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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA


CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRINCIPIOLOGIA E HERMENÊUTICA
CONSTITUCIONAL

CRÍTICA À DELAÇÃO PREMIADA A PARTIR DO GARANTISMO


PENAL

JULIANO KELLER DO VALLE

Itajaí, agosto de 2007.


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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRINCIPIOLOGIA E HERMENÊUTICA
CONSTITUCIONAL

CRÍTICA À DELAÇÃO PREMIADA A PARTIR DO GARANTISMO


PENAL

JULIANO KELLER DO VALLE

Dissertação submetida ao Programa de


Mestrado em Ciência Jurídica da
Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, como requisito parcial à
obtenção do Título de Mestre em
Ciência Jurídica.

Orientador[a]: Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa

Itajaí, agosto de 2007


AGRADECIMENTO

A gratidão não é só uma qualidade inerente à


pessoa, mas também um dever de se fazer justiça
às pessoas que permanecem indelevelmente na
memória, que foram e que continuam sendo
presenças marcantes na minha formação.
Aos meus pais, Heraldo e Maria Angelina, dois
vencedores da vida, que sempre depositaram em
mim o amor e o desejo pela minha felicidade.
Paulo Murillo e Rosany Maria, meus queridos
irmãos, por tudo que me ensinaram.
Aos brilhantes advogados e companheiros, Ana
Luiza Luz da Gama Lobo d’Eça e Rômulo
Linhares Bittencourt, meu absoluto respeito e
admiração.
Ao sócio de escritório e processualista inspirado,
advogado Fernando Luz da Gama Lobo d’Eça,
pela amizade diuturnamente compartilhada,
exemplo vivo de honestidade, caráter e lealdade.
A minha secretária Dulcinéia Silva, pela
organização e ajuda diária.
Aos professores do Curso de Direito da UNIVALI,
amigos feitos e refeitos nos corredores: Vilson
Sandrini e Márcio Roberto Paulo, pela primeira
oportunidade concedida; Márcio Roberto Harger
pelo incentivo necessário à caminhada acadêmica
e a ajuda no meu pré-projeto; Flaviano Vetter
Tauscheck e José Maria Zilli da Silva.
Carinhoso agradecimento à amiga de anos,
Professora Vera Lúcia Ribas Batista, pelo afeto
sempre dirigido a mim.
Aos professores do Curso de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Ciência Jurídica – PMCJ da
UNIVALI, e em especial para: Professor Doutor
Paulo Márcio Cruz; Professor Doutor Romeu
Falconi; Professor Doutor Luiz Henrique
Cademartori e Professor Doutor Marcos Leite
Garcia.
Ao amigo e talentoso professor Sérgio Ricardo
Fernandes de Aquino, pelas palavras de
incentivo, e, sobretudo pelo exemplo ímpar de
figura humana.
As funcionárias da secretaria do programa de
Mestrado em Ciência Jurídica: Lucilaine,
Jaqueline, Naide e Karla.
Daniel Linhares Bittencourt, pelo “abstract”, e para
Vera pela revisão gramatical.
E, por fim, ao meu orientador, Professor Doutor
Alexandre Morais da Rosa, pela precisa
orientação, pelos conselhos de vida, e pela
liberdade que me permitiu, por certo, ser um
pouco poeta nesse texto, sem deixar a
Constituição de lado.
DEDICATÓRIA

Para meu sobrinho e afilhado, João Eduardo


Keller do Valle Gouveia de Matos, um novo
sentido em minha vida.

Para a pessoa que me (re) apresentou o Direito


através do Garantismo, resgatando toda a
esperança e a crença incondicional na
Constituição, refletida em mim e em tantos outros
acadêmicos sonhadores: o amigo e Professor
Doutor Alexandre Morais da Rosa.

Para Fabíola Probst, um amor para mudar as


coisas.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica, a
Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.

Itajaí, agosto de 2007

Juliano Keller do Valle


Mestrando(a)
PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale


do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo mestrando Juliano Keller do Valle, sob o título
Crítica à Delação Premiada a partir do Garantismo Penal, foi submetida em [Data]
à banca examinadora composta pelos seguintes professores: [Nome dos
Professores ] ([Função]), e aprovada com a nota [Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí, agosto de 2007.

Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa


Orientador e Presidente da Banca

Professor Doutor Paulo Márcio Cruz


Coordenador do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica
da UNIVALI
SUMÁRIO

RESUMO ................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

INTRODUÇÃO .......................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

CAPÍTULO 1 GARANTISMO PENAL ................................................ 5


1.1 TEORIA GERAL DO GARANTISMO ...............................................................5
1.1.1 Fundamentos do Garantismo..........................................................................5
1.1.2 O sentido do Garantismo Jurídico.................................................................10
1.1.3 O plano da validade e da vigência da norma................................................12
1.1.4 A crítica à norma e a figura do juiz crítico.....................................................13
1.1.5 Uma (nova) filosofia política..........................................................................15
1.1.6 O Estado de Direito e a Democracia: limitações ao poder...........................16
1.3 A QUESTÃO DA SOCIALIDADE: O TRÁGICO, A TEATRALIZAÇÃO E A
BARROQUIZAÇÃO DO MUNDO ................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

1.4 A SOCIALIDADE QUE SE MANIFESTA NO TRIBALISMO .................. ERRO!


INDICADOR NÃO DEFINIDO.

CAPÍTULO 2 O DIREITO ENQUANTO FENÔMENO SÓCIO-


CULTURAL: UMA ANÁLISE DA SEMIOLOGIA NO DISCURSO
JURÍDICO.................................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
2.1 A COMPREENSÃO E SIGNIFICAÇÃO DO DIREITO QUE SE INSTITUI
PELA EXPERIÊNCIA DA VIDA COTIDIANA..................ERRO! INDICADOR NÃO
DEFINIDO.

2.2 A LINGUAGEM COMO OBJETO TEÓRICO DO DIREITO SOB A


PERSPECTIVA DO POSITIVISMO LÓGICO ..................ERRO! INDICADOR NÃO
DEFINIDO.

2.3 A REVISÃO DO DISCURSO JURÍDICO A PARTIR DA FILOSOFIA DA


LINGUAGEM ORDINÁRIA E A SEMIOLOGIA DO PODER ... ERRO! INDICADOR
NÃO DEFINIDO.

CAPÍTULO 3 A FUNÇÃO DA POLÍTICA JURÍDICA NA


(RE)CONSTRUÇÃO DO DIREITO ...............ERRO! INDICADOR NÃO
DEFINIDO.
3.1 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA JURÍDICA NA MODERNIDADE: ENTRE A
LEGALIDADE E ORDEM ............................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

3.2 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA POLÍTICA JURÍDICA A PARTIR DE


ALF ROSS ................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

3.3 O PENSAMENTO PÓS-MODERNO NA PROPOSIÇÃO POLÍTICO JURÍDICA


DE OSVALDO FERREIRA DE MELO ......... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

CONSIDERAÇÕES FINAIS....... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ......ERRO! INDICADOR NÃO


DEFINIDO.
RESUMO

A presente pesquisa pretende investigar o instituto da


delação premiada no Brasil, analisando primeiramente o seu conteúdo existente
nas várias legislações existentes no país, bem como no Código Penal Brasileiro.
Com efeito, busca-se a partir da leitura acerca da Teoria do Garantismo Penal,
estabelecer parâmetros e critérios racionais que efetivem a estrita legalidade
defendida por Luigi Ferrajoli no âmbito da delação premiada, posteriormente
abordado: a) a supremacia total das garantias fundamentais; e b) o controle de
constitucionalidade material. Nesse sentido a delação encontra barreiras éticas e
democráticas quanto a sua efetividade, vez que o critério de aplicação será e
deverá sempre ser permeada pela crítica proposta pela Teoria do Garantismo
Penal, consubstanciada na prevalência dignidade da pessoa humana e na busca
da verdade segundo o modelo garantista, minimizando o poder estatal e
maximizando as garantias fundamentais do cidadão. Esta dissertação está
vinculada à Linha de Pesquisa Hermenêutica e Principiologia Constitucional e ao
Projeto de Pesquisa Fundamentos Teóricos Contemporâneos dos Princípios e
Garantias Constitucionais.

Palavra-chave: Garantismo Penal – Delação Premiada –


Garantias Fundamentais.
ABSTRACT

This research intends to investigate the institute of awarded


delation in Brazil, analyzing firstly its contents in many of the legislations in the
country, as well as in the Brazilian Penal Code. It is wanted from the reading of the
"Teoria do Garantismo Penal" establish parameters and rational criteria that
execute the strict legality defended by Luigi Ferrajoli about awarded delation,
latterly spoken of: a) the total supremacy of the fundamental guarantees; and b)
the control of material constitutionality. This way delation finds ethical and
democratic barriers as to its effectiveness, once the criteria of the application will
and ought to always consider the critic proposed by the "Teoria do Garantismo
Penal", formed by the prevalence of the human dignity and the search for the real
truth, minimizing the power of the state and maximizing the fundamental
guarantees of the citizen.

Key-word: Garantismo Penal - awarded delation -


fundamental guarantees.
2

INTRODUÇÃO

A presente dissertação de Mestrado pertence à linha de


pesquisa Hermenêutica e Principiologia Constitucional. O objeto é centralizado no
resgate das garantias previstas no texto da Constituição da República aplicada no
instituto da Delação Premiada prevista em várias leis ordinárias e em dispositivos
do Código Penal Brasileiro vigentes.

O seu objetivo, é, por meio da investigação e da


interpretação dos princípios e caracteres básicos da Teoria do Garantismo Penal
proposta por Luigi Ferrajoli, se a Delação Premiada encontra elementos
compatíveis entre validade e vigência da norma inferior com a matriz
constitucional, preservando ou não as garantias fundamentais nesse contexto.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, o tratamento inicial


acerca do Garantismo Jurídico, expondo, dessa forma, os elementos que o
fundamentam, o sentido da teoria, demonstrando a prática da racionalidade como
técnica de definição do patamar das garantias e controle estatal, o plano da
validade e da vigência da norma e a possibilidade de crítica na figura do juiz, bem
como as limitações democráticas impostas pelo garantismo jurídico. Em
seqüência, se apresenta o garantismo penal inicialmente como fórmula de
intervenção minimizada, utilizando-se os princípios democráticos como forma de
controle estatal, e não de controle social até então maximizados por uma face
outra do Direito Penal, consubstanciado em uma cultura do medo impregnada na
sociedade e uma proposta de um Direito Penal e Processual de Emergência,
totalmente desviados das bases democráticas que norteiam a Constituição.

Nesse prisma, é através do controle material da Constituição


desenvolvida pelo garantismo penal, pelo tratamento e análise da norma inferior
vigente em comparação com a norma fundamental válida positivada no texto
constitucional, a técnica encontrada para evitar a preponderância do arbítrio
estatal com o uso tendencioso do Direito Penal e Processual.
3

No Capítulo 2, busca-se em primeiro lugar apresentar o


instituto da delação premiada no processo penal brasileiro, dissecando as suas
particularidades e incongruências com os demais princípios constitucionais como
a proporcionalidade. Em seguida, se apresenta a previsão da delação premiada
nas diversas legislações esparsas vigentes no Brasil e no Código Penal,
dissecando cada uma delas. Por fim, traz-se à discussão dois movimentos
ideológicos a favor e contra o referido instituto, consubstanciado de um lado na
corrente do Direito Penal Máximo (de cunho antigarantista) e de outro, no Direito
Penal Mínimo (de raiz garantista), provocando, desta forma, a discussão por meio
da crítica a norma da delação premiada vigente, que segundo a pesquisa
demonstra o aviltamento às garantias fundamentais.

No Capítulo 3, tratando de apresentar os limites impostos


pelo garantismo penal frente ao instituto da delação premiada, inicialmente pelas
inspirações democráticas apresentadas no capítulo inicial, tendo como vértice o
atendimento ao princípio da verdade real segundo o sistema garantista. Em um
segundo momento é demonstrado os limites éticos que dificultam a assunção
pura e simples da delação nos casos em concreto, e por fim, a possível
compatibilidade da delação premiada na ótica garantista.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as


Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre a Crítica à Delação Premiada a partir do Garantismo Penal.

Para a presente Dissertação foram levantadas as seguintes


hipóteses:

a) A Teoria do Garantismo Penal como técnica apresentada


de elevação das garantias fundamentais do cidadão, tais como a dignidade da
pessoa humana, e o uso da racionalidade e dos princípios democráticos inseridos
no texto constitucional como critério de aferição se a norma inferior vigente é
válida na perspectiva garantista, deveria corresponder efetivamente a crítica
racional ao arbítrio estatal à essas garantias;
4

b) O instituto da delação premiada no Brasil, tal qual


conhecemos, espalhada em várias leis ordinárias e no Código Penal, deveria
conduzir a situações em que busca um maior incremento na tutela jurisdicional
sem que haja, contudo, a prevalência de um Estado Maximizado no seu espectro
de controle social e aviltamento das garantias fundamentais, existentes em relevo
no processo penal como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal,
aliado a presunção de inocência e a possível ocorrência de afronta a princípios
constitucionais e penais como a proporcionalidade da sentença;

c) O cotejo da delação premiada, seus prós e contras


existentes encontram limites e parâmetros de racionalidade, de estrita legalidade,
de ética e de democracia dentro da análise das demais provas, na busca pela
verdade real, segundo a teoria proposta por Luigi Ferrajoli.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase


de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as


Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica.
CAPÍTULO 1

GARANTISMO PENAL

1.1 TEORIA GERAL DO GARANTISMO

1.1.1 Fundamentos do Garantismo

O Garantismo Jurídico resgata a prevalência dos direitos


individuais do homem – alicerçado na proposta da escola iluminista –
constitucionalmente garantida e positivada no texto da Lei Maior, em detrimento
do poder do Estado1, como forma de (de) limitar2 e controlar o seu
intervencionismo, impedindo, destarte, eventual ofensa aos direitos fundamentais.

Ditos direitos fundamentais que, como se verá no decorrer


do presente texto, são elevados à condição de universais, isto é, a sua validade3
será sempre considerada como universal na medida em que estabelecem os
limites, fundamentais dentro de um ordenamento jurídico4, sendo, assim, a base
de uma igualdade jurídica a ser alcançada.

De inspiração libertária5, o garantismo jurídico teve como


início o vínculo com o Direito Penal, cuja efetividade se definia a partir de um
modelo de crítica através da racionalidade, de justiça e de legitimidade da

1
Estado pode ser conceituado como : “1. Numa estrita visão jus-positivista, a instituição que detém o
poder de coerção incidente sobre a conduta dos cidadãos, determinando-lhes, através de um
sistema normative respaldado na força, o que podem e não podem fazer. 2. O mais alto grau de
racionalidade na organização política de um povo.” MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de
Política Jurídica. Florianópolis: OAB-SC, 2000, p. 38.
2
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 786.
3
“Numa abordagem crítica, é a norma cuja eticidade
4
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías. Madrid: Trotta, 1999, p. 38.
5
Ferrajoli foi membro do Movimento do Uso Alternativo do Direito na Itália.
6

intervenção punitiva6 para, posteriormente, ser guindado à Teoria do Direito7, vez


que tem irradiado o seu espectro de atuação para outros campos do Direito,
através de outros direitos fundamentais e a outras técnicas e critérios de
legitimação8.

Entretanto, inicialmente, faz-se necessário o cotejo do


garantismo com o ideal proposto por Norberto Bobbio, que, através de suas
reflexões atinentes ao campo da política, da filosofia, interligadas à perspectiva
dos direitos humanos, contribuiu sobremaneira para a sua positivação nos
sistemas democráticos tal qual conhecemos – e a sedimentação da Teoria do
Garantismo Jurídico nos tempos atuais.

Para Bobbio, a categoria dos direitos humanos serve, sim,


para estabelecer formas de controle estatal, vez que:

Seja qual for o fundamento dos direitos do homem – Deus, a


natureza, a história, o consenso das pessoas – são eles
considerados como direitos que o homem tem enquanto tal,
independentemente de serem postos pelo poder político e que,
portanto o poder político deve não só respeitar, mas, também,
proteger. Segundo a terminologia kelseniana, eles constituem
limites à validade material do Estado9.

Bobbio aprofunda, ainda mais, ao discorrer sobre o que


seriam os tais “direitos do homem”, sendo esse instrumento indispensável ao
limite imposto à legitimidade da intervenção estatal, senão veja-se:

[...] doutrina, segundo a qual, o homem, todos os homens,


indiscriminadamente, têm por natureza e, portanto,
independentemente de sua própria vontade, e, menos ainda, da
vontade de alguns poucos ou de apenas um, certos direitos
fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à
felicidade – direitos esses que o Estado, ou, mais concretamente,
6
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 785.
7
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material.
Rio de Janeiro: Lumen Juris , 2005, p. 3.
8
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 788.
9
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.
100.
7

aqueles que, num determinado momento histórico, detêm o poder


legítimo de exercer a força para obter a obediência a seus
comandos devem respeitar, e, portanto, não invadir, e, ao mesmo
tempo, proteger toda possível invasão por parte dos outros10.

Da relevância da sustentação dos Direitos Fundamentais,


Luigi Ferrajoli preleciona:

Los derechos fundamentales se configuran como otros tantos


vínculos sustanciales impuestos a la democracia política: vínculos
negativos, generados por los derechos de libertad que ninguna
mayoria puede violar; vínculos positivos, generados por los
derechos sociales que ninguna mayoría puede dejar de
satisfacer11.

