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Introdução
A presença de radicais livres em materiais biológicos foi descoberta há menos de 70 anos.
Em 1956, Denham Harman elaborou a hipótese de que radicais de oxigênio poderiam ser
formados como subprodutos de reações enzimáticas in vivo. Assim, descreveu os radicais livres
como a “Caixa de Pandora” responsável por danos celulares em algumas enfermidades, como o
processo de mutagênese, o câncer, o processo degenerativo do envelhecimento biológico, dentre
outros. Os radicais livres foram classificados como grupos de átomos ou moléculas que
possuem elétrons livres não pareados em sua camada orbital externa, o que explica sua
instabilidade. As características físico-químicas destas espécies reativas além da instabilidade é
o tempo de meia-vida curto, e a capacidade de reagir com outras moléculas a fim de alcançar
sua estabilidade, custando a oxidação de biomoléculas. Entretanto, radical livre não é a
designação ideal para o conjunto dos agentes reativos patogênicos, pois alguns deles não
apresentam elétrons desemparelhados em sua última camada, embora participem das reações de
oxirredução. Assim, os termos reactive oxygen species (ROS) (ERO: espécies reativas de
oxigênio) e reactive nitrogen species (RNS) (ERN: espécies reativas de nitrogênio) são
considerados mais apropriados por descreverem melhor esses agentes químicos.
A ciência dos radicais livres nos organismos vivos encontrou uma segunda fase depois que
McCord e Fridovich, em 1969, descobriram a enzima superóxido dismutase (SOD) e,
finalmente, convenceram a maioria dos colegas que os radicais livres são importantes na
biologia. A partir desse momento, vários pesquisadores foram inspirados a investigar os danos
oxidativos causados por tais agentes oxidantes sobre ácido desoxirribonucleico (DNA),
proteínas, lipídeos e outros componentes celulares. Em seres aeróbios, a geração de espécies
reativas constitui um processo biológico essencial e contínuo pois no organismo estão
envolvidos na produção de energia, fagocitose, regulação do crescimento celular, sinalização
intercelular, imunidade, defesa celular e síntese de substâncias biológicas. Assim, sua produção
ocorre por fontes endógenas do sistema enzimático (NADPH no reticulo endoplasmático e nos
peroxissomos, ATP e subprodutos do metabolismo celular) e fontes exógenas como a exposição
à radiação, farmacêuticos e químicos. A formação de radicais livres ou espécies reativas
(reações de oxi-redução ou reação redox) pelo organismo em condições normais é inevitável,
pois são necessários no processo de respiração celular que ocorre nas mitocôndrias, a fim de
gerar a energia na forma de adenosina trifosfato (ATP). Entretanto, a produção de ERO está
mais elevada nos animais quando ocorrem lesões teciduais causadas por traumas, infecções,
parasitas, hipóxia, toxinas e exercícios extremos, devido a um conjunto de processos como o
aumento de enzimas envolvidas na formação de radicais, a ativação da fagocitose, liberação de
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* Vizzotto, E. Radicais livres e mecanismos de proteção antioxidante. Disciplina de Fundamentos
Bioquímicos dos Transtornos Metabólicos, Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017. 10p.
ferro e cobre ou uma interrupção da cadeia transportadora de elétrons. Portanto, é necessário
que exista um equilíbrio entre a produção e a eliminação destas espécies reativas. Quando há um
desequilíbrio entre as espécies oxidantes e antioxidantes (elementos que favorecem a eliminação
das espécies reativas), em favor da geração excessiva de espécies reativas ou, em detrimento da
velocidade de remoção desses pelo sistema de defesa antioxidante, ocorrerá o estresse oxidativo
favorecendo a ocorrência de danos oxidativos às biomoléculas. Diante disso, os danos crônicos
as biomoléculas desencadeados pelo estresse oxidativo tem sido associado à etiologia de
diversas patologias, incluindo câncer, doença cardiovascular, isquemia cerebral, doenças
neurodegenerativas, além do envelhecimento.
Superóxido (O2∙-)
Gerado pela reação entre moléculas de substâncias que participam da cadeia de transporte de
elétrons na mitocôndria e no retículo endoplasmático. Ainda na mitocôndria, o ânion O2•- pode
ser produzido como intermediário das reações do ciclo de Krebs, pelas enzimas α-cetoglutarato-
desidrogenase, piruvato-desidrogenase e glicerol-3-fosfato-desidrogenase e, da β-oxidação de
ácidos graxos. As células fagocitárias também produzem o O2•- como parte do mecanismo de
defesa imunológica e inflamatória para eliminar microrganismos patogênicos ou corpos
estranhos. Os fagócitos o produzem com auxílio da enzima leucocitária nicotinamida adenina
dinucleotídeo fosfato (NADPH oxidase), que catalisa a redução. Adicionalmente, o O2•- pode
também ser produzido por enzimas como as da família das NAD(P) H-oxidases (NOXs),
xantina-oxidorredutase, citocromo P450, lipoxigenases e cicloxigenases. Ainda, alguns
metabólitos e moléculas contendo tiois podem se auto-oxidar, na presença de metais de
transição, e produzir O2 •-, tais como adrenalina, dopamina, FADH2 e homocisteína. Além
disso, o grupo heme da hemoglobina e da mioglobina são susceptíveis à oxidação pelo O2. O
Fe2+ ligado à porção heme é oxidado a Fe3+, que não se liga ao O2 e, portanto, libera O2•-.
