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JOGANDO E APRENDENDO: ETNOGRAFIAS ON-LINE DOS GAMES COMBAT


ARMS E DRAGONS OF ATLANTIS

Conference Paper · January 2012

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2 authors, including:

Micheline Batista
Federal University of Pernambuco
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JOGANDO E APRENDENDO: ETNOGRAFIAS ON-LINE
DOS GAMES COMBAT ARMS E DRAGONS OF ATLANTIS

Jair Rocha de Oliveira Neto 1 (UFPE)


Micheline Dayse Gomes Batista 2 (UFPE)

Resumo:
Pais, educadores e governos têm investido na difusão de jogos educativos,
que ajudam a fixar conteúdos didáticos, sejam de história, de geografia, de
biologia etc. No entanto, diante de jogos cada vez mais reais em sons,
imagens e enredos, torna-se possível pensarmos também na
potencialização de um outro tipo de conhecimento, menos formal, mas
nem por isso menos importante. Através dos games aprendemos a seguir
regras, a trabalhar em equipe, a tomar decisões rápidas e a ser criativos na
definição de estratégias que podem determinar nossa sobrevivência no
jogo. Neste trabalho analisaremos, a partir de etnografias on-line e à luz da
hermenêutica, os games Combat Arms e Dragons of Atlantis.
Palavras-chave: jogos eletrônicos, jogos sociais, hermenêutica,
aprendizagem.

Abstract:
Parents, educators and governments have invested in the dissemination of
educational games that help students absorv educational content – history,
geography, biology etc. However, due to games increasingly real sounds,
images and narratives, it is also possible to think in potenciation of another
kind of knowledge, less formal but no less important. Through games we
learn to follow rules, work in teams, to make quick decisions and to be
creative in taking strategies that may determine our survival in the game.
In this paper we analyze the games Combat Arms and Dragons of Atlantis,
through online ethnographies and at the light of hermeneutics.
Keywords: videogames, social games, hermeneutics, learning.

Introdução

A cada ano, acompanhamos um novo “boom” do mercado dos jogos


eletrônicos, impulsionado pelo desenvolvimento da informática, pelo lançamento
de novos consoles e títulos. Apostando neste potencial, pais, educadores e
governos têm investido na difusão dos jogos educativos, que ajudam a fixar
conteúdos didáticos, sejam de história, de geografia, de biologia etc. No entanto,
diante de jogos cada vez mais reais em sons, imagens e enredos, torna-se possível

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pensarmos também na potencialização de um outro tipo de conhecimento, este
menos formal mas nem por isso menos importante, que é o aprendizado puro e
simples. A experiência de viver uma vida virtual rompe com os limites da
familiaridade e exige dos jogadores o exercício interpretativo deste mundo.
Aprendemos a seguir regras, a trabalhar em equipe e a tomar decisões rápidas.
Aprendemos a ser criativos na definição de estratégias que podem determinar
nossa sobrevivência no jogo e dali extrairmos alguma lição, mesmo num jogo
violento. Neste trabalho analisaremos, a partir de etnografias on-line e à luz da
hermenêutica, os games Combat Arms e Dragons of Atlantis, no sentido de tentar
identificar elementos que proporcionem ao jogador essa vivência cognitiva.
Partimos de uma pergunta primeira: o que é o jogo? Para o historiador Johan
Huizinga (2007), o jogo é um dos elementos fundamentais da cultura humana: “é
no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”. Existiria na própria
cultura um elemento de ludicidade. O primeiro instrumento que o ser humano
forjou, a linguagem, tem suas bases em metáforas, no definir e designar coisas e,
segundo Huizinga, toda metáfora é um jogo de palavras. O mito e o culto também
seriam baseados na transformação da realidade em imagens, isto é, na imaginação,
princípio fundamental de todo jogo.
Mas ainda não respondemos: o que exatamente é o jogo? Vamos recorrer à
definição clássica de Huizinga, considerado o pai da ludologia:

é uma atividade livre, conscientemente tomada como “não-séria” e


exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador
de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer
interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada
dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem
e certas regras. (HUIZINGA, 2007, p. 16)

Temos aí, portanto, a essência do jogo: uma atividade voluntária, separada da


vida cotidiana, que se realiza em um espaço e um tempo próprios. Dialogando com
Huizinga, Caillois (1990) diz que o jogo acalma e diverte, mas é estéril, pois não
produz nem bens materiais. É improdutivo porque sempre conduz a uma situação
idêntica à do início da partida. Aí talvez resida a inquietação entre aqueles que não

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conseguem imergir no jogo: o que eu ganhei com isso, o que aprendi? “Foi perda de
tempo”. Na verdade, a satisfação do jogo é sua própria realização e a este ponto
vamos retornar mais à frente. Por enquanto, vamos nos deter na descrição das seis
características essenciais da atividade do jogo segundo Caillois (Ibid, p. 29-30): 1)
Livre (ninguém é obrigado a jogar); 2) Delimitada (circunscrita em certos limites de
tempo e espaço); 3) Incerta (nem o desenrolar nem o resultado podem ser
determinados); 4) Improdutiva (não gera nem bens, nem riqueza, conduz a uma
situação idêntica à do início da partida); 5) Regulamentada (governado por regras
próprias); e 6) Fictícia (uma “segunda realidade”).
Outra coisa que pode ser dita neste momento sobre o jogo é que ele não
implica em consequências na vida real. Celia Pearce (2009, p. 31), comentando
Bernard DeKoven, vai nesta direção quando argumenta que games são “ficções
sociais” que existem apenas enquanto estão sendo constantemente criadas. Eles
não teriam a intenção de substituir a realidade, mas de suspender consequências.
“Matar” alguém em um jogo não implica ir para a cadeia e talvez isso justifique o
fascínio que o jogo exerce, porque permite realizar coisas que de outra maneira
não seriam possíveis, simula situações e testa nossas habilidades. Para esta autora,
os games são uma importante forma de cultura emergente e já podem ser
considerados a mídia do século 21. Cultura enquanto repertório de símbolos
coletivos e formas de produção de sentidos, incluindo arte, rituais, mitologia e
práticas diárias compartilhadas por um dado grupo na sociedade, e emergente
porque se trata de um sistema complexo onde as partes são interdependentes, isto
é, o comportamento de um afeta a realidade de todos.
A emergência do jogo só se torna possível porque, com raras exceções, trata-
se de uma prática coletiva. Seja um jogo com bola, cartas, tabuleiro ou um
videogame. Aliás, a popularização da internet trouxe a possibilidade do jogo em
rede, amplificando a escala, a progressão e o alcance geográfico das comunidades
de jogo (PEARCE, 2009). Podemos interagir em tempo real com outros jogadores
em qualquer parte do mundo, numa espécie de “playground global”. Os dois games

