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Brasília / 2018
Antonio Lucas Alves Oliveira
Brasília / 2018
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Banca examinadora:
______________________________________________________________
Orientador – Professor Dr. Luiz Carlos Pinheiro Ferreira – Universidade de
Brasília
______________________________________________________________
Professora Dra. Ana Paula Aparecida Caixeta – Universidade de Brasília
______________________________________________________________
Professora Dra. Luisa Günther – Universidade de Brasília
Agradecimentos
À banca examinadora, composta pela Dra. Ana Paula, e Dra. Luisa Günther,
pelo interesse e disponibilidade pela banca.
https://arteref.com/wp-content/uploads/2017/08/Two-Figures-1953.jpe
g ................................................................................................................... 29
Figura 4 Jerry, Paul Cadmus, 1931. óleo sobre tela. 50.8 x 60.9 cm ... 31
papel............................................................................................................. 32
http://www.stevenkasher.com/exhibitions/george-platt-lynes/featured-
work?view=slider#6....................................................................................33
Figura 7 Sem Título. LUVS. Lápis de cor sobre papel 28x23cm. 2014.43
Figura 9 Pai de Família. LUVS, lápis de cor sobre papel, 13x11cm, 2015
.......................................................................................................................47
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO p.08
REFERÊNCIAS p.52
8
INTRODUÇÃO
Quando contei para minha mãe que iria ingressar no Curso de Licenciatura em Artes
Visuais da Universidade de Brasília, ela prontamente me perguntou se dava dinheiro.
Compreendo os motivos de sua indagação, pois, enquanto indivíduos submersos
numa lógica capitalista, o dinheiro é motivação suficiente para qualquer
movimentação. No entanto, eu não pensava nisso, sequer respondi sua pergunta.
Não sabia responde-la e não sabia o que me movia exatamente. Esse desejo de
cursar artes visuais me veio subitamente. Embora meu contexto pudesse me dirigir à
perseguir metas mais “utilitárias” - uma ascensão social talvez - visto que me
encontrava numa condição de vulnerabilidade socioeconômica, minha vontade
ignorava essas paredes. Parecia que meu desejo era de me alimentar com outros
sonhos, buscando saciar-me por vislumbres, reflexões introspectivas, desenhos
eróticos, vontade de ensinar, aprender, experienciar...
O campo das artes visuais era o mais sedutor, mais abstrato, mais transitório e
instigante à mim. Certamente hoje entendo melhor essas motivações que transporta
consigo traumas e conflitos. Nesse sentido, apresento nessa pesquisa tais impulsos
que delinearam o caminho que acabei trilhando, que vai muito além de uma vontade
pura, determinante e individual.
Navego na direção conduzida pelos verbos olhar e contar; uma faculdade humana
individual e uma ação cadenciada pela presença do outro. Esses dois aspectos
humanos que abalam existências. E neste sentido, apresentarei no corpo do texto
três tópicos interconectados por essas questões:
A IMAGEM PENETRANTE
Tenho grande interesse pela imagem1, pelo seu poder persuasivo e pelo modo como
as mesmas podem suscitar ideias. A imagem transitou e, ainda transita nos
processos de formação e autoformação da minha vida, tornando-se um elemento
determinante na construção subjetiva acerca dos meus desejos e intenções. Penso
também, que a imagem possa ser decisiva na vida de qualquer sujeito que é lançado
ao seu devir incessante. No entanto, desses cruzamentos incessantes, a imagem
acabou tornando-se catalisadora para o entendimento de aspectos profundos da
minha personalidade. Através dela pude pensar questões da minha subjetividade, e
de como ela agiu de maneira transformadora nas relações que eu concebia com uma
série de questões que tratarei nesta pesquisa. É pela imagem que oriento tanto o
percurso de minha formação como das questões autoformativas.
1
É preciso esclarecer que a imagem que trato aqui é a imagem produzida por seres humanos. Que existe desde
as cavernas e foi mudando seus materiais, suportes e meios de produção (o desenho pintura, gravura, fotografia)
até atingir seu estado atual. Portanto, estabelecendo uma conexão com as visualidades cotidianas, que não
necessariamente carregam o status de arte.