A atuação do radical O2•- como oxidante direto é irrelevante, pois dentre os aminoácidos, o
único que sofre oxidação com esse radical é a cisteína. Outro fato que corrobora com sua baixa
capacidade oxidante é a sua eliminação pela enzima SOD, que catalisa a dismutação de duas
moléculas de O2•- em oxigênio e peróxido de hidrogênio. Sendo que, este último, quando não
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eliminado do organismo pelas enzimas peroxidases e catalase, pode gerar radicais hidroxil e
doar um elétron do O2 com gasto de uma molécula de NADPH.
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Espécies reativas de nitrogênio
Dentre as principais ERN incluem-se o óxido nítrico (NO∙), óxido nitroso (N2O3), ácido
nitroso (HNO2), nitritos (NO2-), nitratos (NO3-) e peroxinitritos (ONOO-). O NO• e ONOO- são
as moléculas com funções biologicamente ativas mais importantes.
Peroxinitrito (ONOO-)
Formado pela reação não enzimática entre os radicais óxido nítrico NO• e superóxido O2•-
gera ONOO-, e sua taxa de formação é dependente da concentração de ambos os radicais. O
ONOO- é a principal fonte de dano oxidativo aos aminoácidos, que compromete a função
proteica e também inativa enzimas. O óxido nítrico NO• não é suficientemente reativo para
atacar o DNA diretamente, entretanto o peroxinitrito pode sofrer reações secundárias formando
agentes capazes de nitrar aminoácidos aromáticos, a exemplo da tirosina gerando nitrotirosina e
as bases do DNA, em particular a guanina, na qual o produto principal é a 8-nitroguanina. A
hemoglobina é outro alvo da oxidação pelo ONOO-, onde ocorre a formação de
metahemoglobina, a qual interfere com a oxigenação tecidual.
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Antioxidantes
Enzimas antioxidantes
Na Tabela 1 constam as principais enzimas antioxidantes com sua ação biológica e sítio de
ação.
Superóxido-dismutase (SOD)
A SOD tem papel fundamental na defesa do organismo contra as espécies reativas de
oxigênio, pois atua na remoção do O2•- formando O2 e H2O. Antes da sua descoberta em 1969, a
SOD já havia sido descrita por alguns autores como uma proteína que continha cobre (Cu), mas
sem a descrição de atividade catalítica. Seu papel foi estabelecido na dismutação (oxidação e
redução) do O2•- e até hoje, apesar de inúmeras pesquisas realizadas com essa enzima, nenhum
outro substrato foi descrito, mostrando a sua especificidade para esse radical livre. Nos sistemas
eucariontes existem duas formas de SOD. A forma SOD-cobre-zinco está presente
principalmente no citosol, enquanto que SOD-manganês está localizada primariamente na
mitocôndria. A exposição prolongada ao H2O2 pode inibir a isoforma citosólica da SOD, sem
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afetar a atividade da isoforma mitocondrial. Durante o processo hemolítico decorrente de
agressão térmica, os glóbulos vermelhos humanos e bovinos exibem queda da atividade SOD. A
adição desta enzima também protege o DNA de lesões provocadas pela sobrecarga de Fe3+.
Tabela 1. Sistema enzimático antioxidante conforme sua reação biológica e seus sítios de ação
Catalase (CAT)
Existem várias enzimas que são responsáveis pela eliminação do H2O2, quando existe
aumento excessivo em sua concentração. A principal delas é a CAT uma enzima dependente de
Fe2+, que utiliza exclusivamente o H2O2 como substrato, catalisando sua dismutação, formando
H2O e O2.. Altas concentrações de NO• podem inibir a atividade da CAT. A CAT evita o
acúmulo de metahemoglobina, resultante da oxidação da hemoglobina.