Há, portanto, a fácil identificação de que a Teoria do


Garantismo Jurídico é embasada na centralidade da pessoa12, isto é, passa a ser
ele não somente sujeito de deveres perante o Estado, mas, sobretudo de direito,
na medida em que o efetivo Estado Democrático de Direito, como se verá a
seguir, deve preconizar a inviolabilidade dos direitos fundamentais
constitucionalizados, garantindo-os como instrumento de defesa e reconhecendo-
os não só formalmente, mas materialmente, a subordinação de leis inferiores ao
texto constitucional positivado, bem como a indiscriminada sujeição do Estado
sob pena de sua total deslegitimação13.

A Teoria Geral do Garantismo Jurídico visa, então, em


sentido amplo, a total supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana14
e seus Direitos Fundamentais, que são:

10
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 11.
11
FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias. p. 23-24.
12
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.73.
13
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 790.
14
Para Sarlet a dignidade da pessoa humana “[...] é o valor de uma tal disposição de espírito, e está
infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com
qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade". SARLET, Ingo
Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 34.
8

[...] todos aquellos derechos subjetivos que correspondem


universalmente a ‘todos’ los seres humanos em cuanto dotados
del status de personas. Entendiendo por derecho subjetivo
cualquier expectativa positiva (de prestaciones) o negativa (de no
sufrir lesiones) adscrita a un sujeto por una norma jurídica[...]15.

Via de regra, estão esses direitos contidos em diversas


Constituições que legitimam o Estado Democrático de Direito16, e que, por essa
razão, exigem, sem concessão, a sujeição de todas as normas jurídicas à luz da
matriz constitucional17, sob pena de se ver declarada a sua flagrante
inconstitucionalidade.

A fim de evitar abusos oriundos do poder estatal ou privado,


a referida teoria estabelece mecanismos de contenção, a saber:

Luigi Ferrajoli indica quatro frentes garantistas. A primeira está


vinculada à revisão da teoria da validade, que preconiza uma
diferenciação entre validade/material e vigência/formal das
normas jurídicas. A segunda frente pretende o reconhecimento de
uma dimensão substancial da democracia, suplantando o caráter
meramente procedimental desta. Já na terceira, do ponto de vista
do Juiz, propõe-se uma nova maneira de ver a sujeição à lei
somente por ser lei – aspecto formal – pretendendo que a sujeição
se dê somente quando conjugadas à forma e ao conteúdo das
normas. Por fim, observa a relevância da ciência jurídica, cujo
papel deixa de ser meramente descritivo, mas ganha contornos
críticos e de projeção do futuro18.

Assim, a despeito das várias facetas internas contidas


nesses Direitos Fundamentais, não se pode olvidar que as inúmeras positivações
contidas nos textos estatais são o substrato de intensas reivindicações sociais do

15
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias. p.37-38.
16
ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? (Teoria Geral do Direito).
Florianópolis: Habitus, 2003, p. 20.
17
ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? p. 20.
18
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material.
p. 3.
9

homem ao longo dos anos, e que, por essa razão, tal reconhecimento e valoração
não podem ser meramente formais19.

Historicamente, o garantismo surgiu como resposta a um


positivismo20 (jurídico)21 outrora emergente, em face de evidente crise daquele
sistema que não alcançou satisfatoriamente uma política jurídica eficaz no campo
das garantias constitucionalizadas na forma de Direitos Fundamentais, do que se
pode aduzir que:

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do


positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda
inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua
interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e
genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das
relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada
nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos
fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade
humana. A valoração dos princípios, sua incorporação, explícita
ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela
ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente
de reaproximação entre Direito e Ética22.

Com efeito, como será demonstrado, o fazer valer a


Constituição é a verdadeira e inarredável questão produzida pelo garantismo,
enquanto reflexão no plano filosófico, ético e político, na medida em que fomenta
a inquietude social de direitos inalienáveis, indisponíveis e inderrogáveis, ao plano

19
LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no
Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 86.
20
Para positivismo, pode-se destacar: “Sistema filosófico que tem como postulados principais os
seguintes: a ciência é o único conhecimento possível e tudo o que não possa ser investigado por
método cinetífico não tem validade; o método geral da ciência é o descritivo, pois cabe a qualquer
coência descrever o seu objeto”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p.
78.
21
Para positivismo jurídico, tem-se: “1. Escola que reduz o Direito à sua função técnica,
distinguindo-o rigorosamente da Metafísica, com o que se opõe frontalmente ao Jusnaturalismo
(V.). 2. Posicionamento que repele a idéia de um Direito Natural (V.) anterior e superior à
positividade jurídica, vendo nesta última a fonte de todo o conhecimento do Direito (V.
Positivismo). MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 78.
22
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 349.
10

supremo da hierarquia das normas àqueles personagens que diretamente são


provocados para a sua diuturna efetividade:

[...] O discurso acerca dos princípios, da supremacia dos direitos


fundamentais e do reencontro com a Ética – ao qual, no Brasil, se
deve agregar o da transformação social e da emancipação – deve
ter repercussão sobre o ofício dos juízes, advogados e
promotores, sobre a atuação do Poder Público em geral e sobre a
vida das pessoas. Trata-se de transpor a fronteira de reflexão
filosófica, ingressar na dogmática jurídica e na prática
jurisprudencial e, indo mais além, produzir efeitos positivos sobre
a realidade23.

O discurso em defesa da Constituição cuja incorporação é


questão nuclear da teoria garantista, impede que o texto fundamental seja
reduzido a um mero status formal, sem qualquer possibilidade de real efetividade
ou inserção no mundo da vida.

É, portanto, nesse viés, que o plano da racionalidade passa


a atingir os mecanismos de cognição constitucional necessários e indispensáveis
para o controle estatal.

1.1.2 O sentido do Garantismo Jurídico

A Teoria do Garantismo Jurídico parte do plano da


racionalidade crítica contra o vilipêndio estatal aos Direitos Fundamentais, a que
não lhe é comprometido, sempre em nome de um Estado de Direito24 meramente
formal e não material.

Referida racionalidade crítica toma forma de carta aberta de


todos os homens para todos os homens no momento em que evidencia o discurso
permeado de valores que necessariamente devem estar presentes como

23
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 350.
24
“1. Lato sensu, o ordenamento estatal fundado na ordem social (V.) e na segurança jurídica (V.),
cujas características são a legitimidade das instituições políticas, a legalidade dos atos da
Administração, a independência e harmonia entre os Poderes, o controle judicial das leis e a
garantia dos direitos dos cidadãos. 2. Numa abordagem de teoria democrática de Governo, inclui-se
como outra característica essencial a conformidade do poder político à vontade do povo que
autorizou e orgnizou o Estado”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 38.
11

finalidades a serem perseguidas pelo Estado de Direito, quais sejam a dignidade


humana, a paz, a liberdade plena e a igualdade substancial25.

O Garantismo, desta feita, aponta para três significados


delineados em: a) um modelo normativo de direito, chamado de estrita legalidade;
b) uma teoria jurídica acerca da validade e da vigência da norma e a clara
distinção entre ambas e c) uma filosofia política, que requer do direito e do Estado
o ônus da justificação externa de quem a eles deve servir26.

O modelo normativo de direito é subdividido em três planos:


epistemológico, que se objetiva como um sistema de cognição ou de poder
mínimo (estatal); político, na medida em que tutela a maximização da liberdade e
a minimização da violência pelo Estado e jurídico, que indica que a função
punitiva exercida pelo Estado estará sempre vinculada às garantias dos direitos
dos cidadãos27.

Referido modelo comporta, sobremaneira, um exercício


analítico e criterioso, haja vista que, a partir da verificação de eventuais
antinomias entre as normas inferiores e seus princípios constitucionais e
hipotéticas incoerências perpetradas pelas instituições, em confronto com as
normas legais, pode-se chegar a um resultado de alto ou baixo grau de
efetividade de uma Constituição28.

Desse modo, tem-se claro que a proposta garantista, como


já dito alhures, tem como ponto de partida os direitos individuais do homem,
limites que são indissociáveis na construção de um modelo de Estado de Direito,
cuja obtenção se dá mediante um pacto contratual entre cidadão e Estado, tendo
como objeto de direito a ampliação e manutenção da esfera de direitos individuais
invioláveis e supremos, e, por conseguinte, o dever de demarcação da atuação do
poder estatal, estabelecendo, desse modo, a condução de uma estrita legalidade,
impedindo o seu açodamento.
25
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 72.
26
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787.
27
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786.
28
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 76.
12

Lastreadas tais condições, o Garantismo Jurídico ganha


contornos de teoria, da validade e da efetividade, como categorias distintas não
só entre si, mas, também, pela existência ou vigor das normas, distinguindo o
“ser” e o “dever ser” 29, na tradição do positivismo jurídico.

1.1.3 O plano da validade e da vigência da norma

O Garantismo, enquanto teoria do direito e crítica do direito,


invoca para si as quatro frentes – a diferenciação entre validade e vigência; a
dimensão substancial da Constituição; a sujeição do Juiz à lei e o abandono da
feição meramente descritiva e acrítica da ciência jurídica.

Nesse diapasão, trava-se a discussão epistemológica entre


modelos normativistas, que tendem à efetividade das garantias e às práticas
operacionais, que descambam para o antigarantismo30, isto é, há propositalmente,
nesse aspecto, uma nítida provocação no campo das idéias, vez que a
divergência solar entre norma válida e norma vigente é capaz de invocar a
reflexão crítica do ator jurídico31 no momento em que, dissociado da dogmática
pura do direito, insurge-se quanto à concordância de que a vigência gera a
presunção de validade, ou seja, bastando-a existir juridicamente, para sê-la,
então, válida.

Entretanto, a teoria do garantismo exige, dentro desse


raciocínio, que o produto de norma inferior, em estando vigente, esteja

29
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786.
30
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786.
31
Adota-se o termo “ator jurídico” e não “operador jurídico” seguindo uma concepção usada por
ROSA, Alexandre Morais da. Direito Infracional: Garantismo, Psicanálise e Movimento
AntiTerror. Florianópolis: Habitus, 2005, p. 15. Segundo o citado autor “[...] por se entender que o
primeiro pressupõe a participação nos fatos pelo intérprete, inserido no mundo da vida (sujeito-
sujeito), enquanto o segundo facilita a objetivação e o seu distanciamento. As formas clássicas de
intepretação do Direito propostas pela dogmática jurídica apresentam o intérprete dissociado da
realidade social (sujeito-objeto), envolto numa realidade virtual, favorecendo, com isso, a
comodidade e o (dês)compromisso ético(Dussel) das decisões”.
13

obrigatoriamente precedido de um filtro previsto em norma superior32, sob pena


de um deslocamento de sua validade arraigada sempre a princípios fundamentais
norteadores e esculpidos na seara constitucional positiva, para a da invalidade.

Por esse entendimento, a invalidade seria justamente o


inverso, isto é, se determinada norma hipoteticamente vigente, cujo conteúdo
desrespeite, no caso, a um Direito Fundamental constitucionalizado, terá a sua
validade apenas formal, eis que está em evidente descompasso com aquela
norma maior reguladora33.

Dessa forma, o especial aspecto suscitado pela teoria


garantista no plano da validade versus vigência é de singular importância dada a
sua preocupação pela efetividade dos direitos fundamentais em um ordenamento
jurídico que se volte à Constituição, e a essa categoria de direitos
constitucionalizados, dependendo sempre de mecanismos internos para o seu
controle34, verificando, assim, sempre a adequação de seu conteúdo vigente à
validade exigida35.

1.1.4 A crítica à norma e a figura do juiz crítico

A tensão crítica formulada por Ferrajoli propõe, nesse


prisma, o ator jurídico, aqui, nesse caso, em comento do juiz efetivo e diligente
dos direitos fundamentais, não um super-juiz travestido de “capitão-américa” –
contaminado e subserveniente ao casuísmo político-ideológico -, mas aquele que,

32
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 77.
33
“[...] Ora, se uma norma inferior entrar em vigor respeitando os procedimentos previstos para
sua criação, mas não já os conteúdos previstos nesses parâmetros supracitados (os Direitos
fundamentais, por exemplo), à obviedade, ela existirá até ser declarada sua inconstitucionalidade
pela corte competente. Ou seja, ela será válida (na terminologia positivista tradicional) até que o
referido tribunal declare que é inválida. Então, para evitar tais confusões, o garantismo propõe
uma redefinição das categorias tradicionais, passando a entender como vigentes (ou de validade
meramente formal) as normas postas pelo legislador ordinário em conformidade com os
procedimentos previstos em normas superiores, reservando a palavra validade à validade também
substancial dos atos normativos inferiores. CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e
Legitimidade. p. 78.

34
SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia: La aportación garantista a la teoría de la norma
jurídica. Madri: Trotta, 1999, p. 53.

35
SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia. p. 51.
14

libertado do contorcionismo juspositivista - equivocado, imperfeito e imposto - ,


retira a “toga acrítica” de juiz papagueador36 e contemplativo, para colocá-la mais
uma vez junto da habilidade de brandir a espada e manipular a balança na forma
do Estado de Direito definido por Ihering37, e aqui denunciado por Rosa:

[...] Como bem destaca Werneck Vianna, uma série de fatores


necessitavam ser perscrutados perante a magistratura concreta
com o fim de indagar qual o perfil do magistrado e até que ponto
havia, de fato, a democratização da prática judicante. É preciso se
indagar ‘para que’ e ‘a quem’ o Poder Judiciário está servindo.
Diferentemente dos militares e embaixadores, sob os quais a
‘instituição’ procede a uma contínua e reiterada domesticação e
homogenização ideológica, munida, ademais, de mecanismo apto
à exclusão do pensamento dissonante, na magistratura, por sua
organização e história, essa possibilidade de uniformização resta
presente [...], mas um tanto quanto difusa38.

O juiz, portanto, não se vê mais na obrigação de aplicar o


direito vigente de maneira irrefletida, rasteira e positivista. Tem ele a possibilidade
única de analisar e se pronunciar acerca da validade da norma vigente, rompendo
definitivamente com a condição anterior, para, desse modo, declarar a norma
inválida, eivada de incompletude, incoerência39, em razão das violações
produzidas pelo Poder Legislativo, ou seja:

[...] O juiz não é uma máquina automática na qual, por cima, se


introduzem os fatos e, por baixo, se retiram as sentenças, ainda
que com a ajuda de um empurrão, quando os fatos não se
adaptem perfeitamente a ela40.

Desse modo, o comprometimento do garantismo sempre


será com o texto constitucional, e, assim, promove a retirada de cena do ator
jurídico contemplativo e descritivo, soldado cego, fiel e sempre cumpridor de seu
36
ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? p. 34.
37
IHERING, Rudolf von. A luta pelo Direito. São Paulo: Martin Claret. 2006, p. 27.
38
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: A Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2006, p. 247.
39
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. p.
82.
40
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786.
15

ofício e das regras, simplesmente por serem regras41, para dar lugar, em
contraponto, a outro ator jurídico crítico e motivado pelo discurso desvelado:

[...] Em contraste com as imagens edificantes dos sistemas


jurídicos oferecidos a partir de suas representações normativas, e
com a confiança a priori difusa da ciência jurídica na coerência
entre normatividade e efetividade, a perspectiva garantista requer,
ao contrário, a dúvida, o espírito acrítico e a incerteza permanente
sobre a validade das leis e de suas aplicações e, ainda, a
consciência do caráter em larga medida ideal – e, em todo caso
não realizado e a realizar – de suas mesmas fontes de legitimação
jurídica42.

O sentido do racionalismo, como elemento formador de uma


práxis jurídica dentro do sistema processual, passa a ser, destarte, a possibilidade
real do ator jurídico aplicar, através da crítica, uma resistência constitucional43.

1.1.5 Uma (nova) filosofia política

Em um terceiro significado, o garantismo propõe uma (re)


designação de filosofia política, que requer do direito e do Estado o ônus da
justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a
garantia constitui a finalidade, estabelecendo, desse modo, uma separação entre
direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e externo na
valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” ou o dever “ser” do direito44,
através da preponderância da doutrina laica.

Como se verá a seguir, o Estado constitucional será a


superação de um Estado per legem – em que os poderes se expressam na forma
de lei – para uma outra figura estatal, no caso sub legem – submetidos à lei45.

41
ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? p. 80.
42
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787.
43
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do
Direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 271.
44
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787.
45
SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia. p. 60.
16

O ônus da justificação, a separação entre direito e moral, o


que é válido e o que é justo, o “ser” e o “dever ser” é justificado por Ferrajoli,
como tradução de que o Estado e todo o seu conteúdo artificial produzido, que
são as instituições jurídicas e políticas46, são permeadas de condicionantes per
leges, isto é, de ordens gerais e abstratas, e de condições de subordinação do
soberano que não lhe é dado suprimir ou violar, portanto, sub lege47.

Os pontos de vista externo e interno48 nada mais são do que


o primeiro, o reflexo da parte de baixo (ex parte populi), e o segundo é do alto (ex
parte principis) e que a conjugação harmônica de ambos é apontada como
legitimação do ônus justificante estatal e suas conseqüentes divisões no campo
da filosofia política, objetivando, portanto, a total eficácia e efetividade dos valores
extra ou meta ou pré-jurídicos “fundadores”49, atingindo a prometida plenitude do
Estado de Direito50.

1.1.6 O Estado de Direito e a Democracia: limitações ao poder

Como já definido, o Estado Democrático de Direito, de viés


garantista, se constitui como célula organizadora e unificadora do interesse
coletivo comum, mediante a construção da legitimidade de seus atos, de suas
intervenções, estabelecendo, assim, modelos de racionalidade e de contenção,
critérios distinguidos na seara da legalidade estrita, definidos pelo Garantismo.