13
Miranda (2012, p. 26) nos conta que “as imagens sempre funcionaram como
mediação efetiva na relação do homem com o mundo”. Contudo as especificidades
de nossa época caracterizam uma outra dinâmica em relação à essas imagens.
Percebo que, mesmo considerando as diferentes visualidades presentes na história
da humanidade, arrisco dizer que a presença de imagens visuais na
contemporaneidade insinua-se de forma constante, intensa e volumosa.
Penso que, ao aceitar que a recepção dessas imagens de forma direta não necessite
de uma análise profunda de seu significado enquanto discurso visual, possa ser
ocasionado por essa movimentação de imagens ser tão acelerada e provisória.
Entretanto de acordo com Nascimento (2011, p. 214) “os regimes discursivos
interferem e estão imbricados com os processos de fabricação, divulgação e
recepção de todas as imagens” e, tanto os discursos quanto as imagens estão
imbricadas numa relação de poder e saber. Qualquer tipo de imagem está
concatenada com a proliferação de discursos de determinados contextos, carregando
veiculação de diversos significados.
por onde está endereçado este campo da cultura visual dentro da escola e dos
espaços para sua discussão.
Como nos conta Hernandez (2002), diversas mudanças nas concepções e nas
práticas do ensino de arte foram percebidas ao longo dos anos, estabelecendo
conexões com as especificidades de cada época e lugar. Contudo, se levarmos em
conta as contínuas mudanças nas produções acerca do conhecimento artístico, da
educação, da sociedade da informação e da comunicação, podemos perceber certa
defasagem ao que geralmente é estabelecido dentro das salas de aula. Como
comentarei logo adiante em um fragmento reflexivo, onde na minha experiência
pessoal, como na de vários estudantes (HERNÁNDEZ, 2000), os professores
continuam concebendo o ensino de arte sob um viés instrumental e/ou puramente
expressivo. Mesmo que as questões da nossa época - onde encontram-se sujeitos
da informação, globalizados e tecnológicos - apontem para outras demandas.
Portanto faz-se necessário a busca de referenciais imagéticos amplos e diversos,
que ultrapassem o objeto de arte e das imagens canonizadas pelas Artes Plásticas.
As imagens da tv, da mídia, da publicidade, do consumo, ou mesmo imagens de
artes que contemplem outras realidades sociais além das estabelecidas
hegemônicamente2 devem ser tomadas como objetos de análise também. Portanto,
o ensino da cultura visual tem como um dos objetivos propor o estudo da
decodificação e reflexão dessas visualidades culturais mediáticas diversas, que se
presentificam intensamente no nosso mundo, e das quais nos encontramos tão
indefesos, conforme aponta Hernandez (2000). Portanto faz-se necessário que
educadores percebam que o campo da imagem possui seus limites difusos, visto que
os meios de produção, reprodução, acesso e distribuição que vinculam-se as
imagens na contemporaneidade são mais amplos que aqueles estabelecidos pela
esfera das belas artes.
2
Este assunto será melhor evidenciado no próximo tópico deste texto.
16
Nesta questão, faz-se importante deixar acordado o que determina o artístico aqui.
Coincidiremos com definição que Imanol Aguirre (2010, p. 4) conforme citado por
(MIRANDA 2012, p. 2) nos apresenta:
Nessa perspectiva que alude aos momentos vividos, exercidos e praticados com
outros, considero pertinente apresentar reflexivamente os meus fragmentos, como
um caminho para investigar de maneira crítica o passado vivenciado por mim. Assim
como, meu envolvimento com o ensino de arte, com a sexualidade e com a minha
produção poética serão (re)visitados através desse recurso metodológico.
