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MANOEL DE BARROS

Poesia completa
MANOEL DE BARROS
Poesia completa

[3]
Copyright © 2010, Manoel de Barros

Revisão de textos Beatriz de Freitas Moreira


Capa, projeto gráfico e paginação Regina Ferraz
Imagem de capa © Martha Barros

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Barros, Manoel de, 1916- .


Poesia completa / Manoel de Barros. – São Paulo :
Leya, 2010.

ISBN 9788580440003

1. Poesia brasileira I. Título.

10-01326 CDD-869.91

Índices para catálogo sistemático:


1. Poesia : Literatura brasileira 869.91

2010
Todos os direitos desta edição reservados à
TEXTO EDITORES LTDA.
[Uma editora do grupo Leya]
Av. Angélica, 2163 – Conjunto 175
01227-200 – Santa Cecília – São Paulo – SP – Brasil
www.leya.com

[4]
SUMÁRIO

Entrada – Manoel de Barros 7

Poemas concebidos sem pecado [1937] 9


Face imóvel [1942] 33
Poesias [1947] 47
Compêndio para uso dos pássaros [1960] 91
Gramática expositiva do chão [1966] 119
Matéria de poesia [1970] 143
Arranjos para assobio [1980] 167
Livro de pré-coisas [1985] 195
O guardador de águas [1989] 237
Concerto a céu aberto para solos de ave [1991] 269
O livro das ignorãças [1993] 297
Livro sobre nada [1996] 325
Retrato do artista quando coisa [1998] 355
Ensaios fotográficos [2000] 377
Tratado geral das grandezas do ínfimo [2001] 397
Poemas rupestres [2004] 423
Menino do mato [2010] 447

LIVROS INFANTIS
Exercícios de ser criança [1999] 469
O fazedor de amanhecer [2001] 473
Cantigas por um passarinho à toa [2003] 481
Poeminha em Língua de brincar [2007] 485

Índice remissivo 487

[5]
FACE IMÓVEL

[33]
EU NÃO VOU PERTURBAR A PAZ

De tarde um homem tem esperanças.


Está sozinho, possui um banco.
De tarde um homem sorri.
Se eu me sentasse a seu lado
Saberia de seus mistérios
Ouviria até sua respiração leve.
Se eu me sentasse a seu lado
Descobriria o sinistro
Ou doce alento de vida
Que move suas pernas e braços.

Mas, ah! eu não vou perturbar a paz que ele depôs na


praça, quieto.

RUA DOS ARCOS

A rua era assobradada


Decadente de ambos os lados
Toda espécie de gente ali
Circulava e bebia uniforme.

Uniforme era a feiura das casas —


O ar triste que elas tinham;
Mas também o ar de traição
Atrás das cortinas vermelhas.

[35]
As portas emitiam mulheres
Portuguesas de músculos brancos
E até o coração das crianças se partia
Sob o peso da coroa caída da irmã.

A viola sustava a cabeça de um cego —


Angulosa cabeça onde os fados morriam.
E entre flores amarelas
Graves gatos o escutavam.

Foi aí que de tarde eu a vi


Eu a vi passar de verde
Varando o ar sério de um guarda
Sem veneno em seus dedos

— A mulata da Lapa de verde!

OS GIRASSÓIS DE VAN GOGH

Hoje eu vi
Soldados cantando por estradas de sangue
Frescura de manhãs em olhos de crianças
Mulheres mastigando as esperanças mortas

Hoje eu vi homens ao crepúsculo


Recebendo o amor no peito.
Hoje eu vi homens recebendo a guerra
Recebendo o pranto como balas no peito.

E, como a dor me abaixasse a cabeça,


Eu vi os girassóis ardentes de Van Gogh.

[36]
AURORA NO FRONT

Das mãos caíam rezas como orvalho


Caíam rezas das mãos curvas
Sobre a aurora entrevista
No fantástico andar dos gatos.

PAZ

Esta janela aberta


As cadeiras em ordem por volta da mesa
A luz da lâmpada na moringa
Duas meninas que conversam longe…

Paz!
O telefone que descansa
As cortinas azuis que nem balançam

Mas sobre uma cadeira alguém está chorando.


Paz!

POEMA DO MENINO INGLÊS DE 1940

A rua onde eu morava foi bombardeada.


Nunca nós havíamos de pensar que uma coisa dessas
pudesse acontecer realmente.
Não ficou de pé uma só de nossas casas com seus
telhados vermelhos perdidos entre as folhagens.