Nessa vereda, portanto, denota-se o próprio caráter


progressista e revelador daquela, pois, estabelecidos tais critérios, o Estado
Democrático de Direito deixa de ser aquele apenas regido por leis, de nítido perfil

46
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 788.
47
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 19.
48
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787.
49
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 788.
50
Ademais, o referido modelo de garantia da legitimidade proposto, desenhada pela citada teoria, é
caracterizada por: “[...] a) o caráter vinculado do poder público no estado de direito; b) a
divergência ente validade e vigência produzida pelos desníveis de normas e conseqüentemente
um grau irredutível de ilegitimidade jurídica das práticas normativas de níveis inferiores; c) a
distinção entre ponto de vista externo (ou ético-político) e ponto de vista interno (ou jurídico), com
a correspondente divergência entre justiça e validade; e d) a autonomia e precedência do primeiro
com relação ao segundo, e um grau irredutível de legitimidade política com respeito àquele”.
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 156.
17

formal, para, efetivamente, o de caráter substancial, isto é, que estabelece


controles que são fontes de legitimação formal e legitimação substancial51,
caracterizado assim:

[...] a) no plano formal, pelo princípio da legalidade, por força do


qual todo poder público – legislativo, judiciário e administrativo –
está subordinado às leis gerais e abstratas que lhes disciplinam as
formas de exercício e cuja observância é submetida a controle de
legitimidade por parte dos juízes dela separados e independentes
(a corte Constitucional para as leis, os juízes ordinários para as
sentenças, os tribunais administrativos para os provimentos); b)
no plano substancial da funcionalização de todos os poderes do
Estado à garantia de direitos fundamentais dos cidadãos, por meio
da incorporação limitadora em sua Constituição dos deveres
públicos correspondentes, isto é, das vedações legais de lesão
aos direitos de liberdade e das obrigações de satisfação dos
direitos sociais, bem como dos correlativos poderes dos cidadãos
de ativarem a tutela judiciária52.

Aduz Barroso ainda o que se diz acerca da supremacia da


Constituição:

Do ponto de vista jurídico, o principal traço distintivo da


Constituição é a sua supremacia, sua posição hierárquica superior
às das demais normas do sistema. As leis, atos normativos e atos
jurídicos em geral não poderão existir validamente se
incompatíveis com alguma norma constitucional. A constituição
regula tanto o modo de produção das demais normas jurídicas
como também delimita o conteúdo que possam ter. Como
conseqüência a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo
poderá ter caráter formal ou material53.

51
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 790.
52
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 790.
53
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 370.
18

Todo o substancialismo proposto54, então, visivelmente em


contraponto ao formalismo anterior, serve justamente para, através de um
espectro muito maior em razão de sua especificidade, conceber novo tratamento
ao princípio da legalidade, haja vista que, se o mencionado princípio se limitava
antes precisamente a exigir que o exercício de qualquer poder tenha como fonte
livremente o uso da lei como condição formal de legitimidade – nesse caso,
chamado de mera legalidade -, o princípio da estrita legalidade passa a exigir, o
inverso, a exigência indispensável de que aquela mesma lei condicione a
legitimidade do exercício de qualquer poder por ela instituído a determinados
conteúdos substanciais55.

A distinção feita entre a legitimidade formal e legitimidade


substancial, segundo o aporte garantista é condição sine qua non para que se
possa chegar à junção seguinte entre a democracia política e o Estado
Democrático de Direito, em que Norberto Bobbio introduz, de forma singular:

Insistir sobre a participação do cidadão libertado na luta política


era o princípio de cada discurso a respeito do ‘futuro da
democracia’. Qual democracia? [...] a democracia que tínhamos
em mente, quando pregávamos a ‘revolução democrática’, eu
poderia defini-la hoje ‘democracia integral’: não somente formal,
mas também substancial, não somente instrumental, mas também
finalística, não somente como método, mas também como
conjunto de princípios inspiradores irrevogáveis. [...] o próprio
Calamandrei escrevia, de maneira incisiva: “Não basta assegurar
aos cidadãos as liberdades políticas na teoria, mas é preciso dar-
lhes as condições de poder utilizar-se delas na prática”56.

A democracia integral, apresentada pelo pensador italiano, é


a peça inaugural invocada por Ferrajoli ao estabelecer categorias basilares que
caracterizam um sistema político alicerçado tanto em um Estado “democrático”
54
Seria, a rigor uma “[…] função criativa dos magistrados em sua missão judicante, que se torna
visível no preenchimento de lacunas legais, ou de insuficiências da lei positiva[...]”. MARCELLINO
Jr., Julio Cesar. A Jurisdição Constitucional e o papel do poder judiciário no Brasil:
procedimentalistas ‘versus’ substancialistas. ROSA, Alexandre Morais da (org.). Para um direito
democrático: diálogos sobre paradoxos. Florianópolis: Conceito, 2006, p. 46.
55
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 791.
56
BOBBIO, Norberto. Entre duas Repúblicas: às origens da democracia italiana. Brasília:
Universidade de Brasília, 2001, p. 113.
19

quanto num Estado “de direito”, quais sejam a de “quem” pode e “como” se deve
decidir, além de definir “o que” se deve e “o que não” se deve decidir57.

Desse modo, tem-se mais uma vez claro que o Estado


“democrático” estabelece, por exemplo, regras de representatividade, de
legitimidade desta mediante o sufrágio universal, o princípio da maioria das
decisões, enfim, determinam a forma como são tomadas as decisões em favor
dos cidadãos, ao passo que o Estado “de direito” salvaguarda os direitos
fundamentais ao estabelecer o que se deve e o que não se deve decidir,
estabelecendo, destarte, proibições de suprimir ou limitar as liberdades fora dos
casos taxativamente previstos em lei, sejam estes direitos de liberdade (ou
“direitos de”) suas condicionantes negativas, ou os direitos sociais (ou “direitos a”)
e as condicionantes positivas que a integram58.

Assim, são mais uma vez colocados elementos de


contenção à atuação estatal, seguindo a tendência minimalista do Estado na
existência de um controle mediante o uso de uma democracia substancial:

[...] Essa limitação do Poder Estatal não se restringe ao Poder


Executivo, como pode transparecer no primeiro momento, mas
vincula as demais funções estatais, principalmente o Poder
Legislativo, que não possui (mais) um cheque em branco; o Poder
Legislativo, na concepção garantista, também está balizado em
seu conteúdo por fronteiras materiais, não podendo dispor de
maneira discriminatória, nem se afastar do contido materialmente
na Constituição59.

A palavra de ordem passa a ser, então, que se deixe a mera


democracia formal e se passe para a democracia material60, aquela que,
mediante a aplicação da eqüidade no texto constitucional, alcança o equilíbrio

57
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 791.
58
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. p. 159.
59
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material.
p. 4.
60
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material.
p. 4.
20

necessário e indispensável para a salvaguarda dos ditos direitos, sob pena de seu
desmantelamento.

Nesse diapasão o garantismo jurídico passa a ter uma maior


textura, haja vista que passa a dar sustentação à democracia substancial, aquela
em que reflete o interesse primordial de todos os seus componentes, isto é:

[...] Estado de direito equivale à democracia, no sentido que


reflete, além da vontade da maioria, os interesses e necessidades
vitais de todos. Nesse sentido, o garantismo, como técnica de
limitação e disciplina dos poderes públicos, voltado a determinar o
que estes não devem e o que devem decidir, pode bem ser
concebido com a conotação (não formal, mas) estrutural e
substancial da democracia: as garantias sejam liberais ou sociais,
exprimem de fato os direitos fundamentais dos cidadãos contra os
poderes do Estado, os interesses dos fracos e dos fortes, a tutela
das minorias marginalizadas ou dissociadas em relação às
maiorias integradas, as razões de baixo relativamente às razões
do alto61.

Há, aqui, interessante justificativa do aporte garantista,


porque os ditos direitos fundamentais, sejam eles de liberdade ou sociais, como já
visto, são indisponíveis, sem qualquer possibilidade de barganha ou uso de uma
suposta legitimidade democrática com base na maioria dos interessados.

A construção garantista, mais uma vez, é esclarecida por


Ferrajoli ao alçar os direitos fundamentais expressamente à categoria de
irrenunciáveis, inegociáveis, a saber:

[...] estos derechos no son alienables o negociables sino que


corresponden, por decirlo de algum modo, a prerrogativas no
contigentes e inalterables de sus titulares y a otros tantos límites y
vinculos insalvables para todos los podres, tanto públicos como
privados62.

Peremptoriamente, não se tem, aqui, por exemplo, o


emprego da ficção altruísta de Alexandre Dumas, quando as fronteiras garantistas
61
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 797.
62
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías, p. 39.
21

destacadas sugerem que não são “um por todos” nem “todos por um”63, mas, sim,
“todos por todos” sem distinção a qualquer título, na medida em que a não
observância dessa premissa basilar da teoria garantista impede, in totum, o
reconhecimento da legitimidade de determinada prática jurídica em face da
denominada esfera do não-decidível, isto é, núcleo sobre o qual sequer a
totalidade pode decidir64 sob o argumento da defesa do “bem comum” ou do
“bem-estar social”, dissociado, assim, do direito individual do homem.

Os Direitos Fundamentais constitucionalizados e positivados


transformam a figura do súdito para a de cidadão65, pois, com a aplicação do
contrato social no formato constitucional e garantidor, passa a ser a peça
vestibular para uma ida à igualdade, dividida com o Estado.

O animal artificial, o grande Leviatã66, passa a ser, então,


paulatinamente domesticado pela coerência da força de um novo contrato social,
cujo objetivo primordial é o de retirar a figura pretérita da hegemonia do poder
estatal, para, desse modo, aplicar um pacto recíproco de limitação da soberania
de ambos (cidadão e Estado).

A mencionada hegemonia sempre se materializou antes,


num Estado absolutista, cujo soberano não estava sujeito às leis que dele próprio
emanavam, mas estava sujeito às leis divinas ou naturais e às leis fundamentais
do reino67, muito embora o Estado de Direito, ainda assim, não contemple todos
os direitos fundamentais, dado que aquela vontade popular, fomentada pela
promessa estatal não são nunca realizados e garantidos inteiramente68, por força
da perda da legitimidade pela sua não efetivação.

63
DUMAS, Alexandre. Le Trois Mousquetaires: Les Ferrets de La Reine. Paris: Easy Readers,
2003, p. 41.
64
CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da Pena e Garantismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Júris, 2004. p. 19.
65
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 793.
66
HOBBES, Thomas. Leviatã ou material, forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São
Paulo: Martin Claret, 2003, p. 15.
67
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. p. 18.
68
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 799.
22

A crítica garantista, aqui nesse momento, encontra


justificativa na inversão do propósito de Hobbes, identificada como sendo um
excesso de poder, estando aquele homem artificial e forte não mais atrelado a um
propósito de paz social e garantia a tutela dos direitos fundamentais69, mas, sim,
super poderoso e invasor da esfera individual de direitos do homem.

Entretanto, a fim de se estabelecerem critérios à


problemática denunciada pelo viés garantista, os mecanismos constitucionais que
caracterizam o Estado de direito, como se verá logo adiante, tem como objetivo
não só combater os mencionados abusos de poder, mas, em outras palavras, a
de estabelecer garantias de liberdades à disposição, da assim chamada liberdade
negativa, entendida como esfera de ação em que o indivíduo não está obrigado
por quem detém o poder coativo a fazer aquilo que não deseja, ou não está
impedido de fazer aquilo que deseja70:

[...] E com a estipulação constitucional de tais deveres públicos


que os direitos naturais se tornam direitos positivos invioláveis, e
muda, por isso, a estrutura do Estado, não mais absoluto mas
limitado e constitucionalizado71.

Como dito alhures, esse núcleo do não-decidível é


facilmente entendido, vez que os Direitos Fundamentais do homem, ao adquirirem
a qualidade máxima da valoração normativa – indisponíveis na acepção da
palavra e, conseqüentemente, de cunho erga omnis - não podem ser colocados à
margem nem pelo interesse da maioria em desfavor de uma minoria, não sendo,
assim, permeáveis à prática de casuísmos, por exemplo.

Isso explica por que a teoria garantista, ao outorgar o status


aos poderes reconhecidos (Legislativo, Executivo e Judiciário) no bojo das
constituições democráticas de direito, condiciona que estão sujeitos ao princípio
primordial e inarredável da estrita legalidade, da dignidade da pessoa humana e
dos Direitos Fundamentais, portanto, a todos a eles submissos.

69
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías. p. 54.
70
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. p. 19.
71
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 793.
23

Ferrajoli assim se posiciona:

[...] Nenhuma maioria, se tem dito, pode decidir a condenação de


um inocente ou a privação dos direitos fundamentais de um sujeito
ou de um grupo minoritário; e nem mesmo pode não decidir pelas
medidas necessárias para que a um cidadão sejam asseguradas
a subsistência e a sobrevivência. O princípio da democracia
política, relativo a quem decide, é, em suma, subordinado aos
princípios da democracia social relativos ao que não é lícito decidir
e o que não é lícito decidir72.

Não se pode conceber que a Constituição ao reconhecer os


poderes de cada um que compõe a tríade estatal – sobretudo o Legislativo -,
conceda-lhe por conseqüência, total e ampla legitimidade para atuar, ao arrepio
do contido materialmente na Lei Maior73.

1.2 GARANTISMO PENAL

1.2.1 Da intervenção mínima do Direito Penal para a intervenção máxima na


forma de uma “Defesa Social”

Com o fim dos regimes antidemocráticos que prevaleciam


em países como o Brasil, foi a partir dos anos 1980 que entrou em processo de
crise o discurso intervencionista penal estatal, até então vigente, que afirmava
que o crime não tinha realidade ontológica e que os conflitos sociais ou problemas
que realmente existiam só poderiam ser equacionados através da negociação de
todas as partes envolvidas74.

A partir de então, grupos que viviam à margem da discussão


acerca da política criminal à época vigente, entre eles os depois identificados
como alternativos7576, que, permeados por ideologias de cunho de “esquerda”77,

72
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 799.
73
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material.
p. 4.
74
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I – Parte Geral. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 7.
75
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I. p. 7.
24

redimensionaram a postura do Direito Penal, através de teorias, entre elas,


abolicionistas, que, em sentido amplo, recusavam-se a admitir a legitimidade do
Direito Penal, voltando-se contra a intervenção punitiva do Estado, tendo em vista
a ausência de fundamentos para a aplicação da pena, em razão da violência que
a mesma produzia, segundo aqueles.

Desta feita, as teses abolicionistas fincavam, também, como


objetivo essencial a ser alcançado, a paz social, entretanto, a aflição e o
tratamento despendido ao apenado era desumano e degradante, eis que contrário
à própria razão democrática já vigente.

A crítica também se valia de que o sistema penal era


subserviente apenas a um setor hegemônico, portanto, apenas simbólico na
medida em que apenas trazia uma falsa impressão de justiça justificante aos
demais.

Há que se ressaltar, neste momento, que a total negação da


legitimidade do poder punitivo, de acepção eminentemente abolicionista,
constituiu-se também em um risco às garantias constitucionais que vieram a
posteriori, pois, em sendo vanguarda, não apresentaram, de fato, respostas que

76
O episódio responsável que deu origem ao movimento no Brasil, ocorreu em 25 de outubro de
1990, quando o periódico paulista Jornal da Tarde, veiculou matéria com o título de “Juízes
Gaúchos colocam Direito Acima da Lei”, colocando o grupo na vanguarda, inclusive no encontro
promovido em Florianópolis/SC naquele mesmo período, pioneiro na profusão daquela nova
ideologia do Direito. ANDRADE, Lédio Rosa de. O que é Direito Alternativo?.<Disponível em
http://www.amc.org.br. Acesso em 20 de jun. de 2007.
77
O sentido do termo de “esquerda” de cunho eminentemente ideológico aqui suscitado, pode ser
percebido na apresentação feita por Ludwig acerca do Direito Alternativo e a opção feita por um
novo sujeito histórico: “[...] é possível configurar a essência da alternatividade – no sentido da
determinação mais geral – e que se expressa nas formas específicas do ‘uso alternativo’, do
‘positivismo de combate’ e do ‘direito alternativo em sentido estrito’. Nesse sentido, a
alternatividade como categoria aparece em seu maior grau de abstração, na condição de
alternatividade em geral. Ou seja, há uma alternatividade comum às diferentes formas de
manifestação. Na especificidade de cada uma das formas de manifestação, a alternatividade,
segundo o autor, caracteriza-se pelo uso alternativo do direito, como sendo a atuação que visa a
utilização das contradições, lacunas e ambigüidades dos sistema. [...] A segunda manifestação
específica denominada de positivismo de combate visa à eficácia dos direitos positivados, porém
sonegados, porque não aplicados, quando do interesse das classes populares; enfim, o nível do
direito alternativo em sentido estrito, resultante do ‘pluralismo jurídico’. O alternativo, aqui,
caracteriza-se como o ‘alter’ do direito oficial, mesmo que em conflito com este a partir das lutas
das comunidades”. LUDWIG, Celso Luiz. Para uma Filosofia Jurídica da Libertação:
Paradigmas da Filosofia, Filosofia da Libertação e Direito Alternativo. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2006, p. 207.
25

fossem convincentes ao à época neófito ideal proposto, eis que baseadas em leis
naturais despidas de mecanismos de contenção à intromissão punitiva privada,
nem mesmo para evitar a preponderância da lei do mais forte78.