Glutation-peroxidase (GPx)
Diferente da CAT, a GPx pode agir também na remoção de hidroperóxidos orgânicos
(ROOH) e ONOO-. Sendo depende de selênio (Se) para exercer sua atividade, além de requerer
GSH para promover a reação de redução do H2O2 em H2O. Após a catálise enzimática, duas
moléculas de GSH resultam em uma molécula de glutation oxidada (GSSG), e sua recuperação
para a forma ativa reduzida é realizada pela glutation-redutase (GR), a qual utiliza como força
redutora o NADPH. O sistema enzimático GPx e GR atua em conjunto por meio das seguintes
reações:
H2O2 + 2 GSH → 2 H2O + GSSG (GPx)
GSSG + NADPH.H+ → 2 GSH + NADP+ (GR)
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A enzima GPx tem alta afinidade pelo H2O2, atingindo a velocidade máxima de reação com
menores quantidades de substrato, por isso é a principal defesa quando o H2O2 se encontra em
baixas concentrações. Assim, como a CAT, a GPx também pode ser inibida por altas
concentrações de NO•. A relação entre GSH/GSSG é utilizada para verificar o estado redox
intracelular, sendo valores abaixo de 10 indicativos de estresse oxidativo.
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ubiquinona, a ceruloplasmina, o ácido úrico, a bilirrubina, a biliverdina, a taurina e os minerais
como zinco que é essencial para a funcionalidade e integridade das membranas pois contribui
para a proteção antioxidante contra os efeitos de ruptura de membranas causados por oxidação
de lipídios e proteínas, e preserva a integridade de canais iônicos, agindo assim como
antagonista ao efeito adverso do íon Ca2+ livre. O ferro e cobre estão envolvidos em várias
reações de radicais livres e frequentemente levam a geração de espécies muito reativas a partir
de espécies menos reativas. O ferro ligado a proteínas não é normalmente disponível para
estimular a formação de radicais livres, a menos seja liberado pelas proteínas. Desta forma, seu
transporte e armazenamento (ferritina e transferrina) proporciona uma defesa antioxidante. Os
estudos in vivo ainda são muito limitados, principalmente no que se refere à dosagem de
antioxidantes não enzimáticos nas dietas para animais. Politis et al. (1995), suplementando
vacas leiteiras antes e após o parto com 300 UI ou com 5000 UI de vitamina E, uma semana
antes do parto, observaram que houve prevenção da supressão da função dos neutrófilos e dos
macrófagos durante o período inicial do pós-parto e que as vacas suplementadas apresentaram
maior concentração de vitamina E no plasma comparadas com as vacas controle. Entretanto, a
quantidade superóxidos neste período pós-parto também foi aumentada assim aumentando os
danos causados pelo estresse oxidativo.
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intra ou extracelularmente. Proteínas oxidadas podem ser reconhecidas como moléculas
estranhas pelo sistema imune, levando à formação de anticorpos e podendo desencadear
autoimunidade. Além disso, o dano oxidativo a proteínas pode levar a danos secundários a
outras biomoléculas. O dano ao DNA pode ser irreversível, resultando em mutações, em
decorrência da alteração funcional das enzimas de reparo. Nos aminoácidos e proteínas, o
radical hidroxila (HO∙) pode reagir na cadeia lateral, onde ataca preferencialmente cisteína,
histidina, triptofano, metionina e fenilalanina, gerando danos com consequente perda de
atividade enzimática, dificuldades no transporte ativo através das membranas celulares, citólise
e morte celular.
A ação de espécies reativas sobre os ácidos nucléicos, sobretudo do radical •OH sobre o
DNA, podem resultar tanto na quebra da dupla fita de DNA como na modificação das bases
nitrogenadas e açúcares causando mutações. A mutação é um passo importante na
genotoxicidade e níveis elevados de danos oxidativos ao DNA têm sido fortemente implicados
na etiologia do câncer. As modificações mais compreendidas são as que ocorrem nas bases,
tendo sido identificados até o momento aproximadamente 20 produtos oxidados. Dentre eles, o
mais extensivamente estudado marcador de dano oxidativo ao DNA é o 8-hidroxi-2’-
desoxiguanosina (8-OHdG), produto da oxidação da base nitrogenada guanina no C-8 que
resulta em mutação por transição de G–T.
O trato respiratório é um alvo importante de danos causados por oxidantes, tanto de origem
endógena quanto exógena, pelo fato de estar em contato direto com o meio externo e exposto a
elevadas concentrações de oxigênio. A geração de neutrófilos no interstício pulmonar, e a
ativação destas células gera radical superóxido, que lesa diretamente a membrana das células
intersticiais e do endotélio. Como consequência, ocorre lesão tissular progressiva.
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Infelizmente, há alguns fatores que podem dificultar a implementação de intervalos de
referência ou valores de antioxidantes: (i) algum grau de ROS é essencial para a manutenção de
processos fisiológicos; (ii) muitos fatores influenciam a produção de ROS, como a dieta,
temperatura ambiental, condição corporal no parto; (iii) animais sob uma habitação e condições
alimentar idênticas mostram uma grande variabilidade individual em relação à adaptação da
gravidez ao início da lactação, refletido também em diferentes biomarcadores.
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