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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MÁRCIA MARA RAMOS

EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA:


CONTRADIÇÕES, LIMITES E POSSIBILIDADES NO
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA

CAMPINAS
2016
MÁRCIA MARA RAMOS

EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA: CONTRADIÇÕES,


LIMITES E POSSIBILIDADES NO MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES SEM TERRA

Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas
para obtenção do título de Mestra
em Educação, na área de
concentração de Educação.

Orientador: Prof. Doutor José Claudinei Lombardi

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL


DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA
ALUNA MÁRCIA MARA RAMOS , E ORIENTADA
PELO) PROF. DR. JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI.

Campinas
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

EDUCAÇÃO, TRABALHO E INFÂNCIA: CONTRADIÇÕES,


LIMITES E POSSIBILIDADES NO MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES SEM TERRA

Autora : Márcia Mara Ramos

COMISSÃO JULGADORA:

Orientador Pof. Dr. José Claudinei Lombardi (UNICAMP)


Prof. Dra. Fabiana de Cássia Rodrigues (UNIVAS)
Prof, Dra. Caroline Bahniuk (UFSC)

2016
Dedico essa pesquisa às crianças Sem
Terrinha.

“as crianças têm uma sensibilidade e


elas são verdadeiras. Os Sem Terrinha
poderiam, inclusive, ajudar o MST a ver
o que teria que mudar, para garantir a
continuidade do MST, para reinventar o
MST”. Edgar Kolling
AGRADECIMENTOS

Chegado ao final desse trabalho, embora muitas vezes a escrita se apresente


como um processo solitário, quero agradecer imensamente o coletivo inspirador de
minha trajetória, pois, como já mencionado, essa pesquisa foi tecida por muitas mãos.
E, justamente pela opção de trazer algo que faz parte de um contexto político-social e
atual, quero reconhecer a importância de camaradas que sonham projetos desenhados
coletivamente, contrariando a ordem hegemônica. Bem como diz o poeta Paulo
Leminski, “Na luta de classes, todas as armas são boas. Pedras, noite e poemas”...

Meus eternos agradecimentos.

Ao MST, principal organização política que motivou e me fez enxergar a luta pelo
acesso à educação. Aos companheiros e companheiras do Setor de Educação Nacional,
da militância nos Estados onde o MST está organizado e, especialmente, às crianças
Sem Terrinha que proporcionaram a possibilidade de vivenciar uma organização que as
reconhece no seu tempo, como crianças lutadoras e construtoras de suas histórias.

Aos Camaradas: Cristina Vargas, Edgar Kolling, Roseli Caldart, Tiago


Manginni, Flávia Tereza, Elisangela Carvalho, Lizandra Guedes e Chiquinho, Izabel
Green, Erivam Hilário, Alessandro Mariano, Luna Pomme, Gabriel Vargas, Maria
Aparecida e Zezinho Ramos.

Aos Sem Terrinha do MST, representados pela Iacia e Maria Luisa, crianças da
luta pela terra no Estado do Pará. A elas (as crianças), meu profundo amor e
agradecimentos. À militância de luta do MST/PA, Maria Raimunda, Isabel, Igor,
Charles, Deusamar, Mercedes, Ayala, Giselda, Suely, Clauco e Márcia. Pelo afeto,
carinho, acolhida e receptividade e que certamente sem vocês não seria possível realizar
a pesquisa.

Para meu pai, Toninho Ramos, cantador e compositor caipira, estudante do


Ensino Médio na escola do Assentamento. A minha guerreira, Ana Maria, mãe de
muitas crianças do assentamento - Mãe e lutadora sempre. O querido William, filho
amado e enraizado na terra conquistada. A minha família Ramos que, desde 1986,
ingressou na luta pela terra e à família Rosário, representada pela minha avó Jandira,
camponesa, mãe de nove filhos e enraizada na terra. Ao Paulinho, companheiro e
camarada de todos os momentos – amor incondicional.

Ao professor José Claudinei Lombardi (Zezo), pela camaradagem, paciência e


disposição para orientação e pelas prosas desanimadoras e animadoras da conjuntura
atual.

À Professora Carolina Bahnilk, que desde as primeiras leituras do projeto de


pesquisa, deu sua contribuição valiosa no trabalho e nas motivações para a escrita.

À professora Fabiana Cássia, primeira leitora do sumário deste trabalho e


provocadora da discussão agrária e da atualidade educacional.
Ao grupo de pesquisa HISTEDBR – Juliana Gobbi, Gilberto Sant’Anna, Marcos
Lima, Gilberto Rodrigues, Bruna Moreira, Denise Camargo, Professora Mara Jacomeli,
Professor Dermeval Saviani, coletivo importante para minha formação na UNICAMP.

À camarada militante Cecilia Luedemann, que carinhosamente esteve presente nas


indicações de referências cubanas e soviéticas, bem como na revisão desse trabalho.

Das Cantadeiras Ana Chã, Jade e Guê, Talita juntamente com as crianças Dora, Manu,
Chico, Luisa, numa ciranda improvisada, compartilhamos da música política, de
projetos e do prazer em animar a luta social.

Agradeço a UNICAMP pela oportunidade de ser uma estudante do campo em uma


universidade pública, gratuita e de qualidade.

À CAPES, pela possibilidade do financiamento que foi de vital importância para o


aprofundamento da pesquisa.
RESUMO

Esta pesquisa “Educação, Trabalho e Infância: contradições, limites e


possibilidades no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” teve como
motivação e questão identificar a disputa pela infância da classe trabalhadora através
da pedagogia do capital, investigando qual o papel que as instituições do agronegócio
têm cumprido na educação dos filhos da classe trabalhadora e com qual
intencionalidade o MST vem organizando e fazendo a formação humana na educação
política das crianças dos acampamentos e assentamentos num contexto marcado pelas
relações capitalistas. O objetivo particular da pesquisa foi analisar a prática educativa do
MST na formação das crianças Sem Terra, através da mobilização infantil no Estado do
Pará e suas ações contra-hegemônicas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), desde a sua origem em 1984, tem a presença da criança na luta pela terra
e, através de reflexões no interior da luta, desenvolve um trabalho para além das
escolas, com as crianças dos acampamentos e assentamentos nos 24 estados em que o
MST está organizado. A organização coletiva proporcionada por dois elementos
fundamentais no MST - lutar e construir - estão interligados no processo da formação
humana e as crianças são parte construtora dessa formação e do processo histórico do
MST. Para a realização desse trabalho, realizamos a pesquisa de campo no Estado do
Pará, com entrevistas com educadores e militantes, conversações com as crianças e
levantamentos de materiais do MST sobre educação e infância, Jornal – Sem Terra. A
pesquisa destaca, como objeto central, as ações contra-hegemônicas que o MST vem
desenvolvendo com as crianças, através das Jornadas Nacionais dos Sem Terrinha, e
que é uma forma de mobilização de crianças em todo Brasil. Nesse sentido, observamos
a confluência entre a pedagogia do MST na formação das crianças Sem Terra e a
pedagogia socialista para a educação política da infância, grande referência de educação
transformadora na luta pela terra. E, ao final, concluímos com as matrizes formadoras –
Trabalho como principio educativo; a Luta; a Coletividade; a auto-organização; e o
Internacionalismo para a infância–, na perspectiva da construção de um programa de
formação para a infância Sem Terra.
Palavras – chave: Educação, Trabalho, Infância - Sem Terrinha, Ciranda Infantil –
Agronegócio – Luta.
ABSTRACT
This research named "Education, Work and Childhood: contradictions, limits and
possibilities in the Landless Rural Workers' Movement" was motivated to identify the
dispute for the children of the working class through the pedagogy of capital,
investigating what role the institutions of agribusiness have fulfilled in the education of
the children of the working class and with what intention MST has organized and makes
the human formation in political education of children in camps and settlements in a
context marked by capitalist relations. The particular objective of the research was to
analyze the MST educational practice in the formation of Landless children, through the
children's mobilization in the Southeast Region of the State of Para and their counter-
hegemonic actions. The Landless Rural Workers' Movement (MST), since its origin in
1984, has the child's presence in the struggle for land and, through reflections inside the
struggle, develops a work beyond the schools with children from camps and settlements
of the 24 states in which the MST is organized. The collective organization is based in
two key elements in MST – struggle and build – that are interconnected in the process
of human development. Children are active constructors of such development and of the
historical process of MST. The field research was conducted in the state of Pará, with
interviews with educators and militants, talks with children and the survey and analysis
of the MST materials about education and children, particularly the newspaper Jornal
Sem Terra. This research highlights, as the main object, the counter-hegemonic actions
that the MST is developing with children, through the national week of the Landless
Children, that is a way of children´s mobilization across Brazil. In this sense, we
observe the confluence between the pedagogy of MST in the formation of Landless
children and socialist pedagogy for child political education, great reference of an
education that brings social transformation in the struggle for land. At the end, we
conclude with the identification of the forming matrices - Work as an educational
principle; the Struggle; the Collectivity; the self-organization; and internationalism for
childhood - in the perspective of the construction of a formation program for Landless
childhood.

Keywords: Education. Work. Childhood – Landless Children. “Children´s Ciranda”.


Agribusiness. Struggle.
LISTA DE SIGLAS
ABAG - Associação Brasileira do Agronegócio
AL – Alagoas
ANAP - Associação Nacional de Agricultores Pequenos
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
BA – Bahia
CEBs - Comunidades Eclesiais de Base
CEDAC - Comunidade Educativa
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CE – Ceará
CPA – Cooperativas de Produção Agropecuárias
CPT - Comissão Pastoral da Terra
CLOC – Coordenação Latino-americana de Organização do Campo
CUC - Comitê de Unidade Campesina
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DF – Distrito Federal
EMPBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes
ENERA - Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária
ES – Espírito Santo
GO – Goiás
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
JST – Jornal Sem Terra
MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens
MG – Minas Gerais
MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores
MA – Maranhão
MEC - Ministério da Educação
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
MNCI - Movimento Nacional Campesino Indígena
MS – Mato Grosso do Sul
MT – Mato Grosso
OPJM - Organização dos Pioneiros José Martí
ONG – Organização Não Governamental
PA - Pará
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PE – Pernambuco
PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária
PR – Paraná
PIB - Produto Interno Bruto
PI – Piauí
PB – Paraíba
PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PJR - Pastoral da Juventude Rural
PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
RJ- Rio de Janeiro
RN – Rio Grande do Norte
RO – Rondônia
RR – Roraima
RS – Rio Grande do Sul
SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
SESC - Serviço Social do Comércio
SESI - Serviço Social da Indústria
SE – Sergipe
SC – Santa Catarina
SP – São Paulo
TPE - Todos Pela Educação
TO – Tocantins
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO______________________________________________________16

CAPÍTULO 1 – PEDAGOGIA EM MOVIMENTO NA PRÁTICA EDUCATIVA


E FORMATIVA DAS CRIANÇAS SEM TERRINHA NA LUTA PELA
TERRA_____________________________________________________________43

1.1 Influências dos processos revolucionários na organização da infância Sem


Terra________________________________________________________________44

1.2 O MST e a Educação________________________________________________58

1.3 A infância no MST__________________________________________________67

1.3.1 Os instrumentos de luta da infância Sem Terra_____________________70


1.3.2. A ocupação do universo infantil na comunicação e cultura do MST____74

CAPÍTULO 2 – A LUTA DE CLASSES TAMBÉM OCUPA A INFÂNCIA ____79

2.1 A educação como um instrumento hegemônico do capital ___________________80

2.2 A infância no contexto do campo e do desenvolvimento_____________________94

2.3 A pedagogia do capital no projeto do agronegócio para a infância do


campo______________________________________________________________101

CAPÍTULO 3 - A INFÂNCIA NO MST: UMA PRÁTICA EDUCATIVA EM


FORMAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA_______________________________117
3.1. As mobilizações infantis e a educação política dos Sem Terrinha____________ 118

3.2. A luta pela terra e a Infância no Pará __________________________________131

3.3 As mobilizações infantis no Estado do Pará -15 anos de jornada dos Sem Terrinha_
___________________________________________________________________144
3.3.1 O Encontro Estadual dos Sem Terrinha no Estado do Pará - 2014 e
2015_______________________________________________________________ 147

3.4 A educação política e o seu significado no contexto da disputa da pedagogia contra-


hegemônica__________________________________________________________158

3.4.1 Indicações para um programa de formação político para a infância ___170

CONSIDERAÇÕES__________________________________________________185

REFÊRENCIAS _____________________________________________________192

ANEXOS___________________________________________________________ 199

1. Manifesto dos Sem Terrinha à Sociedade Brasileira (2014)___________199


2. A significação da infância em documentos do MST_______________ __201
3. "A GRANDE ESPERANÇA”. Frei Sergio Gorgen__________________208
4. JST artigos de 1994 – 1995 – 1996_______________________________210
5. Carta do Sem Terrinha do RS 1995______________________________ 214
6. Cartaz dos Sem Terrinha de São Paulo (1996)______________________215
7. Manifesto dos Sem Terrinha ao Povo Brasileiro – de SP (1996)________216
8. Programação do Encontro Estadual dos Sem Terrinha do Estado do Pará
217_________________________________________________________ 218
9. Matéria do Jornal Correio. O Jornal de Carajás. Sobre o Encontro
Estadual dos Sem Terrinha – 2014__________________________________219
De pernas pro ar.
(A escola do mundo ao avesso)
Eduardo Galeano

“Na América Latina,


crianças e adolescentes somam quase a metade da população total.
Metade dessa metade vive na miséria.
Sobreviventes: na América Latina,
a cada hora, cem crianças morrem de fome ou de doenças curáveis,
mas há cada vez mais crianças pobres em ruas e campos dessa região
que fabrica pobres e proíbe a pobreza.
Crianças são, em sua maioria, os pobres;
e pobres são, em sua maioria, as crianças.
E entre todos os reféns do sistema, são elas que vivem em pior condição.
A sociedade as espreme, vigia, castiga e às vezes mata;
quase nunca escuta, jamais a compreende.
[...] Dia após dia nega-se às crianças o direito de ser crianças.
Os fatos, que zombam desse direito,
ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana”.
16

INTRODUÇÃO

O presente trabalho “Educação, trabalho e infância: contradições, limites e


possibilidades no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra” foi desenvolvido num
contexto marcado por perdas das conquistas da classe trabalhadora, de violação dos
direitos humanos com a chamada Lei da terceirização PL 4330/04, da aprovação da
redução da maioridade penal e do projeto antiterrorista para combater, principalmente,
as manifestações populares. Um período de derrotas dos governos “populares” e de
esquerda na América Latina, com fortalecimento do movimento conservador em prol do
impeachment da atual presidente do Brasil, em 2016, considerado pela esquerda
brasileira uma tentativa de golpe pelo poder dominante. Um cenário de muitos conflitos
e contradições imposto pelas investidas da classe dominante, através da ideologia e
força jurídica, midiática e política dominante; mas é também um período de luta e
resistência da classe trabalhadora em suas diferentes frentes de atuação e defesa da
democracia.

Este trabalho de pesquisa contextualiza elementos do processo histórico do


Movimento da construção coletiva de uma concepção de educação no MST,
fundamentada no contexto da luta pela terra e as condições objetivas (da luta), para a
sua efetivação. Uma organização política e nacional de camponeses que, a partir da
realidade brasileira, se organizam e lutam para permanecer produzindo e
(re)significando o território brasileiro que, historicamente, foi e é marcado pela
concentração fundiária. A educação crítica, popular e socialista de caráter
internacionalista que contrapõe-se à pedagogia burguesa, contribui com a gestação
coletiva dos princípios filosóficos e pedagógicos que compõem a concepção de
educação do MST, tendo como materialidade concreta a luta pela terra.
A temática presente faz parte do meu processo de formação política e atuação
como educadora e militante de crianças, filhas dos(das) trabalhadores(as) do MST. É
desde esse lugar que tenho a oportunidade de ter a vivência acadêmica e aprofundar os
estudos da infância. Escrever a dissertação de mestrado, trazendo elementos que
17

compõem um repertório da minha vida, por vezes esquecida, é um meio de dar sentido à
vida das pessoas através da sua própria história-memória. E, certamente, o grupo social

no qual participo se faz refletir sobre a minha atuação prática e sobre a necessidade da
construção de uma teoria, como resultado de um processo coletivo, para a educação e
formação da classe trabalhadora, me fazendo convicta da luta que temos na atualidade e
para a importância da coletivização do conhecimento .

Pesquisar a infância, através das Jornadas dos Sem Terrinha, é um desafio sobre
as minhas próprias motivações, como integrante do movimento popular. Essas
motivações provocaram, em mim, a vontade e a necessidade política em continuar
aprofundando os estudos sobre esse movimento infantil, existente há 21 anos e que vai
se tornando uma organização com referência política das crianças Sem Terra no Brasil.
Os estudos do Mestrado provocaram, em mim, o exercício de pensar para além das
crianças do MST, buscando compreender a relação que o capitalismo estabelece com as
crianças da classe trabalhadora, através da pedagogia do capital, e de sua influência na
formação dessas crianças. Entendo que os elementos da formação das crianças Sem
Terra e as ações contra-hegemônicas que vêm sendo realizadas historicamente no MST
constituem contribuição fundamental para a organização dos trabalhadores do campo e,
em especial, para crianças que são inseridas nos processos organizativos e, também, do
protagonismo da história da luta pela terra.

A finalização do mestrado é, para mim, a conquista de uma etapa fundamental


do meu processo de formação e estudos e que seguem pela vida toda. Só foi possível,
entretanto, porque, ao longo da história, a luta pelo direito ao estudo esteve presente nas
relações políticas, na aposta da construção coletiva de outra pedagogia com camaradas
das diferentes organizações, professores de universidades, entre outros, que acreditam
na construção do projeto da classe trabalhadora. Por isso, este trabalho é uma produção
tecida por muitas mãos, na qual trago reflexões e sistematização de um processo
coletivo.

A pesquisa teve como motivação e questão identificar a disputa pela infância da


classe trabalhadora através da pedagogia do capital, investigando qual o papel que as
instituições do agronegócio têm cumprido na educação dos filhos da classe trabalhadora
e com qual intencionalidade o MST vem organizando e fazendo a formação humana na
educação política das crianças dos acampamentos e assentamentos num contexto
18

marcado pelas relações capitalistas. O objetivo particular da pesquisa foi de analisar a


prática educativa do MST na formação das crianças Sem Terra, através da mobilização
infantil no Estado do Pará e suas ações contra-hegemônicas.
A pesquisa, de caráter qualitativo, analisou uma das práticas educativas do MST,
as Jornadas dos Sem Terrinha, como um trabalho formativo da educação política das
crianças, no Estado do Pará, com uma contextualização do marco histórico do Primeiro
Congresso Infantil, em 1994, no Estado do Rio do Grande do Sul, e que proporcionou
uma movimentação e organização das crianças nos Estados onde o MST está
organizado, transformando as mobilizações em atividades de caráter nacional.
O caminho escolhido para a realização da pesquisa, em termos
metodológicos, foi de retomar, outras pesquisas e estudos sobre a infância Sem Terra,
desenvolvidas no decorrer de minha formação política e acadêmica e que tiveram por
fonte os documentos já produzidos Sobre, Para e Com a Infância Sem Terra. Uma das
principais fontes que contribuiu com informações sobre o processo da identidade
política Sem Terrinha foi o Jornal Sem Terra (JST), nos anos de 1994 – 1995 e 1996, e
as referências do Primeiro Encontro Infanto Juvenil do Estado de São Paulo, de 1996.
As referências políticas do Setor de Educação nos Estados, bem como as informações
cedidas pelos dirigentes nacionais do MST, contribuíram com o levantamento das
primeiras atividades realizadas com as crianças, nos Estados, e entrevistas para
contextualização do Setor de Educação e suas relações com os processos de luta
internacionalista.
A retomada desses estudos nos desafiou pesquisar as crianças que vivem num
campo de expressiva conflitualidade agrária, no contexto da luta pela terra no Estado do
Pará. Foram momentos fortes, vividos, sensíveis, num cenário de resistência, luta e
construção de possibilidades, mesmo nos limites da sociedade capitalista. A acolhida da
pesquisadora e da pesquisa pela militância do Estado do Pará, proporcionaram um
intenso trabalho de campo em espaços localizados na Região Sudeste Paraense:
visitações em assentamentos e acampamentos, as escolas destes territórios, as estruturas
de Carajás, o Instituto de Agroecologia Latino Americano Amazônico – IALA, o
Instituto Federal do Pará - IFPA que está localizado no Assentamento 26 de Março,
município de Marabá.
Para coleta de dados, foram realizadas conversações com as crianças da
educação infantil de 4 a 5 anos da Escola Salete Moreno, com as crianças de 7 a 12 anos
19

nas Jornadas dos Sem Terrinha das diferentes áreas de assentamentos e acampamentos,
bem como entrevistas semiestruturadas com os educadores das escolas e do setor de
educação no estado do Pará. A retomada histórica das Jornadas dos Sem Terrinha no
MST, desde a origem da identidade política e da construção de uma frente de crianças
que fazem a luta contra-hegemônica nos acampamentos e nos assentamentos do MST
no Brasil. Com o recorte na pesquisa participante dos últimos dois anos (2014 e 2015,
num período de quarenta dias), presenciei, participei e observei os processos de
organização dos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha, no Estado do Pará, e a
formação da educação política das crianças Sem Terrinha.
Para o aprofundamento e análise da pesquisa, trabalhamos com as referencias
dos documentos do MST; de Roseli Salete Caldart, para a contextualização da
educação do MST; O Jornal Sem Terra como fonte documental e como marco de um
processo inicial da Mobilização Infantil no MST; dos estudos de Moisey M.Pistrak e
Viktor N. Shulgin sobre os processos da pedagogia socialista na união Soviética; Para
responder à questão da pedagogia do capital: como ela vem disputando a formação de
crianças, jovens e adultos do campo e da cidade através da educação e de projetos
culturais? Esse processo exigiu uma contextualização do papel da educação no Brasil;
das leituras e pesquisas importantes sobre o agronegócio como “palavra política” e a
sua inserção no campo brasileiro, da ABAG, da VALE, bem como de pesquisas nos
próprios sites dessas empresas e outras. Debruçar sobre o assunto e sobre essas fontes
foi fundamental para entender melhor a “disputa dos filhos da classe trabalhadora”
pela pedagogia do capital. Os estudos de Regina Bruna sobre o agronegócio; de
Rodrigo Lamosa sobre o programa Agronegócio na escola; da Roberta Traspadine
sobre os projetos educativos do agronegócio nas escolas; da Maria Luisa Mendonça,
com os estudos da origem do agronegócio; de Neil Postman sobre o “desaparecimento
da infância” na década de 1970 nos Estados Unidos; Sobre o lugar da infância na luta
pela terra e a questão agrária, os autores Paulo Alentejano, João Pedro Stedile,
Fernando Michelloti, Haroldo de Souza, Leonilde S. de Medeiros e Guilherme
Delgado apontaram elementos fundamentais para entender a questão agrária no Brasil;
de Mari Del Priori, trazendo a história das crianças no Brasil e de José de Sousa
Martins, com os estudos das crianças da luta pela terra, filhas de posseiros e pequenos
agricultores na região amazônica na década de 1970 e Deise Arenhart nos estudos das
crianças da luta pela terra no MST.
20

A escolha do tema infância da luta pela terra tem a ver com meu percurso
histórico e dos sujeitos da pesquisa, pois o foco nas crianças do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está relacionado à minha trajetória de vida e ao
meu processo de formação. Desde minha adolescência, vivenciei a vida num
acampamento e, depois, num assentamento, tendo a oportunidade de iniciar minha
militância, como educadora, trabalhando com a organização das crianças Sem Terra da
Regional Sudoeste Paulista, através do Setor de Educação, contribuindo na organização
das crianças do assentamento da Agrovila III, na preparação do I Congresso Estadual
Infantojuvenil do Estado de São Paulo.1 Minha trajetória e a vivência da infância no
campo, como a de milhares de crianças privadas dos seus direitos, da negação do acesso
à terra e do direito de estudar, foram dois fatores impactantes na minha vida. Eles
marcaram minha relação com o acampamento e o assentamento, bem como o processo
de formação na militância do MST, espaço que forjou, em mim, a convicção do direito
de lutar e se enraizar na luta pela terra e na organização das crianças dos assentamentos
e acampamentos através da educação e cultura.
Há, também, uma relação com o processo de estudo, com o aprofundamento da
discussão sobre a infância do campo, tendo presente que o lugar da infância no sistema
capitalista foi demarcado, historicamente, pela relação entre trabalho e capital. Nesta
relação, educação pensada e ofertada para os filhos da classe trabalhadora,
intencionalmente, estabelece uma relação de dominação e hegemonia da ideologia
burguesa na formação de indivíduos padronizados, individualistas e competitivos.
A escolha em realizar a pesquisa na Região Sudeste Paraense está relacionada
ao processo de luta permanente e resistência do MST no enfrentamento às empresas do
agronegócio, como a mineradora Vale, as ações frequentes da pistotolagem e das ações
contra-hegemônica que o MST tem proporcionado desde as escolas e as intervenções
em outros espaços da luta pela terra.
A pesquisa de campo foi realizada no Estado do Pará, com base na análise do
trabalho das escolas dos assentamentos e acampamentos do MST, como também na
observação da Jornada Estadual dos Sem Terrinha. O MST, no Pará, tem provocado o
conjunto do MST, através do Setor de Educação, a refletir sobre o lugar da infância no

1
Este Congresso fortaleceu nacionalmente a origem e identidade ao nome Sem Terrinha no MST. Ver
referência nos documentos: Capítulo 3 da Dissertação. Monografia “Sem Terrinha Semente de
Esperança” IEJC/RS (1999) e Dicionário da Educação do Campo “A infância do campo” (2012).
21

Movimento. Na realização do VI Congresso Nacional do MST, em 2014, uma


delegação de crianças do Pará participou sem os seus pais do Congresso, fato único até
então. Em 2015, foi delegada para um coletivo de crianças a tarefa de pensar como
deveria ser o encontro dos Sem Terrinha Estadual e apresentar para Direção Estadual do
MST. Também foi garantida a participação de uma representação de crianças, indicada
em cada área de assentamento e acampamento, para participação do Encontro Estadual
do MST/PA, com intervenção nas plenárias e assembleias dos Sem Terrinha.
No contexto da luta e da resistência permanente, o Movimento no Estado do
Pará tem buscado realizar ações de formação com as crianças na escola, nos Encontros
Sem Terrinha e outros espaços que buscam se contrapor à educação na lógica do capital.
As vivências, no sudeste do Pará, se deram no período de outubro de 2014, e em Maio e
outubro de 2015, nas atividades dos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha, e da
atividade nacional da produção coletiva de uma orientação para as escolas de educação
infantil de assentamento, que, todavia está em construção.
A escolha do lugar e dos sujeitos da pesquisa levaram em conta a luta pela terra
e o contexto do conflito agrário do Estado do Pará, bem como o protagonismo das
crianças, garantido pela sensibilidade do coletivo de militantes do MST, no Pará,
proporcionando que as jornadas dos Sem Terrinha fossem se transformando em espaço
preparado com elas e, de fato, delas. Podemos afirmar que a infância, forjada na luta
pela terra, através da organização do MST, é lutadora e construtora, especialmente de
uma referência de um lugar que permite o ser criança e ter infância.
Com relação ao método de estudo, a importância da teoria como um
referencial para a pesquisa e, nesse caso, o materialismo histórico dialético para o
aprofundamento da análise da sociedade capitalista, me permitiu estudar o processo de
desenvolvimento do capitalismo, as contradições geradas pela acumulação do capital, o
papel da educação na perspectiva marxista, tendo a teoria como um referencial
fundamental, alicerçada pela prática social, articulando o fazer e o pensar, a luta e
construção. Essas questões foram umas das referências na construção da pedagogia
socialista soviética na construção da escola do trabalho. Para Saviani (2011),

[...] a filosofia da práxis, tal como Gramsci chamava o marxismo, é


justamente a teoria que está empenhada em articular a teoria e prática,
unificando-as em práxis. É um movimento prioritariamente prático,
mas que se fundamenta, teoricamente, alimenta-se da teoria para
22

esclarecer o sentido, para dar direção à prática. Então, a prática tem


primado sobre a teoria, na medida em que é originalmente. A teoria é
derivada. Isso significa que a prática é, ao mesmo tempo, fundamento,
critério de verdade e finalidade da teoria. A prática, para desenvolver-
se e produzir suas consequências, necessita da teoria e precisa ser por
ela iluminada. Isso nos remete à questão do método (SAVIANI, 2011,
p. 120).

O “Método da economia política” de Marx, constante do livro Contribuição à


crítica da economia política, explicita a passagem do “empírico ao concreto” – ou a
passagem da “síncrese à síntese”, da prática social global como ponto de partida e como
ponto de chegada (SAVIANI, 2011, p. 121). O método pedagógico explicado a partir
dos fundamentos teóricos da concepção materialista dialética da história, para Saviani
(2011) possibilita que as questões apareçam como resultantes das relações sociais
globais, ou seja, é necessário serem compreendidos historicamente pela herança que
cada geração herda da anterior através dos modos de produção que as impõe a tarefa de
“desenvolver e transformá-la”, através dos meios de produção de determinada
sociedade. “A educação, na medida em que é uma mediação no seio da prática social
global, cabe possibilitar que as novas gerações incorporem os elementos herdados de
modo que se tornem agentes ativos no processo de desenvolvimento e transformação
das relações sociais” (SAVIANI, 2011, p. 121).
A junção da teoria e prática corresponde a uma necessidade de “transformar a
realidade” a partir das condições de produção da vida material dos seres humanos, base
social de uma formação social, e pela capacidade de transformar a natureza e se
apropriar dela, base e fundamento da diferenciação entre o homem e os animais. E,
nesse sentido, a concepção da educação socialista decorre de que a criança não nasce já
com as características que a define como humano, mas é as relações sociais que ela
estabelece que as constituem e que vai definir a sua própria sobrevivência e existência
na história.

O homem é, pois, um produto da educação. Portanto, é pela mediação


dos adultos que num tempo surpreendentemente muito curto a criança
se apropria das forças essenciais humanas objetivadas pela
humanidade tornando-se, assim, um ser revestido das características
humanas incorporadas à sociedade na qual ela nasceu (SAVIANI,
2013, p. 250).
23

A formação humana tem como desafio superar as relações de classe e pensar em


uma educação da infância que rompa com a concepção burguesa de educação que se
prende somente na escola burguesa, Lombardi (2013) nos indica um “tripé” de ações,
nesta direção: “Empreender uma radical crítica à educação burguesa; organizar uma
educação crítica dos trabalhadores; uma formação política para a luta
revolucionária”, (SAVIANI, 2013, p.15). Assim, explicita-se a implementação da
pedagogia revolucionária na prática educativa. O materialismo histórico dialético é, sem
dúvida, uma teoria social que possibilita uma metodologia de análise com base no
movimento da realidade e nos processos históricos antagônicos.

[...] o marxismo torna-se a referência epistemológica mais importante


do século XX. Isto é, o marxismo, enquanto método científico,
tornara-se patrimônio universal da filosofia contemporânea, assim
como a filosofia de Descartes tornara-se referência universal para a
modernidade. Por isso, pensar e pesquisar a partir da dialética entre as
classes sociais, relacionar infraestrutura e superestrutura, contexto
histórico e subjetividade, priorizar o trabalho como categoria e fonte
de valor e, sobretudo, considerar a coletividade e a igualdade entre
(homens) valores prioritários frente à liberdade individual, qualifica
programas políticos e posturas intelectuais de socialistas ou de
esquerda, independente de qualquer identificação político-burocrático
(NOSELLA, 2002, p.108).

No caso da pesquisa com a infância no MST, os procedimentos metodológicos indicam


a necessidade de compreender que, historicamente, o lugar das crianças foi forjado
através da luta pela terra, inserida nas contradições do capitalismo. Desta forma, um
dos objetivos neste trabalho é entender como, apesar da preocupação com uma
formação crítica, a pedagogia do capital atinge as crianças do campo e cidade, e
inclusive no MST, nos limites da sociedade de classe, vem proporcionando formação
política às crianças Sem Terra, nas últimas três décadas. É desafiador trazer a infância
para dentro das pesquisas, num contexto marcado pela fetichização da infância, pelo
consumismo, em que a tecnologia tem, cada vez mais, criando brinquedos e produtos
que dialogam com a criança, compondo-se as relações sociais atuais na vida da criança,
no embate colocado pela relação capital e trabalho. Postman, em seus estudos sobre a
infância como “desnecessária e inevitável”, com foco no desaparecimento da infância
no final da década de 1970 e início de 1980, nos Estados Unidos, afirma que: “Para
onde quer que a gente olhe, é visível que o comportamento, a linguagem, as atitudes e
os desejos, – mesmo a aparência física – de adultos e crianças se tornam cada vez mais
24

indistinguíveis”. E que todas as evidências indicam que a “história da infância se


tornou, agora, uma indústria importante para os especialistas” (POSTMAN, 2012, p. 18
– 19). Sobre o assunto, Felipe entende que,
Aos pesquisadores das crianças, cabe a tarefa de elaborar um
conhecimento que, captando a sua historicidade, permita apreender
como pensam, sentem e vivem a vida. Um conhecimento capaz de
incorporar no seu dizer a memória individual e social, a produção
simbólica e discursiva das crianças de todos os grupos sociais, naquilo
que têm de comum (como seres do mundo) e diverso (como seres que
interpretam para si o mundo). Tanto na cidade como no campo, talvez
tenha mudado “a rua da infância”. O que permanece é a tarefa de
articular os ordenamentos sociais com a produção cultural das
crianças, sem pretender atribuir uma liberdade da qual não dispõem –
na medida em que só se pode ser humano com os outros, nem negar a
faixa de autonomia que dispõem para produzir um lugar no mundo.
(FELIPE, 2009, p.64).

O direito da criança, no MST, ganha uma forma diferente ao da sociedade


hegemônica, mas, sem dúvida, as influências da pedagogia do capital está em toda parte
e, por isso, os acampamentos e assentamentos do MST, como não são lugares isolados,
também acabam sendo influenciado pela lógica do capital.

O reconhecimento da alteridade das crianças em relação aos adultos


(da sua linguagem, do seu modo de pensar e conhecer) abre um leque
de possibilidades de pesquisas com crianças. Há, sem dúvida, um
grande ganho nesta formulação, na medida em que as crianças podem
ser tomadas como sujeitos de pleno direito, capazes de gestar e gerir
situações complexas, ideia que se opõe à infância como um período de
minoridade. (FELIPE, 2009, p. 69).

A pesquisa com criança, no caso específico da luta pela terra, nos mostra que
juntamente com os seus familiares, ela enfrenta o latifúndio da terra, as empresas do
agronegócio e que vem se tornando um grande problema na disputa pelo território do
campo. Nos estudos de Martins, no final da década de 1970, em pesquisa na região
Amazônica com crianças filhas da luta pela terra de posseiros e trabalhadores
deslocados para reforma agrária no Mato Grosso, o autor destaca a importância do
projeto de pesquisa para a memória histórica sobre as “crianças sem infância”, com o
objetivo de proporcionar uma pesquisa que revelasse o “que é ser criança no mundo
subdesenvolvido”, embora a realidade dessas crianças, filhas de posseiros e pequenos
agricultores, na sua subjetividade não aparentasse uma necessidade de pesquisa. Mas ele
25

destaca a importância em estudar e pesquisar a infância e como ela vai sendo suprimida
da história:

A supressão da infância suprime ao mesmo tempo processos sociais


vitais, pois submete as novas gerações a relações sociais e uma
socialização enferma que já não estão mais sob domínio de homens e
sim de coisas. É ilusória a liberdade gestada nessas condições, porque
é antes de tudo a liberdade da coisa, da mercadoria, da criança
convertida em mão de obra real ou potencial. [...] Gostaria,
igualmente, que este nosso trabalho encorajasse os pesquisadores das
ciências sociais a trabalharem mais amplamente com a concepção de
mudos da História, os deserdados, banidos e excluídos, os sucateados
pelas conveniências do poder e do grande capital, são cada vez mais
sujeitos do processo histórico. (MARTINS, 1991, p. 14-16).

Para Martins (1991), são elencados dois pontos importantes para a pesquisa: o da
história oral e da história documental. Ele considera que dificilmente o historiador
considere a primeira tão importante quanto a segunda. E, com isso, ficam evidentes que
os documentos são registros importantes, mas que determina uma linguagem e um
tempo da vida que certamente não contempla a infância. A escolha feita em retratar em
seu processo o “que é a supressão da infância na periferia do mundo moderno
desenvolvido e abastado” aponta como problema social uma multidão de crianças
convertidas no exército de reserva, mão de obra excedente para a reprodução do capital
(MARTINS, 1991, p. 12). Essa pesquisa nos chama atenção pelo sentido da dedicação e
atenção dada pelo pesquisador para com essa frente etária:

O pesquisador quase sempre pressupõe e descarta, no grupo que


estuda, uma parcela de seres humanos silenciosos, os que não falam.
De nada adiantaria conversar com eles. São os que em público e
diante do estranho permanecem em silêncio: as mulheres, as crianças,
os velhos, os agregados da casa, os dependentes, os que vivem de
favor. Ou os mudos da história, os que não deixam textos escritos,
documentos. [...] Ainda que os cientistas sociais reconheçam e
incorporem em suas investigações a diferenciação social, como as
classes sociais, ou gêneros, fazem-no no intuito de resgatar categorias
sociais que tem substância e especificidade. Quando o operário fala, é
a fala da classe; quando a mulher fala, é a fala do gênero. Mas as
ciências sociais têm trabalhado pouco outra modalidade de
diferenciação que é metodologicamente fundamental: referi-me à que
diz respeito ao enquadramento ou não da pessoas na linguagem que o
instrumental sociológico pode captar e que é, na verdade, um código
de poder, uma linguagem de poder (e também de classe média, de
gênero masculino, de idade adulta) (MARTINS, 1991, p. 53- 54 – 55).
26

Estudos sobre a infância2 vêm mostrando os efeitos da sociedade capitalista na


limitação dos direitos à infância, que afeta mais as crianças da classe trabalhadora,
reafirmando o "não lugar" que as crianças historicamente tiveram na sociedade, o que as
afasta das esferas da participação, da "política" e do trabalho como princípio educativo.
As crianças do MST podem dar uma grande contribuição aos estudos da infância da
classe trabalhadora por considerar essas dimensões muitas vezes esquecidas.

Os Sem Terrinha, como os próprios se denominam para marcar sua


identidade de “ser criança Sem Terra”, são, sobretudo, “crianças em
movimentos”, por tanto, estão inseridas na dinâmica de um
movimento social que também elas, como criança ajudam a construir.
Ao mesmo tempo, não estando fora do contexto de uma sociedade
desigual e excludente, trazem as marcas do mundo do trabalho, da
fome, do frio, das desigualdades de se viver embaixo da lona preta, do
sacrifício da luta cotidiana pela sobrevivência; seus corpos expressam
sua condição de classe. Por outro lado, seus corpos também retratam
uma identidade de luta, dignidade e confiança no presente e no futuro,
porque estão inseridos em um movimento social que produz essa força
no interior dos seus processos educativos (ARENHART, 2007, p. 43).

Compreendendo a necessidade da organização infantil a partir da realidade


concreta da luta do MST, criando uma organização para além do processo institucional
da escola, foi fundamental colocar em pauta as crianças no MST e as questões que a
afetam no dia a dia e que tornam-se pautas de luta das crianças. A concepção de
infância que o MST foi construindo ao longo de seus 31 anos tem uma perspectiva
histórica, dialética e crítica com base na realidade social. Sua prática educativa está
vinculada ao pensamento da educação popular, com base na pedagogia do oprimido e da
Pedagogia Socialista, base e fundamento que compõe a própria construção da Pedagogia
do Movimento Sem Terra. Na construção da prática educativa, o processo de construção
coletiva de formação humana é o que dá significação ao resultado do trabalho educativo
no MST.
A contradição da propriedade privada, da concentração fundiária e da
ultraexploração do trabalho gerado pelo capitalismo, no contexto da luta pela terra, é
resultado do processo histórico das forças dominantes sobre a classe trabalhadora e que,

2
Os estudos de Neil Postman - O desaparecimento da Infância; Mary Del Priori - História das crianças
no Brasil. José de Souza Martins - O Massacre dos Inocentes. A criança Sem Infância no Brasil.
27

em cada período se resignifica, mas se mantém com o objetivo da acumulação do


capital através da “exploração do homem sobre o homem” 3, ou seja, a história de todos
os tempos é a da luta de classes e, a relação trabalho e capital tem cada vez mais
desenvolvido um processo de produção destrutiva do capital através da exploração da
força de trabalho e da propriedade privada, apropriando-se cada vez mais da terra, da
água e dos bens naturais.
O trabalho, desde a sua origem, é a condição básica para a vida humana, que vai
criar o próprio ser humano (MARX, 2013). O desenvolvimento da humanidade através
do trabalho surge muito antes da sociedade que conhecemos e vivenciamos, transforma
a sua própria existência através de atividades com as mãos e diante de novas
descobertas como andar, produzir sons, se comunicar e o expressar próprio sentimento,
com o desenvolvimento do cérebro, se torna atividade transformadora na natureza e que
ao mesmo a modifica. Esse processo de desenvolvimento humano que possibilita a ação
criativa e coletiva por meio do trabalho social, acompanhado, para Marx, de uma
alimentação mista principalmente carnívora, ofereceu para a humanidade essenciais
ingredientes para o desenvolvimento do metabolismo humano. A alimentação mista vai
significar dois novos avanços na humanidade, o uso do fogo que vai reduzir o processo
digestivo e a domesticação dos animais sendo que o hábito da alimentação humana
transforma animais como gatos e cães selvagens em servidores do ser humano. Com
esse processo de desenvolvimento, com a capacidade humana em se alimentar e
adaptar-se nos diferentes climas ao quais os animais não conseguiram acompanhá-los,
“[...] quanto mais os homens se afastam dos animais, mais sua influência sobre a
natureza adquire um caráter de ação intencional e planejada, cujo fim é alcançar os
objetivos projetados de antemão”, o qual os diferencia dos animais. (MARX, 2013, p.
20-21-23).

O trabalho começa com a elaboração de instrumentos. E que


representam os instrumentos mais antigos, a julgar pelos restos que
nos chegaram dos homens pré-históricos, pelo gênero de vida dos
povos mais antigos registrados pela História, assim como pelo dos
3
O Manifesto do Partido Comunista (1872) afirma que o capitalismo cria internacionalmente novas
necessidades, coloca a propriedade privada em poucas mãos, erguendo a burguesia ao poder com os
meios de produção e de troca, produz os homens que criam as armas e as manejam, baixa o valor da força
de trabalho – resultando no salário, para manter a sua existência mínima do ser humano e sua condições
de trabalho.
28

selvagens atuais mais primitivos? São instrumentos de caça e de


pesca, sendo os primeiros utilizados também como armas. Mas a
caça e a pesca pressupõe a passagem da alimentação exclusivamente
vegetal à alimentação mista, o que significa um novo passo de suma
importância na transformação do macaco em homem. (MARX,
2013, p.20).

O trabalho tem, em sua dupla condição positiva e negativa, criador e destruidor,


nos modos de produção onde ocorreu a divisão de classes. O trabalho como princípio
educativo para a formação humana, e seu significado nesse contexto, é de uma relação
ativa e criativa para a produção da existência, num processo que vai se realizando ao
longo da história pelos próprios seres humanos e o resultado desse processo é o próprio
humano. Porém, com o desenvolvimento humano, o trabalho criativo foi sendo
submisso ao capital, a reprodução ampliada do lucro que vai ocorrer com a apropriação
da força de trabalho e divisão social do trabalho, aumentando a produtividade da
mercadoria, especialização dos trabalhadores, modificando a natureza do trabalho como
atividade criativa e produtiva para a existência humana. De acordo com Marx, após a
sociedade primitiva, com a produção de excedentes e o regime de trocas de
mercadorias, o surgimento das classes sociais, a propriedade privada e o Estado, levará
à formação de modos de produção cuja essência é a exploração de uma maioria de
trabalhadores por uma minoria de exploradores. O capitalismo, atual modo de produção
dominante, analisado por Marx, desenvolveu ao máximo a concentração da riqueza:

Os homens que nos século XVII e XVIII haviam trabalhado para criar
a máquina a vapor não suspeitavam de que estavam criando um
instrumento que, mais do que nenhum outro, haveria de subverter as
condições sociais em todo mundo e que, sobretudo na Europa, ao
concentrar a riqueza nas mãos de uma minoria e ao privar de toda
propriedade a imensa maioria da população, haveria de proporcionar
primeiro o domínio social e político à burguesia e depois provocar a
luta de classes entre a burguesia e o proletariado, luta que só pode
terminar com a liquidação da burguesia e a abolição de todos os
antagonismos de classe. (MARX, 2013, p. 27).

É nesse cenário da luta de classe, da luta pelo trabalho criativo e da resistência


histórica da classe trabalhadora em suplantar a propriedade burguesa, buscando superar
as contradições de classe, a luta por direitos e supressão da propriedade burguesa,
colocando as contradições e as posições coletivas da classe, que o método que Marx e
29

Engels utilizaram através do processo histórico de análise do desenvolvimento dos


modos de produção, nos deixa um referencial que é atual. De que:

Não queremos, de modo algum, abolir essa apropriação pessoal dos


produtos do trabalho, indispensável para a manutenção e a reprodução
da vida humana, pois essa apropriação não deixa nenhum saldo que
lhe confira poder sobre o trabalho alheio. Queremos abolir o caráter
miserável dessa apropriação, que faz com que o trabalhador viva para
multiplicar o capital, viva enquanto é de interesse da classe
dominante. (MARX & ENGELS, 2008, p. 33).

O desenvolvimento do capitalismo, no Brasil, tem suas raízes no genocídio dos


indígenas, no escravismo, na grande propriedade de terra, na exportação de matérias-
primas, na superexploração do trabalho e dos bens da natureza. Essas são as marcas
históricas desse processo onde os trabalhadores foram permanentemente marcados pela
violência. Na atual conjuntura – tanto no campo como na cidade –, a questão agrária
tem sido uma pauta permanente em todo esse recorrido histórico. Alentejano (2014),
Medeiros & Delgado (2010) pontuam questões históricas que se reafirmam na
atualidade de formas diferentes na atuação do território brasileiro, cada vez com mais
intensidade na acumulação do capital.
Para Alentejano (2014, p.25), a questão fundiária tem o seu marco histórico na
Lei de Terra de 1850, “com o instrumento colonial das sesmarias” e, que permitiu a
concentração fundiária no Brasil, tornando-se um grande problema social e histórico e
tem sido demarcado através da luta pela terra e que, nos dias atuais, os conflitos da luta
pela terra e o aparato judicial imposto, bloqueia o acesso à reforma agrária no país. A
colonização também tem o seu o marco com a “invasão estrangeira” que há mais de 500
anos vem dizimando os povos nativos, escravizando os povos africanos e, no momento
atual, com a “internalização da agricultura”, as compras de terras por empresas
estrangeiras transnacionais, no Brasil, continuam expulsando e assassinando os povos
do campo dos seus territórios, se apropriando da terra, da água e dos bens naturais do
território brasileiro (ALENTEJANO, 2014, p. 30).
Para Delgado (2010), a década de 1950 foi pautada pelo o discurso teórico e
político da reforma agrária pós-guerra, obteve reação contrária, conservadora, com o
discurso da modernização conservadora, técnica e agropecuária que prevaleceu depois
do golpe militar. Os pensamentos vigentes no período sobre a questão agrária aparecem
mais sistematizados em 1960, no Partido Comunista (PCB), nos setores progressistas e
30

reformistas da Igreja Católica; na Comissão Econômica para a América Latina


(CEPAL); e um grupo de economistas conservadores da Universidade de São Paulo
(USP), liderados por Delfim Netto. A realização de uma reforma agrária, em seu sentido
clássico, nesse período, era apoiada por um amplo leque de setores da sociedade
organizada pelo PCB, setores da Igreja e a CEPAL. A Igreja Católica progressista teve
um papel importante no Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) que
legitimou a “função social da propriedade”, elaborado durante a Nova República, pós-
ditadura, em 1985 (DELGADO, 2010, p. 81).

O pensamento católico sobre a questão agrária teve uma importante


influência política e social nesse período, e iniciou um processo de
mudança na atitude da Igreja sobre a mentalidade dos católicos sobre
a reforma agrária. A partir de sua Doutrina Social, a Igreja legitima o
princípio da “função social da terra”, promulgada em novembro de
1964. Ela substitui a tradicional concepção jurídica da propriedade,
proveniente da Lei de Terras de 1850, que trata a terra como uma
simples mercadoria. (DELGADO, 2010, p. 83).

Para o autor, o período histórico de 1965-1982, considerado “idade de ouro”


pelo “desenvolvimento da agricultura capitalista e integração à economia industrial e
urbana” (DELGADO, 2010. p. 86), no desenvolvimento que nasce com a derrota do
movimento pela reforma agrária e que responde à política da década de 1950 da
produção cafeeira e dos desafios que a modernização impõe no campo da exportação
primária e diversificação agroindustriais mediada pelo setor financeiro público. É
também um período de perseguições políticas durante a Ditadura Militar, pois as
“principais lideranças camponesas foram presas, assassinadas ou forçadas à
clandestinidade” (MEDEIROS, 2010, p. 124), e não tendo alternativas com a rápida
modernização, os trabalhadores do campo sem perspectivas de continuidade nos seus
territórios, buscam possibilidade de trabalho, tendo que abandonar o campo para viver
nas periferias das cidades, ou então, se mantendo no trabalho agrícola assalariado, do
corte da cana, da laranja, do algodão, entre outras formas encontradas pelos
trabalhadores do campo para sobrevivência. Esse período de desenvolvimento,
modernidade e fusão da agricultura e indústria, para Delgado, se caracteriza, por um
lado, na mudança da base técnica dos meios de produção,
31

[...] materializada na presença crescente de insumos industriais


(fertilizantes, defensivos, corretivos do solo, sementes melhoradas e
combustíveis líquidos); e máquinas industriais (trator, colheitadeira,
equipamentos de irrigação e outros implementos). Por outro, ocorre
uma integração de grau variável entre produção primária de alimentos
e matérias-primas e vários ramos industriais, como os oleaginosos,
moinhos, indústrias de cana e álcool, papel e papelão, fumo e bebidas.
Esses blocos de capital irão constituir mais adiante a chamada
estratégia do agronegócio, que vem crescentemente dominando a
política do Estado (DELGADO, 2010, p. 85-86).

Lembra-nos Delgado (2010) que é importante não esquecer que a investida do


capital, o pacto territorial industrial e o latifúndio da terra na modernização da
agricultura conservadora “nasce com a derrota do movimento da reforma agrária”, nos
últimos anos do século XX, como a política neoliberal implementada durante o governo
Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), com a retomada de um novo ciclo de
modernização do agronegócio, articulado pela associação do capital agroindustrial
com grande propriedade fundiária.

O segundo Governo de Cardoso iniciou o relançamento do


agronegócio senão como política estruturada, com algumas iniciativas
que no fim convergiram: 1) programa prioritário de investimento em
infraestrutura territorial com “eixos do desenvolvimento”, visando a
criação de economias externas que incorporassem novos territórios,
meios de transportes e corredores comerciais ao agronegócio; 2)
explícito direcionamento do sistema público de pesquisa agropecuária
(EMPBRAPA) a operar em perfeita sincronia com empresas
multinacionais do agronegócio; 3) regulação frouxa do mercado de
terra, de sorte a deixar fora do controle público as “terras devolutas”,
mais aquelas que declaradamente não cumprem a função social, além
de boa parte das autodeclarações produtivas; 4) mudança da política
cambial, que, ao eliminar a sobrevalorização tornaria o agronegócio
(associação do grande capital com a grande propriedade fundiária –
sob mediação estatal) competitiva no comércio internacional e
funcional para a estratégia do “ajustamento constrangido”
(DELGADO, 2010, p. 94).

Na afirmação de Alentejano (2014), os efeitos do processo histórico na questão


agrária brasileira resultam nas desigualdades da distribuição de terras, no Brasil, entre
“a discrepância da representação política entre camponeses e agricultores familiares” e
os “grandes proprietários de terras” que obtêm “1.587 vezes mais recursos públicos que
os camponeses e agricultores familiares para o financiamento da produção
32

agropecuária”. Esse modelo de agricultura destrutiva e mercantilista, representado pelo


agronegócio derivado da “concentração fundiária e as desigualdades” existentes,
representa,

A crescente internacionalização da agricultura brasileira seja em


relação ao controle da tecnologia, do processamento agroindustrial, da
comercialização, da produção agropecuária e da compra de terras; a
crescente insegurança alimentar decorrente das transformações
recentes na dinâmica produtiva da agropecuária brasileira; a
perpetuação da violência e exploração do trabalho no campo e da
devastação ambiental no campo brasileiro (ALENTEJANO, 2014, p.
24).

A base do sistema capitalista está alicerçada na concentração fundiária e na


ultraexploração do trabalho para a reprodução da classe trabalhadora e produção para o
agronegócio. Compreender a questão agrária e seus fundamentos no contexto da luta
pela terra e o MST – que por uma necessidade concreta faz o enfrentamento ao
latifúndio da terra –, é também pensar o lugar reservado para a infância do campo no
contexto agrário e, no caso específico, as crianças do MST que fazem a luta pela terra
juntamente com as suas famílias. Que questões ou indagações trazem as crianças nesse
contexto de conflito agrário? Para Felipe,

A infância do Brasil agrário está marcada pela estabilidade, pela


continuidade sem tensão entre a ordem social e os indivíduos. O tom
estável, monofônico, sugere a existência de um mundo homogêneo,
sem desvios, principalmente em relação às crianças. [...] Com a
Constituição de 1934, ainda de forma bastante incipiente, a infância
passa a fazer parte da ação e da função política do Estado. Ela surge
no bojo de duas grandes transformações da sociedade brasileira, a
industrialização e a urbanização, base material da ascensão de um
novo modelo de família, a família conjugal. (FELIPE, 2009, p. 39-
52).

O lugar da infância da classe trabalhadora, no capitalismo, foi demarcado


historicamente pelo trabalho, seja pela exploração do capital a que ela está sujeita ou de
sua família. Na atualidade, se amplia para uma perspectiva de uma visão romântica de
infância, desconectada das relações sociais, da produção de uma “infância ideal” de um
ser em potencial consumidor, mais um elemento que se contempla na relação entre
trabalho e capital, como afirma Felipe:
33

A globalização fez o mundo maior, embora marcada por uma


“perversidade sistêmica”. Para a infância, ela implica em alargamento
dos espaços de socialização, que envolvem outros elementos além da
relação adulto-criança. Além dos adultos, as crianças se relacionam
com objetos, imagens, mundos outros sobrepostos ou em conflito com
os seus. Por sua vez, os adultos não se resumem aos pais e
professores, e talvez sejam estes os que têm menos controle sobre a
socialização das crianças, pobres ou ricas, urbanas ou camponesas.
Além de maior, o mundo ficou mais veloz em todos os lugares que a
globalização uniu, e a descontinuidade entre tempo histórico e lugar é
um desafio aos modos de pensar estruturados. (FELIPE, 2009, p. 64).

A criança faz parte de um processo que não se separa do projeto hegemônico do


capital, na sua especificidade, desde a inserção da criança pobre da classe trabalhadora
na vida da família, na creche, na escola, no trabalho, entre outros. O direcionamento da
formação da criança está ligado à sociedade em que ela vive. Sendo a sociedade
capitalista vigente, certamente, se a criança não tem uma inserção na sua comunidade,
nos movimentos sociais e políticos ou outros tipos de organização que as permita
pensar, serem críticas e que esteja inserida na vida do seu lugar, possivelmente a sua
formação estará condicionada à forma de submissão e aceitação do lugar reservado a ela
no capitalismo.

