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DILEMAS ÉTICOS MAIS FREQUENTES EM UTI PEDIÁTRICA

PAULO ROBERTO ANTONACCI CARVALHO


Professor Titular do Dep. Pediatria – Fac. Medicina da UFRGS
Médico Assistente da UTI Pediátrica do HCPA
BRUNA PASQUALINI GENRO
Consultora do Serviço de Bioética do HCPA
JOSÉ ROBERTO GOLDIM
Chefe do Serviço de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

RESUMO
A evolução dos cuidados intensivos pediátricos dispensados às crianças e adolescentes
criticamente doentes tem resultado em situações de maior complexidade clínica e
consequentemente mais desafiadoras do ponto de vista ético, moral e legal. O presente
artigo, dirigido especialmente aos pediatras intensivistas, mostra a importância de
diferenciar os desconfortos e conflitos assistenciais nessas três dimensões: a legal, já bem
estabelecida na legislação brasileira, a moral, que com muita frequência envolve questões
culturais e religiosas, e a ética, que é norteada pelos princípios, direitos e virtudes. Para
melhor ilustrar os conflitos, as discussões e as condutas, são apresentados casos reais
pelos quais passou a equipe assistencial de Unidade de Tratamento Intensivo Pediátrica
(UTIP), inclusive com a participação do Serviço de Bioética da instituição, abordando
alguns dos dilemas éticos mais frequentes nessas unidades - tomada de decisão,
confidencialidade, indicação de cuidados paliativos sem diagnóstico definido, morte e
morrer, comunicação de más notícias, alocação de recursos e espiritualidade.

PALAVRAS-CHAVE: bioética, terminalidade, cuidados paliativos, alocação de


recursos.

OBJETIVOS
Ao final da leitura do artigo, o profissional de saúde poderá:
- Identificar as potenciais situações geradoras de conflitos éticos, morais e legais na UTIP.
- Saber identificar e buscar as informações sobre questões legais que podem envolver a
criança e o adolescente na UTIP.
- Saber indicar solicitação de consultoria bioética nos conflitos éticos e morais na UTIP.
- Identificar pacientes sem possibilidades terapêuticas na UTIP para discussão
multidisciplinar de tomada de decisão para cuidados paliativos.
- Saber conduzir as situações que envolvem quebra de confidencialidade em função do
adoecimento e risco de morte da criança em UTIP
- Saber conduzir a comunicação de más notícias para familiares de pacientes em condição
de terminalidade na UTIP.

INTRODUÇÃO
O conhecimento e a experiência acumulados nos quase cinquenta anos de cuidados
intensivos dispensados às crianças e adolescentes criticamente doentes em Unidades de
Tratamento Intensivo Pediátricas (UTIP) ampliou o número e o tipo de situações
desafiadoras, desde o ponto de vista ético, moral e legal, apresentadas às equipes
assistenciais.
Por várias razões, a mortalidade da população pediátrica tem decrescido drasticamente,
especialmente nos países mais desenvolvidos e também naqueles que atingiram e
mantiveram níveis assistenciais de excelência às crianças criticamente doentes. Uma
óbvia consequência desse processo de redução de mortalidade tem sido a crescente
morbidade na população pediátrica, e uma inevitável necessidade de cuidados especiais
e intensivos.
Assim, os pacientes sobreviventes de situações de prematuridade extrema, de doenças
genético-metabólicas, de doenças oncológicas, de encefalopatias e de pneumopatias
crônicas acabam necessitando de cuidados realizados em UTIP.
A assistência ao paciente criticamente doente em UTIP exige uma qualificação
profissional muito completa e madura da equipe, tanto em termos de conhecimentos
técnicos e científicos quanto na sensibilidade para lidar diariamente com o paciente e sua
família. Neste contexto, é fundamental desenvolver a capacidade de abordar
compreensivamente os conflitos éticos, morais e legais, que ocorrem nessas unidades. O
alto nível de exigência envolvido é fator determinante das elevadas taxas de burnout que
ocorrem entre profissionais que atuam nas UTIP.
Na abordagem de questões reais que geram desconfortos e conflitos na assistência, é
importante saber diferenciar as questões éticas, morais e legais envolvidas. Desta forma,
as peculiaridades de cada um destes campos de conhecimento ficam mais facilmente
entendidas e permitem o encaminhamento de alternativas de solução.

O Direito pode ser entendido como o conjunto de normas jurídicas estabelecidas no


âmbito de um país, estado ou município. O Direito pode se basear na legislação vigente,
na jurisprudência, nos costumes e nos atos negociais (1). Muitas questões envolvidas no
dia-a-dia de uma UTI já estão previstas na legislação brasileira. O direito do paciente e
de sua família, assim como de todos os profissionais, à preservação da privacidade está
consagrado no artigo 5 da Constituição brasileira. Em contrapartida, os profissionais
envolvidos na assistência do paciente tem um dever de confidencialidade.
Porém, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, que nos casos de suspeita ou
confirmação de maus-tratos em crianças e adolescentes, os profissionais de saúde devem
comunicar esta situação à autoridade competente. No caso deste dever não ser
adequadamente cumprido, o Código Penal, em seu artigo 154, estabelece as devidas
sanções. A lei também garante a possibilidade da participação do paciente ou de seu
responsável legal no processo de tomada de decisão sobre aspectos referentes ao
tratamento de saúde, expressa no artigo 15 do Código Civil. As resoluções do Conselho
Federal de Medicina (CFM) tem caráter infralegal, mas na ausência de uma legislação
correspondente, podem servir de orientação na abordagem jurídica.
A Moral é um conjunto de normas, de forma livre e consciente, que regulam o
comportamento individual ou coletivo (2). Neste contexto se inserem as normas morais
religiosas, por exemplo. Inúmeras situações de conflito podem ocorrer durante um
atendimento assistencial devido a questões morais religiosas. As restrições à utilização
de sangue ou hemoderivados, as restrições alimentares e outras práticas podem acarretar
a necessidade de discutir a sua adequação em termos morais e assistenciais (3).

A Ética busca justificativas para a adequação das ações humanas (2). Inúmeros
referenciais teóricos podem ser utilizados para avaliar esta adequação, como por exemplo,
os princípios, as virtudes, as intenções, os direitos humanos, as consequências, a
alteridade e a responsabilidade.

O Principialismo, ou a Ética baseada em princípios, é um dos referenciais mais utilizados.


Os princípios da Beneficência, Não-maleficência, Autonomia e Justiça (4), ou da
Beneficência, Respeito às Pessoas e Justiça (5) tem orientado as ações na área
assistencial. Os princípios, neste referencial, são entendidos como deveres prima-facie
(6), ou seja, como deveres que devem ser cumpridos, salvo quando haja um conflito entre
eles. Isto ocorre, por exemplo, em uma situação onde são verificados maus tratos de
menores de idade durante a assistência; há, então, o conflito entre preservar o dever de
confidencialidade e o dever de comunicação de uma situação de maus-tratos em crianças.
Deve haver uma justificativa ética para o não cumprimento de um destes deveres, como
o potencial benefício associado à comunicação. Este exemplo justifica o descumprimento
da confidencialidade profissional.

A Ética das Virtudes é o referencial mais antigo. As virtudes são comportamentos


pessoais valorizados socialmente devido às boas ações a eles associadas. As virtudes se
aperfeiçoam com o hábito (7) e são associadas a excelência das ações realizadas por uma
pessoa. Inúmeras virtudes podem ser destacadas, tais como a polidez, a fidelidade, a
temperança, a justiça e a compaixão (8). A polidez, ou cordialidade, atenua a relação entre
pessoas. A fidelidade é a base para uma relação de confiança, fundamental para uma
assistência adequada. A temperança, ou comedimento, estabelece que o uso dos recursos
deva ser realizado com moderação. Esta virtude é fundamental em um ambiente de UTI
onde a discussão da adequação dos meios a serem utilizados é fundamental.