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analisados empiricamente neste artigo, Combat Arms e Dragons of Atlantis, fazem
parte de um gênero que ficou conhecido como massively multiplayer online game
(MMO), onde vários jogadores jogam e interagem ao mesmo tempo em um
ambiente simulado e persistente.

O que podemos aprender com os games?

As ideias de Hans-Georg Gadamer podem nos ajudar na compreensão das


experiências de aprendizado com jogos. Primeiro, pelo uso da sua proposta de
compreensão hermenêutica como forma de um reconhecimento específico das
interações entre jogador(es) e jogo. Segundo, pelo alargamento do conceito de
conhecimento como algo que também pode ser alcançado pela vivência pura e
simples. A hermenêutica na filosofia se apresenta como um “terreno alternativo à
ideia de ciência legitimada pelos valores da ‘objetividade’, ‘cálculo’, fixação do
conhecimento em leis gerais, etc” (FERREIRA et al, 2009, p. 7-8). Em Verdade e
Método (1999), Gadamer coloca como propósito do exercício hermenêutico a busca
por toda e qualquer experiência de verdade, ainda que ela ultrapasse o campo do
controle da metodologia científica.
Desta forma, experiência, vivência e reconhecimento seriam conceitos
importantes à hermenêutica e que diriam respeito ao caminho para compreensão
daquelas verdades inalcançáveis à ciência moderna. Para melhor explicação destes
limites, Gadamer nos aproxima da experiência da arte. No entanto, foi
especificamente nos jogos que ele encontrou o caminho explicativo ideal para falar
sobre como a hermenêutica trabalha para além das questões da objetividade e da
subjetividade.
Gadamer descreveu algumas características gerais da interação entre
jogador(es) e jogo. Primeiro, o sujeito do jogo não seria aquele que joga, mas o
próprio jogo. Gadamer pretende chamar atenção para aqueles elementos inerentes
à própria lógica do jogo, que configuram a prática do “jogar” tal como ela é.

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Haveria uma seriedade dos indivíduos quanto a estes elementos e, por isso,
poderíamos dizer que o jogo “se assenhora” dos jogadores. Por outro lado, o jogar
sempre envolveria riscos e espontaneidade. Riscos pela indeterminação do
desenvolvimento e resultados do jogo. E espontaneidade pelo fato de que todo
jogo é sempre voluntário.
Para Gadamer, os significados do jogo – e mesmo nas suas contradições – só
fazem sentido entre aqueles que jogam. O jogo como atividade lúdica, mas que
também exige seriedade; que possui riscos, mas é espontâneo, nos direciona para a
ideia de jogo como um mundo fechado em si, que apenas pode ser compreendido
por jogadores. Isto porque, “aquele que joga sabe, ele mesmo, que o jogo é
somente um jogo, e que se encontra num mundo que é determinado pela seriedade
dos fins” (GADAMER, 1999, p. 174). A ampliação do conhecimento sobre os sentidos
do jogar só se fez possível a partir do exercício de compreensão hermenêutica.
Uma análise objetiva do jogo, ou mesmo da subjetividade do jogador, não
forneceria uma compreensão tal como descrita por Gadamer. O jogo como um
fazer comunicativo, como uma relação complexa e contraditória entre jogador e
jogo apenas se realizou a partir do exercício hermenêutico.
Neste mesmo sentido, para compreensão hermenêutica dos fenômenos que
envolvem os jogos eletrônicos e as novas formas de aprendizagem, precisamos
estar atentos àqueles sentidos específicos das novas gerações tecnológicas.
Sentidos que serão melhor acessados por meio de uma compreensão endopática dos
valores, princípios, interações, etc. que ocorrem entre as novas gerações. Logo
cedo as crianças aprendem a dominar ferramentas como celulares, tablets,
controles de TV e DVD, consoles de videogame, e já entram na escola com toda
uma bagagem contextual. Segundo Wang (2006), é a escola que não está preparada
para lidar com esse novo cenário, pois não “fala’ a linguagem dos alunos, cujas
vidas estão centradas na tecnologia”.

