clara do que ao
olharmos todo o conjunto de casos independentemente
das demandas. Em algumas categorias não pudemos
descrever nenhum padrão particular em virtude do
pequeno número de casos.
 Algumas categorias são bem ilustrativas desses
padrões (ver tabela I na página anterior)

Nota-se ali como é comum que os sujeitos


iniciem seus atendimentos no que chamamos de
apresenta a questão(AQ) e passem logo ao apresenta a 
história(AH) e/ou explora a questão(ExQ). Pode-se
perceber também que à medida em que o sujeito vai
resolvendo sua questão, ocorre a mudança de perspectiva 
(MP), ele assume nova atitude(ANA) e, quando é
possível uma ação, ele decide agir(DA). Essa tríade
final - MP-ANA-DA - é bastante indicativa de que o
processo pelo qual o sujeito passou, através do
atendimento no Plantão Psicológico, foi transformador
e bem sucedido. Indica que o sujeito saiu do
atendimento tendo mudado sua visão em relação ao
que trazia, sua posição para lidar com a questão e ainda
a decisão de agir de uma nova maneira.
É interessante notar que, nos casos da demanda
elaboração de perdas, é comum que não haja a fase
decide agir no desfecho dos atendimentos.
 92
Pesquisar processos para apreender experiências

Provavelmente isso se deve ao fato de que após uma


perda de alguém, principalmente se a causa for a morte,
o que se pode fazer é aprender a lidar com essa nova
questão, assumindo uma nova atitude diante dela que
cause menos sofrimento. Assim, para essa demanda
pode-se considerar um bom desfecho.
 Já a demanda incômodo com a maneira de ser
e de reagir às situações mostrou-se diferente em
relação às outras justamente pela falta de semelhança
entre seus casos, estes em um número suficiente para
que pudesse configurar um padrão. No entanto,
pensamos que, por ser esta uma demanda que pede
uma mudança mais estrutural na vida da pessoa e não
apenas situacional, seu processo será mais dependente
das particularidades de cada sujeito com sua maneira
de ser e mais difícil de ser resolvido em apenas um ou
poucos atendimentos. Mais do que apontar para limites
do Plantão Psicológico, isso parece indicar uma
delimitação de campos onde psicoterapia e Plantão
Psicológico não substituem um a outro.

CONCLUINDO
Relatamos aqui uma atividade de pesquisa que
busca olhar com precisão o desenvolvimento dos
processos de atendimento em Plantão Psicológico
(neste caso específico, em contexto escolar), chegando
a identificar fases que nos permitam apreender os
diversos movimentos de que esse processo é
constituído, de maneira a poder chegar a uma avaliação
rigorosa do resultado de nossas intervenções.
Sabemo-nos assim estar na esteira das
preocupações de sistematização do conhecimento
advindo da experiência que Rogers (1995, 1995a) com
muita clareza realizou, propôs e esperou que fosse
continuada. Trata-se de uma tentativa de continuar a
sistematizar a experiência subjetiva advertida em seus
processos apreensíveis, registráveis e mensuráveis
 93
Plantão Psicológico: novos horizontes

objetivamente, buscando não perder de vista a


especificidade propriamente humana do processo
estudado. E sabemos estar em companhia de outros
pesquisadores brasileiros que com rigor têm se
empenhado nesse árduo e gratificante desafio (cf.
 Amatuzzi, 1993)
Para além da possibilidade de uma avaliação
bastante positiva das intervenções empreendidas, o
que nos parece mais importante e indicativo de um
grande potencial do Plantão Psicológico baseado na
escuta profunda é o fato de podermos chegar a
delinear um processo de características semelhantes
segundo o tipo genérico de demanda, quando os
conteúdos dos atendimentos são profundamente
diversos. É ainda mais impressionante se atentamos
para o fato de que também o grupo de plantonistas é
grande, com profundas diferenças internas de
temperamentos e de experiências, supervisionados por
quem dá ênfase na descoberta da maneira própria de
conduzir o processo - e ainda assim produz-se
processos semelhantes!
Longe da tentativa de identificar padrões rígidos
que tornasse previsível o processo que permanece
sempre misterioso, a identificação de padrões por
demanda em um contexto de equipe técnica tão
diversificada leve-nos a confiar sempre mais no
processo que com surpresa vemos se desenrolar diante
de nós durante o atendimento em Plantão Psicológico.
Que possamos dar crédito sempre maior à liberdade
do cliente em sua busca, com a alegria profunda e
simples de participar como testemunha de um
processo que se desenvolve muito além de nós
mesmos. Que possamos oferecer sempre mais
confiantes nossa escuta profunda para que cada cliente
possa dizer sua palavra própria e autêntica (Amatuzzi,
1989), e então, assim que lhe seja concedida a
oportunidade, crescer  por rumo seguro.
 94
Pesquisar processos para apreender experiências

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 AMATUZZI, Mauro Martins. O resate da fala
autêntica: filosofia da psicoterapia e da educação .
Campinas: Papirus, 1989

 AMATUZZI, Mauro Martins. Etapas do processo


terapêutico: um estudo exploratório. Psicologia: Teoria e
Pesquisa. Vol. 9, n.1, 1993, p.1-21.

MAHFOUD, Miguel. O Eu, o Outro e o Movimento


em Formação .  Anais da XIX Reunião Anual da
Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto ,
Ribeirão Preto: SPRP, 1989, p.545-549.

ROGERS, Carl Ransom. A equação do processo da 


 psicoteraia . In: WOOD, John Keith eta alii (Org.s).
 Abordagem Centrada na Pessoa . 2 Ed., Vitória:
Editora Fundação Ceciliano Abel de Almeida /
Universidade Federal do Espírito Santo, 1995, p.95-
122.

ROGERS, Carl Ransom. Pessoa ou ciência? Uma 


questão filosófica . In: WOOD, John Keitha et alii (Org.s).
 Abordagem Centrada na Pessoa . 2 Ed., Vitória:
Editora Fundação Ceciliano Abel de Almeida /
Universidade Federal do Espírito Santo, 1995a, p.123-
153.

 95
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

Plantão Psicológico em hospital


 psiquiátrico: Novas Considerações e
desenvolvimento
 Walter Cautella Junior

 A intenção deste trabalho é abordar os


desdobramentos que uma experiência de plantão
psicológico bem sucedida gerou em um hospital
psiquiátrico. Tais mudanças não afetaram somente a
rotina hospitalar, mas também a forma de conceber
o fazer psicológico em condições tão específicas. Na
 verdade, a experiência do plantão psicológico levou a
instituição a reformular sua visão do indivíduo
institucionalizado.
Para que melhor possamos compreender a
amplitude da experiência e seus desenvolvimentos,
considero importante fazer uma breve descrição da
instituição e dos moldes de funcionamento do
departamento de psicologia antes do plantão
psicológico.
 Trata-se de um hospital de porte médio e de
curta permanência que atende pacientes do sexo
feminino em quadro agudo de doença mental. Conta
com duas equipes terapêuticas compostas por:
 97
Plantão Psicológico: novos horizontes

psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais,


assistentes sociais, recreacionistas e enfermeiros.
O serviço de psicologia começou a funcionar
em 1988 e utilizava exclusivamente grupos
psicoterápicos e atendimentos individuais em
psicoterapia breve/focal para atender a demanda da
clientela. Com o passar do tempo, percebíamos certas
limitações de tais procedimentos quando utilizadas em
situações com características tão específicas. Como foi
descrito anteriormente, este é um hospital de curta
permanência, o que acarreta à intervenção psicoterápica
uma séria dificuldade, pois estabelece um limite externo
concreto para o processo. Além disto, sua população
possui características bastante peculiares por tratar-se
de pessoas em quadro agudo de doença com diferentes
níveis de contato com a realidade. Há uma dificuldade
maior para o processo se comparado a pessoas que
mantêm um padrão neurótico. Resumidamente,
possuíamos pouco tempo para abordagem psicológica
e a nossa clientela era muito heterogênea, pois em um
mesmo setor do hospital temos várias patologias, tais
como: neuroses, psicoses, toxicofilias etc.
 Ambas as técnicas utilizadas exigem certos pré
requisitos para que o indivíduo possa tirar proveito
da intervenção psicológica. A abordagem de grupo
exige certo tempo para que a pessoa se integre à
dinâmica e assuma uma identidade grupal. Antes disso,
a ação psicoterápica é superficial e limita-se aos
sintomas. Percebíamos que as pessoas que participavam
de tais grupos, muitas vezes, compareciam
mobilizadas por uma demanda institucional e não por
uma demanda pessoal. Entende-se por demanda
institucional a pressão exercida pela instituição para
que as pessoas se vinculem a psicoterapia. A instituição
 vê essa necessidade e acredita nas conseqüências
positivas que o processo pode trazer. A partir disso,
tenta vincular os internos sem o cuidado de que esse
 98
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

processo tenha um significado no quadro referencial


do cliente. Se alguém procura ajuda é porque sente
algo e não se considera apto para resolver sozinho.
Sabemos que o trabalho psicológico só é eficiente
quando o indivíduo identifica sua demanda e se propõe
a trabalhar com suas questões. Comparecer ao grupo
por pressão do médico ou da enfermagem, cria um
clima ansiógeno e persecutório que não ajuda no
processo psicoterápico, mesmo que a intenção seja
boa. A composição dos grupos tornava-se
extremamente complicada, visto que a população
 variava muito em termos de nível intelectual,
capacidade de elaboração e de simbolização etc. Apesar
da heterogeneidade na composição dos grupos poder
ser benéfica pela diversidade de experiências, o pouco
tempo de intervenção nos levava a tentar potencializar
ao máximo a ação psicoterápica. Se a ação priorizava
os pacientes delirantes ou deficitários do ponto de
 vista cognitivo, com certeza parte da população era
colocada à margem do processo. Por outro lado,
priorizando nossa atuação em integrantes com maior
capacidade de elaboração e menos comprometidos 1
FIORINI, Hector
privaríamos a maioria da população. J. Teoria e Téc-
Os atendimentos individuais também sofriam suas nica de Psicote-
limitações. A técnica da psicoterapia breve determina rapias. 9ª edição.
que o psicoterapeuta estabeleça um foco para ser São Paulo: Fran-
abordado em um tempo pré determinado. Segundo cisco Alves Editora,
1 1980
Fiorini , o terapeuta deve se colocar frente ao paciente,
primeiro, em seu próprio terreno, aceitando 2
2  Grifo do Autor
 provisoriamente  seus pontos de vista sobre o problema,
e só mais tarde  depois de se orientar sobre os motivos
reais do paciente  há de procurar utilizar esses motivos
para fomentar os objetivos terapêuticos que possam
parecer de possível realização. O curto espaço de
tempo que os psicoterapeutas dispunham para eleger
o foco dos atendimentos podiam levar a uma escolha
errônea. Durante nossa prática percebíamos que muitas
 99
Plantão Psicológico: novos horizontes