3
Segundo FERREIRA (2015, p. 21), os fragmentos narrativos versam sofre fatos, acontecimentos e
situações vividas, que caracterizam experiências de cunho pessoal e profissional. Tais fragmentos
representam um processo arqueológico de pesquisa, ou seja, como parte de uma escavação que
remete aos acontecimentos relevantes presentes em uma determinada trajetória de vida.
18
direções mais desorientadas possíveis. Convicto que assim estava correto, pois
assim estava lindo, ao menos para mim. Foi quando recebi a calorosa intervenção da
professora: "Pinte em uma só direção". Interrompi meu trabalho e pedi outra folha
para fazer do "jeito certo". Por muito tempo acreditei nesse mantra, pinte em uma só
direção, e com ele interiorizado, pensei ser o suficiente para me tornar um exímio
desenhista e pintor. Contudo, essa frase ampliada em outros contextos, teria
consequências muito mais profundas no meu processo de escolarização e
construção identitária.
No entanto, a imagem chegou até mim de uma forma enviesada, com outros
contornos e significantes proibidos, envolvendo-me em reflexões complexas que
apontariam aspectos profundos da minha subjetividade, como o caso de minha
sexualidade reprimida. No capítulo a seguir, abordarei como a questão das imagens
eróticas ou de nus masculinos produziram sentidos em meu processo de
autoformação da sexualidade. Os efeitos desse repertorio de imagens motivaram-me
à percorrer caminhos pelo fazer artístico a partir da linguagem do desenho, em busca
de uma escrita de si que desvelasse situações pontuais acerca da minha trajetória de
vida pessoal e profissional.
19
AUTOFORMAÇÃO E IMAGEM
A sexualidade é algo muito caro ao ser humano, somos seres sexuais que possuem
essa esfera do desejo construída das mais diversas formas. A condição sexual do ser
humano, embora biologicamente intrínseca, é modificada e significada culturalmente.
As sociedades possuem um papel fundamental na formulação destas manifestações
ao definir como ela se apresentará socialmente.
Conforme aponta Dias (2012, p.155) “Na escola existe uma insuficiência de
discussões formais sobre a sexualidade e identidades sexuais”. Quando
mencionadas, na maioria das vezes, estão circunscritas à discursos médicos e/ou
moralizantes. Essa negligência é agenciada pelos sistemas culturais, políticos e
econômicos que sustentam a arte/educação, dos quais privilegiam certas imagens
em detrimento de outras. Essas imagens legitimadas dentro do espaço escolar
geralmente estão associadas ao espectro da arte branca, heterossexual e masculina
(DIAS, 2012). Imagens que perpetuam uma dominação ideológica dos grupos
hegemônicos. Os discursos de poder da sexualidade portanto operam também na
esfera pedagógica através da imagem. Esta que acaba tornando-se um instrumento
de revitalização do status quo, mesmo que também possua potencialidades como
instrumento de crítica à essas estruturas hegemônicas.
NARRATIVAS DA SEXUALIDADE
“para de falar isso, vai que ele vira, ai você vai se sentir culpado”. Soava como uma
praga para mim, alguma maldição que se joga em alguém quando se está com raiva.
Acredito que meu irmão não sentiu a culpa que minha mãe lhe atribuiu, ou ao menos
não como eu senti. Esse adjetivo[viadinho!] me devorou durante muito tempo,
principalmente quando com os passar dos anos eu começava a me reconhecer nele.
Sob a vigilância constante de imagens de santos católicos (como um retrato de Jesus
com relevo que causava uma ilusão de perseguição pelo olhar enquanto o
espectador andava) eu me tornava viadinho, bem ali na frente deles. Dessas figuras
espirituais que diriam que aquilo era errado. Numa ocasião sozinho em casa, acabei
vendo um vídeo no youtube de dois homens se beijando, e aquilo me excitou de
forma arrebatadora. Como eu chorei por ter me sentido excitado daquela forma a
ponto de gozar. Jesus ainda me olhava, com aquele olhar complacente e julgador ao
mesmo tempo. Ele sabe o quanto eu rezei para não ser viadinho, mas minhas preces
pareciam ter sido jogadas no lixo. Quanto mais eu me devotava à tarefa de extrair
essa sexualidade errônea de dentro de mim, mais ela voltava com força feito um
bumerangue. Chegou um momento que eu apenas rejeitei qualquer tipo de estímulo
que pudesse aflorar esse aspecto sexual em mim. Forçosamente escondi minha
sexualidade durante anos. Com algumas recaídas, como quando eu me encontrava
em sites pornográficos com conteúdo gay. Com o genital na mão e lágrimas nos
olhos. Foi assim que descobri minha sexualidade, através de olhares; o olhar dos
santos; o olhar para a pornografia; e o olhar-se com culpa.
