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inferior a 10 anos até que resolvam buscar al- envolverem em situações abusivas. Assim,
gum tipo de ajuda (Echeburúa e Corral, 2006). a preocupação que norteia esta revisão siste-
Embora constantemente ocorram simulta- mática da literatura em contextos nacionais e
neamente, para caracterizar os tipos de vio- internacionais é a busca de estudos que permi-
lência doméstica, podem-se considerar três tam uma maior compreensão sobre quem são
grandes categorias de acordo com o tipo de essas mulheres que acabam por se tornar sus-
conduta do agressor: (i) violência física: qual- cetíveis à violência dentro dos seus próprios
quer conduta intencional que acarrete lesão lares, com a finalidade de embasar futuros
física, dano ou dor - é a mais evidente e mais trabalhos na temática da violência doméstica
fácil de identificar- (ii) sexual: qualquer intimi- contra a mulher.
dade forçada, seja com ameaças, intimidação
ou coação, incluindo todo o tipo de conduta Método
de caráter sexual, sem limitar-se à penetração;
e (iii) psicológica: qualquer conduta física ou
Estratégias de busca das referências
verbal que possa produzir, na vítima, intimi-
dação, desvalorização, sentimentos de culpa
Para atender ao objetivo estabelecido, foi
ou sofrimento – é o tipo de violência mais di-
realizada uma revisão sistemática da literatura
fícil de identificar do ponto de vista social por
através do levantamento das produções cien-
não deixar marcas aparentes (Labrador et al.,
tíficas referentes ao cruzamento dos descrito-
2005). Pesquisas sugerem que a violência física
res “violência doméstica” (domestic violence) e
comumente é acompanhada pela psicológica e
“mulher” (woman); “violência doméstica” (do-
que, na metade dos casos, também por violên-
mestic violence) e “mulher maltratada” (battered
cia sexual (Ellsberg et al., 2000; Heise e Garcia-
woman); e “mulher maltratada” (battered wo-
Moreno, 2002; Kronbauer e Meneghel, 2005).
man) e “personalidade” (personality) e do ope-
Nas últimas décadas, tem ocorrido um au-
rador booleano “e” (and) nos anos de 2000 a
mento importante dos estudos sobre a violên-
2012 nas bases de dados MedLine (United Sta-
cia contra a mulher perpetrada por seus par-
tes National Library of Medicine – NLM), Psy-
ceiros íntimos. Isso tem acontecido por conta
cINFO (American Psychological Association
do reconhecimento da dimensão do fenômeno
– APA), Lilacs (Literatura Latino-Americana e
como um grave problema de saúde pública,
do Caribe em Ciências da Saúde) e ProQuest
por sua alta incidência e pelas consequências
(Central: Psychology Journals e Medical Li-
que causa à saúde física e psicológica das víti-
brary). As bases de dados foram configuradas
mas (Dahlberg e Krug, 2003). Entretanto, pes-
para localizar as referências que apresentavam
quisas nacionais e internacionais que tratam
os descritores supramencionados entre as pa-
sobre a temática da violência doméstica con-
lavras-chave e/ou no resumo. Esse método foi
tra a mulher, grande parte das vezes, abarcam
adotado para viabilizar um alcance de resulta-
questões relacionadas ao tipo de agressão sofri-
dos mais precisos do que os que poderiam ser
da (física, psicológica e/ou sexual) e, algumas,
encontrados caso não houvesse tais especifica-
sobre as consequências físicas e psicológicas
ções. Optou-se pelo emprego dos descritores
advindas da situação de violência. É comum
mencionados levando-se em consideração que
encontrarmos estudos que buscam investigar
as características ou os traços da personalida- são reconhecidos pelas bases de dados pesqui-
de dos homens que agridem as suas mulheres sadas e utilizados de forma corrente na litera-
(Edwards et al., 2003; Lorber e O’Leary, 2004; tura científica especializada.
Goldenson et al., 2007), mas raros são os que
tratam de questões relacionadas à personali- Procedimentos para seleção e
dade das mulheres vítimas (Pérez-Testor et al., apreciação das referências
2007; Pico-Alfonso et al., 2008).
