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Resumo: Neste artigo tratamos das questões ligadas à criação de exercícios para o
desenvolvimento da independência rítmica e melódica entre as duas mãos ao piano,
tomando como ponto de partida sessões específicas de 3 temas de Egberto Gismonti:
Baião Malandro, Frevo e Sete Anéis. Os assuntos abordados pelos estudos envolvem
questões rítmicas como polirritmia (3:2, 3:4, 4:3, 5:4), polimetria, hemíola e
deslocamento aplicados às melodia e harmonia dos temas. Empregamos para a
criação dos estudos elementos dos métodos desenvolvidos por Pablo Rieppi
(polirritmia), Vinayakram (konokol), Gramani (pulso e variação) além de conceitos
colhidos por depoimentos de músicos que trabalham com a polirritmia de maneira
sistemática. O estudo desses exercícios tem trazido ao intérprete uma sensível
melhora na clareza e na precisão rítmica através do entendimento maior das
subdivisões e da sua relação com o pulso básico. Seu uso passaa ser incorporado ao
repertório de música brasileira ao piano, de maneira orgânica e natural, podendo ser
aplicada ao repertório de composições baseadas no samba, frevo, baião, congada, e
outros estilos.
Introdução
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Disponível em: http://culturabrasil.cmais.com.br/supertonica/arquivo/egberto-gismonti-forca-
lascada. Acesso em: 5 fev. 2015.
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Gismonti explica nesse video seu processo de estudo de ritmos diferentes com as duas mãos. No
primeiro exercício ele procura lentamente acelerar uma mão enquanto a outra mantém o mesmo pulso.
Disponível em: https://www.facebook.com/video.php?v=551512581561111. Acesso em: 15 fev. 2015.
1. Polirritmias em Gismonti
Apontamos a seguir alguns trechos em que Gismonti utiliza a independência, a
polirritmia e os ritmos cruzados:
Sonhos do Recife utiliza 4:3, 4:5 em alguns trechos:
2. Exercícios
Um exercício preliminar, utilizado por Gismonti no depoimento supracitado,
consiste em deslocar o tempo da mão esquerda em relação à mão direita dentro de um
exercício tradicional de 5 dedos, encontrado na literatura tradicional para piano36.
Gismonti, no 10º estudo de sua série de 10 estudos sugere variações, percorrendo
várias harmonias sucessivas para o desenvolvimento da terça, da síncopa e do
deslocamento, mas não é encontrada uma polirritmia de maneira explícita.
36
Debussy abre sua série de Estudos homenageando os exercícios para cinco dedos.
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Há aqui uma semelhança com o conceito de fase de Steve Reich na peça Piano Phase. Gismonti
inclusive dedica Equilibrista (Folksongs, 1979) ao compositor minimalista.
Após a apreensão de cada compasso, uma próxima etapa seria prestar atenção
em cada mão separada, procurando falar a sílaba que coincide somente com
determinada mão. No primeiro compasso do exercício acima, por exemplo, falaríamos
somente sa-ra-tel para focar na linha de baixo, e em seguida somente sa-pa, para
a. Baião Malandro
Na música Baião Malandro utilizamos os dois primeiros compassos para criar
variações de polirritmia e ritmos cruzados38.
Na versão do disco Alma (1987) e na versão do disco Sol do Meio Dia (1997),
notamos que Gismonti utiliza essa sessão intermediária para "brincar" com o pulso
principal, desdobrando o acompanhamento pela metade ou em proporções
relacionadas à colcheia pontuada, transformando-a num novo pulso simultâneo ao
pulso original. Uma das variações propostas é baseada no acompanhamento de
colcheias pontuadas, causando um padrão que varia a cada 3 compassos, ou a cada 6
compassos se considerarmos um retorno completo ao motivo inicial de 2 compassos.
Apresentamos a seguir essa proposta de ritmos cruzados entre as duas mãos:
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Utilizamos o termo polirritmia para designar tanto ritmos cruzados quanto a polirritmia, priorizando
sua relação (4:5, 3:4, 8:5, etc.) ao invés do número de compassos do seu ciclo, deixando ao leitor notar
sua diferença nos exercícios de acordo com a definição de Cristiano Rocha: "Muito parecido, e
confundido, com a polirritmia por também apresentar superposição de divisões rítmicas contrastantes,
o ritmo cruzado forma um ciclo de mais de um compasso, no mínimo dois, enquanto a polirritmia
fecha seu ciclo em apenas um compasso" (Rocha, 2006, p. 1).
b. Sete Anéis
Na sessão B de 7 anéis, onde temos uma sucessão constante de semicolcheias,
notamos na execução de Gismonti o uso do deslocamento entre uma mão e outra, sem
uma relação matemática aparentemente detectada. No depoimento de Gismonti (2013,
1'10''), ele diz não pensar na relação matemática entre as mãos, mas pensa na
visualização mental da partitura, pois olhar para o teclado pode confundi-lo, e dessa
forma ele "brinca" com o deslocamento das mãos. Abaixo a notação original do
trecho:
polirritmia 8:5
c. Frevo
3. Conclusão
A polirritmia é um recurso muito utilizado na música de Gismonti, Hermeto
Paschoal, Nenê, Marcio Bahia, Trio Corrente e outros grupos. Diversos ritmos
brasileiros se originam da polirritmia, que é muito comum na música africana. A
Referências
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https://www.academia.edu/7670343/O_IMPROVISO_MUSICAL_COMO_MEDIAD
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