Cada vez mais crianças jogam videogames e a utilização dessa ferramenta no


ambiente escolar ainda estaria em seus primórdios. Algumas iniciativas merecem

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destaque, como a Olimpíada de Jogos Digitais e Educação (OJE) 1, um conjunto de
games que ajudam na assimilação de conteúdos didáticos de forma lúdica. Em
2010, esse projeto envolveu 38.640 alunos e 945 professores de 754 escolas em 175
municípios de Pernambuco. O funcionamento da plataforma é simples: alunos do
ensino fundamental (8º e 9º anos) e médio formam equipes e passam cerca de cinco
meses jogando. Ao longo do percurso, vão aparecendo questões (enigmas)
formuladas no padrão do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e, ao fim de
tudo, as equipes com maior número de pontos disputam a grande final. A OJE conta
com um jogo mestre e 18 minijogos, entre eles o Imuno, que aborda conteúdo de
biologia, e o Rio Limpo, cuja temática é o meio ambiente (Cf. BATISTA, 2011).
Mas o que acontece quando o game não oferece nenhum conteúdo didático,
isto é, não ajuda diretamente no aprendizado de nenhuma disciplina? Depende do
que entendemos por conteúdo. Gee (2003) defende que os videogames
“certamente geram melhores resultados do que muitos exercícios e atividades
escolares de repetição, memorização e avaliação excessiva”. Ou seja, ao contrário
do que muitos possam pensar, jogar videogame não é uma “perda de tempo”,
porque sempre há um conteúdo a ser apreendido, ainda que não seja ligado
diretamente a uma disciplina. Para este autor, o problema do conteúdo está
relacionado à história do pensamento ocidental, em que o conhecimento que
importa é aquele que traz informações relacionadas aos domínios intelectuais ou
disciplinas acadêmicas como física, história, arte ou literatura. Tudo que não
envolve esse tipo de aprendizado se torna “sem sentido”.
Entretanto, segundo Gee, é nas práticas sociais que o “conteúdo” é gerado,
debatido e transformado através de modos distintos de pensamento, fala,
valoração, ação e, frequentemente, de leitura e escrita. Neste sentido, o autor
propõe uma perspectiva alternativa para pensarmos o aprendizado e o
conhecimento muito próxima àquela proposta por Gadamer. Dentro ou fora da

1
A OJE foi criada pela Joy Street, um consórcio formado pelas empresas Jynx, Manifesto e
Meantime, todas sediadas no Porto Digital, parque tecnológico sediado no Recife, com o apoio do
Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R.).

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escola sempre aprendemos algo e esse algo está sempre conectado a um ou outro
domínio semiótico2. A diferença é que podemos apreender esse conteúdo de forma
passiva ou ativa. A prática do videogame estimularia um aprendizado ativo, aquele
que nos permite experienciar o mundo de um jeito novo, interagir com outros
participantes daquele domínio semiótico e nos preparar para um aprendizado
futuro. Esse tipo de aprendizagem, entretanto, ainda não é aprendizagem crítica.
Para ser crítica, o aprendiz precisa aprender não apenas como entender e produzir
sentidos num dado domínio, como também enxergar esse domínio como um sistema
de partes inter-relacionadas. Também precisa aprender como inovar, ou seja,
produzir sentidos novos. E o videogame proporcionaria essa experiência, que se
configuraria como um novo tipo de alfabetização. Não no sentido tradicional, como
habilidade de ler e escrever algo, mas como um tipo de alfabetização visual.
Gee afirma que, no mundo moderno, a linguagem não é o único sistema
comunicacional importante – “hoje, imagens, símbolos, gráficos, diagramas,
artefatos e muitos outros símbolos visuais são particularmente significativos”. Os
textos multimodais, que integram palavras e imagens, são cada vez mais comuns. E
há várias maneiras de ler essas imagens que aparecem, por exemplo, na
propaganda, na decoração de interiores, nos museus e nos vídeos da MTV. Aprender
a decifrá-las seria um novo tipo de alfabetização.
Se pensarmos desta forma, concluímos que leitura e escrita não se limitam ao
que está impresso: “Ler e escrever em qualquer domínio, lei, canções de rap,
ensaios acadêmicos, quadrinhos de super-heróis ou o que quer que seja, não são
apenas maneiras de decodificar uma impressão, eles também são apreendidos com
e nas práticas sociais” (Ibid, 2003, p. 14). Por isso, uma pessoa pode não ser capaz
de ler e escrever partituras, mas pode compor uma canção de rap. O rap seria um

2
Por domínio semiótico Gee entende o conjunto de práticas que utiliza uma ou mais modalidades
(linguagem oral ou escrita, imagens, equações, símbolos, sons, gestos, gráficos) para comunicar
diferentes tipos de significados. A imagem de uma cruz pode significar a morte de Cristo, no
contexto das práticas cristãs, ou os quatro pontos cardeais em outro contexto. Alguém que não
conhece o domínio do basquete poder “ler” uma frase sobre esse esporte e até responder perguntas
generalistas, mas não vai entender, efetivamente, seu significado.

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domínio semiótico, assim como a biologia, a crítica literária, os videogames, a
teologia católica romana, a publicidade de moda etc. O mundo da vida também
seria um tipo de domínio. Nele operamos (isto é, produzimos sentidos) como
pessoas cotidianas e não como membro de um domínio específico.
Ao mesmo tempo em que aprende sobre o jogo, o jogador também aprende
sobre um gênero de jogo (aventura e estratégia, por exemplo) e sobre videogames
em geral, espaços que estão relacionados. Em cada um desses espaços o sujeito
pensa, interage e sente de maneiras específicas, isto é, com uma identidade
específica. Somos pessoas diferentes em cada tempo e lugares específicos, e essas
identidades estão inter-relacionadas. Significa dizer que jogos como Combat Arms
e Dragons of Atlantis levam o jogador a ter uma identidade complexa, capaz de
resolver problemas e de aprender com seus próprios erros. Na escola, esse jogador
será um privilegiado em relação a outras pessoas que não têm a oportunidade de
jogar um game desse tipo.
Como os domínios são interconectados, aprender um domínio abre caminhos
para o aprendizado de outros domínios. Quem joga Pacman, por exemplo, terá
facilidade para lidar com jogos de tiro em primeira pessoa, pois ambos envolvem
uma coordenação rápida mão-olho para se mover e reagir aos estímulos. Quem
brinca de faz-de-conta, assumindo outras identidades (a criança que finge ser a
mãe ou o pai, professor, médico etc.), terá mais facilidade com jogos de simulação
como The Sims e SimCity. E esses jogos podem ajudar no aprendizado ativo de
conteúdos escolares, pois,