Assim, a marcha pela constitucionalização e prevalência dos


Direitos Fundamentais foi enveredada para a seara da identificação de que os
débeis, os mais fragilizados economicamente, as minorias sociais, em geral
advindas de uma casta inferior, eram, de fato, os mais atingidos por aquele
mecanismo repressivo estatal, e que, por esse motivo, era necessário o resgate
de garantias formais e, sobretudo, materiais indelevelmente incrustadas na
gênese daquele ressurgido Estado Democrático de Direito, necessárias para o
seu (re) equilíbrio.

Consignou-se, portanto, nas cartas magnas posteriores (e


em especial a brasileira), o seu resgate, como forma de se recuperarem os seus
ideais fundantes:

[...] Admitir este tipo de pacto fundador significava ao mesmo


tempo reconhecer a validade de princípios, tais como os da
culpabilidade, da humanidade da pena, da igualdade, da
proporcionalidade e da ressocialização. E isto sem que se
perdesse de vista o caráter preventivo norteador da intervenção
penal estatal, isto é, sem que se pusessem de lado os princípios
da fragmentariedade e da subsidiariedade da tutela penal79.

A essência da cultura da teoria do garantismo e do direito


penal mínimo caía como luva ao ideal proposto, que passava então pelo controle
social permeado por cercanias indicadas pela figura do cidadão comum, titular de
direitos fundamentais e indissociáveis a sua pessoa, impossíveis, portanto, de
serem aviltados.

Basta perceber, para tanto, a acolhida que se deu no


pensamento brasileiro de vanguarda, os quais acolheram a matriz garantista para
atuação no ambiente processual.
78
SANTOS, Juarez Cirino dos Santos. Direito Penal: Parte Geral. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006, p. 5.
79
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 7.
26

Desse modo, o discurso de um novo modelo de Direito


Penal, balizado pelos novos ventos democráticos, passou a ser a “caixa de
ressonância” da sociedade, redundando em seu expresso reconhecimento e
relevância, através da promulgação da Carta Magna Brasileira em 1988.

Passou-se, assim, a justificar não só em razão do status quo


político vigente naquele momento histórico, mas também pela validade dos
princípios fundamentais inseridos no texto daquela Lei Maior de que no Estado
Democrático de Direito, a intervenção penal deveria ser (re) vista como:

[...] necessariamente mínima, expressando, apenas e


exclusivamente, a idéia de proteção de bens jurídicos vitais para a
livre e plena realização da personalidade de cada ser humano e
para a organização, conservação e desenvolvimento da
comunidade social em que ele está inserido. Os anos 80
renovaram a discussão – que, nas décadas anteriores, ficara num
segundo plano – sobre o Direito Penal que, devendo ser mínimo e
garantístico, teria por missão a defesa dos direitos humanos80.

Contudo, ainda que a atual Constituição tenha sido calcada


por aspirações humanistas e liberais, o modelo garantidor e o princípio da
intervenção penal mínima não foram inteiramente atendidos. Os avanços até
então foram paulatinamente obliterados por nocivas interferências81 e
franqueados progressivamente pela admissão de maliciosos mecanismos e tipos
penais porosos, tais como “crime hediondo”, tipos imprescritíveis, além da outorga
(o tal “cheque em branco”) praticamente sem limites, de poderes ao legislador
infraconstitucional para criminalizar condutas e cominar penas, advertido por
Cirino dos Santos como uma espécie de apartheid legislativo velado,
consubstanciado:

[...] através das definições legais de crimes e de penas o


legislador protege interesses e necessidades das classes e
categorias sociais hegemônicas, incriminando condutas lesivas
das relações de produção e de circulação da riqueza material,
concentradas na área da criminalidade patrimonial comum,

80
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 8.
81
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 11.
27

características das classes e categorias sociais subalternas,


privadas de meios materiais de subsistência animal: os tipos
legais de crimes fundados em bens jurídicos próprios das elites
econômicas e políticas da formação social garantem os interesses
e as condições necessárias à existência e reprodução dessas
classes sociais. Nessa medida, a proteção penal seletiva de bens
jurídicos das classes e grupos sociais hegemônicos pré-seleciona
os sujeitos estigmatizáveis pela sanção penal, os indivíduos
pertencentes às classes e grupos sociais subalternos,
especialmente os contingentes marginalizados do mercado de
trabalho e do consumo social, como sujeitos privados dos bens
jurídicos econômicos e sociais protegidos na lei penal82.

Com efeito, foi a partir dos anos 199083 que todo o aparato
garantidor e interventor mínimo estatal passou a ser açodado por novos(?)
paradigmas que passaram a valorizar sobremaneira a prevenção penal positiva,
desvinculando a pena da função protetora de bens jurídicos84.

Passou-se, então, gradativamente, à obtenção de um “novo”


justificante social: de que através da prevenção penal positiva e o uso simbólico
do Direito Penal, se conseguiria a total obediência às normas penais.

O ocaso passou a tomar conta do direito penal e processual


penal, protagonizado pelas arbitrárias inserções estatais advindas, ocasionando:
a) o ocaso das garantias formais; b) o ocaso das garantias materiais; e c) o ocaso
do princípio de utilidade da intervenção penal85.

O princípio da legalidade, por exemplo, passou a ser alvo da


prática de sua descontinuidade e inobservância, em evidente afronta e contraste
com a Constituição da República.

As cláusulas vagas, gerais e permeáveis à prática


casuística, produzidas pelo legislativo, foram direcionadas intencionalmente para

82
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 11.
83
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 8.
84
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 8.
85
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 9.
28

o benefício das elites em detrimento das demais, sendo então vala comum de um
instrumento mascarado em forma da garantia da defesa social.

A parcialidade do sistema penal, a criminalização do sujeito


e a separação de classes ganham contornos reais de seu objetivo primordial, que
é o desenvolvimento de uma estratégia de controle social86, precária e injusta.

Assim é que, em virtude do próprio antagonismo formador


das classes sociais, que fomenta a desigualdade na distribuição de renda, e o
ínfimo desenvolvimento social e familiar, acabam por dividir entre proprietários do
capital e possuidores da força de trabalho87, reforçando ainda mais o seu
tendencionismo88.

A “defesa social” é, sem dúvida, argumento substancial de


alguns para o arrefecimento da pena, sem que se (re) discuta seu caráter utilitário
e preventivo:

[...] Nestas condições, se o homem está fatalmente determinado a


cometer crimes, a sociedade está igualmente determinada –
através do Estado – a reagir em defesa de sua própria
conservação, como qualquer outro organismo vivo, contra os
ataques às suas condições normais de existência. A pena é, pois,
um meio de defesa social. Contudo, na defesa da sociedade

86
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. p. 16.
87
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. p. 6.
88
[...] Seja como for, é no processo de criminalização que a posição social dos sujeitos
criminalizáveis revela sua função determinante do resultado de condenação/absolvição criminal: a
variável decisiva da criminalização secundária é a posição social do autor, integrada por indivíduos
vulneráveis selecionados por estereótipos, preconceitos e outros mecanismos ideológicos dos
agentes de controle social – e não pela gravidade do crime ou pela extensão social do dano. A
criminalidade sistêmica econômica e financeira de autores pertencentes aos grupos sociais
hegemônicos não produz conseqüências penais: não gera processos de criminalização, ou os
processos de criminalização não geram conseqüências penais; ao contrário, a criminalidade
individual violenta ou fraudulenta de autores dos segmentos sociais subalternos, especialmente
dos marginalizados do mercado de trabalho, produz conseqüências penais: gera processos de
criminalização, com conseqüências penais de rigor punitivo progressivo, na relação direta das
variáveis de subocupação, desocupação e marginalização do mercado de trabalho. SANTOS,
Juarez Cirino dos. Direito Penal. p. 13.
29

contra a criminalidade, a prevenção deve ocupar o lugar central,


porque muito mais eficaz do que a repressão89.

O convencionalismo, segundo Ferrajoli, passa a ser, então,


elemento verificador e classificador do que é e o de que pode ser punível:

[...] Este princípio exige duas condições: o caráter formal ou legal


do critério de definição do desvio e o caráter empírico ou fático
das hipóteses de desvio legalmente definidas. O desvio punível,
segundo a primeira condição, não é o que, por características
intrínsecas ou ontológicas, é reconhecido em cada ocasião como
imoral, como naturalmente anormal, como socialmente lesivo ou
coisa semelhante. É aquele formalmente indicado pela lei como
pressuposto necessário para a aplicação de uma pena, segundo a
clássica fórmula nulla poena et nullum crimen sine lege. Por outra
parte, conforme a segunda condição, a definição legal do desvio
deve ser produzida não com referência a figuras subjetivas de
status ou de autor, mas somente a figuras empíricas e objetivas
de comportamento, segundo a outra máxima clássica: nulla poena
sine crimine et sine culpa90.

Desse modo, portanto, o modelo garantista se encaminha


para a busca de alternativas concretas de combate a um ideal a ser superado,
que é a submissão do juiz à lei, invariavelmente sustentada por elementos
discriminatórios e arbitrários, que sustentam em seu bojo, conteúdos incertos,
revestidos, em verdade, de instrumentos abusivos de negação de condutas
perversamente ontológicas:

[...] portanto, não admite normas que criam ou constituem ipso


jure as situações de desvio sem nada prescrever, mas somente
regras de comportamento que estabeleçam uma proibição, quer
dizer, uma modalidade deôntica, cujo conteúdo não pode ser mais
do que uma ação, e a respeito da qual seja aleticamente possível
tanto a omissão quanto a comissão, uma exigível e a outra obtida

89
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência
à violência do controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 68.
90
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 38.
30

sem coação, portanto, imputável à culpa ou responsabilidade de


seu autor91.

Tal proposição passa, necessariamente, pelo total desapego


do juiz a qualquer outro elemento senão a sua submissão à lei, como equivalência
ao princípio da reserva legal, na medida em que não pode qualificar como delitos
todos (ou somente) os fenômenos que considere imorais, ou, em todo caso,
merecedores de sanção, mas apenas (e todos) os que, independentemente de
sua valoração, venham formalmente designados pela lei como pressupostos de
uma pena. A segunda condição comporta, além disso, o caráter absoluto da
reserva da lei penal, em virtude da qual a submissão do juiz é somente à lei92.

Há, portanto, indiscutivelmente, um marco teórico também


neste momento. Ao invocar a reserva legal, rebatizada de “mera legalidade”
direcionada aos juízes e a reserva absoluta de “estrita legalidade” ao legislador, o
garantismo delineia um próximo passo racional formador do convencionalismo
penal, que remete às únicas ações taxativamente indicadas pela lei, dela
excluindo qualquer configuração ontológica ou, em todo caso, extralegal93.

Sendo o modelo garantista um modelo coerente e racional


em prol dos Direitos Fundamentais, balizado na concepção da intervenção estatal
mínima, como forma de controle e limitação daquele poder artificial, tem-se, assim
mesmo, preocupações relevantes quanto a hipóteses de ardis antigarantistas
fundamentados justamente como já visto na chamada “defesa social” ou da
“prevenção especial”94; há, de fato, ausência de condicionantes limitadores.

1.2.2 O uso simbólico do Direito Penal e do Processo Penal e a “cultura do


medo” impregnada

91
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39.
92
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39.
93
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39.
94
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 38.
31

Ainda que os Direitos Fundamentais estejam formalmente


garantidos no ordenamento brasileiro, não se pode olvidar que cada emprego
simbólico do direito penal e do processo penal como técnica de afirmação,
dominação e reprodução do poder95, invade sensivelmente a seara dos ditos
direitos.

Esse processo de emergência, imposto pelo poderio estatal,


tem, na verdade, um significado singular para inculcar na sociedade a “cultura do
medo” e, por conseqüência, a sensação de proteção e segurança.

Como já visto, o Direito Penal e Processual pós anos 1980


cedeu lugar a uma fase crepuscular, pelo seu uso simbólico, deixando de lado o
seu caráter até então de tutela dos bens jurídicos considerados essenciais à
harmonia social, para a produção maquiada de um impacto tranqüilizador sobre o
cidadão, a opinião pública, acalmando os sentimentos, numa tentativa de
resposta àquela continuidade de histerismo social96.

Ora, sabe-se, perfeitamente que, ao utilizar-se medidas


legislativas (?) emergenciais, tem-se como objetivo certeiro a própria
desconstrução de toda a codificação, sob a justificativa de que é mais um entrave
da ineficácia do sistema punitivo, protagonizado por leis materiais e processuais
em descompasso com a real situação das coisas97.

Desse modo, a lavagem cerebral é a fórceps, ou, às vezes,


sem tanta força, desde que, com a ajuda de uma mídia preparada para se chegar
à “cultura do medo”, instrumento como visto alhures, usado oportunamente por
setores dominantes do poder, a saber:

[...] Resultado disso é o fomento da ‘cultura do medo’, com a


mitigação do senso crítico dos cidadãos [...]. Mesmo sem nunca
ter tido a ‘paz’ almejada, fala-se de um tempo perdido de
segurança, facilitando-se discursivamente, pelas emoções, a

95
CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.
46.
96
CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. p. 47.
97
CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. p. 48.
32

prevalência de discursos de opressão social, tudo em nome da


escalada avassaladora da criminalidade98.

E é dentro dessa contínua gestação, de face, muitas vezes,


midiática, que se perpetua esse status quo nefando, que noticia, propaga, mas
que nada resolve, em evidente expediente ao largo de qualquer comprometimento
com o bem jurídico:

[...] Paradoxalmente, o medo e a insegurança neste período


democrático permitem ao Estado medidas simbólicas cada vez
mais autoritárias, leis cada vez mais punitivas, legitimadas por
demandas sociais de proteção reais e imaginárias, principalmente
da elite. Além disso, justificam a criação de empresas de
segurança e o apoio à privatização da polícia. (...) A cultura do
medo, que se criou em torno da criminalidade, provoca um
generalizado desejo de punição, uma intensa busca de repressão
e uma obsessão por segurança. A lei passa a ser a ‘tábua de
salvação’ da sociedade e, quanto maior for a sua dureza, mais
satisfeita ela estará. Além disso, todos os programas e notícias
que lidam de forma direta com esse pânico passam a ser produtos
muito consumidos e por isso, muito divulgados, aumentando ainda
mais o próprio alarme. A segurança torna-se plataforma política e
algumas vezes, a causa da derrocada de um governo. A
promessa é sempre repressão99.

O medo de que é vítima a grande massa é capaz de incutir


um verdadeiro pânico generalizado, sem que se possa perceber, às vezes, que
ele transcende a esfera do subconsciente.

O poder midiático exerce tamanha influência, que basta


apenas traçar um exemplo de como a “cultura do medo” foi tão bem explorada
como no filme sucesso de Holywood, “Tubarão” de Steven Spielberg, no sentido
de que no filme o “tubarão” aparece nos momentos estratégios, sustentando-se a
tensão, o medo e o desespero justamente nos intervalos em que se aguarda, em
suspenso, um ataque.
98
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 231.

99
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. O papel da jurisdição constitucional na realização
do Estado Social. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, n. 10, 2003, p. 47-59.
33

Até os dias de hoje, muitas pessoas possuem pavor de


entrar nas águas em razão do frenesi causado, passando aquele animal a gozar
da fama de devorador de pessoas100, ou, por via transversa, o criminoso é visto
como “tubarão de gente”. A mídia apresenta o “deliquente” na mesma lógica de
suspensão.

Tem-se medo em todo o lugar, e em lugar nenhum. Há a


incitação ao medo, o arrefecimento de leis, o sentimento de insegurança, e,
enquanto isso, os absurdos perpassam no dia-a-dia e no senso comum teórico101.

É assim, pois, o expansionismo desmedido do direito penal


através da escala frenética e sem limites, do recrudescimento de (novas ou não)
leis materiais e processuais, do (renovado) fortalecimento do aparato repressivo
estatal, fazendo com que surjam respostas que pretendem ser mais eficientes a

100
“Num lindo dia de sol, praia cheia, um banhista nada até depois da arrebentação e fica lá,
curtindo o mar e o visual da praia. De repente, repara que as pessoas na areia começam a se
levantar, depois correm em direção ao mar gritando alguma coisa e agitando os braços para cima.
Pais e mães desesperados retiram seus filhos da água. Alarmado, ele olha em volta e só vê a
imensidão azul e silenciosa. Até que surge algo. É uma barbatana. A câmera passa para debaixo
d’água, e agora vemos as pernas do banista agitando-se sem sair do lugar. Sobe a música de
suspense... A esta altura, o público já está crispado na cadeira, e o pavor que está sentindo o
acompanhará para fora do cinema. Mais do que isto, contaminará as gerações seguintes.
Exagero? Pois foi isto que o filme Tubarão, de Steven Spielberg, causou nas platéias ao redor do
mundo. E mesmo tendo sido lançado em 1975, é até hoje visto como o principal responsável pela
má fama dos tubarões. Diante da pergunta: ‘Por que as pessoas têm tanto medo dos tubarões?’,
Marcelo Szpilman, um dos maiores estudiosos do assunto no Brasil, não pensa duas vezes:
‘Basicamente por causa do filme Tubarão. É um marco divisor tremendo. As pessoas passaram a
ter fobia e raiva de tubarão, como uma ameaça a ser exterminada’. Ele se lembra da sua própria
reação ao ver o filme: ‘No dia seguinte, morri de medo de entrar na piscina. E olha que eu já
mergulhava, desde os 10 anos de idade’”. AQUALUNG. Terapia contra o pânico.<Disponível
em:http://www.institutoaqualung.com.br/protuba_artigos_06.html.Acesso em 18 de fev. 2007>.
101
“Por que há tantos medos no ar, e tantos eles sem fundamento? Por que será que, apesar dos
índices de criminalidade terem despencado duante toda a década de 1990, dois terços dos
americanos acreditam que subiram? Em meados da mesma década, 62% dos americanos se
descreviam como ‘verdadeiramente desesperados’ em relação à criminalidade já haviam caído por
meia dúzia de anos seguidos, mais da metade de nós não estava de acordo com a afirmação:
‘Este país está finalmente começando a fazer progressos na solução da criminalidade’.[...] Os
gastos públicos feitos por causa do pânico geram, a longo prazo, uma patologia parecida com a
encontrada em viciados em drogas. Quanto mais dinheiro e atenção desperdiçamos em nossas
compulsões, menos temos disponível para nossas necessidades reais, que conseqüentemente
aumentam. Enquanto são gastas fortunas para proteger crianças de perigos que poucos delas
enfrentam, aproximadamente 11 milhões de crianças não têm seguro-saúde, 12 milhões estão
subnutridas e as taxas de analfabetismo estão aumentando.” GLASSNER, Barry. Cultura do
Medo. São Paulo: Francis, 2003, p. 27.
34

uma (aparente) solução ao problema milenar da criminalidade102, no caso, mais


um “déjà vu”.