No movimento da luta, os Sem Terra no MST, movimentam danças de


diferentes ritmos, cores, sons que expressam desejos, vontades, desordem –
subversividade à ordem. O desenho coletivo que vai sendo gestado no imaginário
humano, desde a sua luta, tem em sua essência o rompimento com o meu, passando a
ser o nosso, a palavra expressiva da arte em construção. Da arte de viver e sobreviver,
com cores que nem sempre são as escolhidas, mas as possíveis, de danças e sons que
existem para resistir ao tempo e suas contradições, formam-se em beiras de estradas, nas
grandes áreas de terras concentradas (produtora de sons e ritmos “intolerantes”
intoleráveis à ordem....), nascendo uma espacialidade diferente, forjada por lonas pretas
ou palhas... Insistindo num movimento de mudanças, que nasce sempre da ausência de
direitos, da concentração fundiária e da propriedade privada, logo, das relações
capitalistas de exploração.
34

O acampamento de lona preta ou palha, ou de pedaços de lonas em suas


diferentes cores, vai sendo desenhado conforme a “aquisição” de tintas da sua
população, se tornando uma pequena ou grande “cidade” de moradias improvisadas e
itinerantes. A disposição dessa população, específica - que, por alternativa possível de
trabalho, passa fazer parte do MST - enfrenta com organização e coletividade o
latifúndio da terra no Brasil.
A ocupação da terra, em certa medida, busca romper com a estrutura
individualista de sociedade, proporcionando às famílias, que ali passarão a residir, a
transformação da forma de pensar sobre o mundo e suas contradições. Embora o
processo de formação da consciência não seja algo dado, ao enfrentar o latifúndio da
terra e lutar pela distribuição, projeta-se outro tipo de sociedade a partir do seu lugar,
modificando-se a sua forma de vida e atuação social. Ocupar o latifúndio da terra, para
as famílias, é muito mais que romper a cerca de arames farpados, é romper com a
história burguesa, com crenças e ideários que até então tinham determinado suas vidas.
É estar disposto a ser coletivo, a dividir o pouco que se tem com o conjunto de famílias
acampadas, é respeitar as decisões do coletivo, é aprender a ouvir e ter, na força da luta,
a vontade e ousadia em continuar lutando. Embora as contradições e conflitos sejam
permanentes no dia a dia dos acampamentos do MST, pois este é um lugar habitado por
homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos, no qual vive o sonho de ter
dignidade, conquistar a terra para sua moradia e produção de alimentos requer também
um processo contínuo na formação da consciência.
O latifúndio é o pecado agrário brasileiro. Na afirmação de João Pedro Stedile
(2000), a natureza do latifúndio foi a transformação da terra em uma falsa mercadoria
para exploração, sendo que ela não é um bem de produção, não é fruto do trabalho
humano, do trabalho acumulado, produzindo uma sociedade desigual. A terra é um
“bem da natureza como a água, o vento, o sol”, mas como a terra não se multiplica e
não se recria, o ser humano “instituiu a propriedade privada da terra” não como
mercadoria, mas como uma forma de garantir lucros, acumulação e exploração do
trabalho do outro. A terra tem um caráter de “espaço de exploração”, gerando uma
sociedade com maiores diferenças sociais, “maior distância entre pobres e ricos” e vai
determinar as relações sociais campo e cidade, num “caráter de cultura” das elites
brasileiras, herança colonial latifundiária, escravagista, na transformação de grandes
proprietários de terras. (STEDILE, 2000, p. 10-11).
35

Portanto, para derrotar o latifúndio, é preciso derrotar o atual modelo


econômico, como um todo, que é excludente e subordinado aos
interesses do capital internacional e financeiro. E essa não é uma
tarefa apenas dos sem-terras, dos pobres do campo, dos trabalhadores
rurais, mas sim uma tarefa do povo brasileiro, da maioria de sua
população. A sociedade brasileira não conseguirá livrar-se do inferno
da pobreza, da desigualdade social, das injustiças sociais, e do poder
político exercido por uma minoria, se não extirpar o pecado do
latifúndio. (STEDILE, 2000, p. 56).

A realidade enraizada da “cultura da elite escravagista” brasileira é reveladora


no século XXI. A matéria produzida pelo EcoDEBATE (2016), publicado pelo Jornal
Brasil de Fato4, destaca as operações de fiscalização e resgate de 936 pessoas em
“condições análogas às de escravos” no Brasil, no período de janeiro a dezembro de
2015. E, destas, o perfil principal das vítimas “é de jovens do sexo masculino com baixa
escolaridade e que tenha migrado internamente dentro do país”.
É nesse contexto agrário que trabalhadores do campo e da cidade, negando-se
em viver na estrutura da extrema “exclusão social” e da exploração, ocupam a terra que
deveria ser um “bem comum” e constroem sua moradia nos acampamento do MST, que
se torna lugar de resistência para todas as pessoas que fazem parte dele, incluso as
crianças. E, no caso das crianças Sem Terra, em todo Brasil, elas convivem com as
diferentes situações de violação dos seus direitos humanos, cuja principal violação
pode-se afirmar que é a negação, à sua família, do acesso ao trabalho digno, que resulta
na desproteção quanto à alimentação, ao acesso à educação, à saúde e à moradia,
elementos determinantes na formação da criança.
No que se refere às crianças da classe trabalhadora, são muitos os exemplos de
como elas sofrem e como elas são violentadas. A mídia burguesa é um exemplo; seja
através da diferentes mercadorias produzidas pela força de trabalho da classe
trabalhadora e apresentada nas diferentes mídias, principalmente na televisão – a mais
popular delas –, dos alimentos que nem sempre ela tem acesso, mas sonha em ter, bem
como da criminalização da luta dos seus pais. E quando se refere às crianças e ao MST,
é como se as famílias que ali residem não lutassem por um mundo melhor e colocassem
os seus filhos em “risco” por uma opção. O sensacionalismo da mídia burguesa reforça

4
"Fiscalização resgatou 936 pessoas de trabalho escravo no Brasil em 2015".
Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2015/12/29/fiscalizacao-resgatou-936-pessoas-de-trabalho-
escravo-no-brasil-em-2015/Acesso em: 07/01/2016 às 12h50.
36

a ideia de que o Movimento exerce uma relação de violência sobre as crianças ao levá-
las para a ocupação da Terra, colocando-as no conflito e sob “doutrinação”. Outro
exemplo de violação aos direitos humanos encontra-se expresso nos depoimento de
Gorgen5 para o MST, em sua participação na primeira ocupação em 1981:

Procuro, em minha memória, as imagens mais marcantes das crianças


durante os anos de minha militância junto ao Movimento dos Sem
Terra. São tantas e tão fortes. Mas a mais marcante é um pouco
distante no tempo e é de uma criança anônima. (GORGEN, 2009, p.
5).

Distância marcada pelo tempo e tão próxima da realidade social que não alterou
a forma de exploração. A infância marcada pelo contexto da ditadura civil militar, em
meio à repressão e violência que aterrorizam o seu grupo social, teimosamente
questionam a estrutura fundiária do país através de sua luta. Para o Frei Sergio Gorgen,
que participou em uma das primeiras ocupações de terra no sul do país, a Encruzilhada
Natalino, em Ronda Alta, período de muita tensão no acampamento, as famílias
acampadas expressavam, em seus olhares, certo medo e incertezas pelo período
estabelecido pela ordem do Exército Nacional e pela Polícia Federal, a mando do
Presidente-ditador João Batista Figueiredo, com o comando da operação local, o coronel
Sebastião Rodrigues de Moura o “temido coronel Curió”.6

Tudo o que vi, ao meu redor, era desilusão, insegurança e desespero.


Caminhei por todo o acampamento, rodeado por agentes da Polícia
Federal, sem poder conversar com ninguém. [...] Ninguém podia
conversar com ninguém sem ser vigiado. Muitos perdendo a esperança
e desistindo, aceitando colonização no Mato Grosso e abandonando o
acampamento com grande estardalhaço. Tentei trocar algum olhar de
encorajamento com algumas lideranças que vinha pelo caminho, mas,
àquelas alturas, eu já considerava aquela uma batalha perdida. Meu

5
Ver em anexo: Prefácio completo do Livro Crianças em Movimento. As mobilizações infantis no MST.
Depoimento do Frei Sergio Gorgen na visita ao acampamento - Encruzilhada Natalino, na década de
1980.
6
Militar responsável pela repressão da Guerrilha do Araguaia com uma “política clara de extermínio da
ditadura militar”. No início da década de 1980, Curió foi mandado pelo governo militar para a região de
Serra Pelada, a fim de comandar a exploração de ouro na região, que naquele momento já contava com
cerca de 30 mil garimpeiros. Nessa mesma época, o regime o enviou para comandar a repressão a um
acampamento de famílias sem terra na Encruzilhada Natalino, no Rio Grande do Sul, repressão que
fracassou. O acampamento foi um dos que deu origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST). Curió ajudou a fundar uma cidade no sul do Pará, Curionópolis, da qual já foi prefeito.
Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-ditadura/major-curio/ Acesso em:
11/01/2015, as 16h30.
37

coração estava aflito e minha mente perturbada. Naquelas condições,


não havia resistência possível. Foi quando chamou atenção uma
criança de uns 4 anos, sentada em cima de um tronco de árvore, na
beira da estrada, quase ao centro do acampamento, parecendo alheia a
tudo que ali se passava, sem importar com o aparato militar que a
rodeava. Cantando, a plenos pulmões, a música-hino dos sem terra
naquela época: "A grande esperança". Parei, tomado de emoção,
ouvindo aquela voz infantil rompendo o silêncio imposto pela ditadura
militar e pelas elites, aos camponeses pobres que estavam ousando
levantar sua cabeça e dizer sua voz. “A classe loceira e a classe
opelália, ansiosa espela a refolma aglaria” – cantava a vozinha
inocente, acordando em mim a coragem amortecida. Naquele
momento, vi-me tomado de uma súbita certeza: esse povo vai resistir e
vai vencer. Pela simples razão de que só assim haverá esperança de
futuro para aquelas crianças e a multidão de outras que se
acotovelavam, sofriam e brincavam pelos barracos daquele
acampamento. E assim se deu. A criança venceu o coronel, que hoje é
cinza na história; e as crianças continuam por aí, pelos acampamentos
dos Sem Terra, com seus olhinhos brilhando, com sua algazarra
alegre, com sua perturbadora felicidade brotando do meio da miséria,
com sua esperança viva, com sua vivacidade esperta, instigando a
consciência dos que têm coragem de se deparar com elas. (GORGEN,
2009, p. 5-6).

A infância forjada na luta pela terra, desde o seu nascimento, vai conviver com o
conflito da luta gerado pela contradição inerente ao sistema capitalista, como também
vai se realizar como criança com a conquista que a luta coletiva, historicamente, foi
forjando. A música presente como elemento subversivo na luta é para todas as idades,
incluso, as crianças, ela (a música) ousa “romper o silêncio” nos momentos de maior
coflitualidade como afirma Gorgen. E, por isso, as músicas, as palavras de ordem, a
poesia estão sempre presentes e fortalecendo a luta. As crianças que participam da luta
dos assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária, vinculadas ao MST, possuem
infâncias particulares, forjadas nas condições concretas de vida, no imaginário coletivo
e na cultura de seu grupo social. Presentes em todas as fases da luta pela terra, em busca
de uma vida digna, as crianças, no MST, vão sendo compreendidas como protagonistas
e construtoras, junto com adultos. Elas produzem uma representação diferente através
da sua intervenção na história da luta pela terra e o MST. E, por essa razão, participam
de toda vida construída nesse ambiente que expressa luta, sonhos, projetos, resistências
e conquistas.
Outra expressão da luta de classes e no momento atual e conjuntural no Brasil,
em 2016, que se faz bem expressivo, são as disputas no campo brasileiro documentadas
38

em um panfleto7, distribuído para a população de São Gabriel no Estado do Rio Grande


do Sul, em contraposição à Marcha Estadual do MST, em 2003. O episódio afetou
diretamente as famílias e, principalmente, as crianças, como pode ser conferido pelo
trecho do panfleto, a seguir:

Povo de São Gabriel, não permita que sua cidade, tão bem conservada
nesses anos, seja agora maculada pelos pés deformados e sujos da
escória humana. São Gabriel, que nunca conviveu com a miséria,
terá agora que abrigar o que de pior existe no seio da sociedade. Nós
não merecemos que essa massa podre, manipulada por meia dúzia de
covardes que se escondem atrás de estrelinhas no peito, venham trazer
o roubo, a violência, o estupro, a morte. Estes ratos precisam ser
exterminados. Vai doer, mas para grandes doenças, fortes são os
remédios. É preciso correr sangue para mostrarmos nossa
bravura. Se queres a paz, prepara a guerra, só assim daremos
exemplo ao mundo que em São Gabriel não há lugar para
desocupados. Aqui é lugar de povo ordeiro, trabalhador e produtivo.
[...] Se tu, gabrielense amigo, possuis um avião agrícola, pulveriza,
à noite, 100 litros de gasolina em vôo rasante sobre o
acampamento de lona dos ratos. Sempre haverá uma vela acesa para
terminar o serviço e liquidar com todos eles. Se tu, gabrielense amigo,
és proprietário de terras ao lado do acampamento, usa qualquer
remédio de banhar gado na água que eles usam para beber, rato
envenenado bebe mais água ainda. Se tu, gabrielense amigo,
possuis uma arma de caça calibre 22, atira de dentro do carro
contra o acampamento, o mais longe possível. A bala atinge o alvo
mesmo há 1.200 metros de distância. [...] FIM AOS RATOS. VIVA
O POVO GABRIELENSE (grifos nossos).

Não distante à realidade fascista de 2003, vivida no acampamento do Rio


Grande do Sul que em marcha seguia para São Gabriel, também no acampamento Frei
Henri, município de Curionópolis, Estado do Pará, em 2015, vive essa mesma realidade.
Esse município desde que o seu nome foi dado pelo Coronel Curió, o repressor da
Guerrilha do Araguaia e também do acampamento dos Sem Terra, no Rio Grande do
Sul, em 1981, representa a força do poder dominante mais reacionário desde país.
Segundo informação das famílias do acampamento e em conversação com as crianças
do acampamento, elas convivem com o crime do fazendeiro, em colocar veneno nas
plantas, acima do lugar em que acampavam, contaminando a mina de água do
acampamento, local onde as famílias resistem há seis anos e produzem a sua
sobrevivência nessa terra. Desta maneira, as crianças vivem essa relação de violência
estabelecida pela contaminação da água, além dos tiros em direção ao acampamento, a
mando do fazendeiro, gerando insegurança permanente nas famílias que ali vivem, e
especialmente para as crianças.

7
Nota distribuída para a população de São Gabriel em 2003. Disponível em:
http://www.midiaindependente.org/pt/red/2003/06/256696.shtml Acesso em: 13/01/2016 às 14h30
39

O MST tem projetado sobreviver com protagonismo e a solidariedade


internacional tem levado para o mundo as imagens, a história e a luta que se faz para ter
dignidade no Brasil. “Sobreviver com protagonismo", também é o lema do Sem
Terrinha de 10 anos, do acampamento Frei Henri, município de Curionópolis - PA,
acampamento citado, que levanta de manhã já com as tarefas de casa dividida e que
convive com uma realidade de tensão permanente.

Eu acordo, vou aguar os canteiros (pimenta, cebola, feijão),


depois vou brincar com os meninos. E depois vamos pra escola
estudar. [Sobre a violência no acampamento], hoje não tá tanto, mas já
teve. A mãe disse pra gente ficar aqui... E teve um dia que eles
subiram numa pedra e atiraram de lá. Dá muito medo... e tinha uma
mulher que tava quase desmaiando por causa do susto. As mães
manda a gente entrar pra dentro de casa ou então vamos lá para
guarita que tem aqui (conversa com os Sem Terrinha cupuaçu8).

A realidade de violência enfrentada nos acampamentos, em diferentes lugares do


Brasil, é presenciada pela criança, desde a sua infância, na relação do trabalho, do
brincar e da luta como um processo do conjunto, da produção da vida, em meio às
contradições do sistema capitalista. A violência estabelecida pelo latifúndio da terra leva
em conta somente o interesse de ter o poder da propriedade privada como forma de
exploração para o enriquecimento, muitas das quais apropriadas de forma irregular, ao
mesmo tempo, em que empobrece um grande número de pessoas privando-as do acesso
à educação, ao trabalho, à alimentação e ao lugar de vivência - usando do “poder” do
dinheiro para amedrontar, ameaçar e tirar de cena aqueles que questionam e lutam
contra a propriedade privada.
A educação política da infância Sem Terra foi ganhando expressividade ao longo
da trajetória no MST e sua significação vai sendo concebida, de certa forma, com a
compreensão de que é necessário, para que ocorram as mudanças sociais, a participação
do conjunto da sociedade que nela vive.

As imagens de crianças do Movimento Sem Terra que ganharam o


mundo pelas fotografias de Sebastião Salgado cumpriram o papel de
denunciar o abandono social de crianças brasileiras. Hoje, tomando os
inúmeros acampamentos espalhados pelo país, as fotografias
continuam atuais, mas podemos compô-las com outras imagens, de

8
O contato com as crianças foram nos acampamento e assentamentos, nos Encontros Estaduais dos Sem
Terrinha de 2014 e 1015. A escolha em identificá-los com nome de frutas foi no sentido de trazer presente
a diversidade da produção frutífera da região amazônica, como também preservar as crianças de outras
violações.
40

crianças que se reconhecem felizes. Segundo Santos (2000, p.132), o


que diferencia a pobreza da miséria é a situação de privação total da
segunda. A pobreza é uma situação de carência, mas os pobres lutam,
combatem, reinventam lugares e mudam a vida, mesmo que não
mudem o mundo. São nesses lugares reinventados que as crianças vão
construindo o sentido da felicidade, idealizada, talvez. (FELIPE, 2009,
p.115).

A forma de pensar e organizar a coletividade e sua incidência no processo formador


das famílias que passam a fazer parte do Movimento Sem Terra possibilita a inserção
das pessoas como parte construtora de uma totalidade do acampamento e assentamento.
Esse lugar ocupado por pessoas que não têm o trabalho, não têm a moradia e outros
direitos sociais, contribui para o reconhecimento de suas condições como sujeito de
direitos e a luta pela conquista da terra e da reforma agrária, bem como para a defesa do
território ocupado e constituição da identidade política de Sem Terra.
Da insistência em existir e modificar a natureza da estrutura fundiária no Brasil,
o MST ocupa a terra, resiste nesses 31 anos, com as conquistas de muitas áreas
desapropriadas, destinadas para assentamentos de reforma agrária. Espaços esses que se
constituem com o objetivo de produzir a terra ocupada e uma cultura coletiva de
produção de alimentos, de vivências e de projeto, mas que, contraditoriamente, está
limitada pela concentração de terra no Brasil que se mantém intacta. De acordo com a
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos9,

A concentração de terra no Brasil é uma das maiores do mundo.


Menos de 50 mil proprietários rurais possuem áreas superiores a mil
hectares e controlam 50% das terras cadastradas. Cerca de 1% dos
proprietários rurais detêm em torno de 46% de todas as terras. Dos
aproximadamente 400 milhões de hectares titulados como propriedade
privada, apenas 60 milhões de hectares são utilizados como lavoura. O
restante das terras está ociosas, subutilizadas, ou destinam-se à
pecuária. Segundo dados do Incra, existem cerca de 100 milhões de
hectares de terras ociosas no Brasil.

Embora sabendo que, mesmo com a terra conquistada a luta não se esgota, as
famílias se propõem a lutar para obter um “futuro melhor para os seus filhos”, com a
certeza de que a luta coletiva obtém resultados para os interesses comuns. Este é o
horizonte que, nessas três décadas, tem colocado em marcha um movimento popular
que questiona a concentração de terras, a propriedade privada e o Estado. As duas

9
Disponível em: http://www.social.org.br/relatorios/relatorio002.htm. Acesso em: 2/2/16 às 12h.
41

décadas iniciais do século XXI têm um caminho direcionado para o avanço do capital,
na produção de mercadorias com baixo custo, tornando o campo brasileiro lugar
principal para o desenvolvimento da agricultura de mercado. A disputa pela infância
da classe trabalhadora tem desafiado o MST a fazer ações concretas contra-
hegemônicas às investidas da pedagogia do capital, na formação da infância Sem Terra
que vive no campo.

Para expor as descrições e análise empreendidas nessa pesquisa, organizamos


três capítulos. O Primeiro Capítulo apresenta a experiência de educação do MST e a
prática educativa com as crianças, bem como as influências da educação cubana e da
Pedagogia Socialista na formação da infância do MST. Discute-se como foi se
constituindo a participação das crianças no processo histórico da luta pela terra, através
do MST, e como foram sendo construídos os instrumentos políticos da infância, com
ênfase na mobilização infantil de 1994, que ganhou repercussão nacional e se tornou
uma referência para as crianças Sem Terra. Trata também da Ciranda Infantil (1997) –
Itinerante e permanente, reivindicada principalmente pelas crianças e pelas mulheres no
Movimento. Com isto, poderia se afirmar que, a partir desses 18 anos de existência da
Ciranda, esta é uma conquista do todo o conjunto da Via Campesina nacional e
internacional.
No Segundo Capítulo, é feita a contextualização do lugar da infância da classe
trabalhadora e as estratégias da pedagogia do capital, para a formação das crianças,
jovens e adultos. O lugar da infância, no Brasil, está marcado pelas contradições da
concentração fundiária, do conflito da luta pela terra e que, desde a origem da
colonização, demarcou um território de resistência e de imposição. No contexto de
avanço do capital, em especial na agricultura, as bases do sistema capitalista se
alicerçaram na concentração fundiária e na ultraexploração do trabalho, na fusão campo
e cidade, de acordo com a produção do agronegócio.
O Terceiro Capítulo faz uma análise da Jornada dos Sem Terrinha como
instrumento político da infância Sem Terra e o papel das mobilizações infantis como
ações contra-hegemônicas, surgidas em 1994, no Rio Grande do Sul, e que se torna
força nacional a partir de 1997. Da realidade das crianças, da luta pela terra, no Estado
do Pará, e suas mobilizações infantis, pautando a desapropriação da terra, a luta por
escola, a campanha contra os agrotóxicos e do seu protagonismo que, desde ano de
42

2000, se mobilizam e constroem os processos organizativos do encontro com o coletivo


de educação do MST.
A singularidade desde trabalho, relacionado à pesquisa sobre a infância no
assentamento e acampamento de reforma agrária, está em pensar o lugar da luta e da
formação das crianças nesse processo, dando visibilidade para o processo de sua
formação e que, num contexto revolucionário, certamente a criança é uma frente
fundamental e necessária, para a concepção da história e, mais principalmente, porque
as crianças da classe trabalhadora participam da vida material e social.
Na Conclusão, apresentamos um conjunto de elementos com base na
prática educativa com as crianças Sem Terrinha. Discute a indicação de um programa de
formação para as crianças Sem Terrinha, com base em cinco matrizes formadoras que,
ao longo do estudo, foram sendo identificadas como elementos educativos na formação
da criança: o Trabalho como princípio educativo; a Luta; a Coletividade; a Auto-
organização; e o Internacionalismo . Bem como as ações contra-hegemônica que o MST
tem realizado nos limites e contradições da sociedade de classe, não perdendo a
perspectiva do coletivo, da luta social e da organização política.
43

CAPÍTULO I

PEDAGOGIA EM MOVIMENTO NA PRÁTICA EDUCATIVA E FORMATIVA


DAS CRIANÇAS SEM TERRINHA NA LUTA PELA TERRA

Arquivo MST. Foto10 das crianças Sem Terrinha.

“Para los niños trabajamos,


porque los niños son los que saben querer,
porque los niños son la esperanza del mundo”
José Martí11

10
Cartaz do I ENERA em 1997, com o lema que até os dias de hoje é referência para o MST. Foto das
crianças do Acampamento 17 de abril na primeira colheita de arroz, um ano após o Massacre de Eldorado
dos Carajás.
11
Poeta educador e principal pensador da educação cubana.
44

A experiência de educação nas práticas educativas das crianças do MST

Não temos a pretensão de fazer um aprofundamento teórico sobre os processos


educativos do MST, pois são várias as frentes de trabalho e de atuação de um conjunto
de fazeres que estão ligadas à práxis da vida material dos Sem Terra. O objetivo é
contextualizar o jeito que o MST foi construindo a sua pedagogia e fazendo a formação
das crianças Sem Terra nos acampamentos e assentamentos através da coletividade e
organização política no contexto da luta pela terra. Este capítulo destaca o recorte desde
o processo de formação da infância e a luta pela terra no MST como elemento
introdutório do processo da formação que historicamente o MST foi concebendo em sua
pedagogia.
Podemos afirmar que o Setor de Educação do MST é uma das frentes
importantes para a organização e efetivação das práticas educativas, da elaboração da
matriz formadora que direciona o trabalho de educação dos Sem Terra na sua base
social, como também do pensar uma educação dos trabalhadores do campo juntamente
com outras organizações populares.
A educação, como um elemento formador, está inserida no projeto de Reforma
Agrária Popular12 do MST, discutida no VI Congresso Nacional, em 2014, cujo
programa agrário afirma que a educação para o Movimento não acontece somente no
espaço escolar, o direito à educação está ligado ao acesso aos “diferentes tipos de
conhecimentos, dos bens culturais, da formação para o trabalho e para a participação
política; ao jeito de produzir e se organizar; a aprender a se alimentar de modo saudável;
e à prática dos valores humanistas e socialista que defendemos”. (MST, 2013, p.45). E
podemos destacar que o Setor de Educação do MST é o principal intelectual da infância
Sem Terra, pelas produções elaboradas sobre, para e com a infância Sem Terrinha
nesses 31 anos de existência.
O surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
durante o final da década de 1970, período de crise da ditadura militar e início do
processo de redemocratização do país, coincide com o processo de mecanização e
modernização da agricultura no Brasil. A política da ditadura militar capitalista

12
O Programa de Reforma Agrária Popular do MST (Programa Agrário) foi elaborado a partir dos
debates nos assentamentos e acampamentos, coletivos estaduais, regionais, nacionais do MST, e aprovado
em 2013, na Coordenação Nacional, e no VI Congresso de 2014. É um documento de orientação coletiva
para o próximo período de atuação do MST.
45

expulsou os trabalhadores do campo, resultando também na ampliação da concentração


fundiária, histórica nesse país, e do conflito agrário que ocorreu com o enfrentamento ao
latifúndio da terra. Mobilizados naquela conjuntura, as Pastorais Sociais, Igrejas
Luteranas, Comunidade Eclesiais de Base (CEBs), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e
sindicatos rurais combativos buscavam articular os trabalhadores do campo (pequenos
agricultores, meeiros, arrendatários, posseiros, entre outros) que resistiam e
revindicavam sua permanência no campo e a distribuição da terra no Brasil. O MST
surge, nesse contexto, e se consolida como organização nacional de camponeses no
Brasil, em 1984 (FERNANDES & STEDILE, 1999).
O MST deu continuidade à luta pela terra e pela reforma agrária, bandeira
histórica central em outros movimentos históricos, como as Ligas Camponesas (na
década de 1960), como também ao debate provocado pela Comissão Pastoral da Terra
(CPT), na década posterior, com as CEBs, as quais estimulam a oficialização da
organização nacional.
Os trabalhadores Sem Terra definem o seu caráter e objetivos como movimento
popular e político de organização dos trabalhadores do campo, definindo que “somos
um movimento de massas de caráter sindical e político. Lutamos por terra, reforma
agrária e mudanças na sociedade” (MST, 2001, p.153). E elege, como princípios, o
enfrentamento ao latifúndio da terra, o latifúndio da ignorância e o latifúndio do capital.
A partir da sua consolidação, na década de 1980, ocupações de terras foram se
mobilizando por todo o Brasil diante da necessidade concreta de fazer a luta e organizar
as famílias acampadas e assentadas, foram realizadas diversas práticas educativas nas
vivências dos acampamentos e assentamentos de reforma agrária, gestadas por todas as
pessoas que compõem esse território ocupado, incluso as crianças.
A forma de organizar a coletividade e sua incidência no processo formador das
famílias que passam a fazer parte do MST possibilita a inserção das pessoas na vida dos
acampamentos e assentamentos. A organização da ocupação desse lugar por pessoas
que, em sua maioria, vêm de uma condição de trabalhador desempregado, agricultor
sem-terra, sem moradia e outros direitos sociais, contribuiu para o reconhecimento de
suas condições como sujeitos de direitos e para a luta pela conquista da terra e da
reforma agrária, bem como para a defesa do território ocupado e constituição da
identidade política de Sem Terra.
46

No contexto da organização dos trabalhadores na luta pela terra, a ocupação da


terra rompe com a estrutura individualista de sociedade, proporcionando às famílias,
que ali estão dispostas a enfrentar o latifúndio da terra e lutar por sua distribuição,
almejar outro tipo de projeto para sua comunidade e sociedade, modificando a sua
forma de vida e de atuação social. Ocupar o latifúndio da terra, para as famílias, é mais
que romper a cerca de arames farpados, é, portanto, romper, em certa medida com a
história de subordinação total ao capital. É estar disposto a ser coletivo, a dividir,
respeitar as decisões do conjunto, aprender a ouvir e a ter vontade e ousadia em
continuar lutando. Embora o acampamento e assentamento sejam lugares com muitas
contradições sociais, elas apresentam germes/possibilidades na direção de outra forma
de produzir a vida, diferente da forma hegemônica. Esses são espaços de enfrentamento
ao latifúndio da terra, às grandes transnacionais, mas, ao mesmo tempo, de formação
das pessoas que dele fazem parte.
As influências do projeto socialista na organização do MST foram fundamentais
para a formação de um movimento com bases internacionalistas. Cuba foi um dos
países que inspirou o Movimento, a partir da sua essência de sociedade que rompeu com
as estruturas do capital e construiu, na prática, uma sociedade dos trabalhadores. Com a
ocupação da terra, o enfrentamento ao latifúndio e ao Estado burguês, o MST viu em
Cuba um lugar de referência e com possibilidade de construir um projeto formativo,
produtivo e educativo para o Movimento. E, nesse contexto, foi conhecer e buscar
experiências, no final da década de 1980, para a organização e formação política das
famílias Sem Terra. Em entrevista com Edgar Kolling, ele afirma que, embora não tenha
a data da origem do primeiro grupo que foi para Cuba, a aproximação se deu em torno
do Primeiro Congresso do MST:

Mas eu lembro, assim, que no Primeiro13 Congresso do MST já


teve delegação de 15 países, se eu não me engano. E a partir do
Primeiro Congresso já começa esse processo de intercâmbio do MST
com Cuba, especialmente pela cooperação via Associação Nacional
de Agricultores Pequenos que é ANAP. Eles tinham uma escola lá,
então foram alguns dirigentes do movimento fazer o curso. Os cursos

13
No ano de 1984, em Cascavel (PR), o MST realizou o 1° Encontro Nacional que definiu o I Congresso
Nacional do MST, de 29 a 31 de janeiro de 1985. “O Movimento teve a clareza política de que era
necessário ser uma organização autônoma a partidos e governos. O I Congresso de 1985 é um marco
histórico do MST. Demos uma nova característica à luta pela terra. Saímos de lá convictos de que
teríamos que partir para as ocupações, e construímos o lema “Terra para quem nela trabalha” e
“Ocupação é a Única Solução”. Informação do site do MST. www.mst.org.br
47

eram de três meses, outros de seis meses. Então, a gente começou esse
intercâmbio mais efetivo para estudar, para conhecer as
cooperativas, pra conhecer a revolução como um todo, o que é o
socialismo. Também nós tivemos gente que foi para a escola da
juventude, das mulheres e para a escola do partido. Então, eu estive
lá, por exemplo, de 1988 a 1989, na escola do partido - Escola Nico
Lopes. No mesmo período, esteve lá outros representantes do
Movimento Sem Terra. Primeiro, a Lucia Betovato, fomos juntos
inclusive, mas depois ela foi para escola das mulheres. Depois, a
Fátima Ribeiro também esteve naquele período, a Gorete esteve na
escola da juventude, o Gilmar Mauro [também] esteve na escola da
juventude.
Então, antes da educação, nós fomos muito mais lá pela
necessidade de organizar os assentamentos e, por isso, digamos que o
embrionário de tudo, por isso as CPAs, que nós fizemos aqui é a
mesma sigla de lá, é o trabalho da formação política foi o principal.
Efetivamente, nós bebemos a formação, claro que organizou o
processo já antes, já fazíamos cursos aqui, mas o acúmulo que tinha
lá, e também a gente, nesse tempo que ficou lá, a gente era
incentivado a fazer charlas bilaterais com organizações de partidos
ou de sindicatos de diferentes países. Eu lembro que eu organizei
conversações, mas pelo menos com umas 15 organizações de outros
países. Então, a gente bebia na experiência de Cuba e também nas
experiências dos países latino-americanos. (KOLLING14, 2015).

Com a organização dos assentamentos, a formação das cooperativas, a luta por


escolas, o coletivo de militantes do MST passou um tempo em Cuba se apropriando e
conhecendo a experiência socialista, que contribuiu na construção da matriz formadora
do MST. E, destas vivências, os coletivos do MST foram socializando e desenvolvendo
práticas de formação, educação e produção nos territórios ocupados. A organização e
formação no MST, desde a organização da Cooperativa de Produção Agropecuária
(CPAs), significativa na década de 1990, se deu por meio de laboratórios
organizacionais de campo que constituíram uma forma de organizar a cooperação e
cooperativas nos assentamentos para proporcionar a participação da mulher no processo
produtivo e, logo, a necessidade de pensar o lugar da criança, nesse contexto. Esse
processo organizativo de inserção da mulher e da criança teve uma forte presença da
experiência cubana, mas também de outras inspirações.

14
Edgar Kolling, da Coordenação Nacional do setor de educação do MST e fundador do Setor de
Educação no MST, entrevista cedida em 16 de novembro de 2015.
48

Com vistas a dar respostas às situações de luta pela Reforma Agrária, na década
de 1990, a principal forma de organização do MST são os Núcleos de Base (NB) 15, pois
proporcionam a organização das famílias, o debate das questões principais do coletivo
da família, bem como da conjuntura política, social e econômica. Nesse mesmo período,
o MST constitui seus diferentes setores16 para dar conta de um conjunto de demandas
dos acampamentos e assentamentos. Os setores garantem a estrutura organizativa do
MST e são espaços constituídos desde o acampamento e assentamento para contribuir
de forma coletiva com o conjunto de tarefas que surgem na ocupação da terra, nos
assentamentos e na relação com a sociedade. A estrutura organizava do MST foi
gestado com a intencionalidade de afirmar a importância e a possibilidade da
organização do processo coletivo e da reforma agrária para a democratização da terra.
Em 2015, o MST17 está organizado em 24 Estados, nas cinco regiões do país.
São mais de 350 mil famílias assentadas, 120 mil famílias acampadas morando debaixo
de barracos de lona preta ou palha nos acampamentos espalhados em diferentes Estados
do Brasil.
Nesse percurso histórico da existência do MST e do seu processo de
organização, as crianças também estão evolvidas, embora não estejam organizadas em
setores ou coletivos, é certamente uma frente de um coletivo infantil que vem se
destacando nos Estados, justamente por essa forma organizativa, proposta pelo MST, na
qual elas se reconhecem e são protagonistas do processo da luta pela terra no
Movimento.

15
O Núcleo de Base (NB) é uma instância de base, no MST, e todos os seus membros dos acampamentos
e assentamentos devem estar nucleados. O seu funcionamento orgânico se baseia na participação de um
homem e uma mulher na coordenação; ter o estudo como elemento formador; participar todas as famílias;
ter uma composição de 10 a 15 famílias, envolvendo representação dos setores; O Núcleo deverá ser um
espaço de discussões sobre as preocupações e questões que afetam tanto as famílias, como o conjunto do
MST. (Normas gerais do MST – texto interno).
16
Informação do www.mst.org.br - Os setores estão organizados: Frente de Massas; Produção,
Cooperação e Meio Ambiente; Educação; Comunicação; Gênero; Direitos Humanos; Saúde; Coletivo de
Juventude; Cultura; Relações Internacionais; Finanças e Projetos;
17
Disponível em: www.mst.org.br. Acesso em: 10/07/2015 às 17horas.
49

1.1 Influências dos processos revolucionários na organização da infância Sem


Terra

Fonte: Carmem Diniz. Encontro dos Sem Terrinha Paraíba (2013).

A experiência da infância na pedagogia socialista18 e sua importância no


contexto do enfrentamento nos processos revolucionários na perspectiva de uma
formação contra-hegemônica foi uma das bases fundamentais para elaboração da
concepção de educação infantil e da organização dos Sem Terrinha no MST. Ela
também influenciou a elaboração da concepção de educação no MST, e a projeção da
luta pela reforma agrária popular na perspectiva de uma sociedade socialista, defendida
no VI Congresso do MST (2014).
Em linhas gerais, além da experiência cubana, a experiência soviética foi uma
das principais referências para o trabalho de formação e da educação e em especial das
crianças do MST. A luta internacional e os seus processos, que ocorreram em diferentes
países, foram certamente um referencial para a organização do MST, tendo a realidade e
necessidade concreta das famílias expropriadas da terra de se mobilizar e garantir a sua
sobrevivência lutando pelos seus direitos. O papel que o internacionalismo exerce para
o MST é, de certa forma, uma motivação dos seus quadros políticos que já tinham
vivenciado experiência em outros países, como afirma Kolling:

18
O MST na organização do Setor de Educação, e a base de construção da concepção de educação, teve
como referência o livro de Pistrak – Fundamentos da Escola do Trabalho. O pensamento de Anton
Makarenko e educação popular em Paulo Freire.
50

Uma organização que tem, entre seus quadros fundadores, pessoas


com uma visão alargada, que já tenham vivido em outros países, que
falam espanhol, faz toda diferença. Aos poucos, os militantes que
voltam, retornam falando espanhol, tendo feito contato com gente de
10, 20, 30 países. Então o Egidio [Brunetto] conheceu gente de
muitos países, eu conheci, e outros tantos. Então, quando mais
adiante o MST foi ajudar na construção da CLOC19, foi um
reencontro. O Egidio encontrou vários companheiros lá da ANPAP
ou de outras escolas. Então, claro que foi um berço, o Movimento
aprendeu o internacionalismo, incluindo o idioma, porque o idioma
faz muita diferença, a interlocução acontece com desenvoltura, é
outro patamar. Quando, a partir da crise do bloco socialista dos anos
de 1990, Cuba não teve mais condições de manter as escolas para as
organizações da América Latina, nós tivemos um vácuo de formação
de 1990 até 2000 e pouco. Agora, temos a ENFF, mas ela não tem
nem comparação com o conjunto de escolas que havia em Cuba, a
força que tinha um Estado, um Partido, mas ela é esse embrião, essa
retomada da formação, do intercâmbio, especialmente da América
Latina, e, agora está indo para além. E, às vezes, temos a impressão
que as organizações camponesas dos outros países perceberam
melhor o papel da ENFF do que o MST. Boa parte da militância do
MST, e mesmo dirigentes do Movimento não têm noção da
contribuição da Escola para aquilo que antigamente Cuba fazia e que
os outros países, enxergando no MST um pouco esse espaço, vêm pra
cá. É o argentino que se encontra com a Colômbia, que se encontra
com o mexicano, com a Venezuela, com a Bolívia... (KOLLING,
2015).

O Internacionalismo, para o MST, desde o seu processo inicial de formação,


mantém viva e acesa a chama do socialismo. E a Escola Nacional Florestan Fernandes
(ENFF) tem cumprido com a tarefa de trazer militantes de diferentes países para a
formação política e de quadros, reafirmando a possibilidade da organização política
internacional. A solidariedade internacional e o internacionalismo, para o MST, é a
afirmação da construção de uma sociedade tal como se apresenta no Manifesto do
Partido Comunista (MARX; ENGELS, ano): abolição da propriedade burguesa, da
propriedade privada, do individualismo, a supressão do Estado burguês e das ideias da
classe dominante que determina a política, a ideologia e a economia em função de seus
interesses particulares. A organização da Coordenadora Latino-americana de
Organizações do Campo (CLOC), da Via Campesina, entre outras, são frentes
importantes de combate contra o capital na agricultura internacional. A inspiração da
palavra de ordem de 1848 que continua atual - “trabalhadores de todo mundo, uni-

19
Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo.
51

vos!”- se fortalece cotidianamente no MST e nas organizações da Via Campesina com


novas consignas criadas: “Internacionalizemos a luta, internacionalizamos a
esperança!”.
Pontuarei algumas inspirações em destaque desses processos revolucionários
que levam a refletir e incidir coletivamente no trabalho de formação com as crianças
Sem Terra no Brasil. Elas movimentam práticas educativas de gerações de pessoas que
são protagonistas da luta da coletividade e que fazem o enfrentamento ao modelo
econômico, social e político, na ocupação do território por meio da luta pela terra, em
perspectiva da construção de uma sociedade socialista.
Na União Soviética, pós-revolução de 191720, o processo da luta coletiva da
classe trabalhadora levou à alteração das bases sociais, econômicas, políticas e culturais
na direção da organização da sociedade que se prepara para a luta revolucionária e a
supressão do czarimo e enfretamento ao capitalista. E, no contexto de mudanças, a
educação foi um dos instrumentos importantes no processo de organização e formação
da classe trabalhadora.

Diferente de outros países da Europa, ao final do século XIX, a


Rússia não tinha realizado sua revolução burguesa, pode-se dizer que,
no referido período, havia um descompasso entre a Rússia e os países
capitalistas da Europa, que viviam sobre os auspícios do czarismo –
monarquia absoluta, na qual a nobreza detinha grandes privilégios em
contraste com a miséria dos camponeses e demais trabalhadores, a
grande maioria da população. Ao final do século XIX, a
industrialização da Rússia caminhava a passos lentos, porém algumas
cidades viviam um fluxo maior de urbanização e industrialização,
entre elas a capital do país, na ocasião São Petersburgo e Moscou.
[...] Os anos de 1918 a 1920 foram anos de Guerra Civil na Rússia,
período reconhecido como “Comunismo de Guerra” (1918-1920), que
consistiu em políticas desenvolvidas pelos bolcheviques para sufocar a
guerra civil e sanar problemas mais elementares da população como a
fome e as epidemias de doenças.
[...] Apesar das condições adversas a Revolução de Outubro, teve
muitos êxitos e consequências, dentre as quais, segundo Hobsbawm
(2008), inspira revolucionários e revoluções. Entre os anos de 1918-
1919, a classe trabalhadora de diversos países europeus lutavam
inspirados em Outubro, porém não logrando o mesmo êxito. O fim da
primeira guerra desarmou a explosão existente na Europa. No entanto,
o governo soviético esperava a disseminação da revolução e tinha
esperanças na revolução na Alemanha. (BAHNIUK, 2015, p.132-138-
139)
20
Para saber mais sobre o assunto: Freitas, Luiz Carlos. Escolas Comuna ; Luedemann, Cecília da
Silveira. Anton Makarenko. Vida e obra – a pedagogia da revolução. Goldman, Wendy. Mulher, Estado e
Revolução.
52

A realidade da luta revolucionária na Rússia e as condições objetivas pós-


primeira guerra mundial, é uma realidade de fome, miséria, frio e perda de muitas
pessoas, em especial as crianças sem familiares, doentes à espera de comida e roupas
sob a responsabilidade do Estado em construção, como explica Goldman: “os lares de
crianças não suportavam o afluxo de novas crianças. Simplesmente não havia comida
suficiente”. (GOLDMAN, 2014, p. 109).
Na dura realidade de construção do país para dar condições de produção, cultura
e educação para a população, a experiência soviética iniciou a educação socialista com
escolas de experimentos demonstrativos, denominadas Escola-Comuna, entre 1918 e
1925, com práticas no âmbito da elaboração da nova pedagogia21, a escola única do
trabalho,

A finalidade destas escolas era criar coletivamente, na prática e junto


às próprias dificuldades que a realidade educacional da época
impunha, a nova escola, guiada pelos princípios básicos da escola
única do trabalho postos na Deliberação da escola única do trabalho
de 1918, e no documento do NarKomPros22 – Princípios básicos da
escola única do trabalho – também de 1918. As Escolas-Comunas,
portanto, eram tidas como local de agregação de grandes e experientes
educadores que se dedicavam a criar as novas formas e conteúdos
escolares sob o socialismo nascente com a finalidade de transferir tais
conhecimentos para as escolas regulares, de massa. (FREITAS, 2009,
p. 13-14).

Moisey Mikhaylovich Pistrak (1888-1940) dirigiu a formação dos programas e


dos métodos de ensino que orientaram a proposta da Comissão Estadual Científica entre
1918 e 1923 (FREITAS, 2009). E essas experiências, em 1937, são encerradas e
integradas ao sistema regular de ensino do país.
Para o pedagogo Viktor Nikholaevich Shulgin (1894-1965), o trabalho
educativo, na perspectiva da pedagogia socialista, requer clareza no projeto educacional:
identificar a base do programa social, bem como o referencial de estudo, o trabalho
intencional com um plano do nível de participação. Nesse caso, a organização está

21
A nova escola socialista foi defendida N. K. Krupskaya na Deliberação da Escola Única do trabalho,
que na afirmação de Freitas (2009) é preciso diferenciar a palavra “comuna” da palavra “colônia”, pois
a colônia é uma denominação que existe antes do processo revolucionário de 1917. (FREITAS, 2009).
22
Comissariado Nacional da Educação, cuja abreviatura é NarKomPros. (FREITAS, 2009).
53

voltada para a reconstrução do país e para a construção da Ditadura do Proletariado23,


buscando romper com as formas de exploração de todos os tipos, dentre os quais o
trabalho com vistas a permitir que o ser humano se reconheça na sua produção e garanta
a sobrevivência do país. No caso das crianças soviéticas, para Shulgin (2013), a escola
tem o objetivo claro de ensinar a lutar e construir a vida socialista a partir da sua prática
coletiva e das questões da atualidade.

(...) as crianças sabem que na sua quadra falta uma dúzia de torneiras.
Escreveram um protocolo. Foram para o Conselho. Insistiram para ser
recebidas, ouvidas, insistiram para que as torneiras fossem entregues.
Isso foi na última primavera e, no verão, o Conselho cumpriu sua
promessa – as torneiras foram entregues. E os pioneiros marcham de
lenços vermelhos e sabem que essa é a sua tarefa, que isso eles
conseguiram, mas a obra é comum (SHULGIN, 2013, p.119).

A relação entre trabalho e estudo para as crianças está relacionada à junção do


trabalho intelectual e manual com a finalidade da apreensão do conhecimento nas suas
várias dimensões, sendo as principais categorias da pedagogia soviética: atualidade,
auto-organização e trabalho. Ou seja, as relações sociais fazem parte da vida material na
qual o conhecimento vai sendo humanamente apropriado e desenvolvido.
O Movimento Comunista dos Pioneiros24, do ponto de vista pedagógico e
político, foi um dos espaços importantes na organização das crianças no país, pois,
como explica Shulgin, “temos que preparar as crianças para serem lutadoras e
construtoras da futura escola. E, por isso, não podemos nos afastar desde trabalho”
(SHULGIN, 2013, p. 120). O Movimento dos Pioneiros, na experiência Soviética, se torna
uma referência de organização infantojuvenil no processo revolucionário e que outros
países, a exemplo de Cuba, vivenciam essa prática com as crianças com objetivo de que
ela participe da construção da sociedade socialista.

23
Período de transição entre o capitalismo e comunismo, no qual ainda há divisão de classes, porém a
direção geral da sociedade é exercida pelo conjunto dos trabalhadores, a fim de eliminar os privilégios das
classes anteriormente dominantes, antes da revolução.
24
O Movimento de Pioneiros na União Soviética, composto por crianças e ligados ao Partido Comunista
ingressam no início da escola primária e continuam no Movimento até a adolescência, momento em que
podem se filiar à Juventude do Partido. A simbologia do Movimento é o lenço vermelho amarrado no
pescoço.
54

Em Cuba, país referência para a organização da classe trabalhadora, logo


também para o MST, a luta e resistência do povo cubano foi um longo processo, contra
a ditadura de Batista (1940-1944 e 1952- 1959) e contra o domínio do imperialismo dos
Estados Unidos, período de extrema pobreza e analfabetismo, lutando por sua
independência sob comando de Fidel Castro. Lá, se realizou um longo processo de
ações revolucionárias contra o General Fulgêncio Batista, em 26 de julho de 1953, e
resultou, num primeiro momento, em fracasso com encarceramento e fuzilamento de
uma parte do grupo. Fidel Castro foi exilado no México e lá se encontrou com Ernesto
Che Guevara, e em uma noite de conversa, decidiu engajar-se no projeto político dos
caribenhos. No primeiro momento, como médico. Fidel Castro retorna a Cuba, em
1956, juntamente com o grupo revolucionário, fazendo enfrentamento com ações
revolucionárias, ainda sem vitórias. Escondidos em Sierra Maestra, o grupo de
guerrilheiros se organiza com camponeses, num exército popular, e volta reforçado a
atacar no dia primeiro de janeiro de 1959, ganham a batalha contra a ditadura de Batista,
com o apoio dos trabalhadores da cidade. Cuba estabelece o governo revolucionário,
porém com a participação de vários membros da burguesia. E Fidel Castro assume
como Primeiro Ministro do governo (GUEVARA, 1989).

A massa participou na Reforma Agrária e no difícil empenho da


administração das empresas estatais; passou pela experiência heroica
da Playa de Girón; forjou-se nas lutas contra as várias “bandas de
bandidos” armados pela CIA; viveu uma das definições mais
importantes dos tempos modernos na crise de outubro e continua hoje
trabalhando na construção do socialismo (GUEVARA, 1989, p. 25).

Cuba, como referência de um processo revolucionário com a tomada de poder


no dia primeiro de janeiro de 1959, e com a declaração da opção pelo socialismo em
1962, marca um extenso processo de trabalho na formação política e ideológica, na luta
contra o analfabetismo, na organização da produção e combate à fome no país, com a
formação das cooperativas.
A educação cubana como referência para a formação do trabalho com as
crianças do MST se destaca: os Círculos Infantis25 cubanos, que no MST são

25
Os Círculos Infantis cubanos são espaços para o desenvolvimento integral nos primeiros anos de vida.
Existe há mais de 50 anos. E o projeto “educa a tú hijo” foi desenvolvido para a população das regiões
rurais para garantir o acesso das famílias que vivem distantes e com o sucesso do programa, foi estendido
para a cidade. E Cuba tem em torno de 1.130 Círculos Infantis, atendendo mais de 154 mil crianças de
55

representados pela Ciranda Infantil, e a Organização dos Pioneiros José Martí (OPJM)26
que representa as mobilizações e Jornadas dos Sem Terrinha, no Brasil. Esses processos
formativos e educativos cubanos da sociedade contribuíram para organização das
crianças Sem Terra no MST. Vale salientar que a diferença entre a experiência cubana e
a do MST tem um processo de luta que as diferencia. Uma, a cubana, está ligada à
tomada de poder do Estado na perspectiva socialista e a outra, do MST, movimento
popular e político, vivendo nos limites de uma sociedade antagônica.
A experiência cubana de sociedade, por conta do bloqueio e das influências
capitalistas, tem apresentado muitas contradições. Para o MST, Cuba é referência de um
povo que fez a revolução e conviveu até 2014 com “bloqueios”27, com o
conservadorismo racista imposto pelo capitalismo estadunidense e, no entanto, é um
país que, com o pouco que tem, oferece inúmeros exemplos ao mundo de projeto social
e de suas prioridades em relação à educação, à saúde e à solidariedade internacional
entre os povos. Tem a simbologia de uma sociedade comprometida com o projeto
internacionalista. A educação cubana e a organização dos Pioneiros é uma das
referências para a organização das crianças do MST.
Outras inspirações28 são tomadas através das crianças do campo na América
Latina, junto às organizações e movimentos populares na luta pela terra e pela reforma

todo país. Disponível em: http://visite-cuba.blogspot.com.br/2013/06/bayamo-as-criancas-e-ludoteca.html


Acesso em: 16/12/2015,às 16h3. https://www.youtube.com/watch?v=_MCcxzLCUXI
26
A OPJM é formada por estudantes do primeiro ao nono ano da escola pública cubana. Esse espaço
organizativo das crianças elege e são eleitos representantes que têm como tarefa opinar, debater e
desenvolver-se. O V Congresso dos Pioneiros foi realizado em abril de 2011, com 300 delegados, num
“amplo debate desde as estruturas de base” e comemorou os 50 anos da OPJM, “meio século da
aplastante vitória sobre o imperialismo estadunidense”. Disponível
em: http://convencao2009.blogspot.com.br/2011/07/criancas-cubanas-bem-organizadas.html Acesso em:
16/12/2015 as 15h11, e
http://www.ecured.cu/Organizaci%C3%B3n_de_Pioneros_Jos%C3%A9_Mart%C3%AD
27
A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidades (ONU) votou no dia 27 de outubro de 2015
contra o bloqueio econômico norte-americano contra Cuba, que ocorre desde 1962. “A nova resolução
pede o fim do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos Estados Unidos. Foi
aprovado por 191 países, e somente EUA e Israel foram contra. Foram 188 votos a favor, 2 contra e 3
abstenções. Foi aprovado o fim do bloqueio em Cuba. Disponível em:
http://nacoesunidas.org/assembleia-geral-da-onu-aprova-mais-uma-resolucao-condenando-bloqueio-dos-
eua-a-cuba/ Acesso em: 11 de dezembro de 2015, às 14h17.
28
Em março 1962, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) é fundada com o nome original de
Guerra Popular Prolongada (GPP), motivada pelo entusiasmo da vitória dos revolucionários cubanos.
(BARCELLOS, 1982). Em depoimento em seu livro Nicarágua a revolução das crianças, Caco Barcelos
nos apresenta o papel que o conjunto da sociedade exerce na luta e organização dos processos
revolucionários. E, nesse caso, as crianças como sujeito coletivo, participam da luta na revolução
sandinista por uma necessidade concreta. Lutar ou morrer. Barcelos nos apresenta o “exército das
crianças contra o tanque da guarda”. A média de idade das crianças rebeldes é de 11 anos, e Zapote, de 12
56

agrária, devido às condições de extrema ausência do Estado pelos direitos básicos, a


educação das crianças dessas organizações são temas permanentes de debate e lutas
fundamentais que, com o avanço do capitalismo, acentua a luta contra-hegemônica.
Na Nicarágua, durante o seu processo revolucionário, iniciado com as ações
armadas pelo Frente Sandinista, em 1974, e concluído com a comemoração da vitória da
revolução nicaraguense, em 21 de julho de 1979, na praça da revolução, com mais de 50
mil pessoas, com os principais comandantes guerrilheiros, foi decretada a expropriação
de todos os bens de Somoza. (BARCELLOS, 1982, p. 146-147). As crianças sandinistas
tiveram uma forte presença na luta pela resistência e sobrevivência no país.
No México29, a luta atual de resistência do Movimento Zapatista, organização
indígena e campesina, é referência para as crianças da América Latina, pois pensam a
sua produção agrícola e a educação das crianças num contexto marcado por
enfrentamento e guerrilha. A organização zapatista organiza a pedagogia para suas
escolas com princípios na organização comunitária e resistência civil como forma de
vida30, tem uma proposta alternativa e educativa para o seu povo na luta contra o
capitalismo.
Na Guatemala, o Comitê de Unidade Campesina (CUC)31, vinculado à Via
Campesina, organização que foi fundada em maio de 1978, num contexto de guerra
civil, trabalhadores camponeses e indígenas foram para as ruas apresentar suas
demandas com a palavra de ordem “Cabeça Clara, Coração Solidário e Punho
Combativo”. Desde a sua fundação, a luta pela terra segue permanente e as crianças
participam de todos os processos da organização.
No Brasil, não sendo diferentes da realidade de outros países latino-americanos,
as crianças Sem Terrinha participam no acampamento e no assentamento até os

anos, é comandante e líder de um grupo de meninos vinculado à organização do Movimento Sandinista.