AS IMAGENS INTERROGANTES
encontrando uma pintura de Francis Bacon numa exploração cotidiana pelo Feed da
plataforma. Essa experiência transformou-se em uma motivação significante para a
percepção de minha sexualidade. A obra de Francis Bacon foi vanguardista em
iluminar os caminhos assombrosos que minha sexualidade costumava seguir. Por
mais caótica que seja a imagem produzida por esse artista, a representação dos
corpos “Baconianos” entranhavam-se em minhas questões intimas.
Na época em que me deparei com a pintura de Bacon, minha relação com o desejo
pelo corpo masculino se apresentava com considerável semelhança à sua pintura.
Minha repulsa ao meu próprio corpo e sexualidade parecia ter sido representada
pelos corpos transtornados de Bacon. Suas pinceladas e o modo contorcido
apresentado em seu trabalho sugere “o esforço de um corpo em figurar-se, o esforço
de um corpo em fugir” (PONTIN, 2013, p. 348). Os corpos de Bacon desfigurados e
transfigurados, do avesso, que por vezes parecem fugir da figura, são corpos que
fogem do corpo disciplinado e homogeneizado do corpo escolarizado educado por
uma sociedade normativa.
Francis Bacon era homossexual, renegado pelo pai, que crescera num ambiente de
opressão e refugiou-se no universo boémio e criativo onde acabou propiciando a
produção de suas obras. Essa informação foi muito representativa para mim, pois
notava que grande parte de sua obra trazia a questão da sexualidade a tona. Como
em Two Figures (1953), (Figura 3) pintura realizada a partir de uma fotografia de
movimento de Eadward Muybridge (Figura 2). Embora o fotografo inglês tenha
captado o movimento de dois lutadores, na pintura de Bacon esses corpos são
ressignificados, na inclusão de novos elementos para a cena, expandindo-a para
28
Paul Cadmus foi um pintor norte-americano do século XX, mais conhecido por seu
trabalho comumente denominado de realismo fantástico. Suas obras mais
reconhecidas combinavam elementos de erotismo e sátiras de uma sociedade
conservadora e sexualmente interditada. As pinturas continham figuras masculinas
que por vezes possuíam um sinuoso volume em suas calças. A versão erótica
estilizada do corpo masculino era um motivo recorrente em suas temperas.
5
< Disponível em: https://www.tumblr.com/ acesso em 03/12/2018
31
Figura 4 Jerry, Paul Cadmus, 1931. óleo sobre tela. 50.8 x 60.9 cm
Disponivel em: https://rs.1000museums.com/filestore/8/5/7/6_1225661d32dec80/8576lpr_3d10e55fda7d9e7.jpg.
Acesso em 12 de out. 2018
em ser rotulado. Como também, do fato de ter amadurecido entre uma geração de
homens gays que normalmente não possuem a mensagem "nós existimos, somos
gays" estampadas em suas identidades. No entanto, por mais que Cadmus não
adotasse essa postura afirmativa de sua sexualidade, ele contentou-se em deixar
suas imagens falarem por si mesmas.
Figura 5 Male Nude NM126, Paul Cadmus, 1965-66, carvão sobre papel.