 vezes o foco eleito pelo psicoterapeuta não era o


mesmo que o cliente gostaria de abordar. Com o tempo
o cliente conseguia abandonar o foco adotado pelo
psicoterapeuta e assumir sua verdadeira demanda,
porém este movimento levava tempo. Em uma
3 internação de curto prazo, o tempo é um bem precioso
ROGERS, Carl R.
T o r n a - s e
e que não pode ser desperdiçado.
Pessoa. 381ª Frente a essas dificuldades geradas pelas
edição. São Paulo: características da população e da própria instituição,
Editora Francisco fomos levados a procurar alternativas terapêuticas
Alves, 1977. eficientes. Nesse momento, o plantão psicológico nos
ROGERS, Carl R & 
STEVENS B. De pareceu uma possibilidade bastante atraente. No entanto,
Pessoa para ficava o desafio de utilizar uma técnica terapêutica que
Pessoa: O Pro- nunca havia sido testada em tais condições.
blema do Ser No ano de 1992 desenvolvemos o primeiro
Humano: Uma
plantão psicológico em hospital psiquiátrico. O
Nova Tendência
da Psicologia. procedimento consistia em colocar à disposição da
São Paulo: Pionei- clientela um psicólogo preparado para o atendimento,
ra, 1976. em um lugar pré estabelecido, e por um tempo pré
ROGERS, Carl R. e determinado.
Outros. Em Busca
de Vida: De Te-
O referencial teórico adotado é amplamente
rapia Centrada influenciado pelo existencialismo e a fenomenologia
no Cliente à e tem como 3
linha teórica principal a abordagem centrada
Abordagem no cliente . A população alvo foi amplamente avisada
Centrada na da disponibilidade do profissional e da facilidade de
Pessoa. São
Paulo: Summus, acesso através de cartazes e informações dadas pelos
1983. outros profissionais. Previamente foi feito um trabalho
WOOD, John K. e de sensibilização com esses profissionais para que
Outros (Org.). pudessem ter um entendimento básico da técnica e do
Abordagem
referencial teórico adotado e, a partir disso, pudessem
Centrada na
Pessoa. Vitória:
falar da disponibilidade do serviço. Aos poucos, foram
Editora Fundação se aproximando e aprenderam como utilizar esse novo
Ceciliano Abel de instrumento. Na verdade foram estabelecidos vários
Almeida / Univer- horários, em locais diferenciados, uma vez que o
sidade Federal do
Espirito Santo,
hospital possui vários setores.
1994. O plantão psicológico conseguiu colocar-se
aberto a demanda da clientela e trabalhar no sentido de
100
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

potencializar os recursos desta. Pelas suas características


e referencial teórico conseguiu ser eficiente frente a
heterogeneidade da população, uma vez que centra-se
na experiência do cliente. Sendo assim, é possível atender
a demanda do psicótico, do neurótico, do deficiente e
do paciente cronificado, pois tal técnica não precisa que
o cliente possua certos pré requisitos.
Com a premissa básica de colocar-se disponível
frente às necessidades do cliente no momento do
encontro e com a peculiaridade deste poder ser único,
conseguimos uma abordagem terapêutica eficiente em
curto espaço de tempo, visto que o nível de ansiedade,
irritabilidade e agitação dos internos diminuiu
significantemente após o plantão psicológico.
 Após a implantação do serviço, começamos a
perceber mudanças significativas nas abordagens
psicoterápicas que já existiam (psicoterapia de grupo
e psicoterapia individual). As pessoas que participavam
dos grupos psicoterápicos não mais compareciam
mobilizados por uma demanda alheia (pressão
institucional). Utilizando-se do plantão psicológico, os
internos conseguiam identificar melhor a sua demanda
e isto levava a um salto qualitativo no seu desempenho
no grupo psicoterápico.
Os atendimentos individuais também foram
influenciados pelo plantão psicológico. Atualmente, o
processo psicoterápico individual inicia-se frente ao
pedido do cliente. Geralmente, ele procurou o plantão
psicológico, conseguiu identificar sua demanda,
estabeleceu o foco do seu trabalho psicológico e
preferiu abordá-lo de maneira mais sistematizada na
psicoterapia individual, embora muitas das demandas
acabem se resolvendo no próprio plantão.
Outras vantagens secundárias ficaram evidentes
após a implantação do serviço. Ficou muito mais fácil
fazer os encaminhamentos internos. Após comparecer
ao plantão, sabemos com clareza em qual setor e em
101
Plantão Psicológico: novos horizontes

qual grupo psicoterápico determinada pessoa terá


melhor benefício. Os encaminhamentos externos
também tornaram-se mais eficientes na medida em que
temos maior conhecimento da demanda pessoal.
O plantão psicológico, apesar de sua grande
eficiência, experimenta algumas limitações no âmbito
hospitalar psiquiátrico. Pessoas em quadro delirante
grave, que estão rompidos com a lógica alheia e
submersos em sua realidade paralela, raramente
procuram o plantão. Colocar-se em contato com o
outro é submeter-se à lógica geral. Conseqüentemente,
isto leva a ineficácia da estrutura delirante como
método defensivo. Pacientes em quadro maníaco
podem até procurar o plantão,
4
porém, pela aceleração
dos seus processos psíquicos  , geralmente, não conseguem
4
EY, Henry e se deter frente as intervenções. Nesse caso, o caráter
outros. Manual terapêutico é estabelecer um limite externo para a
de Psiquiatria . aceleração, visto que o interno não é eficiente nesse
5a edição. Rio de momento. Quadros de depressão profunda, também,
Janeiro: Editora
Masson do Brasil
não procuram o plantão psicológico, assim como
Ltda, 1981. quadros catatoniformes.
 A resposta positiva dos internos provou a
eficácia deste método interventivo, e nos levou a
pensar a possibilidade de utilizá-lo em outras situações
dentro da rotina hospitalar. A instituição evidenciava
certas demandas que pareciam ser da alçada do
psicólogo. Tais como: o atendimento à família e à
própria instituição.
 Atualmente parece ser de senso comum que
uma ação terapêutica não pode se restringir somente
ao indivíduo institucionalizado. Uma das formas de
entendermos a doença mental é considerá-la como
fruto de um jogo de tensões dentro de um campo
social, onde um membro dessa sociedade não tem
condições de lidar com as vicissitudes desse jogo e
acaba rompendo em um surto psicótico ou uma
descompensação neurótica. Este enfoque nos leva a
102
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

considerar que doente não é somente aquele que


apresenta os sintomas, mas sim, todo o contexto a qual
pertence, no caso a família.
 Aquele que manifesta a doença é internado e o
hospital cumpre a sua função terapêutica, no entanto,
quando este é devolvido para a família, é, novamente,
inserido no jogo de tensões que permanece inalterado.
Há uma grande possibilidade de novos surtos surgirem
até o momento que o indivíduo possa elaborar
definitivamente sua posição nesse campo de tensões.
É importante salientarmos que a família age de maneira
defensiva, não identificando, ou identificando com
grandes dificuldades, a responsabilidade no processo
de adoecimento do internado. É menos ansiógeno para
a família depositar a doença em um único membro,
pois sendo assim, sente-se imune, saudável e protegida.
Desta forma, podemos inferir que há um movimento
inconsciente da família, e muitas vezes consciente, no
intuito de perpetuar a doença naquele que manifesta o
sintoma. Tal psicodinâmica explicaria em parte o alto
nível de reinternações e cronificações psicológicas,
pois, nesta breve conceituação, não estamos
considerando bases orgânicas para a doença mental.
O setor de psicologia trabalha com a hipótese
de que o indivíduo institucionalizado, através do
trabalho psicológico na instituição, pode se dar conta
dessa intrincada psicodinâmica e não mais ocupar o
lugar de representante simbólico da doença social. Não
se trata de negar a fragilidade ou os aspectos individuais
como pode parecer, pois se este não suportou as
tensões sociais é devido, também, a aspectos internos
de desenvolvimento pessoal.
O indivíduo abandonando esse papel de doente
irá gerar um desequilíbrio na psicodinâmica estabelecida
e isso abrirá espaço para um trabalho elaborativo
familiar, ou para que outro membro manifeste
patologicamente o conflito mal resolvido.
103
Plantão Psicológico: novos horizontes