Em tempos normais, esses meninos vão para escola, brincam, se apaixonam, andam de bicicleta.
29
No México, em Chiapas, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), através da resistência ao
Estado, inspirados em Emiliano Zapata, defensor de uma reforma agrária radical, organiza a sua própria
forma social de conduzir o seu território. E a educação é autônoma, pois proporciona e garante que suas
crianças concebam outro projeto educacional nas suas escolas, ministradas pelos seus próprios
educadores, ou seja, “a educação tzeltal é uma combinação de vários elementos: os antepassados, os
pincipales, o calpulli, o clã, a família, o cotidiano rotineiro e o contraditório”, a realidade de luta e de
resistência através do trabalho para a sobrevivência e da guerrilha como forma de permanecer na terra
com certa autonomia. “Não se sentem como simples indivíduos, mas integrantes de um sujeito coletivo
que transcende tempo, pessoas e lugares” (BUENROSTRO y ARELLANO, 2002, p. 43-44).
30
Disponível em: http://anarquiacoronada.blogspot.com.es/2016/01/primera-escuela-zapatista-descarga-
sus.html?m=1 Acesso em: 07/02/2016. As 22h.
31
Disponível em: http://www.cuc.org.gt/es/ Acesso em: 20 de julho de 2015.
57

diferentes espaços de luta e resistência desde a origem do MST. Movimentam-se na


luta, participando juntamente com seus pais e, ao mesmo tempo, provocam o MST na
organização da construção de espaços específicos para elas, como por exemplo: as
Jornadas dos Sem Terrinha e a Ciranda Infantil - principais espaços alternativos de
educação e ocupação e protagonismos das crianças.
Como ilustração, destacamos o VI Congresso Nacional do MST, realizado em
fevereiro de 2014, na cidade de Brasília, com a participação de aproximadamente 15 mil
delegados, dentre eles 700 crianças de 0 a 12 anos. As crianças participaram da Ciranda
Infantil, espaço importante e conquistado por elas, juntamente com as mães, pais e
educadores, denunciaram o descaso dos órgãos públicos que historicamente tem uma
relação de abandono e descaso com a educação brasileira do campo, como pode ser
comprovado diante da falta de acesso à educação infantil e do fechamento de 37 mil
escolas no campo nos últimos 12 anos.
Em 2011, O MST lançou a campanha “Fechar escola é crime!”, numa tentativa
de chamar a atenção da sociedade para a luta contra o fechamento das escolas, e
organizar a luta para essa questão. Nesse campo da denúncia, as crianças de diferentes
lugares do Brasil ocuparam o Ministério da Educação (MEC) no VI Congresso do MST
(2014), para denunciar a realidade social, econômica, cultural e principalmente histórica
do país, e reafirmar a importância da luta coletiva e do movimento organizado para o
questionamento da educação brasileira.
A palavra de ordem em destaque utilizada pelas crianças foi “O agronegócio
fecha as escolas do campo. Fechar escola é crime!”. A conquista dessa luta é
significativa no contexto conjuntural, pois, na sequência dessa ação, resultou a
aprovação da Lei 12.96032, de 27 de março de 2014, que dificulta o fechamento de
escolas rurais e quilombolas, publicado no Diário Oficial, 28 de março de 2014. É mais
uma conquista que as crianças Sem Terra foram protagonistas. Se a lei se efetivará, de
fato, é outra história, depende da luta e da correlação de forças entre as classes. Vale
ressaltar que esse espaço (manifestação do MEC), foi importante para a formação do
conjunto do MST no VI Congresso. E podemos considerar que essa foi a atividade de
maior expressão no contexto da luta nessa ocasião, com intervenção das crianças.

32
Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2014-03/sancionada-lei-que-dificulta-
fechamento-de-escolas-rurais-e-quilombolas acesso as 19:38 Acesso em: 23 de julho de 2014.
58

As intervenções de lutas da classe trabalhadora realizada internacionalmente,


citadas anteriormente, são bases para reflexões, na atualidade, sobre os processos
vinculados às organizações coletivas que envolveram o conjunto de pessoas que fizeram
o movimento acontecer e que expressam preocupação com o processo de formação das
crianças, seja no campo da luta, como na própria construção do projeto político
pedagógico do país.
Essas e outras experiências de luta dão significado ao MST e sua Pedagogia e
desafiam, mesmo que com os limites da sociedade de classe, a não perder a perspectiva
do coletivo, da luta da organização política e da dimensão de classe. Certamente, a
organização coletiva foi determinante para o processo de construção do projeto social e
organização da classe nas experiências dos países que fizeram revolução, como,
também, é fundamental para as organizações sociais que têm essa perspectiva em seu
horizonte. A educação é uma frente primordial para a revolução e que caminha junto ao
projeto social, sendo a construção da coletividade a essência principal desse processo, a
auto-organização e formação da classe para a sociedade socialista.

1.2. O MST e a Educação

A concepção de educação do MST foi forjada no seio da luta social pelos seus
sujeitos através das ocupações da terra, nas marchas, nas reivindicações por créditos,
educação, saúde, na construção dos assentamentos, na luta contra a criminalização dos
movimentos populares. A contradição com o capital surge da luta contra a propriedade
privada pela ocupação, desta decorre a necessidade concreta de fazer a luta contra a
escola burguesa, que nega espaço às crianças Sem Terra de acampamentos do MST
Nasce de uma necessidade coletiva, da negação da educação conservadora e apoiado às
bases teórico-metodológico da pedagogia socialista, da educação popular e, assim, a
Pedagogia do Movimento vai sendo gestada:

Começamos a construção do projeto pedagógico do MST pela escola,


mas nela iniciamos pelos objetivos formativos que nos remetem para
fora dela. Quando decidimos, no final da década de 1980, fazer o
debate sobre o que queremos com as escolas de assentamento (e
acampamentos), não iniciamos pelos objetivos da escola em si, mas
pelos objetivos de formação do sujeito concreto para as quais ela está
59

sendo conquistada nas lutas do Movimento: afirmamos desde então


que é necessário formar militantes Sem Terra, continuadores da luta
pela terra e pela reforma agrária e mais amplamente das lutas coletivas
pela transformação da sociedade; e é necessário que esses militantes
sejam formados como trabalhadores capazes de dar conta dos desafios
da produção nas áreas conquistadas, mas de forma a exercitar/projetar
novas relações sociais e econômicas (propriedade coletiva da terra,
trabalho cooperado, construção de agrovilas comunitárias), que por
sua vez sejam formadoras para a perspectiva da luta maior.
(CALDART33, 2015, p. 22-3)

Nos acampamentos do MST, lugar habitado por homens, mulheres, crianças,


jovens, adultos e idosos, se vive o sonho de ter um lugar de dignidade, conquistar a terra
para sua moradia e produção de alimentos, bem como ter acesso à educação e à saúde
pública. O processo de formação ocorre pela própria inserção na luta como por meio da
ocupação da terra, da organização do acampamento e assentamento e da relação com a
sociedade, como práticas formadoras e educativas dos sujeitos envolvidos na luta pela
terra forjando, então, na tese de Caldart (2000) a “Pedagogia do Movimento Sem
Terra”.

O processo de formação dos sem-terra do MST precisa ser


compreendido, ao meu ver, em duas dimensões combinadas. A
primeira dela diz respeito ao processo de formação dos sem-terra, que
é possível perceber na história do MST. Ou seja, é importante
entender o caminho percorrido pelos trabalhadores sem-terra que
retomaram as ocupações de terra no sul do Brasil, em 1979, e também
começaram o acampamento da Encruzilhada Natalino, no final de
1980, projetando uma ação de repercussão nacional decisiva para a
posterior criação do MST, até chegar ao Sem Terra de camisa branca e
boné vermelho com os símbolos do movimento, que, organizados em
imensas colunas, marcham desde os diversos Estados e ocupam
Brasília em 1997. A segunda dimensão do processo de formação dos
sem-terra é aquela onde se pode observar mais diretamente a
experiência humana de participar do MST ao longo desta trajetória
histórica mencionada. Observando mais atentamente a dinâmica
interna deste Movimento, é possível identificar algumas ações ou
vivências que, pela força de atuação sobre as pessoas que delas
participam, podem ser compreendidas como processos socioculturais
que possuem componentes educativos ou formadores decisivo na
constituição da identidade dos sem-terra do MST. (CALDART, 2000,
p. 64-5).

33
Roseli Salete Caldart, educadora militante do MST. Intelectual que defende a tese da Pedagogia do
Movimento Sem Terra.
60

Nas duas dimensões da pedagogia do movimento, o processo de formação e o


jeito da participação no MST é no caminhar da ocupação do latifúndio da terra que vai
se configurando a identidade política de uma organização do campo e a forma de
organizar os coletivos a partir de sua base social (acampamento/assentamento) é que dá
vida e essência ao MST.
Com a desapropriação da terra, fase importante para a formação do
assentamento, o MST precisa dar resposta organizativa à luta inicial na organização
desses espaços. Nesse caminho, luta por formas alternativas de produção da vida
coletiva, luta por escolas nos seus territórios e outras práticas educativas, consideradas
alternativas como a organização da Ciranda Infantil e Jornada dos Sem Terrinha,
vivências que os coletivos do MST foram socializando e desenvolvendo práticas de
formação, educação e produção na base do Movimento em todo Brasil.
A criação do setor de educação no MST (1987),34 parte da necessidade de pensar
coletivamente uma educação contra-hegemônica para os acampamentos e
assentamentos. Num primeiro momento, enfatizando a luta por escolas nas áreas de
reforma agrária. O Boletim de Formação nº 1 descreveu, assim, como sugere seu título
“Como deve ser uma escola de assentamento” (1992). Esse material foi produzido a
partir de reflexões de um coletivo de educação desde a sua realidade concreta.

A escola passou então a ser requerida para ajudar nessa formação e


pela percepção (ou já pela análise) de que a escola conhecida não faz
isso, começamos a discutir sobre como construir, o que foi chamado
pelos educadores da época, de “uma escola diferente” que pudesse
cumprir com objetivos específicos a ela, mas relacionados a objetivos
formativos que vão para além dela e que consideram as necessidades
formativas dos sujeitos que compõem em cada tempo e lugar. Assim
se constitui a reflexão do MST sobre a necessidade e as possibilidades
de transformação da escola. Os conteúdos formativos que se pretendia
que a escola ajudasse a trabalhar não cabiam na forma institucional
dada (CALDART, 2015, p. 23).

Depois desse material, o Setor de Educação tomou para si a responsabilidade de


elaborá-los e ajudar o conjunto a refletir e a concretizar uma educação articulada aos
princípios do MST, produzindo um conjunto de materiais. Deste, destacaremos que a

34
O encontro Nacional de professores, realizado em julho de 1987 em São Mateus, Estados do Espírito
Santo, formalizou a criação do setor de educação no MST. Para saber mais, ver em Dicionário da
educação do Campo 2012, MST e Educação.
61

partir dos debates e reflexões, o Coletivo Nacional de Educação35 elaborou o Caderno


de Educação nº 8 (1999), produção que sintetizou e reafirmou a concepção de educação
do MST através dos princípios filosóficos e pedagógicos, ampliando a compreensão na
coletividade sobre educação.

Os Princípios filosóficos dizem respeito a nossa visão de mundo,


nossas concepções mais gerais em relação à pessoa humana, à
sociedade, e ao que entendemos que seja educação. Remetem aos
objetivos mais estratégicos do trabalho educativo no MST.
Os princípios pedagógicos se referem ao jeito de fazer e pensar a
educação, para concretizar os próprios princípios filosóficos. Dizem
dos elementos que são essenciais e gerais na nossa proposta de
educação, incluindo especialmente a reflexão metodológica dos
processos educativos, chamando a atenção de que podem haver
práticas diferenciadas a partir dos mesmos princípios pedagógicos e
filosóficos. (MST, 1999, p. 4).

O Setor de Educação, com base na estrutura organizativa do MST, que está no momento
de fortalecimento do trabalho organizativo, elege matrizes que irão orientar os
assentamentos já conquistados, as ocupações de terra, os setores do movimento. Na
projeção da formação humana, as matrizes do trabalho socialmente útil que se propõe
em transformar as mentalidade da classe trabalhadora do campo, na relação campo e
cidade e na forma de organizada a vida do movimento nos acampamentos e
assentamento; da luta social como um princípio e alicerce da luta política que não se
encerra na conquista da luta, mas tem como horizonte a organização da luta coletiva
para as conquistas dos direitos sociais no campo e da supressão da concentração
fundiária; da cultura que é para além das expressões artística que o MST estimula em
sua base social, mas de uma interpretação da cultura como práxis social; da
história/memória como elemento importante na participação enquanto sujeito
construtor, responsável pelo destino da coletividade.
Os principais objetivos de orientação: a luta pela terra, a luta pela reforma
agrária e a luta pela transformação social (socialismo). As matrizes formadoras da
educação do MST, alicerçada aos objetivos gerais do MST, tem duas compreensões
como horizonte e trabalho educativo e formativo: a “Educação de classe e Educação

35
É instância nacional composta por representantes da militância da educação dos Estados, que são
indicadas pelas direções estaduais.
62

massiva”, vinculada ao movimento social, com compreensão de mundo e ações


concretas, diante de práticas contra-hegemônicas. (MST, 1999).
O Setor de Educação teve suas influências pedagógicas, desde o seu processo inicial
de construção, da realidade da negação da escola capitalista para as crianças de
assentamento, a construção de uma pedagogia do movimento. As influências que foram
determinantes na construção da sua pedagogia no final da década de 1980, têm como
referência alguns pensadores russos,

Nossa primeira fonte principal de formulação pedagógica com os


primeiros educadores das escolas conquistadas, a luta pela terra, fonte
que na época esteve focado especialmente nas práticas dos pedagogos
do início da revolução russa de 1917, por meio da leitura de Pistrak,
Fundamentos da Escola do Trabalho, único livro dele disponível em
português, naquele período (CALDART, 2015, p. 23).

Outra influência importante para a construção da pedagogia do Movimento é a


Educação Popular. Com referência no educador Paulo Freire que, para além de se
preocupar com a educação do povo brasileiro, elaborou sobre a pedagogia do oprimido,
foi defensor do internacionalismo, tanto que ele tem mais referência nos países da
América Latina e do continente africano, do que no próprio país de origem. Paulo Freire
teve uma prática de educador militante junto com os oprimidos e no MST é considerado
um mestre da educação brasileira, tanto que foi homenageado, junto a Ernesto Che
Guevara, no I ENERA36, e no V Congresso do MST quando foi dado seu nome à
Ciranda Infantil Nacional37, em 2007.

Uma segunda fonte nessa formulação específica, mas no MST anterior


às discussões sobre a escola, foi a Pedagogia do Oprimido, de Paulo
Freire, e seus desdobramentos em determinadas práticas e reflexões da
educação popular. Em nosso caso, a influência veio junto com uma
vertente religiosa, dado o vínculo de vários militantes que começaram
o MST com práticas de organização popular através de Comunidades
Eclesiais de Base. Para nosso movimento de formulação pedagógica,
essa matriz nos forneceu elementos críticos à forma de escola baseada
em uma concepção “bancária” de educação, e a necessidade de
valorização da realidade vivida pelos sujeitos Sem Terra no trabalho
educativo. Mas talvez a maior inspiração tenha sido encontrar

36
Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária que se realizou em Luziania/GO
– 1997. (Boletim da Educação n° 12 - 2014).
37
A Ciranda Infantil do V Congresso do MST (2007), homenageou o educador Paulo Freire. Desde então,
a Ciranda Nacional das diferentes atividades nacionais chama-se Paulo Freire.
63

argumentos para uma postura, ao mesmo tempo altiva e humilde, na


construção assumida, tendo como pressuposto o necessário
protagonismo dos trabalhadores, do povo, no processo de
transformação social: não vamos construir, sozinhos, nosso projeto
educativo, precisamos do diálogo com outros companheiros de projeto
histórico, mas queremos ser protagonistas dessa construção. A
pedagogia não é para o oprimido, mais sim do oprimido: e não é para
o MST e sim do MST (CALDART, 2015, p. 24).

A terceira fonte de construção do MST, na afirmação de Caldart, “foi o próprio


Movimento” que permitiu a reflexão da educação no seu território ocupado, das práticas
que foram sendo desenvolvidas pela materialidade das contradições capitalistas, da
necessidade do conhecimento e de conhecer o mundo, se reafirma sempre na frase de
José Martí “o conhecimento liberta”, e da vontade coletiva de vincular a sua prática
educativa à luta social.

Em nossas práticas, esse processo de desafio tem sido identificado


como implementação da “pedagogia do MST”, ou mais amplamente,
da Pedagogia do Movimento, que não deve ser entendida como uma
concepção particular de educação e de escola ou de uma tentativa de
criar uma nova corrente teórica pedagógica, mas sim como um jeito de
trabalhar com diferentes práticas e teorias da educação construída
historicamente desde os interesses sociais e políticos dos
trabalhadores, que tem a dinâmica do movimento (suas questões,
contradições, necessidades formativas de luta e do trabalho) como
referência para construir sínteses de concepções, igualmente
históricas, em movimento (CALDART, 2015, p. 25).

A concepção de educação do MST, afirmada pelos princípios filosóficos e


pedagógicos do Movimento, é orientadora da Pedagogia do Movimento, pois
“consideramos a educação uma das dimensões da formação, entendida tanto no sentido
amplo da formação humana, como no sentido mais restrito de formação de quadros para
a organização e pelo conjunto das lutas dos trabalhadores”, (MST, 1999), ou seja, a
pedagogia é o jeito que o MST vai organizar o fazer em movimento através da teoria e
da prática em ações concretas da vida real do assentamento e acampamento. E no
campo do trabalho pedagógico do Setor de Educação, que foi organizado por frentes de
atuação, a necessidade do fortalecimento da Educação de Jovens e Adultos (EJA), da
Escola e da Infância foi fundamental para a materialidade na educação da Pedagogia do
Movimento.
64

A EJA foi organizada com objetivo de tornar os territórios do MST livres do


analfabetismo, com referência nas formulações de Paulo Freire, através da Educação
Popular, e nos últimos anos, incluindo também o método cubano “Yo si Puedo” que
vem sendo organizados em vários Estados. Assim, o MST organizou e mantém
campanhas de alfabetização de adultos, tendo presente que, na atualidade, 13,2 milhões
de brasileiros não tiveram acesso à escolarização, com a maior concentração do
analfabetismo no campo, considerando que uma grande parcela dessa população é
formada pelos jovens. A EJA é uma frente que não está nas prioridades dos grandes
debates da intelectualidade e muito menos das políticas governamentais, e, para o MST,
o programa ofertado pelo governo federal “Brasil Alfabetizado” não tem compromisso
com a educação daqueles que não tiveram acesso a ela até os dias de hoje. No processo
histórico da EJA, no contexto atual, a inclusão da juventude é resultado de
descontinuidade e descompromisso com a educação pública e gratuita no Brasil.
As ESCOLAS, frente que remete-se à luta por escola, a qual existe desde o
surgimento do MST. O Movimento defende a construção de escolas públicas nos
assentamentos e acampamentos38, bem como da construção de uma proposta político-
pedagógico voltada para a realidade da classe trabalhadora. E, como experiência desse
processo, se realiza a construção coletiva de um projeto educativo na perspectiva
socialista nos espaços onde se tem possibilidade de garantir um quadro de professores
militantes compromissados com a transformação social.
O MST construiu uma concepção de escola a partir da educação socialista, e
como matriz formadora e organizadora dessa escola, a luta social como um dos
principais elementos forjadores da educação do movimento, o coletivo (dos educadores,
dos estudantes, a comunidade) como referência para a construção da pedagogia do
movimento, o trabalho como princípio educativo, e a mística em cultivar a o processo
histórico, reafirmado no presente a necessidade da organização política, projetando
como futuro – socialismo.

38
No caso dos acampamentos, a escola é chamada de Itinerante e os professores, principalmente dos anos
iniciais são do próprio acampamento. Ou seja, eles vivem no acampamento e concebem todo o processo
de luta juntamente com as crianças, jovens e adultos. A Escola Itinerante foi uma conquista que iniciou no
Rio Grande do Sul, em 1996, e, atualmente, a referência principal, no MST, está localizado no Estado do
Paraná.
65

A Infância, frente que no início era chamada de Educação Infantil, pois atendia
crianças de 0 a 6 anos de idade nas Cirandas Infantis39, ganha mais força a partir de
2007, com a realização do V Congresso do MST, em qual se organiza Escola e Ciranda
Infantil Paulo Freire, com mais de mil crianças de 0 a 12 anos. A frente organiza a
Ciranda Infantil nas diferentes atividades do MST: marchas, ocupações em órgãos
públicos, encontros, reuniões etc. A Ciranda Infantil foi um espaço construído para
garantir, inicialmente, a ampliação da participação da mulher na luta, no estudo e no
trabalho e, junto a esse processo, a Ciranda se torna um espaço principalmente da
criança que vai pra luta juntamente com sua mãe. Mas, recentemente, a frente têm
colocado como desafio refletir e repensar os espaços Escola, Creche, Centros de
Educação Infantil dos assentamentos do MST.
Também contribuiu na organização das jornadas dos Sem Terrinha, atividade
considerada tarefa do conjunto do MST, que desde 1994 vem organizando as
mobilizações. Outras ações da frente dizem respeito às publicações de comunicação
infantil que tem a intencionalidade de chegar até as escolas e outros espaços educativos
e de ser um material orientado para as crianças do MST.
A Formação de Educadores não é uma frente específica no MST, pois as três
frentes citadas acima, justamente pela necessidade de ter educadores comprometidos
com a educação dos filhos da classe trabalhadora, fazem a formação geral e específica
do coletivo de educadores. É neste processo que hoje muitas das escolas do MST têm
uma prática educativa, pelo processo de formação que foi feito ao longo dos 31 anos do
Movimento. Desde a criação do Magistério (nível médio), do curso de Pedagogia da
Terra (graduação), das formações de EJA – da infância – das escolas, dos cursos de pós-
graduação (especialização). Esses cursos de formação, em sua maioria são realizados
por meio de parcerias com as universidades públicas. Só foi possível a sua realização,
no caso dos cursos formais, através da luta e da conquista dos movimentos sociais do
campo com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA.40
Reafirmando, no contexto atual, a relação internacionalista do MST na
educação, no início de 2016, uma brigada nove educadores, representando quatro

39
Para saber mais sobre esse assunto, ver “Educação Infantil. Movimento da vida, dança do aprender”.
Caderno de Educação n°12; ROSSETTO, Edna Araújo. Essa Ciranda não é Minha só, ela é de todos
nós: A educação das crianças Sem Terrinha no MST; Dicionário da educação do campo. As Cirandas
Infantis no MST;
40
O PRONERA foi criado “através das lutas dos Movimentos populares do campo”, em 1998, em defesa
de uma educação contra-hegemônica.
66

Estados brasileiros, passaram 15 dias em Cuba, conhecendo e resgatando a mística da


educação e o sistema educacional em um dos países que tanto inspirou o MST. No
depoimento de Carvalho41 sobre a viagem, relata que:

Para nós, foi uma experiência muito rica, desde a chegada em Cuba
até os processos vivenciados, lá. Pelo fato de a gente estar em um
país com o sistema socialista, já nos deixa totalmente atentos a tudo.
Pelo País ter passado por um processo de revolução, ele também está
passando por um processo de mudanças e isso faz toda diferença.
Primeira impressão é choque, ao mesmo tempo (a gente já sabia),
mas vendo com os olhos é diferente, Cuba tem uma educação pública,
gratuita e de qualidade pra todos, não tem exceção, todos podem ter
acesso; segundo, todos podem ter uma saúde de qualidade, nenhum
analfabeto pelas ruas nos encontramos, porque Cuba, após o
primeiro triunfo da revolução, depois de 1959, fez a grande
campanha de alfabetização. Isso já deixa a gente muito
impressionada, com muita gana de vivenciar mais. Os 15 dias que
ficamos em Cuba não foi suficiente para saber como que funcionam
todos os detalhes do sistema educacional, teria que ficar mais três
meses. (CARVALHO, 2016).

O depoimento reafirma o quanto é forte a presença de Cuba na militância do


MST e que tem fortalecido a ideia de motivar os educadores das escolas de
assentamentos e acampamentos, e a militância como um todo, em conhecer as
experiências internacionais, em especial, a cubana.
As práticas educativas do MST estão em movimento. E são construídas pelos
próprios sujeitos Sem Terra a partir da necessidade concreta da vida humana. Os
estudos da educação popular, da educação socialista e da própria educação do
movimento permitem que o MST lute por outro tipo de escola desde a arquitetura, a sua
concepção, da luta pelo direito de ter acesso ao conhecimento produzido pela
humanidade, da criação do espaço da Ciranda Infantil para garantir que as crianças
desde pequenas estivessem num espaço organizativo e que as mulheres Sem Terra
pudessem ter a garantia que seus filhos estariam em um lugar de segurança e as
motivassem a estudar, trabalhar e contribuir na direção política da organização. A
educação do MST vai tencionando na construção de uma educação libertadora, porém
nos limites impostos pelo capitalismo.

41
Elisangela Carvalho é do Setor de Educação do MST e da Coordenação Nacional do MST pelo Rio de
Janeiro.
67

1.3. A Infância no MST


Como mencionada anteriormente, a luta das crianças faz parte da luta do
conjunto do MST, da materialidade concreta da vida da classe trabalhadora que não tem
trabalho, não tem terra, e nem acesso aos direitos básicos se não lutar. As crianças da
classe trabalhadora convivem com os diferentes tipos de violência no Estado capitalista.
Os Sem Terrinha convivem com a violência desde o momento que seus pais não têm o
trabalho, moradia e condições mínimas de sobrevivência, e por serem filhas da classe
trabalhadora, vinculada ao movimento popular, desde pequenas lutam. A criança está
presente no MST desde a sua origem, acompanha sua família desde as primeiras
ocupações de terra.

O reconhecimento dessa relação conjunta exige que a investigação


sobre a criança tome como ponto de partida sua materialidade, neste
caso, requer a compreensão das relações sociais de seu contexto
marcado na luta pela terra e vinculado a um Movimento que tem como
estratégia política a transformação radical da sociedade. É necessário,
portanto, estabelecer nexos e relações que contemplem tanto a criança
como o grupo social (o Movimento, classe trabalhadora) ao qual
pertence, considerando que a criança não está separada da vida
material e, portanto, ela é parte constitutiva da construção histórica do
Movimento (RAMOS, 2013, p. 18-19).

E, por isso, a criança não está fora desse processo produtivo e educativo do
MST. Desde o surgimento do Movimento, ela participa da luta. Ao pertencer à luta pela
terra com a sua família, a criança passa a colocar, no horizonte, a terra como lugar de
produção e vivência-morada, permitindo que se identifique e se reconheça nesse
território ocupado. Os Sem Terrinha42 participam e contribuem com o processo
organizativo das famílias acampadas ou assentadas desde o seu espaço educativo
infantil até o espaço do conjunto do acampamento e assentamento.

A presença da criança Sem Terra nas lutas sociais contemporâneas


retrata a resistência ao projeto da modernidade, em dois sentidos:
primeiro, no que concerne a negação a uma humanidade degradada,
tanto em relação aos seus direitos mais elementares (comida, moradia,
saúde, educação, cidadania etc.), como em relação aos valores

42
Sem Terrinha é o nome pelo qual elas se reconhecem como identidade política e que, em 1996, no
Encontro Estadual Infantojuvenil de São Paulo, cujo lema fez referência à identificação do nome.
“Reforma Agrária, Uma luta de todos e dos Sem Terrinha também”. Mais informações no terceiro
capítulo.
68

humanistas que a idade da razão propagada por sua ideologia, mas que
não as condições objetivas de vivê-lo (ARENHART, 2007, p.44).

A ocupação do latifúndio da terra, como espaço físico, ganha forma através da


organização da luta camponesa, a qual questiona a estrutura fundiária no Brasil,
exigindo realização da reforma agrária. É nesse contexto que o MST ocupa a terra,
obtém conquistas por meio de sua luta, desenvolvendo um território que vai sendo
demarcado com as suas linhas políticas na luta pelo direito à terra e à reforma agrária.
Com a conquista do assentamento, o MST busca enfrentar as contradições e as
carências. Ou seja, mesmo com a conquista da terra é necessário lutar por políticas:
agrícola, educacional, entre outras, que reafirma a necessidade de continuar lutando,
pois no sistema capitalista a luta da classe trabalhadora é permanente. E a luta também
se dá no campo da produção agrícola: a Agricultura Camponesa43 vem perdendo cada
vez mais território para o Agronegócio, que desenvolve a monocultura da cana, do
eucalipto e da soja, entre outros monocultivos, pois a política governamental tem
priorizado a agricultura de mercado, tornando o campo espaço de desertificação.
A luta pela ocupação da terra, como processo coletivo para a formação do
indivíduo, se fortalece numa relação de projeto de classe, permitindo sair da esfera do
privado, do monocultivo da terra; embora não supere as relações capitalistas, permite
em alguma medida questioná-las. Mas a produção coletiva, a reflexão-ação, a avaliação
e o protagonismo, como processo, reafirmam a possibilidade e a importância de um
fazer educativo das pessoas inseridas na luta.
Nas vivências cotidianas do assentamento, é visível que o coletivo tem mais
acesso e mais força para reivindicar, para adquirir bens e fazer ações sociais. O tempo
livre do coletivo é maior para contribuir com outros grupos sociais, para estudar, para
socializar a experiência e fazer ações na própria comunidade. Podemos dizer que a vida
coletiva forja a identidade das crianças Sem Terra através da luta, elemento fundamental
na construção de uma sociedade mais humana, solidária e coletiva.
No caminho percorrido pelo MST, nesses 31 anos de existência, em relação ao
trabalho educativo com as crianças, levantamos as seguintes questões:

43
Nome utilizado pelos camponeses e camponesas da Via Campesina como identidade de um projeto da
classe trabalhadora, o qual se diferencia do projeto da agricultura de negócio oferecida pelo sistema
capitalista.
69

- As suas atividades educativas têm proporcionado para as crianças ações contra-


hegemônicas no combate à indústria cultural?
- Na relação do trabalho como princípio educativo, tem desenvolvido a formação
humana nas crianças?
Reconhecemos que crianças dos assentamentos e acampamentos da Reforma
Agrária, vinculadas ao MST, possuem uma infância forjada nas condições concretas da
vida, no imaginário coletivo e na cultura de seu grupo social. Presentes em todas as
fases da luta pela terra, as crianças são compreendidas como protagonistas e
construtoras, junto com adultos, e, por essa razão, as ações da luta pela terra, por escola
no seu cotidiano, na sociedade de classes cujo poder dominante exige civilidade na
sociedade, questionar e lutar contrário à ideologia dominante é uma forma contra-
hegemônica e de resistência que no MST, ocorre desde a infância.
As crianças Sem Terra participam da vida do Movimento e vivem a coletividade
e a auto-organização no seu processo de formação. A referência do trabalho, em que as
relações são ditadas pelo capital, no caso da organização do MST, o sentido do trabalho
está ligado com a vida, com as relações humanas e não mercadológicas.
Para que as crianças fossem percebidas no MST, as práticas educativas foram
determinantes para o processo. Destacamos, nesta trajetória, a Ciranda Infantil,
realizada em 2005, na marcha nacional44 do MST, que provocou um questionamento
dos principais dirigentes nacionais em perguntar:
- Como estão “sendo cuidadas a nossas crianças”?
- Qual o lugar reservado para a infância no MST?
Questões colocadas ao MST para reflexão. Outras questões também se colocam,
como por exemplo:
- Qual o lugar da infância Sem Terra?
Esses questionamentos foram provocados através de textos internos, trazendo
uma reflexão coletiva do setor de educação sobre a infância nos acampamentos e
assentamentos para a direção e coordenação nacional do Movimento, resultando no 1º
Seminário Nacional sobre a Infância do MST, em 2007, na Escola Nacional Florestan
Fernandes.

44
Marcha Nacional de Goiânia a Brasília, algumas crianças apareceram com hematomas na Ciranda
Infantil, provocando um profundo debate nacional sobre a infância no MST. Esse aspecto fez com que o
MST produzisse o Caderno de Trabalho de Base n°1 (2011) para o debate com a sua base social, sobre a
infância.
70

1.3.1 Os instrumentos de luta da infância Sem Terra


No trabalho com as crianças, as práticas educativas e formativas que considero
instrumentos políticos de educação da infância Sem Terra, demarcam a ocupação da
infância no MST e que surge da negação da relação da institucionalidade da escola
burguesa, que nega a existência desse sujeito criança. A Ciranda Infantil e a Jornada dos
Sem Terrinha, conquistas das crianças nas últimas duas décadas, as quais se tornaram
referência no processo de organização das crianças Sem Terra e da luta contra-
hegemônica, vem influenciando outras organizações da Via Campesina, no Brasil e
internacionalmente.

a) A Jornada dos Sem Terrinha: organização e mobilização infantil


Em outubro de 1994, no período que se comemora o dia da criança, no Rio
Grande do Sul, o MST realizou a primeira mobilização infantil com crianças das escolas
de assentamento e professores, naquele momento chamado de Congresso Infantojuvenil.
Essa atividade ocorreu no período de aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), em 13 de julho de 1990, com a Lei 8069: “Crianças e adolescentes
do MST, ao estudarem nas escolas seus direitos, percebem a grande distância que existe
entre o que diz a Lei e o que vivenciam na realidade concreta. Descobrem que é preciso
mobilizar...” (MST, 1999, p.33). O encontro é demarcado através da revindicação de
audiências com o governador e a Secretaria de Educação para colocar a pauta
organizada com as crianças. Nos anos seguintes, a jornada ganha força e crianças e
adolescentes do MST lançam uma carta para as crianças da sociedade, contextualizando
a realidade da vida e a luta das crianças pela reforma agrária. A jornada se consolida no
MST, como uma forma de luta que acontece todos os anos nos Estados onde o MST
atua. Essa temática será abordada mais detalhadamente, no terceiro capítulo.

b) Ciranda Infantil
A partir da experiência dos Círculos Infantis cubanos, na década de 1990, o
Movimento pauta a construção de espaço educativo para as crianças pequenas, que em
1997 vai se chamar Ciranda Infantil, com a ação realizada no I Encontro Nacional dos
Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (ENERA). 45

45
Em 2015, foi realizado o II ENERA em Luziânia/GO. A Ciranda Infantil Paulo Freire comemorou 18
anos de existência no MST.
71

O que chamava atenção pra gente, lá em Cuba, era a ideia dos


Círculos e pra cá trazer como Ciranda, porque digamos ciranda é
uma coisa que está dentro da idiossincrasia da cultura brasileira. Nós
tínhamos a discussão de chamar de círculo. Porque a CPA ficou CPA
mesmo. Mas daí no diálogo do setor, avaliamos que aqui combina
melhor a ciranda que é uma palavra bem mais próxima da gente do
que círculo. Aqui tinha círculo bíblico, então o nome foi isso, foi
engatar numa ação que já existia no Brasil, feita pelas crianças e até
tem canções do Chico que trabalha muito bem essa ideia de ciranda
como espaço lúdico de vivências entre os pares com diferentes idades,
da dimensão do cuidado e assim por diante. Isso em relação ao nome
(KOLLING, 2015).

Caldart (2000) afirma, em sua tese, que outras experiências foram


experimentadas no cuidado com as crianças por uma necessidade objetiva, que se
referia à organização do assentamento, o processo produtivo que envolvia as mulheres e
a não oferta pelo sistema público de um espaço educativo para a educação infantil. O
MST organizou espaços de formação de educadores que passaram a discutir o projeto
pedagógico deste espaço e nas reflexões consideraram o nome creche não adequado ao
propósito educativo das crianças Sem Terra, pois considera a creche um “depósito de
criança”, pelo seu objetivo de criação. E é nesse contexto que o nome Ciranda vai sendo
gestado no MST.
Iniciativas com essa faixa etária já existiram desde os primeiros
acampamentos (afinal elas estavam lá!). Nos assentamentos que
passaram a discutir processos alternativos de organização de produção
e que incluíam a participação das mulheres, também começaram a ser
criadas novas formas de cuidar das crianças, sendo rodízio de mães e
as creches improvisadas em uma das casas talvez o embrião do que
viriam a ser depois as cirandas infantis do movimento. Foi já no andar
da década de 1990 que essa dimensão também veio a ser considerada
como tarefa do setor de educação. (...) No desafio de inventar outro
nome, certamente influiu a experiência cubana dos círculos infantis, já
conhecido de alguns membros do setor de educação. Logo veio então
o batismo: cirandas infantis, nomeando esse esforço de educar as
crianças pequenas segundo princípios que estava explícitos na
expressão ciranda, e que associam com igualdade, solidariedade,
brincadeira e muita alegria. (CALDART, 2000, p. 270).

A Ciranda é um espaço educativo para as crianças e seu funcionamento nos


assentamentos e acampamento, quando permanente, constituem-se a partir de uma
necessidade coletiva, seja nas cooperativas que conseguem dispor da liberação de
72

educadores para o trabalho com as crianças, nos Centros de Formação nos Estados, nas
cooperativas nos Coletivos de Mulheres, no Instituto de Educação Josué de Castro e na
Escola Nacional Florestan Fernandes. A Ciranda Infantil Itinerante se realiza nos
espaços de reuniões locais, estaduais e nacionais, congressos, encontros, marchas e
outros, de caráter pontual.

[...] o coletivo infantil é uma construção conjunta da qual participam


crianças, educadores e educadoras, com a Ciranda Infantil
constituindo uma referência para as crianças, pois possibilita a sua
participação na luta pela terra. A Ciranda se configura como espaço de
resistência e reafirmação da identidade tanto de Sem Terra, quanto de
ser criança. (ROSSETTO & SILVA. 2012 p. 125).
Esse espaço, desde então, tem proporcionado a participação efetiva das mulheres
nos diferentes processos da luta, proporcionando que a criança Sem Terra esteja
presente junto com a sua família e tenha uma formação infantil a partir do contexto da
luta do movimento popular. A Ciranda Infantil é um espaço que proporciona a criança
enxergar e chegar longe. No VI Congresso de 2014, a Sem Terrinha do Estado de
Alagoas, no relato da Educadora do setor conta que:

No início de 2014, a Sem Terrinha, então com 10 anos participou da


Ciranda Paulo Freire no VI Congresso Nacional do MST em
Brasília, havia ido com sua avó e era aquela sua primeira vez na
ciranda. No acampamento Patativa do Assaré, no município de
Maragogi, Alagoas, onde mora não havia Ciranda, mas havia
muitas crianças e não tinham pessoas formadas ou dispostas a
realizar as atividades com as crianças, havia sempre alguma
dificuldade. A vivência na Ciranda do Congresso foi tão
significativa e intensa que, ao retornar ao acampamento, a Sem
Terrinha levou junto na bagagem todas as músicas aprendidas,
palavras de ordem, além de um repertório pedagógico de atividades
que seguia o roteiro aprendido na prática a partir da experiência
com os(as) educadores(as). Assim, quando chegou ao acampamento,
tratou de organizar a Ciranda: arrumou o espaço no barraco e
convocou as crianças e logo iniciou com uma roda de conversa,
palavras de ordem e leitura de uma revista Sem Terrinha que havia
ganhado na Ciranda Paulo Freire. Repetia, ainda no limiar entre o
ser criança e ser educadora, todos os passos da rotina da Ciranda.
Fui ter conhecimento destes fatos quando a Sem Terrinha solicitou
que um adulto me ligasse solicitando materiais, livros e CDs para
que ela pudesse utilizar na Ciranda. As atividades passaram a ser
regulares, naquele período, vez em quando recebia alguma notícia
das brincadeiras e atividades da mais nova Ciranda do
73

Acampamento.O fato chamou atenção, tanto pela apropriação da


Sem Terrinha sobre a Ciranda quanto pela necessidade que ela
sentiu a partir de sua vivência de ter um espaço voltado para as
crianças no acampamento, inclusive para ela mesma. O que vinha
sendo tão difícil de ser desenvolvido pelos adultos, foi rapidamente
solucionado por ela, pela autonomia construída na experiência do
Congresso e a necessidade sentida. Encontrei a Sem Terrinha
participando de outras Cirandas nestes dois anos, Encontro
Estadual e mobilizações. O último lugar em que nos encontramos foi
então no Encontro Estadual da Juventude Sem Terra de Alagoas, em
novembro de 2015. Surpreendi-me pela rapidez com que o tempo
passa, mas também por como os espaços da infância são
importantes na formação dos sujeitos, como aquela menina era
"jovem" e ajudava a organizar agora a juventude do
acampamento.(POMÉ46, 2015).

A prática do trabalho com as crianças Sem Terra na Ciranda Infantil, além de


influenciá-las nas suas localidades, passou também a influenciar movimentos da Via
Campesina, no Brasil e internacionalmente. No Brasil, o Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Pastoral da
Juventude Rural (PJR), nas suas atividades estaduais e nacionais, têm garantido esse
espaço para suas crianças, como também é visível a maior participação das mulheres na
luta, estudando e se organizando. Em nível internacional, o Movimento Nacional
Campesino Indígena (MNCI)47, na Argentina, a partir da referência do MST, já
realizaram o ‘Congresito de los Niños’, fazem um trabalho educativo com as crianças
nas periferias de Buenos Aires e que tem apresentado uma possibilidade de formação
com as famílias das crianças, para a organização infantil, com a constituição no país de
um coletivo de educadores que vem trabalhando nas diferentes atividades dessa
organização. Na última atividade da Coordenação Latino-americana de Organização do
Campo (CLOC), em 2015, os educadores do MNCI garantiram a organização do
Congresito de los Niños na atividade internacional. Temos notícias que a experiência da
Ciranda do MST, no Brasil, tem contribuído na organização de ações junto aos
movimentos sociais campesinos: com as crianças na Guatemala, com as crianças
Guarani no Paraguai, as conferências internacionais e a Cúpula dos Povos. Todas elas

46
Luana Pommé, do Coletivo nacional de Educação no Estado de Alagoas.
47
Informação obtida na visita a Buenos Aires, em 2010, e conversações com educadores do Movimento
Campesino em 2014 e 2015.
74

tiveram a organização da Ciranda Infantil organizada pelo MST ou com referência na


organização do MST.
A Ciranda Infantil, desde a sua origem, foi organizada nos cursos formais em
parceria com universidades, com os cursos de EJA, graduação, especialização e
mestrado, na compreensão de que para as mulheres participarem dos estudos é
necessário o espaço da Ciranda Infantil. E, nesse processo de efetivar um curso para os
sujeitos do campo, a Ciranda é determinante. Além de ser um espaço de cuidados para
as crianças, é educativo na medida em que participam nas diferentes atividades das
organizações. E também é educativo, porque a luta pela escola e pela terra se colocam
nessas revindicações.
A Ciranda do VI Congresso do MST, em 2014, como mencionamos
anteriormente foi o lugar de brincar, jogar, conspirar, cantar e lutar. É desse lugar que
mais de 700 crianças de 0 a 12 anos, juntamente com mães e educadores, ocuparam o
ministério da Educação (MEC). As crianças ocuparam não para negociar, mas para
denunciar o descaso com a educação do campo e o fechamento das mais de 37 mil
escolas do campo no Brasil.
A Ciranda Infantil tem proporcionado um espaço de debate, de brincadeiras e
também de luta, segundo o lema que foi pautado pelas crianças na ocupação do MEC
para o conjunto do MST: “o agronegócio fecha escola do campo e fechar escola é
crime!”.

1.32 A ocupação do universo infantil na Comunicação e Cultura do MST48


As reflexões do MST sobre a criança, no seu processo histórico de constituição,
estavam voltadas às práticas educativas na perspectiva da educação socialista, marcada
pela pouca presença de produções de formação político-pedagógica. Por conta disso, ao
longo da existência do Movimento, foram produzidos alguns materiais como fitas K7,
CDs, livretos de cantigas infantis e literaturas. O que levou o MST a organizar essas
produções foi a realidade vivida nos acampamentos e assentamentos e a necessidade de
instrumentos de comunicação nesses e entre esses contextos. Além disso, a falta de
acesso a materiais que dialogassem com o próprio Movimento fez com que ele, por

48
Esse tópico teve como referência meu trabalho monográfico do curso de Especialização em Trabalho,
Educação e Movimentos Sociais (2013), intitulado A significação da Infância em documentos do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na qual realizamos um levantamento da produção do
MST relacionadas à infância.
75

meio do coletivo nacional de educação, experimentasse o exercício de produzir


coletivamente literaturas, canções infantis, reflexões sobre os processos educativos.
(RAMOS, 2013).
A produção coletiva dos materiais do setor de educação do MST certamente são
experiências que se fortaleceram com a visita a Cuba, iniciada em 1988, e
posteriormente no ano de 1995, pois, segundo Kolling, um grupo de educadoras e
educadores passaram alguns meses vivenciando e estudando num intercâmbio de
solidariedade internacionalista, conhecendo as práticas de educação em Cuba.

Daí, em 1995, eles fazem a Pedagogia nos anos ímpares, é um


Congresso, um evento internacional, que junta mais de 5 mil pessoas
e eles tem um know-how de fazer eventos, porque eles têm o Estado à
disposição, tem grandes teatros que cabem 5 mil pessoas, tem a
mística, todo mundo quer ir pra lá. Então, os argentinos, [a Argentina
era] o país que mais ia [educador], mas o Brasil também. Então em
1995, nós fomos pra lá, fomos uma delegação, foi a Lucia Camini, a
Roseli e eu.
Ficamos, além da semana do evento, ficamos mais uma
semana. Aí o foco foi conhecer. Fomos visitar escolas, fomos visitar
centro de educação infantil, e fomos conhecer com mais profundidade
a casa do José Martí, trouxemos um monte de texto etc...
Então, é nesse período que a gente fez o Boletim Escola
Trabalho e Cooperação, lá do Makarenko, a gente trouxe vários
livros do Jose Martí. Fizemos uma publicação que a gente ajudou
organizar sobre o pensamento e obra de José Martí. E a gente trouxe
com força essa ideia bem conhecida. O Rio Grande tinha feito o Sem
Terrinha, outro Estado começou a organizar a Ciranda, mas lá era o
Círculo Infantil... Muitos [de nós] já tínhamos visto quando fomos
estudar e então essa delegação que foi lá teve a oportunidade de
conhecer in loco o Círculo Infantil, o espaço dos Pioneiros, a
organização dos trabalhadores em geral. (KOLLING, 2015).

A socialização dessa experiência desencadeou ações concretas no conjunto da


organização, coordenada pelo Setor de Educação Nacional, resultando no Curso
Nacional de Pedagogia, realizado em Belo Horizonte, em 1994. Este curso contou com
várias oficinas de produções de arte e literatura para as frentes de Educação de Jovens e
Adultos (EJA), Educação Infantil e Educação Fundamental. Essas oficinas tiveram o
objetivo de fazer produções coletivas para as diferentes idades49 (RAMOS, 2013).

49
Informação obtida por meio de conversa com o Coordenador do Setor de Educação Nacional, Edgar
Kolling, São Paulo, 22 de março de 2013.
76

a) As Canções infantis: Uma das linguagens bastante utilizadas no processo de


comunicação e cultura do MST está registrada na primeira Fita K7, nomeada
‘Plantando Ciranda’, resultado de um trabalho coletivo realizado na oficina de
educação para produções de músicas infantis e literaturas, que aconteceu em 1994. A
segunda versão desse processo de musicalização infantil, agora em formato CD,
Plantando Ciranda 2, foi produzido em 1998, com composições de caráter individual e
com a participação de artistas amigos do MST. As canções se apresentam em uma
linguagem infantil e trazem, como elementos fundamentais: os animais, a floresta, a
terra, a brincadeira. A terceira produção musical da infância foi o CD Plantando
Ciranda 3, produzido em 2014, que contou com o Fazer Com as Crianças desde a
elaboração das músicas, da melodia à gravação do próprio CD.
b) As Literaturas Infantis: As primeiras produções de literatura para a infância datam
de 1994 e têm como principal temática os conteúdos relativos à história do Brasil.
Foram produções direcionadas para as escolas por conta da realidade de escassez deste
tipo de material e da necessidade dos Sem Terrinha terem acesso à literatura, nos
acampamentos e assentamentos, bem como para o trabalho pedagógico desenvolvidos
com as crianças em seus diferentes espaços. Através do setor de educação, foram
organizadas algumas coleções como Fazendo Escola; Fazendo História; Caderno de
Educação; e Boletim de Educação. Produções da coleção Fazendo História, por
exemplo, são compostas por seis livros destinados às crianças dos acampamentos e
assentamentos.
A partir do V Congresso Nacional do MST (2007) e do 1° Seminário Nacional
sobre a Infância (2007), os setores de Cultura, Comunicação e Educação têm produzido,
nos últimos oito anos, um material específico para as crianças. O primeiro material de
caráter coletivo foi o Jornal das Crianças Sem Terrinha, publicado em outubro de 2007.
No ano seguinte, as edições foram incorporadas como encarte ao Jornal Sem Terra¸ de
periodicidade mensal, e passaram a contar com um planejamento temático com
objetivos de ser não somente para, mas também das crianças. O Jornal das Crianças
Sem Terrinha é uma novidade em um movimento camponês por ter encarado o desafio
de escrever para crianças e adultos.50

50
O Jornal das Crianças Sem Terrinha, por ter uma linguagem acessível, em alguns acampamentos vem
sendo trabalhado na formação, como também para contar a história do MST de forma mais objetiva para
as visitas internacionais que passam pela secretaria nacional.
77

Outro material produzido pelo MST, direcionado às crianças, é a Revista Sem


Terrinha. Em 2009, foi publicada a 1ª edição, com o objetivo de ser uma produção
voltada para as crianças, com uma periodicidade anual. Trata-se de uma produção, de
orientação para os encontros dos Sem Terrinha e sua publicação ocorre entre
setembro/outubro, atualmente na sua 8ª edição, que procura trazer a história, contada de
forma crítica, dos movimentos sociais do Brasil e dos outros países, por meio da arte,
das brincadeiras e de jogos, com a intenção de garantir que as escolas tenham acesso à
revista como também aos diferentes espaços educativos das crianças do MST.51
Nesse movimento da comunicação infantil, foi organizado também, na página de
internet do MST, o link dos Sem Terrinha52 que permite acesso às produções infantis.
A infância no MST tem a sua particularidade de ter o Setor de Educação que
pauta questões relevantes para o conjunto do MST. E a Frente da Infância vai ganhando
espaço de debate, pontuando questões da realidade conjuntural, provocando os
diferentes setores do MST em se manifestar sobre “a criança no desenvolvimento do
sistema capitalista e Brasil”. A exemplo do II seminário Nacional da Infância Sem
Terra, realizado em 2014, que colocou os seguintes desafios: a formação da base social;
infância, intersetorialidade e organicidade geral; formação de educadores; inserção da
juventude nas tarefas da infância; relação de gênero; violência; política pública;
princípios educativos do trabalho; agroecologia e alimentos saudáveis; infância do
campo; infância, comunicação relação com a sociedade; cultura. (MST, 2014, p. 128-
130)
Ao longo das últimas três décadas, o MST ocupou o latifúndio da terra, resistiu à
expropriação do capital,à propriedade privada e à concentração fundiária, reelaborou e
aprovou, em 2014, o seu programa agrário, elencando oito objetivos às lutas do próximo
período, tendo como pauta central as mudanças estruturais: a Terra “dever estar sob
controle social”; os Bens da natureza, como a “água e as florestas nativas” são bens
naturais e não deve ser tratados como mercadorias; as Sementes não devem ser de
“propriedade privada” ou de controle econômico”; a Produção, ser de controle dos
trabalhadores, “abolição da exploração, a opressão e a alienação”; a Energia, lutar pela
“soberania popular em cada comunidade”; a Educação e Cultura “o conhecimento deve
ser um processo de conscientização, libertação e de permanente elevação cultural de
51
Em anexo, ver síntese da produção de materiais Sobre, Para e Com a Infância do MST. Monografia de
conclusão de Curso – Márcia Mara Ramos.
52
link http://antigo.mst.org.br/semterrinha
78

todos e todas que vivem no campo”; ter todos os Direitos Sociais “previdenciário, e
trabalhistas garantidos”, o “combate à alienação”, “condições digna e jornadas
adequadas” “combate ao trabalho escravo e expropriação de todas as fazendas e
empresas que fazem uso dessa prática” e combater todas as formas de violência contra
as mulheres e as crianças”; e, as Condições de vida para todos e todas, “o campo deve
se constituir num local bom de viver, onde as pessoas tenham direitos, oportunidades e
condições de vida digna”. (MST, 2014, p.35-36-37).
A prática educativa desenvolvida pelo MST, no contexto do trabalho de
formação com as crianças Sem Terra, vinculadas à luta pela terra, desde a origem do
MST, tem a presença da luta internacionalista, de uma pedagogia em construção e
movimento que forja no seu processo educativo a realidade concreta da vida das
crianças que vão ocupando espaços que foram construídos como alternativas de
resistência à pedagogia burguesa. A disputa da educação política da infância, filha da
classe trabalhadora do campo, materializada na Pedagogia do Movimento, e, nesse
percurso, se apresenta como uma necessidade de luta permanente que vem sendo
demarcado na proposta educativa do MST.
79

CAPÍTULO 2

A LUTA DE CLASSES TAMBÉM OCUPA A INFÂNCIA

Fonte: Setor de educação 2014. Escola do Campo no Maranhão.

O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro,


para que se acostumem a atuar como o dinheiro atua.
O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo,
para que se transformem em lixo.
E os do meio, os que não são ricos nem pobres,
conserva-os atados à mesa do televisor,
para que aceitem desde cedo, como destino, a vida prisioneira.
Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças.
(Eduardo Galeano).
80

A educação que a burguesia vem pensando para os filhos da classe trabalhadora através
das ações políticas, sociais, culturais e econômicas na relação capital e trabalho, até os
dias hoje, tem como intencionalidade estabelecer um meio de dominação e hegemonia
da ideologia burguesa na formação de indivíduos padronizados, individualistas e
competitivos. Tais características demarcam um intenso processo de despolitização, de
desmobilização social e perda da concepção da luta de classes.
A educação burguesa destinada para a classe trabalhadora nos remete a refletir:
- O que é ser criança, filha da classe trabalhadora, hoje, no Brasil?
- Que lugar está reservado para a sua formação humana? Em qual projeto social
ela está inserida?
- Qual o papel que as instituições do agronegócio têm cumprido na educação dos
filhos da classe trabalhadora do campo, para as crianças que estão no campo, que não
estão isoladas da realidade social, embora as condições básicas sejam as mais precárias?
- E, nesse contexto, como os trabalhadores e trabalhadoras, em especial os do
campo vinculado ao MST, têm enfrentado as contradições na atualidade em relação à
exploração infantil e à cultura da fetichização da infância?
- Como a pedagogia do capital está tendo abertura para fazer a formação
ideológico-pedagógica no campo?
- De que forma ela chega e se disseminar pela educação básica brasileira?
Nesse capítulo, iremos refletir de que maneira o projeto de educação dominante,
no Brasil, tem incidido na formação das crianças da classe trabalhadora, em particular
as que vivem no campo. Com surpreendente efeito, da fusão da educação com os meios
de comunicação e cultura industrial, como que a criança na última década foi se
tornando uma frente consumidora importante para o capital.

2.1. A educação como um instrumento hegemônico do capital


No Brasil, a educação esteve atrelada aos interesses do projeto de outras
sociedades, europeia e norte-americana, com ideologia conservadora, dominante,
excludente e com a ideia de desenvolvimento e democracia. Cumpriu com o objetivo de
formadora, no primeiro momento catequizando os povos originários e os povos
africanos aqui escravizados. As ideias pedagógicas jesuíticas não eram somente
derivações de concepções religiosas, mas também das condições de um país
condicionado a entrar no mundo imperial português. E três elementos foram
81

fundamentais para a formação de prática educativa dos jesuítas: a colonização, a


catequese e a educação que direcionaram tal formação para a educação brasileira
(SAVIANI, 2011).
Inicialmente, a colonização portuguesa com a ideologia religiosa católica
direcionou, através da catequização dos povos nativos, uma orientação para o processo
de escravidão e que resultou em ações violentas, desumanizadoras, que marcam
profundamente a história do povo brasileiro:

O Brasil tem nas suas raízes agrárias uma dimensão particular no


sentido da definição do seu processo educacional. Pela mão armada, a
classe dominante subjugou as línguas e as culturas nativas: sufocou as
línguas e as culturas dos escravizados e emigrantes e, estabeleceu a
ordem, a língua e a religião do império português (BOGO, 2013, p.
91).