O Intencionalismo é um referencial que justifica as ações por meio das intenções a elas
associadas. Neste contexto, uma ação, mesmo entendida como errada, pode ser
considerada justificada se a intenção a ela associada for boa (9). Além da intenção,
também o consentimento para a ação é levado em consideração no estabelecimento do
valor moral associado à ação. Neste referencial, o ato voluntário é considerado de forma
diferente àquele realizado por necessidade (9). A realização de alguns procedimentos de
risco, com a intenção de gerar um bem ao paciente se enquadram neste tipo de reflexão.
Por exemplo, a realização de traqueostomia, gera um dano, mas a intenção associada é de
permitir uma adequada função ventilatória, antes comprometida.

Os Direitos Humanos são um importante referencial ético que pode e deve ser utilizado
na abordagem de situações em Medicina Intensiva. Os Direitos Humanos são uma
expectativa de ação dos outros em relação a um indivíduo, a uma coletividade ou a
humanidade como um todo (10). Os Direitos individuais, como o direito à vida, à
privacidade, à liberdade e à nãodiscriminação estão presentes no processo diário de
tomada de decisão dos profissionais. Os gestores do sistema de saúde devem garantir o
direito coletivo à saúde e à assistência social. A solidariedade é um direito transpessoal,
isto é, está além da expectativa individual ou coletiva, se refere à humanidade. É
importante diferenciar os Direitos Humanos como referencial para verificar a adequação
ética das ações da reivindicação dos mesmos como para verificar a adequação ética das
ações da reivindicação dos mesmos como uma atividade de militância social.

O referencial Utilitarista se baseia na consequência da ação para avaliar a sua adequação.


A utilidade de uma ação é medida pela abrangência dos benefícios ou danos associados
(11). A utilização de avaliações custo-benefício, risco-benefício no processo de tomada
de decisão se baseia, predominantemente, neste referencial. Este referencial é muito mais
adequado para a tomada de decisão sobre macroalocação de recursos, onde a decisão não
é personalizada. Nas decisões de microalocação, quando se refere a um paciente
específico, este processo pode gerar importantes distorções, quando realizado pela equipe
assistente, especialmente quando se refere à relação custo-benefício associado.
A Alteridade parte do pressuposto de que ao estabelecer uma relação entre pessoas pode
emergir uma nova dimensão, não mais individual, mas sim coletiva entre eles. Isto resulta
em uma corresponsabilidade, em uma copresença ética e na impossibilidade da
neutralidade (12). O reconhecimento da responsabilidade para com o outro faz com que
o próprio indivíduo se responsabilize por si próprio, pois ambos constituem esta nova
dimensão ética. A Alteridade demonstra a adequação da busca por decisões
compartilhadas, de uma deliberação conjunta, preservando as características de cada um
dos participantes em termos de experiência prévia, conhecimentos, vulnerabilidade,
vínculos, interesses e crenças. O equilíbrio no reconhecimento destas diferenças, sem que
isto se constitua em uma discriminação por parte dos envolvidos, é que garante a
adequação das decisões tomadas, não por indivíduos, mas por pessoas que se relacionam
umas com as outras.

Por fim, a Ética da Responsabilidade parte do pressuposto de que as pessoas devem


responder pelas consequências previsíveis de seus atos (13). É importante distinguir dois
tipos de perspectivas diferentes para a Responsabilidade, a retrospectiva e a prospectiva.
A Responsabilidade Retrospectiva busca estabelecer uma relação de causa-efeito entre a
ação e a consequência associada. Com base nesta relação o indivíduo pode sentir orgulho
ou remorso pela ação realizada e os outros podem reconhecer que esta ação é elogiável
ou censurável, que é passível de receber uma recompensa ou uma punição. Já a
Responsabilidade Prospectiva se baseia na precaução, isto é, em uma ação que antecipa
o agir, é a responsabilidade pelo que ainda está por ocorrer (14). É importante estabelecer
a diferença entre responsabilidade e culpa. A culpa pode ser estabelecida com base na
negligência, na imprudência e na imperícia, todas se referem à falta de prudência. Resta
ainda outra forma de culpa, que é a má-fé, ou seja, a ação inadequada intencionalmente
realizada. O profissional é sempre responsável pelas suas ações. O exercício da Medicina
e das demais profissões da área da saúde se baseia na responsabilidade de meios e não de
fins.

A reflexão ética dos problemas assistenciais pode ser feita com base nos diferentes
referenciais, o importante é buscar argumentos racionais para justificar a adequação das
ações planejadas ou já realizadas. Contudo, esta reflexão não pode se restringir apenas
aos aspectos éticos, que são os seus fundamentos essenciais, os enfoques legais e morais
devem também ser incluídos. Da mesma forma, outros aspectos, tais como, os
assistenciais, sociais, psicológicos, espirituais e econômicos, que também podem
influenciar na tomada de decisão, devem ser igualmente considerados. A reflexão
complexa dos problemas garante uma melhor perspectiva de entendimento e resolução
(15).

Um bom exemplo para demonstrar esta necessidade de uma perspectiva complexa são as
situações onde a questão central é identificar quem defende os melhores interesses de um
paciente pediátrico em estado crítico. Nem sempre os aspectos éticos, morais e legais
coincidem. Desde o ponto de vista legal, as crianças e os adolescentes, são considerados
juridicamente legal, as crianças e os adolescentes, são considerados juridicamente
incapazes, sendo representados pelos seus pais ou responsáveis legais. Nem sempre é
fácil identificar estas pessoas. Algumas vezes a participação dos pais pode estar
comprometida, como por exemplo, quando ambos os pais ainda são menores de idade e
não são casados legalmente, o que os mantém igualmente incapazes, desde o ponto de
vista legal. Outras vezes, um dos pais pode se manter afastado deste processo de decisão,
de forma voluntária ou devido à suspensão de seu poder parental. Vale lembrar que a
guarda da criança, quando da separação, se for confiada a apenas um dos pais, não exclui
a outra pessoa que detém o poder parental da participação nas decisões. Mesmo os dois
estando presentes, as decisões também podem se tornar difíceis, devido à presença de
graves conflitos de relacionamento intrafamiliar. Desde outra perspectiva, as pessoas,
independentemente da sua capacidade legal, podem apresentar diferentes estágios de
desenvolvimento psicológico-moral. Outras questões que também podem estar presentes
são as dificuldades cognitivas, diferentes perspectivas religiosas ou culturais, dentre
outras.
A presença de profissionais capacitados em abordar este tipo de situação nestas múltiplas
perspectivas auxilia na condução destes processos. A presença de consultores de Bioética
Clínica ou Comitês de Bioética Clínica, já existentes em algumas instituições, pode ser
um elemento facilitador. Estes profissionais que atuam na área de Bioética Clínica podem
participar, de forma proativa, dos rounds clínicos da UTIP, antecipando situações e
auxiliando nas já existentes.

A seguir são apresentados casos que foram acompanhados por consultoria de Bioética em
uma Unidade de Tratamento Intensivo Pediátrica, apresentados no formato de uma breve
descrição clínica (de acordo com a solicitação de consultoria realizada pela equipe
assistencial), seguida da resposta da consultoria (elaborada como uma sugestão de
conduta), e por fim uma breve discussão de cada caso.