Ontem de tarde eu vi o pai de Katy voltando do


trabalho — e nunca mais o verei

[37]
Porque por onde ele passou agora as ruínas fumam
silenciosamente…

Ah! nós brincávamos nas linhas dos lagos azuis.


Katy dançava de cabelos soltos no jardim
E eu compunha músicas singelas para seu corpo.
Sobre meus ombros ela chorava.

Agora parece que estou me despindo de alguém


De alguma coisa que vai morrendo dentro de mim
mesmo.
Que seria? Seriam aquelas cortinas velhas de nossas
janelas?
Aqueles muros tão conhecidos nossos?
Os móveis de tua casa, Katy?

Seriam os homens tão misteriosos de nossa rua?

Agora sinto que estou me despedindo de alguma coisa


De alguma coisa que está morrendo dentro de mim
mesmo.

O SOLITÁRIO

Os muros enflorados caminhavam ao lado de um


homem solitário
Que olhava fixo para certa música estranha
Que um menino extraía do coração de um sapo.

Naquela manhã dominical eu tinha vontade de sofrer


Mas sob as árvores as crianças eram tão comunicativas

[38]
Que me faziam esquecer de tudo
Olhando os barcos sobre as ondas…

No entanto o homem passava ladeado de muros!


E eu não pude descobrir em seu olhar de morto
O mais pequeno sinal de que estivesse esperando
alguma dádiva!

Seu corpo fazia uma curva diante das flores.

DOROWA

Homens bebem à mesa


De um cabaré de Curitiba.
A obesa Marcelle, instalada,
Engole álcool de coxas flácidas.

A esquelética Lili,
No fim da noite, exausta
Fala mole e tomba
De grandes olheiras no chão.

Ó Dorowa, teus 15 anos


Entre ombros de homens bêbados
No cabaré de Curitiba!
Ó Dorowa, teus 15 anos.

Lili, Marcelle, Dorowa.


Dorowa não, Doroty…

Ó vós, que um dia chegardes


Ao cabaré de Curitiba:

[39]
Dormi com a Dorowa,
Que está dentro da Doroty.

Dormi com a Dorowa,


Ela está no fundo da Doroty
Sabei arrancá-la de lá
Na pureza dos 15 anos.

Não deixeis Dorowa morrer,


Ela é a alma que sustenta os poetas.
Não deixeis Dorowa morrer
Como rosa em peito de suicida.

UNS HOMENS ESTÃO SILENCIOSOS

Eu os vejo nas ruas quase que diariamente.


São uns homens devagar, são uns homens quase que
misteriosos.
Eles estão esperando.
Às vezes procuram um lugar bem escondido para esperar.
Estão esperando um grande acontecimento.
E estão silenciosos diante do mundo, silenciosos.

Ah, mas como eles entendem as verdades


De seus infinitos segundos.

O MURO

Não possuía mais a pintura de outros tempos.


Era um muro ancião e tinha alma de gente.
Muito alto e firme, de uma mudez sombria.

[40]
Certas flores do chão subiam de suas bases
Procurando deitar raízes no seu corpo entregue ao tempo.
Nunca pude saber o que se escondia por detrás dele.
Dos meus amigos de infância, um dizia ter violado tal
segredo,
E nos contava de um enorme pomar misterioso.

Mas eu, eu sempre acreditei que o terreno que ficava atrás


do muro era um terreno abandonado!

NOTURNO DO FILHO DO FAZENDEIRO

O corpo na cama,
O quarto nas trevas
E o rádio que não deixava
Que não deixava pensar
Que alguém estivesse morrendo

O amoroso balbucio no portão


Ante o elefante de fícus
E o filho de fazendeiros
Que captava os movimentos primos

Ia até a infância e voltava.


(O pai deu um olhar pelos campos
E disse: — Vai ser aqui.
E fincou uma estaca no lugar.)

De tarde mandou o vaqueiro


Dar uma espiada em volta
Mas como até a noite ele não regressasse
Pegou uma carabina e saiu.

[41]
(A mãe ficou no acampamento
Cantarolando, cantarolando muito
Com o meninozinho nos braços.)

Ia até a infância e voltava.

Gostaria mais se pudesse ficar


Tem a impressão que aproveitaria melhor
Tem quase certeza.