A educação religiosa, no Brasil, teve quatro séculos para formar e enraizar a


cultura brasileira, sendo que, no final desse período, somente 0,1% da população
brasileira acessou a educação, excluídos desse processo as mulheres, escravos e os
negros livres que historicamente para ter acesso a educação, ocorreu muitas lutas e até
os dias atuais se vive o reflexo de um país o qual o seus governos não priorizaram a
educação. (SAVIANI, 2011). A educação sempre esteve atrelada ao processo histórico
do Brasil, ao projeto de sociedade nos diferentes momentos, portanto, sempre cumpriu
com os interesses dominantes.
No contexto da revolução burguesa no século XVIII, a escola básica era
entendida como “direito social e subjetivo, o acesso universal, público, gratuito e laico”
(FRIGOTO, 2014, p.53), porém a educação, no Brasil, desde a sua origem esteve a
serviço das classes dominantes em cada período. Somente no século XX a educação
brasileira, através da expansão da rede escolar, ampliou o acesso de forma mais
significativa. Em um primeiro momento, com o movimento53 “entusiasmo pela

53
São dois movimentos que surgem na Primeira República - 1889 a 1930. Período de expansão de
lavouras cafeeiras, redes telegráficas e transição de Império para República. Eles surgem em função das
ideias liberais e do novo regime político republicano. O Movimento denominado por Nagle (1974), de
“Entusiasmo pela educação”, tem um caráter quantitativo com a ideia de expansão da rede escolar e
desalfabetização. O movimento “Otimismo pedagógico” tem um caráter qualitativo de melhorias das
condições didáticas e pedagógicas da rede escolar. Esses dois movimentos têm base nas ideias liberais,
“cuja base é a extensão universal” de controle do Estado e a educação é como “instrumento político de
82

educação”, de caráter quantitativo, para o qual educação era considerada mola


propulsora principal para o desenvolvimento de um país de pessoas não alfabetizadas,
um instrumento político para atender aos interesses das três forças vigentes desse
período: o “Exército, os fazendeiros do Oeste Paulista – cafeeiros – e os intelectuais da
classe média” (GHIRALDELLI, 1990, p. 17). Esse período consiste na transição do
Império para a República em que se reafirmam as ideias liberais, com uma população
brasileira que chega a 75% de analfabetismo.
Do “entusiasmo pela educação”, não obtendo um resultado satisfatório, pois se
analisava que o processo estava desconectado do pedagógico, e nesse sentido, num
segundo momento cria-se o movimento do “otimismo pedagógico” com análise no
processo anterior da educação em massa que teria um caráter qualitativo para direcionar
as “melhorias das condições didáticas e pedagógicas” da rede escolar. Os dois
movimentos passaram a pensar a educação com objetivos claros no aspecto da
“erradicação do analfabetismo”, de interesse das três forças vigentes, em fazer a
formação ideológica condicionada aos processos eleitorais menos democráticos, como
“votos de cabresto, corrupção, fraude eleitoral, voto não secreto etc.” (GHIRALDELLI,
1990, p.17).
A educação, no Brasil, que aparece como salvadora de um problema social, o
analfabetismo, no “meio rural”, em sua maioria, tem o elemento da massificação da
educação e de um pensamento nacionalista, mas que na sua essência, desde a origem da
colonização brasileira sofre intervenções internacionais.

[...] a educação para conter a migração e fixar o homem no campo. E a


educação foi pensada para o meio rural onde inicia o “ruralismo
pedagógico” como tentativa de fazer o homem do campo compreender
o “sentido rural da civilização brasileira” e de reforçar os seus valores a
fim de prendê-lo à terra (PAIVA, 1973, p.127).

Os processos formadores das estruturas econômicas constituídas por uma


necessidade da classe dominante, na década de 1930, expulsam trabalhadores e
trabalhadoras do meio “rural” que são orientados especialmente pelo grande projeto de

participação e transformação” através da escola, dos “indivíduos ignorantes em cidadão esclarecidos”


(Ghiraldelli, 1990; Saviani, 2011).
83

desenvolvimento “modernizador”, junto às forças internacionais do capital, para


atenderem aos interesses da oligarquia agrária e industrial. O projeto de
desenvolvimento e modernidade para o país tem a educação como essencial na
formação para o trabalho.
A transição para o século XX e o processo de industrialização até a década de
1930 fazem parte da evolução interna do capitalismo competitivo que torna perceptível
com a chamada revolução industrial e seus desdobramentos através da expansão da
tecnologia e do trabalho especializado. A base do capital encontra-se na exploração do
trabalho, o que não se realiza sem contradições, expressa, por exemplo, na luta social da
classe trabalhadora na revindicação dos direitos sociais e trabalhistas. Para conter essas
lutas, o Estado que está a serviço do poder das classes dominantes, através das Forças
Armadas, amortece a luta política e social, porém não consegue esconder as
contradições e desigualdades sociais no campo e cidade, fortalecidas pelo
desenvolvimento do capital.
Para os pobres do campo, é relegado o “trabalho escravo e braçal” enquanto que
para as elites oligárquicas fica reservado o “trabalho intelectual” (ROMANELLI, 1984).
Mesmo com a modernidade, que exigiu força de trabalho qualificada, a educação nunca
esteve vinculada à construção de uma sociedade crítica, livre e autônoma, embora
sempre existisse a luta por outro projeto social.
O projeto de educação brasileira tem as marcas de um processo histórico com
base na colonização e de um Estado burguês, que define a educação com cunho
adestrador, desde a sua origem. A educação como prioridade para interesses
dominantes, se expressa na aprovação das leis orgânicas do ensino com direcionamento
à formação educacional, até os dias de hoje, para a classe trabalhadora do campo e
cidade, esta especialmente voltada aos interesses econômicos do capital, representados
pela indústria, comércio e agricultura.

As leis orgânicas que estruturaram o ensino técnico-profissional


começaram a ser promulgado em 1942. a) em 30 de janeiro de 1942, o
decreto-lei n° 4.073 organizava o ensino industrial (lei orgânica do
ensino industrial); b) em 28 de dezembro de 1943, saía a Lei Orgânica
do Ensino Comercial, pelo decreto-lei n° 6.141; c) e, em 20 de agosto
de 1946, findo, portanto, o Estado Novo, saía o decreto-lei 9.613,
chamado Lei Orgânica do Ensino Agrícola. Esses três decretos
84

organizaram o ensino técnico profissional nas três áreas da economia


(ROMANELLI, 1984, p. 154- 5).

Os decretos e as leis orgânicas direcionaram a formação profissional no Brasil


de acordo com os interesses do desenvolvimento industrial. Com as reformas de
Francisco Campos, diante da criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, na
década de 1940, e algumas leis e decretos aprovados, por conta do alto índice de
analfabetismo, a educação foi fundamental para elevar o nível cultural da sociedade em
um país em “desenvolvimento”.
A escola pública gratuita, laica e obrigatória seria uma vitória da classe
trabalhadora em seu processo de luta histórica, porém contraditoriamente, uma vez que
essa educação, relacionada ao projeto de modernização atrelada aos interesses
dominantes, vai direcionar o ensino para os filhos da classe trabalhadora e diferenciá-los
dos das elites,

Lei Orgânica do ensino secundário, 9 de abril de 1942. O que constitui


na sua função é formar adolescente uma sólida cultura geral, elevar a
consciência patriótica e a consciência humanista. Um ensino capaz de
dar ao adolescente a compreensão dos problemas e das necessidades, da
missão e dos ideais da nação. [...] O ensino primário, decreto de 2 de
janeiro de 1946, O Ensino primário não recebeu atenção do Governo
Central, ficando a administração dos Estados. Ausência de diretrizes
que gerava uma desorganização do ensino e cada Estado inovava ou
abandonava [...] Escola Normal existente no Brasil, a primeira foi
criada em 1830 em Niterói, sendo a pioneira na América Latina e
pública. Sendo que nos Estados Unidos o que existia era particular. Até
1881, foi criado dezenas de escolas nos Estados (ROMANELLI, 1984,
p. 157, 160,163).

As leis e decretos direcionam a formação esperada da escola pública para a


classe trabalhadora, com ideário de uma cultura geral na elevação de uma consciência
patriótica e de nação para ensino secundário que é de certa forma o espaço de
preparação para o trabalho de uma classe em potencial – operária. O ensino primário,
como não tem um “vínculo” direto com o trabalho, não foi dada tal importância como
foi dado ao ensino médio. No que se refere à formação da criança com direcionamento
nacional ficou sem uma responsabilidade do Sistema Nacional de Educação, que
historicamente foi de obstáculos econômicos, legais, filosóficos e políticos para a classe
trabalhadora e que se manifesta através da característica estrutural da política
85

educacional brasileira na descontinuidade, configurada nas reformas e na mentalidade


pedagógica que, na segunda metade do século XIX, se manifesta com força e
inspirações no projeto de desenvolvimento e pensamento tradicionalista, liberal e
cientificista (SAVIANI, 2014, p. 34-40).
No que se refere ao ideário dominante, o público e o privado se misturam. Os
processos de reformas e aprovação das leis refletem o momento histórico, mas
principalmente ao ideário dominando. As leis orgânicas da indústria foram aprovadas
quatro anos antes da lei do ensino primário, no Brasil. Essa posição política é reveladora
do papel da educação no contexto de industrialização. Com a expansão da
industrialização, a exigência mínima de qualificação do operariado para a inserção do
trabalho ocorre num processo paralelo de formação organizado pela indústria. E os
decretos são aprovados para atender à demanda imediata da indústria no Brasil:

1942, criação do SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem


Industrial. Decreto-lei 4.042 de 22 de janeiro. [...]. Outro decreto-lei, n°
4.436, de 7 de novembro de 1942, ampliava o âmbito de ação do
SENAI, determinando que as escolas atingissem também o setor dos
transportes. [...] 4 anos depois do SENAI, o governo criava outro
Decreto-lei n° 8.621 de 10 de janeiro de 1946, o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial – SENAC (ROMANELI, 1984, p. 166 - 167.
Grifos nossos).

As marcas do processo histórico no Brasil estão presentes nos diferentes


períodos de desenvolvimento econômico e político, instituídos pela necessidade do
capital e que não separa a educação do seu projeto, ao contrário, ela é um instrumento
utilizado como formadora das consciências na perspectiva do trabalho explorado e
alienado. No século XXI, é explícito o papel da educação no contexto do
desenvolvimento para o capital, suas raízes estão ligadas na história da descontinuidade
educacional, da negação ao acesso a educação, da sutileza na junção do público/privado
e da educação como uma importante mercadoria para o capital.
No Brasil atual, tornam-se visíveis os efeitos da chamada “modernidade”. A
urbanização que respira desenvolvimento e convive com as desigualdades sociais,
modificando a vida das pessoas e suas relações condicionadas ao tempo determinado
pelo mundo do trabalho capitalista. Com todo esse investimento de recursos públicos no
Brasil, os índices apresentam um quadro educacional alarmante. O analfabetismo, de
86

acordo com os dados do IBGE54 em 2012, é de 8,3%, correspondente a 13,2 milhões da


população; o ensino médio, que foi o mais fortalecido em 1942, hoje no Brasil, se
apresenta como um quadro crítico e preocupante: aproximadamente 18 milhões de
jovens55 estão fora da escola, considerado pelas estatísticas do Estado burguês abandono
ou evasão escolar.

De fato, o padrão de acumulação, na ótica dos setores dominantes,


prescinde da formação com maior complexidade científica e cultural
da juventude trabalhadora. A ideia geral é que a grande maioria dos
postos de trabalho é constituída por atividades que requerem modesta
escolarização. A educação, focalizando os arranjos produtivos locais
(cuja expressão educacional mais relevante é o Pronatec56, sob direção
do Sistema S57) pode ser menos sofisticada (conformando arranjos
educacionais locais), assegurando o que a pedagogia hegemônica
denomina de competências básicas, vinculadas ao aprender a
aprender, analisadas por Newton Duarte, sem a universalização de
conhecimentos científicos explicativos dos processos naturais e da
sociedade (LEHER, 2014, p. 75).

Na educação infantil, com a obrigatoriedade aprovada através da Lei nº 12.796,


de 4 de abril de 2013, os pais são responsáveis por colocar os filhos na escola, a partir
dos quatro anos de idade, porém o acesso é limitado para área urbana por falta de
estrutura física e pedagógica. No campo, com o quadro alarmante do fechamento das
escolas, o acesso à educação infantil chega ser considerado (quase) um “privilégio” para
essas populações.
O empresariamento da educação, nas últimas duas décadas, ganha mais força no
Brasil e fica visível a aposta do capital na mercantilização da educação pública
brasileira, considerando que a educação é uma frente politizadora e parte estratégica
revolucionária no século XXI (LEHER, 2014). E, desde a educação infantil à
universidade, têm se tornado espaço de luta, resistência no enfrentamento à privatização
da educação pública, e que a luta dos estudantes e da classe trabalhadora, como um

54
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
55
Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?t=abandono-escolar&vcodigo=M15
Acesso em 09/12/2015 as 9h54.
56
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego criado em 2011 pelo Governo Federal.
57
Fazem parte do Sistema S: O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do
Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio
(Senac). Existem ainda os seguintes: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional
de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço Social de Transporte (Sest).
87

todo, tem tido, como resposta a essa forma de democracia, a violência da força militar,
mantida pelo Estado, determinado pelo poder dominante burguês.

A despeito de que os empresários sempre estiveram tentando interferir


nos processos educacionais desde os tempos da teoria do capital
humano, o que pode estar havendo de novo que esteja motivando um
redobramento interesse do empresariado pela educação? (...) O atual
interesse dos empresários tem aspectos específicos que merecem ser
examinados. Não é recomendável que acreditemos que a “história está
se repetindo”. Tal linearidade de análise nos desanimaria para o
enfrentamento local das contradições que estão postas por esta nova
escalada do capital sobre a educação. (...) No caso do Brasil, as
corporações fizeram uso da exploração de bolsões de mão de obra
barata, como a população do campo e as forças de trabalho feminina,
entre outros. Nesta faceta, os empresários não necessitam de uma boa
estrutura educacional. (...) O conflito se amplia, porque, para os
empresários – à imagem e semelhança de sua empresa – tudo é uma
questão de gerenciamento e competição (FREITAS, 2014, p. 62-63).

No campo, que de certa forma vive outro tempo no aspecto da produção


agrícola, há a falta de acesso à mínima infraestrutura não efetivada pelo
desenvolvimento, cuja colonização e a concentração fundiária afetam a população
brasileira como um todo. A luta pela terra e a resistência para sobreviver no campo é
vigente nesse tempo em que o predomínio da agricultura de mercado está em pauta na
grande estrutura do Estado burguês. Embora os agricultores familiares, ribeirinhos,
assentados da reforma agrária, quilombolas, povos originários, meeiros, arrendatários,
representem uma produção agrícola de 70% de alimentos para o país58, esses
trabalhadores enfrentam uma realidade contraditória no que se refere aos direitos e
incentivos para permanência no campo. E, para continuar sobrevivendo, precisam lutar
permanentemente para obter acesso às políticas públicas de créditos agrícolas, de
conquista da terra e contra a criminalização dos povos que vivem e querem permanecer
no campo. Já os empresários do grande capital que produzem eucalipto, soja, cana-de-
açúcar e milho, têm grandes investimentos e financiamentos apoiados pelo Estado
burguês. A sua base está alicerçada na concentração fundiária e na ultraexploração do
trabalho para a reprodução da classe trabalhadora e produção para o agronegócio. A

58
Disponível em: Portal Brasil –http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/07/agricultura-
familiar-precisa-aumentar-vendas-e-se-organizar-melhor-diz-secretario Acesso em: 07/12/2015 às 13h.
88

grande contradição está exposta no campo brasileiro diante das relações entre trabalho e
capital.
As desigualdades são visíveis, são duas estruturas claras, porém desiguais. O
projeto da classe dominante detém a força de trabalho, os meios de produção com
grandes e potentes maquinários para a produção de monocultura e a terra, em grande
quantidade, como propriedade privada. Por outro lado, a classe trabalhadora detém a
força de trabalho e a possibilidade de mobilização com organização contrária à
exploração do trabalho. E a pequena agricultura, produzida pelos povos do campo, não
tem uma política agrícola que atenda à demanda dos agricultores, não tem uma
produção com seguro, nem sempre tem a terra e muito menos maquinário para o
trabalho nas lavouras. A produção está voltada para a cultura de grãos, hortaliças,
frutíferas e pequenos animais, que é o básico da alimentação brasileira e, junto a isso, a
dificuldade de mobilização e organização social dos trabalhadores do campo, no sentido
da luta pelos seus direitos.
A compreensão de que a educação não está desassociada do contexto histórico,
social e econômico de uma sociedade, e que ela faz parte do projeto social é
fundamental para compreendê-la em sua totalidade. A educação, como instrumento de
poder ideológico dominante, desde a colonização, vem formando uma concepção de
indivíduos e de mundo para manutenção da sociedade do capital. No campo, é
necessário compreender o lugar da educação dos trabalhadores, a ideologia dominante,
representada atualmente pelo agronegócio, que, para Chã & Villas Bôas,

O Estado cumpre papel fundamental de sustentação deste setor, sendo


que, além dos elevados financiamentos, é parceiro na divulgação da
imagem que o agronegócio constrói de si mesmo, permitindo a
existência de tais projetos educacionais nas escolas públicas e
transferindo assim às empresas a tarefa de educar/adestrar a classe
trabalhadora. (CHÃ & VILLAS BÔAS, 2015, p.103).

A educação brasileira, que historicamente vem sendo questionada e denunciada


pelos trabalhadores da educação, no projeto desenvolvimentista e modernizador, no
contexto atual, a prioridade é a educação de mercado, e no campo, especialmente, de
uma estrutura precarizada e de abandono para as populações que vivem nesse espaço.
Portanto, faz-se necessário a classe trabalhadora lutar contra o projeto antagônico da
89

classe dominante para a educação, disputando-a com o capital, apresentando outro


projeto alternativo para a educação.
Os programas atuais do governo federal vão nessa direção, como por exemplo, a
propagando em rede nacional de “escola para todos”, que, todavia, é um sonho, que
nas reunião e encontros do Ministério da Educação (MEC) é apresentado sob a forma de
arquiteturas de escolas que serão construídas no campo, porém, muito poucas saíram
dos computadores dos arquitetos do MEC, para efetivação. Como também os diferentes
transportes escolares (barco, bicicletas, ônibus rurais) que são destinados aos
municípios e muitas vezes chegam até as prefeituras, mas são utilizados para outras
finalidades. Diante desse quadro, por mais que seja prevista uma fiscalização pública
dos projetos, quando implementados, o acesso ao transporte escolar, além de
terceirizado é um risco para a vida humana. Pequenas crianças muitas vezes, como por
exemplo, nos assentamentos do MST, são transportadas em veículos sem documentos,
sem um responsável para acompanhá-las e em condições precárias de funcionamento.
Os ônibus não têm freio, as luzes estão queimadas, os bancos sem condições de uso. E
em muitos casos, como os Estados do Pernambuco, Maranhão, Alagoas e Ceará, o
transporte escolar, em pleno século XXI, se realiza em veículos denominados de pau-
de-arara, como denunciam as próprias famílias.
A infraestrutura precária da escola do campo, com poucos investimentos quando
não são fechadas, convivem também com uma visível desqualificação profissional,
derivados do abandono do Estado na formação dos professores. O quadro educacional
do Brasil, na análise de pesquisadores e intelectuais da educação, tem afirmado a
“educação como mais uma mercadoria do capital”. Para Leher (2014)59, o capital na
educação tem como organizador a sociedade civil através do “Movimento Todos pela
Educação”, representado pelos setores financeiro, agronegócio, mineral e meios de
comunicação, que defendem um projeto de educação de classe, obviamente
interpretando os anseios dos setores dominantes.
No caso do campo, atende à demanda do agronegócio e tem o aparato estatal
para garantir a efetivação desse projeto. Para Neves (2005), a nova pedagogia da
hegemonia do capital, tem o Estado capitalista como “educador” da classe que
desenvolve ações concretas para a sociedade civil a serviço do capital.

59
Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/07/01/grandes-grupos-economicos-estao-ditando-a-
formacao-de-criancas-e-jovens-brasileiros.html Acesso em: 06 de julho de 2015.
90

Essa mesma politização da sociedade civil contribuiu para que o


consenso ou adesão espontânea de indivíduos ou grupos aos projetos
das classes sociais em disputa na sociedade civil (e também no Estado
em sentido estrito) passa a se constituir, ao mesmo tempo, em
importante instrumento de dominação da classe burguesa para a
consolidação de sua hegemonia na sociedade contemporânea, e em
poderoso meio de emancipação política da classe dominante na
construção de uma hegemonia: a direção intelectual e moral, política e
cultural da classe trabalhadora. (NEVES, 2005, p. 24).

Os movimentos sociais do campo, continuadores da luta pela terra, fazem o


enfrentamento ao capitalismo pela necessidade de ter trabalho, que permite adquirir
direitos necessários, como também a perspectiva da construção de outro projeto social
da classe trabalhadora, lutando por um projeto no qual as pessoas, incluso as crianças
possam ter dignidade. Esse processo da contra-hegemonia, como argumenta Neves
(2005), está atrelado aos projetos do Estado burguês que institui, através da sociedade
civil, fóruns de debate e se reafirma o consenso de tais ideias direcionadas pelo poder
dominante com a aprovação da sociedade civil através da sua participação nesses
espaços da social-democracia. Neves afirma que,

A pedagogia contra-hegemônica, por sua vez, apesar de garantir


expressivas vitórias em formações sociais periféricas, foi perdendo
seu poder de persuasão nas formas capitalistas centrais e, finalmente,
com a queda do muro de Berlim e com o fim da União Soviética, vem
tendo muita dificuldade para convencer a classe trabalhadora de que
processos como a expropriação, a exploração e a dominação por ela
vivenciadas são historicamente construídos, como resultado da
hegemonia burguesa. (NEVES, 2005, p. 31).

Faz-se necessário construir práticas contra-hegemônicas no sentido amplo da


luta de classe, como também e, em particular, no campo educacional. Embora seja
fundamental a existência das práticas para o acúmulo e fortalecimento de classe,
enquanto lutadora por sua existência e construtora de outro projeto social, é vital não
perder a dimensão de totalidade, pois o capitalismo atua de diferentes formas,
internacionalmente. Nesse sentido, o projeto educativo da classe trabalhadora,
primeiramente, deve estar atrelado ao projeto de sociedade, e vinculada à luta
organizada e ao processo de formação humana.
91

Os trabalhadores do campo, organizados através dos movimentos populares 


no caso do MST que desde 1984 revindica a escola dentro dos acampamentos e
assentamentos de reforma agrária , iniciam um processo a partir da sua realidade de
luta pelo direito à educação, mas não de qualquer educação. Por isso, as experiências
socialistas como uma concepção de educação contra-hegemônica, a educação popular,
junto com outras referências configuram a Pedagogia do MST. E, com o objetivo de um
projeto maior, tendo a realidade do campo como sua principal materialidade, provocada
pelo I ENERA60, no ano de 1997, constrói-se a Articulação Nacional por uma Educação
do Campo, com a realização da I Conferência Nacional, em 1998, em Luziânia (Goiás).

A Educação do Campo nasceu das experiências de luta pelo direito à


educação e por um projeto político pedagógico vinculado aos
interesses da classe trabalhadora do campo, na sua diversidade de
povos indígenas, povos da floresta, comunidades tradicionais e
camponesas, quilombolas, agricultores familiares, assentados,
acampados à espera de assentamento, extrativistas, pescadores
artesanais, ribeirinhos e trabalhadores assalariados rurais. (FONEC,
2012, p.3).

Como menciona o relatório do Fórum da Educação do Campo, esse processo


envolveu várias organizações sociais e foi demarcando um território de educação que se
contrapõe à educação rural e à pedagogia do capital através das pessoas que vivem no
campo e que lutam para sobrevivência. A educação do campo foi uma forma encontrada
de um posicionamento daqueles e daquelas que não tiveram acesso à educação e que,
através do debate e da intencionalidade da luta, resistem para não serem expulsos e
assassinados em seu território, lutando para se tornarem sujeitos da sua história.
No II ENERA, o MST reafirma 15 compromissos com a educação brasileira no
Manifesto61 dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária:

Continuar lutando por uma sociedade justa, democrática e igualitária;


lutar contra qualquer tipo de reforma neoliberal; combater o modelo
do agronegócio; construir Reforma Agrária Popular; trabalhar pela
agroecologia como matriz tecnológica; combater a privatização da

60
I Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agráriarealizado, em 1997, na UNB em Brasília.
61
O Manifesto foi elaborado durante os encontros regionais e estaduais em preparação ao II ENERA. Os
debates da conjuntura educacional brasileira proporcionaram reflexões e proposições para o próximo
período. O Manifesto foi aprovado no II Encontro Nacional dos educadores da Reforma Agrária em
Luziânia Goiás, 2015. Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/10/01/educadores-da-reforma-agraria-
lancam-manifesto-pela-educacao-durante-o-2-enera.html
92

educação pública em todas as suas formas; defender a destinação de


verba pública exclusivamente para a educação pública; seguir
denunciando que fechar escolas é crime; trabalhar pela alfabetização e
políticas públicas; defender uma educação emancipadora para os
trabalhadores do campo e da cidade; seguir na construção de uma
escola ligada à vida; lutar contra todo tipo de violência e preconceito
étnicos e raciais, glbtfóbicos e de gênero; participar das lutas dos
trabalhadores da educação; destacando-se o décima quinto
compromisso:
Seguir trabalhando pela Pedagogia do Movimento e pela Educação do
Campo, na construção da Pedagogia Socialista para o conjunto dos
trabalhadores e trabalhadoras. Prestamos nossa homenagem a
Florestan Fernandes, uma grande liderança da luta pelo direito à
educação e pela escola pública no Brasil, que colocou o seu trabalho a
serviço das causas do povo. Que seu legado siga inspirando nossa
organização: não se deixar cooptar, não se deixar esmagar. Lutar
sempre! Conclamamos nossos camaradas e nossas camaradas de luta e
de projeto para juntos transformarmos as graves contradições desde
momento histórico em lutas coletivas na direção das transformações
necessárias para a construção da futura república socialista do
trabalho. (MST,.2015).

A conjuntura educacional brasileira aponta a necessidade de uma articulação


política nacional que organize a luta pela educação pública, laica e gratuita no Brasil e
da mesma forma que o MST fez no I ENERA (1997), convocando as populações do
campo para a necessidade de pensar coletivamente uma educação alternativa e de luta
para o campo, no II ENERA (2014), a partir da realidade brasileira, o MST convoca, em
seu manifesto, os camaradas de luta e projeto para construir juntos, alternativas para a
realização de grandes transformações no Brasil.
Na conjuntura atual, a luta fragmentada, a despolitização social e a defesa de
projetos individualizados como central, não tem contribuído no aspecto da organização
de classe e enfrentamento ao projeto hegemônico.
A realidade do contexto atual da educação, no Brasil, no que se refere ao campo
brasileiro, é de 37 mil escolas fechadas, de poucas estruturas físicas e pedagógicas para
as populações que vivem no campo e, visivelmente, a aparência de certo abandono das
estruturas existentes, conforme indicamos ao longo desse texto.
A marca da educação como mercadoria se revela fortemente na luta dos
estudantes no novembro de 2015, ocupando as escolas fechadas pelo Estado burguês de
São Paulo. Esses jovens lutam pelo direito à educação pública, são chamados pela mídia
de “invasores” por ocupar e defender o espaço público, que foi criado para os
93

62
estudantes. O Projeto de reorganização das escolas , que não se restringe somente a
São Paulo, tem a intervenção do empresariado na “educação pública” e que para
garantir a implementação do projeto, acionou a força policial para combater com
violências aqueles e aquelas que só querem o direito de ter acesso à escola pública,
perto do local onde vivem. Em 2016, em pleno processo de luta da classe trabalhadora
contra o golpe fascista brasileiro, estudante da rede estadual do Estado do Rio de
Janeiro, iniciam no mês de março ocupações nas escolas estaduais que, segundo a
ANDES63, “o objetivo é reivindicar as eleição diretas para a direção, a extinção do
Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Saerj), maior carga
horária para filosofia e sociologia, volta de porteiros e inspetores, pagamento sem atraso
dos professores, máximo de 35 alunos por salas de aula, passe livre no transporte
coletivo, melhor infraestrutura, ensino de qualidade, entre outros”. São mais de 45
escolas ocupadas no Estado do Rio de Janeiro e que no relato dos estudantes na plenária
das escolas ocupadas, segundo eles, estão sendo criminalizados pelas direções das
escolas e pela Secretaria de Estado da Educação com ameaças de perseguições, e
incentivos de conflito dos estudantes que não se aderiam à ocupação, como também da
violência policias.
A educação é um instrumento importante para a classe trabalhadora e as
conquistas que ocorreram até os dias de hoje, como os diretos trabalhistas, o acesso à
educação pública, entre outros direitos conquistados no Brasil, só foram efetivados pela
luta permanente da classe. A lógica do capital tem apresentado com mais visibilidade na
precarização do trabalho e das estruturas das escolas públicas, das universidades e dos
programas de aligeiramento para a formação técnica. As lutas que se destacam, nesse
período, apontam a necessidade das mudanças estruturais e, de certa forma, politiza e
coloca em questão a educação burguesa no país, o produtivismo e lucro para o capital.

62
A Reorganização das escolas é projeto que tem como referência as reformas da educação no
EUA e que no Brasil se revelou fortemente no Estado de São Paulo. No Estado de Goiás, a
secretária de Educação afirma que os empresários por ter estudado administração de empresas e
economia, “entendem mais de administração do que nós educadores”, e o projeto é chamado de
OSPs (Organizações Sociais Privadas), são empresas que irão atuar na gestão dos colégios
públicos. http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/12/1716663- as 10:50h. Mais
informações sobre o assunto, ver blog; http://avaliacaoeducacional.com/author/freitaslc/
63
Sindicado Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino superior – ANDES. Disponível em:
http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=8074 acesso em: 17/04/2016
94

Se reafirmando com mais intensidade que a luta contra a mercantilização da educação é


internacional.

2.2 A infância no contexto do campo e do desenvolvimento


A educação para os filhos da classe trabalhadora está historicamente atrelada aos
interesses das classes dominantes em cada período. Portanto, no caso das crianças do
campo, além da ausência de uma oferta, sua população permaneceu por muitos anos
com a ideia de que quem vive no campo não precisa estudar. E se estudar, deve
trabalhar na cidade.
Nesse sentido, umas das questões mais importantes e desafiadoras para pesquisa
é encontrar bibliografias que relacionam a infância ao contexto histórico e agrário do
país. Poucas são as produções que se referem à criança, nesse contexto. Com o
surgimento da discussão da Educação do Campo, em 1998, pautada pelos movimentos
populares na realização da primeira “Conferência Nacional Por uma educação Básica do
Campo”, várias produções foram elaboradas pela Articulação Nacional e pesquisadores
motivados pelo debate estudam a educação do campo e trazem em suas pesquisas a
educação do MST no contexto da luta pela terra, considerando que tem sido o MST64,
no campo, quem mais desenvolveu práticas educativas na perspectiva da educação
popular e socialista, partindo da realidade concreta das crianças da luta pela terra. Essas
pesquisas, em sua maioria, estão voltadas às crianças do MST, com temáticas sobre a
escola e a pedagogia do Movimento.
Essas pesquisas são fundamentais para um estudo mais atual da infância do
campo e outras que são pioneiras em pesquisas e estudos específicos, colocando a
criança no processo histórico e na luta pela terra no Brasil. Apoiados pelos estudos e
pesquisa sobre as crianças no Brasil de Mary Del Priori (2008), na obra História das
crianças no Brasil, que proporciona na pesquisa, a partir da história, resgatar a criança
brasileira e dar voz aos documentos históricos com propósito abrangentes da história da
infância desde a colonização, e José de Souza Martins (1991), em O massacre dos
inocentes, que trata sobre a criança sem infância, por meio de estudos com crianças

64
Outras pesquisas tem se apresentado sobre a educação do campo. A diferenciação aqui está relacionada
ao pensando de um movimento do campo que pensa e luta coletivamente pela educação de sua Base
social. O qual se diferencia de outras organizações do campo que somente depois da inauguração da
Articulação Nacional da Educação do Campo é que são provocados em pensar a educação.
95

brasileiras nas diferentes situações da luta pela terra no Brasil. Ambos os pesquisadores
destacam a criança sem infância e as mazelas das relações que sofrem suas famílias
através da exploração do trabalho, nas condições das ausências dos direitos sociais
básicos e do tempo das crianças sendo ocupado pelo tempo adulto.
Para Martins (1991, p.15), “Multidões de imaturos estão tendo sua idade adulta
convocada antecipadamente, de modo que o tempo de ser criança está sendo ocupado
amplamente pelo tempo do adulto, do trabalho, da exploração, da violência”. Os estudos
de Del Priori (2008) indicam que, desde a colonização brasileira, as crianças são
exploradas através do trabalho infantil.

O seu adestramento vai se consolidar a partir dos seus 12 anos de


idade, quando dobra o seu valor de venda e a definição da sua função
no trabalho já aparece nos inventários (Chico “roça”, João “pastor”,
Ana “mucama”), transformados em pequenas e precoces máquinas de
trabalho (DEL PRIORI, 2008, p.12).

Para a pesquisadora, “existe uma grande distância entre o mundo infantil


descrito pelas organizações internacionais, pelas não governamentais e pelas
autoridades, daquela do qual a criança encontra-se cotidianamente imersa”. (DEL
PRIORI, 2008, p. 12).

No primeiro, habita a imagem ideal de criança feliz, carregando todos


os artefatos possíveis de identificá-la numa sociedade de consumo:
brinquedos eletrônicos e passagem para Disneylândia. No segundo, o
real, vemos acumularem-se informações sobre a barbárie
constantemente perpetrada contra a criança, barbárie esta
materializada nos números sobre o trabalho infantil, sobre a
exploração sexual de crianças de ambos os sexos, no uso imundo que
o tráfico de drogas faz dos menores carentes, entre outros. Privilégio
do Brasil? Não! Na Colômbia, os pequenos trabalham em minas de
carvão; na Índia, são vendidos aos 5 ou 6 anos para a indústria de
tecelagem; Na Tailândia, cerca de 200 mil são roubados anualmente
das suas famílias e servem à clientela doentia dos pedófilos. Na
Inglaterra, os subúrbios miseráveis de Liverpool produzem os “baby
killers” crianças que matam crianças. Na África, 40% das crianças,
entre 7 a 14 anos trabalham. (DEL PRIORI, 2008, p. 8- 9);

A pobreza e a falta de escolarização da criança brasileira tem um largo processo


na história do país, desde a colonização, nos processo das embarcações, ela trabalhava,
era explorada e tratada como se não fosse humana. E, como o ensino jesuítico não era
96

para todos, o trabalho era considerado a “melhor escola” para as crianças órfãs. Explica
Del Priori (2008, p 10), “O trabalho [explica uma mãe pobre] é uma distração para a
criança. Se não estiverem trabalhando, vão inventar moda, fazer o que não presta. A
criança dever trabalhar cedo”.
O lugar da infância da classe trabalhadora, no capitalismo, relaciona-se com o
espaço social destinado à sua família no mundo do trabalho. A relação da infância com
o trabalho na fábrica, na gênese do capitalismo, como apontam os estudos de Lombardi
(2010), apresenta as rigorosidades da disciplina, os maus tratos, as regras, a brutalidade
e a violência estabelecida, como marcas profundas na formação da infância no
capitalismo.

A difusão, em larga escala do trabalho infantil, realizada a partir da


Revolução Industrial: em 1861 um censo realizado na Inglaterra
registrava que quase 37% dos meninos e 21% das meninas de 10 a 14
anos trabalhavam, fato também observado em outros países, que
também apresentavam taxas altas de crianças trabalhando, como
França, Bélgica e Estados Unidos (Kassouf, 2007, [s.p.]). Marx e
Engels foram contemporâneos e testemunhas das profundas
transformações econômicas e sociais decorrentes da Revolução
Industrial e foram fortemente impactados pela situação da criança
trabalhadora na grande indústria. (LOMBARDI, 2010, p.281).

Nesse sentido, a Revolução Industrial modifica o processo do trabalho artesanal


impondo ritmo, maior produtividade com a inserção das tecnologias a criança é afetada
nessas relações. Moura (2008), na pesquisa sobre “Crianças operárias na recém-
industrializada São Paulo”, relata os graves acidentes de trabalho com as crianças, no
período de 1870 a 1920, registra a presença de um número altíssimo de crianças
imigrantes italianas que junto com seus pais chegaram à América em busca de trabalho;
o uso da violência dos patrões por não considerar os trabalhos satisfatórios ou pelas
brincadeiras feitas pelas crianças no horário de trabalho; tinham a saúde afetada por
conta de uma alimentação precária e exaustão pelo excesso de trabalho.

Não foram poucas as crianças e foram muitos adolescentes vitimados


em acidentes do trabalho, em decorrência do exercício de funções
impróprio para a idade, das instalações precárias dos estabelecimentos
industriais, em fim, de condições de trabalho deploráveis.
[...] em 1898, segundo a Repartição da Estatística e Arquivos do
Estado, aproximadamente 15% do total da mão de obra absorvida em
97

estabelecimentos industriais da cidade, eram crianças e adolescentes.


Em 1920, o já citado Recenseamento concluía que, considerada a
totalidade do Estado de São Paulo, 7% da mão de obra empregada no
setor secundário eram constituídos por esses trabalhadores. (MOURA,
2008. p. 260- 262).

As crianças, filhas de trabalhadores imigrantes, dos trabalhadores rurais,


nordestinas entre outras, com a modernização do trabalho da fábrica e industrial se
transformam em mão de obra infantil necessária para a reprodução do capital . No
caso, as crianças e adolescentes incorporados ao mundo do trabalho, como se fossem
adultos, se tornam uma força de trabalho importante para baixar o custo da produção,
com baixos salários e condições trabalhistas precarizados.

Alimentos e bebidas, tecidos e chapéus, cigarros e charutos, vidros e


metais, tijolos e móveis, entre uma série de outros produtos fabricados
então em São Paulo, passavam por mãos pequeninas, trazendo na sua
esteira a indiferença às particularidades e as necessidades da infância e
adolescência (MOURA, 2008, p. 264).

Essa realidade fez com que as ruas de São Paulo se tornassem cenário de muitas
histórias de suas moradoras crianças e ativos personagens da cidade, resultado de
“abandono, aludiam à mendicância, à delinquência e à criminalidade, esmolando,
roubando, agredindo-se mutuamente...” (MOURA, 2008, p. 274) Uma realidade atual
que tem marcas profundas do processo histórico, em sua forma mais perversa do capital,
de exploração do trabalho que resulta na pobreza da maioria da população brasileira.
Lombardi (2010) ressalta o lugar destinado às crianças pequenas no processo de
modernização que, por interesse do capital, criou espaço no qual foi também uma
reivindicação das mulheres operárias e feministas, na luta por um lugar onde pudessem
deixar os filhos no período do trabalho e se sentirem mais seguras,
.
[...] o cuidado com a infância nada mais fez que propiciar
espaços para que as famílias trabalhadoras pudessem deixar seus
filhos supostamente protegidos e cuidados em suas necessidades
fundamentais, biológicas, psicológicas, e sociais, liberando pais
e mães para o trabalho. (LOMBARDI. 2013. p. 10).

O trabalho, no capitalismo, está estruturado para a produção de mercadorias por


meio da exploração da força de trabalho, independente da idade. O capitalismo
98

incorporou e se apropriou da força de trabalho infantil e feminino, bem como Marx


(2013) alertava, já no século XIX, sobre os efeitos da maquinaria e da grande indústria
na vida humana:
Na medida em que a maquinaria prescinde de força de trabalho
muscular, torna-se meio de utilizar operários sem força muscular ou
com um desenvolvimento imaturo do corpo, mas com maior
flexibilidade dos membros. Trabalho feminino e infantil foi, assim, a
primeira palavra de ordem do emprego capitalista da maquinaria! Este
poderoso meio de substituição de trabalho e operários transformou-se,
assim, logo num meio de multiplicar o número de assalariados,
colocando todos os membros da família operária, sem diferença de
sexo nem de idade, sob a tutela imediata do capital. O trabalho
coercivo para o capitalismo usurpou não só o lugar da brincadeira de
criança, mas também o trabalho livre no círculo doméstico, dentro de
barreiras éticas, para a própria família. (MARX, 2013, p. 99)

Com o trabalho capitalista, são negados, às crianças da classe trabalhadora,


direitos essenciais para vida humana. Já no século XXI, com o avanço do capitalismo e
as inovações tecnológicas, não há mudanças no quadro social, elas (as crianças)
convivem com as condições de trabalho explorado de seus pais e essa é a perspectiva de
futuro para ela. Nos dias atuais, como afirma Del Priori (2008), com o processo de
desenvolvimento capitalista e avanço das tecnologias, o trabalho infantil está ligado à
pobreza e diversas questões de ordem social que são evidenciadas pela violência,
repressão ou assistencialismo.
Martins (1991), na pesquisa realizada com as crianças da luta pela terra, citada
anteriormente, chama-nos atenção sobre a contextualização do cuidado e da forma de
realizar a investigação com crianças. Ele afirma que há uma tendência do pesquisador
na escolha do sujeito da pesquisa, nas palavras do autor “interessa-se por informante
quem está no centro dos acontecimentos, que tem visão mais ampla das coisas, que são
os arquitetos da cena e encenação social” (MARTINS, 1991, p. 53.). O cuidado que ele
teve, naquele período histórico, foi dar a voz para aqueles que são invisibilizados e
silenciados historicamente:

O pesquisador quase sempre pressupõe e descarta, no grupo que


estuda, uma parcela de seres humanos silenciosos. De nada adiantaria
conversar com eles. São os que em público e diante do estranho
permanecem em silêncio: as mulheres, as crianças, os velhos, os
agregados da casa, os dependentes, os que vivem de favor. Ou os
mudos da história, que não deixam textos escritos, documentos.
(MARTINS, 1991, p. 53-4).
99

O autor coloca em relevo a importância de refletir sobre o lugar que a criança


ocupa no sistema capitalista e se propõe a ouvi-las, sublinhando ser fundamental para as
pesquisas com crianças, com a intenção de entender a criança no seu contexto histórico
não a separando da vida material. O capital abraça as diferenças, entre elas a de idade,
pois a sua forma de apropriação e expropriação humana tem se renovado
cotidianamente. E como afirma Martins (1991), as crianças filhas de posseiros e os
camponeses na Amazônia acompanharam todos os processos, incluso os de violência
com os seus pais na luta pela posse da terra.

[...] poucos dias antes de minha chegada, os grileiros revidaram e


cometeram violências no povoado. Entre outras, prenderam e
amarraram um dos posseiros sobre um formigueiro da chamada
“formiga-de-fogo”, deixando-o ali várias horas. Essa violência foi
presenciada pelas crianças, que a ela e a outras se referiram nas
conversas que comigo tiveram. Antes disso, um grileiro tentara
incendiar o povoado, com seus ranchos de barro e palha, onde moram
centenas de famílias, num momento em que os pais estavam na roça e
nas casas se encontrava apenas crianças e poucos adultos. Foram
salvos porque o vento soprou na direção oposta, levando o fogo para
outro lado. (MARTINS, 1991, p. 57).

A criança pobre, filha da classe trabalhadora do campo e da cidade, no contexto


da sociedade capitalista, sofre todos os processos de violações e é a mais afetada e
invisibilizada por ser pequena e projetada pelo sistema capitalista como pequena adulta
consumidora das mercadorias do capital e objeto da exploração da mão de obra infantil.
A ideologia dominante e a sua forma de imposição é a de reafirmação da
propriedade privada, e, nesse processo histórico, quem mais sofre são as crianças e as
mulheres. E, no campo, como na cidade, as mulheres desenvolvem jornadas duplas de
trabalho, porém o trabalho agrícola ou assalariado exige a exposição ao sol e o esforço
físico que é determinado pelos próprios meios de trabalho. Por exemplo, no corte de
cana, a colheita do feijão, do milho, entre outras produções. A mulher que trabalha nas
lavouras, muitas vezes, leva os filhos junto ao trabalho, prepara a alimentação de toda a
família e, na volta pra casa, apanha lenha e, ao chegar à casa, ainda se depara com
vários afazeres domésticos, o cuidar dos animais, da horta, das flores etc.
100

Para Marx (2009), as diferentes formas estabelecidas de propriedade privada têm


na sua raiz
[...] a divisão do trabalho, na qual estão dadas todas essas
contradições, e a qual por sua vez assenta na divisão natural do
trabalho familiar e na separação da sociedade em famílias individuais
e opostas umas às outras, está ao mesmo tempo dada também a
repartição, e precisamente a repartição desigual, tanto quantitativo
quanto qualitativo, do trabalho de seus produtos e, portanto, a
propriedade, a qual tem o seu embrião, a sua primeira forma, na
família, na qual a mulher e os filhos são os escravos do homem.
(MARX, 2009, p. 46-47).

A superação da propriedade privada só é possível no processo revolucionário


com a classe organizada para o socialismo. E as transformações só irão ocorrer na
medida em que os direitos sejam de igualdade e que os processos sejam construídos
coletivamente para todas as gerações. Nesse caso, a educação é elemento fundante para
o processo de formação humana. Ao considerar seus fundamentos histórico-ontológicos,
Saviani (2007) afirma que a “educação é vida” e não somente “preparação para a vida”,
é um processo que vai se realizando ao longo da história pelos próprios seres humanos e
o resultado desse processo é o próprio humano. A separação entre trabalho e educação
ocorre na divisão do trabalho e na apropriação da propriedade privada.

[...] com o controle privado da terra onde os homens vivem


coletivamente tornou-se possível aos proprietários viver do trabalho
alheio; do trabalho dos não proprietários que passaram a ter obrigação
de, com o seu trabalho, manterem-se a si mesmos e ao dono da terra,
convertido em seu senhor. Na antiguidade, tanto grega como romana,
configura-se esse fenômeno que contrapõe, de um lado, uma
aristocracia que detém a propriedade privada da terra; e, de outro lado,
os escravos. (SAVIANI, 2010, p. 155).

O processo do conhecimento e apropriação coletiva da natureza se perde com a


propriedade privada que produz profundas desigualdades sociais, produzindo
exploradores e explorados e acirrando com mais evidência as contradições antagônicas.
O desenvolvimento do sistema capitalista, segundo Fernandes, “na verdade o capital só
se produz e reproduz quando surgem as condições especiais e históricas de existência da
propriedade privada, da acumulação capitalista acelerada, da constituição de um
exército de reserva etc.”. (FERNANDES, 2009, p. 35). É exercido pelo processo de
101

exploração humana da força de trabalho de diferentes idades. Portanto, estudar a


infância, numa perspectiva crítica e dialética, necessariamente, sugere uma relação do
processo histórico do desenvolvimento do capitalismo e suas relações com a vida
material dos seres humanos que se relacionam socialmente. A criança não vive em um
mundo isolado das relações políticas, sociais, econômicas e culturais da sociedade,
portanto estudar a criança é trazê-la para o contexto histórico na atualidade.
E estudar a infância que está no campo é refletir sobre uma criança que vive em
um território disputado pelo capital, de exploração, de negação a diferentes direitos –
como educação e saúde. E trazer a criança que nem sempre fala, ou é escutada, mas
pensa, fala e escuta e certamente tem opinião sobre o mundo.

As crianças do campo inscrevem-se, como todas as crianças, em


relações complexas, na medida em que participam da simultaneidade
de tempo sociais que constitui o mundo global. Elas são sujeitos que
atuam no mundo e são afetadas por ele. Assim, falar de infância do
campo, das crianças concretas que o habitam, é inexoravelmente falar
de sujeitos do mundo, integrados a lugares, e sujeitos que a
globalização uniu, partilhando de seus dramas, tragédias, realidade e
fantasia. (SILVA, FELIPE, & RAMOS, 2012, p. 417-8).

É pensar o lugar em que está a sua família no contexto social, o lugar do


trabalho e do projeto educativo hegemônico, nesse contexto atual, sendo que, no
processo de modernidade para o desenvolvimento, se pensou a fábrica, a indústria e a
educação a serviço desse desenvolvimento. O lugar da infância da classe trabalhadora
está no contexto do campo e da cidade e na intencionalidade da pedagogia do capital na
disputa pela educação das crianças e no lugar da luta social, da resistência de classe.
- Que educação está sendo pensada para o trabalho de formação humana?
- Quais as formas de atuação encontradas pelo capital para atuar no campo e
fazer a formação ideológica, em particular das crianças?

2.3 A pedagogia do capital no projeto do agronegócio para a infância do campo


A pedagogia do capital no campo, hegemonizado com o projeto do agronegócio
- frente importante em defesa da agricultura de mercado - vem se desenvolvendo em
parcerias com o Estado brasileiro para fazer a formação intelectual no campo da
indústria cultural, da comunicação de massas e da educação ambiental, de professores,
102

crianças, adolescentes e jovens nas escolas públicas como também, de certa forma,
envolvem suas famílias no processo de convencimento do seu projeto de agricultura de
mercado. Essa formação lança mão de diversas estratégias: tem estimulado a produção
da arte, no incentivo de concurso de poesias e desenhos sobre o agronegócio; da
comunicação de massas e da indústria cultural produzindo filmes da Disney que
reafirmam interesses ideológicos da produção da monocultura e do uso do agrotóxico,
como também das produções de desenhos animados no fortalecimento do agricultor
como “herói”, incentivando o uso de equipamentos individuais para a aplicação de
agrotóxicos e das parcerias estabelecidas com as secretarias municipais e estaduais na
discussão do “meio ambiente” para crianças das escolas públicas do campo e da cidade.
Por um lado, temos a educação que a burguesia projeta para os filhos da classe
trabalhadora, por meio da educação pública que é hegemônica; por outro lado, existe a
luta histórica dos trabalhadores da educação, da luta por educação do campo que são
contrários à mercantilização da educação e dos projetos que estão sendo implementados,
na direção de dominação. Ambas presentes na realidade atual disputam a formação das
crianças e jovens.
65
Em pesquisas recentes, Regina Bruno (2010) considera o agronegócio como
palavra política, e que se reafirmar como uma expressão de união, de sucesso e de
riqueza. União entre o “rural e urbano”, representando um grande salto no processo da
dívida histórica com o meio rural. (BRUNO, 2010, p.3). Do lado “de dentro da
porteira” com a grande produção de monoculturas, e “do lado de fora da porteira” é o
agronegócio entrando por todas as partes da cadeia industrial.

Um outro aspecto é a noção de agronegócio como sinônimo de êxito:


uma atividade que “deu certo e teve sucesso”, dizem. Um sucesso
indissociável da ideia de competência e de geração de riqueza e de
lucro [ABAG]. “Agronegócio é o lucro. É o dinheiro entrando no
caixa”, afirma um dos entrevistados. [AMPA]. “O agronegócio gera
riqueza”, reitera outro. Riqueza concebida como lucro e também
riqueza entendida como progresso das cidades onde o agronegócio
impera. (BRUNO, 2010, p. 4).

Para a referida pesquisadora, os agentes do agronegócio, em seus discursos, o


relacionam a um “padrão tecnológico” de produção de maquinário e insumos, “gerador
65
Disponível em: http://www.alasru.org/wp-content/uploads/2011/09/GT19-Regina-Bruno.pdf acesso em
13 de julho de 2015.
103

de emprego e melhorias das condições de vida”. O agronegócio, para eles, é sinônimo


de responsabilidade social; de superação da pobreza. É representado e recorrentemente
difundido como a solução para a pobreza. Para os agentes do agronegócio, a
preocupação é de uma imagem positiva desse projeto mesmo que cause impactos à
saúde das pessoas, à natureza, entre outros,como por exemplo, na relação do
agronegócio com a poluição em Ribeirão Preto,

[...], a dona-de-casa em Ribeirão Preto (SP), cidade que respira


agronegócio, mas que ao ver a fuligem da queimada da cana não
pensa o agronegócio como gerador de emprego e renda e sim como
responsável pela poluição”. (BRUNO, 2010, p. 15).

A grande vitória ideológica do agronegócio é a de ter conseguido


diluir a questão da terra e construir o apagamento da questão
fundiária, diz Nazareth Baudel Wanderley. Dessa perspectiva, a
reforma agrária é considerada um assunto ultrapassado, quer por
julgarem que foi resolvida pela modernização da agricultura; quer por
considerarem uma questão ideológica sem valor científico que
justifique ações e recursos públicos. (BRUNO, 2010. p. 17)

O antagonismo de classe se expressa na distribuição de investimento para a


agricultura brasileira. Para a agricultura de mercado do agronegócio, sempre foi
privilegiada pelo investimento público nos diferentes governos, a grande esperança do
trabalhadores do campo é que no Governo de Dilma Rousseff fosse diferente, porém os
investimentos expressam tamanha desigualdade para quem se destina os recursos
públicos. No Plano Safra66 de 2015/2016, R$187,7 bilhões para investimento para
“agricultura empresarial” do Plano. E, para agricultura familiar, produtora de 70% da
alimentação para a população brasileira, o investimento para o Plano Safra 67 foi de
2015/2016 é de R$28,9 bilhões. A reforma agrária, considerada como questão
ideológica, não está na pauta de uma política necessária para a distribuição de terras e
da renda no país. A prioridade, nesse caso, são os grandes negócios da agricultura.

66
Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/pronaf-20142015-fecha-com-r-239-
bilh%C3%B5es-contratados-para-custeio-e-investimento-na Acesso em 10/12/2015, as 13:42h
67
Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/agricultores-familiares-j%C3%A1-podem-
acessar-cr%C3%A9dito-do-plano-safra-20152016 Acesso em: 10/12/2015, às 13h51
104

No percurso de inserção política e ideológica do agronegócio no Brasil,


representado pela sua principal instituição ABAG68, a palavra política agronegócio
representa

[...] enquanto discurso da competência e do poder pressupõe um


contradiscurso. Pressupõe também o sujeito do contradiscurso.
Hoje, Agronegócio e trabalhadores rurais, Sem Terra, agricultor
familiar, camponeses, comunidades quilombolas, povos da
floresta e tantos outros mais unidos pelo questionamento de sua
condição de subalternos, são palavras políticas que se definem
na relação que as negam. Designam o lugar social de cada uma
das classes e grupos sociais em questão e expressam a unidade
política, ideológica e simbólica de suas respectivas situações de
classe. (BRUNO, 2010, p. 18).

O agronegócio é uma invenção norte-americana e foi projetado pensando na


representação de 35% a 50% da economia estadunidense. Para que essa representação
fosse possível, foi realizado uma comparação do consumo da população americana que
“gastaram, em 1954, US$ 236,5 bilhões, com o que foi gasto em alimentos, bebidas,
tabaco, sapatos, roupas e acessórios, que somaria cerca de US$ 93 bilhões, ou 40% do
total consumido naquele ano” (MENDONÇA,2015, p.377) . A pesquisadora chama
atenção em relação à padronização internacional dos alimentos cuja indústria de
alimentos foi fundamental para a expansão do agronegócio desde a produção de
insumos industriais e comerciais.

O conceito de agronegócio está relacionado a um conjunto de medidas


impulsionadas por governos e instituições privadas que intensificaram
a industrialização e a padronização da agricultura em nível
internacional. No período posterior à Segunda Guerra Mundial,
verifica-se um processo de expansão do comércio agrícola
impulsionado pelos Estados Unidos, que é acompanhado pela
aceleração da industrialização da agricultura. O aumento da
produtividade de grãos gera uma demanda crescente por investimentos
para cobrir custos com mecanização, o que resulta na criação de
diversas políticas governamentais de subsídios internos e também para
exportação. A mecanização e o uso de insumos petroquímicos
aumentam os custos da produção agrícola baseada em monocultivos e
geram endividamento do setor. O apoio estatal para o agronegócio
resultou no aumento da concentração de capitais, que se verifica

68
ABAG – Associação Brasileira do Agronegócio.
105

através do papel que empresas multinacionais exercem,


principalmente no mercado de insumos agrícolas e na comercialização
internacional de commodities (MENDONÇA, 2015, p. 401).