5  Vários autores de várias linhas do pensamento


BATESON, Gregory
e Outros. Hacia una
psicológico abordaram o papel da família e do jogo
Teoría de La social no processo de adoecimento, evidenciando certa
Esquizofrenia.In: unanimidade
5
neste
6
ponto.
7
Dentre eles, podemos citar
SLUZKI, Carlos E. Bateson , Lidz , Laing  e principalmente Harold F.
(org.). Interacción Searles em seu artigo The effort to drive the other person 
Familiar: Aportes
Fundamentales
crazy  On 8element in the aetiology and psychotherapy of 
sobre Teoría y schizophrenia  .
Técnica. Buenos  A prática clínica na instituição, embasada nessa
Aires: Editorial maneira de conceber a psicodinâmica da doença
Tiempo Contempo- mental, tem gerado efeitos bastante positivos, visto
ráneo S.A. , 1971. p.
19-56. que o número de pacientes que percebem o seu lugar
6 dentro da dinâmica familiar e que pedem atendimento
LIDZ, Theodore e
Outros. El Medio
também para a família, vem aumentando
Intrafamiliar Del progressivamente. A percepção do lugar que ocupam,
Paciente Esquizo- e a não mais aceitação de todas as responsabilidades
frénico: La Trans- projetadas e depositadas sobre estes, levam a uma
misión de la Irracio- desorganização familiar caracterizada pelo surgimento
nalidad. In: SLUZKI,
Carlo E. (org.). de uma angústia generalizada. Tais sintomas foram
Interacción comprovados através do aumento do número de
Familiar. Aportes famílias que pediam para ser atendidas pelo serviço
Fundamentales de psicologia através do serviço social, recepção,
sobre Teoría y
Técnica. Buenos
funcionários etc. Com o aumento da demanda, fez-se
Aires: Editorial necessário estruturar um espaço onde a angústia familiar
Tiempo Contempo- pudesse ser contida e trabalhada. Além disso, estávamos
ráneo S.A. , 1971. p. otimizando o tratamento psicológico realizado na
81-110. instituição abarcando de maneira mais abrangente o
7
LAING, R. D. e fenômeno patológico.
ESTERSON A. Frente ao acima relatado, quatro anos depois
Cordura, Loucura
da criação do plantão psicológico, introduzimos um
y Família: Famí-
lias de Esquizo-
serviço semelhante voltado exclusivamente para os
frenicos . Mexico: familiares dos internos. Foi aberto um espaço onde a
Fondo de Cultura família é recebida como cliente. Não temos a pretensão
Económica, 1967. de acreditar que todas as famílias aceitam esse lugar
(Biblioteca de Psico-
logia y Psicoanálisis).
tranqüilamente. Geralmente, o membro da família chega
até o serviço com o seu discurso voltado ao elemento
institucionalizado, e cabe ao plantonista fazer uma
104
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

escuta centrada e seletiva na angústia desse familiar


que buscou o serviço.
O atendimento familiar desenvolvido pelo setor
de psicologia é bastante diferente dos atendimentos
realizados pelo serviço social e corpo médico. No
plantão psicológico a família é colocada como cliente.
 Já no atendimento médico-familiar o intuito é obter
dados e aprimorar a compreensão da estrutura da
doença através da história do paciente inserido no 8
SEARLES, Harold
contexto familiar. Portanto, não há, prioritariamente, F. The Effort to 
uma ação terapêutica voltada à família. O cliente é Drive the Other 
aquele que está internado. Quanto ao serviço social, a Person Crazy  On 
Element in the 
sua ação visa o bem-estar do indivíduo internado e a Aetiology and 
readaptação deste à sociedade de uma maneira menos Psychotherapy of 
traumática. Novamente, o foco encontra-se no paciente Schizophrenia. In:
internado. Ambos os atendimentos são imprescindíveis C o l l e c t e d
Papers on
e de grande importância para o processo terapêutico
Schizophrenia
porém, não abordam de maneira a provocar mudanças and Reality
na psicodinâmica familiar. A utilização do plantão Subjects. Nova
psicológico se justifica pelas características da situação York: New York
e da população alvo. Geralmente, surge uma demanda International
Universities , 1975.
que estava reprimida pela impossibilidade de encontrar p. 254-283.
um espaço próprio para que pudesse se manifestar.
Na doença o foco recai sempre naquele que manifesta
os sintomas. O plantão psicológico abre um espaço
para que a família manifeste seu mal-estar e suas
questões. As características de tal procedimento
parecem-nos facilitar o trabalho com esta situação
emergencial, imprevisível e desorganizadora que é o
adoecimento. Através do plantão psicológico tentamos
aproveitar o momento de ruptura que a doença mental
gera na dinâmica familiar e na vida de quem adoece e,
a partir disso, proporcionar uma experiência mais
saudável.
Há ainda certos dados de realidade que
reforçam a aplicabilidade do plantão familiar nessa
situação. A grande maioria da população alvo (família)
105
Plantão Psicológico: novos horizontes

possui pouco acesso a situações que permitam uma


relação de ajuda. Isso ocorre por vários motivos: falta
de conhecimento de sua própria demanda;
desinformação sobre os serviços disponíveis
(psicoterapia individual, familiar, etc.); carência de
recursos públicos nessa área; e finalmente,
indisponibilidade financeira da maioria daqueles que
procuram. O plantão psicológico consegue, de certa
forma, diminuir a distância dessas pessoas a uma
relação de ajuda eficaz.
Outra justificativa para a utilização do plantão
recai na crença fortemente difundida nos plantonistas
que nem toda demanda precisa ser suprida pela
psicoterapia. Todo indivíduo possui uma tendência
inerente para o progresso e uma vez que a situação de
impedimento possa ser abordada, e uma nova vivência
possa surgir, o cliente está livre para seguir seu rumo,
até sentir nova necessidade de parar e se redirecionar.
É evidente que muitas vezes a demanda é para
psicoterapia, nesse caso é feito um encaminhamento
para serviços externos.
Colocando a família como foco, estamos
também contribuindo indiretamente com o bem estar
do indivíduo institucionalizado e complementando o
trabalho psicológico que é realizado durante a internação.
Para que o plantão pudesse ocorrer, foram
abertos horários dentro da programação, que
coincidiam com os horários de atendimento familiar
realizado pelos outros membros da equipe. Desta
forma, na medida em que os membros da família
 vêm manter contato com o médico, assistente social
ou visitar o paciente internado, se desejarem, poderão
ter acesso ao atendimento psicológico.
Percebe-se que os métodos e técnicas adotadas
são muito semelhantes ao que ocorre para os clientes
internados nesta casa. Essa estrutura de atendimento
tem vantagens para alcançar nossos objetivos.
106 
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

 As pessoas que procuram o plantão psicológico


não o fazem porque foram convocadas. Portanto,
podemos inferir que há uma mobilização interna que
gerou essa busca. Tal mobilização é fator primordial
para que ocorra mudanças. A convocação para essa
forma de atendimento parece-nos pouco eficiente,
embora possa ocorrer se for de extrema importância
para o trabalho psicológico realizado com o indivíduo
institucionalizado. Desta forma, a família deixa de
ocupar o lugar de cliente e a ação centra-se no
indivíduo institucionalizado. Neste ponto percebemos
outra diferença em relação ao atendimento médico e
ao de serviço social. Estes não perdem a eficácia pela
convocação, pois não colocam a família como cliente
da mesma forma que colocamos.
O plantão psicológico, com sua característica
básica de abarcar o cliente naquele momento, possibilita
um trabalho psicológico breve, embora, também, haja
a possibilidade de um trabalho mais longo se houver
a necessidade. O plantonista e o cliente podem decidir
pela sessão única, projeto terapêutico (quatro sessões
aproximadamente) ou pelo encaminhamento desse
membro familiar ou família para um processo mais
longo de psicoterapia familiar (fora da instituição).
 A equipe e a instituição foram instruídas para
favorecer a aproximação dos familiares a este serviço
psicológico. O acesso da clientela mantém-se o menos
burocratizado possível. Foram colocados na recepção
e demais dependências sociais do hospital, cartazes
informativos sobre a existência do serviço,
disponibilidade do psicólogo, local de atendimento etc.
Em três anos de funcionamento o número de
atendimentos foi aumentando progressivamente. De
um ano para o outro tivemos um aumento superior a
100% no número de clientes.
 A carência de suporte externo para os familiares
gerou uma situação atípica. O plantão psicológico
107
Plantão Psicológico: novos horizontes

familiar é uma estrutura


estr utura montada prioritariamente
prioritariamente para
dar conta das questões familiares durante o período
de internação. No entanto, percebemos o aumento
significativo da procura do serviço mesmo após a alta
do cliente principal. Isso acaba gerando uma sobrecarga
do serviço. Temos como norma básica não recusar o
atendimento dessas pessoas, porém tentamos
encaminhá-las para serviços
ser viços externos. Tal
Tal procura acaba
aca ba
reforçando a consolidação desse espaço de continência.
No futuro temos o intuito de desenvolver um
ambulatório para dar conta dessa demanda na própria
instituição, porém, para isso, precisaremos aumentar a
equipe de plantonistas.

Fiéis à idéia de uma ação


a ção abrangente do doente
mental, começamos a pensar a instituição como um
cliente em potencial. Atualmente fica difícil pensarmos
pensar mos
em uma ação terapêutica eficiente, sem inserirmos no
processo aquele que se propõe a tratar.
 Abordan
 Abordando do o hospit
hospital
al com a visã
visãoo da psicol
psicologi
ogiaa
institucional, o entendemos como um organismo vivo
que reage frente a sua população alvo. Desenvolve-se
uma relação dialética entre a instituição e a clientela. As
ações desta, assim como as reações, vão interferir
diretamente no andamento do processo terapêutico. A
importância da sanidade institucional sempre foi
amplamente discutida e valorizada. Se consideramos o
processo terapêutico pessoal do profissional de saúde
mental como fundamental para a eficácia da abordagem,
nada mais razoável que utilizarmos os mesmos
parâmetros quando 9
falamos da instituição de saúde
mental. José Bleger abordou com precisão a intrincada
9
BLEGER, José. psicodinâmica institucional no ato terapêutico.
terapêutico. Segundo
Temas em Psico- ele, há a tendência da instituição em se burocratizar na
logia . Buenos sua ação terapêutica. Este processo surge como defesa.
Aires: Nueva
Vision, 1980.
 As estruturas das instituiçõ
instituições
es são as mesmas
mesmas de seu
objeto de trabalho.
trabalho. Sendo assim, para trabalharmos com
108
10 8
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