CASO 1 - TOMADA DE DECISÃO


Descrição do caso
Paciente com 3 meses de idade, com diagnóstico de epilepsia focal migratória, doença
caracterizada por crises convulsivas de difícil controle, refratárias a qualquer tratamento.
Paciente já fez uso de múltiplos medicamentos e também de dieta cetogênica, sem
resposta satisfatória. Após extensa revisão de literatura e contato com outros centros
médicos, foi aventada a hipótese de utilização de Brometo de Potássio. Trata-se de
medicação reservada para uso em situações especiais, ainda não padronizada no Brasil,
que precisa ser manipulada. Houve consenso entre as equipes da UTI Pediátrica (UTIP)
e da neuropediatria que compartilharam com a família do paciente a tentativa de esgotar
mais essa alternativa terapêutica para obter o controle das crises do paciente. Foi
solicitada também a consultoria bioética do hospital para facilitar a liberação e a
administração dessa medicação “off-label” ao paciente.

Sugestão de Conduta:
Com base nas informações contidas na solicitação de consultoria e compartilhadas em round
clínico realizado na UTIP, é possível identificar uma situação onde a utilização do Brometo
de Potássio, considerado como de uso excepcional, se justifica. O diagnóstico está definido,
a sua frequência é muito baixa, a indicação da substância está adequada e existem dados
publicados (Okuda K et al. Successful control with bromide of two patients with malignant
migrating partial seizures in infancy. Brain & Development 2000; 22:56-59) que
comprovam que a sua utilização pode auxiliar na recuperação dos pacientes com este
diagnóstico. É fundamental que a família do paciente esteja adequadamente informada e
compreenda a excepcionalidade desta indicação. A concordância dos familiares com a
utilização do Brometo de Potássio deve ser documentada em prontuário pela equipe médica,
de preferência com a ser documentada em prontuário pela equipe médica, de preferência com
a reiteração desta concordância realizada por outro membro da equipe assistencial.
Recomenda-se que o Serviço de Farmácia seja comunicado desta
proposta.
Discussão do Caso:
No presente caso, mais do que o diagnóstico etiológico específico para o estado convulsivo
do paciente, ou a excepcionalidade do uso de medicamento “off-label” ou mesmo o resultado
da sua utilização, deve-se atentar para a discussão, que resultou na tomada de decisão
terapêutica e no procedimento adotados pela equipe da UTIP. Ainda que se tratasse de
condição fora de possibilidades terapêuticas e que estivesse causando grande prejuízo ao SNC
do paciente, a discussão da equipe da UTIP com as demais equipes envolvidas no caso
(neuropediatria, genética clínica) provavelmente girava em torno do benefício e/ou risco do
emprego de um recurso não padronizado, caro, difícil de ser obtido, como uma alternativa
terapêutica ou apenas como um tratamento paliativo num paciente provavelmente com lesões
definitivas de SNC. Seria correto ou justo propor essa opção terapêutica para a família? Todo
processo de tomada de decisão passa por várias fases, onde todos os participantes envolvidos
devem ser solicitados a expor os seus pontos de vista, onde são mostrados o melhor e o pior
cenário que poderá resultar daquela ação, com todas as suas implicações. O processo muitas
vezes exige vários encontros dos participantes para que se atinja um consenso. Enquanto
houver pontos obscuros ou discordantes entre os participantes, o processo não passa para a
fase de compartilhamento da decisão com a família do paciente.
Inúmeras vezes, o processo pode ser dificultado pela falta de participação ou pela baixa
flexibilidade de alguns membros das diferentes equipes assistenciais já participantes ou que
virão a ser envolvidas na execução daquela opção terapêutica. Neste caso específico, seriam
envolvidas a Comissão de Medicamentos, o Serviço de Farmácia, a área de Materiais,
especialmente o Setor de Compras e o Setor de Importação, entre outros.
O princípio do respeito à autonomia, que a rigor se refere a preservar a autodeterminação das
pessoas envolvidas, nesse caso exercida por representação, sempre é levado em conta pelas
equipes pediátricas. É fundamental para que isto ocorra que sejam compartilhadas pela equipe
da UTIP, pelo menos duas vezes ao dia, informações sobre os cuidados assistenciais, além da
observação diária e continuada dos pais sobre o estado do paciente e o tratamento oferecido.
Mas, obviamente, entende-se que os pais ou os responsáveis legais podem ter uma percepção
equivocada da situação do paciente, assim como manifestar descontentamento por qualquer
evento, intercorrência ou evolução desfavorável que não seja bem entendida, mesmo que
explicada. Em algumas situações isto pode ser motivado por mensagens ambíguas
transmitidas pelas diferentes equipes que participam da assistência ao paciente. Para evitar
situações de crescente desconforto, é fundamental manter a comunicação e o vínculo de
confiança com as famílias.
A tomada de decisão técnica sobre as alternativas de tratamentos médicos não deve ser
transferida à família. Geralmente, o plano terapêutico é proposto pela equipe à família. Desta
forma ela se sentirá envolvida no processo, mas não responsável pela escolha terapêutica.
A garantia da veracidade significa que a verdade sempre deve prevalecer, especialmente nos
questionamentos feitos pela família em relação aos riscos e benefícios, confortos e
desconfortos, e principalmente em relação às chances de resultado positivo e negativo
associados a cada alternativa assistencial apresentada. A equipe da UTIP, caso julgar
pertinente, pode solicitar a presença de uma terceira voz. Se ocorrerem dúvidas ou
dificuldades de entendimento por parte da família, pode ser solicitado um consultor de
Bioética Clínica ou a participação do próprio Comitê de Bioética Clínica da instituição, como
instância mediadora ou facilitadora do processo de comunicação e de decisão.
Quanto à necessidade de autorização formal da família para o tratamento proposto, quando
envolver recursos e tratamentos padronizados e reconhecidos na atividade assistencial, é
suficiente registrar no prontuário do paciente, de forma clara e completa, a decisão tomada, e
que a mesma foi fruto de uma deliberação compartilhada entre a equipe e a família. No caso
de tratamentos excepcionais, ainda não padronizados para aquela situação específica, como
no caso apresentado, além dos registros habituais no prontuário, pode ser que a instituição
exija a utilização de um Termo de Consentimento específico e padronizado, que deve ser
assinado pelos pais ou responsáveis legais. Este documento deve ser arquivado junto ao
prontuário.
Contudo, mesmo havendo este documento específico, o registro em prontuário é
fundamental. Diferentes profissionais podem registrar, desde a sua perspectiva profissional,
este processo de tomada de decisão.

Questão relacionada:
O processo de tomada de decisão em relação ao paciente internado em UTI
obrigatoriamente deve:
(a) Ser transferido para a família desde o seu início.
(b) Envolver todas as equipes participantes da assistência.
(c) Sempre ser mediado pelo Comitê de Bioética da instituição.
(d) Ser realizado somente pela equipe médica.
Resposta correta (b).
Comentário: o processo de tomada de decisão em relação ao paciente de UTI sempre deve
envolver todos os profissionais envolvidos na sua assistência, até que se chegue a um
consenso. Somente depois disso deverá ser compartilhado com a família, dispendendo o
tempo necessário para que a mesma entenda e aceite a decisão. A participação do Comitê de
Bioética como mediadora do processo somente será necessária quando houver algum tipo de
conflito entre os profissionais ou desses com a família.

CASO 2- CUIDADOS PALIATIVOS SEM DIAGNÓSTICO DEFINIDO


Descrição do caso:
Menino de 2 meses, portador de erro inato do metabolismo (defeito no ciclo da ureia) não
definido pela investigação genética, apresentando quadro de convulsões de difícil
controle, com início por volta dos 10 dias de vida, tendo evoluído para encefalopatia
metabólica por hiperamonemia. Ressonância Nuclear Magnética de crânio mostra
redução importante de massa cinzenta relacionada à sequela neurológica grave. Tentado
redução dos anticonvulsivantes parenterais e extubação, porém paciente não tolerou.
Mantido em regime de anticonvulsivantes e necessidade de ventilação mecânica. Os pais
são poucos presentes na internação; moram em outra cidade a 150 km da cidade onde o
paciente está internado. Apesar da indefinição do diagnóstico específico, passou-se a
estabelecer conversações com a família sobre o emprego de medidas de conforto apenas,
sem adição de medidas fúteis. Em poucos dias, viabilizou-se a transferência do paciente
para hospital de sua cidade com plano de cuidados paliativos.