O desejo de punir e o desejo de segurança passam a ser as


temáticas diárias, guiadas sempre com a ajuda da exposição midiática em todos
os seus segmentos103, aproveitando-se de situações de elevado questionamento
e dúvida da própria sociedade acerca de suas próprias falhas, mas que na
verdade são escondidas para “debaixo do tapete”.

Tem-se, então, o medo, o pavor, a ojeriza sobre aqueles


responsáveis – o tubarão do filme -, meticulosamente etiquetados, devendo ser
alijados do convívio social dos “homens de bem”, extirpados para o limbo, que é a
pena.

A “legislação do terror”, como no caso de lei dos crimes


hediondos, do regime disciplinar diferenciado ou do projeto de lei em trâmite no
Congresso Nacional, que visa o aumento da pena máxima restritiva de liberdade

102
Oportuno é trazer ao cotejo do texto, a passagem defendida pelo juiz Alexandre Morais da Rosa:
“[...] Miranda Coutinho e Carvalho fazem uma crítica perinente sobre o movimento de ’Tolerância
Zero‘ e sua matriz ideológica, a chamada Broken Windows Theory (Teoria das Janelas
Quebradas), invencionice americana vendida aos incautos como panacéia no mercado da
segurança pública mundial. Na perpspectiva de ‘melhorar a qualidade de vida na cidade de Nova
York’, em 1994, os administradores iniciaram um programa de controle ostensivo de todo-e-
qualquer-desvio-social, independentemente de sua ofensividade, com o objetivo de ‘manter a
ordem’ sob a premissa cínica de que a sua tolerância fomenta o crime. Foram articulados, para
tanto, diversas iniciativas, dentre elas, o ‘policiamento comunitário’- que já se alastra por aqui – e a
‘truculênia policial’, um mal necessário ao ‘bem comum’. Contudo, os resultados demonstram que
a ‘corrida repressiva’ não possui os méritos que seus defensores apregoam, além de varrer para
debaixo do tapete as verdadeiras causas. Reabre-se espaço, pois, para medidas de salvaguarda
da sociedade antes mesmo que aconteça qualquer ação – profilática - , consoante se verifica na
banalização das internaçõs provisórias, nos ‘tipos de perigo abstrato’, aferidas – se é que se pode
usar o termo – diante da periculosidade do agente, ou melhor, no esterótipo e a cargo da
‘criminalização secundária’ (Zaffaroni). É que os pobres, diante de suas condições pessoais e
sociais – acredite se quiser – seriam mais propensos à delinqüência”. ROSA, Alexandre Morais
da. Direito Infracional. p. 43.
103
“A apresentação do tema da violência pela mídia tem um viés muito particular. Diferentemente do
noticiário econômico, pautado pela detalhada análise de dados compilados e de índices oficiais, as
notícias relativas à violência urbana focam quase exclusivamente casos exemplares. O método de
propaganda é o da difusão massiva de fatos violentos isolados, geralmente ligando um conjunto
limitado de crimes a um modelo estereotipado de criminoso, ordinariamente jovem e socialmente
marginalizado. O avanço organizado de campanhas midiáticas que geram a sensação de
insegurança da população reforça o argumento falacioso de que a ampliação da legilação penal e
de sua intensidade colaboram diretamente para a redução das taxas de criminalidade”. SANTOS,
Rogério Dultra dos. Os adolescentes dignos de pena: notas acerca da redução da maioridade
penal. Disponível em:<http://cedes.iuperj.br/PDF/07abril/rogerio.pdf. Acesso em 14 de jun. 2007>.
35

para quarenta anos, são nada mais nada menos do que propostas perversas,
requentadas de acordo com o calor dos acontecimentos e dos debates
tendenciosos, apresentados sempre com a mesma figura: um “elixir”, um
“bálsamo” para todos os males aflitivos que guiam a massa cega, surda, muda,
“insegura” e “em pânico”104.

O messianismo e o populismo aberto são exaustivamente


apresentados nos canais brasileiros, seja em horário nobre ou não (tanto faz),
com abrangência nas várias classes sociais, inclusive naquelas que se julgam
instruídas e ilesas ao giro de opinião, pelo contrário, tão instáveis quanto uma
previsão climática do tempo105.

104
O crime bárbaro que resultou na morte do menino João Hélio Fernandes Vieites, segundo o que
foi noticiado, executado por um grupo de jovens na cidade do Rio de Janeiro no início do ano de
2007 , entre eles um menor de idade, foi objeto de ampla cobertura da mídia nacional. O trágico
acontecimento serviu para o ressurgimento da discussão da maioridade penal: “Estudioso da área
de segurança pública, o tenente-coronel PM da reserva Milton Corrêa da Costa disse que as
opiniões manifestadas por leitores e internautas, em defesa da pena de morte, não são fruto do
calor da emoção, mas sim da avaliação sobre a gravidade da segurança no estado: 'A morte do
menino deveria servir para que alguns juristas revissem seus conceitos sobre a redução da
maioridade penal e a implantação da pena de morte. Num e-mail, Erik Michael du Mont chegou a
convocar as pessoas para que lotem a caixa postal de deputados e senadores, exigindo que seja
feito um plebiscito sobre a adoção da pena de morte já. Moisés Santos foi outro internauta a
pregar a pena de morte: 'Quando um crime é hediondo, e não há a menor dúvida de quem são
seus autores, nada mais justo que a pena de morte. Não é vingança, como dizem
pseudomoralistas. Vingança contra a sociedade é manter esses criminosos vivos com o potencial
de cometer novas barbáries'. Numa entrevista emocionada ao 'Jornal Nacional', da Rede Globo, a
mãe do menino morto, Rosa Fernandes Vieites, pediu uma legislação mais rigorosa para punir
menores que cometem crimes brutais. 'É muito importante que os governantes tenham alma e
olhem o João como um filho. Um filho! E não como mais um: 'Ah! morreu mais um e amanhã outro
João morre'. Não pode. Tem que acabar. Tem que mudar. Tem que rever a legislação. O Rio de
Janeiro é um caso específico, tem que ter legislação específica. Se os menores de 18 anos
cometem crimes bárbaros, eles têm que ser punidos. Eles não podem só ficar três anos presos
para daqui a três anos matar outro João. Eles não têm coração. Não têm!', disse Rosa”. Jornal O
liberal. Disponível
em:<http://www.libnet.com.br/oliberal/interna/default.asp?modulo=251&codigo=231127. Acesso
em 18 de fev. 2007>.
105
Segundo Bordieu, “os perigos políticos inerentes ao uso ordinário da televisão devem-se ao fato
de que a imagem tem a particularidade de poder produzir o que os críticos literários chamam o
efeito do real, ela pode fazer ver e fazer crer no que faz ver. Esse poder de evocação tem efeitos
de mobilização. Ela pode fazer existir idéias ou representações, mas também grupos”. BORDIEU,
Pierre. Sobre a televisão. Trad. Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 28.
Rosa, ainda contempla: “Bordieu argumenta que a televisão opera a violência simbólica. Seu
pensamento hegemônico simbolicamente homogêneo, coloca em risco diversas esferas do saber,
dentre elas o Direito e, em última escala, a Política e a própria Democracia, principalmente numa
sociedade capitalista na qual o o bjetivo é o lucro, sem ética. Em nome da audiência, então, são
exploradas as ‘paixões mais primárias’ dos telespectadores: sangue, sexo, drama e crime [...]”
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 227.
36

Esquece-se, contudo, que muitos dessas pessoas, alvos de


toda a ira gerada em momentos de elevada pressão emocional, moral e ética, são
também vítimas de um problema criado por esse mesmo Estado “justiceiro”, vez
que a falta de acesso à escola, ao mercado de trabalho, à afetividade, à família,
entre outras ausências, são também elementos de um sintoma para o caminho da
criminalidade, escolhido intencionalmente ou não, mas identificado pelos demais
como fonte de riscos pessoais e patrimoniais106.

O crescimento indisfarçável da esfera penal e processual em


detrimento dos direitos fundamentais, no caso em testilha, ultrapassa, inclusive, o
próprio princípio da legalidade, como já consignado alhures, em favor da
segurança em forma da reação “justa” da “defesa social”:

[...] O princípio da legalidade representa, por sua vez, o legado


vertebral da ideologia liberal que, se dialetizando com esta
ideologia da defesa social, poderia ser inserido especialmente
entre o princípio da legitimidade e da igualdade nos seguintes
termos: o Estado não apenas está legitimado para controlar a
criminalidade, mas é autolimitado pelo Direito Penal no exercício
desta função punitiva, realizando-a no marco de uma estrita
legalidade e garantia dos Direitos Humanos do imputado107.

A regra do jogo, depois de mudada, cria o chamado


“Complexo de Nicolas Marshal”:

[...] Talvez muitos não se recordem do Juiz Nicolas Marshall. Por


isso, vale a pena lembrar que durante certo tempo foi exibido um
seriado de TV no qual o Juiz (Nicolas Marshall) era um respeitável
e honrado Juiz durante o dia, cumprindo as leis em vigor, os
prazos processuais, os direitos dos acusados e, no entanto, no
período da noite, longe do Tribunal, com roupas populares,
cabelos soltos - já que os tinha compridos -, decidia ‘fazer Justiça’.
O seriado, por isso, denominava-se "Justiça Final". Pretendendo o
bem da sociedade e, antes das vítimas - evidente -, procurava por
todas as formas aniquilar, matar e ‘resolver’ os casos criminais
(leia-se "criminosos") que conhecia, ao arrepio da Lei, claro.

106
SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. A expansão do direito penal – Aspectos da política criminal nas
sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 29.
107
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de Segurança Jurídica. p. 137.
37

Acreditava que a Justiça ordinária era incapaz de ‘dar a devida


resposta aos criminosos’ e, então, por suas mãos, enfim, aplicava
a (sua boa) Justiça. Era uma espécie que, mesmo exercendo
funções estatais, preferia, esgueirando-se no submundo,
protagonizar a função de Justiceiro; Justiceiro incontrolado,
movido por suas paixões pessoais108.

A almejada segurança, “vendida” à sociedade por setores


específicos do Estado é, na verdade, a porta mais entreaberta para a violação das
normas fundamentais; significa incorrer no retorno ao caos e na negação da
própria convivência comum, conseqüência esta justamente alcançada pelo
sistema repressivo ora criticado109.

Ferrajoli sintetiza, através de um sintoma que denomina de


crise do direito, da seguinte forma:

[...] Tal crisis se manifesta en la inflación legislativa provocada por


la presión de los intereses sectoriales y corporativos, la perdida de
generalidad y abstracción de lãs reyes, la creciente producción de
leyes-acto, el proceso de descodificación y el desarrollo de una
legislación fragmentaria, incluso en materia penal, habitalmente
bajo el signo de la emergência y la excepción. Es claro que se
trata de un aspecto de la crisis del derecho que favorece al
señalado con anterioridad. Precisamente, el deterioro de la forma
de la ley, la falta de certeza generalizada a causa de la
incoherencia y la inflación normativa y, sobre todo, la falta de
elaboración de un sistema de garantías de los derechos sociales
equiparable, por su capacidad de regulación y de control, al
sistema de lãs garantias tradicionalmente predipuestas para la
propriedad y la libertad, representan, en efecto, no solo n facto de
ineficacia de los derechos, sino el terreno más fecundo para la
corrupción y el abitrio110.

Fecham-se os olhos a um modelo punitivo construído, cuja


base é a de assegurar o máximo grau de racionalidade e confiabilidade do juízo e,

108
ROSA, Alexandre Morais da. O Juiz e o Complexo de Nicolas Marshal. Disponível em:<
http://ibccrim.locaweb.com.br/site/artigos/nacionais.php?PHPSESSID=d08994707bfa2b196d0f109
618d8303f&tipo=n&id=1462>. Acesso em 18 de fevereiro de 2007.
109
CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. p. 69.
110
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías. p. 16.
38

portanto, de limitação do poder punitivo e de tutela da pessoa contra a


arbitrariedade111. Nesse sentido:

[...] No fundo, há uma aparente contradição ou paradoxo, que é de


proteger direitos limitando direitos. Daí que o sistema penal deva
rodear-se de requisitos mínimos, tanto formais quanto materiais,
que constituem os limites do poder punitivo, passados os quais tal
poder se torna repressivo, [no sentido de uma repressividade
excedente]112.

Há, por fim, clara inversão de um propósito garantidor


fundante da sociedade. Existe, nas entrelinhas deste discurso de pânico, a
certeza de que se pode trocar – como se as duas não pudessem caminhar juntas
– liberdade e segurança, ou de que uma é causa da não efetivação da outra113.

1.2.3 Um modelo garantista proposto

O Garantismo Penal adota pressupostos que norteiam um


modelo pré-estabelecido, que pretende evidenciar um sistema judicial
epistemologicamente racional.

Com efeito, os princípios que lhe dão o sustentáculo


necessário são a legalidade estrita, a materialidade e a lesividade dos delitos, a
responsabilidade pessoal, o contraditório entre as partes e a presunção de
inocência114.

111
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 30
112
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Sistemas penales y derechos humanos en América Latina
(primer informe). Buenos Aires: Depalma, 1984, p. 27.
113
“[...] Por outro lado, e como decorrência natural dessa visão promocional, a cultura dos direitos e
garantias fundamentais é apresentada como causa de entrave ao funcionamento eficiente do
sistema. Sem embargo, a produção de normas promocionais e de forte conteúdo simbólico em
relação ao sistema repressivo ainda é a tônica dominante no campo político, chocando-se com a
linha ideológica denominada de garantismo [...]”. CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de
Emergência. p. 49.
114
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 37.
39

Com efeito, tais princípios são indicadores de uma


segurança que é (e deve ser) constantemente alcançada na forma do contrato
social, dessa forma materializada:

[...] a origem política do princípio da legalidade vincula-se ao


contrato social e assenta suas raízes na idéia de uma razão que
harmonize a todas as pessoas, na exclusão da arbitrariedade
estatal, na inviolabilidade da liberdade de toda a pessoa, e na
exigência de dar segurança e certeza ao direito. [...] O
pensamento ilustrado pode ser sintetizado como na necessidade
do ‘governo das leis’ frente ao ‘governo dos homens’, a
preponderância da razão, da representação popular e das
normas. Para ser racional, uma normatização das relações sociais
há que se afastar dos caprichos da vontade individual; ser igual
para todos; ter sua origem na vontade geral e ser, finalmente,
clara e compreensível a seus destinatários. As normas racionais
são as que têm legitimidade na sociedade inteira, e não as de um
déspota (origem), as que reconhecem o mesmo grau de liberdade
a todos os cidadãos (conteúdo) e são entendíveis a todos,
escritas, exaustivas e taxativas (forma)115.

Há, contudo, dentro do próprio modelo garantista


estabelecido, o reconhecimento da ambivalência desses mesmos princípios, vez
que, como se sabe, por exemplo, o caráter utilitário da pena tanto serve para o
discurso de que deva ser aplicada com o mínimo de aflição, como a de que prevê
como uma forma preventiva e de defesa social máxima, portanto eficaz116.

Também se tem, como integrante do modelo garantista, a


prática da estrita legalidade no positivismo jurídico. Contudo, o segundo alerta
feito, consta na percepção de que a priori permite a ocorrência de abusos
acometidos pelo Estado sem limites, ao passo que, ao mesmo tempo, se revela
neutro quanto a todas as demais garantias penais e processuais117.

115
STRECK, Lenio Luiz. Direito Penal em tempos de Crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007, p.153.
116
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 37.
117
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 38.
40

Por essa razão, o modelo acima proposto, ao mesmo tempo


em que define suas categorias intrínsecas balizadoras de um sistema garantidor,
provocam, por conseguinte, a (re) discussão sobre a(s) quebra(s) do(s) limite(s)
provocados pelo Estado, esta(s), portanto, eminentemente heterogênea(s), sendo
o primeiro marco assim proposto:

[...] os diversos princípios garantistas se configuram, antes de


tudo, como um esquema epistemológico de identificação do
desvio penal, orientado a assegurar, a despeito de outros modelos
de direito penal historicamente concebidos e realizados, o máximo
grau de racionalidade e confiabilidade do juízo e, portanto, de
limitação do poder punitivo e de tutela da pessoa contra a
arbitrariedade118.