doentes mentais em instituições há a necessidade de


tratarmos
tratar mos concomitantemente a instituição.
instituição.
 Trabalhar
 Trabalh armos
mos com a institui
inst ituição
ção implica
impl ica em
oferecermos aos seus integrantes condições para falar
de suas questões, assim como, de sua relação com esta. esta .
Buscamos abordar o coletivo através do individual.
Frente ao acima citado tornou-se fundamental
oferecer aos profissionais da casa de saúde um espaço
de continência. Não somente para abarcar a instituição,
instituição,
mas também para fornecer subsídios ao funcionário
que vive em contato direto com a doença mental.
Quadros psicóticos tendem a ser ameaçadores para
aqueles que não estão preparados psiquicamente. A
desorganização do psicótico tende a ameaçar a ordem
interna de quem convive com estes. Isto é prejudicial
para a saúde psíquica do funcionário e acaba refletindo
ref letindo
na instituição, uma vez que irá utilizar-se de mecanismos
defensivos que prejudicarão a dinâmica institucional.
Como exemplo destes mecanismos podemos citar a
indisponibilidade e a irritabilidade no trato com o
cliente, faltas ao serviço, grande rotatividade da equipe
de apoio etc. Além de tais manifestações, havia uma
demanda explícita por grande parte dos funcionários
que nos procuravam com a necessidade de falar de
suas experiências no cotidiano hospitalar e reorganizá-
las de maneira mais saudável.
Oferecer atendimento aos funcionários trazia
uma série de questões. Primeiramente havia a
dificuldade de montar uma equipe para atender essa
nova clientela. Parecia-nos pouco eficiente que os
plantonistas da própria instituição atendessem a este 10
BLEGER, José.
público. Tal atitude seria tão incoerente quanto um Psico-Higiene e
psicoterapeuta desenvolver uma auto-terapia. Psicologia
Sabíamos da impossibilidade de abarcar a instituição I n s t i t u c i o n a l.
fazendo parte dela. Bleger conceituou com precisão Porto Alegre: Edi-
tora Artes Médicas,
as diferenças entre o psicólogo
10
institucional e o 1984.
psicólogo na instituição . Para que fosse viável,
109
Plantão Psicológico: novos horizontes

trouxemos um plantonista de fora da instituição. Isto


resolveu os prováveis conflitos de interesse que
surgiriam se fossem utilizados os profissionais da
instituição. Além disso, a isenção deste plantonista
propiciou maior liberdade para que o funcionário
abordasse suas questões. A própria estrutura do plantão
facilitou o acesso ao serviço. Contamos com a
disponibilidade da instituição para que os funcionários
pudessem procurar o serviço durante o período de
trabalho. Isto gerou a necessidade de reestruturar as
grades de horários, acarretando maior trabalho das
chefias. No entanto, as experiências anteriores bem
sucedidas com o plantão facilitaram a superação de
tais transtornos.
Embora a intenção básica não seja esta, o
plantão ao funcionário também pode ser como porta
de entrada para outras modalidades de atendimento e
suporte se for
f or necessário.
necessário. Assim como com os internos
e seus familiares, o funcionário pode ser atendido na
própria instituição em esquema de psicoterapia breve
e focal, se o caso. Se a demanda for para uma
psicoterapia de longo curso, este será encaminhado
para instituições ou consultórios fora do hospital.
Paralelamente, montamos gr grupos
upos operativos para que
as questões relacionais e operacionais pudessem ser
abordadas.
Consolidou-se novo espaço dentro da rotina
hospitalar. A experiência vem nos mostrando que se a
instituição passa por períodos mais críticos, com
sobrecarga de trabalho, diminuição de funcionários
ou qualquer outra tensão, a procura pelo plantão
aumenta. Sendo assim, além do caráter terapêutico,
terapêutico, o
plantão oferece elementos para que o plantonista tenha
uma visão relativamente precisa da saúde psíquica da
instituição.
 Após a implantação
implan tação deste serviço,
ser viço, diminuiu
diminui u
significativamente os problemas de relacionamento
110
11 0
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

entre os funcionários, conseqüentemente, criou-se um


ambiente terapêutico mais eficiente.
 Até então foram relatadas as mudanças
operacionais que as várias experiências com o plantão
psicológico geraram na rotina hospitalar. Sem dúvida,
passou de técnica coadjuvante a um lugar central no
funcionamento do serviço de psicologia. No entanto,
a amplitude das mudanças geradas pelo plantão
psicológico não recai somente no aspecto operacional.
 Acredito que a principal mudança seja subjetiva e sutil.
Como foi dito nas primeiras linhas deste texto,
o plantão psicológico propiciou uma reformulação
na visão institucional do indivíduo institucionalizado.

Existem diferenças significativas na forma de


entender e abordar o doente mental entre os vários
profissionais da saúde. Apesar da proximidade e das
áreas de justaposição, a formação teórica e o
embasamento filosófico dos vários profissionais levam
a esta discrepância na abordagem do doente. Os vários
profissionais podem utilizar os mesmos conceitos de
doença mental, porém a postura frente ao cliente acaba
sendo muito diferente. Cada profissional, munido de
seus conhecimentos científicos e de sua concepção de
homem e mundo, vai colocar-se frente ao outro de
maneira particular na tentativa de promover saúde.
Entre a psicologia e a medicina não é diferente.
Há divergências significativas entre as abordagens. O
médico na sua formação, recebe forte influência das
ciências naturais. A visão naturalista determina que o
observador de um dado fenômeno tente se manter
isento neste processo para não influenciá-lo. A partir
dessa premissa, o médico quando se coloca frente ao
doente procura manter-se afastado para que possa
observar com isenção. Esta isenção dará segurança para
a escolha da terapêutica necessária. Nesta intervenção
está implícito que o cliente não sabe sobre si e espera
111
Plantão Psicológico: novos horizontes

que o outro, no caso o médico, realize uma ação sobre


ele. Considero a palavra paciente, termo muito utilizado
por este profissional, bastante esclarecedora e típica dessa
relação. O paciente é aquele que espera pacientemente
a ação de outro para a solução de um desequilíbrio. Sua
principal característica é a resignação e a conformação.
É aquele que espera passivamente um resultado. Todo
organismo possui uma tendência inerente ao equilíbrio.
 Vários autores abordaram em diferentes momentos esta
tendência. Freud aborda o princípio de constância nos 11
seus artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos
12
.
11
FREUD, Sigmund. Piaget aborda o princípio da equilibração . Rogers
A História do quando fala sobre a tendência atualizadora parece-nos
Movimento ressaltar essa tendência inerente do indivíduo a procurar
Psicanalítico: 13
Artigos sobre
um equilíbrio satisfatório . A própria biologia usa este
Metapsicologia . princípio como regra geral. Caso ele não consiga chegar
1ª edição. Rio de a esta homeostase por seus próprios meios, recorre a
Janeiro: Imago outros no intuito que este atue de maneira técnica para
Editora, 1974. promover o equilíbrio. Percebe-se que nesta forma de
(Edição Standard
Brasileira das intervenção o médico adota a postura de técnico.
Obras Psicológicas
Completas, volume O psicólogo também atua no sentido de ajudar
XIV). o outro a equilibrar-se, porém a postura pode ser outra
12 quando sua ação é influenciada pela fenomenologia.
PIAGET, J. e
INHELDER, B. A Enquanto a medicina promove uma ação direta sobre
Psicologia da seu paciente, acreditamos que através de uma relação
Criança. São terapêutica com características específicas, podemos
Paulo: Difel, 1974. facilitar para que nosso cliente se equilibre. Desta forma,
13 não atuamos sobre o mesmo, porém acompanhamos
ROGERS, Carl R.
T o r n a - s e
como instrumento facilitador para este equilíbrio.
Pessoa. 381ª Mesmo em casos graves, onde a tendência da
edição. São Paulo: pessoa em estabilizar-se em um modo saudável de
Editora Francisco funcionamento parece estar irremediavelmente
Alves, 1977. comprometido, a postura frente a ele, enfatizando seu
aspecto saudável e seu potencial, costuma trazer
respostas positivas. Acreditamos que o psicoterapeuta
deva oferecer-se como ferramenta ao seu cliente. A
112
Plantão Psicológico em hospital psiquiátrico

experiência do plantão em hospital psiquiátrico mostra


que por maior que seja o comprometimento afetivo,
cognitivo, intelectual e relacional do cliente, a
disponibilidade do plantonista acaba deflagrando um
movimento saudável do cliente. O plantonista serve
como estímulo para a busca de níveis mais saudáveis
de integração psíquica (deixamos de ver o cliente como
receptor passivo de uma ação terapêutica e o colocamos
no lugar de autor no seu processo de aprimoramento e
crescimento). O homem se desenvolve a partir de sua
experiência e a função do plantonista é proporcionar
condições para que o indivíduo possa experienciar, na
relação com este, situações que evidenciam
características novas e desconhecidas no seu modo de
funcionar, experiências diferentes daquelas conhecidas
anteriormente e marcadas pela ineficiência e patologia.
Com esta concepção, aquele que procura ajuda
psicológica, mesmo dentro de um hospital psiquiátrico,
perde a marca de paciente e adquire o status de agente,
pois apropria-se de seus rumos.
O corpo clínico do hospital considera
14
a doença
mental como a patologia da liberdade . Segundo este
14
conceito, doente mental é o indivíduo que perdeu a BASSIT, W. e
capacidade de fazer opções. Ele mostra-se incapaz de Sonenreich C. O
Conceito de
estabelecer regras para si, sendo assim, fica prisioneiro
P s i c o p a t o l o g i a.
de seus sintomas. Como exemplo, podemos pensar no São Paulo, Manole,
sujeito fóbico que restringe sua vida com medo de 1979.
encontrar o objeto de sua fobia, ou o obsessivo, que
apesar de perceber a incoerência de seus pensamentos
obsessivos ou de seus rituais mágicos, sente-se impotente
frente a eles. Podemos citar o delirante que interage com
o mundo de maneira restrita a partir das suas convicções
delirantes. Este é um conceito médico, no entanto, ele
pode ser muito eficiente orientando a ação psicológica
em um hospital psiquiátrico.
Se considerarmos a doença mental como um
cerceamento à liberdade, toda a ação terapêutica e o
113
Plantão Psicológico: novos horizontes

ambiente hospitalar devem levar ao livre arbítrio. A


partir desta premissa, o plantão psicológico passa a ser
um instrumento fundamental para promoção da saúde
pelas suas características .
 A resposta positiva dos clientes (internos,
famílias e funcionários) levou a instituição a mudar a
concepção de doente mental. Este deixou de ser visto
como um receptor passivo da ação alheia, e foi alçado
a condição de agente de seu processo de mudanças. O
interno adquiriu a possibilidade de desejar e de trabalhar
no sentido de viabilizar seus desejos. Esta nova
concepção adquirida pela instituição, criou um ambiente
mais propício para que os internos façam suas escolhas.
 Abrindo espaço para que este se posicione e tome
posse de suas experiências, propiciamos o resgate da
cidadania do indivíduo institucionalizado. Percebemos
portanto, que a experiência do plantão não modifica
somente aquele que é alvo da intervenção, mas também,
todos os envolvidos indiretamente. O sistema de idéias
que sustenta a prática do plantão psicológico acaba
por impregnar o ambiente onde ocorre a experiência.
Sendo assim, o plantão psicológico adquire a
característica de catalisador de mudanças. Mudança é
essencial para o desenvolvimento.