Sugestão de Conduta:
Com base nas informações compartilhadas em reunião na UTIP com as equipes assistenciais,
é possível verificar que o prognóstico do paciente é bastante reservado, e independente da
definição do diagnóstico genético, parece já estar configurado clinicamente um quadro de
dano grave e irreversível. Tendo em vista o pouco contato da equipe com os pais, que
atualmente não estão muito presentes na internação, sugere-se que atualmente não estão
muito presentes na internação, sugere-se que primeiramente seja estabelecido um vínculo
adequado com a equipe, visando o esclarecimento da situação clínica do paciente, oferecendo
também suporte da Psiquiatria aos mesmos, se necessário. A partir da compreensão dos
familiares, deve ser esclarecido que todas as medidas no melhor interesse do paciente já foram
adicionadas e permanecem mantidas, sendo possível constatar que medidas extraordinárias
podem ser consideradas fúteis para o atual quadro clínico.
Discussão:
No caso apresentado, ainda que o diagnóstico específico não tivesse sido esclarecido, em
função das características clínicas (convulsões de difícil controle e necessidade de vários
medicamentos anticonvulsivantes) e do exame de imagem (indicando grave
comprometimento estrutural do encéfalo), a tomada de decisão no sentido de limitar terapia
intensiva e adotar apenas cuidados paliativos pela equipe médica eventualmente poderia
causar desconforto a algum dos participantes em função da falta de diagnóstico etiológico
mais específico para o caso. Estudos demonstram que esta situação não é incomum, pois até
15% das crianças que recebem cuidados paliativos não tem o diagnóstico de base definido
(16). Entretanto, o grave comprometimento neurológico da criança, sem perspectiva de
reversão das lesões cerebrais evidenciadas, dava condições para a equipe de considerar o
quadro do paciente como sendo irreversível.
Em geral, na comunicação de más notícias à família, a equipe tem como regra fazê-lo de
modo formal, em ambiente privado, sempre que possível para ambos os pais em conjunto, ou
mais pessoas da família, se os pais ou responsáveis legais assim o desejarem e autorizarem.
O local deve permitir que todos os participantes desta reunião estejam sentados,
preferencialmente de modo confortável, com a presença de dois ou mais membros da equipe.
Deve-se revelar toda a verdade sobre a atual situação do paciente, empregando linguagem
acessível aos pais, e dando o tempo necessário para que entendam a gravidade da situação.
Se necessário, pode haver a necessidade de mais de um encontro para que este processo ocorra
de forma adequada.
De acordo com as nossas tradições culturais, toda a comunicação sobre temas relacionados à
assistência da criança internada em uma UTIP, devido a sua condição de maior
vulnerabilidade e incapacidade legal, é centrada nos pais e na família. Dessa forma, os
profissionais que atuam em UTIP devem salientar a importância na presença de pelo menos
um dos pais no maior período de tempo possível, preferencialmente de forma continuada. Se
os pais estão ausentes ou são pouco presentes, o Serviço Social do hospital deve buscar
esclarecimentos sobre o que está ocorrendo e auxiliar na eventual correção da situação. Existe
a garantia legal do acesso continuado dos pais durante todo o período de internação de seu
filho.
No caso abordado, a referência sobre a pouca presença dos pais no hospital poderia dar
margem a algumas possíveis justificativas: dificuldades em permanecer por mais tempo na
cidade da hospitalização, desesperança em relação à recuperação da criança, desestruturação
familiar ou até algum indício de desapego. A solicitação de avaliação e acompanhamento por
psicólogo e/ou assistente social estaria indicada para avaliação da situação marital do casal e
também do cenário domiciliar.
No caso apresentado, a decisão pela adoção de cuidados paliativos implicava em uma
dependência tecnológica compatível com os cuidados de uma UTIP. Esta situação
apresentava aos pais o desafio de permanecer, por um período indefinido, ao lado de seu filho
em uma unidade hospitalar. A decisão seria entre a sua manutenção na atual UTIP, onde eles
já estavam habituados e tinham estabelecido uma relação de confiança ou tentar uma
transferência para outra UTIP, em uma região mais próxima de sua residência. Esta última
alternativa poderia reduzir o desconforto de estar longe de casa e ampliar as possibilidades
de atuação de sua rede social de apoio. Existem estudos que já mostraram que os pais
preferem que seus filhos morram em casa ou num hospital próximo do domicílio (17). É
extremamente importante salientar aos pais que a decisão de que seu filho está em medidas
paliativas não significa que haverá uma redução nos seus cuidados.
A opção de transferir o paciente para outra UTIP deve ser acompanhada de contatos entre a
atual equipe assistente com a responsável pela assistência neste novo local. Os médicos e
enfermeiros devem fazer contatos com os seus colegas da outra instituição para avaliar a
efetiva possibilidade desta transferência e da necessidade de esclarecimentos e eventuais
capacitações para atender às necessidades do paciente, inclusive as relacionadas ao seu
deslocamento adequado e seguro de uma instituição a outra.

Questão relacionada
Quando a equipe entende e decide que determinado paciente de UTI está fora de
possibilidades terapêuticas, qual a forma mais apropriada de compartilhar isso com a família?
(a) Falando para um dos pais na beira do leito do paciente.
(b) Esclarecendo aos pais que os recursos da medicina chegaram ao seu limite e nada mais há
para fazer pelo paciente.
(c) Reunindo os pais em ambiente privado, relatando-lhes historicamente todas as alternativas
terapêuticas realizadas sem sucesso e garantindo a eles a manutenção de todos os cuidados
para conforto do paciente.
(d) Transferindo essa responsabilidade ao Comitê de Bioética da instituição.

Resposta correta (c)


Comentário: após a tomada de decisão pela adoção de cuidados paliativos ao paciente sem
possibilidades terapêuticas, a equipe (dois ou mais membros) deve compartilhar essa decisão
com os pais e/ou a família em ambiente apropriado, de preferência privado, de modo que
todos estejam confortavelmente sentados, fazendo um retrospecto da doença e dos
tratamentos até ali empregados sem sucesso, e garantindo a eles a continuidade no
atendimento do paciente, com o objetivo de dar-lhe conforto e evitar qualquer sofrimento.

CASO 3- MORTE E MORRER


Descrição do caso:
Paciente de 4 meses com paralisia cerebral, microlisencefalia, Síndrome de West,
glossoptose, pneumonias de repetição. Múltiplas internações nesta UTIP.
Iniciada avaliação para adoção de cuidados paliativos. Mãe mostra-se resistente à idéia.
Solicitamos avaliação e acompanhamento do caso pelo Comitê de Bioética.

Sugestão de Conduta:
Com base nas informações contidas na solicitação de consultoria e nas anteriormente
compartilhadas com a equipe de Bioética é possível sugerir que seja realizada uma reunião
das diferentes equipes assistenciais envolvidas no atendimento deste paciente, inclusive com
a participação da Bioética, com os familiares do paciente no sentido de esclarecer as
diferentes alternativas terapêuticas disponíveis. É fundamental que a família seja
adequadamente informada para que possa compreender o estado atual de saúde do paciente
visando o seu comprometimento nesta etapa. A caracterização de cuidados paliativos deve
ser adequadamente explicada na sua real finalidade de dar conforto para o paciente, evitando
prolongamento de sofrimento em situações onde as alternativas terapêuticas de cura foram
esgotadas.