Aprendeu alguma coisa com os anos


Só não aprendeu a odiar
Mas estava lhe parecendo
Que era uma coisa necessária nunca odiar.

SINGULAR, TÃO SINGULAR

Ó passar-se invisível pela alma da alameda de casas


espaçosas
Imaginando a feição ideal dentro de cada uma!

Ir recebendo um pouco de poesia no peito


Sem lembranças do mundo, sem começo…
Chegar ao fim sem saber que passou
Tranquilo como as casas,
Cheio de aroma como os jardins.
Desaparecer.
Não contar nada a ninguém.
Não tentar um poema.
Nem olhar o nome na placa.
Esquecer.
Invisível, deixar apenas que a emoção perdure

[42]
Fique na nossa vida fresca e incompreensível
Um mistério suave alisando para sempre o coração.

Singular, tão singular…

INSTANTE ANUNCIADO

Um chapéu velho!
Eu não via seu rosto, que um velho chapéu,
Esmaecido pelo sol, cobria.
Mas sei que não chorava
E nem tinha desejo de falar.
Porque sabia que alguma coisa vinha chegando
De manso, alguma coisa vinha chegando…
Eu não via seu rosto,
Seu rosto sombreado que um velho chapéu,
Esmaecido pelo sol, cobria.
Mas sei como ele amou aquele instante
Mas sei com que prazer ele esperou
Aquela que viria com os lábios úmidos para ele
A que havia de vir passar as mãos
Pelos seus joelhos feridos.

ENSEADA DE BOTAFOGO

O corpo quase que morava ali, equilibrado nas curvas da


enseada
Ao lado dos carros vermelhos que transportavam os donos
da vida para seus escritórios
Ao lado dos emigrantes subjugados ao infinito
E crianças reclinadas sobre as ondas azuis.

[43]
Tantas vezes o corpo sobre as curvas, tantas
Que ficou como certas casinhas tortas, que jamais podem
ser evocadas fora da paisagem.

MANSIDÃO

As casas dormiam na hora surda do meio-dia.


O corpo do homem penetrou sob árvores
Na longa quietude estendida da rua.
Tudo permaneceu sem um grito,
Um pedido de socorro sequer.
Ninguém soube se o coração vibrou.
Que sonho o acalenta ninguém adivinhou.
Ninguém sabe nada.
Não traz um lamento,
Nem marca dos pés no chão vai ficar.
Tão triste é a vida sem marca dos pés!
Tudo permaneceu sem um grito,
Um pedido de socorro sequer.
Ele passou sem calúnias
E é possível que sem corpos que o chamassem.
Ninguém soube se o coração vibrou
Porque tudo permaneceu sem fundo suspiro
No estranho momento das coisas paradas.

BALADA DO PALÁCIO DO INGÁ

Na sala de espera do Palácio do Ingá


Vou abanando a cara com o jornal do Brício.
Benjamin Constant da parede me olha.

[44]
Mas eu olho é pras medalhas do Duque de Caxias.
Ai que riquezas no Palácio do Ingá!

Os varões na parede me inspiram brasilidade.


Será que o Duque de Caxias por cima de suas medalhas
E de sua suspicácia está descobrindo meu olhar guloso
Para as coxas daquela mulher entreabertas na minha frente?

Na sala do Palácio do Ingá com uma ficha na mão


Espero para falar com o chefe do Gabinete do Interventor.
Na sala de espera do Palácio do Ingá tem uma pele de onça.
Ai que saudades do Pantanal!
Senhor, nem é tanto deste emprego que eu preciso tanto
O que eu preciso e quanto! nesta mísera tarde
É daquela mulher com as coxas entreabertas na minha
frente.
E isso não tem mandamentos e nem ofende a disciplina
militar.

INCIDENTE NA PRAIA

Eram mil corpos fora de casa


E um menino que atravessava a infância
De automóvel, no asfalto.

Eram bêbados, eram operários


Que sendo governados pelas mesmas leis
Cochilavam sob as árvores da rua.

Era um burro de homem projetado


Perpendicularmente aos edifícios
Que oferecia sorvete aos maiôs mais simpáticos

[45]
Nisto, o de papoila na lapela,
Delicadamente,
Vai até a onda e faz sua mijadinha

— É um garçom!
— É um poeta!
— É um jaburu!

Enquanto uns discutiam,


Outros iam tratar da vida
Isto é: iam jogar peteca.

[46]

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