114
Plantão Psicológico em Clínica-Escola 

Plantão Psicológico em Clínica-


Escola
 Vera Engler Cury 

A cada novo plantão aprendemos um pouco mais sobre 


as aflições de nossa comunidade e perdemos o medo de 
enfrentar nossas próprias angústias, ao tentarmos entrar 
em contato com o mundo do outro a partir de sua 
urgência. 

Depoimentos como este fazem parte dos


encontros semanais de um grupo de supervisão de
orientação humanista, e mais especificamente centrada
no cliente, da Clínica-Escola do Instituto de Psicologia
da Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
localizada na região central da cidade. O serviço de
pronto-atendimento psicológico foi implantado em 1994,
a partir do projeto de dois alunos do Curso de
Especialização em Psicoterapias Institucionais do
Departamento de Psicologia Clínica.
O oferecimento desta modalidade de
atendimento clínico-psicológico efetivou-se como
decorrência da constatação de um alto índice de
desistência por parte da clientela que busca ajuda naquela
instituição, frente às longas filas de espera para
psicoterapia e também pela observação de que
algumas pessoas procuram a clínica numa situação de
emergência. Em ambos os casos verificava-se a
impossibilidade de o sistema atender à solicitação
115
Plantão Psicológico: novos horizontes

imediata do cliente. O Plantão Psicológico viabiliza


um atendimento de tipo emergencial - compreendido
como um serviço que privilegia a demanda emocional
imediata do cliente - e que funciona sem necessidade
de agendamento, destinado a pessoas que a ele
recorrem, espontaneamente, em busca de ajuda para
problemas de natureza emocional.
Operacionalmente, os períodos cobertos pelos
plantonistas ainda são restritos, pois nem todos os
grupos de supervisão que atuam na Clínica-Escola
participam desta prática. A divulgação é feita através
de cartazes distribuídos internamente na própria
universidade e também em postos de saúde, hospitais,
escolas e centros comunitários. Cabe às recepcionistas
da clínica psicológica controlar o fluxo de pessoas para
não sobrecarregar os horários do plantão e elas o fazem
encaminhando os clientes que não terão condições de
ser atendidos naquele plantão para o próximo. Cada
período perfaz quatro horas com a presença de dois
plantonistas. Há flexibilidade quanto à duração de cada
sessão, levando-se em conta as idiossincrasias dos
clientes e também as limitações que advêm da
inexperiência dos estagiários; procurase, no entanto,
manter como parâmetro a hora terapêutica de cinqüenta
minutos. Estabeleceu-se como rotina a possibilidade
de um retorno, em casos em que isto se fizer necessário
e mediante uma tomada de decisão do próprio
plantonista. Embora os clientes atendidos durante os
plantões possam ser encaminhados à triagem da própria
clínica - escola para atendimento psicoterápico, grande
parte dos encaminhamentos tem sido externo, frente a
significativa e crônica demanda que congestiona e dá
origem às filas de espera da instituição. No entanto, o
objetivo primordial do plantão é o de constituirse
num serviço alternativo às psicoterapias tradicionais,
especificamente voltado àqueles que por inúmeras
razões não se beneficiariam (ou não estariam
116 
Plantão Psicológico em Clínica-Escola 

disponíveis) de um atendimento clínico a médio ou


longo prazo.
Em termos institucionais, o Plantão Psicológico
compõe o elenco das práticas clínicas sob
responsabilidade dos estagiários do último ano do Curso
de Psicologia, juntamente com o serviço de triagem,
psicoterapias individuais, grupais e de casal, assim como
grupos de espera, sob supervisão de docentes com
diferentes abordagens teóricas Os plantonistas, sendo
alunos do último ano do curso de Formação de
Psicólogos, também são responsáveis por outros
atendimentos psicoterápicos - individuais ou grupais -
nos moldes tradicionais, já que optaram pelo campo de
estágio em clínica-escola como parte de sua formação.
Historicamente, o serviço de plantão
psicológico da PUC-Campinas inspirou-se no modelo
desenvolvido pelo Setor de Aconselhamento
Psicológico do Instituto de Psicologia da USP de São
Paulo (cf. Mahfoud, 1987) na década de oitenta, no
entanto, apresenta um caráter inovador, representado
pela participação de supervisores com abordagens
teóricas diferentes - cognitivista e centrada no cliente -
numa mesma modalidade de relação de ajuda
psicológica. Esta posição coincide com uma
perspectiva de integração, proposta e defendida em
relação ao conceito de Clínica-Escola que une estes
docentes-supervisores. Compreendem que a vocação
de uma instituição como esta é a de enfrentar o desafio
de um atendimento psicológico compatível com as
necessidades da comunidade alvo e também voltado
para a formação clínica do aluno, priorizando a relação
interpessoal que possibilita o diálogo cliente-estagiário.
Insere-se aqui uma tomada de posição mais ampla
sobre a concepção de atendimento clínico, soltando 
o das amarras de um viés que tradicionalmente o
atrelou à psicoterapia como única via para a
intervenção e com esta a uma temporalidade
117
Plantão Psicológico: novos horizontes

estabelecida a priori - quanto mais longo o processo


terapêutico, maior sua eficácia.
Contrariando esta visão, o trabalho em equipe
desenvolvido para a implantação do serviço de plantão
psicológico, buscou transcender e subordinar as
diferenças teóricas a um objetivo comum: a
flexibilização das práticas de intervenção clínica
institucional já existentes em prol de uma ajuda
psicológica que se mostrasse mais empática aos apelos
da comunidade, neste contexto e época. Manteve-se,
no entanto, a autonomia de cada supervisor quanto às
estratégias clínicas para efetivação do atendimento.
Para os plantonistas que atendem nos moldes
da Abordagem Centrada na Pessoa, esta experiência
tem sido considerada fundamental ao lançá-los num
tipo de relacionamento interpessoal de ajuda psicológica
em que suas atitudes e crenças são postas à prova de
maneira dramática (vide anexo). Questionam-se sobre
a efetividade da ajuda prestada aos clientes, já que o
parâmetro de continuidade da intervenção que os
amparava num processo psicoterápico tradicional não
está disponível: o tempo conspira de forma a exigir
deles uma disponibilidade emocional para o encontro
com o outro imediata e genuína; preservar a autonomia
emocional do cliente, e ainda assim, ativamente,
facilitar-lhe o desenvolvimento de um processo gerador
de alternativas à angústia vivenciada, eis o desafio
revisitado a cada novo atendimento. A ênfase na
ativação de um processo experiencial de caráter
intersubjetivo colabora para que o plantonista não
transforme o atendimento numa relação de natureza
autoritária ou filantrópica, face à sedução exercida pela
aparente fragilidade do cliente. Wood (1995) enfatizou:

esta abordagem se realiza quando alguém dirige a melhor 


 parte de si mesmo à melhor parte do outro e, assim, pode emergir 
algo de inestimável valor que nenhum dos dois faria sozinho.
118
Plantão Psicológico em Clínica-Escola 

 A experiência acumulada desde a implantação do


serviço tem se mostrado decisiva para uma transformação,
tanto dos supervisores envolvidos quanto dos estagiários
e quiçá da própria população atendida, gerando pesquisas
que poderão alicerçar novos rumos para as clínicas-escola
de Psicologia. Do ponto de vista técnico, o plantonista
recorre a atitudes e estratégias clínicas que objetivam o
acolhimento adequado ao cliente de forma a possibilitar
a explicitação da demanda emocional que o aflige, no
exato momento em que busca uma relação de ajuda
psicológica. Considera-se como cliente aquele que se
apresenta, não importando se a queixa refere-se a uma
terceira pessoa, pois o atendimento é de caráter imediato
e não visa necessariamente o encaminhamento a processos
psicoterápicos. Ancona-Lopez (1996), em sua tese de
doutorado, corrobora esta posição:

quando o cliente vem à procura de um psicólogo, ele 


quer ser atendido em suas necessidades, pouco importando
sob que nome este atendimento se efetue. Na prática, no
entanto, o que acontece com freqüência é que, por nomear 
sua prática, o psicólogo deixa de fazer a sua parte,
 postergando sua intervenção e empobrecendo um encontro
rico de possibilidades. (p.15)

 Abre-se, portanto, uma ampla gama de possibi-


lidades quanto ao desenvolvimento da relação cliente-
plantonista, embora esta seja breve. Cabe salientar que a
eficácia do serviço prestado não utiliza como critério o
grau de resolutibilidade do problema, isto é, não se prioriza
como foco do atendimento a queixa em si, considerada
como algo objetivável e despida dos significados que lhe
são atribuídos, mas sim a pessoa, compreendida como
um todo que se revela em suas formas características de
expressão, matizes de comportamento, atitudes e emoções,
 visando conferir-lhe autonomia. Também facilitandolhe
a reflexão, na busca de maneiras ou caminhos possíveis
119
Plantão Psicológico: novos horizontes

para transpor as dificuldades que vivencia.