Como já dito em linhas anteriores, a Teoria do Garantismo


apresenta, como condição indispensável a sua assunção, o deslocamento do
direito da moral, com a aglutinação harmônica daquele primeiro com a razão.

Assim, prima facie, não se admite que elementos de teor


subjetivista, por exemplo, possam estipular paradigmas definidores do exercício
do jus puniendi estatal.

Em contraposição, o modelo de garantismo penal


estabelece, de início, como princípio, o convencionalismo penal, nos mesmos
moldes da legalidade estrita, proposta pelo positivismo jurídico.

O convencionalismo penal, então, reduz substancialmente


características (no caso, antigarantistas) que adotavam como base outras que
não aquelas condições estritamente definidas pelo próprio tipo penal, para se
chegar à concepção do desvio punível, eivada, assim, de um estrito legalismo
assim definido.

O desvio punível, nesse prisma, é assim definido por


Ferrajoli, mediante a acepção de duas condições, como sendo:

118
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 38.
41

[...] O desvio punível, segundo a primeira condição, não é o que,


por características intrínsecas ou ontológicas, é reconhecido em
cada ocasião como imoral, como naturalmente anormal, como
socialmente lesivo ou coisa semelhante. É aquele formalmente
indicado pela lei como pressuposto necessário para a aplicação
de uma pena, segundo a clássica fórmula nulla poena et nullum
crimen sine lege. Por outra parte, conforme a segunda condição, a
definição legal do desvio deve ser produzida não com referência a
figuras subjetivas de status ou de autor, mas somente a figuras
empíricas e objetivas de comportamento, segundo a outra máxima
clássica: nulla poena sine crimine et sine culpa119.

Assim é que, aqui dito somente de passagem, trazida à


realidade brasileira, a técnica do etiquetamento é facilmente identificada, por
exemplo, no art. 59 do Código Penal Brasileiro, quando se notam expressões nele
contidas, tais como: antecedentes, conduta social e personalidade120.

Ademais, segundo os próprios critérios acima anteriormente


apresentados, o modelo garantista impõe, nesse caso, a sujeição do juiz à lei,
como forma pré-estabelecida a já conhecida adoção da reserva legal, haja vista
que não lhe pode ser defeso a configuração da ocorrência de um crime pelo uso
subjetivo de um modelo de moral vago, ainda que mascarado perversamente nas
entrelinhas de texto penal ordinário.

Através desse novo paradigma, concebe-se mais uma vez,


que o juiz não está mais adstrito ao senso comum teórico (im) posto; pela
mudança radical de abordagem, a análise ganha outros contornos muito além do
que outrora era praticado, ou melhor:

119
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 38.
120
“A estrutura do art. 59 do Código Penal impõe as fases da aplicação da pena. Assim, o juiz, ao
atender às circusntâncias descritas (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do
agente, motivos, circunstâncias, conseqüências e comportamento da vítima), deve seguir as
etapas previstas pelo legislador: (1ª) eleição da pena aplicável ao caso, na existência de
cominação alternativa; (2ª) aplicação da quantidade da pena; (3ª) determinação do regime inicial;
e (4ª) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por outra espécie de pena.[...]
Em realidade, ao (pré)determinar parâmetros para a aplicação da pena, o Código Penal intenta
reduzir ao máximo o arbítrio, muito embora seja ainda elevada a discricionariedade na fixação da
sanção penal em decorrência dos elementos abertos previstos no art. 59 do Código Penal”.
CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da Pena e Garantismo. p.36.
42

[...] A Criminologia Crítica, ao invés de se centrar na


figura/esterótipo do binômio do casal criminoso/crime, passou a
olhar para aquém e além dele: percebeu que o indivíduo dito
criminoso encontra-se necessariamente em um contexto social,
propenso, portanto à estigmatização e etiquetamento. Observou o
discurso da legitimação/exclusão dos indivíduos, percebendo a
maneira pela qual o sistema penal é construído/forjado121.

O viés dessa nova criminologia ganha contornos mais


críticos dentro da perspectiva garantista, na medida em que, insofismavelmente,
deixam-se de lado teorias antigas que versavam na criminologia positivista,
calcada em teorias patológicas da criminalidade, baseadas, como se viu, em
características biológicas e psicológicas que pretensamente tinham como cunho a
divisão entre “criminosos” e “normais”122, formando-se, assim o que se chama de
estigmas123.

O entendimento do uso da mera legalidade pelos juízes,


quando da estrita legalidade, pelo Poder Legislativo, estabelece, em uníssono,
mecanismos que negam com veemência a práxis que seja contrária à efetividade
da legalidade e sua precisão definidora da punibilidade nos julgamentos, ou uso
da técnica legislativa expressamente dotada e comprometida de referências e
práticas objetivas, não se admitindo, destarte que:

[...] normas que criam ou constituem ipso jure as situações de


desvio sem nada prescrever, mas somente regras de

121
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 233.
122
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2002, p.29.
123
“Estigma é um sinal ou marca que alguém possui, recebe um significado depreciativo. No início
era uma marca oficial gravada a fogo nas costas ou no rosto das pessoas. Entretanto, não se trata
somente de atributos físicos, mas também de imagem social que se faz de alguém para inclusive
poder-se controlá-lo e até mesmo de linguagem de relações, para empregar expressão de Erving
Goffman, que compreende que o estigma gera profundo descrédito e pode também ser entendido
cmo defeito, fraqueza e desvantagem. Daí a criação absurda de duas espécies de seres: os
estigmatizados e os ‘normais’, pois, afinal, considera-se que o estigmatizado não é completamente
humano. Então, a idéia pretérita de estigma significando somente um sinal material já não existe
mais, há muito tempo, ou se ainda subsiste, não é esta que será aqui considerada. O estigma
adquiriu duas dimensões: uma objetiva (um sinal, um uso, a cor da pele, a origem, a doença, a
nacionalidade, a embriaguez, a pobreza, a religião, o sexo, a opção sexual, a deficiência física ou
mental, etc.) e outra subjetiva (a atribuição ruim ou negativa que se faz a estes estados, podendo-
se citar o seguinte exemplo: se é deficiente físico é ruim ou inferior ou pior, etc.). BACILA, Carlos
Roberto. Estigmas: um estudo sobre preconceitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 24-25.
43

comportamento que estabelecem uma proibição, quer dizer, uma


modalidade deôntica, cujo conteúdo não pode ser mais do que
uma ação, e a respeito da qual seja aleticamente possível tanto a
omissão, uma exigível e a outra obtida sem coação e, portanto,
imputável à culpa ou responsabilidade de seu autor124.

Importante que se frise, repita-se, que a assunção à lei pelo


juiz é em relação à fidelidade ao princípio da mera legalidade, que nega in totum
outros mecanismos definidores de um decisum condenatório ou absolutório, que
não aqueles definidos explicitamente pela lei, sem que não lhe seja negado, como
já registrado, o poder de crítica a ela própria em situações de evidente
discriminação ao sujeito (etiquetamento, por exemplo), face desvelada e
contaminada que salta os olhos mais obtusos na clara hipocrisia judicial (e
prejudicial) presente, verbis:

[...] Afinal, muitos dirigem embriagados, possuem CDs falsificados,


bolsas da moda compradas de camelô (Louis Vuitton), xerox de
livros à venda, dão presença em audiência para quem não está
(Ministério Público, advogados, públicos ou dativos,
principalmente), declaram valores menores aos imóveis para
recolherem menos tributos, mas nem por isso são ou se sentem
criminosos...125.

É nesse diapasão que o garantismo penal traz a lume o


critério verificador do desvio punível, como sendo um exercício restrito à lei e
taxadas por ela126.

A permeabilidade de seu texto - como se fora um “queijo


suíço”, ou seja, sem qualquer vedação -, sua imprecisão, dubiedade, sujeita a
interpretações dissociadas de um propósito válido fundamental, cujo caminho
optado terá sempre um resultado impossível de se prever, não é reconhecido pela
teoria ora em comento, nas palavras de Ferrajoli:

124
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39.
125
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 233.
126
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39.
44

[...] o que confere relevância penal a um fenômeno não é a


verdade, a justiça, a moral, nem a natureza, mas somente o que,
com autoridade, diz a lei. E a lei não pode qualificar como
penalmente relevante qualquer hipótese indeterminada de desvio,
mas somente comportamentos empíricos determinados,
identificados exatamente como tais e, por sua vez, aditados à
culpabilidade de um sujeito127.

A própria teoria, então, encontra caminhos opostos às


alternativas terroristas impostas, à sensação de insegurança e, por conseguinte, o
medo e o histerismo coletivo.

A intangibilidade dos direitos fundamentais é racionalmente


proposta na medida em que fica assegurado que o agente é punível somente pelo
que está proibido em lei, segundo a própria liberdade do que ela permite ou não
fazer, sem que, também, a igualdade dos cidadãos perante a lei não seja
afastada.

Dessa forma, toda a pré-configuração de “tipos objetivos” de


desvio punível não pode deixar de referir-se a diferenças pessoais,
antropológicas, políticas ou sociais e, portanto, de exaurir-se em discriminações
apriorísticas128.

É em resposta a essa discriminação que, através do


princípio da legalidade, tem-se a proposição da continuidade da defesa da
garantia coletiva dos direitos fundamentais:

[...] o princípio da legalidade, além de dar seguridade a um


ordenamento jurídico, constitui-se em uma garantia protetiva dos
jurisdicionados frente ao ius puniendi. Desta forma, os cidadãos
podem saber de antemão, não só qual a conduta que está
proibida, qual a sanção e quais são seus limites, mas
principalmente que o acusador e o julgador não poderão, sponte

127
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39.
128
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 40.
45

sua, determinar os tipos criminais, as penas ou as espécies de


medidas de segurança (art. 5º , XLVI e XLVII, da CF)129.

Há, por outro lado, questões que o próprio garantismo penal


expõe como problemáticas do próprio sistema, pois:

[...] por mais aperfeiçoado que esteja o sistema de garantias


penais, a verificação jurídica dos pressupostos legais da pena
nunca pode ser absolutamente certa e objetiva. A interpretação da
lei, como hoje pacificamente se admite, nunca é uma atividade
exclusivamente recognitiva, mas é sempre fruto de uma escolha
prática a respeito de hipóteses interpretativas alternativas. Esta
escolha, mais ou menos opinativa segundo o grau de
indeterminação da previsão legal, se esgota inevitavelmente no
exercício de um poder na indicação ou qualificação jurídica dos
fatos julgados130.

Em continuidade, o garantismo penal também encontra a


dissonância na questão da prova, ou seja, ainda que esteja sempre disciplinada
por um rol de garantias, estas exigem decisões argumentadas, lastreadas em
conclusões próximos de um processo indutivo, portanto, um poder de escolha
dentre várias hipóteses alternativas131.

A valoração, ou dito de outro modo, o momento crucial de


um processo de cognição através da escolha do juiz no processo, nunca é
totalmente predeterminada132, vez que há a possibilidade de, através da
racionalidade crítica, identificar, no caso em concreto, e efetivar a delimitação de
um jus puniendi estatal frente a pretensões de castigos extra ou ulta legem:

[...] Daí segue que não é só estranha, mas também incompatível


com a epistemologia garantista, a ideologia mecanicista da
aplicação da lei, expressada na célebre frase de Montesquieu:”Os
juízes da nação são, como temos dito, mais do que a boca que

129
GIACOMOLLI, Nereu José. STECK, Lenio Luiz. Direito Penal em Tempos de Crise. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 157.
130
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 42.
131
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 42.
132
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 43.
46

pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem


moderar nem a força nem o vigor das leis”133.

Fica, portanto, como certo que, ainda que a teoria


garantista, de fato e em princípio, tenha um desenho de rosto utópico, é através
dela a proposta racional com fim de redução do poder judicial arbitrário, ainda
mesmo que possa vir de maneira parcial e tendenciosa134. O que se pode afirmar,
sem embargo, é que o garantismo não é, de fato, a panacéia de todas as
arbitrariedades, mas um sistema racional de intervenção estatal, e de declaração
da prevalência dos direitos fundamentais constitucionalizados.

No sentido objetivo, a teoria se fecha em si:

[...] Ainda quando a sua perfeita realização corresponda a uma


utopia liberal, o modelo aqui delineado, uma vez traçados com
precisão seus limites e requisitos, pode ser acolhido como
parâmetro e como fundamento de racionalidade de qualquer
sistema penal garantista. Ao mesmo tempo, ao haver sido
sancionado em grande parte por nossa Constituição, como por
todas as constituições evoluídas, o modelo pode ser utilizado,
ademais, como critério de valoração do grau de validez ou
legitimidade – e, vice-versa, de invalidez ou ilegitimidade
constitucional – de nossas instituições penais e processuais, e de
seu funcionamento concreto135.

O garantismo desse modo propõe que a Constituição seja o


reflexo da própria sociedade, consubstanciada na carta de amor e fidelidade
eterna a ela mesma eis que (deve) exprime (ir) todo o sentimento fundamental da
coletividade, todo o registro do bem comum, do que há de mais relevante e
fundante, dos seus direitos básicos e indispensáveis à harmonia e subsistência
mínima da dignidade da pessoa humana, que, desenhados fielmente através das
linhas daquela declaração, marcam para sempre o sentimento único do povo: o
direito, como sua única e indisponível identidade.

133
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 43.
134
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 43.
135
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 44.
47

1.3 O CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE

1.3.1 Da necessidade do controle

Tem-se, como já consignado, que a Constituição é e deve


ser o reflexo do conjunto total da sociedade, na medida em que, em sendo a carta
legítima do povo, é, por esta razão, o fundamento legítimo de validade do sistema
jurídico136 presente, ou de sua invalidade, segundo o modelo garantista ora
proposto.

Existe, na atualidade, a clara percepção de que se vive hoje,


mormente no Brasil, uma solidão constitucional137, que seria, a bem da verdade,
um imenso vale entre o que está prescrito no texto, e do que é efetivamente
praticado no cotidiano de cada um de nós, ou seja, pouco é concretizado.

Com efeito, é através do controle da constitucionalidade que


emerge de águas turvas até então pouco exploradas, a figura do juiz, como forma
de fazer valer o degrau mais alto à Carta Magna:

[...] Significa, assim, a possibilidade do controle dos atos


normativos expedidos pelo Estado, compreendido em suas
diversificadas funções (Executiva, Legislativa e Judiciária), na
busca incessante da concretização e respeito à Constituição”138.

A perniciosa vaidade humana, consubstanciada no caso de


abuso de edição de leis contrárias à essência constitucional - o “cheque em
branco” - por segmentos legislativos, tem a sua contenção pela adoção de

136
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade
Material. p. 103.
137
STRECK, Lenio. A Concretização de direitos e a validade da tese da constituição dirigente em
países de modernidade tardia. NUNES, José Avelãs; COUTINHO, Jacinto Nelson (org.). Diálogos
Constitucionais: Brasil/Portugal. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 302.
138
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade
Material. p. 103.
48

mecanismos legais, que refutam visceralmente sua prática ou sua continuidade,


cabendo ao Poder Judiciário, in casu, a primazia da última palavra139.

O que existe, conforme dito alhures, de fato, é uma confusão


de boa parcela da população, presa pelo senso comum teórico que dá o mesmo
tratamento conceitual entre uma norma vigente e outra válida140.

Assim é que através do controle difuso, que o Poder


Judiciário tem a possibilidade de se ver provocado e legitimado a efetuar o
controle incidental do processo em que determinada lei é motivo de
controvérsia141, sendo ele um modelo racional, isto é, que corresponde muito mais
às expectativas democráticas vez que dá maior liberdade ao magistrado:

[...] A função de todos os juízes é a de interpretar as leis, a fim de


aplicá-las aos casos concretos de vez em vez submetidos a seu
julgamento; uma das regras mais óbvias da interpretação das leis
é aquela segundo a qual, quando duas disposições legislativas
estejam em contraste entre si, o juiz deve aplicar a prevalente;
tratando-se de disposições de igual força normativa, a prevalente
será indicada pelos usuais, tradicionais critérios ‘lex superior
derogat legi inferiori’, ‘lex specialis derogat legi generali’, etc.;
mas, evidentemente, estes critérios não valem mais – e vale, ao
contrário, em seu lugar, o óbvio critério ‘lex superior derogat legi
inferiori’ - quando o contraste seja entre disposições de diversa
força normativa: a norma constitucional, quando a Constituição
seja ‘rígida’ e não ‘flexível’, prevalece sempre sobre a norma
ordinária contrastante. Logo, conclui-se que qualquer juiz,
encontrando-se no dever de decidir um caso em que seja
‘relevante’ uma norma legislativa ordinária contrastante com a
norma constitucional, deve não aplicar a primeira e aplicar, ao
invés, a segunda142.

139
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 371.
140
STRECK, Lenio. A Concretização de direitos e a validade da tese da constituição dirigente em
países de modernidade tardia. NUNES, José Avelãs; COUTINHO, Jacinto Nelson (org.). Diálogos
Constitucionais: Brasil/Portugal.p. 302.
141
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade
Material. p. 104.
142
CAPELETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade de leis no direito comparado.
Trad. Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Ségio Fabris, 1992. p. 97.
49

A presunção da constitucionalidade, como princípio é


baseada também como pré-condição de um controle que se pretende ser
constitucional, ou seja, a de que, a priori, determinada lei vem revestida de
submissão à norma máxima, podendo, contudo, sê-la desconsiderada em razão
de sua invalidade, ou seja, o choque a um princípio consagrador:

[...] O princípio da presunção de constitucionalidade, portanto,


funciona como fator de autolimitação da atuação judicial: um ato
normativo somente deverá ser declarado inconstitucional quando
a invalidade for patente e não for possível decidir a lide com base
em outro fundamento143.