Discussão:
Trata-se de paciente com qualidade de vida muito limitada e possibilidade de sobrevivência
extremamente reduzida, com reiteradas complicações que o levaram a internar na UTIP
inúmeras vezes em função de quadro respiratório motivado por aspirações. Esse paciente
estava sendo acompanhado por diversas equipes – Genética Médica, Neurologia e Cirurgia
Plástica - além da equipe pediátrica. Fora exaustivamente investigado e submetido a
intervenções, sem um diagnóstico sindrômico definido. A mãe é muito presente e
participativa, colocando grande expectativa nos mínimos progressos, que eventualmente a
criança apresenta, reforçados pelas passagens anteriores na UTIP.
Em função dos avanços tecnológicos empregados na assistência às crianças hospitalizadas, a
morte, na sua grande maioria, ocorre no ambiente da UTIP (18). As justificativas para tal
situação são as mais diversas: seja porque a perspectiva de morte de uma criança é uma
situação difícil e inaceitável, mesmo para a equipe assistente; seja porque a doença que
acomete o paciente ainda não foi suficientemente esclarecida; seja porque os pais ainda não
estão preparados para ter o entendimento adequado dessa morte; ou até mesmo, porque a
equipe de profissionais da UTIP está melhor preparada para lidar com este tipo de situação.
Não é incomum, frente a um quadro de doença irreversível e quando a morte está próxima,
que a equipe assistente, ou a família, solicite a transferência ou a internação do paciente em
uma UTIP. A justificativa, habitualmente utilizada, é que nesta unidade o paciente terá uma
morte melhor assistida e com maior privacidade. As famílias e alguns profissionais poderão
entender esta transferência desnecessária, desde o ponto de vista médico, como uma
justificativa de que foram oferecidas todas as medidas de suporte disponíveis. Muitas vezes
o foco da atenção é mantido na manutenção da vida do paciente e não no seu viver adequado.
Não importa quanto sofrimento lhe tenha sido causado nesta passagem pela UTIP.
Ao entrar na UTIP, de fato, a criança recebe, em função de suas necessidades de cuidado,
maior volume de atendimentos e intervenções, que são ajustificativa para a sua transferência.
Muitas vezes, pode ficar internada em um ambiente individualizado, com atenção mais
personalizada e frequente dos profissionais de saúde, com maior e continuada monitorização
de seus sinais e funções vitais, com maior número de avaliações clínicas e laboratoriais. Além
disto, poderá requerer suporte ventilatório, sedação e analgesia, dentre tantas outras medidas
peculiares ao atendimento intensivo. Se este acréscimo no aporte tecnológico para a
manutenção de sua vida não for acompanhado de uma adequada sensibilidade para
reconhecer outras questões associadas ao viver do paciente, este desequilíbrio poderá gerar
sofrimento prolongado e desnecessário. A comunicação efetiva entre os membros das
diferentes equipes assistentes envolvidas no cuidado do paciente e destes com a família é
fundamental para evitar situações deste tipo. Frequentemente, a consultoria Bioética é
chamada a fazer uma avaliação externa da situação. Uma sugestão frequente, nestas ocasiões,
é realizar uma reunião com a participação de representantes dessas equipes, visando
harmonizar as informações e evitar ambiguidades na comunicação com a família. Desta
reunião podem surgir novas informações decorrentes da troca de conhecimentos que poderão
orientar o encaminhamento da continuidade do tratamento com finalidade curativa ou a sua
reorientação para cuidados paliativos.
Como toda e qualquer comunicação em situação crítica, a família e o próprio paciente
poderão não ter o adequado entendimento e compreensão da proximidade da morte. Muitas
vezes um único encontro não é suficiente para este esclarecimento. Algumas famílias
demandam inúmeros encontros com a equipe até integrarem esta nova situação na sua noção
de futuro e entenderem que a atual condição do paciente demanda apenas medidas paliativas,
visando conforto e cuidados básicos. Infelizmente, a maioria dos pacientes morre sem ter o
adequado conhecimento desta sua situação de terminalidade (18).

Questão relacionada:
A perspectiva de morte de uma criança sempre é uma situação inaceitável. Frente à situação
de morte iminente de uma criança com doença terminal, quando todos os recursos
terapêuticos empregados não tiveram sucesso, como proceder?
(a) Nunca admití-la na UTI, porque ali não é local para morrer.
(b) Estimular que os pais estejam presentes nos momentos finais da criança.
(c) Não demonstrar qualquer fragilidade emocional diante dos colegas e dos pais.
(d) Fazer manobras de ressuscitação para tentar um último recurso terapêutico.
Resposta correta: (b).

Comentário: a proximidade da morte é um dos momentos mais difíceis para os pais e para a
equipe assistencial. Sempre que possível, deve ser estimulada a permanência dos pais junto
ao paciente nesse momento derradeiro, se possível pegando na sua mão ou tendo-o no colo.
Essa concessão, certamente será muito importante e gratificante para os pais no processo de
elaboração do luto. A demonstração de emoção nesse momento em nada diminui a imagem
do profissional perante os colegas ou à família; pelo contrário, mostra sensibilidade e
compaixão por aquela situação tão difícil de ser enfrentada. Se a UTI é o melhor lugar para
que isso ocorra, e havendo condições de receber essa criança em condição terminal, porque
não admití-la? Mas, apenas para conforto da família e da equipe assistente. Por outro lado,
qualquer tentativa de tratamentos heroicos nessa hora deve ser evitada.

CASO 4- CONFIDENCIALIDADE
A seguir o mesmo caso é apresentado em dois diferentes momentos, que representaram
duas diferentes consultorias de Bioética relacionadas à mesma família.

Descrição do caso (Momento 1):


Em uma primeira consultoria foi solicitado auxílio em relação ao diagnóstico de HIV da
puérpera, que recebe diagnóstico de HIV previamente desconhecido, quando interna para
realização do parto com 29 semanas de gestação, sem pré-natal e com Síndrome de
HELLP. A paciente opta por não informar o marido durante internação, por medo de
reação negativa por parte do mesmo, tendo em vista que ele apresenta histórico de
agressividade e já esteve preso. Após alta hospitalar da mãe, o bebê continua internado e
foi continuado acompanhamento psicológico visando auxiliar a mulher no processo de
revelação, mas mesmo assim a mesma continua apresentando resistência em revelar o
diagnóstico ao marido.

Descrição do caso (Momento 2):


Paciente de 4 meses, prematuro de 30 semanas, internado por disfunção respiratória. Foi
diagnosticado com derrame pericárdico de grande monta, que foi posteriormente drenado.
Paciente ainda em investigação etiológica e em uso de sulfametoxazol + trimetoprim
profilático. Mãe HIV positivo, que foi diagnosticado na gestação do paciente. Ao revisar
prontuário, equipe observou que o pai do paciente ainda não foi informado do diagnóstico
da mãe do paciente.
Equipe aguarda orientação para conversar com a mãe sobre o assunto.