Na concepção do agronegócio sobre a fusão campo e cidade, “do lado de dentro


da fazenda” a produção em grande escala, e “do lado de fora” o processamento dos
produtos e a relação internacional de mercado, num contexto de unidade entre “campo e
cidade” em nome do capital. A pesquisa69 de Rodrigo Lamosa e de Carlos Frederico B.
Loureiro (2014), sobre o agronegócio e a educação é reveladora da intencionalidade do
capital diante da unidade campo e cidade, bem como para pensar a educação dos filhos
da classe trabalhadora.
Os referidos autores destacam o ideário ambientalista do setor do agronegócio
que se junta aos setores que fazem apelos à questão ambiental no Brasil e passam, desde
então, a atuar com programas ambientais nas escolas públicas, desde 2001. A ABAG é
uma organização da classe dominante difundida no país desde os anos de 1990, pensada
para reorganização do Estado, na liberação de economia com fortes transferências das
políticas públicas e sociais para o privado (LAMOSA e LOUREIRO, 2014).
Com a expressão “do lado de dentro da porteira”, significando a produção
agrícola (soja, cana, milho, laranja, eucalipto...), e a expressão “da porteira pra fora”,
referindo-se à grande produção industrial, podemos afirmar que o agronegócio
“representa diferentes frações do capital: agrário, comercial, industrial e financeiro”. De
acordo com os autores, o agronegócio se constitui como “partido” ou “príncipe
moderno” cumprindo com a organização e direção moral e política à classe dominante.
(p. 534).

O objetivo do partido do agronegócio foi formular e mobilizar,


difundindo os interesses do conjunto das frações agrárias mais
modernas do Brasil, além da unidade entre estas e outras frações da
classe dominante, no interior da sociedade civil. A ABAG está longe
de ser apenas uma organização dos proprietários rurais. Desde sempre,
seu objetivo foi aproximar a organização das grandes empresas de
capital nacional e estrangeiro, membros das frações industriais e,
principalmente financeiras. (LAMOSA & LOUREIRO, 20014, p.
538).

69
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v22n83/a11v22n83.pdf Acesso em: 13 de junho de
2015.
106

A ABAG comporta, segundo os pesquisadores, a formação intelectual orgânica


do agronegócio e intelectuais tradicionais, enfatiza sobretudo professores e jornalistas.
Busca também incidir no ensino público, o qual passa ser mediado por interesses
privados se sobrepondo com a ideologia do desenvolvimento sustentável capitalista sem
mediações críticas e históricas. (LAMOSA& LOURENÇO, 2014).
A ABAG, ao longo das últimas duas décadas, têm alguns “braços pedagógicos”
pensantes para o agronegócio, representados pelos institutos “PENSA, localizado na
Universidade de São Paulo (USP), e pelo Centro de Estudos do Agronegócio (GV
Agro), na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), além de outros institutos” (Lamosa &
Lourenço, 2014, 539-40). Esses programas, segundo afirmam os autores, foram
importantes para produção de pesquisa para o agronegócio, como também para a
formação de quadros das empresas associadas ao agronegócio. O programa PENSA teve
a dedicação a programas regulares do ensino, como também de formação continuada.
A representação institucional da ABAG reafirma a sua articulação no campo
nacional e internacional e o seu vínculo com as diferentes instituições e empresas
industriais, tendo atuado nos diferentes territórios do mercado.

Tomando como referência a diretoria e o conselho administrativo da


ABAG, encontra-se entre seus principais associados os representantes
de cooperativas, como a Batavo, Cotia, Mococa, Carol, Holambra,
Cooxupe, Copersucar e Fecotrigo. Do setor ligado ao comércio estão a
COM Comércio Exterior Ltda, Agroceres S. A., Eximcoop, Cotia
Tranding Comércio, Exportação e Importação, Comércio Quintela e
Casas Sendas. Ente as indústrias, estão a Monsanto, VALE, Gerdal,
Fertibras, Iochpe-Maxion, ICI do Brasil e Copas. Entre as empresas
agroindustriais, estão presentes a Sadia, Nestlé, Cambuhy, Suparroz e
Sanbra. Entre os bancos, estão o Itaú, Santander, Banco Noroeste e o
Credit lyonnais. Há a representação da Bolsa de Cereais de São Paulo,
da Bolsa de Mercadorias e Futuros e das Fazendas Reunidas e
Cabrera. (ABAG, 2002), (LAMOSA & LOUREIRO, 2014, p. 541).

Seus principais associados são responsáveis por desenvolver programas


educativos em parcerias com vários Estados brasileiros. A atuação do agronegócio e sua
pedagogia no campo educacional, de certa forma, tem incorporado a educação de
mercado na educação pública, ou seja, está sendo desconsiderado pelo Estado todo um
processo de luta da categoria dos trabalhadores da educação, impondo um
direcionamento ideológico para o avanço do capital. Com sua intencionalidade, a
107

pedagogia do agronegócio atua na formação de professores e crianças através da cultura


e comunicação. Segundo os pesquisadores, foram produzidos 37 filmes institucionais de
30 a 60 segundos de duração que são veiculados, diariamente, nas principais emissoras
de Televisão da região de Ribeirão Preto (LAMOSA & LOUREIRO, 2014).
As campanhas e slogans foram se modificando conforme o processo de
aceitação e inserção nos espaços educativos. Em 2006, a chamada foi “Agronegócio:
todos fazem parte; em 2009 – “Agronegócio você também faz parte”; e em 2011 – “Sou
Agro”, campanhas divulgadas em rede nacional da Rede Globo e nos projetos
educativos das escolas como: Agro trabalho- Agro saúde – Agro energia – Agro
futuro”. É nesse contexto da hegemonia da pedagogia do capital que está sendo pensada
a educação dos filhos da classe trabalhadora do campo e cidade. Num discurso em que o
agronegócio se apresenta “não só como comida, mas como fibra, energia, emprego e
salário e tudo que gira em torno do que é produzido no campo” (LAMOSA &
LOUREIRO, 2014).
Essa realidade em disputa desigual indica as várias formas que o capital vem se
apropriando do campo educacional, desenvolvendo projetos ambientais, culturais e de
comunicação. E a educação brasileira, alicerçada no pensamento mercadológico, desde
as relações de produção massiva sem conteúdo e qualidade, ao aligeiramento na
formação profissional, na competitividade do indivíduo sobre o mundo e alienação do
trabalho - são elementos que da mesma forma que o agronegócio considera o campo e
cidade, a fusão dessas frentes de comunicação, cultura e educação são instrumentos
importantes para a formação ideológica a serviço do capital.
Para Traspadini 70, “nos últimos 10 anos cresceu a preocupação dos técnicos dos
governos, dos políticos e do capital sobre a necessidade de se projetar cenários para o
futuro”. Ela destaca quatro pontos em relação à escolha do agronegócio na educação dos
filhos da classe trabalhadora. Para a economista, as crianças serão um “futuro exército
produtivo”:

Segundo a CEPAL, a América Latina possui aproximadamente 600


milhões de habitantes. Destes, 27,3% têm até 14 anos de idade e
33,6% têm de 15 a 34 anos. Tomemos como referência apenas o
primeiro grupo. Se analisarmos as projeções para os próximos 25

70
Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/5842 Acesso em: 09 de jun de 2015.
108

anos, este grupo terá entre 25 a 39 anos de idade. Em 25 anos, estas


crianças já terão passado por um processo de formação ideológica,
cultural e política que moldará em muitos sentidos sua forma de ver e
atuar sobre o mundo. (TRASPADINI, 2010, s/n).

O segundo ponto é a “formação da consciência”, não podendo haver espaço para


o questionamento. O capital define a formação de consciência através da dominação e
adestramento; “aniquilando o sentido do público e reiterando com força o privado”. O
terceiro “exemplo concreto de projeção do capital”, segundo Traspadini, a mineradora
VALE juntamente com ONG coordena o projeto ES:2025 e estabelecem parcerias com
as escolas públicas municipais de educação infantil no Estado do Espírito Santo.

A empresa faz uma parceria com algumas escolas públicas e leva as


crianças dos centros municipais de educação infantil para conhecerem
suas instalações. Disponibiliza o ônibus, os instrutores, explica
pedagogicamente o processo a ser apreendido, distribui jogos
“educativos” de presente, dá lanche e retorna as crianças para a escola
e suas famílias com a certeza de que reproduziu, a partir daquele
momento, o diferente e belo na vida daqueles futuros trabalhadores.
[...] A Vale projeta, junto com seus pares, um futuro de submissão
para estas crianças da classe, cuja aparente certeza de inclusão se
constrói sob as bases dos princípios e valores ditados pelo grande
capital. (TRASPADINI, 2010, s/n).

A Vale, para além do projeto no Estado do Espírito Santo, também define as


relação políticas e projetos de educação nos territórios de exploração de mineração nos
Estados do Maranhão, Pará e Minas Gerais. Além de sua influência internacional na
exploração de minério. Bem como afirma Araujo (2015), em seus estudos sobre o
projeto de educação da Vale no Estado do Maranhão, onde a Companhia tem total
liberdade para atuar na esfera pública das escolas:

Faz-se necessário compreender que, nesse contexto de


desenvolvimento, tanto na perspectiva do Estado desenvolvimentista,
onde os aparatos do Estado são colocados a serviço do
desenvolvimento capitalista dos países periféricos, como na
perspectiva do Estado neoliberal, onde a iniciativa privada tem total
liberdade de atuar e definir o mercado e a economia é produzida numa
enorme desigualdade social, na qual os frutos da modernização
econômica são absorvidos pelos proprietários, sendo negada à maioria
da população a possibilidade de usufruir desses frutos. Isso pode ser
constatado ao analisarmos, por exemplo, a realidade socioeconômica
109

dos municípios por onde passa o maior trem do mundo, transportando


toneladas de minério, que se traduzem numa riqueza extraordinária em
matéria-prima do país. [...], entretanto sabemos que o Maranhão é um
dos Estados mais pobres, ao mesmo tempo em que sedia o Porto da
Madeira que recebe e exporta diariamente o minério produzido no
Pará. (ARAUJO, 2015. p. 33).

Como afirma Traspadini (2010), nos pontos destacados sobre as investidas do


capital no público infantil e adolescente da América Latina – o exército de reserva, a
formação da consciência, são elementos importantes para a formação dessas investidas e
é certamente o ponto principal de atuação prática do capital, com os “projetos
educativos” na educação pública que tem sido um elemento importante para o acúmulo
e publicização de seus projetos sociais capitalistas. Araujo (2015) destaca as
desigualdades na distribuição das riquezas produzida pela Companhia Vale, que ao
mesmo tempo produz mais riqueza, produz também “um desenvolvimento para o
capital, sustentado no empobrecimento local” e tem a Fundação Vale como prática
dessa formação da “consciência”, desenvolvendo projetos “educativos”, tendo “a
educação como um fio condutor do desenvolvimento do capital”. (ARAUJO, 2015, 44-
45).
O quarto ponto, destacado por Traspadini, trazendo como questão: o que está em
jogo, afinal? Nas conclusões, a autora reafirma a necessidade da “manutenção da
acumulação do capital centrado na exploração do trabalho”, o “atual consumo da
criança, associado à inserção de futuro como trabalhador endividado e consciente,
trabalhar para consumir”; “a formação da consciência de que não existe outro projeto a
não ser o dominante”; “um projeto único de sociedade sem disputa e contradições e de
dominação de classe”. (TRASPADINI, 2010, s/n).
Para Traspadini71 (2011), para além da intervenção do capital na educação
infantil, as regiões centro-sul com mais de 100 municípios nos Estados de SP, MG, MT,
MS, PR e GO, concentram 90% da produção canavieira, e desenvolvem o Projeto
Agora. Pensando a educação formal de estudantes do 7º e 8º ano numa parceria público-
privada, entre instituições governamentais, alguns sindicatos e o grande capital, Itaú,
Monsanto, Basf, Dedine, CEISI, Amyris, BP, FMC e SEW Eurodrive, são as empresas
centrais do processo (TRASPADINI, 2011, p. 2).

71
Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/5842 Acesso em: 9 de jun de 2015.
110

O conteúdo trabalhado nos kits de materiais didáticos estão voltados, segundo a


economista, ao desenvolvimento e progresso; inclusão social com dignidade. História
reduzida à vitória do capital. Terra e riqueza associadas ao progresso e a uma educação
adestradora.
O kit educativo é uma cartilha de agitação e propaganda da indústria
canavieira. Faz um superficial recorrido histórico sobre o cultivo da
cana até o Brasil colonial, onde não são manifestas lutas, disputas,
contestações à imposição do poder. [...] O que está colocado no
projeto de educação das grandes empresas é uma gigantesca máquina
do terror em que a produção material da vida aparece invertida e os
olhos já não mais devem conseguir visualizar as contradições
cotidianas. (TRASPADINI, 2011, p. 2).

O investimento do grande capital na educação se relaciona com seu interesse na


privatização do ensino bem como com a ideologização do seu conteúdo. As pesquisas
apontam para uma “proletarização e desprofissionalização” dos docentes bem como a
perda da “criticidade dos estudantes” (LAMOSA, 2014). No site da ABAG72, segundo
informação contida no documentário do “Programa Educacional Agronegócio na
Escola”, já passaram por essa formação mais de 150 mil estudantes e foram capacitados
mais de 8 mil professores. Há, portanto, uma intensiva ação do agronegócio na
formação das crianças, adolescentes, jovens e adultos.
A intensificação dessa formação é representada por vários projetos educativos,
desde as produções musicais, para todas as gerações, com um conteúdo que desqualifica
o ser humano, e penetra na cabeça, na voz e no corpo das crianças pequenas até à
intensificação do consumo, no qual a criança é estimulada a comprar, convencer os pais
para comprar roupas (que sexualizam precocemente as meninas), brinquedos (que
produzem violência ou criam um estereótipos de crianças), celulares, maquiagem,
materiais escolares com foto de artista ou de desenho animado, entre outros. Toda essa
produção tem um prazo muito curto de validade. O projeto hegemônico capitalista
encontra-se no âmbito de transformar tudo em mercadoria e não em prática criativa da
sociedade.

72
Disponível em: http://www.abagrp.org.br/acao-agronegocio-na-escola.php Acesso em: 11 de junho de
2015.
111

A indústria cultural do Capital.


As produções da indústria cultural se baseiam na necessidade do capitalismo,
cuja forma e conteúdo, estão baseados na de alienação, influenciando a cultura de
massas na vida dos seres humanos e, especialmente, na vida da criança por causar um
maior impacto na sua formação, condicionando-a a uma sociedade sem história, sem
memória, sem classe.
De acordo com os estudos de Neil Postman (1999), relacionados ao livro O
desaparecimento da infância, mais especificamente no capítulo 8, denominado de “A
criança em extinção”, no final da década de 1970, aprofunda a análise sobre as crianças
na sociedade norte-americana. Se fôssemos discutir o Brasil, não seria muito diferente a
relação mundializada e hegemônica da comunicação de massas e suas intencionalidades
na formação das crianças. O referido autor aponta, como fontes, os meios de
comunicação na “fusão do gosto e estilos de crianças e adultos” relacionados ao
desaparecimento da criança como criança na mídia corporativa.

Gostaria de começar, então, chamando a atenção para o fato de que as


crianças praticamente desapareceram da mídia, especialmente da
televisão, (não há nenhum sinal delas no rádio ou nos discos, mas seu
desaparecimento da televisão é mais revelador). Quero dizer que
quando são mostradas, são representadas como adultos em miniaturas,
à maneira das pinturas do século XIII e XIV (POSTMAN,1999, 136).

Essa relação da criança, no Brasil, é visível nos programas de televisão, (show


de calouros, comerciais, novelas, programas voltados às crianças com apresentadores
infantis...) com uma grande intensidade nos comerciais, especialmente com objetivo de
vender o produto. O autor conceitua a “criança adultificada”, mas também a ascensão
do “adulto infantilizado” como uma forma estabelecida hoje nesse pensamento da
comunicação de massas. Ela atende a todos, independente da idade.

Com algumas exceções, os adultos na televisão não são levados a


sério seu trabalho (se é que trabalham), não cuidam de crianças, não
têm opção política, não praticam nenhuma religião, não representam
tradição alguma, não têm projetos ou planos sérios, não tem conversas
demoradas e em nenhuma circunstâncias aludem a qualquer coisa que
não seja familiar a uma pessoa de 8 anos. (POSTMAN, 1999, p.141).
112

Essa relação do mercado vale também para o uso da roupa entre crianças e
adultos e “em nossa situação atual, os valores e estilos da criança e dos adultos tendem
a se fundir” (Postman, 1999). Essa fusão é explícita nas lojas de roupas brasileiras, nos
hábitos alimentares – alimentação aligeirada e as campanhas publicitárias. O que está
em pauta é a forma com que as crianças aparecem nesses espaços representando e
reproduzindo a forma adulta.

Este processo pode ser observado não só nas roupas, mas também nos
hábitos alimentares. A refeição ligeira e de má qualidade, antes só
apreciada pelos paladares menos exigentes e pelo estômago de
avestruz do jovem, é agora a alimentação comum entre os adultos. Isto
pode ser inferido dos comerciais do McDonald’s e do Burger King,
que não fazem distinção de idade nas suas campanhas publicitárias.
Pode ser observado também diretamente. Basta ver a proporção de
crianças e adultos que frequentam tais lugares. Ao que parecem
adultos consomem pelo menos tanta comida ruim quanto as crianças.
(POSTMAN, 1999, p. 143)

O jogo infantil é estimulado para a competição. No EUA, desde os 6 anos, as


crianças são estimuladas a competir seriamente, a ideia de jogo para as crianças se
tornou uma preocupação do adulto. A espontaneidade no jogo não faz parte do pensar
dessa sociedade, a supervisão e competitividade são elementos da formação desde a
infância. (POSTMAN, 1999)

As respostas para todas essas perguntas é que o jogo infantil se tornou


uma preocupação dos adultos, se tornou profissionalizado, não é mais
um mundo separado do mundo dos adultos. A participação de crianças
em esportes profissionais e competições internacionais de amadores
está evidentemente relacionado com tudo isso. [...] os pressupostos
tradicionais sobre a singularidade das crianças estão desaparecendo
rapidamente. O que temos aqui é o surgimento da ideia de que não se
deve brincar só por brincar, mas brincar com um propósito externo,
como renome, dinheiro, condicionamento físico, ascensão social,
orgulho nacional. Para adultos, brincar é coisa séria. À medida que a
infância desaparece, desaparece também a concepção infantil de
brincar. (POSTMAN, 1999, p. 144-145).

Desta maneira, é nesse contexto que ocorre a fusão e a homogeneização na


cultura, na comunicação, na alimentação e em outros aspectos da vida. “Assim como a
roupa, os alimentos, os jogos e os entretenimentos caminham para uma
homogeneidade de estilos, assim como também na linguagem” (POSTMAN, 1999,
p.146). E na fusão do capital entre cultura, comunicação e educação, que desaparece
113

também as brincadeiras coletivas, os brinquedos que passam a ser industrializados,


bem como as relações sociais e humanas, que nesse tipo de sociedade deixa de existir.
No caso dos brinquedos, pesquisas73 indicam que aqueles que emitem som são
piores para o desenvolvimento da criança. Pois o brinquedo passa ser o que interage
com a criança, e ela terá menos contato com os adultos prejudicando o
desenvolvimento da linguagem. (PEREIRA, 2015). Para pesquisadora de psicologia, o
exemplo da boneca “Barbie” e, agora, em sua nova invenção “Hello Barbie”, vem com
o que é demais avançado no controle dentro da casa das famílias,

Nascida nos Estados Unidos, Barbie foi durante décadas a boneca mais
vendida no planeta. Dona de um fã clube de mais de 18 milhões de
colecionadores pelo mundo todo, exemplo de beleza para mulheres que
tentaram reproduzir seu rosto com cirurgias plásticas, ela completou meio
século de existência com direito a desfile de moda em Nova York, exposição
em museu suíço e sem nenhuma marca do tempo – com os mesmos cabelos
longos, lisos e loiros e olhos de estrela. Boneca, que não envelhece nas
prateleiras, atravessou cinco décadas imbatível, com um sorriso no rosto e
influenciando meninas do mundo inteiro com valores materialistas e ideais
de beleza inatingíveis. E, agora, mais uma vez, se reinventou com o
lançamento da versão Hello Barbie, a primeira da linha que fala e responde
às perguntas das crianças. (PEREIRA, 2015).

A invenção dessa nova tecnologia de brinquedo que armazena falas da criança,


mas também do conjunto de pessoas que convivem com elas, consegue através de
aplicativo armazenar mais de oito diálogos da criança, ou seja, a forma de controle
exercida nesse contexto sobre as relações sociais, vai determinando as novas produções
de mercadorias, bem como chama atenção a pesquisadora para os gostos, lugares e que
pode ser perigoso.
Outros exemplos como O filme da Disney Aviões, para Villas Bôas e Bastos74
(2013), em sua análise crítica, realiza “a transformação de um pulverizador em herói da
classe trabalhadora”. Os autores destacam que o “Estúdio estadunidense usa desenho
animado para propagandear expansão imperialista”. A análise demonstra uma junção da
cultura cinematográfica com produção de alimentos com agrotóxicos e uma ideologia
dominante que integra relações de poder.

Dada a gravidade do tema, é de estranhar que no debate sobre


soberania nacional e identidade cultural não cause nenhum incômodo

73
Disponível em: http://outraspalavras.net/posts/barbie-brinquedo-tirano/ Acesso em: 27 de janeiro de
2015.
74
Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/sites/default/files/BDF_555.pdf Acesso em: 11 de
junho de 2015.
114

a dependência brasileira da produção audiovisual estadunidense para o


segmento infantil. É como se, no âmbito da produção dos bens
simbólicos, fosse aplicável à teoria do livre mercado de circulação,
naturalizando sob a pecha de integração globalizada a concentração
dos meios de produção. [...] O público infantil é certamente o mais
vulnerável à influência da Indústria Cultural. E o flanco aberto para o
consumismo e todos os valores a ele agregados tem efeito traumático
permanente, pois quando assimilados no momento da formação dos
sentidos, da dimensão cognitiva e do senso de discernimento da
criança, dificilmente poderão ser vistos sob distância crítica pelo
mesmo indivíduo. (BÔA & BASTOS, p. 10. 2013).

A Disney apresenta, para as crianças, um filme infantil em que máquina tem


“sentimentos e sonhos”, um pulverizador –“Caipira” do campo “herói da classe
trabalhadora de todo mundo”, que consegue vencer uma das maiores corrida de aviões
do mundo e que passa uma “Vitamina” que é o “adubo cremoso e empelotado que
lembra flor do campo e almoço de domingo” (frases ditas pelas máquinas). Ele faz a
afirmação positiva da produção de monocultivos e incentiva o uso de agrotóxicos nas
lavouras. É um dos filmes a ser estudado e questionado, pois para a realidade brasileira
em que a agricultura faz uso intensivo de agrotóxicos, a afirmação e propaganda do uso
de veneno como vitaminas para combater as pragas é deseducativo e agressivo para as
crianças e o seu humano como um todo. O Brasil é um dos maiores consumidores de
veneno, chegando a utilizar 7, 3 litros75 por pessoa ao ano. Vale lembrar o fato
alarmante na escola rural, no município de Rio Verde, Goiás, que foi pulverizada com
aviação agrícola, deixando 29 crianças e oito adultos intoxicados e com problemas que
seguirão para a vida toda. Infelizmente, não é um fato isolado. O documentário
brasileiro “Pontal do Buritis: brincando na chuva de veneno76” apresenta a realidade
concreta do campo no Brasil, do que o agronegócio propõe no seu projeto educativo. A
produção da monocultura no campo e a pulverização de veneno com aviões agrícolas
tem sido uma prática permanente das empresas do agronegócio em vários lugares no
país. O filme produzido pela Disney está disponível para as crianças do mundo. Vê-se
claramente que a intencionalidade da pedagogia do capital é, além de vender o produto,
vender uma ideologia de “produção sustentável”, universal, padronizada e de alto

75
Dados da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos.
http://www.contraosagrotoxicos.org/index.php/noticias/40-campanha/572-manifestacoes-pelo-pais-
marcarao-dia-mundial-de-luta-contra-os-agrotoxicos
76
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qHQdWwZcGlg. Acesso em: 12 de junho de 2015.
115

consumo principalmente para os países menos desenvolvidos e no caso do Brasil, com


possibilidade de terra, água e bens naturais.
As produções infantis do agronegócio, com bonitas ilustrações, desenhos
animados etc., são utilizados para atender à demanda do capital. O desenho animado
Meu herói é o Agricultor77, produzido pelo projeto DuPont78 na Escola, apresenta-se
para o público infantil com muitas cores, sabores e cheiros.

O vídeo do projeto Dupont, na escola, cujo titulo é Meu Herói, o


agricultor, chama atenção, entre outras coisas, pelo fato de comparar
o agricultor que aplica agrotóxico nas monoculturas a um herói com
características de super-homem, que sabe lutar de forma correta contra
as pragas que ameaçam a plantação. É uma das formas mais visíveis
da presença da indústria cultural na escola onde a lógica dramatizada
coloca o individuo acima do coletivo. (CHÃ &VILLAS BOAS, 2015.
p.102).
A relação do agricultor com a natureza, nesse desenho animado, é representada
pela imagem de um campo bonito, um agricultor funcionário do grande capital. O
campo é apresentado como um lugar que se produz tudo pra viver. Mas existe um
proprietário dono de tudo e existe o funcionário responsável, consciente da natureza e
das formas que se deve atuar nela. O papel da mulher, nesse caso, é de “dona da casa”,
cuidadora dos filhos, que recebe a visita de seus sobrinhos que moram na cidade. As
crianças da cidade representadas no desenho expressam um desconhecimento da
realidade “rural”. O Super Máster79 salvador da humanidade foi o super herói do
menino da cidade até conhecer o super “herói” agricultor, vestido como astronauta com
uniforme (equipamento de proteção individual IPI) para passar agrotóxicos nas
lavouras. E, assim, em diálogo, as crianças reafirmam um campo bonito e harmonioso:
“é muito bom trocar os barulhos dos carros pelo canto dos passarinhos e a poluição por
esse ar puro”. E a afirmação positiva do uso do uniforme para passar agrotóxico é feita
pelo agricultor que, em diálogo com as crianças, diz: “Preciso usar isso, porque hoje
vou usar defensivos agrícolas. Os defensivos são produtos que protegem a plantação das
pragas e das doenças. Esse equipamento todo é muito importante para minha saúde.
Veja só como eu fico. Eu só posso fazer esse trabalho se estiver vestido assim”. O

77
Disponível em: https://vimeoss.com/67753165 Acesso em: 11/06/2015
78
Empresa que atua a mais de 200 anos e está represtada em de 90 países.
79
Super Máster é um desenho animado no qual o menino personagem do desenho faz referência, quando
chega ao campo do agronegócio e diz que o Super Máster pode resolver todos os problemas do mundo.
116

desenho Meu herói é o agricultor reafirma a produção da monocultura da cana, da soja,


do suco de laranja e que o “Brasil é o primeiro em exportação e será o produtor de
alimento para o planeta” e incentiva o uso do agrotóxico na agricultura.
Essa é mais uma das linguagens que o agronegócio tem apresentado através dos
materiais lúdicos e didáticos para as escolas públicas no Brasil, fortalecendo a sua
ideologia de mercado, de exploração dos bens naturais e do próprio ser humano.
Em resumo, buscamos destacar, em linhas gerais, a atualidade da educação que
sempre esteve atrelada aos interesses dominantes. E, com o processo de
desenvolvimento, foi se adequando à necessidade do capital, fazendo a fusão entre as
diferentes linguagens através da indústria cultural na junção de comunição, alimentação,
cultura e educação, na perspectiva do consumismo de massa.
O avanço da pedagogia do capital, no Brasil, tem vários tipos de apoio do
Estado brasileiro: permite que a escola pública fique de portas abertas para receber a
intervenção direta da ideologia dominante, possibilita a formação dos docentes,
crianças, jovens e adultos pelas empresas privadas, negando o processo histórico de luta
dos trabalhadores da educação, rejeita a existência de seres humanos pensantes e
construtores da educação no Brasil, bem como a existência dos movimentos sociais que
denunciam permanentemente a intervenção violenta dessas empresas, no campo
brasileiro. Os Estados, municípios e Governo Federal, em parcerias com a “organização
política do agronegócio” e as empresas associadas ao capital disseminam a propaganda
e ideologia do agronegócio numa relação “campo e cidade”.
O desafio que está colocado para a classe trabalhadora é de resistência à exploração,
objetivando superar o estado de subserviência, alienação e competitividade em que se
encontram historicamente até hoje. São desafios permanentes na luta de classes, para
que os trabalhadores se organizem enquanto classe, para pensar um projeto social de
resistência, contra-hegemônico que demarque a luta concreta da classe trabalhadora.
117

CAPÍTULO 3
INFÂNCIA NO MST: UMA PRÁTICA EDUCATIVA EM FORMAÇÃO
CONTRA-HEGEMÔNICA

Fonte: Marcelo Camargo/Agencia Brasil - Ocupação no MEC( 2014).

Nós, Sem Terrinha, estamos chamando os outros Sem Terra, os


amigos do MST e o povo para ajudar a conquistar nossos direitos e
cobrar isso do MEC. Como a luta não é fácil, precisamos de muita
gente!80

80
Fragmento do Manifesto dos Sem Terrinha à sociedade brasileira. Brasília, 10 a 14 de fevereiro de
2014, VI Congresso Nacional do MST.
118

Este capítulo tem por objetivo contextualizar a criança na luta pela terra e as
mobilizações infantis que a proporcionaram visibilidade, presença na luta e
protagonismo na construção da identidade Sem Terrinha. Ao escolher a pesquisa sobre
as crianças do MST no Estado do Pará, levamos em conta alguns aspectos considerados
fundamentais no contexto da luta pela terra. Certamente nos demais Estados onde o
MST está organizado, a presença da criança é significativa, mas, nesse caso da luta pela
terra no Pará, a particularidade da região amazônica está marcada por elementos
fundamentais, como a resistência dos posseiros, a Guerrilha do Araguaia, a chegada do
MST - que provocou outra forma organizativa na luta-, além da repressão, da violência,
do massacre, presentes neste contexto. Destacamos as dimensões que essa prática
educativa tem na educação política das crianças e como ela tem provocado o MST, em
nível nacional, a pensar em várias questões, inclusive o Encontro Nacional dos Sem
Terrinha.

3.1 As mobilizações infantis e a educação política dos Sem Terrinha

Foto do site do MST: Encontro dos Sem Terrinha (PR), 2014.

A educação política na perspectiva da pedagogia socialista é o elemento


formador do sujeito social que participa da luta coletiva e elabora seu projeto, a partir da
realidade concreta, recusando-se a viver no limbo social das massas desorganizadas ou
“aceitar” de forma passiva a exploração. Esses sujeitos sociais, certamente, não serão
119

bem vistos pela elite atual, porque defendem uma sociedade na qual todas as pessoas
tenham direito de viver dignamente, o que não se enquadra na lógica hegemônica.
A condição da criança é (re)significada a partir de uma perspectiva de resistência
e de presença na luta. Estes dois elementos são fundamentais para compreender a
infância no contexto da luta pela terra. No caso do MST, a terra, em seu significado de
luta, é a possibilidade para a reprodução da existência humana. E, nesse lugar, a criança
não está fora, ela faz parte e também constrói significado para a luta pela terra, ao
mesmo tempo em que é constituída por ele.

E naqueles lugares onde o MST ainda não tinha (ou não tem) acesso à
escola, as iniciativas de trabalho pedagógico paralelo ou
complementar ao tempo escolar acabaram gestando uma nova frente,
ainda conhecida no Movimento como mobilizações infantojuvenis.
[...] Uma das atividades que deu forma específica a essa nova frente
de ação do setor foi a comemoração alternativa do dia da criança,
através dos encontros regionais e estaduais de Sem Terrinha em que é
trabalhada a dimensão cultural da combinação das identidades: ser
criança e ser Sem Terra. Primeiro encontro desse tipo que o MST tem
registro foi em 1994, no Rio Grande do Sul. (CALDART, 2009, p.
271).

Nos significados que foram gestados no calor da luta pela terra para e com as
crianças do MST, bem como afirma Caldart, uma nova frente de atuação é forjada,
singular no que se refere à organização de crianças, filhas de camponeses, que
historicamente tiveram pouco ou quase nenhum acesso à escolarização, em que se
permite a formação da educação política da infância Sem Terra.
E retomando a construção coletiva da educação do MST, que busca experiências
da classe trabalhadora, não como receita, mas referência para a organização política do
Movimento,tem como inspiração as lutas organizadas pela classe trabalhadora
revolucionária. E, nesse sentido, como já mencionado no primeiro capítulo, as
experiências de construção coletiva cubana e soviética se destacam pelo tempo
acumulado da organização dos trabalhadores e da inserção da criança no aspecto da
educação política. Em Cuba, essa inserção política se dá através da Organização
Pioneira José Martí (OPJM) e, na União Soviética, através da elaboração da Pedagogia
Socialista no contexto de organização da classe.
120

As crianças, em Cuba, desde a revolução, têm o seu espaço de protagonismo


através da Organização dos Pioneiros81 José Martí, processo que também contribuiu
com a organização da infância no MST. No trabalho dos OPJM, os Pioneiros estão
vinculados às escolas cubanas, num processo de formação em que a criança vai se
inserir a partir do 5 anos de idade, na organização e discussão política do país, através
das escolas. A forma de inserção da criança é de livre escolha, mas em sua maioria as
crianças querem ser da OPJM e participar das atividades proporcionadas pela
organização. O discurso de Fidel, em um dos Congressos dos Pioneiros, reafirma a
importância da organização das crianças e do seu conhecimento da história do país.

Ustedes han estado a la vanguardia en esa batalla de ideas, porque no


solo han asombrado a nuestro pueblo, han asombrado al mundo…
Ustedes han multiplicado la fuerza de esta Revolución. Somos más
fuerte por el papel que ustedes han desempeñado. […] Yo solo me
atrevería a preguntar si hay uno que sea hoy más culta que Cuba
(Expresiones de: “no!”) Porque ser rico y capitalista allá, donde se
exhiben en las vitrinas las mujeres para venderlas como mercancía, un
mundo contaminado por el tráfico de inmigrantes, un mundo
contaminado por las drogas, un mundo con 10% o un 15% de
desempleados aunque sea rico, un mundo de egoísta, un mundo todo
lo rige la ambición por el dinero, donde todo se vende y se compra?
Se puede llamar un país culto? (Exclamaciones de: “No!”).
(CASTRO, 2004, p. 70 - Revista Pioneiro).

No pronunciamento para as crianças do Congresso dos Pioneiros, Fidel Castro,


seu dirigente maior, com intencionalidade e direcionamento do conteúdo educativo, traz
como referência a luta como memória/histórica, expressado de forma viva na luta do
povo cubano através do processo revolucionário que construiu uma sociedade contra-
hegemônica. Essa inspiração, em certa medida, está presente no trabalho que o MST
desenvolve com as crianças.
Nessa direção, também a educação socialista, realizada na União Soviética, pós-
revolução de 1917, se faz presente na prática materializada na luta dos trabalhadores
Sem Terra que se desenvolveu a partir da sua realidade brasileira. A partir dessas
experiências do trato com as crianças, numa perspectiva socialista e suas reelaborações,
bem como da própria referência do jeito de se organizar o MST, constitui-se a

81
O termo Pioneiros refere-se à organização das crianças cubanas, articulado pelas escolas do Estado
cubano. É um espaço de interação com a educação, cultura e política.
121

Pedagogia do Movimento, e a educação política da infância Sem Terrinha. Ela tem


como “ponto de partida” a própria luta social, tornando-se inspiradora para outras
organizações sociais do Brasil e de outros países. Na compreensão da importância desse
espaço com as crianças e do trabalho educativo com elas, no contexto de luta, Kolling
relata como foi gestado o lugar e o trabalho de formação para as crianças, no MST, com
inspirações em Cuba:

A gente percebeu o esforço de construir o protagonismo desde a


infância, que é fortíssimo. Desde o berço ter as brincadeiras que são
realizadas. Aquela ideia que tu és responsável pelo teu núcleo, então
desde a ter a infância, foi um elemento que a gente também trouxe.
Como a gente constrói desde a infância o protagonismo dos Sem
Terrinha. E Cuba também tinha, sobremaneira, a ter o ser humano no
centro e dentro do ser humano tá a infância. Nas falas do comandante
para o povo, “se não tem ovos pra todo mundo, mas para as crianças
vai ter, o leite”. A criança tem uma centralidade dentro da
centralidade que é o ser humano, ela é duplamente central. Então o
cuidado com as mães que estão embaraçadas (grávidas), tem um
acompanhamento que é, assim, religioso, é sagrado, há aquele
médico da família que acompanha todos, mas aí, na medida que
esteja grávida, tem um acompanhamento porque a vida já esta aí. A
vida é o centro e as crianças são esse centro. Então, eu acho que a
gente “bebeu” nessa parte, e como o José Martí heroico cubano,
poeta e escritor, internacionalista, ele escreveu muito para as
crianças. (KOLLING82, 2015).

Através do trabalho com as crianças, nos acampamentos e assentamentos, a


revindicação pelo direito à educação e condições dignas para as crianças e adolescentes,
de forma mais ampla, inicia-se com destaque nacional, no ano 1994, junto ao debate do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, em Porto Alegre, no Estado do Rio
Grande do Sul, mobilizam 101 crianças, filhas e filhos de camponeses Sem Terra em
outubro, mês que comemora o “dia da criança”. As crianças Sem Terra, ao invés de
festejar essa data, denunciaram à sociedade gaúcha a falta de acesso a direitos mínimos
de cidadãos brasileiros que a elas foram negados e realizaram o I Congresso Infantil do
MST, entre os dias 10 e 12 de outubro de 1994. Para o MST,

82
Do coletivo de Coordenação do Setor de Educação do MST. Entrevista cedida a Márcia Mara Ramos.
No dia 16 de novembro de 2015.
122

As mobilizações infantis são fruto de todo um processo vivenciado, de


práticas e reflexões sobre a Educação que queremos nos
acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária no Movimento
Sem Terra. [...] Sem dúvida, a repercussão desta atividade
internamente no Movimento, foi muito significativa, pelo entusiasmo
e anseio de participação que as crianças demonstraram desde a
preparação nas escolas, nos encontros regionais e durante o encontro
estadual. (MST, 1999, p. 32-33).

O jornal Sem Terra deste mesmo ano destaca, na capa, a foto do Congresso
Infantil do Rio Grande do Sul, sobressaindo a faixa com a chamada “Crianças lutam
pela Reforma Agrária”. Esse é um dos primeiros registros que afirma a identidade das
crianças do MST, trazendo no título da matéria: “A quem assusta a educação dos “sem-
terrinha?”. Esse apelido foi dado pela imprensa de Porto Alegre, mais especificamente
pelo jornal Zero Hora, segundo informação do Jornal Sem Terra (1994). Ou seja, o
Congresso Infantil despertou o que se tem de mais reacionário na comunicação de
massas na mídia burguesa. Os destaques dos veículos de comunicação do período,
segundo o Jornal Sem Terra, são “sem-terra moldam crianças que serão líderes no ano
2000”, “lavagem cerebral” que o MST faz com as crianças é chamando de “pedagogia
homicida” (educação para a morte).

Essa mesma mídia hegemônica omite as informações do contexto social


relacionado ao desrespeito aos direitos dessas crianças, obrigadas a viver numa
sociedade na qual a terra não está distribuída, e conviver com a inexistência de trabalho
digno que garanta a sobrevivência necessária para vida humana, com moradia,
educação, saúde, lazer, entre outros. Essa forma social é quem produz e negligencia as
condições concretas de existência dessas crianças e as colocam cotidianamente em
situações de violência.
O Jornal Sem Terra, imprensa alternativa, direcionada ao público Sem Terra dos
acampamentos e assentamentos, provoca a reflexão sobre os “Sem Terrinha”, levando
para os diferentes Estados em que o MST está organizado o debate sobre a infância e
como que as crianças causaram um impacto na sociedade por lutarem por direitos
sociais. e mobilizar crianças da classe trabalhadora se tornou um enfrentamento ao
capital. Para o JST, como problematizador e formador, afirma: “[...] afinal, a quem
assustou tanto a manifestação dos Sem Terrinha (é assim que a imprensa apelidou as
nossas crianças)? E porque assusta tanto ver uma criança empunhando a bandeira
123

vermelha e dizendo que quer ajudar a acabar com a miséria do povo?” O JST, mais
que afirmações, coloca questões para serem discutidas e argumentadas ao público dos
acampamentos e assentamentos. Em entrevista ao Jornal Sem Terra, Caldart e Kolling
destacam:

Que a gente possa ter presente o seguinte: se ainda acreditamos que é


possível acabar com o mundo do individualismo, da injustiça e da
miséria, então não temos outra saída: precisamos garantir que as
nossas crianças não percam este horizonte e que se eduquem para
trazê-lo mais perto, a cada dia (JST, 1994, p. 5).

O primeiro Congresso direcionado às crianças vai definindo uma forma


organizativa que, em linhas gerais, persiste nos Encontros Sem Terrinha nos dias atuais:
com as preparações nas localidades, articulação com o mundo da cultura, da
comunicação e educação, como também parcerias com as Universidades, Conselho
Tutelar, entre outros. O debate expresso, nesse primeiro encontro, foi sobre o direito da
criança e do adolescente e, principalmente, o direito de se manifestar na sociedade como
seres humanos contra a criminalização, preconceito com as crianças dos assentamentos
e acampamentos, falta de estrutura e uma série de violências vividas pelas crianças
naquele período.
As crianças que participaram do Congresso Infantil elaboraram um manifesto
que integrou o documento final da 1° Conferência de Crianças e Adolescente da
Comissão Local do Movimento de Meninos e Meninas de Rua – MMR. Uma
representação de 30 crianças do MST participou da Conferência do MMR. (JST, 1994).
Com a realização do 1° Congresso Infantil (1994), no ano seguinte (1995),
conforme informações do Jornal Sem Terra, o Estado do Rio do Grande do Sul,
pioneiro no Congresso Infantil, ocorre o segundo ano de atividade com 120 crianças,
realizando passeata e audiência com o governador, entre outras atividades educativas
com as crianças (JST, 1995, p.7). Na carta do II Congresso Infantojuvenil do MST/RS,
em Porto Alegre, em 12 de outubro de 1995, as crianças Sem Terra escreveram para as
crianças urbanas, destacando principalmente a sua realidade de luta e convocando-as
para a integração na luta:

Olá crianças,
Estamos escrevendo para contar nossa vida nos assentamentos e
acampamentos. Nós, crianças e adolescentes dos assentamentos e
acampamentos da reforma agrária do Rio Grande do Sul, estamos aqui
124

no Segundo Congresso para troca de experiência e revindicar nossos


direitos à vida, à educação, à saúde, a brincar, a estudar. Para nós, a
reforma agrária é muito importante, pois através dela nós conseguimos
tudo o que precisamos. A reforma agrária não conseguimos sem lutas.
A vida no acampamento é sofrida, falta dinheiro para tudo, para
comprar comida, para a saúde, para a educação, mas vale a pena. É só
olhar hoje para os assentamentos como estão. Em alguns, ainda não
conseguimos escolas, mas em outros já foi conseguido pela união e
luta dos seus representantes. O segundo Congresso não é só das
crianças, mas também dos adultos. Nós devemos lutar para ganhar um
pedaço de terra. As crianças da cidade têm que entender que quando
nós ocupamos terra é para trabalhar e não para vagabundear, nós
devemos nos unir uns aos outros. Todas as crianças e adultos também
devem participar para nos ajudar na reforma agrária, se unir mais do
que ficar sozinho num canto sem nada a fazer. Vamos continuar
sempre lutando por nossos direitos, e também tirar as crianças das
ruas. Nunca desanimaremos, sempre resistiremos, buscando uma vida
melhor. A nossa vida é assim. Sempre lutando por nossos direitos.
Venham nos visitar. (Carta das crianças e adolescentes do MST/RS.
1995).83

No mesmo ano, em Santa Catarina, o Congresso Infantil reuniu 270 crianças


em Florianópolis. Essas crianças representaram as 5 mil crianças dos assentamentos e
acampamentos do Estado, em passeata, com o lema “Crianças do Campo e da Cidade,
Lutando por Dignidade”. No estado do Espírito Santo, mais de 300 delegados, entre
crianças das escolas de assentamento, pais e educadores, participaram do Congresso
Infantil em São Mateus, com o lema “Ocupar, resistir e produzir também na educação”,
com passeata e ato em frente à Secretaria de Educação do Município. (JST, 1995, p.7).
Os três Estados que organizaram e mobilizaram seus encontros com as crianças, em
1996, influenciada pela mobilização do ano anterior, realizado no Rio Grande do Sul,
700 crianças, em média, participaram nas principais cidades. Essa ação certamente
colocou em pauta a infância lutadora para a sociedade e, principalmente, para o MST.
No ano de 1996, com as informações do Jornal Sem Terra84- em destaque a foto
da capa é das mobilizações infantis, com a chamada “Jovens e Crianças do MST se
mobilizam”. Os congressos infantis, nesse ano, mobilizam os Estados do Rio Grande
do Norte, com 200 crianças em Natal, e, através das reivindicações das crianças, foi
conquistada “verba do INCRA para reestruturar os prédios das escolas dos
assentamentos. Da secretaria de educação, elas conseguiram 28 quadros-negros, 28
lampiões, cadeiras e material escolar para as salas de aula”. (JST, 1996, p.6). No

83
Arquivo cedido por Edgar Kolling.
84
Jornal Sem Terra. Ano XV – n°163. Outubro/Novembro de 1996. p. 6-7.
125

Maranhão, em São Luiz, 200 crianças cobraram do governo o direito ao trabalho, à


educação e à cultura e entregaram uma pauta para negociação: “Uma menina entrega ao
secretário do governo dois cocos de babaçu representado o trabalho diário de sua mãe,
que ganha 30 centavos para quebrar um quilo. “Não dá nem para comprar uma barra
de sabão”, desabafou a criança”. Na cidade São Paulo, 400 crianças do Estado
ganham destaque no Jornal Sem Terra, com a chamada, “Sem terrinha emocionam
paulistanos”, demarcando o nome e identidade política das crianças através do lema
“Reforma Agrária Uma Luta de Todos e dos Sem Terrinha Também”, da palavra de
ordem que marca o encontro “Terra, Saúde e Educação, pra todo o Sem Terrinha é a
solução”, da pauta de reivindicação que tem os elementos da palavra de ordem (terra,
saúde e educação), e do manifesto dos Sem Terrinha à sociedade brasileira.

Somos os Sem Terrinha, estivemos reunidos 12, 13 e 14 de outubro de


1996 para discutir a situação das crianças no campo. Fazemos parte do
MST e, junto com nossos pais, lutamos por reforma agrária. [...]
Quando a polícia chega em nossos acampamentos, todas as crianças
ficam com medo, porque algum tempo atrás eles mataram 19 pais
numa cidade chamada Eldorado dos Carajás. A gente chora muito,
porque não quer que matem os nossos pais. (Carta à sociedade
brasileira do Encontro dos Sem Terrinha de São Paulo – 1996).85

As crianças realizaram passeata e seguiram até a Praça da República,


reivindicando audiência com a Secretaria de Educação. Uma comissão de crianças foi
recebida e entregou a pauta de reivindicação para o secretário de Educação e de Justiça.
No Estado de Pernambuco, em Recife, 422 Sem Terrinha realizaram o seu Primeiro
Congresso InfantoJuvenil, com caminhada e com o lema "Terra, saúde, educação e
lazer". E “meninos e meninas veem o mar pela primeira vez”. A Bahia realiza o
Congresso com 1.200 jovens, num acampamento estadual para discutir seus direitos.
Com informação do setor de educação nos Estados, em 1996, realizaram também, pela
primeira vez, os Estados do Sergipe, com 600 crianças, e o Ceará, com 100 crianças.
Nos anos anteriores mobilizados em média dez Estados no Brasil, a mobilização
infantil ganha um caráter nacional e, em 1997, o Estado da Paraíba realiza o encontro
estadual com 150 crianças, o Paraná mobiliza 600 crianças em Curitiba, o Rio de
janeiro com 100 crianças realizam a primeira atividade em nível estadual e o Estado de
Minas Gerais realiza o encontro estadual com 250 crianças, em Belo Horizonte. No
85
Documento do encontro dos Sem Terrinha de 1996.
126

ano de 1999, o Estado do Mato Grosso se mobiliza com 200 Sem Terrinha pela
primeira vez, e o Estado do Mato Grosso do Sul com 150 crianças na luta por escola;
No ano de 2000, Tocantins realizou o primeiro encontro estadual com 100 crianças, o
Estado do Pará, com 350 crianças e em Alagoas o MST mobiliza 500 crianças em
Maceió. E, em 2002, o Estado de Goiás realizou com 150 crianças o seu primeiro
encontro. Em 2004, o Distrito Federal, com 150 crianças, e o Estado da Bahia realizou
o primeiro encontro estadual com 250 crianças. O Estado do Piauí realizou, em 2009, a
primeira atividade regional com 180 Sem Terrinha.

Quadro 1. Realização do primeiro Encontro dos Sem Terrinha nos Estados86


ESTADO N° DE ANO ESTADUAL/ OBS.
Ano de CRIANÇAS REGIONAL OU
fundação LOCAL
RS – 1984 101 crianças 1994 Estadual – Porto
Alegre
SC - 270 crianças 1995 Estadual -
Florianópolis
ES 300 crianças 1995 Estadual – São
Mateus
MA 200 crianças. 1995 Estadual – São Luiz
SP 400 crianças 1996 Estadual – São
Paulo
PE 422 crianças 1996 Estadual – Recife O Estado de Pernambuco se tornou uma
referência na organização dos Encontros
estaduais. Em 2007, realizou o maior
Encontro Estadual dos Sem Terrinha do
país, com 4 mil crianças de 7 a 14. E com a
participação das crianças da CPT.
RO 120 crianças 1996 Estadual - Porto
Velho
RN 200 crianças 1996 Estadual –Natal
SE 600 crianças 1996 Estadual - Aracaju
CE 100 crianças 1996 Estadual –
Fortaleza
PB 150 crianças 1997 Estadual - Escola
Piolin – João
Pessoa.
PR 600 crianças 1997 Estadual – Curitiba, Lema: "Sem Terrinha Semeando
Parque dos cidadania".
Tropeiros.
RJ 100 crianças 1997 Estadual – Rio de Realizou-se no Centro

86
Informações obtidas pelo Jornal Sem Terra (JST), em 2015, Jornal Sem Terra do Rio de Janeiro, em
2016 e responsáveis do Setor de Educação nos Estados, em 2016. Esse quadro nos apresenta o início das
primeiras atividades formativas que deu origem à identidade política dos Sem Terrinha nos Estados onde
o MST está organizado, embora que não seja de caráter escolar, mas a escola sempre esteve na pauta de
luta das mobilizações, bem como desde a origem do MST. Mas, não significa que não ocorreram outras
atividades com crianças nas suas diversas frentes de acampamento e assentamento. A pesquisa se refere à
atividade de forma organizada pelo MST, a partir de 1994, cuja identidade da educação política da
infância foi sendo forjada no contexto da organização das crianças Sem Terra no MST, em nível nacional.
127

Janeiro Educacional Anísio Teixeira –


CEAT. O dia da criança foi
comemorado com os filhos dos
bancários.
MG 250 crianças 1997 Estadual em Belo O Encontro foi realizado na
Horizonte Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG
MT 200 crianças 1999 Estadual – Cuiabá
MS 150 crianças 1999 Estadual.
Guanandinzinho –
Campo Grande
TO 100 2000 Estadual – Palmas
PA 350 crianças 2000 Estadual – Belém
Al 500 crianças 2000 Estadual em Foram realizados vários encontros
Maceió estaduais e, atualmente, os
encontros acontecem no
municípios revindicando das
prefeituras melhores condições
para a educação dos
assentamentos e acampamentos.
GO 150 crianças 2002 Estadual – Goiânia
DF 150 crianças 2004 Estadual – Essa atividade foi realizada no
Unaí/MG Assentamento Ribamar, no Centro
de Formação Frei Tito.
Organizada pelo DF e Entorno
BA 250 crianças 2004 Estadual- Salvador Realizou apenas um encontro
estadual. Mas realiza todo ano
encontros massivos nas regiões
Sudoeste e Extremos Sul.
PI 180 crianças 2009 Realizou o primeiro O primeiro Encontro foi realizado
encontro de Caráter com dois assentamentos, Marrecos
Regional, no e Lisboa que são da mesma
Assentamento Região e foi organizado pelos
Marrecas – São educadores da turma do curso
João do Piai. secundário de magistério.

Todos esses Estados realizaram atividades com as crianças nas principais


capitais, reunindo um número significativo de crianças e educadores, denunciando e
proporcionado o protagonismo da criança no processo da luta coletiva de ter o direito à
educação na sua localidade, de ter a terra como espaço de trabalho, moradia e a saúde
como direito humano e social. As diferentes temáticas estudadas, transformadas em
palavras de ordem, pauta de reivindicação e músicas, são importantes para a intervenção
da criança no seu cotidiano, seja com a família, na escola e na própria comunidade. São
ações que educam e ganham vida na inserção da criança na luta pela terra, na
valorização da realização dessas atividades, decidida junto aos adultos, é sem dúvida um
reconhecimento, pelo MST, da importância da formação humana e da educação política
na vida da criança.
128

Os Encontros das crianças no MST ganham espaços e demarcaram a ocupação


das crianças no MST, que Arenhart (2007) destaca em seus estudos sobre a infância
Sem Terra Quando as crianças ocupam a cena:

Contudo, pode-se identificar que alguns elementos são comuns na


constituição das experiências socioculturais das crianças que estão
envolvidas na luta pela terra, como a condição de viverem suas
infâncias no contexto do mundo rural, pertencerem à classe
trabalhadora e fazerem parte do MST. Esse último elemento talvez
seja o que mais a identifique como coletividade e que mais as
diferencie em relação às outras crianças – que também vivem no meio
rural e da mesma forma pertencem à classe trabalhadora.
(ARENHART, 2007, p. 43).