pessoas que jogam videogames estão de fato (...) aprendendo “conteúdo”,


embora geralmente não o conteúdo passivo de fatos escolares. (...) O
conteúdo dos videogames, quando são jogados ativa e criticamente, é algo
assim: eles situam significado em um espaço multimodal através de
experiências corporificadas para resolver problemas e refletir sobre as
complexidades do projeto de mundos imaginários e do projeto real ou
imaginário das relações sociais e identidades no mundo moderno. (GEE,
2003, p. 48)

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Então, para Gee (2008), o videogame é importante porque, desde sempre,
“nós pensamos e nos preparamos para a ação com e através de modelos
simulados”. É dessa forma que damos sentido às nossas experiências. No ambiente
simulado e seguro dos jogos de computador, encarnamos um papel e podemos
vivenciar experiências que de outra forma não seriam possíveis. O jogador
incorpora suas limitações, habilidades e poderes específicos ao interpretar um
personagem.
Como vários outros autores, Gee tem defendido o uso de jogos eletrônicos
como coadjuvantes no contexto educacional, para ajudar na fixação de conteúdos,
a tomada de decisões em situações críticas e o raciocínio lógico. Assim como
Ferreira et al (2009), que destacam que os jogos eletrônicos representam uma
relação muito clara entre ficção e a concretude da vida cotidiana. Relação essa
que ajuda o jogador a desenvolver certas habilidades e competências que de outra
forma não poderiam ser obtidas, pois a simulação, ao contrário da vida real, não
oferece riscos. Vejamos:

A vivência do jogo estimula o desenvolvimento de habilidades e


competências que podem ser úteis no dia a dia, como o raciocínio rápido e
a tomada de decisões em situações críticas. Nesse sentido, ele simula a
vida. Não apenas o jogador interfere na realidade do jogo – e o torna real,
pois apenas quando é jogado o jogo passa a existir –, mas este propicia ao
praticante a oportunidade de repensar suas escolhas e estratégias de vida
em um ambiente simulado, seguro. (FERREIRA et al, 2009)

A simulação nos ajuda a trazer sentido para a vida e nos instrui sobre as
complexidades e potencialidades do viver. Também nos fornecem modelos que
devemos encarnar ou evitar, dependendo das nossas reações diante dos
personagens e eventos apresentados na história. A representação de papéis seria,
segundo Bowman (2010), um aspecto fundamental da interação social humana.
Estamos constantemente representando, isto é, encarnando o papel de uma
criança, de um pai ou mãe, de professor ou estudante dependendo da necessidade,
e inconscientemente mudamos nosso comportamento para satisfazer tais requisitos
no sentido de manter a coesão social. Representar papéis em um jogo

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desenvolveria, ainda, um sentido de comunidade, pois em videogame, com raras
exceções, jogamos interagindo com outros jogadores.

Jogando e aprendendo com Dragons of Atlantis

Jogar Dragons of Atlantis (DoA) é mergulhar em um universo mítico em 2D


repleto de dragões, gigantes e minotauros. A narrativa deste jogo de estratégia
conta a história da antiga cidade de Atlântida onde, há mais de 70 mil anos, as
quatro tribos existentes (Primus, Soleriano, Amazonas e Zolmec) entraram em
conflito e os dragões se tornaram os maiores aliados para combater o inimigo. O
jogador é convidado a viver essa fantasia a partir da construção de um império, o
que envolve cuidar de dragões desde seu nascimento e treinar exércitos para
deflagrar guerras, derrotar inimigos e expandir seus domínios. Para tanto, precisará
de muita coragem e inteligência.
A aventura começa com a inscrição gratuita do jogador, que pode ser feita
tanto no site da desenvolvedora do jogo, a Kabam (www.kabam.com), quanto a
partir de sua conta no Facebook ou Google+, uma vez que DoA foi desenhado como
um aplicativo para redes sociais da internet. Este aplicativo reunia, em novembro
de 2012, cerca de 480 mil usuários mensais apenas no Facebook. No momento da
inscrição, é dada a opção de escolher o reino e o idioma, incluindo o português, ou
utilizar a configuração padrão (reino aleatório e idioma inglês). Cada reino em DoA
representa um mundo diferente e o jogador pode jogar em diversos reinos.
Ao entrar no jogo, o jogador é apresentado à profecia de Cassandra, que
relata a criação das quatro tribos pelos Antigos e o conflito que se estabeleceu
entre elas, gerando a necessidade de guerrearem entre si para garantir sua
sobrevivência. Em seguida, o jogador escolhe a tribo à qual deseja pertencer,
selando assim seu destino. Os primus são descritos como formidáveis e inteligentes,
mestres da ciência e da energia azul; os solerianos são astutos, metódicos e sem
piedade, além do que aspiram ganhar a qualquer custo; as amazonas são poderosas