Sugestão de Condutas
Momento 1
Com base nas informações contidas na solicitação de consultoria, tendo em vista que a
paciente está no período puerperal, onde a possibilidade de transmissão para o companheiro
fica reduzida, foi sugerido que sejam enfatizadas com a paciente as possíveis alternativas e
consequências desta sua conduta. As medidas de cuidado com o bebé e da própria paciente
no sentido de impedir a transmissão vertical e iniciar tratamento pessoal poderão ser
reveladoras desta sua condição clínica. Neste sentido, consolidar o tratamento da paciente e
de seu bebé pode ser o objetivo primário e a revelação, uma conduta a ser mantida, mas não
imediatamente.
Após reunião realizada com equipes assistenciais, por sugestão da consultoria de Bioética,
foram trazidas mais informações de que esposa sugere que pode ter se contaminado em uma
relação extraconjugal ocorrida durante o ter se contaminado em uma relação extraconjugal
ocorrida durante o cumprimento de pena do esposo (durante o período de três anos). O bebé
ficará internado por longo período, pois tem muito baixo peso (1000g), e o pai está presente
na internação do bebé e questionou a conduta de não amamentação por parte da mãe,
intimidando a equipe e ressaltando ser levantador de peso. O casal tem três outros filhos que
estão sob cuidado do pai no domicílio do casal.
É possível verificar que a paciente e o seu filho devem ser ativamente apoiados na
continuidade de seu tratamento. A vulnerabilidade social apresentada pela paciente não
recomenda a revelação diagnóstica para terceiros, nas condições atuais. A Resolução CFM
1.665/2003 e a legislação brasileira vigente sobre o tema da confidencialidade dão respaldo
a esta proposta, pois a questão levantada sobre a possibilidade de revelação para terceiros,
neste caso específico, não pode ser configurada como justa causa.
Momento 2:
Sugestão de Conduta:
Com base nas informações compartilhadas pela equipe assistencial em round realizado na
UTIP, hoje pela manhã, e na consultoria de Bioética previamente realizada, em internação
anterior, sugerimos que a mãe do paciente seja adequadamente informada sobre o direito do
pai ser esclarecido sobre a condição de saúde de seu filho, inclusive quanto ao diagnóstico de
HIV. O pai tem estado presente na atual internação e tem o direito de ser adequadamente
informado sobre todas as informações a respeito de seu filho. A omissão da informação da
contaminação pelo HIV, pela mãe do paciente, na presente internação, que tem envolvido
diferentes equipes assistenciais, poderia ter tido consequências assistenciais. A condição de
vulnerabilidade da mãe e do bebé, objeto da consultoria anterior, deve ser levada em
consideração. A equipe assistencial deve se colocar a disposição da mãe para auxiliá-la neste
momento, pois a revelação do diagnóstico do paciente poderá levar a exposição do seu
próprio diagnóstico junto ao seu companheiro.
Discussão:
O questionamento realizado pela equipe de como explicar a não amamentação e o uso de
medicamentos pela mãe e pelo bebé ao marido da paciente, deve ser ponderado considerando
os riscos e benefícios de cada alternativa. Se considerarmos a alternativa de insistir com a
mãe para que revele para o companheiro, um benefício a ser considerado seria a potencial
proteção ao companheiro sobre risco de transmissão sexual do vírus, porém, o risco seria a
revelação de informações sobre a possibilidade de falsa paternidade, além do risco à
integridade física da mãe, do bebe e dos outros três filhos do casal. Outra alternativa, é não
insistir, neste momento, na revelação, ao entender que o histórico do companheiro o classifica
como de alta exposição para contaminação prévia. O benefício desta conduta seria a proteção
da mãe e preservação da informação sobre a possibilidade de falsa paternidade, e o risco
associado seria a discriminação do pai com base em circunstâncias.
Em um primeiro momento, o foco da solicitação de consultoria estava sobre a revelação de
diagnóstico da puérpera, que também foi paciente e após passou a ser responsável pelo
paciente que permaneceu internado. Considerando as condições sociais e o contexto familiar
apresentado, naquele dado momento havia total respaldo para priorizar o dever de
confidencialidade que a equipe de saúde deveria manter com a sua paciente, no caso a mãe.
Embora houvesse algum desconforto da equipe, a situação naquele dado momento não se
caracterizava como uma exceção que pudesse provocar a quebra de confidencialidade por
parte da equipe (19).
Existem diversificados embasamentos jurídicos e normativos para manter o dever de
confidencialidade. A Resolução CFM 1.665/2003 que dispõe sobre a responsabilidade ética
das instituições e profissionais médicos na prevenção, controle e tratamento dos pacientes
portadores do vírus da SIDA (AIDS) e soropositivos, que afirma em seu artigo 10 que “O
sigilo profissional deve ser rigorosamente respeitado em relação aos pacientes portadores do
vírus da SIDA (AIDS), salvo nos casos determinados por lei, por justa causa ou por
autorização expressa do paciente.” O Código de Ética Médica, em seus Princípios
Fundamentais, item XI indica que “O médico guardará sigilo a respeito das informações de
que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos
em lei”. A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo X também afirma que “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. E, ainda, o Código
Penal Brasileiro, no artigo 154 determina a proibição de “Revelar alguém, sem justa causa,
segredo de que tenha ciência, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja
revelação possa produzir dano a outrem”. Porém quando se alteram as circunstâncias, ao
longo de uma internação prolongada do bebé, verificou-se que o pai estava acompanhando
seu filho e realizando questionamento à equipe assistencial quanto ao diagnóstico, saúde e
cuidados necessários. O pai neste caso, não havendo nenhuma restrição
judicial, apresenta os mesmos deveres e direitos da mãe do paciente, inclusive o que lhe
garante ter informações para o melhor cuidado do bebe, preservando inclusive o melhor
interesse do paciente, tendo em vista que este potencialmente também será responsável pelos
cuidados do mesmo.
Ainda que o objetivo seja, neste novo enfoque, revelar o diagnóstico do bebé, é presumível
que, numa espécie de duplo efeito, seja também revelado o diagnóstico da mulher. É essencial
levar esta questão em consideração, e permitir a mesma se preparar para a possível dupla
revelação, e se for sua vontade, participar do processo. Este caso ilustra claramente como a
sugestão de condutas pode ser modificada de acordo com as alterações que ocorrem nas
circunstâncias apresentadas.

Questão relacionada:
Ao constatar o diagnóstico de HIV da mãe de um paciente pediátrico internado na UTIP,
através do diagnóstico de transmissão vertical do próprio paciente, o médico assistente deve:
a) Chamar os pais, ou responsável legal, e informar imediatamente sobre o possível risco de
contaminação do pai ou parceiro da mãe.
b) Esclarecer como se deu a transmissão da mãe e solicitar ao pai que realize o teste também.
c) Comunicar a todos os profissionais envolvidos no cuidado do paciente o potencial risco de
transmissão horizontal a partir da mãe.
d) Esclarecer quem é o cuidador responsável e orientar a mãe que tome as devidas medidas e
precauções.
Resposta correta: (d)

Comentário: Primeiramente deve ser esclarecido quem é o responsável pelo paciente e quem
efetivamente está realizando seu acompanhamento e cuidados. Em um primeiro momento a
mãe do paciente, devido a potencial revelação indireta do seu próprio diagnóstico, deve ser
esclarecida e orientada. As questões relativas à contaminação da mãe do paciente não devem
ser exploradas pela equipe, tendo em vista que a mesma não é paciente em atendimento desta
equipe. As informações de saúde do paciente devem ser compartilhadas com a equipe de
saúde na medida das informações que os profissionais necessitam saber para o melhor
atendimento do paciente. Se o pai do paciente está acompanhando a internação e questiona
sobre o diagnóstico e cuidados do paciente, ele tem o direito à informação que diz respeito
estritamente ao seu filho, ainda assim a mãe deve ser informada para preparar-se para uma
possível revelação indireta do seu diagnóstico.

CASO 5- ALOCAÇÃO DE RECURSOS


Descrição do caso:
Paciente indígena, com insuficiência hepática por possível diagnóstico de
hemocromatose. Paciente já realizou exsanguineotransfusão e no momento está em
diálise peritoneal e em ventilação mecânica. Quadro de saúde muito grave, com
prognóstico reservado. Conforme discutido com a equipe de Hepatologia, há
possibilidade de transplante hepático como única alternativa terapêutica. Solicitado
auxílio à Consultoria de Bioética para considerar condições socioeconômicas, culturais,
de higienização e moradia, para que seja possível planejar o seguimento do tratamento,
visto que o paciente será imunossuprimido por toda a vida e necessitará de cuidados
especiais.