É, portanto, através do controle difuso, o caminho indicado


para um direito mais democrático, se partirmos da premissa de que há uma maior
flexibilidade na prática da hermenêutica constitucional144.

Por outro viés, o controle concentrado estabelece um só


órgão legitimado, a fim de que, dessa forma, possam-se evitar decisões
contraditórias, eis que passíveis de inúmeras interpretações de um sem números
de tribunais, colocando em risco a idéia da segurança jurídica145.

Há, nesse sentido garantista aqui apresentado, evidente


contorno difuso, eis que a possibilidade do juiz crítico torna-se permitida, desde
que não seja a ela submisso, mas que a aplique de acordo com o texto
constitucional:

[...] De sorte que no controle concentrado a competência dos


órgãos inferiores do Judiciário para analisar a violação da
Constituição restaria subtraída, mesmo incidentalmente, tornando
as leis e atos normativos constitucionalmente válidos, salvo por
decisão da Corte Constitucional. Enquadra-se, nesse pensar, a
formulação kelseniana da validade das normas até a declaração
de sua invalidade pelo órgão com competência para tanto. No

143
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 371.
144
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade
Material. p. 107.
145
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade
Material. p. 106.
50

sistema concentrado, o poder de controle da lei abstrata ou


concretamente é exclusivo, com reflexos imediatos na
uniformidade e controle de decisões. E, uma vez declarada a
inconstitucionalidade e controle das decisões. E, uma vez
declarada a inconstitucionalidade da lei, como bem define Mauro
Capelletti: ‘embora permanecendo ‘on the books’, é tomada ‘a
dead law’, uma lei morta.O controle de constitucionalidade,
adotada a concepção aberta de Peter Häberle, como já visto,
ganha contornos democráticos, rompendo com o
enclausuramento da (possibilidade) hermenêutica do texto
constitucional. O processo de atribuição de sentido passa, desta
feita, a ser compartilhado com a própria sociedade, por meio da
linguagem. Assim é que a concretização da Constituição, vista
como documento constituinte da própria sociedade, mediada por
essa dimensão hermenêutica, tende a ser mais dialogada,
democrática e efetiva. Corolário disso é que os horizontes de
sentido se espraiam desde dentro da sociedade, contribuindo
decisivamente para o processo de significação. Há maior
vinculação do mundo da vida com as decisões sobre a validade
constitucional das normas, atualizando-se no tempo o texto
constitucional146.

Também é nesse sentido a percepção de Coelho:

[...] Nessa perspectiva, a ampliação do número de tradutores


constitucionais autorizados, ao mesmo tempo em que promove a
integração das diferentes perspectivas hermenêuticas, opera
como instrumento de prevenção e solução de conflitos. Noutras
palavras, à medida que asseguram o dissenso hermenêutico e
racionalizam as divergências de interpretação em torno da
Constituição, idéias como a de Häberle colaboram, decisivamente,
para preservar a unidade política em manter a ordem jurídica, que
são os objetivos fundamentais de toda Constituição147.

A sistemática do Estado Democrático de Direito, no caso em


testilha, ganha contornos garantistas positivados na perspectiva de que a
interpretação judicial, mormente executada pela figura jurídica do ator-juiz, é a de

146
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade
Material. p. 107.
147
COELHO, Inocêncio Mártires. As idéias de Peter Häberle e a abertura da interpretação
constitucional no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal,
jan./mar., 1998, no. 137, p. 158.
51

sempre se evidenciar conforme o texto da Constituição, mais uma vez como


instrumento de sua efetividade148.

1.3.2 O Estado Democrático de Direito prometido e não alcançado

Para se chegar ao comento da proposta substancialista na


seara da realidade brasileira, Lenio Luiz Streck faz, entretanto, a sua ressalva
quanto a própria desfuncionalidade do Direito e das instituições imbuídas da
legitimidade em operar a lei149. Segundo o autor, não houve, até o momento, a
elevação do Estado Democrático de Direito ao devido parâmetro a ser alcançado
da pretendida efetividade constitucional tupiniquim, soterrada pela passividade do
judiciário frente ao lançamento escancarado de medidas provisórias pelo
executivo150.

O papel progressista, inovador, revelador, modificador do


direito trazido à realidade brasileira, proposta pelos seus, à época, constituintes e
introduzido, de certa forma, na Carta de 1988, de fato não nos trouxe, ou pouco
nos deu a sensação de que vivemos de fato em um Estado Democrático de
Direito, mas sim, por mais que seja redundante, apenas de direito.

Vive-se, hoje, no Brasil, onde a modernidade bate


tardiamente à porta, segundo Streck, uma baixa constitucionalidade, espécie de
tratamento concedido à Carta Constitutiva de pouca relevância e elevado
aviltamento na sua composição dorsal:

148
“A interpretação conforme a Constituição pode ser apreciada como um princípio de interpretação
e como uma técnica de controle de constitucionalidade. Como princípio de interpretação, decorre
ele da confluência dos dois princípios anteriores: o da supremacia da Constituição e o da
presunção de constitucionalidade. Com base na interpretação conforme a Constituição, o
aplicador da norma infraconstitucional, dentre mais de uma interpretação possível, deverá buscar
aquela que a compatibilize com a Constituição, ainda que não seja a que mais obviamente decorra
do seu texto. Como técnica de controle de constitucionalidade, a interpretação conforme a
Constituição consiste na expressa exclusão de uma determinada interpretação da norma, uma
148
ação ‘corretiva’ que importa em declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto” .
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 372.
149
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 33.
150
MARCELLINO Jr., Julio Cesar. A Jurisdição Constitucional e o papel do poder judiciário no Brasil:
procedimentalistas ‘versus’ substancialistas. ROSA, Alexandre Morais da (org.). Para um direito
democrático. p. 46.
52

[...] Tudo isto é perfeitamente constatável se examinarmos como


funciona a operacionalidade do Direito em terrae brasilis, em que
convivemos de há muito com normas inconstitucionais, sem que a
jurisdição constitucional – da qual tanto se fala – tenha sido
acionada para a devida filtragem hermenêutico-constitucional. O
mais dramático é que, muitas vezes a Constituição é interpretada
de acordo com os Códigos ou de acordo com Súmulas,
problemática que se agravará, sobremodo, a partir da
‘constitucionalização’ das Súmulas vinculantes, no bojo da assim
denominada reforma do Poder Judiciário151.

Sem qualquer sombra de dúvida, vive-se, uma crise


paradoxal em que o direito é ferramenta usada por uma dogmática não-
garantista152, colocada a serviço de interesses que não são sequer da maioria,
quiçá da totalidade da população153.

151
STRECK, Lenio. A Concretização de direitos e a validade da tese da constituição dirigente em
países de modernidade tardia. NUNES, José Avelãs; COUTINHO, Jacinto Nelson (org.). Diálogos
Constitucionais: Brasil/Portugal. p. 302.
152
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 33.
153
“Assim, a partir disso, pode-se dizer que, no Brasil, predomina/prevalece (ainda) o modo de
produção de Direito instituído/forjado para resolver disputas interindividuais, ou, como se pode
perceber nos manuais de Direito, disputas entre Caio e Tício ou onde Caio é o agente/autor e
Tício (ou Mévio), o réu/vítima. Assim, se Caio (sic) invadir (ocupar) a propriedade de Tício (sic), ou
Caio (sic) furtar um botijão de gás ou o automóvel de Tício (sic), é fácil para o operador do Direito
resolver o problema. No primeiro caso, a resposta é singela: é esbulho, passível de imediata
reintegração de posse, mecanismo jurídico de pronta e eficaz atuação, absolutamente eficiente
para a proteção dos direitos reais de garantia. No segundo caso, a resposta igualmente é singela:
é furto (simples, no caso de um botijão; qualificado, com uma pena que pode alcançar 8 anos de
reclusão, se o automóvel de Tício (sic) for levado para a outra unidade da federação. Ou seja, nos
casos apontados, a dogmática Jurídica coloca à disposição do operador um prêt-à-porter
significativo contendo uma resposta pronta e rápida! Mas quando Caio (sic) e milhares de pessoas
sem teto ou sem terra invadem/ocupam a propriedade de Tício (sic), ou quando Caio (sic) participa
de uma ‘quebradeira’ de bancos, causando desfalques de bilhões (como no caso do Banco
Nacional, Bamerindus, Econômico, Coroa-Brastel, etc.), os juristas só conseguem ‘pensar’ o
problema a partir da ótica forjada no modo liberal-individualista-normativista de produção de
Direito. Como respondem os juristas a esses problemas, produtos de uma sociedade complexa
em que os conflitos (cada vez mais) têm um cunho transindividual? Na primeira hipótese, se a
justiça tratar da invasão/ocupação de terras do mesmo modo que trata os conflitos de vizinhança,
as conseqüências são gravíssimas (e de todos conhecidas!...). Na segunda hipótese (crimes de
colarinho branco e similares), os resultados são assustadores, bastando, para tanto, examinar a
pesquisa realizada pela Procuradora da República Ela Castilho, cujos dados dão conta de que, de
1986 a 1995, somente 5 dos 682 supostos crimes financeiros apurados pelo Banco Central
resultaram em condenações em primeira instância na Justiça Federal. A pesquisa revela, ainda,
que 9 dos 682 casos apurados pelo Banco Central também sofreram condenações nos tribunais
superiores. Porém - isso é de extrema relevância – nenhum dos 19 réus condenados por crime do
colarinho branco foi para a cadeia!”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 34.
53

Vê-se, com isso, a manifestação inequívoca (mais uma vez)


do super-poder conferido a um super-estado, de perfil neo-liberal, etiquetador,
eminentemente intervencionista na seara dos direitos fundamentais, judicial e
legislativa brasileira num infinito apetite pelo poder, segundo a perspectiva secular
de Hobbes, “como tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto
desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte”154.

Destarte, é através do Estado Democrático de Direito, a real


oportunidade do próprio Estado, revestido do interesse inarredável de proposição
de um bem estar comum, de que é (e deve ser) construído por esferas de
garantias mínimas, inegociáveis, inalienáveis, pois:

[...] O Estado Democrático de Direito representa, assim, a vontade


constitucional de realização do Estado Social. É nesse sentido
que ele é um plus normativo em relação ao direito promovedor-
intervencionista próprio do Estado Social de Direito. [...] Registre-
se que os direitos coletivos, transindividuais, por exemplo,
surgem, no plano normativo, como conseqüência ou fazendo parte
da própria crise do Estado Providência. Desse modo, se na
Constituição se coloca o modo, é dizer, os instrumentos para
buscar/resgatar os direitos de segunda e terceira gerações, via
institutos como substituição processual, ação civil pública,
mandado de segurança coletivo, mandado de injunção (individual
e coletivo) e tantas outras formas, é porque no contrato social – do
qual a Constituição é a explicitação – há uma confissão de que as
promessas da realização da função social do Estado não foram
(ainda) cumpridas155.

1.3.3 A proposta substancialista em contraposição ao procedimentalismo

No sentido inverso, neste momento, a teoria


procedimentalista muito embora tenha a rigor, prima facie o mesmo objetivo a
alcançar da escola substancialista, defende, contudo, que a democracia, como
expressão absoluta contida na constituição, se faria através de um controle

154
HOBBES, Thomas. Leviatã ou material, forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São
Paulo: Martin Claret, 2004, p. 186.
155
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 38.
54

disciplinado pelos procedimentos efetuados pelo legislativo, eis que seria a


representação da opinião popular, condenando, assim, a invasão do direito ou de
uma excessiva judicialização daquele na política156.

A reticência evidenciada por Habermas se fundamenta em


sua proposição pelo uso da interpretação da política e do direito à luz da teoria do
discurso157, isto é, é refratário ao caráter substancial da condução judicial da
constituição, pois entende que há uma disputa entre o legislador legitimado pelo
sufrágio popular e o tribunal constitucional, colocando assim em xeque o controle
abstrato das normas158.

Habermas utiliza o que ele próprio intitula de “agir


comunicativo”159, balizando, dessa forma, a sua própria teoria, arraigada no
interesse do povo, e o lugar central de destaque do Poder Legislativo,
procedimental e deliberativo no Estado Democrático de Direito160.

Nesse sentido, a retórica procedimentalista apresentada,


fulmina, de qualquer modo, a intervenção judicial, pois é dado somente ao
legislador o poder de controle abstrato das normas, desse modo,
terminantemente contrária à intromissão de tribunais constitucionais, pois
representariam a idéia de uma instância autoritária sem, portanto, legitimidade
com o trato das questões relevantes dos direitos fundamentais da coletividade,
servindo apenas e tão somente de uma “tábua de salvação” para direitos que
deveriam ser, ao que parece, para somente alguns indivíduos titulares de seu
direito de ação – aqui judicialmente consignado161.

156
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. p. 308.
157
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 41.
158
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 42.
159
“o conceito ‘agir comunicativo’, que leva em conta o entendimento lingüístico como mecanismo de
coordenação da ação, faz com que as suposições contrafactuais dos atores que orientam seu agir
por pretensões de validade adquiram relevância imediata par a construção e a manutenção de
ordens sociais: pois estas mantêm-se no modo do reconhecimento de pretensões de validade
normativas. [...] O conceito elementar ‘agir comunicativo’ explica como é possível surgir integração
social através de energias aglutinantes de uma linguagem compartilhada intersubjetivamente”.
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. p. 35-36, 46.
160
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. p. 125.
161
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Vol II. p. 297-298.
55

Reserva, assim, as cortes constitucionais como leitores


procedimentais da Constituição:

[...] o tribunal constitucional precisa examinar os conteúdos de


normas controvertidas especialmente no contexto dos
pressupostos comunicativos e condições procedimentais do
processo de legislação democrático. Tal compreensão
procedimentalista da constituição imprime uma virada teórico-
democrática ao problema da legitimidade do controle jurisdicional
da constituição162.

Garapon coaduna com o filósofo alemão, mediante a


assertiva de que:

[...] O excesso de direito pode desnaturalizar a democracia; o


excesso de defesa, paralisar qualquer tomada de decisão; o
excesso de garantia pode mergulhar a justiça numa espécie de
adiamento ilimitado. De tanto ver tudo através do prisma
deformador do direito, corre-se o risco de criminalizar os laços
sociais e de reativar o velho mecanismo sacrificial. A justiça não
pode se colocar no lugar da política; do contrário, arisca-se a abrir
caminho para uma tirania de minorias, e até mesmo para uma
espécie de crise de identidade. Em resumo, o mau uso do direito é
tão ameaçador para a democracia como seu pouco uso163.

O teórico francês, em seqüência, defende posição


totalmente inversa ao ideal garantista, quando argumenta acerca da invasão do
direito na política, apontando negativamente à figura de um juiz interventor em
células que não aquelas restritas à própria discricionaridade processual, seu único
campo de atuação de que é proibido desatrelar-se além da própria corporação a
que pertence164.

162
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Vol I, p. 326.
163
GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia. p. 53.
164
GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia. p. 55.
56

Contudo, toda a tese procedimentalista é desconstruída


pelos substancialistas, entre eles, no campo nacional, habilmente por Lenio Luis
Streck, quando ao discorrer acerca do tema, se posiciona:

[...] a corrente substancialista entende que, mais do que equilibrar


e harmonizar os demais Poderes, o Judiciário deveria assumir o
papel de um intérprete que põe em evidência, inclusive contra
maiorias eventuais, a vontade geral implícita no direito positivo,
especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios
selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem
e na do Ocidente. O modelo substancialista – que, em parte aqui
subscrevo – trabalha na perspectiva de que a Constituição
estabelece as condições do agir político-estatal, a partir do
pressuposto de que a Constituição é a explicitação do contrato
social. É o constitucionalismo-dirigente que ingressa nos
ordenamentos dos países após a segunda guerra.
Conseqüentemente, é inexorável que, com a positivação dos
direitos sociais-fundamentais, o Poder Judiciário (e, em especial, a
justiça constitucional), passe a ter um papel de absoluta
relevância, mormente no que pertine à jurisdição constitucional. O
Poder Judiciário não pode assumir uma postura passiva diante da
sociedade. Na perspectiva substancialista, concebe-se ao Poder
Judiciário uma nova inserção no âmbito das relações dos Poderes
de Estado, levando-o a transcender as funções de checks and
balances, ou seja, como bem lembra Vianna, mais do que
equilibrar e harmonizar os demais poderes, o judiciário, na tese
substancialista, deve assumir o papel de um intérprete que põe
em evidência, inclusive contra as maiorias eventuais, a vontade
geral implícita no direito positivo, especialmente nos textos
constitucionais, e nos princípios como de valor permanente na sua
cultura de origem e na do Ocidente – o universalismo mais
presente em Capeletti do que em Dworkin, este último mais
próximo de um republicanismo cívico165.

A Constituição, nessa vereda, continua sendo a sociedade,


em suas multifaces, abarcando todos os gêneros, todas as raças ou classes, cuja
defesa substancialista atarefada ao Poder Judiciário, ampliado e adicionado por
um controle maior da constitucionalidade das normas inferiores não pode olvidar,
regulando, desse modo, todo e qualquer desnível, seja em sentido amplo a

165
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 46.
57

dicotomia da validade e da vigência, seja em sentido estrito a segregação ou não


de direitos fundamentais à parcela significativa da população166.