Eventualmente, cabe ao plantonista orientar o cliente,
prestando-lhe as informações necessárias para
compreender a instituição e suas alternativas frente a ela,
além de abrir-lhe outras possibilidades quanto aos recursos
disponíveis na comunidade.
Deve-se evitar, no entanto, que o entusiasmo nos
leve a considerar o plantão como panacéia para todos
os males. As limitações existem, já que obviamente não
se pode pretender que uma alternativa de intervenção
clínica venha a suprir as inúmeras carências de nosso
sistema de Saúde Mental a nível público. Ao possibilitar
a explicitação da demanda emocional do cliente, o
plantonista depara-se com a escassez dos recursos
institucionais da comunidade para acolher estas
necessidades que muitas vezes brotam do solo fértil
das desigualdades sociais e financeiras. O desemprego
avoluma-se de maneira assustadora nas grandes cidades,
destruindo as esperanças de milhares de famílias que
assistem impotentes aos descaminhos de seus filhos mais
jovens seduzidos pelo ouro falso do tráfico de drogas e
dos assaltos. As escolas de periferia parecem andar à
deriva frente a realidade avassaladora de uma violência
urbana que desdenha seus cânones e não acredita mais
na educação como possibilidade de ascensão social. Cabe
aos plantonistas, sensibilizar-se com este quadro insólito
e transformar o contexto das clínicas-escola no sentido
de uma aproximação com um modelo mais comunitário,
revertendo a tendência anacrônica de reproduzir os
consultórios particulares, ao flexibilizar o elenco de
serviços oferecidos à população dando-lhe voz e
credibilidade pelo desenvolvimento da autonomia
emocional. No âmbito teórico, representa um avanço na
medida em que diferentes abordagens psicoterápicas
poderão desenvolver pesquisas sobre a eficácia da
adoção de novos modelos, quanto à relação interpessoal
de ajuda psicológica.
120
Plantão Psicológico em Clínica-Escola 

 A VIVÊNCIA DO PLANTÃO PSICOLÓGICO COMO TEMA 


DE PESQUISA 
Numa pesquisa recentemente concluída (cujos
resultados parciais foram apresentados durante o VI
Encontro Estadual de Clínicas-Escola, ocorrido em
Itatiba, SP, em agosto de1998) sobre as condições desta
implantação, buscou-se caracterizar o modelo de
prontoatendimento psicológico oferecido à
comunidade. Adotando uma metodologia
fenomenológica, desenvolveu-se um estudo de tipo
qualitativo que constou da análise de depoimentos
colhidos junto aos supervisores, plantonistas e
funcionários da Clínica-Escola da PUC-Campinas, a
partir dos passos propostos por Amedeo Giorgi
(1994). O objetivo principal foi o de descrever a
 vivência do plantão para aqueles que se responsabilizam
por sua efetivação institucional. O contato com os
diversos sujeitos constou de entrevistas abertas, em
número suficiente para contemplar o critério de
saturação, isto é, a coleta dos depoimentos foi
interrompida quando não se observou mais nenhum
elemento novo no conteúdo das falas dos sujeitos
pesquisados sobre o tema em questão. Duas questões
básicas nortearam este estudo:

a)O serviço de pronto-atendimento psicológico


oferecido à comunidade pela Clínica-Escola da
PUC-Campinas constitui-se, efetivamente, numa
alternativa de relação de ajuda psicológica?
b)Quanto à formação do futuro psicólogo, a participação
como plantonista representa uma oportunidade de
ampliação da experiência clínica?

 As entrevistas foram gravadas e realizadas


individualmente, desenvolvendo-se a partir de algumas
perguntas que focalizavam o tema da pesquisa, quais
sejam:
121
Plantão Psicológico: novos horizontes

1) O que é para você plantão psicológico?


2) Você vê algum tipo de contribuição do plantão para
a formação do aluno?
3) Em relação aos pacientes desta clínica, você percebe
algum tipo de contribuição do plantão à comunidade?
4) Que tipos de pacientes você encaminharia ao plantão?

 As perguntas acima serviram apenas como um


roteiro para a entrevistadora; caso o conteúdo,
espontaneamente, já incluísse os principais aspectos
referentes ao tema da pesquisa, elas não eram
formuladas.
Cada depoimento foi transcrito, textualizado
(etapa que corresponde a transformação da transcrição
em texto escrito) e procedeuse, então, a uma análise
das unidades de significado de forma a obterse a
compreensão psicológica de cada uma delas.
Finalmente, após terem sido estabelecidas algumas
categorias a partir das sínteses específicas dos 12 (doze)
depoimentos,* compôs-se a síntese geral, ou seja, a
* Consulte o anexo estrutura do vivido em relação ao tema.
Plantão Psicoló-
gico: vivência dos
plantonistas  no  ANÁLISE DOS RESULTADOS:
final deste capítulo.
Categorias extraídas das Sínteses Específicas:

Conceito sobre o plantão psicológico: consiste


num tipo de ajuda, ou atendimento profissional
imediato, aberto às pessoas da comunidade que se
sentem desesperadas, com problemas ou em crise;
caracteriza-se por fornecer alívio, orientação e apoio
em situações de urgência.
Contribuição para a formação do estagiário:
possibilita o acesso a uma diversidade de pessoas e
problemas, levando a um contato direto com o
inesperado, criando impacto emocional, desenvolvendo
uma escuta diferenciada e promovendo um raciocínio
122
Plantão Psicológico em Clínica-Escola 

clínico mais rápido e preciso. Também promove um


senso de responsabilidade ampliado, ao retirar o aluno
de uma situação de aprendizagem mais protegida.
Quanto aos benefícios aos pacientes: sentem-
se acolhidos no momento mesmo em que surge uma
necessidade de ajuda, ao estarem desorientados, com
um problema muito sério, ou simplesmente quando
precisam desabafar com alguém. O atendimento
oferecido pelo plantonista ajuda a diminuir a ansiedade,
permite uma compreensão do problema, oferece uma
perspectiva e uma visão mais realista do trabalho do
psicólogo, como alguém que sabe ouvir e está ali na
hora exata da procura.
 Tipos de pacientes que encaminhariam ao plantão:
pessoas desorientadas, que chegam aos prantos, que
precisam de alguém naquele momento, mães
desesperadas, pessoas que esperam por uma vaga para
fazer psicoterapia, ou aquelas que apenas querem
conversar para tirar dúvidas e receber informações sobre
o trabalho do psicólogo e as formas de atendimento da
instituição.

No processo de interpretação (terceira etapa a


compor uma análise fenomenológica dos dados, posterior
à descrição e à compreensão) destacaram-se alguns
elementos do vivido, obtidos a partir das sínteses específicas
dos depoimentos de estagiários e supervisores, enquanto
representantes da equipe de técnicos da instituição. Visando
trazer ao leitor uma compreensão mais particularizada destas
 vivências, passamos a transcrevê-las abaixo:
Estagiários:
  inicialmente, ansiedade frente aos períodos de espera
pela chegada de clientes e;
  dificuldade em confiar em si mesmo(a), frente ao
inesperado;
  frustração pela ausência de uma equipe interdis-
ciplinar para dar suporte aos atendimentos;
123
Plantão Psicológico: novos horizontes

  após alguns atendimentos, desenvolvimento de


autoconfiança e iniciativa;
  sentimentos de solidariedade e respeito pela
comunidade;
  amadurecimento pessoal e profissional como
decorrência de uma escuta empática aos clientes;

Supervisores:
  entusiasmo frente ao amadurecimento do grupo de
estagiários pela inclusão de plantão psicológico como
uma alternativa de atendimento;
  desenvolvimento de confiança nos recursos internos
dos plantonistas;
  necessidade de maior entrosamento com outros
supervisores;
  frustração frente à ausência de uma retaguarda
psiquiátrica;
  satisfação pela possibilidade ampliada de reflexões
e discussões sobre a prática clínica institucional nos
grupos de supervisão;
  grande interesse em dar continuidade a este tipo de
serviço, tanto em função dos benefícios à população,
quanto pelos objetivos pedagógicos;

Como o Plantão Psicológico é apreendido pelas


 pessoas que se responsabilizam por este serviço na
Clínica-Escola da PUC-Campinas:
Supervisores, estagiários e funcionários
compreendem o Plantão Psicológico como um tipo
de relação de ajuda imediata, que fornece alívio,
orientação e apoio em situações de emergência às
pessoas da comunidade que se sentem desesperadas
ou com problemas muito sérios. Elas parecem gratas
por terem sido acolhidas no momento em que buscaram
ajuda psicológica, ou quando precisavam muito
desabafar com alguém. Este tipo de atendimento parece
ajudá-las no sentido de diminuir a ansiedade,
124
Plantão Psicológico em Clínica-Escola 

permitindo uma compreensão do problema, oferecendo


novas perspectivas e uma visão mais realista do
psicólogo como aquele que sabe ouvir e está ali na
hora exata da procura. O estagiário, por sua vez, torna-
se mais acessível e menos rígido, dando a impressão
de ter amadurecido, pois já não se espanta tanto com o
inesperado e movimenta-se com mais desenvoltura pela
clínica, relacionando-se de maneira mais espontânea
com os clientes e os funcionários.
Os supervisores, cujos alunos participam do
Plantão Psicológico, sentem que o grupo amadurece e
que os encontros tornam-se uma oportunidade para
gratificantes discussões sobre a comunidade, seus
problemas, as possibilidades de ajuda, as frustrações
frente aos próprios limites, assim como para a construção
de uma cumplicidade repleta de idealismo e de promessas
que aumenta a confiança mútua. Aqueles que não
participam do serviço, mostram-se receosos quanto à
falta de uma retaguarda psiquiátrica na instituição e à
inexperiência dos estagiários em lidar com situações mais
complicadas, principalmente com a possibilidade de
clientes em surto psicótico. Alguns chegam a alertar
para os riscos de um atendimento deste tipo para o
agravamento de uma patologia, já que o acolhimento
poderia mascarar o quadro pela redução dos sintomas.
 As funcionárias de um modo geral mostram-se
otimistas em relação à existência do Plantão Psicológico,
pois este parece aliviar-lhes da árdua tarefa de lidar
com aquelas pessoas confusas, que chegam à instituição
sem saber o que vieram buscar, ou com as que parecem
tão desamparadas e sofridas que chegam a comovê-las.