Sugestão de Conduta:
Com base nas informações descritas, é possível identificar alguns pontos importantes para a
reflexão a respeito da realização do procedimento de transplante hepático. Primeiramente é
importante esclarecer qual a etnia do paciente e se seus familiares ainda preservam as
tradições culturais do grupo indígena a que fazem parte. É necessário elucidar se existe algum
impedimento religioso-cultural por parte de seus familiares sobre este tipo de procedimento
e se os mesmos tem adequada compreensão do que seja ter um filho transplantado, inclusive
por questões de idioma e mediação por tradutor, se for o caso.
Quanto à questão das condições socioeconômicas, a serem adequadamente avaliadas pelo
Serviço Social, elas não devem ser determinantes para o impedimento da realização do
procedimento, mas sim em uma reivindicação de melhores condições de moradia a ser
encaminhada às autoridades competentes e responsáveis pelo grupo cultural ao qual o
paciente se relaciona. Por fim, deverá ser realizada uma clara avaliação da relação
risco/benefício do tratamento que está sendo proposto em termos de curto, médio e longo
prazo, visando o melhor interesse do paciente e de seus familiares.
Discussão:
A primeira questão a ser esclarecida pela equipe é se não há um impedimento do ponto de
vista moral em relação ao procedimento cirúrgico indicado. Sabe-se que diferentes culturas
possuem interpretações distintas aos processos de saúde e doença, podendo ser fatores
importantes de organização familiar em algumas populações, podendo inclusive ser
incorporados à cultura de cada comunidade. Embora as condições socioeconômicas impostas
à família sejam limitantes das melhores condições de tratamento, as mesmas não devem ser
limitantes às alternativas existentes. Considerando que há uma significativa dificuldade de
comunicação, devido à linguagem, e importantes diferenças culturais, é essencial verificar as
possibilidades existentes de que possa haver o auxílio de um profissional capacitado para
ajudar em tal processo, como por exemplo, um tradutor ou um profissional da área social que
seja conhecedor da cultura em questão, podendo garantir que o processo de esclarecimento e
tomada de decisão se dê de maneira adequada.
Deve ficar claro para a equipe, que embora o órgão necessário para a paciente possa ser
considerado um recurso escasso, não cabe à equipe assistencial responsável pelo caso fazer
tal alocação. O que chamamos de macroalocação de recursos é realizado por gestores na área
da saúde, que utilizam, além dos critérios técnicos, outras informações objetivas que possam
ser norteadoras nos critérios técnicos, outras informações objetivas que possam ser
norteadoras no momento de priorizar os pacientes que mais necessitam de transplantes. A
partir de tais critérios estabelecidos, cabe à equipe assistencial realizar uma microalocação de
recursos, ou seja, fazer as ponderações necessárias apenas em relação ao melhor interesse do
seu paciente, e não levando em consideração potenciais outros pacientes que necessitam o
mesmo recurso (20). Ainda que não deva ser o fator limitante, dentre as possibilidades reais
existentes, devem ser considerados os riscos agregados pelas condições
esperadas, e ponderados com os possíveis benefícios da indicação cirúrgica. É essencial
sempre esclarecer, para todos os envolvidos, que a tomada de decisão é baseada em critérios
técnicos, ainda que sejam levadas em consideração as influências culturais.
Questão relacionada:
Considerando um paciente pediátrico que tem a necessidade de transplante de órgãos, ao
receber o paciente na internação a equipe verifica que a família não parece ter condições
socioeconômicas de manter as condições necessárias para um paciente transplantado. A
equipe também observa que o responsável apresenta dificuldade de entendimento em relação
aos medicamentos e cuidados que devem ser mantidos para o paciente. Nesta situação como
o médico deve proceder?
a) Verificar junto à família se a mesma apresenta condições, e de acordo com isto realizar ou
não a indicação técnica do transplante.
b) Solicitar ao Serviço Social que avalie as condições necessárias de moradia e cuidados para
o paciente e levar em consideração estas informações.
c) Tendo em vista que os fatores socioeconômicos não devem ser limitantes, indicar o
transplante sem conhecimento das condiçõesda família.
d) Solicitar imediatamente abrigamento da criança para que possa ter os cuidados necessários
para o transplante.
Resposta correta: (b)

Comentário: Considerando os recursos disponíveis na Instituição, o Serviço Social pode


auxiliar a verificar as condições socioeconômicas que possibilitem o adequado cuidado do
paciente. Estas informações devem ser levadas em consideração dentro da avaliação de riscos
e benefícios a ser realizada pelo médico para realizar a indicação, porém não podem ser
determinantes da indicação. Se for o caso, pode ser avaliada também a possibilidade de
institucionalização temporária do paciente ou permanente visando o melhor cuidado e
preservando o melhor interesse do paciente.

CASO 6- ESPIRITUALIDADE
Descrição do caso:
Paciente com 5 meses de idade, asfixiada grave durante o parto, estando internada desde
o nascimento. A mãe da paciente é Testemunha de Jeová. Paciente apresenta crises
convulsivas de difícil controle e sequelas neurológicas graves, estando internada na UTIP
por broncopneumonia, e estando em ventilação mecânica.

Sugestão de Conduta:
Com base nas informações compartilhadas na UTIP, sugerimos que a mãe da paciente seja
adequadamente informada de todos os procedimentos que foram realizados, inclusive o uso
de sangue e hemoderivados. É importante que seja esclarecida a atual situação da mãe quanto
a sua opção religiosa pessoal e restrições que ela própria tem em relação ao tratamento de sua
filha. Cabe ressaltar que a própria mãe, quando foi paciente desta mesma instituição, para
realizar o parto da paciente, teve consultoria de Bioética para discutir especificamente esta
questão de objeção religiosa ao uso de sangue e derivados, por influência de sua família de
origem. Cabe ainda esclarecer, especificamente, se o pai da paciente participa ativamente do
processo de tomada de decisões sobre tratamentos.
Deve ser ressaltado à mãe que todas as informações referentes ao tratamento e procedimentos
realizados com a paciente são compartilhadas apenas com ela ou com quem ela autorizar a
equipe a fazer este tipo de revelação. Isto poderá preservar a paciente e sua responsável de
influências externas indevidas por parte de outros familiares.

Discussão:
Ainda que a mãe possa apresentar objeção de consciência quanto ao uso de hemoderivados,
neste caso, a paciente ainda não tem a possibilidade de exercer sua autonomia.
O Estatuto da Criança e do Adolescente garante que seja realizado, por parte da equipe
assistencial, todas as medidas que sejam necessárias no melhor interesse do paciente. Ainda
que na maioria das vezes não seja necessário, pode ser solicitado judicialmente a suspensão
temporária de poder parental, permitindo que outra pessoa designada pelo juiz, possa tomar
estas decisões, sem apresentar conflitos morais ou ferir a autodeterminação dos envolvidos.
Existe também a possibilidade, se for a vontade dos envolvidos, neste caso a mãe da paciente,
de realizar contato com a Comissão de Ligação dos Hospitais (COLIH) dos Testemunhas de
Jeová, uma organização especialmente organizada para discutir os dilemas na área da saúde
devido às objeções apresentadas por seus membros.
É importante ressaltar para a equipe assistencial, que a possível objeção de consciência a
tratamentos, apresentada pelos pacientes e responsáveis por motivos religiosos ou qualquer
outro motivo, é feita de forma dogmática. Desta forma, não é adequado tentar persuadir os
pacientes a mudarem suas convicções com base em uma argumentação. A opção do paciente,
seja qual for a motivação, deve ser respeitada, desde que este esteja adequadamente
esclarecido e ciente das consequências. Quando esta tomada de decisão envolve um paciente
menor de idade, como nos cenários apresentados em uma UTIP, o respeito pela crença não
deve ser modificado, o que difere é que além do paciente, que não é capaz de tomar decisões
no seu melhor interesse, entra em questão um terceiro envolvido que é o familiar, que deve
tomar decisões por representação. Neste caso é dever da equipe, tanto moralmente quanto
juridicamente, tomar estas decisões com base em critérios técnicos e sempre considerando a
indicação médica. O conflito aparente entre objeção religiosa dos familiares com base em
preceitos morais versus o benefício potencial dos tratamentos propostos desde o ponto de
vista técnico, associado à questão legal da proteção aos vulneráveis, pode fazer emergir uma
solução que ao invés de excluir uma destas alternativas, permita contemplar ambas (21). São
dimensões de tomada de decisão diferentes tomadas por agentes diferentes, e cada uma delas
pode ser entendida como correta no seu contexto. O desafio ético é contemplar ambas de
forma simultânea.
Deve ser sempre enfatizado, como de hábito, que a decisão de transfundir ou não, é uma
decisão técnica que cabe aos profissionais, devidamente capacitados para tal. A restrição ao
uso de sangue e hemoderivados feita por representação em nome de um menor, que ainda
sequer foi formalmente incluído na comunidade religiosa, pode ser considerada como uma
manifestação de vontade, mas não como uma restrição formal. Este cenário se altera
radicalmente quando um paciente capaz, desde o ponto de vista legal e moral, manifesta a
sua restrição religiosa, que neste caso deve ser acatada.

