Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Luis Nassif
02/09/2018.
Em (https://jornalggn.com.br/historia/manoel-bomfim-o-revolucionario-esquecido-por-luis-
nassif/?fbclid=IwAR2qTlMKZno4EYIX2wdZLOLAHYBb9XhvaZY9hQMEXlfhUkntahqxMp
gcst0)
Conheci Manoel Bomfim através de seu livro “América Latina, males de origem”, no
início dos anos 90. Era a reedição de um livro pequeno, escrito logo após a Proclamação
da República.
Mal saído da ditadura, após os transtornos do governo Collor, o país discutia intensamente
o que queria ser, qual o modelo de Estado, de Nação. E ali, no livro, havia duas pérolas.
A primeira delas, a descrição objetiva de um modelo de país, com o Estado atuando como
estimulador das iniciativas internas, com uma definição preciosa, sobre onde atuar e onde
estimular a sociedade.
O livro descrevia com precisão o que ocorreria cem anos depois no Brasil, com os
economistas do Cruzado. De sua leitura para frente, passei a acompanhar a história
recente do país de outra maneira, como uma releitura do que ocorreu no início da
República. Desses estudos resultou o livro “Os cabeças de planilha”, de 2005, no qual
mostro que a remonetização do Real recorreu ao mesmo golpe aplicado por Ruy Barbosa
no Encilhamento, visando beneficiar banqueiros aliados. E, juntando as peças, um estudo
de Gustavo Franco, do segundo time do Real, publicado ainda nos anos 80, descrevendo
o Encilhamento e as razões que levaram ao fracasso Ruy Barbosa. E, por fracasso, não se
entenda a crise em si, mas o golpe do enriquecimento de grupos aliados através da
remonetização da economia.
Mas Bomfim foi muito além desse seu livro. Não chegou a ser um historiador, no sentido
clássico de se dedicar ao trabalho sistemático de reconstituir a história. Nem chegou a ser
um cientista, apesar de suas inequívocas contribuições ao estudo da psicologia. Era um
educador, uma pessoa com uma visão extraordinariamente moderna e perspicaz do que
ocorria à sua volta, que lançava seu olhar crítico sobre todas as formas de conhecimento.
Na parcialidade do cientista, uma observação que cai como uma luva nas elucubrações
sociológicas do inacreditável Ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal
Federal: “Como seria fácil impingir teorias e conclusões sociológicas, destemperando a
linguagem e moldando a forma à hipócrita imparcialidade, exigida pelos críticos de curta
vista!… Não; prefiro dizer o que penso, com a paixão que o assunto me inspira; paixão
nem sempre é cegueira, nem impede o rigor da lógica.”
As primeiras tentativas dessa junção surgiram na Europa na segunda metade dos anos 20.
Dez anos antes, Bomfim já antecipara essa tendência.
Através da biologia – era médico formado na Bahia, psicólogo formado na França – foi
o primeiro a questionar as teorias raciais no país. A partir desse questionamento, buscou
as explicações para as interpretações sociológicas, que tratavam os males do país como
consequência da “sub-raça” que se formou da miscigenação brasileira. Desmontou as
teorias raciais. Qual a razão do subdesenvolvimento, então?
E aí, foi bater no modelo de Estado, herança das relações coloniais presentes na formação
brasileira.
Ele diz que “contra a natureza, contra o espírito americano, contra a própria história” foi
construída uma história do Brasil com o intuito de demonstrar que a nação deveria
pertencer à dinastia que fizera a Independência. Diz Rebeca: “Empreiteiros dessa
história”, os historiadores teriam deturpado ou esquecido qualidades essenciais do caráter
brasileiro, “inventando vícios e crimes por conta da nação”. No seu dizer, uma “história
triste” assim foi feita, merecendo “exclamações de protestos, repugnâncias, cólera,
motejo, repulsa…”; contudo, o intuito da crítica era destacar na historiografia (ou, nas
“historiagens”) os “hiatos, acasos, erudições chulas e elogios parvos” que constituíram
efeitos antinacionais”.
No livro “Brasil na História”, Bomfim vê o homem como um ser moral, “cuja
subjetividade lhe permitiria escapar das influências externas (do meio) e internas (da
hereditariedade psíquica e/ou biológica), subordinando-as aos seus interesses”.
Existiam duas formas de interesse, segundo Bomfim. Numa ponta, os interesses gerais da
espécie humana — “moral, justiça, humanidade…”. Na outra, os interesses particulares
— “egoístas”.
O intelectual maldito
Quando saiu o livro, em conversa com o professor Antônio Cândido, ele me contou que
seu primeiro contato com a obra de Bomfim foi ainda na adolescência. E quem chamou
sua atenção para o autor foi seu pai. A reedição do “América Latina, males de origem” se
deveu a uma sugestão do próprio Cândido.
A repercussão da reedição da obra fez com que Francisco Weffort, quando se tornou
Ministro da Cultura, a incluísse em reedição das brasilianas, as obras fundamentais sobre
o Brasil.
Em seguida foi reeditado o “Brasil Nação”. A editora me pediu que escrevesse a orelha.
O prefácio foi de alguns estudiosos, entre os quais o respeitado crítico Wilson Martins
que fez uma crítica descabida. Escrito em 1928, o livro reflete o profundo pessimismo de
Bomfim, àquela altura em fase terminal de câncer, com a República e mostrando que
estava pior que na monarquia. Martins via uma incongruência: como, quem criticou tanto
os Bragança, teria mudado de opinião assim. Simplesmente porque a República Velha
acentuou os maiores vícios do império.
Logo após o lançamento do “América Latina, Males de Origem”, Bomfim foi alvo de
uma campanha sistemática comandada por Silvio Romero, intelectual sergipano, segundo
Antônio Cândido, seguidor da escola da crítica destrutiva e da inveja intelectual (além de
Bomfim, tentou desconstruir Machado de Assis).
Outros críticos do sistema de poder no pais, como Joaquim Nabuco, se salvaram
adaptando sua opinião ao status quo posterior.