Esta pesquisa coincide com uma linha de


interesse profissional mais recente da autora com
ênfase no desenvolvimento de  práticas clínicas 
institucionais . Neste sentido, Macedo(1986) já
preconizara a necessidade de que o psicólogo clínico
125
Plantão Psicológico: novos horizontes

fosse levado, desde a sua formação, a refletir


criticamente e conscientizar-se do ponto de vista social
e político, para ser capaz de desenvolver uma definição
ideológica norteadora numa busca por modelos
alternativos mais adequados à extensão dos serviços
psicológicos a toda população, desvinculando-os do
estereótipo de uma prática específica para as classes
privilegiadas. Identificada com a mesma intenção, a
motivação que tem nos conduzido nesta direção
origina-se de um questionamento: qual a relevância
de se adotar o enfoque existencial-humanista como
um posicionamento teórico-filosófico e como
perspectiva de atuação clínica numa sociedade como
a brasileira?
O fato de a Abordagem Centrada na Pessoa
submeter a importância dos conhecimentos teóricos e
das habilidades técnicas ao desenvolvimento de um
tipo de relação interpessoal em que os potenciais
humanos de autodeterminação possam ser liberados e
promovidos, requer que o profissional preste-se a um
mergulho corajoso em situações da vida cotidiana,
acabando por quebrar modelos e estilos tradicionais,
aventurando-se em novos contextos, rompendo certos
limites ou, simplesmente, imprimindo visões pessoais
a velhos problemas. O respeito pelas pessoas, o
reconhecimento do outro como totalidade e unicidade,
a intolerância frente às manifestações de valores
deterministas que tendem a enfocar o ser humano
genericamente, o compromisso com o devir humano,
são denominadores comuns das várias linhas de teoria
e psicoterapia com esta inspiração (Cury, 1993). A
psicologia humanista com uma visão que prioriza os
aspectos saudáveis do ser humano, assim como as
possibilidades de crescimento, e a Abordagem Centrada
na Pessoa com sua ênfase na tendência formativa
(Rogers, 1980), têm muito a contribuir para a formação
do psicólogo clínico, na medida em que permitem uma
126 
Plantão Psicológico em Clínica-Escola 

forma de abordar os fenômenos da realidade pautada


pela noção de que o ato de compreender já se constitui
em um tipo de intervenção. Restitui ao encontro inter-
pessoal seu caráter transformador que numa escala mais
ampla implica em considerar que a evolução de uma
sociedade depende das condições existentes para que
as pessoas, individualmente ou em grupo, possam enga-
jar-se em rituais institucionalizados que lhes garantam a
oportunidade e o contexto apropriado para compartilhar
suas vivências, sentindo-se respeitadas e valorizadas.
 A ênfase desta pesquisa incide sobre a área da
Saúde Mental Comunitária e a inserção do psicólogo
clínico nas práticas institucionais. A sistematização de
tais práticas faz-se necessária e urgente na medida em
que no Brasil está em andamento uma reestruturação
das políticas em relação à saúde pública e, como
decorrência, das instituições responsáveis pelos
programas de saúde mental, tanto em níveis de
prevenção e promoção de saúde, quanto no que
concerne à atenção secundária e terciário (Campos,
1992), priorizando o desenvolvimento de intervenções
contextualizadas, interdisciplinares e flexíveis. Numa
perspectiva mais ampla:

o objetivo historicamente mais recente da higiene mental 


 já não se refere tão somente à doença ou à sua profilaxia 
e sim também à promoção de um maior equilíbrio, de um 
melhor nível de saúde na população. Desta maneira já 
não interessa somente a ausência de doença e sim o
desenvolvimento pleno dos indivíduos e da comunidade 
total. A ênfase da higiene mental translada-se, assim, da 
doença à saúde e, com isto, à atenção sobre a vida 
cotidiana dos seres humanos. E, isto é, para nós, de vital 
importância e interesse.(Bleger, 1984, p.22).

 A proposta para a aplicação de esforços no


sentido de uma prática clínica coerente com o
127
Plantão Psicológico: novos horizontes

posicionamento teórico-filosófico da Abordagem


Centrada na Pessoa contida neste texto, necessita da
adoção de uma metodologia de pesquisa, cuja
interpretação dos dados (intervenções clínicas)
contemple uma descrição e compreensão dos mesmos
enquanto fenômenos interpessoais, que emergem ao
longo de um processo dinâmico de vivências com
significado próprio e intransferível. O reconhecimento
de nossa contribuição será decorrência direta de nossa
competência para comunicar e discutir cientificamente
de maneira a confirmar uma prática referendada e
substanciada na realidade sócio-cultural e num modelo
de intervenção clínica efetivo. O verdadeiro pesquisar
em Psicologia é aquele que busca resgatar o que de
mais íntimo e pessoal pertence a cada um, legitimando
estes significados como um bem coletivo. Nas palavras
de Carl Rogers (1980):

Minha confiança é no processo pelo qual a verdade é 


descoberta, alcançada e aproximada. Não é uma confiança 
na verdade já conhecida ou formulada. 

Finalmente, a experiência vivida e os resultados


do estudo sugerem que o Plantão Psicológico
representa uma flexibilização quanto às formas de
atendimento clínico oferecido à população, podendo
levar, também, a uma economia para o sistema, na
medida em que promove encaminhamentos internos e
externos. De maneira geral, proporciona, efetivamente,
uma relação de ajuda suficiente, reduzindo as listas de
espera junto ao próprio serviço de triagem. Quanto ao
estagiário-plantonista, desenvolve uma compreensão
mais abrangente da comunidade, amplia sua capacidade
diagnóstica pela diversidade de casos atendidos num
espaço de tempo relativamente curto, e aprende a
estabelecer um contato emocional com os clientes a
partir de uma escuta empática que precisa ocorrer de
128
Plantão Psicológico em Clínica-Escola 

imediato. Também vivencia um processo de


amadurecimento pessoal que confere maior autonomia
a sua prática clínica. Os clientes, da forma como são
apreendidos pela instituição, beneficiam-se da
oportunidade de um atendimento psicológico que se
configura no momento em que há uma demanda
emocional, diminuindo o nível de ansiedade e
 viabilizando o surgimento de recursos pessoais para a
busca de soluções para a problemática vivida.
 A despeito do Plantão Psicológico ser
caracterizado pelos cépticos como apenas mais um
tipo de intervenção a dois, breve demais para produzir
qualquer mudança duradoura, diríamos que este
serviço tem contribuído para nos aproximar da verdade
sofrida que confere realismo ao suor e às lágrimas de
nosso povo, mas paradoxalmente tem também
aumentado nossa fé no processo dos relacionamentos
interpessoais, pelos quais transita e é intensificada a
possibilidade de recuperação da dignidade humana em
sua mais nobre acepção.
Quanto às instituições em geral, e às Clínicas-
Escola em particular, deixemos de atribuir a seu andar
paquidérmico todas as culpas: as limitações quanto ao
âmbito dos serviços prestados à população decorrem
com mais freqüência da facilidade com que se faz uso
delas para justificar atitudes conformistas e vícios
profissionais e menos da eficiência de seus entraves
administrativos.

 Anexo: Plantão Psicológico:


vivência dos plantonistas 

 Uma coisa é por idéias arranjadas,


outra é lidar com pessoas, de carne e 
sangue, e mil e tantas misérias . 
Guimarães Rosa 
Grande Sertão Veredas 
129
Plantão Psicológico: novos horizontes

A experiência de atender no plantão psicológico é uma


oportunidade desafiadora, tanto para a formação acadêmica quanto
para o desenvolvimento pessoal.

Quando um aluno se propõe a ser plantonista, é necessário


que ele tenha disponibilidade para lidar com situações imprevisíveis,
acolhendo pessoas. Independente de quem sejam. Na verdade, quando
nos sentamos frente a alguém no plantão, não sabemos nada sobre
essa pessoa, quais os motivos pelos quais ela está ali, suas angústias,
medos, necessidades, expectativas etc.
No desenrolar do atendimento, entramos em contato com a
pessoa, da forma como ela se apresenta. A partir desta única
interação, buscamos ser empáticos, tentamos proporcionar um clima
psicológico facilitador para que ela possa expressar-se livremente,
entrar em contato com seus sentimentos, e, na medida do possível,
possa aliviar a tensão e um pouco da dor pela qual está passando.

Muitas vezes, o motivo da procura pelo Plantão Psicológico


não se refere apenas a angústias ou medos, mas sim, pessoas que
vêm em busca de um espaço para se expressar, alguém para ouvi-
las, ou mesmo, uma busca por outras alternativas, como por exemplo:
solução para problemas de familiares ou terceiros, encaminhamento
para outros profissionais etc.

Ressalta-se que, no Plantão Psicológico, o fator tempo é


fundamental, pois, busca-se equacionar a demanda das pessoas, com
os recursos que o plantonista e a instituição dispõem, em uma única
sessão. Essa proposta cria uma situação peculiar: o plantonista não
acompanha o desenrolar do processo.

A oportunidade de experiênciar o atendimento no Plantão


Psicológico, traz em si a possibilidade de entrar em contato com
diferentes experiências de interação: quanto a faixa etária, nível sócio-
econômico e cultural, queixas, etc. Conseqüentemente, amplia a
vivência clínica do aluno de 5 o ano.

A experiência como plantonista possibilita ainda, uma


plasticidade quanto às perspectivas profissionais, no sentido de
viabilizar futuras aplicações deste modelo de pronto atendimento em
outros contextos.
130
Plantão Psicológico em Clínica-Escola 

Tem sido um desafio constante, praticar o que aprendemos


durante o estágio. A experiência de aprender nessa abordagem, tem
me mostrado caminhos que antes pareciam mais obstáculos .

 Atender na Abordagem, mostrou-me o que é  estar


genuinamente com alguém , considerando-se todas as peculiaridades.
Requer que você esteja inteiro, pois, todo o trabalho desenvolve-
se a partir desta relação .

Acreditar na capacidade de crescimento do ser humano é o


primeiro passo para o atendimento na Abordagem Rogeriana, que
com certeza deve permear todo o processo terapêutico .