Levando-se em consideração que o advento O primeiro cruzamento dos descritores
da violência doméstica contra a mulher ocorre “violência doméstica” (domestic violence) e
no mundo todo, que suas estatísticas são alar- “mulher” (woman) resultou, como já era espe-
mantes, elencando-a como um problema de rado, em mais de dez mil publicações; para o
saúde pública, acredita-se que devam existir segundo cruzamento, das palavras “violência
determinadas características de personalida- doméstica” (domestic violence) e “mulher mal-
de que tornam algumas mulheres, vítimas dos tratada” (battered woman), foram identificadas
seus parceiros íntimos, mais vulneráveis a se mais de quinhentas referências e, no terceiro,
com os descritores “mulher maltratada” (batte- nados os títulos e a autoria de todas as referên-
red woman) e “personalidade” (personality) esse cias obtidas, objetivando eliminar eventuais
número ficou reduzido a 31 artigos científicos. repetições. A seguir, foi feita uma leitura pre-
O diagrama representado na Figura 1 sintetiza liminar de todos os abstracts dos artigos publi-
os passos realizados na busca de estudos de cados em periódicos indexados, cujo objetivo
interesse para esta revisão sistemática. foi avaliar se o material era pertinente a esta
A análise para esta seção focou-se nas 31 revisão sistemática da literatura. Foram consi-
publicações oriundas do terceiro cruzamento, deradas somente as referências que tratavam
principal foco da presente revisão sistemática. de algum aspecto da personalidade de mulhe-
Primeiramente, foram identificados e exami- res maltratadas. As referências selecionadas
Figura 1. Sequência de passos realizada na busca de estudos indexados nas bases MedLine,
PsycINFO, Lilacs e ProQuest.
Figure 1. Sequence of steps performed in the pursuit of indexed studies in databases MedLine,
PsycINFO, Lilacs and ProQuest.
Tabela 1. Informações apresentadas nas dimensões de análise: ano de publicação, autores, título
das referências selecionadas e título do periódico (n=7).
Table 1. Presented information in the analysis dimensions: year of publication, author, title of the
selected references and journal title (n=7).
uma dessas 7 referências, bem como o título do ro ou falso, devendo o sujeito determinar se o
periódico em que foram publicadas, encontra- conteúdo dos itens lhe é aplicável ou não. Tem
se reproduzido na Tabela 1 por ordem do ano como objetivo mensurar estilos de personali-
da publicação. dade – transtornos de personalidade (Eixo II)
Analisando o texto completo dos sete ar- e síndromes clínicas (Eixo I) – classificadas no
tigos localizados sobre os recursos metodoló- Diagnostic and Statistical Manual of Mental Di-
gicos utilizados no que diz respeito à moda- sorders Third Edition- DSM-III-R (Hernández et
lidade de produção científica, os sete estudos al., 2007; Pérez-Testor et al., 2007; Pico-Alfonso
apresentam dados empíricos oriundos de tra- et al., 2008; Estrellado, 2010).
balhos de pesquisa quantitativos. Cabe desta- No outro estudo que também visou a men-
car, de acordo com os dados da Tabela 2, que surar o perfil de personalidade das vítimas, foi
nenhum estudo que envolvesse aspectos da aplicado o CATI que, como o MCMI, é um in-
personalidade de mulheres vítimas de vio- ventário de autorrelato, mas composto por 225
lência nos últimos doze anos foi realizado no itens, designado para avaliar Transtornos de
Brasil. Das sete pesquisas localizadas, três fo- Personalidade Passivo-Agressiva e Depressiva
ram efetivadas na Espanha, duas nos Estados (Eixo II), Transtorno de Ansiedade Generali-
Unidos, uma em Israel e outra nas Filipinas. zada e Transtorno Depressivo Maior (Eixo I)
Quanto aos objetivos, estes foram variados, classificados no DSM-IV, e uma escala de de-
pois, embora quatro trabalhos (57,1%) tenham sajuste com 71 itens (Coolidge e Anderson,
buscado avaliar especificamente os perfis de 2002). Dos dois estudos restantes, um utilizou
personalidade das mulheres maltratadas, uma o Depressive Experiences Questionnaire – DEQ
pesquisa avaliou se existe associação entre para avaliar os estilos de personalidade das
características de personalidade e sintomas mulheres maltratadas e o outro aplicou o Bor-
de Transtorno de Estresse Pós-Traumático derline Personality Disorder Scale of the Personali-
em mulheres vítimas de violência doméstica; ty Diagnostic Questionnaire-4 - PDQ-4. O DEQ é
um trabalho investigou se há relação entre a um instrumento constituído por 66 itens, con-
gravidade da violência sofrida por mulheres tendo afirmações sobre sentimentos e experi-
maltratadas e o Transtorno de Personalidade ências relacionadas à propria pessoa e às suas
Borderline; outro analisou a contribuição de relações interpessoais. Assume um formato do
variáveis de personalidade no impacto psico- tipo Likert, com sete alternativas de resposta:
lógico causado pelos maus-tratos e, também, de 0 = “discordo totalmente” a 7 = “concordo
visou a identificar os estilos de personalidade totalmente” (Sharhabani-Arzy et al., 2005). Já o
que se associam a um maior nível de sintoma- PDQ-4 é questionário de autorrelato compos-
tologia depressiva. to por 9 itens para os quais a pessoa responde
O número da amostra dos sete estudos va- “sim” ou “não”; se a pontuação das respostas
riou bastante, desde apenas 18 mulheres, até “sim” for ≥ 5, sugere Transtorno Borderline de
amostras maiores, com 182 vítimas de maus- Personalidade (Sansone et al., 2007).