A forma organizativa do MST direciona o movimento da sua pedagogia também


para a organização infantil, possibilitando o protagonismo das crianças Sem Terrinhas.
Na avaliação e debate interno do MST, percebendo a capacidade de mobilização infantil
com a realização dos Congressos Infantis, a identidade das crianças no MST vai se
fortalecendo e ganhando força nacional, tendo como principal referência a pedagogia
que o MST vai construindo a partir da luta, da coletividade e da organização política. E,
nesse percurso da ocupação da criança no MST, discute a mudança do nome Congresso
para Encontros/jornadas/mobilizações.
O nome Congresso Infantil, no MST, pode ter sido de inspiração cubana, dos
Congressos dos Pioneiros, mas na reflexão do MST, como uma organização política,
entendendo desde então que as crianças fazem parte do conjunto da estrutura
organizativa do MST, o qual também realiza seus congressos a cada cinco anos, entende
que os Sem Terrinha, são partes desse coletivo maior. Por isso, não seria necessário
criar um congresso infantil, logo, este espaço político das crianças poderia ter outro
nome, como: encontro estadual, regional, mobilizações e jornadas infantis dos Sem
Terrinha. Para o MST,

Nenhuma mobilização de criança acontece por acaso. Todas nascem


de uma necessidade concreta, vivida, sentida e refletida por elas e pelo
conjunto do acampamento do assentamento. A falta de escola,
professores, material escolar, por exemplo, é assunto discutido no
cotidiano de suas vidas. [...] Com o crescimento dessas atividades, no
ano de 1998 vem se ampliando o número e o público de participação,
oportunizando encontros de entrosamento com a participação de
crianças urbanas Sem Teto e crianças vizinhas dos assentamentos.
(MST, 1999, p. 35-36).
129

No ano de 1998, as mobilizações ganham força na organização e atividades das


crianças, passando a fazer parte do cronograma da Jornada Nacional de luta do MST. O
mês de outubro se torna uma referência da luta e mobilização infantil. A formação de
uma cultura política da infância vai ocorrendo juntamente ao processo de formação do
conjunto do MST. As pautas necessárias do conjunto passam a ser também das crianças
e outubro ganha significação ao tornar-se o mês de luta das crianças Sem Terra. As
“comemorações” do dia das crianças são marcadas por aspectos políticos, de denúncia
da sua realidade social, também de festa, de muitas brincadeiras e diversão, mas
principalmente dando visibilidade ao sujeito criança. E, desde então, as mobilizações
infantis do MST, em nível nacional, têm crescido e se tornado um marco na vida e na
formação da infância dos acampamentos e assentamentos.
A singularidade da infância Sem Terrinha está marcada pela vida no campo, e
que somos provocados a pensar que esse lugar, pra ser diferente, exige organização de
práticas, como propor a educação política na perspectiva da pedagogia socialista na
organização das crianças da classe trabalhadora, reconhecendo-as como lutadoras no
contexto de luta contra capitalismo.
As crianças do MST, ao participarem do primeiro Congresso Infantil, tornaram-
se sujeitos e continuam lutando e fazendo história nesses 21 anos de protagonismo dos
Sem Terrinha na luta pela terra. Embora seja uma luta pontual, que se afirma no mês de
outubro com mais força, as atividades educativas, no seu cotidiano, ocorrem nas
escolas, nos grupos de estudos, nas Cirandas Infantis, nas cooperativas, nas marchas,
nas reivindicações locais. A prática educativa vai sendo desenvolvida e se tornando uma
referência na educação política da criança, exigindo um esforço maior do coletivo de
educação para pensar, refletir e aprofundar sobre essa frente e sua formação. O caderno
Fazendo Escola n° 287 registra o processo sobre as mobilizações infantis no MST.
A palavra “sem-terrinha” que aparece pela primeira vez em 1994, no jornal Zero
Hora, como nome pejorativo dado pelo jornal às crianças Sem Terra, ganhou
significação política para a formação da identidade das crianças do MST. Contrapondo
a mídia burguesa, o Jornal Sem Terra das edições de 1994, 1995 e 1996 desenvolveu
um processo de debate com a base sobre os Congressos Infantis que foram ganhando
87
O MST, a partir de suas práticas educativas, produz a sistematização coletiva para reflexão interna.
Esse documento, “Fazendo Escola 2, Crianças em Movimento: As Mobilização infantis (1999)”, foi uma
produção coletiva envolvendo os professores das escolas, os educadores do MST, as crianças que
participaram dos encontros do Sem Terrinha e dirigentes do MST.
130

força nacional. E a palavra “sem-terrinha”, em 1997, se tornou identidade política


nacional, tornando-se nome próprio das crianças Sem Terrinha do MST. Com a
reafirmação do Jornal Sem Terra, nos três anos consecutivos (1994 -1995 – 1996),
mesmo que o nome dos encontros tenha permanecido “Congresso Infantojuvenil”, a
hipótese é que o Jornal Sem Terra pode ter fortalecido a identidade política do nome
dos Sem Terrinha no MST e, por isso, aparece com força no Congresso de São Paulo
(1996), em seus documentos com o tema afirmativo “Reforma Agrária, Uma Luta de
Todos e dos Sem Terrinha também!”, da carta dos Sem Terrinha para o povo brasileiro
e da palavra de ordem.
A jornada dos Sem Terrinha é um lugar de encontro, de festa, de brincadeiras, de
luta e negociações. Cada Estado tem uma forma de se organizar, mas sempre tem uma
equipe de negociação das crianças para discutir com as prefeituras, Secretarias
Municipais de Educação e Secretaria de Estado da Educação. É um momento de
preparação que envolve os assentamentos e acampamentos e um conjunto de pessoas -
as crianças, os educadores, as lideranças/militantes, os amigos e aliados, motorista de
ônibus, cozinheiros, oficineiros, jornalistas etc. A preparação do encontro já é uma
motivação em si para a participação.
As crianças preparam cartazes com as temáticas do encontro, preparam as
camisetas do MST, discutem sua participação, as apresentações culturais que serão
socializadas, como também a criação das palavras de ordem88 que as identificavam por
localidades, e acabam se tornando nacional, como exemplo: “Estrela, estrela
vermelhinha, o futuro do Brasil está nas mãos dos Sem Terrinha”, “Brilha no céu a
estrela do Che, nós somos Sem Terrinha do MST”.
E desde os acampamentos e assentamentos do MST, locais em luta e disputa
com o latifúndio e o agronegócio, crianças Sem Terrinha, fazem jornadas estaduais a
partir do seu contexto de vida, de luta e resistência. O encontro é um espaço de crianças
das diferentes localidades dos acampamentos e assentamentos e é proporcionado a elas
um lugar de integração, socialização e participação coletiva.
Depois das primeiras mobilizações infantis, praticamente todos os Estados, onde
o MST está organizado, realizam a atividade seja ela de caráter local (nas brigadas,

88
São palavras fortes criadas por educadores e crianças para reafirmar o objetivo da luta das crianças no
seu contexto social.
131

núcleos de base dos assentamentos ou acampamentos), regional que contempla o


conjunto de territórios ocupados pelas famílias do MST, ou estaduais. A presença de
atividades com as crianças no mês de outubro está na agenda política do MST.
Essa frente vem se propondo, nas últimas três décadas, reafirmar a importância
das crianças e o seu ponto de vista na luta dos trabalhadores, o papel formativo de uma
cultura da infância fundamentada na luta social e na “reinvenção” do MST, como
organização popular reconhece, os encontros e jornadas dos Sem Terrinha, como espaço
de formação, de aprendizado que dá significação a criança no contexto da luta pela
terra. A significação da Jornada, nesses 21 anos de formação e gestação, é uma
experiência política em educação que mobiliza as crianças e as permite que sejam
protagonistas da luta pela terra no MST.

3.2 A luta pela terra e a Infância no Pará

Fonte: Arquivo pessoal. Acampamento Hugo Chávez – 2015.

Hoje, o silêncio pesa como os olhos de uma criança depois da fuzilaria.


Candelária, Carandirú, Corumbiara, Felisburgo, Eldorado dos Carajás
não cabem no insignificante sentido das palavras...Se calarmos,as pedras gritarão89!

89
Poema “Pedagogia dos Aços”, Pedro Tierra.
132

A luta pela terra, no Estado do Pará, tem as profundas marcas históricas de um


país colonizado, que se acirrou no enfrentamento entre posseiros e fazendeiros, no
combate à ditadura militar do Movimento da Guerrilha do Araguaia 90, das diferentes
populações existentes e resistentes no campo, do garimpo, da milícia armada, do Estado
burguês que está a serviço do poder dominante local, da pistolagem e do surgimento do
MST.
É nesse contexto que o MST vai sendo gestado no final da década de 1980, no
Estado do Pará (Trocate ,2015), ao contatar um dos Jovens do MST que contribuiu com
o surgimento e organização dos trabalhadores do Pará, motivado a lutar pela terra,
afirma que,

O que tinha, além da condição de classe subalternizada, de pobres e


migrantes, descidos do nordeste paraense, nos idos da década de
oitenta (80); eram duas experiências e tão somente nosso principal
arsenal: uma, de 1986, quando fizemos veredas pela luta dos
posseiros, (liderado pelo seu Chico Antonio, foi na casa dele, antiga
delegacia sindical, que vi pela primeira vez em um cartaz, com a
palavra de ordem, reforma agrária na lei ou na marra), na área como
“sereno” tudo era dispendioso, das dificuldades para se fixar no local,
pressão da pistolagem e malárias nos impuseram uma desistência,
diria conjuntural; e outra, de ocupação urbana, do hoje conhecido e
populoso bairro da Paz, em 1990, quando ajudamos a transpor o limite
da nascente cidade com o latifúndio, que era a Rua do “Arame” em
Parauapebas. (TROCATE, 2015, p. 13).

Para Trocate, a história do MST no Pará inicia-se com os jovens do MST que
foram deslocados para o trabalho de base no Estado. O autor destaca o jovem Onalício
91
Araujo Barros, conhecido como “Fusquinha” , como um dos precursores que entrou

90
Sobre a Guerrilha do Araguaia, movimento que surge entre 1972 e 1974 para combater a ditadura civil
militar. Esse movimento foi organizado para “defender desenvolver sua luta pela posse da terra, a
liberdade e uma existência melhor para toda a população, decidiram formar destacamentos armados,
criaram as Forças Guerrilheiras do Araguaia. Tomara, também, a iniciativa de fundar uma ampla frente
popular para mobilizar e organizar os que almejam o progresso e o bem-estar, os que não se conformam
com a fome e a miséria, com o abandono e a opressão”. No sul do Estado do Pará, as Forças Guerrilheiras
do Araguaia, firmemente combaterão os soldados da ditadura militar. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/grabois/1973/12/diario.pdf Acesso em: 13/02/2016 , as 10h15.
91
“Onalício Araujo Barros era conhecido por “Fusquinha” e Valentin Serra, como “Doutor”. Ambos
foram assassinados em 1998 na ocupação da Fazenda Goiás II, área de reconcentração do antigo
assentamento CEDERE I, hoje, Assentamento “Onalício Araujo Barros” com 68 famílias. São acusados
como executor José Marques Ferreira “Donizete” e como mandante Carlos Antônio da Costa “Carlinhos
da Casa Goiás”, atualmente proprietário da “Goiás Concreto”, em Marabá, Parauapebas e região. Não por
acaso, o mesmo núcleo da Fazenda Parauapebas, acrescidos de Rafael Saldanha, Gabriel Saldanha, Dão
Baiano, Ninha Baiano, Marcelo Catalão, Takinha, José Ulisses Guimarães, entre outros, que pressionam o
INCRA e o Governo Federal para não vistoriar e nem desapropriar as fazenda reivindicadas pelo MST,
desde de 2007, das glebas Tabocas e Rio Novo. Ao mesmo tempo que montam aos olhos do órgãos de
133

nas fileiras de organização do MST, antes de 1990. Sua atuação se realizou,


inicialmente, na Região de Conceição do Araguaia com a ocupação da fazenda Ingá que
se considera a gestação do Movimento no Pará. E, em 1991, quando um grupo de
militantes do MST foram presos na Região de Marabá, acusados, na época, de
remanescentes da Guerrilha do Araguaia, a luta e a organização do MST no Estado
começa a se consolidar. (TROCATE, 2015, p. 14-15).
Concordando com Trocate, o MST no Pará nasce da radicalidade das lutas do
campesinato posseiro, reabrindo o conflito de classe e o conflito estatal na luta pela terra
e reforma agrária (TROCATE, 2015, p. 17). A “negação da reforma agrária como
política de desenvolvimento social” e “desterritorialização territorial” dos povos
“indígenas, caboclos, quilombola, ribeirinho” cuja base de suas civilizações é a
coletividade da terra. (TROCATE, 2015, p. 20-21).

A tríade do projeto de desenvolvimento” capitalista na Região é


determinada; por: a) aplicação do grande capital (nacional e
estrangeiro) na espoliação dos bens da natureza; da água, da terra, da
floresta, da biodiversidade; b) precarização do trabalho, pelo baixo
uso da ciência e tecnologia e do desenvolvimento das forças
produtivas; e c) a concentração de riquezas que monopoliza os
recursos frente à pobreza, numa crescente marginalização da
sociedade (TROCATE, 2015, p.21).

Como ilustração do projeto do capital, Parauapebas que era uma cidade de 16


mil habitantes na década de 1990, com as investidas do projeto da mineradora Vale,
segundo dados do IBGE, a população estimada em 2015 é de 189.921 mil pessoas, e
projetada para “1 milhão nas próximas três décadas”. O crescimento92 da cidade se deve

segurança pública do Estado, a maior milícia armada do Pará, para intimidar, assassinar e despejar
famílias do Acampamento Frei Henri, acampados desde agosto de 2010, no município de
Curionópolis, na área denominada “Fazendinha”. Ainda em 2010, a Justiça Federal encerrou o processo
de desapropriação, sem que o fazendeiro fosse indenizado pela posse da áreas, da antiga fazenda Goiás II.
(TROCATE, 2015, p. 14 – grifos nossos).
92
Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, Venâncio Romero (2013), explica que Paraupebas a “cidade da
Vale” assim conhecida, e que por conta do royalties minerais tem um dos mais altos Produto interno
Bruto (PIB), de US$ 2, 1 bilhões de dólares, o segundo maior do Brasil, deixando para trás São Paulo e
Brasília. O nível de caos social desenvolvido pela modernização violenta e brutal, segundo o pesquisador,
é alto, acompanhado pelo alto nível de alcoolismo e cujo mapa de violência com a juventude, mulheres,
negros e pobres é alarmante, na 33° cidade mais “rica” do Brasil e que, em 2013, o município saltou de
21° colocação para o 10° lugar de cidade mais violenta do Estado do Pará. Considera-se que o risco de
um jovem morto, “vítima de disparo ou faca” é de 25% maior do que no Iraque. O órgão municipal para
o pesquisador, “acabam sendo uma extensão das políticas tecnológicas, econômicas e estratégicas da
Vale”. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/26967 Acesso em: 14/02/2016 às 8h30.
134

pela procura de emprego estimulada pelos anúncios da Companhia, muitas famílias se


deslocam das regiões próximas, principalmente do Maranhão para o Sudeste do Pará em
busca de trabalho.
A espacialidade do MST, no Pará, durante esses 25 anos, se localiza em mais de
30 municípios do Estado, através das ocupações, e o principal foco de ocupações e
articulações localiza-se na região Sudeste do Pará, e tem como referência na cidade de
Marabá. (TROCATE, 2015).
A presença do MST no Estado do Pará se deu, em 1988, pelo relatório interno
que comprova a existência do “Encontro Estadual do Movimento Sem Terra em Belém”
que avalia o trabalho de 1987 na estruturação de uma coordenação. Para Rocha, o
relatório, além de trazer a memória e registro das reuniões e encontros com posseiros
das regiões sul, sudeste e noroeste do Estado, faz parte da gestação do Movimento no
Estado. E até esse período, a Secretaria Estadual do MST funcionava na sede da Central
Única dos Trabalhadores (CUT), em Belém (ROCHA, 2015.p.31-32). O MST se
consolida no Estado do Pará, um dos lugares de maior “conflitualidade fundiária” por
seu histórico de luta dos posseiros, e do movimento como Guerrilha do Araguaia.
Outros estudos de Mançano (2000) & Morissawa (2011) e do próprio
movimento, no Estado, consideram um processo de gestação do MST com base nas
lutas históricas dos anos 1980, mas a data oficial foi a “ocupação da Fazenda Ingá, em
10 de janeiro de 1990”, no município de Conceição do Araguaia. A origem dos
trabalhadores que participaram da ocupação, nesse período, era constituída,
essencialmente, por posseiros e garimpeiros. E, com essa ocupação do MST, “inaugura
uma nova forma de luta pela terra no Estado”, (ROCHA, 2015, p.39), pois a luta dos
posseiros “entendida pela tríade homem-arma-lote, estabelecia um conflito de classe
entre posseiros e latifundiários, mas não conseguia estabelecer conflito institucional”. O
Movimento dá continuidade à luta pela terra, mas envolve o conjunto das famílias nas
tomadas de decisões, as ações são “massivas”, coletivas, a “resistência sem uso de
armas”, estabelecendo um “conflito institucional de cobrança da reforma agrária” via
Instituto de Colonização da Reforma Agrária – INCRA, o qual se diferencia da luta dos
posseiros (ROCHA, 2015, p. 31-39-40).
135

Quadro 2 – Comparação entre as características da luta dos posseiros e dos sem-terra


Posseiro Sem Terra
Ocupação “Espontânea” “Planejada”
Movimento Isolado Socioterritorial
Local Escondido (mata) Visível - (beira de estrada e
prédios públicos)
Organização inicial Lotes Acampamento
Participante Homens Família
Objetivo concreto Conquista do lote Conquista do assentamento
Perspectiva Conquista do lote Reforma agrária
Enfrentamento “Proprietário” Estado
Fonte: PEREIRA, A. dos R. (2007) – apud MICHELOTTE, Fernando. (2008)

Alguns elementos que caracterizam as mudanças na luta entre posseiros e Sem


Terra no Estado do Pará são, em concordância com Michelotti (2008), mudanças
processuais entre “ocupações espontâneas” e “ocupações organizadas”, mas que
forçosamente requerem um nível de organização e planejamento para as mesmas.
Estudos de Michelotti, Ribeiro, Souza e Freitas (2007), apoiados em estudos
sobre a questão agrária no Brasil, comparam a relação nacional com o “território sudeste
paraense”, analisam que o período de 1996 a 2006: “A criação de assentamento é uma
resposta à intensidade das ocupações de terras nos anos anteriores”, no que não
diferencia da luta nacional. Mas o enfrentamento da luta pela terra, no Pará, reforçou
nacionalmente a luta do MST em nível nacional: “Exemplo significativo disso foi o
Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido nessa região em 1996, com repercussão
nacional e internacional, exerceu uma forte pressão junto ao governo federal para a
criação de assentamentos em todo o país”. (MICHELOTTI et alli, 2007, p. 7).
O Massacre de Eldorado dos Carajás representa o alto grau de violência da
oligarquia agrária brasileira que orienta e determina a ação do Estado burguês que, para
conter a luta social em expansão no Estado, no período do Massacre, utiliza o aparelho
repressivo, exercendo o papel de atender aos interesses da burguesia.

Na Região de Carajás, lugar de nascimento e consolidação do MST do


Pará, o campesinato é estrangeiro, a realidade que o encontra, como
migrante e depois, massa refugada dos grandes investimentos, faz suas
lutas em duas perspectivas: a de eliminar a condição de classe do
latifúndio para se fixar, e para ser, faz com muitas limitações; e a
principal delas, enfrentar a violência estatal e da burguesia
136

escravocrata, numa das regiões aonde se chega a níveis de guerra civil


declarada. O “Massacre de Eldorado dos Carajás”, ocorrido em abril
de 1996, é o símbolo até hoje intransponível dessa violência histórica.
(TROCATE, 2015, p. 22 e 23).

No dia 10 de abril de 1996, saiu a marcha do acampamento com


aproximadamente 2 mil pessoas, no município de Curionópolis, Km 95 da rodovia PA-
150, conhecido como Curva do “S”, em direção a Belém. A marcha, como uma as
principais simbologias de luta do MST, como forma de protesto, reivindicava a
desapropriação de terra para o acampamento. Porém, os trabalhadores rurais foram
impedidos de seguir para Belém por uma simples questão: garantir o direito dominante
em exercer o poder sobre a classe trabalhadora.

Pode-se perceber, durante a pesquisa, em conversas às famílias


sobreviventes, com militantes e dirigentes, que vivenciaram o
massacre, que existiram muito mais mortos que os números oficiais.
Relatam ter visto corpos de crianças e mulheres no asfalto, no entanto
não se tem registro de mulheres ou crianças mortas. Uma ponderação
que sempre fazem é: “se uma família inteira foi morta, mãe, pai e
filha/o não tem nenhum parente, quem ia reclamar o
desaparecimento?” [...] No Pará, e em boa parte do Brasil, os amos da
terra reinam, por roubo roubado ou por roubo herdado, sobre
imensidões vazias. Seu direito de propriedade é direito de impunidade.
Dez anos depois da matança, ninguém estava preso93. Nem os amos,
nem seus instrumentos armados. (ROCHA, 2015, p. 53).

Após esse massacre, o dia 17 de abril passou a ser o dia internacional da luta
camponesa e dia nacional de luta pela reforma agrária para as organizações sociais e que
virou a Lei94 n° 10.469, de 25 de Junho de 2002, Dia Nacional de Luta pela Reforma
Agrária.
O Massacre de Eldorado dos Carajás ganha solidariedade e repercussão
internacional, fortalecendo a simbologia da luta. Em consequência, o MST, no Estado
do Pará, se torna uma articulação organizadora, para além da luta massiva, e, amplia a
sua base social. Atualmente, o MST está organizado em 25 áreas dentre assentamentos e
acampamentos, organizando-se em quadro regiões no Estado – Carajás, Eldorado,
Araguaia e Cabana, num total de 4.874 famílias (ROCHA, 2015).

93
Até hoje, nenhuma pessoa está presa pelo ocorrido, o coronel Mário Pantoja e o Major José Maria de
Oliveira foram condenados por terem comandado a ação, mas estão recorrendo da decisão em liberdade.
Já os soldados foram promovidos no início do ano de 2007 a Cabos da Polícia Militar pela governadora
do Estado Ana Julia Carepa (ROCHA, 2015, p. 56).
94
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10469.htm Acesso em: 15/02/2015 às
19h
137

Nesse processo de 25 anos de existência do MST no Pará, os estudos de


MICHELOTTI, RIEIRO, SOUZA e FREITAS (2007) fazem a seguinte periodização do
“Território do Sudoeste Paraense”:

(i) 1987 - 1988: inicia-se a criação de assentamentos na região,


resultados da pressão nacional e regional pela reforma agrária,
acrescidos de interesses locais, expressos através a política de
regularização fundiária promovida por Jader Barbalho a frente do
MIRAD; (ii) 1989 – 1996, redução significativa na criação de
assentamento na região, reflexo do desmonte de estrutura do Estado e
do refluxo da luta pela terra; (iii) 1997 – 1999, fruto da pressão
nacional e local iniciada já em 1995/95, a criação da Superintendência
Regional do INCRA em Marabá (SR-27) e a repercussão do Massacre
de Eldorado dos Carajás. [...] 2000 – 2002, (final do governo FHC),
do ponto de vista da criação de assentamento ocorre um declínio em
relação ao período anterior, reflexo da ofensiva do governo federal em
desmobilizar a luta pela terra, embora no ano de 2001 o número de
assentamentos criados seja elevado; 2003 – 2006 (1º Governo Lula),
em que pese a retomada da pressão nacional pela reforma agrária, a
criação de assentamento nestes municípios segue o mesmo padrão do
período final do governo FHC (ROCHA, 2007, p. 4).

A luta do MST, através de sua organização, amplia-se com a criação dos


assentamentos, mas para os pesquisadores não é uma frente única de expansão, “pois se
inter-relaciona com outras frentes de expansão: madeireiros, grileiros, pecuaristas,
extensivos que aparentemente recriam uma elevada conflitualidade na fronteira, mesmo
considerando a regularização mais rápida, a posse a terra dos camponeses pela luta atual
política de criação de assentamentos” (IDEM, 2007. p.14). Na configuração da luta pela
terra, no Estado do Pará, fica evidente a conformação da política de Estado brasileiro no
“não enfrentamento do monopólio da terra”, do fortalecimento do “agronegócio como
desenvolvimento” (MICHELOTTI, 2007, p. 15).
Com a conquista dos assentamentos que só ocorreram pela luta, o MST tem a
educação desde o acampamento e assentamento como uma frente de luta e resistência.
A preocupação com a formação das crianças, bem como dos seus educadores, está na
estratégia de luta, sendo que, em 2001, através do PRONERA, realizam a 1° turma de
pedagogia da terra – juntamente com a Universidade Federal do Pará, sendo a 4º turma
em nível nacional. Os professores das escolas, desde a educação infantil ao ensino
médio, têm a oportunidade de ter acesso à universidade, como também a possibilidade
138

de ter um programa construído a partir da necessidade da educação da classe


trabalhadora. (ROCHA 2015 & BAHIA, FELIPE e PIMENTA, 2005).
Mas, mesmo com a conquista de muitos assentamentos no Estado do Pará, como
a já mencionada luta dos posseiros, existem também outras organizações do campo
nesse território e, portanto, nem todos os assentamentos são vinculados ao MST. E a
disputa pelo território não se dá só contra a organização da milícia armada do latifúndio
da terra, mas também contra a intervenção de grandes grupos empresariais. Nessa
direção, um exemplo é a Companhia Vale que vem explorando as riquezas da região. O
surgimento da Vale, no Brasil, ocorre através da negociação do governo brasileiro com
o governo estadunidense conhecidos como acordo de Washington, no final da década de
1940.

Fonte: Arquivo pessoal

Fundada no ano de 1943, como Companhia da Vale do Rio Doce, no Estado de


Minas Gerais, a partir do ano de 1985, quando ainda era estatal, foi inaugurado o projeto
Ferro Carajás, começando atividade de exploração do complexo Carajás que, desde a
sua origem, sofreu intervenção internacional do projeto do capital (COELHO, 2015). E
com a privatização anunciada em 1995, com a justificativa de diminuir a dívida pública,
o governo Fernando Henrique Cardoso implantou “o plano nacional de desestatização
com a intenção de vender, entre outras empresas públicas CVRD” (COELHO, 2015, p.
37).
Em 1997, foi privatiza a Companhia e os impactos desta privatização vem
intervindo nas populações que convivem no território onde está instalado a grande
139

estrutura da mineradora. Segundo Coelho (2015), os impactos que ocorrem na região


pela intervenção da Vale podem ser, alguns, qualitativos, mas outros são difíceis de
medir por ocorrer ao longo prazo. Esses impactos ocorrem através da “concentração de
renda”, beneficiando um pequeno grupo e concentrando a riqueza, com a
“superexploração do trabalho”, com baixos salários e condições de risco para os
trabalhadores, “aumento do tráfico local”, principalmente nas rodovias e áreas urbanas,
os “acidentes de trabalho” que ocorrem nas minas subterrâneas que são constantes, bem
como é histórico na mineradora a “destruição de formas de produção tradicionais” que
dependem de processos jurídicos e nem sempre se leva em conta a história, os processos
culturais dessas populações. E, com isso, a “expulsão de população residente próxima às
minas” é inevitável e é a mais afetada, a exemplo do “rompimento” da barragem em
Mariana, Minas Gerias, sob responsabilidade da Mineradora Samarco, vinculada à Vale,
e “deslocamento de grande contingentes populacionais para a cidade próximas às
jazidas”, gerando aumento de violência e especulação imobiliária e “inviabilidade de
formas tradicionais de viver, estar e produzir”, colocando em risco as populações do
campo e suas formas de organização social (COELHO, 2015, p 117-119).
O MST tem se tornado uma frente de resistência a esses empreendimentos e
realizado várias ações, ocupando os trilhos da referida estrada, como forma de chamar a
atenção da sociedade para a problemática na região. Em 2007, na jornada nacional de
luta, o MST do Pará organizou uma das maiores ações ocupando os trilhos da VALE –
no assentamento de Palmares, com a participação de 6 mil trabalhadores rurais
(incluindo garimpeiros, pequenos agricultores, juventude urbana), interditando a Estrada
de Ferro Carajás (ROCHA, 2015, p. 68). Essa atividade teve a duração de um mês, com
os trabalhadores e trabalhadoras acampados às margens da ferrovia e em alguns
momentos impedindo a passagem dos trens.
Para atenuar os “problemas” sociais através dos impactos, a Vale, em parcerias
com municípios e Estado, desenvolveu projetos educacionais nos municípios da região
através da Fundação Vale. A educadora do ensino infantil de uma das escolas de
assentamento, em entrevista, relata que:

Em relação às influências que a Vale tem tido é muito grande e eu


posso dizer que é investida. A formação que nós recebemos - os
140

educadores, nós que estamos na gestão é feita pelo CEDAC95 que é


um prestador de serviço da Fundação Vale na área da formação de
educadores, na formação de gestão. A Vale tem investido na questão
ideológica, tanto dentro das escolas quanto fora com a juventude
oferecendo os pacotes de estudo de trabalho, para uma minoria
dizendo que está fazendo pra todo mundo. Há um processo ilusório de
formação e investimento que ela faz na cabeça das pessoas. Se a
gente não tem outro espaço, se a gente não busca outra formação, a
gente acaba sendo seduzida pela proposta bonita. Pra nós, já foi até
apresentado o grande projeto Pitágoras que é projeto pedagógico da
Vale, o projeto de educação deles é o projeto Pitágoras. Nas nossas
formações, eles apresentam como o melhor projeto do mundo, nós é
que precisamos fazer o contraponto, se não tu acabas achando que o
negócio é bom mesmo. É bom pra eles os magnatas, realidade pra nós
é outra (MATOS96, 2015).

Em pesquisa sobre as práticas da Vale, no Estado do Maranhão, Araujo (2015)


destaca três temáticas complementares nas ações da Fundação: “desenvolvimento
urbano, cultura e esporte”. As ações se efetivam, em sua grande maioria, segunda a
autora, por parcerias público-privado, entre o governo, a empresa e a sociedade civil.
Destaca, ainda, serem três âmbitos de ações prioritárias: saúde, educação e geração de
trabalho e renda, num caráter preventivo, de promoção e prêmio no campo da saúde
para as crianças de 0 a 10 anos; na relação geração de trabalho e renda, o
empreendedorismo e as aptidões vocacionais é o foco principal para a agricultura
familiar, envolvendo as mulheres. (ARAUJO, 2015, p. 42).
A pesquisa apresenta, no campo da educação, os projetos e o espaço educativo
da Fundação Vale: “Casa do Aprender; Roda de Conversa; EJA; Estação do
Conhecimento (EC); Vale Juventude; Programação Educativa no Trem de
Passageiros – Teletrem – desenvolvido em parceria com o Canal Futura”, que vem
fazendo a formação ideológica das crianças, jovens e educadores via instituição
pública. (ARAUJO, 2015, 44-46).

O que as empresas pretendem, com isso, é manter uma estratégia


política de dominação no campo educacional, a chamada pedagogia da
hegemonia, sendo necessário formar os intelectuais singulares que vão
se encarregar de vender e defender as ideias destas como ideias de
toda a sociedade. Exemplo é a ABAG que atinge de maneira crucial a
disputa de projeto de agricultura em favor do projeto do agronegócio;
da Fundação Vale, braço pedagógico da corporação Vale – campeã no

95
CEDAC - Comunidade Educativa. Entidade que faz a formação técnica de professores da rede pública
em parcerias com as Secretaria de Educação, juntamente com a Fundação Vale.
96
Deusamar S. Matos é assentada em Palmares II, professora e gestora da Escola de Educação Infantil.
141

ramo da mineração e a menina dos olhos do “desenvolvimento”.


Ambas, formam professores, secretários de educação, gestores das
escolas com base nos valores e princípios por esta defendidos. Assim,
consideramos que a pedagogia da hegemonia vai acontecendo em uma
importante rede de articulações nacionais e internacionais, de maneira
que a Fundação Vale é um intelectual orgânico coletivo do capital e se
torna esse intelectual mediante processo de formação conduzido em
articulação com organismos internacionais, com interesses do capital
internacional (ARAUJO, 2015, p. 59-60).

São alguns exemplos de como as empresas tem atuado na formação das


populações do campo e da cidade com a intencionalidade na pedagogia do capital e que
as entidades críticas da educação brasileira precisam se posicionar com mais
radicalidade frente a esses intelectuais orgânicos do capital com ações concretas e
urgentes contra a mercantilização da educação brasileira.
São muitos os desafios que estão colocados para o MST, em nível nacional,
como para toda sociedade. Mas, especialmente no caso do Movimento no Estado do
Pará, verificamos a luta de classes ainda mais evidente numa disputa acirrada frente às
investidas do capital, também por sua pedagogia, em que a da classe trabalhadora é a de
resistência. Esses são elementos importantes para compreender a luta pela terra nesse
Estado, no contexto da organização política, de garantir e manter as conquistas
históricas que ocorreram através da luta, ao mesmo tempo, denunciar, de forma
permanente, os impactos da Companhia Vale na região Sudoeste Paraense.
A importância da disputa pelo território e resistência, na entrevista com o jovem
Lierbeth, que já foi Sem Terrinha e hoje tem a oportunidade de fazer o curso de
medicina na Venezuela, revela uma análise pertinente no sentido do futuro projetado
para as crianças e jovens dessa região do Pará:

O futuro que [a Fundação Vale] está garantindo para crianças, do


meu ponto de vista, o futuro é que a Vale quer que elas trabalhem pra
ela. Elas crescem vendo aquilo em Parauapebas, os seus pais
trabalhando na Vale, a propaganda que ela faz na televisão, dos
livros que ela quer impor dentro das escolas dentro de Parauapebas.
E isso, quando as crianças crescem, ela impõem outra coisa que são
os cursos técnicos. Tem o treininho da Vale, que muitos jovens fazem
esse treininho com a perspectiva de trabalhar dentro da Vale.
Sabendo eles que, se a Vale um dia acabar, se o minério acabar, eles
vão ficar desempregados, porque a formação deles era trabalhar só
com minério. Eu fico imaginando: o que que vai ser de Parauapebas,
com várias pessoas formadas com curso técnico, sem ter uma
formação graduada mais elevada? O sonho realizado é ver nossas
crianças do campo (sabe?) mostrando para outras crianças da cidade
142

e adolescentes o que a Vale traz pra gente, por exemplo. Que as


crianças mostrem o que a Vale quer com elas quando crescerem; que
não é dizer que a Vale é boazinha, quer cuidar das crianças. Que ela
tem outro pensamento com as crianças, é mostrar qual é esse
pensamento. Que quando elas crescerem deve servir a ela...
(LIERBERTH, 2015).

O MST tem feito reflexões, atuando como organização política desde o trabalho
com a infância para sobreviver à força armada estabelecida no Pará. E, no campo da
educação, o enfrentamento é de resistência para manter as escolas que foram
conquistadas com muita luta e tornarem-se referência de um processo que envolve a
disputa por garantir nas escolas públicas a Pedagogia do Movimento, que dialoga com a
realidade do sujeito Sem Terra, bem como da luta para a construção estrutural das
mesmas. Como vimos anteriormente, as investidas das empresas com propagandas nas
escolas, da formação empresarial para professores e gestores vinculados ao sistema
público, e, no caso da região Sudeste do Pará, principalmente, a Companhia Vale,
principal empresa de exploração de minérios, os impactos e as investidas são profundos
e violentos, “direcionados a grupos de baixa renda e à minoria étnica das populações
tradicionais, como indígenas, quilombolas, trabalhadores artesanais, trabalhadores de
baixa renda “em periferias e em pequenas cidades”, nas quais a empresa tem incidência
decisiva na vida dessas populações. (COELHO, 2015, p. 132).
Para Matos, a
[...] CEDAC tinha assessorias muito boas do ponto de vista técnico.
Mas, são assessorias que estão ali pra fazer o trabalho técnico,
ideológico, que desvia qualquer processo de formação humana do
ponto de vista da resistência e da luta da classe trabalhadora. Isso
nem conte. Inclusive um dia foi uma pesquisadora da Vale me
entrevistar na escola e ela me perguntou sobre a formação que eles
faziam conosco, se era suficiente e necessário para o trabalho que a
gente faz na escola. Eu falei que não. Ela falou: por quê? Do ponto de
vista técnico, tem assessoria muito boa, a gente aproveita, mas em
nenhum momento o trabalho de formação que foi feito conosco
discutiu os impactos que nós sofremos com os grandes projetos. Aí ela
disse pra mim: “Nunca vai ter, nunca vocês esperem isso”.
[Respondi:] “E é exatamente por isso que a gente busca outras
formas e outras formações, porque de vocês não é suficiente pra
realidade que a gente vive aqui.” Se ela registrou isso na pesquisa
dela, eu não sei, mas eu disse isso pra ela. Teve um período que a
gente faltou brigar com eles. Eles traziam aqueles cursinhos pra
dentro das escolas e queriam pregar cartazes da Vale na escola toda.
Um dia eu cheguei, tinha um cartaz no mural - peguei e rasguei. Falei
nunca mais, orientei todo mundo que quando não tiver aqui, vocês
não permitam um cartaz deles. Então, eles fazem isso, eles acham que
são donos, chegam vão pregando ideologia por meio da publicidade e
143

vão embora. Se a gente não tiver resistência, tu acaba sendo seduzido


mesmo, as propostas são muito bonitas “Educação nos Trilhos”, é o
projeto Pitágoras, e a “Escola Estação do Conhecimento”. As
nomenclaturas são tão bonitas, que você se encanta (MATTOS, 2015).

As investidas na disputa dos filhos da classe trabalhadora são visíveis no


depoimento de Mattos, mas a resistência, a luta pela terra, a formação dos professores e
a intervenção do Movimento no trabalho das lutas contra-hegemônica, da politização ao
conjunto das famílias, em especial a infância Sem Terrinha, é um dos marcos que a
organicidade tem proporcionado por meio das mobilizações, dos encontros, das
formações políticas, jornadas estaduais e do trabalho nas escolas de assentamentos e
acampamentos, resistindo permanentemente às investidas da pedagogia do capital.

O Maior Trem do Mundo97

O maior trem do mundo leva minha terra


Para a Alemanha, leva minha terra
Para o Canadá, leva minha terra para o Japão
O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o trem maior do mundo, Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará, Pois nem terra nem coração existem mais.
Carlos Drummond de Andrade

97
Carlos Drummond de Andrade, nascido em Itabira, Estado de Minas Gerais. Cidade também da criação
da Companhia Vale do Rio Doce, em 1º de junho de 1942. Disponível em:
http://linhadotempovale.com/#home Acesso em: 16/01/2016 às 17 h
144

3.3 As mobilizações infantis no Estado do Pará98: 15 anos de jornada dos Sem


Terrinha

Foto Mercedes Zuliane 201499

Nesta vida,
pode-se aprender três coisas de uma criança:
estar sempre alegre,
nunca ficar inativo
e chorar com força por tudo o que se quer.
Paulo Leminski

Como dissemos, anteriormente, as crianças Sem Terrinha, desde a origem da


luta do MST, fazem parte do processo constitutivo desse Movimento. Desde 1994, nos
mês outubro, as “crianças ocupam a cena” e mobilizam-se, colocando em pauta as
questões que são do seu cotidiano. Filhas de camponeses da luta pela terra.

98
Essa pesquisa foi desenvolvida a partir de observação e conversação com crianças Sem Terrinha,
educadores e militantes do Estado do Pará em 2014 e 2015, nos Encontros estaduais dos Sem Terrinha.
99
Mobilização Infantil – Marabá/PA-2014.
145

A seguir, relatamos a experiência junto às crianças Sem Terrinha no Estado do


Pará, nos dois últimos anos - 2014 e 2015, considerando que este Estado mobiliza e
realiza Encontro dos Sem Terrinha, desde os anos de 2000. No depoimento a seguir, há
um relato dessa história.
Deslocam-se dos seus assentamentos e acampamentos e seguem para o local
planejado do Encontro. A alegria dessas crianças, durante o Encontro Estadual dos Sem
Terrinha, fica explícita: no rosto, no sorriso, na felicidade de estar ali se encontrando.
São ônibus, vans que chegam até o local onde crianças e adultos irão permanecer juntos
por três, quatro, cinco dias. Na verdade, o Encontro já começou nos preparativos e na
noite da viagem: guardar as bolsas, colchonete e conhecer o espaço que os acolhe,
curiosas, saem em busca de informações sobre o Encontro, principalmente sobre as
surpresas que poderão ter durante os dias que passarão juntas.
No Estado do Pará, a realidade de resistência é permanente para sobreviver e a
organização é determinante para manter a existência do MST e sua luta. E, nesses 25
anos de história do MST do Pará, as crianças, desde o primeiro Encontro Estadual dos
Sem Terrinha, têm protagonismo no que se refere à reivindicação desse espaço, bem
como do jeito de conduzir o processo. A educadora Maria Raimunda, no Encontro de
2015, conta a história da organização dos Sem Terrinha no Estado do Pará:

No ano de 2000, foi realizado o primeiro encontro dos Sem


Terrinha no Estado do Pará. “Um grupo de crianças que
conversavam e falavam pelos cotovelos.” Mas eles achavam que só
falar pelos cotovelos não estava adiantando e começaram a querer
participar das coisas. Queriam ir para os Encontros, queriam ir para
as viagens, viam o povo se organizando para entrar nos ônibus, pra ir
pra Belém, pra ir para um monte de coisa. Esse é o Encontro das
mulheres, esse é o Encontro da Juventude, esse é o Encontro da
Educação... E eles nos perguntaram: - E por que a gente não faz um
encontro de crianças?
Aí a gente começou, então. Tá bom. Então vamos fazer! Vocês
ajudam organizar? Eles disseram: Claro! A gente ajuda a organizar.
Aí essas crianças, cinco crianças, do assentamento João Batista,
foram para Belém, onde ficava o escritório do MST, para reunir com
um grupo de militantes. E elas passaram um período de três meses em
Belém, convivendo com um grupo de militantes. E a gente ia
conversando com eles para pensar o que seria um encontro de Sem
Terrinha. Lá, em Belém, tem um lugar chamado Burro Velho, e,
durante esses três meses eram assim, não só preparar, mas eles
tinham que se preparar para gente organizar o Encontro. Toda tarde,
eles iam para Burro Velho fazer oficina de artes, e eles fizeram uma
oficina chamada recorte e colagem. Eu pensei que recorte e colagem
era só pegar um papel, uma figura e colocar no outro. Lá, eles foram
146

aprender que recorte e colagem não era só isso. Eles passaram dois
meses fazendo essas oficinas e organizando como deveria ser o
Encontro. (CESAR100, 2015).

O processo de organização das crianças, no Pará, desde o início, se deu com a


composição de um coletivo que tem a representação das crianças e a inserção no
processo de condução e organização prévia do encontro, o que não é tão evidente em
outros Estados nos quais o MST encontra-se organizado. A educação política deste
processo resulta na concepção de organização das crianças, compreendendo-as como
lutadoras e construtoras de um espaço que as tornam protagonistas e participantes ativas
da luta social. O primeiro Encontro Estadual do Sem Terrinha do MST, no Pará,
realizado em outubro de 2000, com a presença de 350 crianças, tem as orientações
parecidas com o primeiro congresso infantil, em 1994, no Rio Grande do Sul. No
primeiro encontro, foi demarcado, em Belém, com atividades lúdicas, com a marcha,
reivindicação, festa, e brincadeiras e a forte presença da ocupação com o acampamento
de lona preta das crianças Sem Terrinha paraenses na praça da São Brás.

O primeiro encontro foi realizado em uma praça no centro de Belém.


Praça São Brás que fica em frente à Rodoviária, em Belém. A praça
foi batizada depois pelo MST de “Mártires de Abril”, uma
homenagem feita para lembrar o Massacre de Eldorado dos Carajás.
Lá, nessa praça, tem uma coluna da infâmia, ela é enorme, feita de
bronze. Na cidade, o registro é de Praça da Leitura. E a gente ficou
na Praça da Leitura, com 350 crianças durante cinco dias em um
acampamento. Prestem atenção nisso! Lá não tinha sala de aula, não
tinha sala pra dormir, não tinha barraquinha de campi, as crianças
que prepararam o acampamento, elas também decidiram que o
espaço era pra ser como o acampamento de gente grande. Nos
primeiros dias da ocupação, a gente mora no barraco de lona, cada
área montou por regional e organizava o seu barraco. As crianças
chegavam, construíam o seu barraco, e valia a criatividade do
barraco. Teve barraco que as crianças construíram um céu, dentro do
barraco que elas dormiam, (Não tem essas estrelinhas aqui?!) Elas
construíram, colaram na lona com um papel que brilhava...e a noite
elas dormiam como se estivesse dormindo olhando para o céu.
Depois, essas cinco crianças, incorporaram outro grupo de Sem
Terrinha que estava se formando no assentamento Palmares. Essas
cinco crianças do assentamento João Batista, mais duas crianças do
Assentamento Palmares é que coordenaram todo o Encontro. Desde
preparar o material, o kit e de como iria ser organizado. E, nesse
encontro, a gente estudou os direitos das crianças, tivemos uma
grande audiência pública com o Ministério Público, com as

100
Maria R. Cesar – Compõe o Coletivo Nacional de Educação do MST pelo Estado do Pará. Essa fala
foi realizada no Encontro Estadual dos Sem Terrinha de 2015.
147

universidades. Muita gente participou. A gente brincou muito, fez uma


marcha da Praça São Braz até Tribunal de Justiça. (CESAR, 2015).

O encontro vai demarcando o jeito que o MST paraense articulou as crianças e


possibilitou que mais uma frente fosse organizada desde o fazer da luta, ou seja, são as
crianças que constroem a pauta de luta a partir da sua realidade, as reivindicações, as
denúncias de um lugar que coletivamente é ocupado e que se torna local de resistência e
de construção de alternativas para todas as pessoas que vivem nos acampamentos e
assentamentos. Sem deixar de trazer presente o belo, a brincadeira, o direito de festejar
e ter acesso às comidas diferentes.
Podemos dizer que as crianças do MST estão na direção, como afirma Pistrak
(2009): “a importância da criatividade organizada”. O encontro dos Sem Terrinha vai
tornando-se espaço com intencionalidade que podem desenvolver na criança “condições
suficientes de liberdade”. Desta forma, por meio da organização coletiva, a criança vai
aprendendo a tratar, em seu cotidiano, de assuntos sérios que lhes dá responsabilidade.

Aquela proposição de que criança não “prepara-se” para tornar-se


membro da sociedade, mas já é agora, já tem agora as suas
necessidades, interesses, tarefas, ideais, vive agora em ligação com a
vida dos adultos, com a vida da sociedade. (PISTRAK, 2009, p. 126-
127).

E, assim, a jornada vai identificando-se como um lugar da auto-organização das


crianças que, para além de prepará-las para vida futura, elas são estimuladas a viverem a
realidade concreta da sua classe social no presente.
Os Encontros Estaduais foram realizados nessa trajetória em Marabá, em Belém,
no Assentamento Palmares, no 17 de Abril, e teve outras ocasiões que não foi realizado
em nível estadual, mas no âmbito regional ou nas áreas de assentamentos e
acampamento. A decisão do Movimento era manter a jornada dos Sem Terrinha fosse
ela local, regional ou estadual.

3.3.1 O Encontro Estadual dos Sem Terrinha no Estado do Pará - 2014 e 2015.
Esses dois anos de participação, observação e conversação com as crianças,
educadores, militantes e visita aos espaços permitiram entender melhor a configuração
fundiária da região sudeste do Estado Pará, assim como compreender a relação de
148

resistência e luta que o MST, e aqui trazendo a particularidade do setor de educação,


que foi desenvolvendo através da ocupação da escola, na formação dos educadores e
organização das crianças.
Em 2014, tive a oportunidade de observar, no Assentamento Palmares II,
município de Parauapebas, nos acampamentos Frei Henri – município de Curionópolis,
e Hugo Chávez – município de Marabá, a preparação das crianças nas suas localidades
para a participação do Encontro Estadual. O Encontro inicia-se desde a sua preparação
em suas localidades, com os cartazes feitos pelas crianças, as apresentações culturais, a
mística, a discussão da pauta de reivindicação, entre outros combinados. A expectativa
das crianças é grande e gira em torno de rever os colegas dos encontros anteriores, a
curiosidade em saber o que vai ter no encontro, a responsabilidade de fazer as tarefas
que foram combinadas no coletivo.
Em 2015, o encontro foi realizado no Assentamento 17 de Abril, município de
Eldorado do Carajás onde se comemorou os 15 anos de articulação e organização das
crianças Sem Terrinha no Estado do Pará. E, além da história contada desse processo, as
crianças foram estimuladas, durante o encontro, a produzir um presente coletivo em
cada área de assentamento e acampamento e fazer a entrega na noite cultural do terceiro
dia.

15 anos é motivo de muita alegria, de muita felicidade, por que


seguimos nos organizando para limpar, nos organizando para
festejar e pra celebrar. Eu gostaria de saber quem trouxe o
presente? A gente falou que o presente era da nossa criatividade
(CESAR, 2015).

Infância Sem Terra101


15 anos de história aprendendo e brincando
Trabalhando com a terra e vitórias conquistando
De Parauapebas a Belém, Sem Terrinha tem se encontrado
Em marchas e encontros, somos povo organizado
Foram diversos temas estudados, milhões de informações
Gritando com resistência, Somos futuro da nação
Nesta longa caminhada de estudos e brincadeiras
Vamos dar um grande viva

101
Poema escrito pelas crianças, em 2015, no Encontro Estadual dos Sem Terrinha. Foi o presente em
homenagem aos 15 Anos da organização e Jornada dos Sem Terrinha no Pará, entregue junto aos
presentes que cada localidade produziu durante ao encontro. Os presentes foram: poema, cartazes,
apresentação musical de dança, e desenho.
149

Ao 15 anos de Jornada Sem Terrinha

Os presentes são expressões coletivas conforme a orientação, socializados junto


a grande festa celebrativa dos 15 anos. Com uma mesa gigante com bolo, brigadeiro de
colher, docinhos, pipocas, com muita palhaçada e palhaços, músicas e muita animação.
A noite cultural parecia não acabar, era tanta energia e vontade daquelas crianças e
educadores em estar juntas, comemorando, pulando, dançando e cantando os 15 anos de
protagonismo na história. A noite cultural foi até a meia noite.
Como na origem dos Sem Terrinha, em 1994, no Rio Grande do Sul, a Jornada
Estadual dos Sem Terrinha, em Marabá, em 2014 e 2015, no assentamento 17 de Abril,
Eldorado dos Carajás, deixaram marcas e significados no contexto político e ideológico
através da intervenção organizada das crianças dos acampamentos e assentamentos,
marchando e colocando suas questões, problematizando a forma de produção
convencional, trazendo a discussão da produção sem agrotóxicos nos assentamentos e
acampamentos do MST.
A seguir, descrevemos as atividades desenvolvidas nos encontros organizados
pelas crianças.
Os Encontros mantiveram, em média, de 350 a 400 crianças, nos dois anos
consecutivos. E a organização dos Encontros tem as orientações parecidas com as
jornadas anteriores, o que diferencia é o local e a metodologia. Em 2014, o encontro foi
no município de Marabá e teve o processo de luta em dois órgãos públicos (INCRA e
Justiça Federal). Em 2015, o Encontro foi no Assentamento 17 de Abril, em Eldorado
dos Carajás, assentamento onde ocorreu o massacre dos 19 trabalhadores Sem Terra, em
17 de abril de 1996. E a metodologia proposto para esse Encontro, foi que um coletivo
de crianças discutisse o que seria o Encontro Estadual de 2015 e apresentasse uma
proposta para a Direção estadual do MST. As crianças apresentaram uma proposta
inicial com programação, local e cardápio de alimentação - ver quadro 3.
.
Proposta do coletivo de crianças para o Encontro dos Sem Terrinha de 2015,
Apresentada para a Direção Estadual. 102
A proposta de local: inicialmente Belém. Mas ficou o Assentamento 17 de Abril,
Data: outubro; cinco dias de encontros. Temas sugeridos: desmatamento/hidrelétricas

102
Informação do setor de educação estadual do Pará.
150

– Belo Monte/poluição/água/preservação e recuperação ambiental/e outros temas nesse


sentido do ambiente; Oficinas: teatro, construção de brinquedos, dança, músicas,
leitura, grafite, palhaço, artes, pintura; Uma roda de conversa; Um dia de contos e
lendas: histórias de cemitério, Matita Pereira, Saci Pererê, Loira do Túnel, Loira do
banheiro; Noite cultural - Noite do pijama - Cinema - Show com O Teatro Mágico;
kit: caderno de música, poesias, lendas, lápis, borracha, caneta, apontador, lápis de cor,
duas balas e um pirulito; Ocupação/Ato político; Passeio: Serra dos Carajás

Quadro 3 - Cardápio
Sexta-feira Sábado Domingo Segunda- Terça-feira
feira
Café da Farofa de Farofa de ovo Frutas Café com Salada de
manhã calabresa café com leite café com leite leite frutas
café com pão com
leite queijo e
presunto
Almoço Maria Comida caseira Peixe com açaí Arroz, feijão Macarronada
Isabel103 suco de goiaba e carne Frutas suco
moída
Lanche Iogurte com Brigadeiro com Salada de fruta Salada de
maçã morango frutos
Jantar Caldo de Caldo de Besteirinhas de
frango macarronada com noite cultural:
carne moída Cachorro
quente, pizza,
doces...

Do cardápio proposto pelas crianças, tendo presente que os Encontros são


realizados com doações dos assentamentos e amigos do Movimento e nem sempre é
possível garantir 100%, foi garantido quase tudo. O peixe foi retirado do cardápio, de
acordo com a avaliação que, por ser um grande encontro, com crianças, exigiria atenção
com cada uma delas, para não ocorrer acidentes; do brigadeiro foi retirado o morango,
pois na avaliação da coordenação do encontro o morango, segundo a ANVISA104 é o
segundo mais contaminado por agrotóxico no Brasil e não tem produção no
assentamento, com essa avaliação, não seria coerente manter no cardápio. A

103
Prato típico do Piauí. Que mistura carne de sol com arroz e serve-se com banana.
104
Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segundo a Agência, o pimentão é uma das hortaliças mais
contaminada por agrotóxicos, seguido do morango com (63%), o pepino com (57%), a alface com
(54%), a cenoura com (49%), o abacaxi com (32%), a beterraba com (32%) e mamão com (30%).
Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/29/politica/1430321822_851653.html Acesso em:
16/02/2016.
151

alimentação foi garantida todos os dias com uma contribuição das famílias assentadas e
amigos.

Quadro 4 - A Programação do Encontro


MANHÃ TARDE NOITE
DIA Acolhida, credenciamento e 14h00 – 15 ANOS DA Cinema “Pipoca na
15/1 organicidade ORGANIZAÇÃO SEM hora da onça beber
0 TERRINHA água”
DIA Os Sem Terrinha e o Meio OFICINAS Festa do pijama
16/1 Ambiente: Teatro; Construção de “Um fantasma ronda
0 Água ficando pouca, clima ficando brinquedos; Danças; Leituras; o acampamento”
quente, o veneno matando a terra, Artes Plásticas; Estêncil; Palhaço;
pasto matando nascente... Rádio humana
Rodas de coversas sobre o
internacionalismo – Haiti
DIA Os Sem Terrinha e a OFICINAS Noite Cultural
17/1 Agroecologia Teatro; Construção de “Dar nó em pingo
0 brinquedos; Danças; Leituras; d´água”
Artes Plásticas; Estêncil; Palhaço;
Rádio humana
DIA Marcha
18/1 “Brincando e defendendo a vida Retorno
0 no campo”
Avaliação; Encerramento

Na programação, o local proposto pelas crianças seria Belém, porém as


condições de tempo para articular o local, alimentação, transporte, entre outras coisas,
por conta de outras atividades que envolveu o Estado no mês anterior (ENERA), não foi
possível projetar na capital, por conta da distância de aproximadamente 686
quilômetros, o que oneraria significativamente os custos. O Encontro Estadual dos Sem
Terrinha de 2015 realizou-se no Assentamento 17 de Abril, considerado na avaliação da
coordenação do Movimento que o assentamento seria simbólico, sendo que em 2016
completa 20 Anos de Massacre de Eldorado dos Carajás. Outra proposta das crianças
que não se efetivou foi a visita às estruturas da Vale, com a quantidade de crianças,
ficou inviável por uma questão de segurança, segundo a coordenação do encontro.
Também não teve o Teatro Mágico e diminuiu um dia da programação. Mas as demais
sugestões foram acatadas pela coordenação do MST.

E, conforme afirma a Sem Terrinha Açaí, que participou da preparação da


proposta,

“quando a gente começou a fazer as articulações dos Sem Terrinha, a


Sem Terrinha Castanha e os outros meninos foram pra escola e a
152

gente começou a fazer lista de cardápio das comidas, das místicas do


que ia ter. Nós estava pensando em fazer o encontro dos Sem
Terrinha em Belém, mas como não deu, daí nós fizemos aqui em
Eldorado na 17 de abril” (Sem Terrinha Açaí105).

A forma de organizar o Encontro, colocando o protagonismo das crianças, não


ocorre em todos os Estados. De certa forma, o Estado do Pará inaugurou um jeito mais
participativo, envolvendo as crianças na construção do próprio encontro, sendo
protagonista de uma história de crianças. O Encontro foi planejado com as crianças a
partir da proposta apresentada por elas, coordenado todos os dias e noites pelo Sem
Terrinha. A Marcha também esteve presente, porém num outro contexto, realizada
dentro do assentamento, com a Campanha106 contra os agrotóxicos e pela valorização da
produção agroecológica.107
A organização do Encontro - a organicidade do encontro já faz parte da sua
vida cotidiana no acampamento e assentamento. A organização das salas de aulas que se
transformam em quartos por localidades (assentamento e acampamento); a organização
das crianças em núcleos de base para os debates e trabalho em grupo na organização
das plenárias com os educadores.
a) A mística e as palavras de ordem - Cada localidade é responsável por um
momento no Encontro, como também as noites culturais. A abertura do Encontro com
as apresentações dos acampamentos e assentamento com a mística, as palavras de
ordem criadas com as crianças Sem Terrinha. E em 2015, durante o encontro no
trabalho de formação sobre o Haiti as crianças criaram o seguinte grito: “Vamos cuidar
da água/ um dia a água some/ Crianças no Haiti passam sede/ E passam fome”. Foi
apresentado durante o momento de mística em uma das manhãs do Encontro. A seguir,
apresentamos as palavras de ordem, no quadro 5.