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e valentes guerreiras destemidas; e os zolmecs seriam selvagens sensíveis com
todos os seres vivos, especialmente com os dragões. Depois da tribo escolhida, é
hora de selecionar seu avatar entre três opções oferecidas, sendo duas masculinas
e uma feminina. O avatar, bem como sua cidade, deve ter um nome.
Todo iniciante é contemplado com uma semana de proteção, período no qual
não pode ser atacado por outros usuários. Depois de dar esse aviso, Cassandra
começa a guiar o jogador nos seus primeiros passos no ambiente do jogo. A
primeira parada é na cidade, que começa apenas com uma fortaleza e uma arena
vazia, ambas com nível 1. A primeira missão é construir casas para abrigar a
população. Como incentivo, ganhamos dez rubis (a moeda do jogo, que pode ser
utilizada para comprar itens na loja) e presentes. Em seguida Cassandra nos conduz
para o campo, onde somos convidados a construir uma fazenda para produzir
alimentos. A cada missão cumprida o jogador recebe uma recompensa.
O campo é o local onde são produzidos, além dos alimentos, todos os demais
recursos necessários à construção do império: metais, pedras e madeira. Na
cidade, além das casas, o jogador precisará construir guarnições, universidade,
metalúrgica, quartéis, agrupamentos militares, silos de armazenamento, teatro,
sentinelas e fábrica. Um terceiro ambiente é o mapa do reino, onde o jogador pode
visualizar as cidades dos vizinhos, campos de selvagens (antropos) e desertos. As
cidades podem ser atacadas com espiões ou exércitos, simulando uma batalha. Os
campos de antropos podem ser invadidos, mas não conquistados, e eles fornecem
recursos. Já os desertos podem ser conquistados ou apenas invadidos, também
retornando recursos (lagos e savanas fornecem comida; colinas e montanhas
fornecem pedras; florestas fornecem madeira).
Um menu à esquerda da tela traz atalhos para a loja, a roda da fortuna (onde
podemos ganhar presentes), para as missões e para as mensagens dos
administradores do jogo ou de outros usuários. À direita ficam atalhos para o
inventário do jogador (tudo o que ele vai acumulando no jogo), para o comando de
ataque, visualização das defesas e treinamento das tropas. No canto inferior

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esquerdo, há uma janela para bate-papo com outros usuários e com os membros da
sua aliança. Embaixo, à direita, ficam os atalhos para o entreposto comercial, onde
é possível comprar e/ou vender recursos, para a aliança e para a classificação
geral, onde as alianças e os jogadores são ranqueados de acordo com suas
habilidades de ataque, defesa e poder, e onde são publicados os torneios.
Como se trata de um MMO, o jogador pode participar de alianças, criando a
sua própria ou pedindo para participar das já existentes. As alianças são fontes de
ajuda mútua, seja enviando recursos ou reforços em batalhas, ou ainda trocando
conselhos e dicas. Cada aliança possui um soberano e o poder da aliança é a soma
dos poderes de todos os membros. O nível de poder de cada jogador determina seu
título no jogo. Todo novato é titulado primeiro cidadão (first citizen). Ao atingir,
por exemplo, o nível 4 e acumular 152 de poder o jogador se torna um comissário
(commissioner). O próximo título a ser conquistado (nível 5) é o de reitor (provost),
e assim por diante. A construção desse império e a evolução do jogador leva meses
e sempre há novos desafios e novas tarefas a cumprir, ou seja, o jogo nunca acaba.
Esta etnografia foi realizada em duas etapas. Na primeira, conduzimos uma
observação participante durante algumas semanas no ambiente do jogo, através de
um avatar já existente chamado Catelyn Jaqa, pertencente à raça soleriana. Seu
título é de vice-rainha, pois está no nível 17 de jogo e possui quase 800.000 de
poder. Vice-rei é o título de nº 17 numa escala hierárquica que vai até 29, a justiça
suprema (the supreme justice), nível que até hoje ninguém nunca alcançou, de
acordo com dados da própria desenvolvedora do jogo. Há relatos de usuários em
fóruns de discussão que indicam que poucos jogadores conseguiram passar do nível
20, árbitro. Catelyn pertence a uma aliança chamada The Cookery School, que
possui 22 membros, poder total de 24.194.508 e posição 29 no ranking de alianças.
Como Catelyn eu participei de diversas atividades do jogo. O maior desafio
enfrentado foi quando um jogador chamado Xouz empreendeu ataques sucessivos à
minha cidade, dizimando meu exército. No primeiro ataque Xouz enviou 130.920
banshees e levou todas as reservas de ouro, comida, madeira, metal e pedra. Como

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se não bastasse, ele conquistou todos os meus territórios e na medida em que eu ia
reconstruindo e/ou reconquistando, Xouz novamente me atacava. Foram dezenas
de ataques sucessivos, vários por dia, durante vários dias.
Como estratégia para não ficar ainda mais enfraquecida, decidi utilizar um
dos recursos do jogo, o Teletransporte Escuro, que transporta a cidade para um
local aleatório. Ainda assim Xouz me localizou e continuou com a ofensiva. Mudei
novamente a posição geográfica da cidade e utilizei outro recurso oferecido pelo
jogo, a Concessão de Pseudônimo. O uso desse recurso muda oficialmente o nome
do jogador. Considero que o recuo foi uma estratégia de sobrevivência. A ajuda da
minha aliança foi fundamental, pois o soberano, Hotshotjroptimus, enviou diversos
suprimentos de comida para alimentar meus exércitos.
Outro momento importante na minha experiência de jogo foi quando, achando
que havia treinado tropas suficientes para atacar o mais alto nível dos campos de
antropos, o nível 11, enviei um exército com mais de 90 mil integrantes e ele foi
dizimado em segundos. Precisei reiniciar os treinamentos do zero e formar um novo
exército para poder continuar jogando.
A segunda etapa da etnografia envolveu uma observação direta dos diálogos
travados no chat disponível no próprio ambiente do jogo. Percebeu-se que o espaço
é utilizado principalmente para tirar dúvidas, pedir dicas e para relatar os grandes
feitos individuais ou das alianças. No extrato abaixo os jogadores conversam sobre
os dragões. Segundos antes o jogador A mencionou ter ingressado no jogo há
apenas um dia e se mostra curioso sobre o desenvolvimento dos dragões:

Jogador A: alguém tem um dragão completo


Jogador B: tenho 10 dragões completos
Jogador A: wwwwwwwwooooooooooowwwwwwwwww
Jogador B: bem tenho 9 e 1 serpente
Jogador B: a maioria dos jogadores mais poderosos têm o mesmo
Jogador B: alguns menos poderosos também
Joagador A: lembro de sky ou outra pessoa dizendo que os dragões são
garotas
Jogador B: apenas o 1º é fêmea
Jogador B: porque ela é grandiosa :D
Jogador B: ela também é o único dragão que pode passar do nível 10
Jogador A: entendi

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Também foram enviadas perguntas para usuários que estavam participando do
chat. TinkerBat, jogadora do sexo feminino, 29 anos, joga DoA há mais de dois anos
e disse que o que a estimula a entrar no jogo é a possibilidade de encontrar
pessoas e de ser algo divertido. Ela diz que com DoA aprende a desenvolver uma
estratégia e a trabalhar em grupo. “Nós ajudamos uns aos outros e somos leais”,
escreveu. Para Kenko, um adolescente de 15 anos, o que lhe estimula no jogo são
os dragões e como somos desafiados a desenvolver estratégias para batalhar outras
áreas e tornar a cidade próspera. No jogo, ele diz que aprende a manter a “boa
saúde” de seus domínios e a gerenciar recursos, como dinheiro, em sua vida real.
Diante desse cenário, perguntamos: o que podemos aprender jogando DoA?
Primeiro, aprendemos a ter paciência e disciplina. Treinar os exércitos, um tipo de
soldado de cada vez, privilegiando aqueles com mais habilidades e força. Os
treinamentos são longos e requerem volumes cada vez maiores de recursos, então
também precisamos gerenciar a produção desses recursos. O treinamento de cinco
mil arqueiros, por exemplo, leva mais de dois dias com um quartel de nível 9.
Em segundo lugar, aprendemos a construir uma estratégia de jogo, o que
inclui saber o momento ideal para atacar, a quem, como e por quê atacar. É
importante ter em mente que atacar um jogador mais poderoso pode resultar em
uma retaliação. Ao mesmo tempo, precisamos construir uma estratégia de
dominação de territórios. Qualquer passo em falso, se atacamos uma savana,
montanha, lago, colina, sem um número suficiente de bons soldados, corremos o
risco de ter o exército dizimado. E assim precisaremos recomeçar o treinamento.
Atacar com 50.000 recrutas não é a mesma coisa que enviar 50.000 arqueiros.
Em terceiro e último lugar, aprendemos que, juntos, nos tornamos mais
fortes. O ingresso em alianças fortalece o jogador e a experiência de jogadores
mais antigos pode nos ajudar a evoluir mais rapidamente no jogo.

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Jogando e aprendendo com o Combat Arms

First-Person Shooter (em português: tiro em primeira pessoa) é um estilo de


jogo que simula a perspectiva do protagonista. A saída de vídeo (tela do
computador ou televisão) unifica a visão do personagem e do jogador. No final da
década de 1980 surgiram os primeiros jogos em 3D, possibilitando o
desenvolvimento deste tipo de simulação. Na década seguinte o termo (FPS) passou
a ser utilizado tão somente para aqueles games violentos onde se controla um
personagem livremente por um cenário, carregando armas brancas ou de fogo.
Desenvolvido pela NEXON em 2008, o Combat Arms chegou oficialmente ao
Brasil em setembro de 2010. É considerado o maior jogo MMO do gênero FPS.
Estima-se que existam hoje mais de 5 milhões de usuários ativos. No game, o
jogador assume o papel de um agente especial com equipamentos de última
geração. São 23 opções de personagens, 20 cenários e 9 missões de jogo. Além
disso, há uma variedade de armas, suprimentos e itens de customização (óculos,
relógios, chapéus, máscaras, uniformes etc.). Para quem opta por jogar
gratuitamente, as alternativas de itens e personagens são limitadas. No entanto, os
recursos disponíveis para compra teriam mais uma função de customização do que,
propriamente, fornecer vantagens aos personagens.
O primeiro passo para se tornar um “agente especial” é o cadastro do jogador
no site da NEXON ou da administradora do CA no Brasil, a Level Up!. Depois do
cadastro, download e instalação do game, o jogador deverá escolher seu
personagem. Para iniciar sua aventura ele também deverá escolher um canal e uma
sala de jogo. Os canais são grandes centrais que reúnem centenas de salas. Quando
da escolha da sala, o jogador observará qual o cenário da batalha, sua missão e os
outros jogadores on-line. Ele também pode criar uma sala e definir vários outros
critérios de jogo. Em uma única partida ocorrem diversas rodadas. O jogador
realiza várias vezes a mesma missão para que ao final seja exibido o escore da
equipe ou do agente vencedor. O jogo apenas termina quando esgotado o tempo