tratos domésticos. Somente uma pesquisa Com a utilização desses instrumentos, so-
utilizou grupo-controle e, também, visou a bre os principais achados acerca dos perfis/das
comparar dois grupos de mulheres maltrata- características de personalidade, os resultados
das (um com a vivência de múltiplas relações das sete pesquisas foram bastante semelhantes,
abusivas e outro com uma relação abusiva). sendo que predominaram estilos de persona-
Nos sete trabalhos, foi ministrada uma fi- lidade borderline, dependente e esquizóide. Os
cha de dados sociodemográficos. Já para a autores, a partir desses dados, sugerem que
avaliação das características de personalidade, existe uma interação entre determinados es-
cabe destacar que três das quatro pesquisas tilos de personalidade, que tornam algumas
que objetivaram delinear o perfil das mulhe- mulheres mais propensas a se envolverem em
res maltratadas e, também, a investigação que experiências de violência (Coolidge e Ander-
analisou a relação entre o perfil de persona- son, 2002; Sharhabani-Arzy et al., 2005; Sansone
lidade com níveis de depressão, utilizaram o et al., 2007; Hernández et al., 2007; Pérez-Testor
Millon Clinical Multiaxial Inventory (MCMI), et al., 2007; Pico-Alfonso et al., 2008; Estrellado,
sendo que, em uma, foi aplicada a primei- 2010). Outras características também evidencia-
ra versão do instrumento e, nas outras três, a das nas mulheres maltratadas dizem respeito
segunda versão do inventário. O MCMI é um à sintomatologia depressiva e de estresse pós-
inventário de autorrelato composto por 175 traumático decorrentes da violência sofrida,
itens com respostas de duas opções: verdadei- que foi mencionada em seis estudos (Tabela 2).
Tabela 2. Principais características dos estudos selecionados, a partir das dimensões de análise:
local do estudo, número da amostra, objetivo do estudo, instrumentos utilizados e principais
resultados (n=7).
Table 2. Main characteristics of the selected studies, from the dimensions of analysis: the study
site, sample number, purpose of the study, instruments used and main results (n=7).
Principais achados
Local do
No da Amostra Objetivo Instrumentos (perfis/características
Estudo
de personalidade)
127 (42 mulheres
com relações
múltiplas de Autodestrutiva,
Colorado maus tratos; Avaliar perfil de Ficha de dados, CATI Dependente,
(EUA) 33 com única personalidade (Coolidge Axis II Inventory) Paranóide, TEPT**,
relação de maus Depressão
tratos e 52 de
grupo controle)
Avaliar estilos de
personalidade, Ficha de dados, PTSD**,
Autocrítica,
Negev dependência, scale for family violence,
19* Dependente, TEPT**,
(Israel) autocrítica e DEQ (Depressive
Depressão
intensidade de Experiences Questionnaire)
TEPT**
Ficha de dados, PDQ-4
(Borderline Personality
Avaliar se mulheres
Disorder Scale of the
com TBP*** são
Ohio Personality Diagnostic
52* mais vulneráveis a Borderline, TEPT**
(EUA) Questionnaire-4), SHI (Self-
serem vítimas de
Harm Inventory), SVAWS
violência doméstica
(Severity of Violence
Against Women Scale)
Avaliar a relação
entre estilos de
personalidade, Ficha de dados, BDI (Beck
Alicante Pessimismo,
depressão Depression Inventory),
e Murcia 105* Indecisão, Submissão,
e variáveis MCMI-I (Millon Clinical
(Espanha) Depressão
contextuais em Multiaxial Inventory I)
mulheres vítimas de
violência doméstica
Ficha de dados, MCMI-II Esquizóide,
Barcelona Avaliar perfil de (Millon Clinical Multiaxial Dependente, Esquiva,
18*
(Espanha) personalidade Inventory II), DAS (Dyadic Borderline, Paranóide,
Adjustment Scale) Depressão
Ficha de dados,
Esquizóide, Esquiva,
Questionário sobre o tipo
Valencia Avaliar perfil de Agressiva (sádica),
182* de violência, MCMI-II
(Espanha) personalidade Passivo-Agressiva,
(Millon Clinical Multiaxial
Borderline, Paranóide
Inventory II)
Ficha de dados, MCMI-II Esquizóide, Esquiva,
San Juan Avaliar perfil de
20* (Millon Clinical Multiaxial Autodestrutiva,
(Filipinas) personalidade
Inventory II) Ansiedade, Depressão
Notas: (*) Mulheres vítimas de violência doméstica perpetrada por parceiro íntimo; (**) Transtorno de Estresse Pós-
Traumático; (***) Transtorno Borderline de Personalidade.