105
Os nomes das crianças não foram revelados e foram nomeadas com frutas típicas do Pará.

106
A campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela vida surge em 2011, tornando-se uma bandeira
de luta que MST juntamente com mais de 100 entidades vem se mobilizando. Segundo a Campanha o
Brasil, desde 2008, vem ocupando o lugar de maior consumidor de agrotóxico no mundo. Disponível em:
http://www.contraosagrotoxicos.org/index.php Acesso em: 17/02/2016
107
A agroecologia é uma matriz tecnológica que o MST defende como mudança no modo de produzir e
garantir a distribuição da riqueza, com equilíbrio na natureza, produção saudável e pesquisas e
aprendizado voltados para agricultura (MST. 2014. P. 43).
153

Quadro 5. Palavras de ordem apresentadas pelo Sem Terrinha nos Encontros 108.
LOCALIDADE E ANO DA ANO PALAVRA DE ORDEM
COUPAÇÃO..
Assentamento 17 de abril (1995) 2014 Luta conquista com organização Sem Terrinha quer justiça e
melhor educação.
2015 Lutar! Sem Terrinha quer justiça com melhor educação
Assentamento 26 de Março 2014 “Sem Terrinha, Sem Terrinha, Sem Terrinha pra valer.
(1999) Lutando por direito viva o MST” e “Sem Terrinha, Sem
Terrinha, Sem Terrinha somos nós. Venceremos o latifúndio
2015 com o som da nossa voz”.
Lutar, lutar, estudar e brincar! Somos Sem Terrinha viemos
denunciar. Dizer a todos que ouvirem – Negar educação e
fechar escola é crime!
Acampamento Frei Henri (2009) 2014 “Somos Sem Terrinha, Sem Terrinha pra valer. Viemos do
Frei Henri pra lutar você vai ver” e “Sem terrinha lutando,
lutando a cada dia. Lutando e conquistando e derrotando a
2015 burguesia”.
Estamos aqui...Pra lutar e conseguir...Sem Terrinha
organizado...Acampamento Freir Heiri
Acampamento Hugo Chavez 2014 “Sou Hugo Chávez não vou negar sou Sem Terrinha para
(2014) lutar continuar. Chávez, Chávez, Chávez, Fidel e Che”
Assentamento João Batista 2014 1. João Batista lutou, também vamos lutar. Pela reforma
(1998) agrária e os direitos conquistar.
2. Na luta por direitos, lazer e educação concentrando forças
Sem Terrinha em ação.
Acampamento Dalcidio Jurantir 2014 Viemos celebrar queremos liberdade e o direito de gritar.
(2008) Somos Sem Terrinha lutamos pra valer pelos 30 anos do
2015 MST
Dalcídio, Dalcídio em ação Somos Sem Terrinha e
revolução.
Assentamento – Palmares II Chegou, chegou, chegou na região todos os Sem Terrinha
(1992) para lutar pela educação. Estamos sempre juntos lutando pra
valer, pois somos Sem Terrinha do MST
Acampamento Helenira Resende. Bandeira, bandeira, bandeira vermelhinha o futuro do Sem
(2009) Terra esta nas mãos do Sem Terrinha.
Lourival Santana (2004) 2015 Somos Sem Terrinha futuro da Nação. Educação do campo é
organização.

108
Fonte: caderno de campo - 2014 e 2015 Encontros Estaduais dos Sem Terrinha.
154

b) Coordenação dos dias - um casal de crianças representantes dos


assentamentos e acampamentos- Helenira Resende, Hugo Chávez, Palmares II, 17 de
Abril, 26 de Março, Alcídio Jurandir, 1° de Março.
Orientação na reunião com a coordenação de crianças que foram delegadas para
coordenar o Encontro:
Com a tarefinha da coordenação junto aos educadores: garantir que as
atividades aconteçam e na hora da plenária ajudar a chamar as crianças;
inclusive os educadores, se vocês não tiverem dando conta de fazer sozinho,
chamar os educadores. O pessoal que fica rodando e não vai para as
atividades, chamar e garantir que aconteçam as atividades. São essas as
conversas que tem de fazer nas áreas, são vocês que devem reunir o coletivo
e que conhecem o povo que veio com vocês. “Comunicar as crianças que
depois das refeições não deixar os pratos largados em qualquer lugar. Se não
amanhã não tem prato pra mais ninguém”. Orientar na reunião pra não sair
pra rua. Combinações com as crianças: Sobre as coordenações dos dias e
noites: Garantir que todos estejam no estudo e nas reuniões, discutir os
pontos levantados para discutir em cada área. (informar, conversar com o
pessoal da área). (conversa de orientação nas reuniões com Sem Terrinha).
(caderno de campo -2015).

c) Animação – Da mesma forma da coordenação dos dias, a tarefa é de cada


localidade. O Encontro é uma festa total. Com força, energia da luta do MST do Estado
do Pará, as crianças vivem a cultura regional de seu povo do seu lugar. O carimbó, o
açaí são elementos da vida real das crianças. A dança e a alimentação demarcam um
Estado da região amazônica, marcado pelo poder das empresas do agronegócio, do
trabalho escravizado, dos assassinatos, do latifúndio da terra e da luta permanente das e
dos trabalhadores para permanecer na terra. É nesse lugar que crianças Sem Terrinha,
“ocupam a cena” na jornada estadual e a partir do seu contexto de vida, de luta e
resistência são protagonistas de uma luta e de uma história.
d) Temáticas: Os temas trabalhados nos dois anos consecutivos foram a
dimensão do trabalho como princípio educativo e o Sem Terrinha; Os direitos da
criança; A alimentação e saúde; violência sexual; infância: que tempo é esse?; Educação
e deficiência; O contexto palestino e suas crianças; Foram temas desenvolvidos no
encontro de 2014. E, no de 2015, foram desenvolvidos os seguintes temas:
agroecologia, as crianças do Haiti, saúde bucal e os 15 anos de jornada Sem Terrinha no
Pará. Os temas foram trabalhados por educadores do próprio movimento, como também
por amigos do MST. Também compuseram a programação várias oficinas: de boneca
155

de pano, arranjo de cabelo, artes plásticas, jogos, dança, teatro e música, palhaço, entre
outras.
e) Noites culturais: com as apresentações das crianças e com expressão forte
nos festejos, na dança regional, numa integração total das crianças; a noite do pijama
com contação de causos, o cinema e a festa de comemoração dos 15 anos da jornada
Sem Terrinha no Estado do Pará.
f) Jornada de luta com Marcha: Em 2014 foi feito Visitas aos órgãos do
INCRA e Justiça Federal com marcha na cidade de Marabá. Em 2105, foi realizada a
Marcha no assentamento 17 de Abril com a campanha contra os agrotóxicos e pela
agroecologia. Os dois momentos que expressam diferença na sua ação, mas têm a
significação de colocar em questão os problemas do cotidiano. No INCRA, as crianças
deixaram as suas mãozinha como marca nas paredes e uma questão para reflexão
“Dilma, cadê a Reforma Agrária?”; na Justiça Federal foi trabalhado a solidariedade às
crianças que estão no acampamento há 6 anos esperando a desapropriação da terra; e,
em 2015, a marcha realizada foi para politizar e trazer o debate interno para o
assentamento 17 de Abril sobre o não uso de agrotóxico e a produção agroecológica
como projeto de agricultura do MST.
O movimento das crianças forjadas na luta pela terra, coloca-as no contexto de
conhecer a sua realidade, de atuar e ir aprendendo a dominá-la com a responsabilidade
de seu tempo infância - lutadora para a construção de outra sociedade. A pedagogia
socialista, referência para esse processo de organização das crianças, que se contrapõe à
pedagogia burguesa que esconde a dimensão política da educação, desconsiderando a
luta de classe e as suas implicações na formação humana; De outro modo, a pedagogia
socialista considera a política como elementos importantes desde a infância, ligados ao
processo de formação humana e da construção de outro projeto educacional, socialista.

O marxismo nos dá não apenas a análise das relações sociais


existentes, não apenas o método para análise da atualidade para
esclarecer a essência dos fenômenos sociais e iluminação das suas
ligações mútuas, mas também um método de atuar para mudar o
existente em uma direção determinada, fundamentada pela análise.
(PISTRAK, 2009, p. 122).

A projeção desse espaço infantil por um momento político que organiza pessoas
“excluídas” dos direitos sociais, que exigem dos educadores um processo de preparação
e formação nas suas localidades, bem como o planejamento pedagógico que dê conta de
156

trabalhar em plenárias com 350 a 400 crianças, temáticas definidas e interlocução com
Sem Terrinha para garantir a sua permanência no debate e interesse pelo assunto.
Foram, de certa forma, espaços desafiadores para os educadores do MST, e, ao mesmo
tempo, de expressividade profunda na forma e conteúdo em que foram realizados os
debates e temas do Encontro como, por exemplo: violência sexual e deficiência;
História da Palestina, o debate sobre 15 anos de Jornada dos Sem Terrinha. O debate,
que já era visto que alguns seriam bem complexos por ser novo para o MST, mas muito
importante no contexto da formação das crianças e que exige um aprofundamento
internamente para pensar os encontros nos Estados, e que revelou que as crianças sabem
muito sobre os temas e, muitas vezes, o conjunto da organização tem dificuldade em
trabalhar por insegurança de como conduzir com as crianças. O exemplo é o da
violência sexual, que apareceram perguntas bastante complexas para serem respondidas
– como homossexualidade; como ter a primeira relação sexual? Sobre gravidez que é
ponto importante para esse grupo etário que com 11 anos já pode ser “mãe” e entre
outras questões que em plenária nem sempre se tem uma resposta imediata ou é possível
respondê-la.
Os encontros dos Sem Terrinha provocam o MST a refletir o sentido das
atividades com as crianças. O que dá centralidade no debate com as crianças? Como
direcionar e obter atenção das crianças nas atividades de formação? São questões
fundamentais, para um grupo com mais 300 crianças. As apresentações culturais
demonstraram muita concentração, nos debates sobre as crianças da Palestina. E, nas
mobilizações, elas permaneceram atentas com as discussões, embora quisessem brincar
o tempo todo. Como brincadeira é coisa séria e também é um elemento fundamental na
formação da criança, o brincar no MST tem o elemento da coletividade, o que contribui
com a formação da criança, compartilhando o lugar de brincar, de se integrar e pensar
que, na brincadeira, cabe o coletivo de crianças do encontro.
Os cuidados pedagógicos: Desde a chegada ao Encontro, a receptividade e
organização dos materiais das crianças são demarcadas pela boniteza de como se
prepara e faz a entrega para as crianças. Da bolsa feita por professoras das escolas que
passaram noites e dias costurando e do grupo de jovens e educadores que alguns dias
passam fazendo pipa109 de tecido e colocando nas bolsinhas, além do caderninho dos

109
A pipa foi um dos símbolos utilizados pelo Pará na atividade desenvolvida com as crianças Sem
Terrinha, sobre as crianças Palestina.
157

Sem Terrinha, livro de poesias, das festas coloridas de doces e comidinhas diferentes,
como no encerramento dos encontros, além do momento forte de finalização de quatro
dias juntos, a preocupação da coordenação de educadores em garantir um kit para todas
as crianças e educadores que contemplasse um livro infantil, um brinquedo e um doce.
Fortalecendo a importância da leitura, do brincar na vida das crianças e adultos, sem
deixar de lado o docinho que também faz parte da cultura infantil.
A formação dos educadores. Foi fundamental, nesse contexto, expressar a
importância que o MST tem dado para a organização das escolas e formação dos
educadores. O educador é referência para a criança, e o percurso desses 31 anos do
MST, e dos 21 anos de Jornada dos Sem Terrinha, em nível nacional, demarcam a
participação de uma juventude militante, liderança, crítica e organizadora, que
certamente boa parte dela já passou pela formação dos Sem Terrinha. Porém, essa
referência precisa de uma formação permanente em que a intencionalidade do trabalho
seja também permanente proporcionando criticidade, participação coletiva, acesso ao
conhecimento produzido pela humanidade, estímulo à criação e à organização, bem
como diz a palavra de ordem das crianças “Estrela, estrela vermelhinha, o futuro do
Sem Terra está nas mãos dos Sem Terrinha110”. Os educadores que coordenam e
participam na organização da mobilização dos Sem Terrinha são os professores que
atuam nas escolas e o coletivo de juventude do MST.
O papel da escola no processo da organização. Os educadores das escolas de
assentamentos e acampamentos no Estado do Pará têm garantindo a participação das
crianças nas preparações dos Encontros, como também no próprio encontro. A luta por
escola faz parte do cotidiano – da vida das crianças, dos educadores e das famílias que
vivem no MST. Os espaços já conquistados da educação, como outros, só foram
possíveisatravés da luta coletiva, o qual permite que o educador se reconheça nesse
processo, perceba que o acesso ao conhecimento, como as estruturas conquistadas só foi
possível através da luta do MST. As escolas que se forjaram na luta, na compreensão da
importância da construção de um espaço que reflete e realiza a formação humana de
lutadores e construtores, colocam em questão a educação burguesa e vai desenvolvendo,
a partir de sua participação nas diferentes ações proposta pelo MST, contra-hegemônica
a pedagogia do capital. Assim como outros Estados onde o MST está organizado, o
Estado do Pará, com todos os limites e contradições, tem garantido a organização das

110
Palavra de ordem criada para o Encontro Estadual dos Sem Terrinha do Pará de 2014.
158

crianças na participação dos encontros, bem como tem colocado temas importantes para
o debate político das crianças, alguns indicados por elas, nas formações dos encontros
estaduais dos Sem Terrinha. A escola é reconhecida como espaço de formação e de
disputa na luta de classe. É resistência constante no que se refere à organização política
para garantir as conquistas obtidas com muita luta, como o enfrentamento permanente
às parcerias público-privado que vêm determinando a formação da classe trabalhadora.

3.4 A educação política e o seu significado no contexto da disputa da pedagogia


contra-hegemônica
A partir de ações concretas, elencamos três momentos de participação das
crianças paraenses nas ações do conjunto MST: 1) a delegação de crianças do Pará que
foram para o VI Congresso, (2014) sem os seus pais, mas com a responsabilidade da
militância; 2) o segundo momento já explícito foi a elaboração da proposta do Encontro
estadual do Sem Terrinha (2015); 3) o terceiro momento é o mais recente final do ano
de 2015, na qual uma representação de crianças, de cada localidade (assentamento e
acampamento) do Estado, participarem do Encontro Estadual do MST, onde os mesmos
realizaram assembleia dos Sem Terrinha e apresentaram suas intervenções em plenária
para o conjuntos do Encontro Estadual que comemorou os 25 anos de MST no estado
do Pará.
As crianças Sem Terrinha têm demarcado o seu espaço, cobrando a sua
participação no Movimento, questionando e mostrando o quanto são capazes de se
organizar e fazer a luta. Historicamente na luta pela terra, a criança esteve num lugar de
invisibilidade, embora estivesse no contexto da dureza da luta, das violências
estabelecidas pela propriedade privada, bem como do lugar destinado pelo capital para
os filhos e filhas do “meio rural”. Assim como relata Pistrak sobre a construção da
escola do trabalho no processo de transição na União Soviética, em que as crianças
tinham que lutar pela sua escola para que não fosse destruída111, eram discriminadas
pela população “xingadas de comunistas”, (PISTRAK, 2009, p. 148), as crianças Sem
Terra por muitas vezes foram humilhadas nas escolas, nos ônibus, nas cidades ou outro
espaço e chamadas com palavras pejorativas que, também as fizeram sentir vergonha de

111
Pistrak, no livro Escola Comuna, relata que no processo de construção da comuna escolar, foi um
tempo de luta em todos os sentidos e não se tinha uma vida normal. “... Nossa escola (...) foi submetida a
toda sorte de repressão por parte da população, ele até mesmo foi incendiada uma vez, e o instinto de
autopreservação forçou as crianças a cuidar da escola, amá-la, orgulhar-se dela, defender seu valor e
defendê-la do ataque dos inimigos”. (PISTRAK, 2009, p. 147).
159

ser Sem Terra, mas sempre se colocaram e, essas questões foram trazidas por elas paras
as suas comunidades e foi através das denúncias das crianças, da negação da educação
burguesa, que o MST vai proporcionar, na sua luta, a construção coletiva de uma
pedagogia em movimento contra-hegemônica.

[...] tanto a pedagogia do MST, como as críticas e anúncios das


crianças indicam questões importantes a serem incorporadas nas
reflexões em torno da infância e sua educação. Uma questão central
dessas reflexões aponta a necessidade de estreitar a relação entre os
grupos geracionais, numa correlação que funda a experiência (dos
adultos) e a novidade (das crianças). Na contramão dos dispositivos
educacionais da modernidade, destaca-se a importância de
desenvolver a noção de educação como projeto e ação coletiva,
conhecendo e valorizando a memória e a experiência humana e, ao
mesmo tempo, aprendendo com as novidades e transgressões da
infância. (ARENHART, 2007, p. 160).

A educação política que foi sendo forjada através da luta social, tem na sua
significação na formação humana das crianças, permitindo que sejam protagonistas e,
juntamente com o conjunto do MST, fazer o enfrentamento de classe. No II Seminário
Nacional Sobre a Infância Sem Terra (2014), o MST definiu, em suas matrizes
formativas para a infância, alguns elementos como: “a luta social; a cultura; a história;
intencionalidade nas ações; a agroecologia; o internacionalismo; o princípio educativo
do trabalho”, (MST. 2014. p. 127), foram debatidos e elencados pelo conjunto dos
setores do MST, como tarefa do próximo período no trabalho de formação com as
crianças dos assentamentos e acampamentos.

A participação nos encontros


Em conversas com algumas crianças, durante os Encontros dos Sem Terrinha de
2014 e 2015, elas descrevem sobre as mobilizações infantis como espaço importante e
de interesse de participação. E elas têm muito a dizer sobre as mobilizações infantis no
MST e certamente ações pontuais com elas, forma protagonistas e sujeitos da história.
E, nesse percurso de conversação com os Sem Terrinha, as crianças pequenas da
Escola de Educação Infantil Maria Salete Moreno, também participaram de dois
momentos de roda de conversa, expressando o seus conhecimentos sobre a escola e
sobre a representação da Escola no Encontro dos Sem Terrinha.
Em relação ao processo da escolha para a participação no encontro se dá de
diferentes formas.
“Eu fui escolhida para ir para o Sem Terrinha. Eu e Graviola. Foi a diretora que escolheu”.
E já temos nosso grito “Sou Sem Terrinha do MST, sou fruta dessa luta, sou forte pra valer”!
“Pode bater o pé e levar poeira, porque o Sem Terrinha não está de brincadeira” (crianças da
educação infantil – Escola Maria Salete Ribeiro Moreno).
160

As crianças Sem Terrinha da educação infantil expressam a vontade em


participar, mas também por não ter a idade para a participação no Encontro, nem sempre
se trabalha a identidade Sem Terrinha com mais intencionalidade, sendo em muitos
casos os irmãos, coleguinhas maiores que influenciam a identidade e a Ciranda Infantil.
A falta de um debate com elas no sentido de trabalhar a coletividade no aspecto da
escolha e decisão da escolha de quem vai representar a escola no Encontro Sem
Terrinha, são elementos demarcado na fala das crianças. Esse fato ocorre também pela
dificuldade dos pais em liberar as crianças pequenas, mas também da necessidade de
criar um espaço de diálogo com as crianças pequenas que já se sentem Sem Terrinha e
de ampliar a forma organizativa dos Sem Terrinha através da escola de educação
infantil.
Nos momentos de conversas com as crianças pequenas112, intensos e
gratificantes, vimos o lugar onde as crianças passam parte do seu tempo e como elas se
relacionam com o espaço educativo que foi proporcionado através da luta dos seus pais.
Além de apresentar um repertório gigantesco de músicas infantis, elas foram contando
sobre a sua escola;

A escola é bonita”. Porque é bonita? têm brinquedoteca, sala de


vídeo” “na hora do recreio tem o pátio pra gente brincar, fazer tudo,
pular corda, fazer a cobrinha”, “é bom aqui, porque tem a sala de
leitura, o parquinho pra gente brincar na hora do recreio”, tem a
“sala de brinquedo”, “tem a biblioteca, tem o balançador, tem o
escorregador que é pra gente brincar todo dia, é por isso que a gente
gosta dessa escola”. A escola é feita pra gente ficar inteligente”
“para estudar e ficar grande” eu faço muito desenho bonito”. “Eu
faço um bocado de atividade, eu escrevo muito”. (crianças da
educação infantil de 4 e 5 anos).

A relação dos educadores com as crianças inicia desde a preparação da chegada


das crianças na escola. Um grupo de educadores, todos os dias preparam atividades de
brincadeiras, cantigas, teatro para receber as crianças. Esse é sempre um momento
esperado por todas elas.
“A nossa professora explica pra gente matemática” (outra crianças
entram na conversa) e diz:, “eu sou muito boa em matemática, eu
consigo contar até 206” e “eu só sei contar até 100”. “Quando fui
pra escola a professora dá brinquedos pra gente”. “tem vez quando
eu estou com muita saudade da professora eu faço carta pra ela, eu

112
Crianças de 4 a 6 anos do período da manha e da tarde.
161

pinto e fica bem bonitinha. Eu faço uma cartinha para professora de


coração, com um monte de coração pra ela, ai eu coloca dentro da
carta e deixo por debaixo da porta. Ai ela abre e rasga e vê o meu
nome. Aí eu cheguei na escola e a professora perguntou: foi tu que
escreveu essa carta foi Tucuma?, mas é claro que foi eu. A professora
gostou.”.

O brincar está muito presente na escola e nas falas das crianças, mas também tem
influências da vida adulta na formação da criança. E o brinquedo e brincadeiras, embora
as crianças se socializem, a influência dos pais é determinante na formação das crianças:
“Eu gosto de boneca, gosto de pular corda, gosto de fazer casinha..eu fico brincando
mais o Sem Terrinha Graviola lá”, “As meninas ficam brincando de sorrir e fazendo
cosquinha nos outros..”. “Eu gosto de brincar de cavalo de pau”. “A minha mãe ela dá
brinquedo, um montão de carro e moto. E elas são grandonas”. (E você deixa outras
crianças brincar com você Tucumã?) “Eu não deixo nem o Patauá, nem a Pupunhal e
nem o Atá”. Porque? “Porque minha mãe não deixa. São influências da vida adulta na
formação da criança e que são determinantes para sua formação.

“eu gosto de brincar de carrinho, o meu pai deixa eu brincar lá


perto da casa da dona Socorro”, “eu gosto de brincar de
esconde-esconde”. “Eu gosto de brincar de escola americana”,
como é a escola americana? “a gente tem que correr, parar e
ficar estatua, não pode nem respirar, ai a pessoas tem que
passar e triscar na cabeça”. “Eu gosto de brincar que a
bonequinha é minha filha” Eu gosto de brincar do pega, do
queima cola, de mãe e filha, de doutora”.
A relação com a escola tem forte presença no brincar. Mas a vida no assentamento é
também um referencial para as crianças.

“eu tiro leiro da vaca com meu pai”. “ajudo a minha mãe a fazer as
coisas”, eu arrumo meu quarto”, eu limpo a casa”, “Eu ando de
cavalo, eu amanso cavalo”. “Planta na roça, milho, morango, pé de
abóbora, mandioca”...uma fruta diferente (jacudecabra -
jabuticaba). “Uva, morango, milho, mandioca, alface” Na roça tem
vaca e no assentamento não tem, tem cavalo, boi...

E, com muita força, me apresentaram a palavra de ordem da escola, que de certa


forma indica a presença da Ciranda e da identidade Sem Terra na formação das crianças
pequenas. “Ciranda, ciranda cirandinha as crianças da Salete, são todas Sem
Terrinha”.
162

Embora a escola venha combatendo as influências da Vale no processo


pedagógico, mas como o “maior trem do mundo” passa dentro do assentamento de
Palmares II, as crianças convivem com essa realidade. E aquelas que moram na roça,
como é chamado, as famílias que não moram na agrovila, pegam ônibus todos os dias
na estrada por onde passa os trilhos do trem da Vale.

Fotos - Marcelo Cruz. Assentamento Palmares

“Quando eu vou pra roça da minha vó, eu vejo o trem passando”


Tucumã. “Na casa da minha vó o trem passa na rua, passa assim na
frente, ai ele pode pegar no pneu da moto, quase pegou, meu pai
estava assim, ele caiu e levou uma queda bem na testa”.
“eu passo debaixo do trem quando vou na casa do meu tio. Sabia que
passo por baixo?” (por conta do túnel...)

Essa relação que a criança estabelece com o seu cotidiano, expressa de certa forma
uma naturalização da sua realidade, mas ao mesmo tempo traz em sua fala elementos de
análise do quanto as suas famílias são afetadas pelo impacto da mineradora no
assentamento. Seja pelo tempo que o trem leva para passar na estrada onde os ônibus
escolares passam, das famílias que vão trabalhar nos seus lotes, bem como do risco de
acidentes que pode ocorrer.
O lugar “escola infantil”, para as crianças, é muito especial e importante, mas tem o
desafio de pensar com mais profundidade nesse espaço de conquista, da coletividade
das crianças e da construção da identidade, bem como trazer temas do seu cotidiano
para problematização. O que está se projetando para 2016 na Escola Salete Moreno é a
realização do Encontro de Sem Terrinha com as crianças pequenas, que são em média
230, de 4 e 5 anos, mas, esse é um desafio que está colocado para as escolas de
educação infantil dos assentamentos e acampamentos no Brasil.
163

Sobre as crianças maiores, sobre a preocupação de não ter como ir por falta de
dinheiro, pois nem sempre é possível ter uma estrutura que possibilita a participação,
por exemplo as crianças do acampamentos Frei Henri relatam que: “Nós estavamos tão
ansiosos. Só que não ia ter por causa do óleo, o pai do menino deu o dinheiro pra
comprar o óleo, aí gente veio numa van”. (Sem Terrinha - Cupuaçu).
No assentamento Palmares II, as crianças são escolhidas pela Escola Crescendo na
Prática e como a Sem Terrinha descreve a forma de sua participação: “Fui escolhida
pela professora, a gente tem que se esforçar e não ser bagunceira na escola. E também
não pode quebrar as cadeiras...” (Sem Terrinha - Açaí). Na descrição da coordenação
da escola, precisa colocar algumas normas, pois são muitas crianças e não daria para
participar todas pelo número de crianças definido para todo o Estado. Somente nas
escolas daria para realizar um encontro com o número proposto para o estadual.
A forma de participação ainda é limitador, nas demais localidades as crianças
também são organizadas pela escola, porém as condições objetivas se diferenciam no
aspecto da organização local do acampamento ou assentamento, da disposição de
organizar para além da escola, o qual contribui na organização das crianças.

Organização do Encontro:

“Eu participei dos dois Encontros, em Belém, no Hangar, e no parque


dos Igarapés, no parque de São Brás, no da Palmares, e participei
nesse de hoje e nos dois Encontros de Marabá. É importante ter uma
organização dos Sem Terrinha pra ficar organizado as áreas,
coordenadores bem bacanas que sabe a hora da brincadeira, a hora
de estudar, a hora das atividades. Que sabe falar como que a gente
tem que fazer. Organizar mais sobre o fato das organizações das
áreas, tipo assim, que não só para os coordenadores, mas que façam
com que as crianças tenham respeito por eles. Tipo na hora da
organização das filas, dos gritos tá todo mundo muito bem
preparados, falar sobre o caso de saúde, sobre tudo isso e,
principalmente, sobre o caso de saúde, sim tipo, é sempre bom ter
alguma coisa que tenha remédios, e perguntar também, tipo uma
fichinha pra cada área, perguntar: que tipo de alergia tem? Bem
importante fazer perguntas”. (Sem Terrinha – Castanha)

As crianças que já participaram de vários encontros sabem como se dá o processo


organizativo. Os temas trabalhados, em destaque, a discussão sobre agroecologia e uso
de agrotóxicos, como as crianças do Haiti. Os temas mais destacados foram: “Foi sobre
a água, os meninos do Haiti que aprendermos mais. E essa caminhada que ta boa!.
(Sem Terrinha Bacuri). “Acho bom porque todas às vezes a gente vai. Tem as
164

brincadeiras e também na hora da plenária, a gente aprende mais coisas que ainda não
sabe, a gente aprende”. (Sem Terrinha - Cupuaçu).

“Aprendi que um monte de alimento que eu como, a maior parte é


envenenado. Isso é ruim, porque antes quando não tinha veneno em
nada as pessoas vivem mais, mas hoje, por causa do veneno, tira
alguns anos. Batatinha, morango e pimentão tem muito veneno. E
aprendemos que “veneno mata as plantas” que precisa “aguar as
plantas todos os dias”. “Aqui, no assentamento, planta coente, capim
santo, na roça planta feijão, arroz, abacate, abobora, só” (Sem
Terrinha - Muruci)
“O encontro está muito bom, as atividades, as perguntas, sobre a
água, a pesquisa que fizemos: o que nós podemos fazer para água não
ser destruída? Onde podemos encontrar a água? (Sem Terrinha -
Ingá).

Constamos que, nas falas das crianças, apresentadas do jeito delas, indicam
questões sobre o que sabem da sua realidade. E, no seu cotidiano, são colocados
elementos para ela refletir e pensar em possibilidade de ações que possa resolver ou
colocar o problema em evidência. Como exemplo: sobre a sua participação na jornada e
organização da mesma, por um lado elas participam e ajudam no processo, mas saindo
da esfera de outubro, outros processos de formação são planejados para elas, como por
exemplo: os momentos literários, as reuniões dos Sem Terrinha para discutir os
problemas no acampamento, ou outros tipos de intervenções para além da escola. O
Encontro, intencionalmente, coloca questões do cotidiano dos assentamentos e
acampamentos, justamente para que sejam retomadas nas suas localidades pelo coletivo
de educadores ou das próprias famílias, mas se isso não ocorre, podem ser retomadas
pelas próprias crianças nas suas comunidades como, por exemplo, a revindicação do seu
espaço lúdico cultural, bem como fizeram os Sem Terrinha do acampamento Hugo
Chávez que apresentaram para a coordenação do Acampamento suas revindicações e
fizeram assembleias para ver a possibilidades da construção coletiva do espaço das
crianças. E, assim como a problemática sobre o uso de agrotóxico, a discussão da
violência, entre outros debates que são fundamentais para vida das crianças, que se
trabalho com elas, pode vir a ser um espaço de intervenção para o conjunto da
comunidade.
O significado da marcha para as crianças: “A marcha a gente a prende muitas
coisas boas, muito grito de guerra... protestando os nosso direitos”. (Sem Terrinha -
Bacuri). A necessidade da luta por direitos básicos da escola, “Por causa da merenda,
165

era só suco com bolacha. Agora tem arroz, feijão, carne. Ainda não saiu a terra...”.
(Sem Terrinha – Cupuaçu)
Marchar, para o MST, é uma forma de colocar em evidência as questões sociais
e, no caso do Movimento, denunciar o latifúndio da terra; a negligência do Estado; a
influência determinante do capital internacional na vida da classe trabalhadora. As
crianças marcham com a sua pauta, com suas palavras de ordem, revindicando o direito
de ter a escola, de ter a terra para garantia da sobrevivência humana, que faz parte do
contexto da luta, do lugar onde vivem as crianças Sem Terra, no Pará. Pois a única
garantia numa terra “sem lei” é aprender a resistir e lutar para sobreviver nas condições
adversas do contexto agrário paraense.
Marcham com suas faixas, seus bonecos, com as suas bandeiras vermelhas, com
bonezinho, numa visita inesperada ao Instituto de colonização da reforma Agrária -
INCRA de Marabá, em 2014, denunciando o descaso com a reforma agrária, a lentidão
para o processo de desapropriação do acampamento Frei Henri que está no local há mais
de seis anos e vive uma “verdadeira Palestina”, segundo as crianças do acampamento,
pois quando foi feito o trabalho com eles sobre a história da Palestina e das condições
que vivem as crianças, rapidamente se identificaram com a sua realidade de conflito
permanente com o fazendeiro que coloca pistoleiro para atirar sobre o acampamento.
Essa visita causou certa estranheza por parte da instituição, por serem crianças
questionando um órgão público pela não efetivação da reforma agrária. Estranho para os
meios de comunicação, crianças filhas de camponeses marcharem e colocarem sua
pauta em movimento. O jornal Correio do Tocantins - o jornal de Carajás, na manchete
intitulada “Crianças sem-terra mancham paredes do INCRA”, “crianças sem terra
‘pintam o sete’ na sede do INCRA”, faz consulta a internautas que apresentam
indignação com o comportamento das crianças: “país sem lei”, “vandalismo” e “falta de
educação”, entre outros. O jornal destaca que

Na manhã de ontem, segunda-feira (13), na Superintendência


Regional do INCRA. Orientados e acompanhados por adultos,
invadiram o prédio e, com as mãos sujas de tintas, deixaram marcar
por todas as paredes. Tratava-se de protesto pela lentidão no processo
de desapropriação de uma fazenda, fato confirmado pelo próprio
MST. O processo tramita na 1º Vara da Justiça Federal, onde eles
também fizeram protesto logo após deixar o Incra. Moura informou à
reportagem que a decisão a favor dos sem terra deve ser publicado
nesta terça feira (14), no Diário Oficial da União. De acordo com o
166

representante o grupo, já esta acampados no local há seis anos. A ação


faz parte da jornada Estadual do “Movimento Sem Terrinha” e iniciou
às 9h na sede do órgão. Os pequenos manifestantes, acompanhados de
adultos ligados ao MST, deixaram marcas de tintas em formato de
mãos e protestaram pela reforma Agrária na Região. (Correio. 2014. p.
5).

Depois desse processo de denúncia, as crianças seguem em marcha para a


Justiça Federal em busca de uma audiência com o Juiz de Marabá para ter um quadro
mais real da situação da área do acampamento Frei Henri que já teria sido destinada
para a Reforma Agrária, mas o INCRA, segundo as lideranças do movimento, que por
acordos com o fazendeiro, não foi desapropriado. O Juiz recebeu um grupo de crianças
para a audiência e colocou que, de fato, a área já estava no processo de desapropriação.
Uma das crianças do acampamento Frei Henri pergunta ao Juiz: “pode o fazendeiro
colocar veneno na mina d´água que usamos para beber no acampamento?” Pelas
informações do grupo de negociação, o Juiz ficou pensativo, sem muita resposta à
pergunta da criança. Mas essa é mais realidade vivida pelas crianças no acampamento.
Em 2015, elas marcharam no assentamento 17 de Abril, colocando a questão do
uso de agrotóxicos nas plantações. A marcha teve o objetivo de politizar o próprio
assentamento, bem como as crianças que estão nesse processo de formação que
certamente levam para a suas localidades a importância da agroecologia e o combate ao
uso de veneno nos assentamento e acampamentos do MST. Essa característica de pensar
a criança a partir da sua realidade social faz parte da pedagogia do MST.
A luta como matriz formadora, para as crianças Sem Terra, por estar no seu
cotidiano e no horizonte da conquista da terra, no caso das crianças do Pará, durante o
Encontro Estadual dos Sem Terrinha, tiveram a oportunidade de levar a sua pauta até os
órgãos estaduais para revindicar e denunciar o descompromisso desses “representantes
do povo” que estão a serviço do capital. Certamente, para as crianças, foi um momento
de politização e de valorização da pauta que eles construíram coletivamente e faz parte
da sua realidade de vida.
A organização das crianças. Em conversa com elas, foram descrevendo o que pensam
e o que sugerem para a organização local e jornadas dos Sem Terrinha estadual. Para a
sem terrinha do acampamento Hugo Chavez, “Lá ainda não tem o coletivo, ainda vão
fazer, eu não fiz nada, mas muitos fizeram casa, balanço”. Relato referente à pauta das
crianças para o acampamento, revindicando lazer e um espaço no acampamento para as
crianças (Sem Terrinha - Bacuri1) Hugo Chávez. O encontro, na avaliação das crianças,
167

é bom, “Pra aqueles que quiserem vir aprender é muito importante. Eu vou continuar
vindo se a minha professora me escolher”. (Sem Terrinha - Ingá).

É importante ter um coletivo de crianças no estado do Pará, por que


crianças sabe o que, que a outra gosta, sabe o que se passa na cabeça
de uma criança ou até mesmo de um pré-adolescente... essas coisas.
“É encontro de Sem Terrinha, só que geralmente têm pré-
adolescentes. É de 12 anos pra baixo, ano que vem eu não já vou vir
como Sem Terrinha, ou não venho, ou venho como coordenadora
porque ano que vem eu já tenho 13. E eu também acho que tem que
organizar alguma coisa pras crianças de 13 e 14 anos, porque eu não
sei as discriminações das pessoas com a idade de 13 e 14? De 6 a 12
anos é o Encontro Sem Terrinha, aí de 15 pra juventude. Ai eu digo,
ficar dois anos parado não dá, tem que organizar umas coisas pros
pré, né gente! O que, que tem contra os pré-adolescentes? Não dá pra
ficar dois anos parado. Ano que vem se eu não vir como
coordenadora eu não vou vir como nada e aí só vou pro encontro a
juventude só com 15? Daqui três anos? Não dá”. (sem Terrinha -
Castanha)

A necessidade de ter um espaço mais organizativo foi indicado pelas crianças. A


escola é essa possibilidade, mas é necessário pensar um programa de formação para as
crianças para além da escola. E, no caso das crianças da educação infantil, que tem entre
4 a 5 anos, sendo que os Encontros de Sem Terrinha trabalham com a faixa etária de 7 a
12 anos, fica um espaço para ser pensado e quem sabe discutir encontros com essa faixa
etária nas próprias escolas de educação infantil, preparando com elas esse momento que
é educativo para o conjunto de educadores e crianças não deixando ausente essa
formação. Os Encontros dos Sem Terrinha, pela faixa etária, não permite que as
crianças pequenas participarem, e no conjunto das ações mais amplas, o movimento
também não apresentou em nível nacional possibilidades mais sistemáticas para a
participação dos adolescentes, alternativas mais elaboradas de formação política.
Deixando esses coletivos de crianças pequenas e adolescentes com espaço grande sem
atividade política coletiva pra sua formação. Esses são alguns desafios que as conversas
com os Sem Terrinhas apontam para uma reflexão do Movimento e para outras
pesquisas que podem contribuir e apontar elementos mais sólidos sobre o público
infantil e adolescente.
168

Avaliação do Encontro de 2015113


As crianças do acampamento Frei Henri destacam a metodologia de se reunir em
círculo, o que mais gostaram do Encontro e que todos dessem sua opinião sobre:

“Gostei da plenária, da comida, de dormir aqui dentro que é friinho,


do cinema (Sem Terinha Cajá); “Gostei de tudo, das oficinas”, (Sem
Terrinha Manga)”. “das apresentações do palhaço, das oficinas”, “da
plenária (não gastar muita água e não jogar veneno nas plantas), de
brincar com meus amigos”. “da plenária, das brincadeiras, dos gritos
de ordem”; “dos educadores, do cinema, dos palhaços, das plenárias,
da comida, dos brinquedos com os amigos, o grito de ordem”. “Da
plenária, do cinema Kiriku, de jogar bola”; “do filme, da plenária...”
(Sem Terrinha Macaba). “Do palhaço, da plenária, do desenho”; “da
plenária, dos educadores, do cinema, da comida, de brincar, de
dormir nessa sala que é frio, do meu amigo Wesley”; “ela não vai
falar não, ele tá com vergonha”... “gostei de dormir na sala fria, do
desenho” (sem Terrinha Jaca) “gostei da manga” só da manga
pergunta o educador? “gostei do bolo”.

O que não gostaram no Encontro:

“O cinema foi ruim, porque não ligaram o ar condicionado e o filme


estava ruim e não deixaram a gente sair...”; “do palhaço tinha uns
meninos saliente, que ficava batendo nos outros” Da artes plástica –
“não deu tinta”. No quarto – “não gostei da bagunça” (Sem Terrinha
do Acampamento Frei Henri).

Os encontros são importantes para as crianças, elas gostam de participar, têm


opiniões sobre as atividades, mas também para muitos delas, é uma das únicas formas
de sair de casa, conhecer novos municípios, pessoas, lugares. Bem como ter, acessar as
reflexões, culturas e lutas que, muitas vezes, não o acessariam se não fossem essas
provocações e essas intencionalidades da ação desenvolvida pelo MST.
O Setor de educação do MST, no Pará, tem garantido que as crianças participem
das atividades do MST e que sejam protagonistas desses espaços no sentido de que elas
tenham identidade e pertencimento às conquista que foram feitas através da luta pela
terra.

113
A escolha pela participação e observação da avaliação ocorreu no acampamento Frei Heiri, pelo seu
processo de luta vivenciado e pautado pelo conjunto do Encontro Estadual dos Sem Terrinha do ano
anterior. Considerando que a avaliação do encontro ocorreu no mesmo horário, só foi possível participar
de um espaço.
169

O limite apontado, na pesquisa, que não deixa de ser um desafio, é o de garantir


os encontros preparatórios com coletivos de Sem Terrinha, seja ele nos acampamentos e
assentamentos (nas escolas) ou nas regiões; Em alguns espaços, acontecem, mas em
outros, a exemplo do assentamento Palmares que tem muitas crianças, se faz um
revezamento para contemplar um maior número de participação de crianças, nos
diferentes encontros, o qual não ocorre uma sequência de participação no processo que é
de formação e organização da educação política das crianças.
Em resumo, as práticas educativas forjadas na luta, no campo da ação e reflexão
a partir da experiência de formação da Infância Sem Terra e das possibilidades de uma
organização da educação política das crianças, fazendo a disputa pela infância da classe
trabalhadora desde o seu tempo presente, a organização de coletivos infantis, se torna
uma necessidade organizativa e política. E que, como afirma o pensamento pedagógico
da União Soviética (1975), “a colectividade não é um ser abstrato” tem que ser
construída com intencionalidade, com propósito na formação humana, com clareza no
projeto social que está em construção.
A pedagogia só teria a ganhar se avaliasse serenamente o que pode
fazer uma colectividade de crianças (ou de adolescentes, de jovens) e
o que para ela é uma tarefa totalmente superior às suas forças. Isso é
necessário não para pôr em dúvida a força da colectividade, mas, pelo
contrário, para, sem fazer demagogia, estabelecer com exatidão as
condições em que uma colectividade se torna força educativa
realmente poderosa. (SUKHOMLINKI,1975, p. 216- 217).

A importância da organização das crianças do MST, participando e fortalecendo


as Culturas Infantis, como as Cirandas Infantis (Espaços de educação infantil), os
núcleos de crianças, entre outros espaços de organização coletiva, são fundamentais
para o processo de auto-organização, seja ele na escola ou em outros espaços
educativos. O importante é que dê sua contribuição na formação de uma infância
conhecedora da sua realidade, interventora na sociedade e não desconectada da vida
material.
O processo de formação e da coletividade exige junto às crianças, a vivência e a
experiência nas diferentes linguagens que possibilitam a socialização e construção da
infância a partir da sua realidade social, da condução política e formativa da educação
valorizando o processo da resistência, da luta social, do momento sensível de animação
(trazendo o belo através da poesia, da música, das expressões culturais, da comida...), da
presença da criança na luta.
170

As crianças Sem Terrinha, no Estado Pará, são reveladoras de uma forma


organizativa do MST estadual que vem garantindo a forte presença das mulheres
fortalecidas no setor de gênero e, logo, a participação das crianças no MST/PA, que
ganha uma profundidade na participação ocorrendo em espaço onde se “considera”
somente do adulto. É um avanço no que ser refere à importância dada à criança no
contexto da luta de classe. Da delegação de crianças que foi para VI Congresso 2014; do
coletivo de crianças que apresentou a proposta do Encontro Estadual dos Sem Terrinha
para a Direção estadual, em 2015; da realização do Encontro Estadual dos Sem
Terrinha, em seus 15 anos (2015), com uma coordenação de crianças que coordenaram
todos os períodos dos Encontros, considerando que foi desde o primeiro encontro no
ano de 2000 que essa prática vem ocorrendo; da participação de uma delegação de
crianças Sem Terrinha com representação de todas as áreas de assentamentos e
acampamento do MST no Estado, no Encontro Estadual do MST/PA, nos seus 25 anos
(2015), participando das plenárias e realizando uma assembleia das crianças para o
debate e intervenção no Encontro (como é realizado a assembleia das mulheres e da
juventude), colocaram como pauta principal a participação nas instâncias organizativa
do Movimento, foi permitindo no “espaço dos adultos” que elas expressassem suas
opiniões e seu ponto de vista, como também a reivindicação do seu espaço de atuação
em nível estadual.
Vale ressaltar que a forma organizativa permita a solidariedade entre a militância
e essa particularidade garante uma sensibilidade maior por parte do conjunto do MST
no tratamento com as crianças e com as mulheres. E, finalmente, é expressivo como que
a história contada pela militância do Pará, nos diferentes momentos de conflitos da luta
pela terra, incluem estratégias de como organizar as crianças, como deixá-las ou se levá-
las, como ter um local garantido com mais segurança. Assim como destaca uma das
principais lideranças da educação do MST, a importância que a organização política
deve dedicar às crianças,

Eu sou completamente favorável que a gente tem que fazer um estudo,


mais intencional, e ver se consegue mais literatura sobre a
experiência da União Soviética, se teve experiências na Nicarágua,
porque 10 anos é um bom tempo e assim ir mais fundo na experiência
que está mais acumulada, mas consolidada em Cuba. Quando eu fico
insistindo que foi no Congresso dos Pioneiros que o Fidel ouviu as
críticas a burocracias e a outros desvios, que ele, nossa, ficou
impactado e convocou a reunião do partido para desencadear o
171

processo que eles chamaram de retificação. Então, é verdade, as


crianças e especialmente as crianças, elas têm uma sensibilidade e
são verdadeiras. Elas podiam inclusive nos ajudar mais em ver o que
teria que mudar para garantir a continuidade do MST, para
reinventar o MST. (KOLLING, 2015).

Esse percurso do MST, na construção de uma concepção de educação com base


na Pedagogia Socialista, na Educação Popular, que compõe a prática educativa no
trabalho com a infância, contrapondo a pedagogia do capital, e tendo as experiências
socialistas como a sua principal referência, assim como destacou Kolling, chamando
atenção para reinvenção do Movimento, a partir das crianças, é, sem dúvida um desafio
para as organizações sociais da classe trabalhadora, pensar o lugar da infância com
intencionalidade na formação humana, formando com objetivo da construção de uma
sociedade socialista.

3.4.1 Indicações para um programa de formação político para a infância:


Na perspectiva de que as crianças estão presentes na luta, em nossa pesquisa de
campo identificamos as matrizes formativas da educação do Movimento (trabalho – luta
social- cultura – história – auto-organização) que fundamenta a prática educativa do
conjunto de ações realizadas nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária. As
matrizes construídas coletivamente pelo setor de educação do MST, por mais debates
realizados que o conjunto da organização tem proporcionado, todavia, existem limites
na efetivação de um trabalho permanente na formação humana das crianças em seus
diferentes espaços de atuação. Seja pela falta de formação dos educadores ou o próprio
debate sobre a infância que não chega até as famílias assentadas e acampadas,
impossibilitando um trabalho mais efetivo com as crianças Sem Terra.
Entendendo a importância de um trabalho mais sistemático, e do Programa de
Reforma Agrária Popular discutido e aprovado pela base social do Movimento no VI
Congresso em 2014, apresentam as principais ideias da agricultura defendida pelo MST,
um programa orientador para os próximos períodos que “representa os desafios e
perspectivas da luta camponesa no atual estagio da luta de classe” (MST, 2013, p. 39),
que é um documentos importante para o aprofundamento e reflexão sobre as práticas
educativas com as crianças e a sua relação com a Reforma Agrária Popular.
Nesse percurso de pesquisa, identificamos sete matrizes formadoras indicadas
no II Seminário Nacional sobre a Infância Sem Terra, estou incorporando uma oitava
172

matriz, a coletividade identificada no processo de pesquisa com as crianças, as quais


apresentamos como forma de uma orientação geral para a construção de um programa
de formação política para as crianças Sem Terra. Considerando os espaços já
constituídos através da luta, que foram forjados e construindo para as crianças e que
precisa de intencionalidade, envolvimento do conjunto das comunidades e efetivação de
práticas educativas. Os espaços são: Escolas de Educação Infantil e Fundamental;
Ciranda Infantil; as jornadas dos Sem Terrinha e outros espaços formativos dos
assentamentos e acampamentos do MST. As oito matrizes formadoras na educação
política da infância tem o Trabalho como principio educativo; a Luta; a Coletividade; a
auto-organização; a cultura, a agroecologia, a história e o Internacionalismo como
elementos fundamental na formação e desenvolvimento humano das crianças.

1) A prática do trabalho como princípio educativo.


Para Shulguin (2013), a categoria do trabalho como princípio educativo na
perspectiva socialista tem como desafio revolucionário se diferenciar do pensamento
burguês. Historicamente e, nos dias atuais, a burguesia vem formando os filhos e a
classe trabalhadora como um todo, sem promover uma visão crítica de mundo aos
trabalhadores em sua totalidade, oferecendo uma escola onde as contradições da
sociedade – a luta de classes – são escamoteadas na expressão que muito bem cunhou
Frigotto (2014) com a tese da “produtividade da escola improdutiva”, a escola do
“trabalho produtivo” que ensina “sonhar, delirar, idealizar e não lutar” como afirma
(SHULGIN, 2013) há mais meio século, alerta sobre o papel da escola no capitalismo,
que retira do trabalho a categoria ontológica. O autor chama atenção para o processo de
desenvolvimento e modernização,

A técnica tem condicionado seu próprio progresso à espiritualização


do trabalho humano. Ela deixou sua marca na nossa era, tem dado
formas ao movimento das pessoas e das mercadorias que antes teriam
parecido fantásticas e impraticáveis. Ela prestou serviço inestimáveis
também à ciência pela invenção de instrumentos sociais. Não foi por
acaso que a nossa época foi chamada da era das máquinas. Em breve,
as máquinas estão em cada casa, em cada fazenda. O homem moderno
deve saber pensar tecnicamente. (SHULGIN, 2013, p. 17).

A educação concebida pelo imperialismo, na versão do pensamento de Dewey,


para Shulgin é definida como “pedagogia imperialista”, tem princípios claros e
necessários para os objetivos do capital. As teses de Shulgin, em sua crítica à pedagogia
173

imperialista, continuam atuais, pois o projeto educativo da burguesia continua sendo


implementado e cumpriu e cumpre com os objetivos da pedagogia do capital: Pensada
para o mercado mundial; Da competição com os países economicamente mais
avançados; Da educação (escolar) industrial. (SHULGIN, 2015, p. 28-29). Para a
efetivação dessa educação, só é possível no “regime democrático”, tendo o Estado
burguês conciliador com serviço público-privado para “adaptação” à “escola do futuro”
civilizado. Para o pensamento imperialista, “a economia exige uma escola industrial”,
uma escola a “serviço da vida”, da vida do capital. (SHULGIN, 2013, p. 28).

Dewey exige outra coisa do professor: “eliminar as característica de


classe”, obscurecer a autoconsciência de classe, justificar a
“democracia”; ele exige adaptação das escolas à sociedade existente,
ou seja, à sociedade burguesa, pondo-a a serviço da democracia em
desenvolvimento incutindo no professor e nas crianças que a chamada
democracia procura alcançar uma sociedade sem classes, e a melhor
forma de alcançar este ideal não é a luta de classes, não é a luta contra
a burguesia, mas a “eliminação das particularidades de classe, no que
consiste a tarefa da escola. (SHULGIN. 2013. p. 35-36).

O sentido do trabalho, no contexto educacional, só é educativo se tiver


intencionalidade, ou seja, se o princípio dessa educação compreender que não se deve
fazer para a criança, mas fazer com a criança tendo no processo o entendimento de que
esse trabalho é necessário para auto-organização dos estudantes e que está na
perspectiva da “escola do trabalho” de “ensinar a luta e construir”. O trabalho como
princípio educativo, a exemplo da construção de uma horta na escola, se essa for feita
pela comunidade sem nenhuma intencionalidade, o sentido se perde. “O trabalho
socialmente necessário introduzido na escola anima a autogestão infantil, infunde novas
forças. Não é de fora, mas por dentro, com base no trabalho que cresce a correta
organização da autogestão”. (SHULGIN, 2013, p.114 - 115)
A horta precisa ser uma necessidade do coletivo para se desenvolver diferentes
práticas a partir do conhecimento humano. Como também possa ser educativo na
alimentação e na politização do não uso de agrotóxico. Das vitaminas que contêm nas
verduras, legumes etc; da ciência a ser trabalhada na relação interdisciplinar (na
preparação do solo, ao nascimento das plantas e o processo de acompanhamento até sua
fase de consumo...), do tipo da terra, o clima, o tempo, a vegetação as condições da água
e outros. São fundamentais para o processo de formação e criação da criança para a vida
toda.
Outro aspecto fundamental é como tornar a dimensão do trabalho em uma
prática para além da escola. Às vezes, a escola pode ser a educadora da comunidade ou
174

a comunidade da escola. Isso também vai depender das relações estabelecidas na


comunidade. Por exemplo, uma comunidade Sem Terra, indígena, quilombolas ou
urbana, se a criança levanta de manhã e não sabe fazer o básico (arrumar a sua cama,
ajudar no trabalho necessário da casa...), sendo os adultos que fazem tudo para ela, o
processo natural da sua formação vai sendo comprometido. A relação da educação e do
educador com a comunidade, compreendendo qual é a relação que esta estabelece com o
trabalho, é um elemento fundamental para o processo do conhecimento e educativo para
a formação do educador, logo o da criança.
Na realidade atual da educação, o Estado tem uma pedagogia. Essa pedagogia
não permite que a criança seja criadora e nem que participe da vida da sua comunidade.
A infância é uma das fases mais importantes para o processo de formação humana, o
sistema educacional tem pouco feito para o processo de produção intelectual da criança.
A dimensão de que o trabalho modifica o ambiente e produz a existência humana é um
desafio enorme no processo educativo, pois o que temos é a disputa do indivíduo na luta
pela venda de sua força de trabalho, que nada mais é que a produção mínima para a sua
própria sobrevivência.
A pedagogia socialista é uma referência no campo educacional para pensar o
trabalho como princípio educativo. Pensando na cultura da infância Sem Terrinha, os
espaços educativos, construídos ao longo desses 30 anos, são espaços propícios para a
criança se desenvolver no campo da arte, da cultura, das ciências naturais e sociais, da
auto-organização dos estudantes. É de vital importância para que as crianças,
adolescentes e jovens compreendam seu papel na sociedade e atuem nela, a exemplo da
escola Comuna, na União Soviética, que vai aprofundar sua pedagogia a partir da
revolução socialista. O trabalho politécnico será pensado no aspecto da junção da teoria
e prática. E vai partir da necessidade objetiva da realidade social do país.
As poucas obras sistematizadas dessa experiência relatam as práticas do dia a dia
de um processo em construção. Shulgin relata que

As crianças leem jornais para a população adulta analfabeta. As


crianças ensinam seus familiares a ler e a escrever. As crianças
ajudam a organizar as creches, a escrever organizadamente cartas na
escola, requerimentos, fornecem informações etc., organizam os
“cantos de educação sanitária” nas casas de leituras, ajudam a
organizar biblioteca etc. (SHULGIN, 2013, p. 94).
175

No relato dessa experiência, Shulgin afirma que, para o direcionamento do


trabalho educativo, tem que ter clareza no projeto educacional de qual é a sua base do
programa social, qual o referencial de estudo que tem de ser pensado, que trabalho
intencionalmente se faz necessário e qual o nível de participação. “Se o trabalho é
apenas o método, apenas uma forma de assimilar conhecimento, então, ele se torna
desnecessário, supérfluo”. (SHULGIN, 2013, p. 115). Aqui, é importante ressaltar que o
trabalho tem o sentido educativo, desde que seja um trabalho socialmente útil, com
intencionalidade, de forma consciente e coletiva. O trabalho como princípio educativo
permite que o ser humano se reconheça na sua produção e no caso da prática educativa
do MST, objetivo de ensinar a lutar e construir, a partir da sua prática, vai desenvolver
ações a partir das questões atuais.
A junção entre trabalho e estudo para as crianças, está relacionado à junção do
trabalho intelectual e manual, que tem como finalidade o conhecimento tecnológico nas
suas várias dimensões. As relações sociais fazem parte da vida material e que é através
dela que o conhecimento vai sendo apropriado humanamente e desenvolvido.
O trabalho como princípio educativo, na compreensão da pedagoga socialista,
“cria lutador e construtor da vida” que direciona a formação humana.