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limite ou alcançada uma pontuação específica, ambas definidas antes do início das
rodadas.
Tal como na maioria dos MMOs, há uma variedade enciclopédica de elementos
no jogo que só poderiam ser minimamente descritas em algumas dezenas de
páginas. Sendo assim, optamos por limitar a descrição do CA ao que foi exposto até
aqui. Na medida em que estivermos discutindo os resultados da investigação
etnográfica, bem como as novas formas de aprendizagem identificadas,
aprofundaremos em descrições mais detalhadas de aspectos do jogo.
A etnografia do game foi realizada em duas etapas. Na primeira, priorizamos
a investigação dos aspectos objetivos do game: leitura dos menus, mapeamento dos
cenários, identificação das possibilidades de ação e customização etc. Aqui,
buscamos uma familiarização com o espaço virtual, além da identificação daqueles
aspectos que são imediatamente experienciados por um iniciante. Numa segunda
etapa, nos aprofundamos em um exercício hermenêutico de compreensão das
interações entre jogador e game, bem como entre os jogadores. Tal etapa também
abrangeu a investigação das interações entre os jogadores fora do game: em sites,
fóruns e vlogs especializados no CA. Esta segunda parte da etnografia buscava uma
compreensão subjetiva e intersubjetiva do jogar. A partir deste exercício
hermenêutico abrimos espaços para a questão de interesse do presente trabalho: o
que podemos aprender com o CA?
Como já dito, trata-se de um jogo de amplas possibilidades de ação. Neste
sentido, há uma variedade de elementos à disposição do jogador para a
concretização das missões a ele designadas. Existem nove tipos de missões:
Eliminação, Exército Solo, Único Sobrevivente, Capturar a Bandeira, Buscar e
Destruir, Caça aos Espiões, Fireteam, Bombing Run e 4FUN. Cada tipo de missão
exige uma estratégia de jogo diferente. A identificação do comportamento correto
a seguir em cada uma destas situações objetivas pode ser essencial para um bom
desempenho. Em “Eliminação”, por exemplo, dois exércitos se encontram e o
objetivo é tão somente a eliminação do exército inimigo. Neste modo de jogo, foi

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identificado um comportamento mais sincronizado entre os jogadores. Andar em
grupo e avançar ofensivamente foram características comuns identificadas em
quase todas as rodadas. O agente que rapidamente avançar sem a sua equipe ao
campo inimigo pode ser uma vítima fácil, assim como aquele que não acompanha o
grupo pode ser atacado por trás ou por caminhos alternativos.
Por outro lado, no modo “capturar a bandeira”, a equipe depende de certa
divisão de tarefas e de espaços a serem ocupados. O objetivo é capturar a bandeira
do inimigo e levá-la até o seu território. Faz-se importante que o grupo se divida ao
menos em duas partes: uma primeira ofensiva para capturar a bandeira inimiga e
outra defensiva para resguardar a própria bandeira em seu território. Como
consequência disto, não há tanta movimentação em relação ao modo Eliminação.
Muitos dos jogadores que assumem o papel defensivo preferem ficar de campana
em locais estratégicos aguardando o inimigo. Por isso, entender o ritmo de jogo e
os padrões de comportamento é importante na decisão de que estratégia seguir.
Aqui, quero chamar atenção para um elemento importante e não muito explorado
nos estudos sobre o potencial dos jogos eletrônicos: a identificação de padrões.
Seja por meio de conversas com outros jogadores dentro ou fora do game ou
tão somente pelo conhecimento tácito apreendido na experiência com games de
tiro, os jogadores identificam tais padrões e é possível observá-los, mesmo em
partidas de jogadores sem muita experiência. Estes padrões se estendem a vários
outros aspectos do jogo. Em uma das primeiras partidas registradas nesta pesquisa,
após a morte de meu personagem por um agente da equipe inimiga chamado
HotDog98, recebi a seguinte mensagem através do chat interno do game: “Belo
rifle, péssima escolha”. Embora não tenha compreendido a mensagem de imediato,
observei que raramente jogadores utilizavam rifles para aquele cenário específico,
chamado Death Room. O cenário se não é o menor, está entre os menores do CA.
Nele, movimentação e velocidade são imprescindíveis, por isso, dentre as opções
de armas, os rifles não são recomendáveis porque são pesados, o que dificulta a
locomoção do agente, são lentos para recarregar e lentos entre um disparo e outro.

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Tal conhecimento não fica restrito ao cenário, o jogador identifica pela própria
experiência que rifles são bem mais úteis em cenários de campo aberto e quando
não há tanta necessidade de locomoção. Para cenários pequenos e fechados como o
Death Room é aconselhável o uso de armas leves e de disparo rápido. Neste caso,
metralhadoras são preferíveis, seguidas de shotguns de repetição.
No entanto, a identificação de padrões e a necessidade segui-los em dados
momentos não representam uma forma de restrição ao exercício da criatividade
entre os jogadores. Muito pelo contrário, os jogadores se utilizam das regras,
padrões e possibilidades do jogo para criativamente surpreenderem o inimigo ou
tão somente obterem um melhor desempenho. Por exemplo, pude observar a
utilização de uma técnica conhecida como Rocket Jump. Tal técnica depende de
certo nível de experiência do jogador e consiste em mirar um lança-míssil ou outra
arma explosiva para o chão para que a explosão impulsione o personagem a grandes
alturas ou distâncias.
Como já dito, o exercício da criatividade depende das possibilidades que o
jogo permite. Neste sentido, o Rocket Jump se coloca como um exemplo limite de
criatividade, já que além da utilização de um conjunto de possibilidades, ainda
houve um empreendimento de ressignificação das mesmas. Ressignificação do o uso
de uma arma e das possibilidades de locomoção a locais distantes ou mesmo
inacessíveis. Seja individualmente ou em grupo, os jogadores necessitam tomar
decisões rápidas e criativas. Assim, percebe-se que além de ser criativo o jogador
precisa compreender e responder rapidamente a situações específicas. Não
apenas no CA, mas em quase todos os jogos FPS, tomar decisões rápidas é crucial
para sobrevivência do personagem. A escolha de uma arma envolve bem mais
elementos do que tão somente seu poder de fogo. Como já comentado no exemplo
do uso de rifle no cenário Death Room: o peso da arma, a velocidade entre um
disparo e outro e de sua recarga são aspectos a serem considerados.
Outro interessante exercício reflexivo que os jogadores realizam durante as
partidas é a realização de estimativas e o gerenciamento de recursos. Citamos o