Questão relacionada:
Quando a família de um paciente menor de idade, que necessita cuidados intensivos,
identifica-se como Testemunha de Jeová e verbaliza que apresenta objeção de consciência a
utilização de qualquer tipo de hemoderivados, o médico deve:
a) Respeitar a objeção dos familiares, mas realizar os procedimentos necessários no melhor
interesse do paciente.
b) Respeitar a objeção dos familiares e não realizar os procedimentos que a família apresente
objeção.
c) Solicitar a presença da COLIH dos Testemunhas de Jeová e delegar a decisão a eles.
d) Solicitar aos pais que decidam os procedimentos que serão autorizados e assinem se
responsabilizando das consequências.
Resposta correta: (a)

Comentário: No caso apresentado na questão, deve sempre ser conversado com os


responsáveis, sobre a necessidade dos procedimentos a serem realizados. A decisão não deve
ser delegada para os pais, tendo em vista que se trata de uma necessidade do paciente e não
uma possibilidade. Deve ser sempre reiterado aos pais que esta é uma decisão técnica e não
uma decisão moral, enfatizando que a crença dos familiares é respeitada, preservando a sua
objeção da consciência já que esta não será uma decisão tomada pelos pais e sim pelos
profissionais.

CASO 7- COMUNICAÇÃO DE MÁS NOTÍCIAS


Descrição do caso:
Paciente de 5 meses de idade, com microcefalia e crises convulsivas de difícil controle,
dependente de respirador e sem vida de relação. Apresentava apneias de origem
obstrutiva e central, foi realizada traqueostomia, mas paciente persistiu apresentando
apneias. A mãe já teve outro bebé com o mesmo quadro, que sobreviveu por quatro anos.
Mãe da paciente pensava que a evolução deste seria igual e que poderia levar a filha para
casa, porém agora solicitou cuidados paliativos.

Sugestão de Conduta:
Com base nas informações compartilhadas é possível verificar que a paciente tem um quadro
confirmado de microcefalia, sem vida de relação e está dependente do uso de respirador. A
mãe já teve a experiência prévia de ter tido outro filho também com microcefalia, que faleceu
aos quatro anos de idade. A equipe assistencial já teve tempo suficiente, ao longo da
internação, para avaliar que a paciente está fora de possibilidades terapêuticas de cura,
definindo que as medidas de suporte podem ser consideradas como sendo sem utilidade
terapêutica, apenas prolongando a evolução natural do quadro de
doença apresentado. Desta forma, a alteração da atenção para cuidados paliativos está
adequada desde o ponto de vista técnico e ético, contando com a concordância da mãe. A
intenção em prestar cuidados paliativos para a paciente é minorar possíveis e eventuais
desconfortos associados.

Discussão:
Devido à experiência prévia da mãe da paciente, que teve outro filho com um quadro clínico
aparentemente muito semelhante, a expectativa da mesma era que o manejo e desfecho desta
filha também fosse semelhante. A evolução clínica deste bebé, contrariamente à expectativa
da mãe, pode ser caracterizada como uma má notícia. Vale lembrar que má notícia é aquela
que altera de maneira drástica, e negativa, a perspectiva de futuro (22). É interessante
observar, que esta mesma experiência prévia da responsável, serve também para que talvez
possa entender com mais facilidade a adequação de cuidados paliativos, visando não
prolongar indevidamente o sofrimento da filha.
O fato da abordagem de priorização de cuidados paliativos ser mencionada pelo familiar, em
um primeiro momento, pode causar estranheza na equipe assistencial. É essencial que todas
as equipes envolvidas nos cuidados possam discutir os aspectos relacionados ao tratamento
proposto e estejam possam discutir os aspectos relacionados ao tratamento proposto e estejam
confortáveis com a conduta. Esta coerência é importante também visando esclarecer para os
familiares de que esta não é uma decisão tomada pela vontade ou pedido de algum
responsável, mas de que se trata de uma decisão estritamente técnica, que visa a beneficiar a
paciente, e deve ter a concordância e entendimento dos responsáveis. Este esclarecimento
pode auxiliar a diminuir algum eventual sentimento de culpa da mãe e, eventualmente, de sua
família, ajudando na elaboração da má notícia e na integração desta na sua perspectiva de
futuro.

Questão relacionada:
Quando verificado pela equipe assistente que o paciente menor de idade, internado em uma
unidade de cuidados intensivos, está fora de possibilidades terapêuticas, como o médico
responsável deve atuar?
a) Informar aos familiares que não há nada mais que se possa fazer pelo paciente.
b) Solicitar aos responsáveis que decidam se ainda deve-se investir no paciente ou realizar
limitações terapêuticas.
c) Reunir as equipes envolvidas nos cuidados e verificar quais possibilidades terapêuticas, de
cura e de paliação, ainda são possíveis.
d) Solicitar à equipe de Psicologia que realize esta comunicação com os familiares.
Resposta correta: (c)

Comentário: Apesar de a decisão acerca do paciente ser uma decisão médica, é ideal que o
médico responsável reúna os profissionais envolvidos nos cuidados do paciente, incluindo as
equipes consultoras, visando ampliar as alternativas existentes no melhor interesse do
paciente. Independente de haver ainda possibilidades terapêuticas de cura ou apenas
paliativas, sempre há algo que a equipe possa oferecer aos pacientes e seus familiares,
buscando evitar um entendimento equivocado de abandono por parte das
equipes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A identificação e condução dos conflitos éticos e morais dos pacientes criticamente
doentes é de competência da equipe assistencial da UTIP. As consultorias de Bioética
Clínica visam auxiliar aos profissionais de saúde responsáveis pela assistência ou aos
próprios pacientes e seus familiares a ampliarem as alternativas disponíveis para um
melhor processo de tomada de decisão. Os consultores de Bioética devem ter uma
capacitação adequada em termos de conhecimentos dos diferentes referenciais teóricos
envolvidos, de habilidades em comunicação em situações críticas, e de mediação e
condução de processo de deliberação, assim como, ter claro o conjunto de valores e
crenças de cada um dos participantes envolvidos na situação objeto da consultoria. Os
profissionais de saúde, os pacientes ou seus representantes legais devem se sentir
copartícipes na tomada de decisão. Os consultores de Bioética apenas auxiliam neste
processo, sem assumirem qualquer atividade executiva. Esta participação implica em uma
corresponsabilidade inerente a esta atividade. É fundamental documentar adequadamente
as recomendações dadas, preferentemente, quando possível, no próprio prontuário do
paciente.

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