É interessante observar que muitas das ca- ProQuest, pois é um indexador que contempla
racterísticas sociodemográficas das mulheres periódicos das áreas da Medicina e também
vítimas, nas sete publicações analisadas, são da Psicologia, constituindo, portanto, um sis-
similares às dos dados encontrados em outras tema bastante expressivo nessas disciplinas.
pesquisas quanto ao perfil dessas mulheres, A Espanha é o país que, aparentemente, mais
principalmente no que se refere às variáveis de estuda as questões relacionadas à violência
idade, escolaridade, número de filhos e situ- doméstica contra a mulher, embora o local de
ação ocupacional. Registra-se, assim, que são eleição do periódico escolhido para a publica-
mulheres jovens com, no máximo, 8 anos de ção (seis dos sete artigos) seja os Estados Uni-
estudo, com filhos e que trabalham (Amor e dos. Isso provavelmente pode estar relaciona-
Bohórquez, 2002; Adeodato et al., 2005; Mea- do ao fato de as iniciativas públicas e privadas
dows et al., 2005; Scharaiber et al., 2007b; Lei- da Espanha propiciarem maiores incentivos às
ner et al., 2008), embora o fato de possuir uma pesquisas nessa área, além da sua preocupa-
ocupação devesse ser um fator protetivo con- ção com a questão da violência de gênero no
tra a violência doméstica. seu país. Já a escolha de revistas americanas
é pertinente devido a sua notoriedade e a sua
Discussão respeitabilidade no meio científico. O Journal
of Family Violence, por exemplo, é um periódico
Em doze anos, de 2000 a 2012, foram publi- que possui um grande número de publicações
cados sete artigos em termos de produção cien- sobre as questões relacionadas à violência no
tífica catalogada em bases de dados computa- âmbito familiar.
dorizadas sobre os aspectos da personalidade A avaliação desta revisão sistemática da li-
de mulheres vítimas da violência doméstica. teratura e dos 7 artigos localizados, de acordo
Isso mostra que o interesse sobre o tema em com as dez dimensões de análise empregadas
questão ainda é singelo se comparado à lite- (base de dados, ano da publicação, fonte (pe-
ratura dedicada à violência doméstica contra riódico), modalidade de produção científica,
a mulher como um todo, em que as pesquisas delineamento da pesquisa, local do estudo,
e as publicações são vastas. A grande maioria número da amostra, objetivo do estudo, instru-
dos estudos relacionados à violência domésti- mentos utilizados e principais resultados), per-
ca contra a mulher costuma abordar questões mite algumas conclusões: a violência doméstica
como dados epidemiológicos, o tipo de violên- contra a mulher é amplamente estudada, exis-
cia sofrida - física, psicológica e/ou sexual, a tindo um número imenso de publicações acer-
caracterização sociodemográfica das mulheres ca do assunto. Esse dado pode ser observado
maltratadas (Schraiber e d’Oliveira, 1999; Jong, tanto pelo cruzamento das palavras “violência
2000; Tavares, 2000; Schraiber et al., 2007b) e as doméstica” (domestic violence) e “mulher” (wo-
características de personalidade dos agressores man); “violência doméstica” (domestic violence) e
(Edwards et al., 2003; Gondolf, 2003; Lorber e “mulher maltratada” (battered woman), quanto
O’Leary, 2004; Goldenson et al., 2007). pelas referências bibliográficas dos sete artigos
Levando-se em consideração a análise dos analisados. Já com respeito à personalidade das
abstracts e os textos completos dos artigos, foi vítimas, os estudos são parcos e, no Brasil, não
possível observar que tanto os estilos de perso- se verificou nenhum estudo.