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Rocket Jump como uma prática criativa das possibilidades. É importante ressaltar
que seu uso incorreto pode ocasionar grande prejuízo ao personagem ou mesmo a
morte. Durante toda a investigação etnográfica observei o Rocket Jump apenas
uma única vez. E em minha experiência como jogador de FPS não me recordo de
ter observado tal técnica sendo utilizada por algum jogador iniciante. É preciso
levar em consideração o dano que será causado aos equipamentos de segurança
(colete e capacete) e ao nível de saúde do personagem (geralmente tal nível se
apresenta numa escala de 0 a 100). Além disso, é preciso realizar uma estimativa
da trajetória que será gerada pelo impulso da explosão. Por isso, o Rocket Jump
exige mais do que o conhecimento de sua prática, trata-se de uma avaliação
complexa de custo e benefício. Juntamente a capacidade de fazer estimativas está
a de gerenciamento de recursos. Como em quase todos os FPS, no CA a munição do
personagem, suprimentos médicos e até mesmo o tempo são limitados. Por isso, o
jogador deve gerenciar o que dispõe para que a ausência de algo não interfira ou
impossibilite a realização de uma missão.
Até aqui, levantamos cinco práticas reflexivas realizadas pelos jogadores:
identificação de padrões, exercício da criatividade, tomada de decisão, realização
de estimativas e gerenciamento de recursos. Um último exercício se mostra, no
mínimo, como um dos mais importantes: o trabalho em que equipe. O CA foi
desenvolvido essencialmente para o trabalho em equipe, de modo que a evolução
dos agentes depende deste trabalho em grupo. Além de um mecanismo de chat
antes e durante as partidas, há a possibilidade de comunicação por microfone. O
game também possui um conjunto de mensagens pré-definidas para facilitar a
comunicação entre os jogadores por meio de atalhos. Essas ferramentas de
comunicação possuem outras funções além daquelas de organização das equipes no
campo de batalha. Também servem para tirar dúvidas e são utilizadas para votação
de diferentes questões, como mudanças de regras ou a exclusão de jogadores
trapaceiros. Também há uma constante troca de mensagens com o intuito de

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estimular os outros agentes antes da partida, como: “let’s go, go!”; “Vamos lá
pessoal!”.
Como foi perceptível, não consideramos o conteúdo objetivo do game. E é
óbvio que o conteúdo exercitado no CA é voltado para técnicas e táticas de guerra.
No entanto, estamos interessados em algo que está além deste conteúdo objetivo e
que pode ser encontrado em diversos outros jogos eletrônicos. O importante no que
se refere às novas formas de aprendizagem diz respeito aos desafios impostos pela
própria lógica do jogo. Pensar criativamente, identificar padrões, gerenciar
recursos, trabalhar em equipe, etc. são exercícios de aprendizagem significativos
para a lógica do game e para a vida do jogador de uma forma mais ampla.

Considerações finais

A investigação etnográfica on-line permitiu a compreensão do potencial de


dois jogos eletrônicos como ferramentas para novas formas aprendizagem.
Ressalta-se que tais jogos não se enquadram dentre aqueles chamados
“educacionais”. Embora existam dificuldades para mensurar como os ensinamentos
extrapolam os limites do jogo e contribuem para o desenvolvimento de um
indivíduo em um sentido mais amplo, não podemos desconsiderar sua
potencialidade como experiência de vivência e aprendizado. Identificamos
processos de aprendizagem nas práticas criativas de jogo, bem como nos discursos
dos próprios jogadores. Em síntese, tanto o Combat Arms, como o Dragons of
Atlantis possibilitaram o exercício da criatividade, das capacidades de trabalhar
em equipe, gerenciar recursos, realizar estimativas, identificar padrões e tomar
decisões em situações críticas; além de estimular princípios como perseverança,
respeito às regras e parcimônia. Diante disto, verificamos que, existem conteúdos
úteis relacionados à própria lógica dos jogos que também devem ser levados em
consideração quando das avaliações destes mesmos jogos como coadjuvantes no
processo de aprendizagem.

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Referências

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ambiente de aprendizagem. Hipertextus Revista Digital, n.6, 2011.
BOWMAN, Sarah Lynne. The functions of role-playing games: how participants
create community, solve problems and explore identity. Jefferson: McFarland &
Company, 2011.
CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Edições
Cotovia, 2011.
FERREIRA, Jonatas et al. Jogos eletrônicos (JEs) on-line: por uma hermenêutica
da vivência de criatividade no ciberespaço. In: XIV Congresso Brasileiro de
Sociologia, Rio de Janeiro, 2009.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I. São Paulo: Editora Universitária São
Francisco, 1999.
GEE, James Paul. “Semiotic domains: is playing video games a ‘waste of time’?”
In: GEE, James Paul. What video games have to teach us about learning and
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______. “Video games and embodiment”. Games and Culture, vol. 3, nº 3-4,
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HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:
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PEARCE, Celia. Communities of play: emergent cultures in multiplayer games and
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WANG, Wanderley S. O aprendizado através de jogos para computador: por uma
escola mais divertida e mais eficiente. On-line, 2006. Disponível em:
<http://www.portaldafamilia.org/artigos/artigo479.shtml>. Acesso em: 10 set.
2012.

1
Jair ROCHA, Mestrando em sociologia
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
jairock87@hotmail.com
2
Micheline BATISTA, Doutoranda em sociologia
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
micheline.batista@gmail.com

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