Disponivel em: http://www.queer-arts.org/archive/9809/cadmus/large/images/10.jpg
Acesso em 12 de out. 2018
Tom Of Finland (1920), até as pinturas realistas de David Hockney (1937). Todas
essas imagens permearam meu imaginário e conduziram-me a desenvolver minha
própria poética, relacionando-a com a sexualidade. Devido a essas rememorações
percebi que a arte forneceu sentido as minhas escolhas e me direcionou rumos, no
plural, como direções diversas, possibilidades antes impensadas. E como havia
mencionado, as representações de imagens de nus masculinos na arte tornou-se um
potente combustível de reflexão acerca de meus desejos e da minha percepção
acerca da arte, da imagem e da produção artística.
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(ARTE)FORMAÇÃO
Em 2001, numa entrevista para Nova Escola7, o educador Antonio Nóvoa afirma que
mais importante que formar é formar-se; que todo conhecimento é autoconhecimento
e que toda formação é autoformação. Isso presentifica e destaca o sujeito e suas
singularidades, seus afetos e experiências que foram vivenciados na prática
pedagógica, representado um enriquecimento no processo de construção pessoal,
profissional e subjetivo.
Tal como Marques ressignificava sua experiência de vida através dos quadrinhos,
também faço dos meus desenhos eróticos, imagens vividas pelo subconsciente
afogado em situações de constante conflito. Rever minha experiência sob a luz da
arte é uma forma poderosa de tomada de consciência acerca das construções que
delinearam minha formação.
A FIGURA MASCULINA
visíveis harmonizavam com uma delicadeza não pretendida por garotos. Minha
identidade ancorava traços discrepantes ao que era exigido de mim. Conviver com
esses adjetivos em ambientes heteronormativos rodeados de constante vigilância,
gravou em mim marcas e chagas, que certamente me conduziram à adquirir um olhar
receoso em relação à figura masculina.
Segundo Guacira Lopes Louro (2000, p. 8), “os corpos são significados pela cultura e,
continuamente, por ela alterados”. O espaço da escola é um dos ambientes
institucionalizados capaz de significar e exercer grande influência na construção
desses corpos e identidades, que engendram por força identidades visíveis.
Exercendo uma força não somente no modo como apresentam-se essas identidades,
mas também no modo com são vistas. Na escola nos deparamos com uma alteridade
até então não experienciada no seio familiar. Ser magro, pequeno e afeminado,
construía sentido à minha identidade, que evidenciava determinado grau de
diferenciação. Inscrevia-se como marcas que contrastavam com as idealizações que
sofrem o corpo social masculino. Na escola, assim como em casa, eu percebia os
olhares treinados à perceberem diferenciações, como expressa Louro (2000, p. 9):
Quando, com Pierre Dutey, foram interrogadas umas 500 pessoas sobre a
forma como elas reconheciam pessoas homossexuais na rua, na sua grande
maioria, elas falam de homens homossexuais (o lesbianismo é invisível). E
mais, elas associam aos homossexuais os homens que apresentam sinais
de feminilidade (voz,roupas, jeito corporal). Os homens que não mostram
sinais redundantes de virilidade são associados às mulheres e/ou a seus
equivalentes simbólicos: os homossexuais. (WELZER-LANG. 2001.p. 465)
Todos esses sentimentos, que ainda hoje não me convenço quais são e o que
exatamente sinto, pela figura masculina, acabou convertendo-se para o desenho.
Todas essas questões da minha intimidade, minhas angústias e desejos foram
expressos pelo desenho, numa escrita de si que reverberava imagens eróticas.
Minha história e experiência com o “trauma” dessas pedagogias da identidade, foram
puxadas de dentro de mim para fora, pelo visível, sublimada no desenho em forma de
prazer e de uma escrita particular.
OS DESENHOS HOMOERÓTICOS
que me norteava. O sintoma dessa repressão que emergia junto ao meu desejo foi o
surgimento de desenhos homoeróticos entre as páginas dos cadernos. Uma
necessidade latente de escrita de si que transbordava pelo viés das linhas, dos traços
e dos contrastes de cores e de corpos nus.
8
Ver primeiro fragmento narrativo.