Uma forma de introduzir os estudantes na família trabalhadora


mundial para participar da sua luta, compreendê-la, seguir a história
do desenvolvimento da sociedade humana, obter a experiência de
trabalho, de organização coletiva, aprender a disciplina do trabalho.
Para nós, o trabalho é o fundamento da vida, o fundamento do
trabalho educacional é a melhor maneira de ensiná-los a viver com a
atualidade de ensinar, como ele, da melhor maneira, une-se a ela.
(SHULGIN, 2013, 41 - 42).

É preciso pensar nos educadores que atuam na formação das crianças e/ou as
acompanham como responsáveis nos encontros Sem Terrinhas e em outras atividades
do Movimento. Pensar na formação do educador é fundamental e ter a orientação
político-pedagógico em relação ao que trabalhar. A intencionalidade é fundamental para
o processo de formação revolucionária e o MST, como organização política, precisa
preparar seus educadores para o trabalho de formação das crianças, tendo presente a
educação política e organização das crianças como lutadoras e construtoras no presente,
vivendo a vida real do seu assentamento ou acampamento.
176

2) A luta – A luta é uma matriz formadora para o MST e, em especial, para as crianças
Sem Terra, por estar no seu cotidiano e no horizonte da conquista da terra,
proporcionadas nos Encontros Estaduais dos Sem Terrinha ou em outras atividades que
são organizadas para levar a pauta de interesses coletivos e cobrar dos órgãos
municipais ou estaduais, revindicando ou denunciando o descompromisso desses
“representantes do povo” que estão a serviço do capital. Certamente, para as crianças,
são momentos de formação e politização, bem como da valorização da pauta que eles
construíram coletivamente e faz parte da sua realidade de vida.
Como elemento formador das crianças Sem Terra, nos diversos espaços, sejam
nas ocupações da terra, nas marchas, ou outros tipos de luta, as crianças Sem Terra se
reconhecem nesse lugar como espaço de transgressão, de liberdade e de protagonismo.
Outubro é o mês mais expressivo para as crianças do MST, em todo o Brasil.

Nesse processo, ao contrário do que ocorre tradicionalmente em nossa


sociedade, na qual à maioria das crianças compete assistir
passivamente ao percurso da história, no MST elas são incluídas no
próprio fazer da luta. O que favorece essa inserção é o fato de o MST
ser um movimento que envolve toda a família expropriada da terra,
uma vez que se trata, em princípio, de garantir as condições básicas
para a sua sobrevivência. (ARENHART, 2007, p. 20).

As Jornadas dos Sem Terrinha, nesses 21 anos de história, já formaram muitos


integrantes da direção do Movimento, da organização da juventude e tem atuado como
formadora de novas lideranças e educadores das crianças na organização da própria
jornada dos Sem Terrinha. E esses espaços forjados pela luta também conquistaram
reinvindicações infantojuvenis, que se materializaram aos olhos da coletividade na
forma de estruturas escolares, quadras esportivas, como o próprio Encontro Estadual
dos Sem Terrinha em 2014, no Estado do Pará. O levantamento dos problemas e a
reflexão sobre o plano de ação e de lutas, solidariamente, envolve o conjunto de
crianças para as reivindicações, como a desapropriação de terra do acampamento Frei
Henri. A luta coloca em evidência os problemas sociais para os órgãos municipais,
estaduais e federal, como para o próprio movimento, e para as crianças, em particular,
que notam a importância da luta política, além da luta econômica e ideológica.
177

3) A coletividade na formação das crianças do MST, esta dimensão se coloca


contrapondo o individualismo que reafirma a propriedade privada, a competição e a
exploração do ser humano.
Embora a infância Sem Terrinha venha se constituindo, ao longo desta trajetória,
com identidade política e uma prática educativa que não caracteriza uma organização
formal institucionalizada pelo Estado, consideramos que o elemento da coletividade
vivenciado a partir da luta e da resistência contribui na formação da criança. Como ação
contra-hegemônica, assim se dá o surgimento da Jornada dos Sem Terrinha, a
coletividade forjada pela organização da escola e das comunidades, desafiam as crianças
a garantir a discussão da pauta de reivindicação a partir dos problemas de suas
realidades, apreender a ter outra forma de relação com o conjunto da organização, bem
como de indicar representantes para as negociações nas audiências com prefeituras,
secretarias de educação, de justiça entre outros. A coletividade é o objeto da educação
no qual as crianças, em relações sociais, culturais e políticas, vivem seu tempo presente,
em seus problemas, e na construção de alternativas. Com suas várias instâncias
organizativas, desde a vida escolar propriamente dita (escola, ciranda), compartilhada
com educadores, até a vida autogestionária (finanças, saúde, alimentação, produção),
cultural (Jornal e Revista Sem Terrinha, biblioteca, música, teatro, dança, etc) e política
(assembleia, núcleos de base), a coletividade se desenvolve a partir da inserção das
diferentes gerações de crianças, marcadas pelos desafios de seu tempo. É um espaço em
que o coletivo se forma e representa o seu acampamento ou assentamento,
organizadamente, com a discussão do conjunto de crianças. É o lugar de trazer os
debates discutidos anteriormente, as palavras de ordem, as músicas, as apresentações
culturais e coordenar o próprio encontro. “O coletivo é uma concepção integral e não
um simples total referido as suas partes, o coletivo apresenta propriedades que não são
inerentes ao indivíduo. A quantidade se transforma em qualidade” (Pistrak. 2000, p.
177). E o coletivo vai definir as regras para o grupo e garantir que as decisões sejam
cumpridas. Pistrak destaca, ainda, o Movimento dos Pioneiros na União Soviética,
O movimento comunista de crianças ou, para falar à moda antiga, o
movimento dos pioneiros, transformou-se num fato de tamanha
importância que nenhuma escola ou nenhum professor pode iludi-lo e
também nenhum problema escolar pode ser discutido sem que leve em
consideração o movimento (Pistrak. 2000. p. 208).
178

A atuação da criança na participação das atividades e no caso dos encontros e


Jornadas dos Sem Terrinha é de um sujeito organizador juntamente com os adultos. Na
coletividade, as crianças têm papel ativo, como os professores, todos educam e são ao
mesmo tempo educados, na dimensão da vida prática presente. A construção da
pedagogia socialista tem na sua base a luta de classe, na organização da classe
trabalhadora. Na contraposição do sistema capitalista, as experiências revolucionárias
demarcam na história um processo que busca na teoria marxista um referencial que está
alicerçado na prática social proporcionando uma articulação entre o “fazer e o pensar”,
“lutar e construir”, umas das referências na construção da pedagogia socialista soviética
na construção da escola do trabalho de Pistrak que, no seu contexto histórico, fortalece a
ideia de uma teoria orientadora e revolucionária para os processos de transformações. A
coletividade com base na educação marxista, como um instrumento importante para
análise e intervenção de classe. Assim, Saviani recoloca a expressão “pedagogia
socialista” na sua concepção dialética de educação e que “não se deve perder do ponto
de vista marxista” que ela faz sentido:

como uma orientadora pedagógica em períodos de transição entre a


forma social capitalista com a correspondente pedagogia burguesa e a
forma social comunista na qual – e apenas nela – será possível emergir
uma pedagogia propriamente marxista, vale dizer uma pedagogia
comunista”. (SAVIANI & DUARTE, 2012. p. 75).

Sendo a mobilização infantil espaço de análise da organização da infância do


MST, embora estando na sociedade capitalista, não se pode perder de vista o horizonte
da transformação social. Sendo assim, a coletividade é, portanto uma das matrizes
fundamentais para um projeto educativo contra-hegemônico, pois organiza a escola num
novo tipo de sociabilidade na qual domina a camaradagem, os processos auto-
organizativos, o planejamento coletivo da vida escolar inserida na comunidade do
entorno e nas lutas da atualidade, sejam elas locais, regionais, nacionais ou
internacionais.

4) A auto-organização é o que dá garantia ao lugar de protagonismo das crianças na


luta. A preparação das crianças nas escolas ou nas comunidades acampadas e assentadas
é que vai definir a participação da criança na Jornada. Desde a disciplina na atividade,
179

da disposição com a coletividade, da relação com o trabalho estabelecido pelo grupo, à


responsabilidade com as tarefas do próprio encontro local, regional e ou estadual.
A auto-organização das crianças, nos alerta Pistrak (2000), é um elemento
fundamental sobre a organização do coletivo infantil, que se expressa em duas formas
de definição: uma forma provém da educação burguesa que é para manter a ordem
social estabelecida pelo sistema, e não é difícil ver que são dados pelo próprio caráter do
regime capitalista,

De fato, como o Estado burguês quer educar as crianças? De que


cidadão tem necessidade? Antes de tudo, de cidadão cujo cérebro
nunca possa conceber a possibilidade de abalar as leis “imutáveis” do
país. Do ponto de vista da lei, toda revolução é ilegal. (PISTRAK,
2000, p.171).

E a outra forma vem do processo revolucionário, que tem o coletivo como


principal referência para a transformação social.

[...] baseado no desenvolvimento do coletivo infantil, ou seja, a que


ajude a inculcar nas crianças o hábito de viver e de trabalhar no
coletivo. É um caminho mais difícil de trilhar, enfrentar mais
dificuldades, exige do professor um esforço maior, mais reflexão,
comportando, às vezes, riscos, mas é mais seguro e em todo o caso,
responde aos objetivos da educação soviética. (PISTRAL. 2000.p.
182-183)

O processo coletivo é o caminho que o MST escolheu para a sua organização e,


logo, para trabalhar com as crianças. Desde a preparação e organização dos Encontros
Sem Terrinha, espaços definidores na atuação da criança enquanto sujeito organizador
do MST e que tem como base a formação e participação no MST que ocorre juntamente
com os adultos, ela vai se refletir na forma organizativa que é proposto no trabalho com
as crianças, e, melhor, a forma de organização é pensada junto com o coletivo infantil
do acampamento ou assentamento, seja através dos núcleos de base; de grupo de
trabalho; da Ciranda Infantil, como da própria escola. O mais importante é o processo
coletivo a ser construído com as crianças.

5) Cultura como resistência à indústria cultural. Desde a cultura infantil, as crianças no


MST são estimuladas a criar e produzir coletivamente suas músicas, poesias, artes
plásticas, teatro e, entre outras linguagens que vem sendo desenvolvidas nos limites da
formação dos educadores. Todavia falta um aprofundamento no trabalho cultural com a
180

criança e que os limites para o acesso da produção social do conhecimento se distância


intencionalmente da classe trabalhadora. Meneguet (2015) chamou de práxis social,
uma relação que não separa a teoria da prática e vai compreende a cultura no seu
universo social da reprodução de sociedade e que a materialização de um produto, de
uma peça está relacionada às relações sociais estabelecidas na sociedade e que
acompanha o seu tempo histórico.
No caso da sociedade capitalista, em que vivemos, tudo se transforma em
mercadoria e a cultura industrial tem sido produzida intencionalmente para a classe
trabalhadora se aprisionar na sua condição de “miserabilidades”, subserviente e alienado
ao mundo do trabalho.

Num mundo de crise civilizatório, como o nosso, a arte e a cultura só


terá sentido se forem uma arte e uma cultura contra a barbárie, ou seja,
uma arte e uma cultura que tenha esta clareza. Ser contra a barbárie é
ter a consciência de que o que está em jogo é salvar a humanidade, na
qual estamos incluídos. Mudar o mundo é muito mais complicado que
fazer apenas arte e cultura, o que já é muito complicado. Mas jamais
mudaremos o mundo se não produzirmos uma arte e uma cultura que
nos ensinem o caminho para o outro lado do rio, para o reino da
liberdade. (MENEGAT, 2015, p. 33 -35).

A matriz da cultura, como práxis social, outra forma de organização da vida


coletiva e em especial desde a infância, que rompe com a lógica mercadológica da
cultura industrial, intencionalmente produzindo uma práxis revolucionária,
transformando o mundo e começando com uma prática concreta na sua realidade social,
desde já.

6) Agroecologia como filosofia de vida. Embora seja recente a sua construção


histórica, no MST se tornou uma bandeira política no trabalho com agricultura dos
assentamentos e acampamentos. A agroecologia tem, na sua matriz, os saberes
tradicionais dos povos originários, articulando as várias dimensões da vida levando em
considerações as relações sociais, ecológicos, valores culturais e humanos e que
contrapõe a agricultura de mercado do modelo de produção do capital.
O termo agroecologia surge na década de 1930 como sinônimo de “ecologia
aplicada à agricultura”, e que inicialmente foi concebida como disciplina nos estudos
dos agro-ecossistemas e que, com as contribuições de outras áreas do conhecimento nas
181

décadas seguintes, foi se configurando uma concepção através das análises dos países
da periferia do capital. A agroecologia ficou popularizada nos anos 1980, com o
“trabalho de Miguel Altieri e, posteriormente, de Stephen Gliessman”. (GUBER &
TONA, 2012, p. 59).

Está em gestação uma concepção mais recente de agroecologia ainda


mais ampliada: a partir da prática dos movimentos sociais populares
do campo, que não a entendem como “a” saída tecnológica para a
crise estruturais e conjunturais do modelo econômico e agrícola, mas
que a percebem como parte de sua estratégia de luta e de
enfrentamento ao agronegócio e ao sistema capitalista de exploração
dos trabalhadores e da depredação da natureza. Nessa concepção, “a
agroecologia inclui: a defesa da vida, produção de alimentos,
consciência política e organizacional”. (GUBER & TONA, 2012, p.
63-64).

O contato com a terra, a luta pela terra e a terra conquistada são processos que
fazem parte da vida das famílias Sem Terra, logo as crianças também convivem,
participam e constroem esse ambiente coletivo que resignifica a vida no campo.
Construir, desde a infância, um pensamento contra-hegemônico de agricultura, de
território ocupado da produção sem agrotóxico, do cuidado com a terra como da própria
vida, são significados fundamentais na construção de uma sociedade sem classe que luta
para emancipação humana.

7) A matriz da História possibilita a compreensão e percepção do sentido da memória


da classe trabalhadora e de seus processos de luta. Um povo que cultiva a sua história
coletiva e revive com as crianças no fazer pedagógico, como elemento formador, é de
resistência, num tempo em que o presenteísmo fortalecido na ideologia do capital nega a
história e a memória da classe trabalhadora, assim como a luta de classe. Saviani (2011)
nos chama atenção da “teoria desvinculada da prática se configura como contemplação,
a prática desvinculada da teoria é puro espontaneísmo” (SAVIANI, 2011. p. 120). A
dialética histórica e não idealista dá sua contribuição para a base teórica dos
movimentos das relações sociais e das condições da existência de transformações na
articulação da práxis social.

A história como matriz formadora não pode ser vista como disciplina, é ela que
vai dar elementos para compreensão do mundo na relação com conhecimento da
182

humanidade. Ela é, na verdade, a dimensão central para a efetivação da prática


educativa e da fundamentação da ideia quando reafirmamos que as crianças do MST são
sujeitos construtores de sua própria história. Ou seja, o MST se faz e refaz
transformando a história da luta pela terra no Brasil e, logo, as crianças que
conjuntamente constroem o movimento, forjam o seu lugar de protagonismo e
intervenção na sociedade.

8) O internacionalismo na formação das crianças Sem Terra. O MST se fortalece


como organização social e política, através da solidariedade internacional. E as crianças
têm assumido, através das escolas do movimento e das jornadas dos Sem Terrinha uma
relação de socialização e intercâmbio com as crianças de outros países. Essa relação tem
estimulado as crianças a pensarem na realidade das outras crianças e a contarem a sua
realidade, proporcionando desde a organização do espaço infantil, a aprendizagem da
solidariedade até o contato com a realidade do mundo.
A solidariedade internacional, para o MST, é uma prática que, desde o seu
surgimento, foi sendo motivada na militância e na base Sem Terra, como um todo.
Inspirados nas lutas internacionalistas da classe trabalhadora e nas práticas de luta para
a construção de outra sociedade, o MST foi socializando suas experiências com outros
povos e buscando, nas práticas de luta da Nicarágua, Cuba, Venezuela, Haiti,
Moçambique, entre outros países, através das brigadas internacionalista, bem como os
intercâmbios nos assentamentos e acampamentos de reforma agrária.
Na educação, o trabalho nas escolas, nos cursos de formação, na Educação de
jovens e adultos e com as crianças, tem se refletido, com mais força, a temática da
solidariedade internacional – através das produções de comunicação e de cultura (Jornal
e Revista das Crianças Sem Terrinha) com o tema da solidariedade internacional. Foram
desenvolvidos temas da realidade dos países que, como o Brasil, também sofrem com a
dominação imperialista: Palestina, contando histórias, a partir da vida das crianças e da
realidade vivida por elas no campo de refugiados e no enfrentamento da opressão
imperialista israelense com apoio estadunidense em seu cotidiano. Cuba, na campanha
de libertação dos cinco Heróis, presos injustamente pelo governo estadunidense em
Miami. Da Venezuela, na homenagem a Hugo Chávez, contando a história de sua
infância, e do Haiti que retrata a realidade de miséria e opressão do país, contado por
uma criança.
183

As histórias estimulam o pensar das crianças, desde a organização do espaço


infantil, para o aprendizado da solidariedade e do contato com a realidade do mundo. A
Revista das crianças Sem Terrinha mostra o esforço que o MST vem fazendo para que
sua concepção de mundo, ou seja, de movimento político e popular, com suas formas
organizativas, cheguem até as crianças. E a forma simbólica reflete sobre a organização
do assentamento, bem como da inserção na educação política a ser realizada desde a
infância.
A realidade da Palestina foi contada em forma de história para as crianças Sem
Terrinha, por meio de uma representação de crianças deste país, trazendo a sua luta, a
sua vida cotidiana e seus sonhos. A infância palestina é caracterizada por meio de sua
vivência na escola, pela caminhada toda sexta-feira para plantar oliveiras, pela presença
na manutenção da resistência em seu país junto com os adultos. A vivência da infância
aparece associada aos soldados israelenses, no contexto de um conflito armado com a
presença de bombas e com prisões. O muro que separa as infâncias palestinas e
israelenses é apresentado como aquele que, embora existente, não tira o sonho de
liberdade e resistência.
A solidariedade internacionalista entre os povos, para o MST, apresenta-se como
um dos valores humanistas e socialistas. Um dos exemplos dessa relação foi a produção
coletiva da música Palestina livre114, feita pelas crianças do Estado do Pará,

Convidamos as crianças para pintar o muro da desigualdade.


É o Sem Terrinha cantando e ocupando com a sua ginga.
Reforma agrária, justiça e liberdade, uma canção de roda.
Palestina livre: um sonho que também é brasileiro.
Oh, Palestina.
Menino livre solta pipa e joga bola.
Nossa Ciranda convida tuas crianças pra dançar na roda.
E de mãos dadas sonhando a liberdade a ser conquistada.
Oh, Palestina! (Plantando ciranda 3, 2014).

114
Música do CD Plantando Ciranda 3, produzida no Encontro estadual dos Sem Terrinha do Estado do
Pará.
184

Nas campanhas de solidariedade do MST à Palestina e Cuba, os trabalhos


realizados pelas crianças, são de uma expressividade na qualidade e solidariedade que
reafirmam a importância da Pedagogia do Movimento na formação das crianças. E
desse processo de campanha, segundo informações do setor de Relações Internacionais,
os que mais exerceram a prática de solidariedade internacionalista no MST, tem sido às
crianças. E a próxima edição da Revista (2016), a temática será sobre a realidade das
crianças da Síria.
Para garantir que a luta seja formadora, que a auto-organização das crianças
esteja no projeto educativo do MST, que a coletividade seja a principal referência de
organização do trabalho como princípio educativo, fortalecendo a cultura e a
agroecologia como matrizes formadora contra-hegemônica e exercendo o
internacionalismo no campo dos valores humanista e socialista, reafirmando sempre a
importância da história para a classe trabalhadora e seus filhos. As matrizes como
centralidade para a construção de uma programa para e com as crianças é determinante
na prática educativa e sua efetivação, da Reforma Agrária Popular nos assentamentos e
acampamentos do MST.
A escola, a Ciranda Infantil ou outros projetos educativos dos assentamentos e
acampamentos, precisam garantir acompanhamento e ser construídos desde a
organização coletiva com permanência nas suas localidades. Por isso, a necessidade de
um programa de formação política para as crianças, com referência nas matrizes, que
seja orientador no debate de um trabalho já constituído através da luta pela terra, mas
precisa ser tornar uma referência de construção coletiva em conjunto com as crianças,
desde a escola infantil e fundamental, da Ciranda Infantil, das jornadas dos Sem
Terrinha e outros espaços formativos dos assentamentos e acampamentos do MST.
Todavia, existe a necessidade da construção de um projeto formativo para as
crianças, para além da sistematização das práticas e proposição desse trabalho, mas para
compor uma sistematização do movimento, que já há três décadas vem atuando como
organizador político no campo brasileiro, e essas matrizes identificadas no trabalho são
referências indicadas nas suas próprias produções, mas é de vital importância uma
sistemática objetiva que oriente a formação das crianças nos assentamento e
acampamento do MST em nível nacional.
185

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viva menino... Vira os quadros de ponta cabeça. Desfaz as ordens


E, com sinceridade e ousadia, escreva em todas as cores
A mágica possibilidade, da construção de um mundo novo,
Ainda no presente!
(Evandro Medeiros)

As motivações e convicções pelas quais essa dissertação foi elaborada tem


presente a importância da formação humana desde a infância, da minha militância com
essa frente muitas vezes invisibilizada e que, nos últimos 20 anos, nos desafiamos atuar
e trabalhar com essa prática educativa, compreendendo a necessidade do processo da
formação humana desde a infância, do lugar que foi se construindo no movimento da
luta e do seu protagonismo na história da luta pela terra e o MST. Nas considerações
desse processo das matrizes formadoras que foram orientando a articulação e
organização das crianças Sem Terrinha nos Estados e nos limites e possibilidades de um
sistema opressor e repressor, percebemos que esse sistema não exclui a criança, muito
pelo contrário, as inclui de forma perversa, violenta e fetichista, e que, através da
“formação da consciência”, da pedagogia do capital, constrói o lugar da infância
consumista, idealizadora, sem um projeto de classe vinculado às necessidades dos
trabalhadores e da transformação social.
Este trabalho abordou a Pedagogia do Movimento Sem Terra e sua prática
contra-hegemônica, na formação da educação política das crianças Sem Terrinha. O
presente contexto marcado pelas relações de exploração capitalistas e o papel que as
instituições do agronegócio com a pedagogia do capital têm cumprido na educação dos
filhos da classe trabalhadora e das ações que o MST tem apresentado como alternativas
para formação da infância Sem Terra.
No primeiro capítulo, destacamos a construção da Pedagogia do MST, as
experiências de construção coletiva da classe trabalhadora, demarcados por Cuba e na
União Soviética, e das influências das lutas internacionalistas. A Pedagogia Socialista e
Educação Popular, que através dos debates coletivos e da negação da educação
burguesa, uma “escola diferente” vai sendo gestada no MST e a concepção de educação,
que foi sendo elaborado com a compressão de uma visão de mundo socialista.
186

A infância Sem Terrinha, na luta pela terra, como nos apresenta Medeiros em
seu poema “Corre menino”, elas (as crianças) tem “virado os quadros de ponta cabeça”
e revindicado a possibilidade de construir um mundo melhor junto com os adultos. A
oportunidade que as crianças do MST têm de viver coletivamente e aprender a enfrentar
a vida junto com os adultos, é intensificada com a diferença de que ela pode reivindicar
a sua participação ativa nos assentamentos, e acampamentos da Reforma Agrária, de
modo diferenciado de outros processos da luta pela terra no Brasil, ou seja, elas são
compreendidas como lutadores e construtoras - protagonistas da luta junto com adultos.
A cultura da coletividade produz uma representação diferente através da sua intervenção
na história da luta pela terra e o MST, por participarem de toda vida construída nesse
ambiente que expressa luta, sonhos, projetos, resistências e conquistas. Por isso, a
educação política na perspectiva da pedagogia socialista é o elemento formador do
sujeito social que participa da luta coletiva a partir da realidade concreta, defendendo
uma sociedade na qual a classe trabalhadora tenha direito de viver dignamente, o que
não se enquadra na lógica hegemônica.
Considerando a formação da educação política da infância Sem Terra, a luta pela
terra é a principal forjadora desse espaço de protagonismo das crianças, por ter como
princípios a luta, coletividade, a organização política. São elementos que permitiram a
construção de instrumentos políticos e alternativos para e com a infância Sem Terra, por
uma necessidade concreta em transformar a realidade social, marcadas pelas
desigualdades sociais - estabelecida pelo capital, para um território de luta por
dignidade humana. Esses instrumentos políticos são: a) jornada dos Sem Terrinha - que
forja a identidade através da luta - com referência na Organização dos Pioneiros José
Martí em Cuba; b) a experiência da Ciranda Infantil, como um propósito alternativo e
que se torna uma referência internacional e foi inspirada pelos Círculos Infantis
cubanos; c) a luta por educação infantil nos assentamentos/acampamentos como um
direito das crianças, uma espaço político, cultural e de formação humana, não só das
crianças, mas da família. A exemplo da Escola Maria Salete R. Moreno, no Estado do
Pará, cujas crianças do Assentamento se identificam com a escola e reconhece, nesse
espaço, como um lugar bonito, com vários elementos e um mundo de possibilidades de
desenvolvimento. É um espaço que só foi possível existir através da luta. Essas três
frentes que vem sendo construídas e, ao mesmo tempo, continuam sendo um desafio
187

para o MST em garantir o protagonismo das crianças nesses espaços, bem como a luta
pela efetivação.
No segundo capítulo, considerando a disputa do capital pelos filhos da classe
trabalhadora, numa breve contextualização, buscamos compreender a atuação da
pedagogia do capital na integração campo e cidade globalizados, com pequenos e
grandes exemplos de como as empresas do capital tem atuado na formação das
populações do campo e da cidade através de projetos pedagógicos, que são pensados e
implementados através dos seus intelectuais orgânicos.
A pedagogia do capital, como já mencionada, estabelece, em especial para as
crianças, adolescente e juventude, uma relação de dominação e hegemonia da ideologia
burguesa na formação de indivíduos padronizados individualistas, competitivos e
isolados da realidade social. Com surpreendente efeito, da fusão da educação com os
meios de comunicação e cultura industrial, que se baseiam na necessidade do
capitalismo e a forma e conteúdo, é de alienação, influenciando a cultura de massas na
vida dos seres humanos e, especialmente, na vida da criança numa relação mundializada
e hegemônica, condicionando-a a uma sociedade sem história, sem memória, sem
classe.
A maior presença do empresariado da educação, nas últimas duas décadas no
Brasil, significa a aposta do capital na mercantilização da educação pública brasileira,
da educação infantil à universidade, espaço de luta, resistência no enfrentamento à
privatização da educação. No campo brasileiro, a realidade é de enfrentamento ao
fechamento das 37 mil escolas, mas também as escolas urbanas estão sendo fechadas se
revelando fortemente nas lutas dos estudantes em novembro de 2015, na ocupação das
escolas fechadas pelo Estado burguês de São Paulo, como também da ocupação dos
estudantes nas escolas do Estado do Rio de Janeiro em 2016.
Destacamos, também, na pedagogia do capital, que em defesa da agricultura de
mercado - o agronegócio em parcerias com o Estado brasileiro faz a formação
intelectual no campo da indústria cultural, da comunicação de massas e da educação
ambiental, de professores, crianças, adolescentes e jovens nas escolas públicas. Ao
tentar entender o avanço da pedagogia do capital no Brasil, nos deparamos com a
mercantilização da educação pública, com apoio e abertura do Estado brasileiro em
parcerias com o empresariamento da educação, permitindo a intervenção ideológica
dominante, na formação dos docentes, bem como das crianças, jovens e adultos. Isso
188

reforça a entrada das empresas privadas na educação, negando um processo histórico de


luta dos trabalhadores da educação; da produção e distribuição de materiais didáticos,
dessas empresas nas escolas, incentivando-os a usar a competição, o uso de agrotóxicos
como positivo se estiver uniformizado, conforme orientam as empresas de veneno; das
premiações para as escolas e estudantes que apresentam redações com ideias positivas
sobre o agronegócio.
A fusão campo e cidade, que o agronegócio apresenta para a sociedade “do lado
de dentro da fazenda”, a produção em grande escala, e, “do lado de fora”, o
processamento dos produtos e a relação internacional de mercado, trabalhando a ideia
de superação do atraso no campo e de unidade entre “campo e cidade”, em nome do
capital, fusão que se refirma nas quatro frentes de atuação e formação do capital que
Traspadini (2010) apresenta nos estudos sobre “crianças em disputa: o ataque do capital
(1)”: a) o exército de reserva produtivo; b) a formação da consciência; c) exemplos
concretos de projeção do capital – da Vale, da ABAG, entre outras empresas vinculadas
aos empresários da educação; d) O que está em jogo, afinal? Para a economista, a
necessidade da “manutenção da acumulação do capital centrado na exploração do
trabalho”, o “atual consumo da criança, associado à inserção de futuro como trabalhador
endividado e consciente, trabalhar para consumir”; “a formação da consciência de que
não existe outro projeto a não ser o dominante”; “um projeto único de sociedade sem
disputa e contradições e de dominação de classe”. (Traspadini, 2010, s/n).
No terceiro e último capítulo, analisamos a significação das mobilizações
infantis no MST, que surge em 1994, e que, a partir de 1997, ganha força nacional e se
torna cultura a jornada dos Sem Terrinha. Na construção da identidade política Sem
Terrinha, o Jornal Sem Terra foi fundamental para essa construção, proporcionando e
provocando o debate sobre o tema para a base social do MST, nos anos de 1994-1995 e
1996.
Percebemos, nas jornadas dos Sem Terrinha do Estado do Pará, que as crianças
têm sido protagonistas de um espaço em construção, que, nos limites e contradições
vêm se apresentado como possibilidade para a organização das crianças Sem Terra, no
Estado Pará. Essa análise leva em conta as crianças que vivem nos acampamentos do
MST e que convivem com a realidade de violência, estabelecida pelo latifúndio da terra,
mas também da influência e dos impactos das empresas do capital, a exemplo da
mineradora Vale na Região Sudeste do Pará.
189

O desafio que está colocado não só para o MST, mas para a classe trabalhadora
como um todo é de resistência à exploração, objetivando superar o estado de
subserviência, alienação e competitividade em que se encontram historicamente até os
dias de hoje o país. A existência dos movimentos sociais que denunciam
permanentemente a intervenção violenta dessas empresas, no campo e na cidade,
vinculados à luta histórica dos trabalhadores da educação e da luta por educação do
campo, que são contrários à mercantilização da educação e dos projetos que estão sendo
implementados na direção de dominação. São desafios permanentes na luta de classes e
necessários para projetar ações contra-hegemônicas e de resistência que demarquem a
luta concreta da classe trabalhadora.

Desafios elencados nesse processo


a) Me chamou a atenção, nesse processo, a relação que o MST desenvolve com Cuba,
tanto no campo da educação, como na produção. Ao mesmo tempo, ausência de
registros nas produções da educação, não demarcando a presença cubana, no
aprofundamento sobre a relação e influência na formação das crianças Sem Terra. O que
existe são os registros da tese de Caldart (2000) e a história oral na entrevista de Kolling
que, de certa forma, documenta uma trajetória. Ao meu ver, caberia um estudo mais
aprofundado sobre esses processos para contribuir com outras organizações e estudo da
história da infância no MST e no Brasil. É um desafio garantir a memória da história da
classe trabalhadora.
b) A luta pela Educação Infantil e construção de escolas nos assentamentos – um
instrumento necessário que permite projetar o lugar da criança pequena na luta por uma
educação infantil proporcionando a discussão da formação humana desde o nascimento
nas comunidades. Da Escola de educação infantil realizar os encontros de Sem Terrinha
com as crianças pequenas, que não participam dos Encontros por não ter idade de sete
anos, mas revindicam sua participação e se torna um desafio pensar e projetar esse
espaço nas escolas infantis.
c) A demanda que surge do lugar dos adolescentes no MST, assim como foi feito na
infância - colocando a questão "Qual o lugar da infância no MST?”-, fica também a
pergunta: “Qual o lugar dos adolescentes do MST num contexto de disputa do capital
pelos filhos da classe trabalhadora?” E, certamente, são desafios para outras pesquisas.
190

d) Da necessidade de um programa de formação política para as crianças Sem Terrinha,


fortalecidas pelo debate e reflexão coletiva dos setores do MST na discussão de
matrizes formadoras para o trabalho com a infância no qual fomos nos identificando ao
longo do processo da pesquisa.

Destacamos algumas práticas exercidas com as crianças, consideradas ações


contra-hegemônicas no processo da luta pela terra, nesses 31 anos do MST:
1) A luta pela terra e pela sobrevivência, de forma organizada, pelas famílias de
trabalhadores rurais Sem Terra de diferentes localidades, enfrentando e resistindo ao
latifúndio da terra/agronegócio/capital.
2) A organização e luta dos Sem Terrinha nos acampamentos e assentamentos,
colocando em questão a realidade das crianças do campo.
3) A construção da pauta de reivindicação com as crianças, a partir da sua realidade
social, na perspectiva e projeção da educação política das crianças, vinculada a sua
realidade de classe.
4) As manifestações, lutas das crianças nas ocupações de instituições do Estado, como
no MEC, prefeituras, Secretaria de Estado da Educação, mostrando à sociedade suas
reivindicações da infância da classe trabalhadora e cobrando o direito de ter a escola
dentro dos acampamentos e assentamentos e contra o fechamento das escolas, como
direito.
5) As diferentes formas encontradas para não aceitar os materiais didáticos das
empresas do agronegócio nas escolas de educação infantil, fundamental e médio,
denunciando a gestão privada no espaço público e do Estado, que interferem, obstruem
e prejudicam o livre desenvolvimento educacional da infância dos trabalhadores Sem
Terra.
6) A luta pela educação do campo e conquista do Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (Pronera), proporcionando a formação dos educadores do campo.
7) Produções de materiais de comunicação e cultura infantil, que trazem no seu
conteúdo e na sua forma os temas que preocupam a infância Sem Terra, como luta
ideológica para reafirmar os valores da classe trabalhadora e os direitos da infância.
8) A organização da Ciranda infantil, tornando-se uma referência nacional e
internacional; de auto-organização dos Sem Terrinha, como garantia da proteção e
191

desenvolvimento da vida da infância e das mulheres, bem como os valores da identidade


sem terra.
9) A luta por escolas nos assentamentos e acampamentos, a conquista da escola
Itinerante, nos acampamentos do MST, e a luta contra o fechamento das escolas do
campo e da cidade;
Essas são algumas ações, que dão significado à luta do MST e a sua pedagogia,
dinamizadas pela reflexão e participação das crianças Sem Terra nos limites da
sociedade de classe. A condição da criança na luta pela terra e o MST é (re)significada a
partir de uma perspectiva de resistência e de presença na luta, dois elementos que não se
separa e são fundamentais para compreender a infância no contexto da luta pela terra e o
seu significado no contexto da formação humana e produção da existência. É um limite
para as famílias assentadas e acampadas realizarem a formação com as crianças, mas
como já mencionado, essa “nova frente” (infância) de atuação é forjada através das
mobilizações infantis e o singular da mesma, se refere à organização de crianças, filhas
de trabalhadores do campo, que, culturalmente no Brasil, não se tem notícias de
organizações sociais que, para além da sua pauta de luta, mobilizam e organizam
crianças na perspectiva da luta de classe.
192

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199

ANEXO 1.
Ocupação das crianças Sem Terrinha no MEC no dia 12 de fevereiro de 2014. Leitura
feita pelas crianças do Manifesto de denúncia e protesto pelos seus direitos, por
Reforma Agrária e um Brasil melhor, para o Ministro Educação, Henrique Paim.

Foto do Site do MEC115.

MANIFESTO DOS SEM TERRINHA À SOCIEDADE BRASILEIRA116

Nós somos Sem Terrinha de acampamentos e assentamentos de todo o Brasil e estamos


participando do VI Congresso Nacional do MST e da Ciranda Infantil Paulo Freire.
Viemos protestar pelos nossos direitos, por Reforma Agrária e lutar por um Brasil
melhor.
Tem gente que tem preconceito com os Sem Terra e com os Sem Terrinha. Nos
acampamentos e assentamentos do MST tem animais, pessoas, escolas, árvores e
plantações. A plantação é muito importante para nós, não tem como viver sem
alimentos.
O agronegócio é apenas uma monocultura, é uma coisa que só planta uma lavoura. Para
que as plantas não estraguem é preciso usar muito veneno, que trazem doenças e perda
da qualidade da comida. No agronegócio tudo é mercadoria!

115
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=20227:ministro-
confirma-compromisso-de-reduzir-as-desigualdades Acesso em: 16/02/2016.
116
Disponível em: http://www.mst.org.br/2014/02/12/criancas-do-mst-ocupam-ministerio-da-
educacao-por-escolas-do-campo.html Acesso em: 16/02/2016.
200

Já nos acampamentos e assentamentos plantamos para comer e para vender para o povo
da cidade. É uma policultura, há várias plantações e criações de bichos. Lá tem
macaxeira, feijão, milho, melancia, galinha, bode, gado e suíno. E não precisa usar
veneno, porque com a criação de bichos pode diminuir bastante os besouros e as
lagartas que estragam as plantações. As terras são todas roçadas para poder plantar.
Mas queremos um assentamento melhor, que tenha saúde, divertimento e escolas. As
atividades feitas nas escolas tem que melhorar, pois não dá de ser assim. Existem muitas
escolas que não estão dentro dos nossos acampamentos e assentamentos e que não têm
transporte para nos levar. O transporte é muito difícil, porque quando precisa ir para a
escola da cidade é preciso andar muito para conseguir chegar no ponto de ônibus.
Quando chove não tem ônibus e faltamos na aula. Queremos que o transporte não vá
para lugares muito longe.
Somos dos acampamentos e assentamentos e queremos que lá no campo tenha escola.
Precisamos de uma educação melhor. Queremos que nossos professores sejam do
assentamento para que não faltem muito. Como é difícil o transporte entre a cidade e o
campo os professores acabam faltando e os alunos perdendo aula.
Queremos também uma alimentação saudável para que nós, os alunos, não passemos
mal na escola. Em nossas escolas precisamos de atividades extra-curriculares, fazer da
escola um lugar de lazer, aberta para a comunidade nos finais de semana. Precisamos de
cursos de informática, piscina de natação, quadra esportiva e muito mais.
Nós, Sem Terrinha, estamos chamando os outros Sem Terra, os amigos do MST e o
povo para ajudar a conquistar nossos direitos e cobrar isso do MEC. Como a luta não é
fácil, precisamos de mais gente!

Sem Terrinha pelo direito de viver e estudar no campo!

Brasília – DF – 10 a 14 de fevereiro de 2014.


201

ANEXO 2
“A significação da Infância em documentos do MST”117, 2013118.
Márcia Mara Ramos.

Com base no levantamento de materiais relacionados à infância do MST, eles


formam submetidos a uma categorização para a sua organização. A categorização,
estabelecida a priori, teve como foco e objeto a relação com a infância, mais
especificamente, se ela era ou não destinatária do documento. A distribuição das
produções foi feita em três categorias e um recorte das produções de circulação internas:
a) Produções sobre a infância: textos escritos ou CDs que tratem da criança e
ou da infância, geralmente destinados a atividades de formação de membros do MST.
São reflexões que foram feitas por educadores e pelo coletivo nacional de educação a
partir das práticas educativas desenvolvidas com as crianças de acampamentos e
assentamentos.
b) Produções para as crianças: materiais cujo objetivo é o estabelecimento de
um diálogo com as crianças, ou seja, destinado diretamente a elas.
c) Produções para e com as crianças: materiais em diferentes linguagens
produzidos em atividades que contaram com a participação de crianças do Movimento,
através de trabalhos pontuais desenvolvidos nas escolas, nas jornadas dos Sem Terrinha
e Ciranda Infantil. São materiais como fita K7, CDs e jornal de produções coletivas, de
músicas, poesias, contos, documentário.
e) Documentos de circulação Interna que tratam da infância: documentos de
circulação interna como, por exemplo, relatórios de atividades do Movimento. Os
documentos de circulação interna se diferenciam das demais categorias pelo fato de que
elas são de circulação interna e externa. Considerando um caráter diferenciado dos
relatórios, cujo objetivo é promover a avaliação e a reflexão do próprio movimento
acerca das práticas com as crianças, também foi feita uma análise desses documentos
separados pela sua natureza.

117
Síntese da Monografia “A signinificação da Infância em documentos do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra”. Curso de especialização - Trabalho, Educação e Movimentos Sociais
(2013), na Fundação Osvaldo Cruz – FIOCRUZ; Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio –
EPSJV – em parceria com Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF e Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária – PRONERA em 2013. Com Orientação da Profª Ana Paula Soares da
Silva e Co-Orientação da Prof° Caroline Bahniuk.
118
Em 2015, com as novas produções Sobre - Para e Com a infância Sem Terra, foi realizado uma
atualização no documento.
202

A divisão nessas categorias permitiu tanto a organização dos documentos e


materiais centrais quanto uma aproximação ao material, contribuindo para o
aprofundamento nas questões desta pesquisa.
A produção Sobre a infância
Do total levantado na pesquisa, 7 documentos referem-se à produção sobre a
infância, conforme quadro a seguir:

Quadro 1. Distribuição da Produção sobre a Infância


TÍTULO VEÍCULO TIPO DO LOCAL ANO
DOCUMENTO
Como trabalhar a mística do Boletim de Orientação São 1993
MST com as crianças Educação, Paulo
n°03
O Brilho de quem faz a Cartilha da Orientação Brasília 1995
Luta. Educação através do Educação
Teatro
Jogos e Brincadeiras Caderno de Orientação São 1996
Infantis Educação, Paulo
n°07
Educação Infantil. Boletim de Concepção e São 1997
Construindo uma nova Educação, orientação Paulo
Criança n°7
Educação Infantil. Caderno de Concepção e s/local 2004
Movimento da vida, dança Educação, orientação
do aprender. n° 12
A Escola Itinerante Paulo Coleção Relato de Brasília s/data
Freire no 5° Congresso do Fazendo Experiência
MST Escola, n°4
Educação da Infância Sem Caderno da Orientação para São 2011
Terra. Orientação para o Infância n°1 o trabalho com a Paulo
trabalho de base. base.
Síntese do II Seminário119 Boletim n° Síntese do São 2014
sobre a Infância Sem Terra 12 debate coletivo Paulo

Estes documentos são produções que trazem relatos de experiência da luta pela
terra, da organização das Jornadas de Sem Terrinha, de orientação para educadores no
trabalho com a criança, orientação para o debate com a base Sem Terra sobre a infância.

119
Esse material não esta descrito na Monografia, pois foi posterior a elaboração.
203

Como se pode perceber pelo quadro, exceto o último material, todos são circunscritos à
área da Educação.

A produção PARA as crianças


Do total de materiais levantados, 14 referem-se às produções para as crianças.

Quadro 2. Distribuição da produção Para as crianças


TÍTULO VEÍCULO TIPO DO LOCAL ANO
DOCUMENTO
A comunidade dos gatos Coleção Conto São Paulo 1994
e o dono da bola Fazendo
Escola, n°1
Zumbi, comandante Coleção Conto São Paulo 1995
Guerreiro Fazendo
História, n°2
Ligas camponesas. Coleção Conto Porto 1997
Reforma Agrária Fazendo Alegre
História.
n°04
Nossa luta na luta pela Coleção Conto São Paulo 1998
terra Fazendo
História,
n°05
Semente Coleção Poesia São Paulo 2000
Fazendo
História, n°6
História do menino que Coleção Conto São Paulo 2001
lia o mundo Fazendo
História, n°
07
Plantando Cirandas no Livro de Canto São Paulo 1994
MST canções
Plantando Ciranda Livro de Canto São Paulo s/data
canções
História de Rosa Educação Conto São Paulo s/data
Revista das Crianças Revista Comunicação São Paulo 2009
Sem Terrinha. Edição infantil
Especial
25 anos do MST: Vou te
contar uma história
204

Revista das Crianças Revista Comunicação São Paulo 2009


Sem Terrinha, n° 2 Infantil
- Porque somos Sem
Terra?
- O pesadelo do Xis
Burguer
Revista das Crianças Revista Comunicação São Paulo 2010
Sem Terrinha, n° 3 Infantil
Reforma Agrária
Popular
Revista das Crianças Revista Comunicação São Paulo 2011
Sem Terrinha, n° 4 Infantil
Agroecologia
Revista das Crianças Revista Comunicação São Paulo 2012
Sem Terrinha, n° 5 Infantil
- História dos
Congressos
- Internacionalismo
Revista das Crianças Revista Comunicação São Paulo 2013
Sem Terrinha, n° 6. Infantil
Solidariedade aos 5
Cubanos
Revista das Crianças Revista Comunicação São Paulo 2014
Sem Terrinha, n° 7. Infantil
Homenagem a Huguito –
Venezuela
Revista das Crianças Revista Comunicação São Paulo 2015
Sem Terrinha, n° 8. Infantil
Marlin e o Haiti e
Situação da água no
Brasil e no mundo.
Obs. As três últimas referências não estão na monografia.

As produções Para as crianças estão voltadas para o campo da literatura, com


histórias da realidade da luta pela terra, da poesia, da música e da comunicação infantil.
As publicações mais recentes são as cinco Revistas das Crianças Sem Terrinha. Dentre
as produções de coleções, a última foi produzida em 2001. Em 2009, iniciam-se a
produção da Revista, que marca praticamente oito anos sem produção literária
sistemática do MST para suas crianças.
205

Produção Para e Com a infância


Do total de títulos, 5 foram classificados nessa categoria.
Quadro 3. Distribuição das Produções Para e Com as crianças
TÍTULO VEÍCULO TIPO DO LOCAL ANO
DOCUMENTO
A história de uma luta Coleção Conto Porto 1996
de todos Fazendo Alegre
História, n°3
Movimento Sem Comunicação Conjuntural São 2007
Terra. Jornal das Paulo
Crianças Sem
Terrinha120
Fita K7. Plantando Fita k7- Setor Orientação S/local s/data
Ciranda no MST de Educação 1998
CD infantil. Plantando CD – Setor Canções Rio de s/data
Ciranda de Educação Janeiro
Documentário. Sem Cultura – Documentário São 2009
Terrinha em Comunicação Paulo
Movimento – Educação
CD Plantando Ciranda CD – setor de Canções São 2014
3 educação e Paulo
cultura

Para chegar a essa categorização, escolhi os documentos que têm, de alguma


forma, a participação da criança e, entre essa participação, estão depoimentos sobre o
processo da luta pela terra, poesias, brincadeiras, desenhos, participação nas músicas e
as falas no documentário. Dos 42 documentos, somente cinco foram categorizados neste
item.121

Os Documentos Internos
Os documentos internos referem-se a relatos e avaliações de diversas atividades,
tais como: Cirandas Infantis, Jornadas dos Sem Terrinha e produções de comunicação
da infância.

120
O Jornal das Crianças Sem Terrinha está na sua 41° edição, publicada em 2013.
121
Na pesquisa foram considerados os documentos até o ano de 2012. Mas vale resaltar que 2013, o MST
colocou no ar o site dos Sem Terrinha, vinculado a Pagina de internet do MST.
206

Quadro 6. Documentos Internos

TÍTULO Autoria TIPO DO LOCAL ANO


DOCUMENTO
Relatório do Encontro Setor de Relatório Brasília 1998
Nacional dos Sem Educação
Terrinha. “O Brasil que
queremos”
Relatório da Ciranda Setor de Relatório s/local 2005
Infantil e Escola Educação
Itinerante - Pé na Estrada
Marcha Nacional

A EDUCAÇÃO NO MST Relatório Goiânia 2005


MST: desafios e
diretrizes para superá-
los. Síntese da discussão
na Coordenação
Nacional.

Relatório. A infância dos Setor de Relatório s/local 2006


Sem Terra: um olhar Educação
sobre a ciranda infantil.
Inauguração da Ciranda
“Saci Pererê”-ENFF
Texto para debate da Setor de Texto para debate s/local 2007
reunião do coletivo Educação
Nacional de educação. A
infância Sem Terra.
Construção e desafios
A Infância Sem Terra e MST Texto para debate s/local 2007
as Cirandas Infantis do
MST
Relatório do 1° MST Relatório São 2007
Seminário O Lugar da Paulo
Infância no MST
Setor de Educação. Setor de Texto para debate Goiânia 2010
Reflexões da caminhada Educação
Relatório da 1° reunião MST Relatório Curitiba 2010
de discussão e
elaboração do caderno da
Infância n°1
A infância no MST MST Texto para debate São 2010
207

Paulo
Relatório do setor de Setor de Relatório Luziânia 2007
Educação Educação
Relatório do setor de Setor de Relatório São 2008
Educação Educação Paulo
Relatório do setor de Setor de Relatório São 2010
Educação Educação Paulo
Relatório do setor de Setor de Relatório São 2011
Educação Educação Paulo
Relatório do setor de Setor Relatório Rio de 2012
Educação Educação Janeiro

Os documentos aqui selecionados são de circulação interna do MST e


procuraram trazer para o interior dos processos organizativos do Movimento o debate e
as reflexões sobre a infância Sem Terra. As produções desses documentos estão
relacionadas, principalmente, ao setor de educação, que majoritariamente, protagoniza a
produção dos documentos sobre, para e com as crianças. Este setor se coloca, assim,
como provocador desse debate no e para o conjunto do Movimento e instiga que outros
setores assuma esta frente.
208

ANEXO 3
“A GRANDE ESPERANÇA”122. Frei Sergio Gorgen
Procuro, em minha memória, as imagens mais marcantes das crianças durante os
anos de minha militância junto ao Movimento dos Sem Terra. São tantas e tão fortes.
Mas a mais marcante é um pouco distante no tempo e é de uma criança anônima. Vou
contar a história.
Era no ano de 1981, no mês de julho. Um dos primeiros acampamentos da pré-
história do MST, o de Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta, passava por seu momento
mais dramático. Estava cercado pelo Exército Nacional e pela Polícia Federal, a mando
do Presidente-ditador João Batista Figueiredo. Comandava a operação, no local, o
coronel Sebastião Rodrigues de Moura o temido coronel Curió.
Também eu não passava de um piá novato e inexperiente, recém iniciado na
lidas da Comissão Pastoral da Terra e já jogado no centro de conflito de altíssima
intensidade. O governo militar estava determinado a destruir o acampamento, mas
estava com dificuldade de usar a repressão física direta. Ninguém podia entrar para
levar solidariedade aos colonos, nem fazer reuniões, nem rezar missas. Ônibus que
trafegavam pelo local não podiam parar no acampamento. Só alguns quilômetros antes
ou depois do aglomerado de gente sem terra vivendo em baixo da dos barracos de lona
preta.
A repercussão do cerco não pegou bem na sociedade gaúcha, e o coronel Curió,
para mostrar que era “democrático”, convidou a FETAG (Federação dos Trabalhadores
da Agricultura Gaúcha), que não morria de simpatia pelos acampados dos sem terra,
para visitar o local e “comprovar” como o coronel não estava intimidando ninguém. Por
um desses acasos da história, poucos na FETAG encorajaram-se a fazer a tal
empreitada, que acabou sobrando dois dirigentes com quem eu mantinha relações de
amizade: Canisio Weschenfelder e Antônio Schneider. A convite deles, passei por
assessor da FETAG (por algumas horas) e entrei com eles no acampamento cercado.
Tudo o que vi ao meu redor era desilusão, insegurança e desespero. Caminhei
por todo o acampamento, rodeado por agentes da Polícia Federal, sem poder conversar
com ninguém. Encontrava-me com pessoas com quem convivera todos os fins de
semana durante meio ano, e fazíamos de conta que não nos conhecíamos. Ninguém

122
Prefácio do Livro “Crianças em Movimento. As mobilizações infantis no MST”. Depoimento do Frei
Sergio Gorgen na visita ao acampamento Encruzilhada Natalino, na década de 1980.
209

podia conversar com ninguém sem ser vigiado. Muitos perdendo a esperança e
desistindo, aceitando colonização no Mato Grosso e abandonando o acampamento com
grande estardalhaço. Tentei trocar algum olhar de encorajamento com algumas
lideranças que via pelo caminho, mas, àquelas alturas, eu já considerava aquela uma
batalha perdida. Meu coração estava aflito e minha mente perturbada. Naquelas
condições, não havia resistência possível. Foi quando chamou atenção uma criança de
uns 4 anos, sentada em cima de um tronco de árvore, na beira da estrada, quase ao
centro do acampamento, parecendo alheia a tudo que ali se passava, sem importar com o
aparato militar que a rodeava. Cantando, a plenos pulmões, a música-hino dos sem terra
naquela época: A grande esperança.
Parei, tomado de emoção, ouvindo aquela voz infantil rompendo o silêncio
imposto pela ditadura militar e pelas elites aos camponeses pobres que estavam ousando
levantar sua cabeça e dizer sua voz.
“A classe loceira e a classe opelália, ansiosa espela a refolma aglaria”
cantava a vozinha inocente acordando em mim a coragem amortecida.
Naquele momento, vi-me tomado de uma súbita certeza: esse povo vai resistir e
vai vencer. Pela simples razão de que só assim haverá esperança de futuro para aquelas
crianças e a multidão de outras que se acotovelavam, sofriam e brincavam pelos
barracos daquele acampamento.
E assim se deu. A criança venceu o coronel, que hoje é cinza na história; e as
crianças continuam por aí, pelos acampamentos dos Sem Terra, com seus olhinhos
brilhando, com sua algazarra alegre, com sua perturbadora felicidade brotando do meio
da miséria, com sua esperança viva, com sua vivacidade espera, instigando a
consciência dos quem tem coragem de se deparar com elas.
Recordo e rendo homenagem às mães. Entre as tantas vezes que vi mães
camponesas cuidando dos pequeninos, meus olhos retêm as imagens de mães deitadas
sobre os filhos, protegendo-os das balas, dos cassetetes e dos pontapés no Massacre da
Fazenda Santa Elmira.
Lembro-me muito dos panos preto amarrados às cruzes e rendo-me em
homenagem às que tombaram assassinadas pela fome. Tantas também. Sinal claro da
falta de alma no tipo de sociedade em que sobrevivemos e somos obrigados a viver.
Alma que é viva na inocência dessas teimosas crianças, que, também por isso, mostram
que só um outro caminho poder ser o caminho do futuro. (GORGEN. 2009. p. 5-6).
210

ANEXO 4 - JST Congresso Infantojuvenil (SemTerrinha) 1994


211

JST – Congresso Infantojuvenil (Sem Terrinha) 1995


212

JST – CongressoInfantojuvenil (SemTerrinha)1996


213

ANEXO JST – Congresso Infantojuvenil (Sem Terrinha) 1996


214

ANEXO 5 - Carta dos II Congresso Infantojuvenil do RS em 1995.


215

ANEXO 6 - Cartaz do I Congresso InfantoJuvenil de São Paulo – 1996.


216

ANEXO 7 - Manifesto dos Sem Terrinha de São Paulo


217
218

ANEXO 8– Programação do Encontro dos Sem Terrinha do Estado do Pará –


2014
219

ANEXO 9 – matéria do Jornal ....sobre a Mobilização dos Sem Terrinha em Marabá -


2014

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