 Propicia uma nova visão do atendimento clínico


particularmente no que se refere ao poder do terapeuta no processo,
pois há ênfase na capacidade que o próprio indivíduo tem para o
crescimento.

No início foi difícil atender na Abordagem Rogeriana e


compreender qual seria o meu papel frente às colocações do cliente
e muitas dúvidas surgiram, mas estas foram ficando mais claras à
medida em que eu experienciava a relação terapêutica e observava
as conseqüências de minhas atitudes .

Há muito tempo, eu desejava atuar na Abordagem Rogeriana,


finalmente, este ano pude concretizar minhas aspirações. E, confesso,
tem sido melhor do que eu imaginava. Rogers é mesmo incrível... As
situações de aprendizado e crescimento são constantes, seja nas
supervisões, nas discussões dos textos, no atendimento, no progresso
do cliente, etc. Passamos por momentos inesquecíveis e de valor
inestimável .

A oportunidade de participar de um grupo em que abrimos


uma roda e compartilhamos o estudo e o atendimento clínico na
perspectiva rogeriana, foi uma experiência valiosa, por diversas
razões. Em especial, pela possibilidade de aprender da compreensão
teórica e clínica de Rogers em um espaço que podemos ouvir e
dizer as histórias reais de que passamos a fazer parte quando
somos psicoterapeutas .
131
Plantão Psicológico: novos horizontes

BIBLIOGRAFIA:

 ANCONA-LOPEZ, S. A Porta de Entrada: da entrevista 


de triagem à consulta psicológica . Tese de Doutorado.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP,
1996.

BLEGER, J. Psico-Higiene e Psicologia


Institucional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.

CAMPOS, G.W.S. Reforma da reforma; repensando


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CURY, Vera E. Abordagem Centrada na Pessoa: um estudo


sobre as implicações dos trabalhos com grupos intensivos 
 para a terapia centrada no cliente. Tese de Doutorado.
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas, 1993

GIORGI, Amedeo A phenomenological perspective on certain 


qualitative research methods . Journal of 
Phenomenological Psychology, 25 (2): 190-220,
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MACEDO, R. M.(org.) Psicologia e Instituição: novas


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MAHFOUD, Miguel.  A vivência de um desafio: plantão


 psicológico. IN : ROSENBERG, R.L. (org.). Aconse-
lhamento Psicológico Centrado na Pessoa . São
Paulo: EPU, 1987, p.75-83 (Séire Temas Básicos de
Psicologia, vol. 21).

ROGERS, C. R.  A Way o f B ei ng .  Boston,


Massachusetts: Houghton Mifflin Company, 1980.
132
Plantão Psicológico em Clínica-Escola 

ROSENBERG, Rachel L. (Org.).  Aconselhamento


Psicológico Centrado na Pessoa . São Paulo: EPU,
1987 (Série Temas Básicos de Psicologia, Vol. 21)

 WOOD, J.K. et alii (Org.s) Abordagem Centrada na


Pessoa. 2ª ed., Vitória: Editora Fundação Ceciliano
 Abel de Almeida / Universidade Federal do
Espírito Santo, 1995.

133
Psicólogos de plantão...

Psicólogos de plantão...
 Vera Engler Cury 

U m conjunto de atitudes ao abordar os


problemas de natureza emocional desenvolvido pela
 Abordagem Centrada na Pessoa em suas múltiplas
aplicações - desde a psicoterapia individual, passando
pelos pequenos grupos intensivos até os
surpreendentes encontros de comunidade - gerou
também esta perspectiva de pronto atendimento
psicológico que ao longo destes capítulos
compartilhamos. E é esta mesma vinculação aos
pressupostos teórico-filosóficos da Psicologia
Humanista, através de um de seus mais ilustres
expoentes, Dr. Carl Ransom Rogers, que tem
possibilitado um processo genuíno de troca de
experiências, gerando afinidades, a despeito das
diferenças quanto a contextos e propostas numa
realidade sócio-cultural que nos instiga, a despeito de
toda a perplexidade.
Respeitosamente, os plantonistas aguardam por
seus clientes, sem saber quem serão, o que os trará,
135
Plantão Psicológico: novos horizontes

como ajudá-los... Quando chegam, repete-se um


encontro feito de apertos de mão, olhares, conversas...
e assim, despretensiosamente, atitudes simples de
acolhimento trazem de volta a magia dos rituais: de
homens primitivos ao redor de fogueiras ancestrais até
a comovida cumplicidade destes momentos refazem -
se os elos históricos de nossa humanidade em processo
de vida. Estas são horas solenes porque nos tornam a
todos mais humanos e este mesmo ritual que ao ser
reencenado perpetua valores e crenças, paradoxalmente
tem o dom de transformá-los. E desta mesma sociedade
exaurida por inúmeros conflitos, sacudida por atos
 violentos, por vezes tão injusta com as minorias e tão
complacente com os tiranos, surgem ainda ideais,
sonhos de um mundo mais livre e de uma psicologia
mais justa.
Cabe-nos como psicólogos neste novo século
que se anuncia a difícil convivência com a AIDS, com
a miséria da alienação, com a dor suprema da perda de
contato do homem com seus vizinhos - em nome de
uma absurda supremacia étnica; porém é nosso também
o prazer de uma intimidade ímpar e a indescritível alegria
de compartilhar a retomada da consciência e da
autonomia. Desdenhamos as bolas de cristal, pois é
pobre adivinhar quando se pode chegar bem perto e
ao ouvir o outro sentir os ecos de uma empatia revisitada,
bebendo da própria fonte. A verdadeira sabedoria não
reside no domínio dos fatos, mas sim no incrível
mistério de compartilhar com as pessoas a jornada que
as levará ao encontro consigo mesmas e da qual
emergem fortalecidas.
Não podemos nos omitir ante uma América
Latina atormentada por tantas dificuldades. Para tarefa
tão complexa, nosso compromisso enquanto
profissionais e cidadãos faz-se urgente e
imprescindível, já que a Psicologia é por excelência a
ciência que privilegia os afetos, os vínculos, a integração
136 
Psicólogos de plantão...

do indivíduo com o contexto sócio-cultural que o


coletiviza e lhe confere o sentido de pertinência. Num
cenário em que sanidade e loucura parecem não ter
fronteiras definidas, ainda é nossa a tarefa de criar
encontros que sejam mais do que simples trocas de
palavras; cabe-nos a missão de transformar o mundo
através de trabalhos empreendidos em salas de aula,
consultórios de psicoterapia, empresas, centros
comunitários, presídios, favelas, hospitais, centros de
saúde, ou até mesmo nas ruas.
Há, por outro lado, questionamentos de ordem
ética que incidem sobre os atendimentos institucionais:

em toda a área de saúde mental questionam-se hoje os 


objetivos e os efeitos verdadeiros do atendimento
institucional. Trata-se de definir, para além dos limites 
explícitos, a quem, ou ao que, interessam os procedimentos 
que são oferecidos ao público para seu bem-estar. A uma 
análise cuidadosa, muitos fatos se revelam servindo antes 
à manutenção da própria instituição do que aos seus 
usuários. (Rosenberg,1987).

Não devemos ingenuamente negligenciar tal


alerta; o psicólogo-plantonista deve responsabilizar-se
pela forma como as diversas instituições compreendem
e inserem o serviço do Plantão Psicológico, mantendo
para tanto a necessária lucidez quanto à ideologia vigente
e impedindo que esta prática sirva aos interesses
daqueles que pretendem pela multiplicidade de mode-
los de atendimento, apenas mascarar as diferenças e
ludibriar a população, substituindo a necessidade real
de tratamentos psicológicos pelo oferecimento de
serviços e técnicas de caráter amadorístico e sem emba-
samento teórico. O risco está em nos aliarmos a uma
 visão poderosamente discriminadora que vincula a quan-
tificação dos atendimentos à eficiência do modelo
institucional.
137
Plantão Psicológico: novos horizontes

Os mestres que nos precederam Abe Maslow,


Carl Rogers, Rachel Rosenberg, tinham em comum a
coragem para superar os dogmas e o entusiasmo para
buscar o inédito. As teorias são necessárias mas, com o
tempo, tornam-se mistificadas; retomar os
questionamentos, redescobrir seus significados,
atualizar seus objetivos, impedi-las de cristalizar, eis o
maior empreendimento do pesquisador, pois como
sabemos toda cronificação é um obstáculo ao
crescimento. O conhecimento não é algo linear, a
aprendizagem só ocorre quando nos interessamos
profundamente pelo objeto de estudo. E que estranho
objeto é o nosso: mergulhamos no outro para
emergirmos mais conscientes de nós mesmos. Confiar
em nossos clientes nos ensina a ter fé na possibilidade
de um mundo mais humano. Pessoas desrespeitadas
tornam-se violentas, mas aquelas a quem foi outorgado
o privilégio de uma escuta respeitosa geram novos
 ventos para atitudes mais solidárias e altruístas.
 A despeito de tudo isto, estamos de plantão, de
maneira ativa e pertinaz! Esta parece ser uma alternativa
suficientemente contemporânea para levar nossos
estagiários ao encontro desta que nos cabe como
realidade, neste tempo e neste país. Já não se pode
mais esperar pelas revoluções silenciosas que
embalaram os sonhos do compenetrado Carl. Uma
ética das relações interpessoais, sutil mas poderosa,
feita de pequenos gestos e acenos suaves, simples e
ainda assim determinada, parece conduzir os projetos
do Plantão Psicológico aqui comunicados.
Que esta conversa-diálogo, por onde transitam
nossos testemunhos e crenças, possa contar a você,
leitor, um pouco de nossa alma de aventureiros,
crédulos demais para desacreditar da dignidade
humana, irremediavelmente psicólogos para dar de
ombros quando as instituições criadas para ajudar
pessoas já não sabem mais reconhecer seus apelos.
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Psicólogos de plantão...

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 
ROSENBERG, Rachel L. (Org.)
 Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa .
São Paulo: EPU, 1987 (Série Temas Básicos de
Psicologia, Vol. 21)

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