9
Disciplina lecionada pelo Professor Elyeser Szturm cursada no primeiro semestre de 2014, do qual me
encontrava no terceiro semestre do curso.
42
Figura 7 Sem Título. LUVS.10 Lápis de cor sobre papel 28x23cm. 2014
10
Utilizo o pseudônimo LUVS para assinar meus trabalhos. Surgiu por um erro de digitação que ocasionamente
aparecia em conversas online com amigos.
44
Depois desse incidente, comecei a recorrer aos pequenos formatos, folhas A5, A4,
que coubessem em uma mesa e pudessem ser escondidos, por vezes eram até
menores que isso. Desenhava em blocos. A alcova11 era meu ateliê. A série
pequenos prazeres que desenvolvi em 2015 reafirmava a atribuição do esconderijo
que enquadra as relações não-heterossexuais. Pequenos desenhos feitos em bloco
de notas com cerca de 10 centímetros. Esses desenhos de parceiros sexuais e
imagens da internet remontam minha relação com a prática sexual e a prática do
desenho, ambas cerceadas. Territórios do prazer devidamente podados por
doutrinas e disciplinamentos hetero-compulsórios.
11
Referência ao romance de 1795, Filosofia na Alcova, de Marquês de Sade. Aqui a alcova adquire sentido como
local onde os personagens do livro protagonizam atividades sexuais libertinas e moralmente condenáveis.
45
Figura 8 Série “Pequenos Prazeres”, LUVS, Caneta sobre papel, 10,8 x 7,8 cm (cada papel),
2015
46
Figura 9 Pai de Família. LUVS, lápis de cor sobre papel, 13x11cm, 2015
48
PERPECTIVAS AUTOFORMATIVAS
O contato com o componente curricular arte na minha vida escolar poderia ter sido
um potencializador, que acabou tornando-se um limitador. Embora essa disciplina
não tenha surgido com essa função catalisadora de caminhos reflexivos, através de
meios informais a arte ainda resistiu em ser apresentada a mim. Como já abordado
aqui, minha produção artística me revelou uma série de reflexões críticas acerca da
minha percepção com o mundo e comigo mesmo, na intensidade dos meus traumas
na minha vida particular. E como esses movimentos da experiência contornam
caminhos na minha trajetória como ser humano, modulando traços da minha
personalidade e orientando rumos e saberes. A arte tornou-se uma poderosa
ferramenta para o autoconhecimento.
Jorge Larrosa Bondia (2002), em seu ensaio Notas sobre a experiência e o saber da
experiência, nos convida a pensar a educação fora das polaridades ciência/técnica
ou teoria/prática, já bastante conhecidas e utilizadas no campo pedagógico. Ao invés
disso, propõe explorarmos a possibilidade de um outro par; experiência/sentido.
[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos
alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando
falamos em “fazer” uma experiência, isso não significa precisamente que nós
a façamos acontecer, “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos
alcança receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo.
Fazer uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós
próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso.
Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o
outro ou no transcurso do tempo.
Essa sensação de sofrer, padecer, trazida por Heidegger e revisitada por Bondia,
contradiz os rumos da ciência moderna, que encontrou uma maior formulação em
51
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
MUNHOZ, Agelica Vier; COSTA Cristiano Bedin. Francis Bacon e nós: corpo,
diagrama, sensação. RS, Lajeado. Univates, v.1, 2015
O'CONNOR, John J. "PAUL CADMUS,' ON 13, A e Study Of Artist at 80" . The New
York Times, Maio 1986. Disponível em:
https://www.nytimes.com/1986/05/16/arts/paul-cadmus-on-13-a-study-of-the-artist-at-
80.html Acesso em: 30 de set de 2018
PONTIN, Vivian Marina Redi. Corpos abandonados na escrita. Linha Mestra. 2013,
Ano VII. No. 23 Disponível em:
https://linhamestra23.files.wordpress.com/2013/12/04_corpos_a_tracar_linhas_deste
rritorializadas_corpos_abandonados_pontin.pdf Acesso em: 17 de out. de 2018.