nalidade como a sintomatologia decorrente da As pesquisas realizadas são estudos em-
vivência de violência encontrado nos estudos píricos, sendo utilizados para tal, unicamen-
localizados, apresentam resultados muito se- te, técnicas psicométricas, embora as técnicas
melhantes independente do local em que a pes- projetivas para avaliação da personalidade
quisa foi realizada, ou seja, em diferentes con- sejam nacional e internacionalmente reconhe-
textos e em culturas diversas, as características cidas (Exner e Sendin, 1999; Anastasi e Urbi-
das mulheres maltratadas são bastante pareci- na, 2000, Cunha, 2002). Chama atenção que o
das. Esse fato aumenta a confiança de que os principal instrumento utilizado (em metade
resultados de pesquisas realizadas em um de- dos estudos localizados), o MCMI, seja um ins-
terminado local possam ser aplicados a outros trumento baseado nos critérios diagnósticos
e também sugere um possível perfil dessas mu- do DSM-III-R, sendo que existe uma versão
lheres que se envolvem em relações abusivas. mais recente do manual, o DSM-IV-TR (APA,
Quanto aos bancos de dados computado- 2003), e que o DSM-V já se encontra publicado
rizados, não é de estranhar que a maioria dos nos Estados Unidos (APA, 2013). Pico-Alfonso
abstracts (50%) esteja catalogada no sistema et al. (2008) revelam que já existe disponível
a terceira versão do MCMI, fundamentada der é o que faz com que as mulheres, vítimas
no DSM-IV-TR, mas que carece de validação. de seus parceiros, permaneçam nessa situação
Ainda, no que diz respeito aos métodos proje- abusiva, muitas vezes, correndo risco de mor-
tivos, por se tratar de instrumentos compostos te. Parece que existem algumas características
por estímulos mais ambíguos e pouco estrutu- comuns às vítimas que podem levá-las à situ-
rados, o indivíduo pode interpretar o material ação de violência conjugal ou, que, por outro
oferecido a partir do que percebe, propician- lado, talvez sejam desenvolvidas no intuito da
do a emergência dos aspectos do seu funcio- sobrevivência.
namento psicológico. Dessa forma, é possível Os índices da violência contra a mulher no
abarcar a personalidade como um todo, sendo Brasil são alarmantes, mas, mesmo assim, cha-
que esses instrumentos se diferenciam por sua ma a atenção o fato de que, no Brasil, inexis-
efetividade em revelar aspectos encobertos e tem pesquisas relacionadas às características
latentes da personalidade (Anastasi e Urbina, de personalidade dessas mulheres que estejam
2000; Cunha, 2002). Por isso, conclui-se que catalogadas nos bancos de dados pesquisados.
são excelentes instrumentos a serem utilizados Apesar do pequeno número de estudos encon-
em trabalhos futuros para perscrutar as carac- trados, eles trouxeram importantes considera-
terísticas das mulheres maltratadas. ções e contribuições, mas ainda é imperativa a
Observa-se que as características de per- necessidade de novas pesquisas que possibili-
sonalidade das mulheres vítimas de violência tem o conhecimento acerca das características
doméstica perpetrada por seus parceiros ínti- de personalidade das mulheres maltratadas
mos nas pesquisas analisadas indicam traços por seus parceiros, podendo-se, assim, encon-
borderline, dependente e esquizoide, ainda trar subsídios mais efetivos para a prevenção
que elas apresentem sintomas de depressão, da violência doméstica contra a mulher e para
desesperança, estresse pós-traumático e ten- intervenção junto às suas vítimas. Ficam assim
dências autodestrutivas. Isso sugere que deter- aqui colocadas, mesmo que de forma esque-
minados traços são comuns às mulheres mal- mática, algumas contribuições que devem ser
tratadas e podem predispô-las a “escolhas” levadas em consideração, no futuro, para um
conjugais nocivas, mas esse achado também melhor posicionamento científico ante esta
pode ser entendido de outra forma se levar- questão de tão alta importância, diante da fre-
mos em consideração alguns estudiosos da quência com que se apresenta e das consequ-
violência doméstica contra a mulher (Back et ências que gera em suas vítimas e nas pessoas
al., 1982; Walker, 1991; Coolidge e Anderson, que as cercam.
2002; Gomes et al., 2012) quando mencionam
que mulheres que vivenciam relacionamen- Referências
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