Ao arremate, é ela – a Constituição – o reflexo de todo o


desejo popular, filtrado através de substratos éticos, políticos e racionais que lhe
dão a validade indispensável para a sua intervenção, quando exigida:

[...] posto que é no próprio texto constitucional de uma


determinada nação, peça central do seu ordenamento jurídico e
expressão maior da vontade popular, que irá se localizar o
indicativo mais seguro para a busca da certeza e da
previsibilidade razoável ao direito, dentro da compreensão dos
rumos pretendidos por esta coletividade e que deverão ter
tomados na condução do Estado Democrático de Direito167.

A tentativa de segregação ou até de “marginalização” da


Constituição não encontra respaldo no “caldo substancial” que expõe diretamente
na sua positivação constitucional, quais são as regras fundamentais que dão
escopo à vontade soberana do povo.

1.3.4 O encontro do substancialismo com o garantismo

O garantismo jurídico, marcado por características


humanistas, estabelecidas como forma de controle da arbitrariedade estatal, da

166
Especialmente Streck balisa a argumentação acima, quando invoca o norte-americano Laurence
Tribe: “[...] Tribe vai dizer que a proteção das minorias isoladas e sem voz, excluídas do processo
de participação política, possuem também um fundamento substantivo: a legislação que discrimina
a qualquer categoria de pessoas deve ser rechaçada cm base em uma idéia sobre o que significa
ser pessoa, e a própria idéia de segregação dos negros ou mulheres somente pode ser rechaçada
encontrando uma base constitucional para afirma que, em nossa sociedade, tais idéias estão
substantivamente fora do lugar. Em síntese, para Tribe, circunscrever a interpretação
constitucional à idéia de abertura política supõe um círculo fechado. Por isso, as teorias
defensoras da Constituição como processo (como garantia de abertura e de participação) supõem
um emprobecimento do papel da teoria constitucional: a Constituição pareceria estar dirigida
somente ao juízes, porém não aos cidadãos nem aos representantes, em face da sua
incapacidade para informar no conteúdo do debate, discussão e decisão política”. STRECK, Lenio
Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 47.
167
OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues de. Ciência e Direito Constitucional: O caminho do
Estado Democrático de Direito. NUNES, José Avelãs; COUTINHO, Jacinto Nelson (org.).
Diálogos Constitucionais: Brasil/Portugal. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 254.
58

visualização de uma esfera do que é decidível e o que não é, provoca a


possibilidade de uma democracia substancial mediante o uso de técnicas
materiais de efetividade de Direitos Fundamentais constitucionalmente previstos
e, por isso, encontra a perfeita sintonia na filosofia política substancialista, na
medida em que, como já dito alhures, estabelece, também, a seu modo, medidas
e posturas de cunho intervencionista168 do Poder Judiciário, enquanto guardião
incansável da supremacia dos ditos direitos:

[...] Se a Constituição condensa normativamente valores


indispensáveis ao exercício da cidadania, nada mais importante
do que a busca (política, sim, mas também) jurídica de sua
afirmação (realização, aplicação). O como elaborar isso
juridicamente, esta é a obra para uma nova dogmática
constitucional, cujo desafio é tornar a Constituição uma Lei
Fundamental integral. Não se pode correr o risco de fazer dela
uma Constituição normativa na parte que toca os interesses das
classes hegemônicas e uma Constituição nominal na parte que
toca os interesses das classes que buscam a emancipação169.

Destarte, há um núcleo duro na Constituição,


consubstanciado na aglutinação de vários direitos elevados à categoria de
Fundamentais, portanto, impostos à condição sine qua non de restrição ao seu
vilipêndio pelo organismo estatal, a saber:

Como restrição deve-se entender qualquer ação ou omissão dos


poderes públicos, aí incluídos o legislador, a Administração e o
Judiciário, que afete desvantajosamente o conteúdo de um direito
fundamental, reduzindo, eliminando ou dificultando ‘as vias de
acesso ao bem nele protegido e as possibilidades de sua fruição
por parte dos titulares reais ou potenciais do direito fundamental’,
bem como enfraquecendo ‘deveres e obrigações, em sentido lato,

168
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 51.

169
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 50.
59

que, da necessidade da sua garantia e promoção resultam para o


Estado170.

A heteropoiese defendida pelo garantismo, consubstanciada


no caráter refratário às posturas sistêmicas, no contexto aqui descrito, por
exemplo, se aproxima do substancialismo, como se destaca:

[...] Ferrajoli fala de uma democracia constitucional, fruto de uma


mudança radical de paradigmas do Direito, mudança para a qual
não tomamos ainda suficiente consciência. Esse câmbio
paradigmático que fez com que a Constituição fosse alçada à
posição de garantia da divisão de Poderes e dos direitos
fundamentais, se tem produzido como uma verdadeira invenção
do século XX, através da rigidez das constituições e, portanto, da
sujeição ao Direito de todos os Poderes, incluindo o Poder
Legislativo, tanto no plano do Direito interno como do Direito
internacional; portanto, sua sujeição ao imperativo da paz e dos
princípios de justiça positiva, os primeiros dentre todos os direitos
fundamentais assim estabelecidos nas constituições dos Estados,
assim como naquele embrião de constituição do mundo, que é a
Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos
do Homem171.

A “revolução copernicana”, tratada várias vezes na obra de


Streck, aqui em comento, pode perfeitamente ser estendida in casu para a
filosofia garantista, eis que facilmente identificada como uma “nova onda”, ainda
que todo o seu caráter epistemológico e principiológico tratado, nada de novo
traga à baila, mas, sim, ares renovados de um Direito do Direito172, na medida em
que o que até então era concebido acerca do Direito, como instrumento agregado
ao parlamento, fazia sempre ele parte daquele, sujeito então a sua onipresença,
diferentemente das garantias que são defendidas em um viés democrático
substancial no qual eleva à suprema legitimidade e validade a Constituição,

170
DIAS, Eduardo Rocha. Os limites às restrições de direitos fundamentais na Constituição brasileira
de 1988. Democracia, Direito e Política: Estudos Internacionais em Homenagem a Friederich
Müller. LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto, ALBUQUERQUE, Paulo Antonio de Menezes.
Florianópolis: Conceito Editoral, 2006, p. 169.
171
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 48.
172
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 48.
60

deixando as demais normas hierarquicamente inferiorizadas e submetidas ao seu


controle rígido:

Trata-se, enfim, segundo o jurista italiano, de um câmbio


revolucionário de paradigma no Direito: alteram-se em primeiro
lugar, as condições de validade das leis que dependem do
respeito já não somente em relação às normas processuais sobre
a sua formação, senão também em relação às normas
substantivas sobre seu conteúdo, isto é, dependem de sua
coerência com os princípios de justiça estabelecidos pela
Constituição; em segundo lugar, altera-se a natureza da função
jurisdicional e a relação entre o juiz e a lei, que já não é, como no
seu paradigma juspositivista, sujeição à letra da lei qualquer que
seja o seu significado, senão que é uma sujeição, sobremodo, à
Constituição que impõe ao juiz a crítica das leis inválidas através
de sua reinterpretação em sentido constitucional e sua declaração
de inconstitucionalidade; em terceiro, altera-se o papel da ciência
jurídica que, devido ao câmbio paradigmático, resulta investida de
sua função à não somente descritiva, como no velho paradigma
paleojuspositivista, senão crítica e construtiva em relação ao seu
objetivo; crítica em relação às antinomias e às lacunas da
legislação vigente em relação aos imperativos constitucionais, e
construtiva relativamente à introdução de técnicas de garantia que
se exigem para superá-las; altera-se, sobremodo, a natureza
mesma da democracia173.

É de se repetir, assim, que o garantismo, ao propor uma


transformação da democracia em democracia substancial, provoca inegavelmente
uma rediscussão do papel do Direito, quando delimita as áreas até então a aquela
que exercia apenas características formais e procedimentais, isto é, ao
estabelecer a esfera do decidível e do indecidível no lastro dos direitos
fundamentais, não permite mais que o Direito esteja agregado à política e a suas
dualidades de comportamento, contrários aos princípios norteadores garantidores
e positivados em uma Constituição, aqui revestida de vínculos positivos ou

173
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 49.
61

negativos, de direitos sociais ou de liberdades que não podem ser vilipendiados


nem pela maioria, mas satisfeitos ad infinitum174 a todos, sem distinção.

174
Acerca da dualidade de comportamento evidenciada no campo da política, mais uma vez Streck
consigna: “Veja-se que em julho de 1998, o então candidato Luis Inácio Lula da Silva assumiu
publicamente ‘o compromisso de acabar com o uso indiscriminado de medidas provisórias. O atual
governo editou mais MPs do que os decretos-leis editados pelos governos militares. Limitar-me-ei
ao que prescreve a Constituição Federal – para cuja elaboação contribuí – de só editar medidas
provisórias em situações de emergência’. Já o Presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva editou,
nas primeiras 78 semanas de governo, o expressivo número de 75 medidas provisórias,
superando a marca deixada pelos seus antecessores (Fernando Henrique Cardos e Fernando
Collor de Mello)”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. p. 49.
CAPÍTULO 2

DELAÇÃO PREMIADA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

2.1 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA NO


BRASIL

A delação premiada175, existente hoje no ordenamento


jurídico brasileiro em várias legislações esparsas176, como se verá
oportunamente, pode ser definida latu sensu, como sendo a comunicação de um
ato criminoso feito por um réu (co-autor e partícipe, todos, claro, acusados ou
indiciados. Isto porque pode ser antes da denúncia e não há, propriamente, réus)

175
Para que se possa de início estabelecer um marco conceitual do que seria delação, traz-se à
lume a indicação precisa de Aurélio: “1. Ato de delatar; denúncia. 2. Revelação, manifestação,
mostra[...]”. HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 7. ed.
São Paulo: Nova Fronteira, 1995, p. 531.
176
“Prêmios” pela delação e confissão são encontrados facilmente. Basta ver as Leis nº 7.492/86:
Art. 25, § 2º: “Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou
partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama
delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.”; 8.137/90: Art. 2º, parágrafo único: “Nos
crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que
através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa
terá a sua pena reduzida de um a dois terços.”; 9.034/95: Art. 6º: “Nos crimes praticados em
organização criminosa, a pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços), quando a colaboração
espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.”; 9.613/98: Art.
1º, § 5º: “A pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços) e começará a ser cumprida em regime
aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor,
co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos
que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens,
direitos ou valores objeto do crime.”, 10.409/02: Art. 32, § 2º: “O sobrestamento do processo ou a
redução da pena podem ainda decorrer de acordo entre o Ministério Público e o indiciado que,
espontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou
mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que,
de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça.” e Art. 32, § 3º:
“Se o oferecimento da denúncia tiver sido anterior à revelação, eficaz, dos demais integrantes da
quadrilha, grupo, organização ou bando, ou da localização do produto, substância ou droga ilícita,
o juiz, por proposta do representante do Ministério Público, ao proferir a sentença, poderá deixar
de aplicar a pena, ou reduzi-la, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), justificando a sua decisão.” ,
bem como os arts. 65, III, d : “Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: III - ter o
agente: d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;”, e 159, § 4º,
do CP“Art. 159 – Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer
vantagem, como condição ou preço do resgate: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. §
4º – Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a
libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.”
63

que, intencionalmente, quer colaborar na investigação e/ou processo criminal, e


vai desde a redução de 1/3 a 2/3 da pena até a exceções à regra, como nos
Crimes de Lavagem de Dinheiro (9.613/98) – que prevê a possibilidade de o Juiz
deixar de aplicar ou substituir a pena, ou ainda substituí-la por uma restritiva de
direitos e na Lei de Tóxicos, que permite ao Ministério Público o não-oferecimento
da denúncia, ou, em caso de oferecimento, a redução de 1/6 a 2/3 na pena
hipoteticamente a ser aplicada177.

Tem a delação premiada, como origem, o acordo de vontade


entre as partes, e, para tanto, revela características e efeitos que atingem
sobremaneira o processo criminal, seus princípios constitucionais norteadores,
como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal de forma
indelével, confrontando diretamente, desse modo, com os alicerces do Estado
Democrático de Direito e todo o seu arcabouço jurídico conectado.

A delação premiada não estabelece qualquer limite


temporal, podendo a colaboração ser operada pelo delator em qualquer fase,
inclusive após o trânsito em julgado da condenação178, haja vista a possibilidade
de se chegar a uma extinção da punibilidade não só na fase processual, como
também no momento da execução da pena, sob análise do juiz das Execuções,
inclusive com pedido de revisão criminal179.

Assim, cabe ao juiz, no momento da concessão ou não do


prêmio da delação, quando da aplicação da dosimetria, ater-se aos requisitos
contidos nos artigos 59 e 68 do Código Penal.

Deve-se, também, frisar que os juízes, ao controlarem a


aplicação e a regularidade da lei no processo, homologam, por conseqüência, o

177
MIRANDA COUTINHO, Jacinto de. Acordos de Delação Premiada e o Conteúdo Ético Mínimo
do Estado. Revista Jurídica no. 344. Sapucaia do Sul: Nota 10, 2006, p. 94.
178
CERVINI, Raúl;OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de Lavagem de Capitais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 345.
179
GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado. Franca:
Lemos & Cruz, 2006, p.175.
64

acordo formulado pelo Ministério Público e o delator, na perspectiva de como o


processo penal é desenhado no Brasil180.

Inúmeros são os exemplos de delatores na história humana,


não só na seara jurídica, mas em outras tantas veredas reais ou não, pois a figura
do delator, o seu perfil psicológico, entre outras tantas características, é típico do
homem desde sempre.

A odiosa conduta do delator, sua dualidade em razão da


ética e da moral existentes, mesmo causando repulsa aos conceitos primários do
ser humano, sempre foi hipocritamente permitida em maior ou menor grau na
sociedade, sujeita a alguns “prêmios” mas a muitos castigos, como se vê na
passagem marcante de Don Quixote de La Mancha, na apresentação do
transcurso da traição da confiança, em seu elemento mais repugnante e perverso,
entretanto, permitido:

[...] Cativaram também o comandante do forte, que se chamava


Gabrio Serbelloni, nobre milânes, grande engenheiro e
valentíssimo soldado. Morreram nestas duas fortificações muitas
pessoas importantes, das quais foi um Pagano Doria, cavaleiro da
Ordem de São João, de caráter generoso, como o mostrou suma
liberalidade que usou com seu irmão, o famoso Giovanni Doria; e
o que mais tornou lastimosa sua morte foi o haver morrido nas
mãos de uns alárabes em que se fiara, vendo já perdido o forte, e
que se haviam oferecido para levá-lo em traje de mouro a
Tabarca, que é um pequeno porto ou casa que naquelas orlas têm
os genoveses que se dedicam à pesca de coral, os quais os
alárabes lhe cortaram a cabeça e a levaram ao capitão da frota
turca, o qual cumpriu com eles o nosso provérbio castelhano:
‘Ainda que a traição apraza, o traidor se aborrece’[...]181.

Em outra passagem marcante da literatura universal,


Dostoiévski narra a história de Raskólnikov na obra “Crime e Castigo”.

180
TEOTÔNIO, Paulo José Freire; NICOLINO, Marcus Túlio Alves. O Ministério Público e a
colaboração premiada. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, no. 21,
agosto/setembro, 2003.
181
Ou seja, “ainda que a traição agrade, o traidor é sempre detestado” CERVANTES SAAVEDRA,
Miguel de. O engenhoso fidalgo Don Quixote da Mancha. São Paulo: Record, 2005, p. 437.
65

Ao matar a usuária e a irmã dela, na mesma cena, há um


erro, e em razão disso é perseguido pela consciência. No decorrer do livro esta
irmã é um dos grandes motivos de sua demanda de castigo.

A par disso, à luz do texto presente, tem-se um diálogo


perverso com o comissário de polícia e a proposta de confissão, como forma de
atenuação da pena182.

2.2 A DELAÇÃO PREMIADA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

2.2.1 Lei do Crime Organizado

O crime organizado183 no Brasil, passou a ser praticado com


o advento do crime de tráfico de entorpecentes e com o crescimento dos roubos a
instituições financeiras.

Com efeito, uma coisa estava ligada a outra184, vez que,


para manter a prática ligada ao tráfico, eram necessárias vultosas quantidades de
dinheiro, subtraídas, portanto, das casas bancárias.

182
Vale à pena, então, a citação do seguinte trecho: “[...] Sua pena será diminuída
consideravelmente. Pense nisso. Em que ocasião o senhor iria denunciar-se? Justamente no
momento em que um outro assumiu a responsabilidade do crime e veio confundir todo o caso!
Pela parte que me toca, comprometo-me formalmente, perante Deus, a empregar todos os meus
esforços para que o tribunal lhe conceda todo o benefício de sua iniciativa. Deixaremos de lado
toda essa psicologia; reduzo a nada as suspeitas que levantaram contra o senhor, de modo que
não ser verá no seu crime senão o resultado de um desvario fatal, que aliás, no fundo, não foi
outra coisa. Eu sou um homem honesto, Rodion Românovitch, e cumprirei minha palavra”.
DOSTOIÉVSKI. Crime e Castigo. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 461.
183
O doutrinador Luis Flávio Gomes conceitua o que seria crime organizado: “[...] A ciência
criminológica, de qualquer modo, já conta com incontáveis estudos sobre as organizações
criminosas. Dentre tantas outras, são apontadas como suas características marcantes: hierarquia
estrutural, planejamento empresarial, claro objetivo de lucros, uso de meios tecnológicos
avançados, recrutamento de pessoas, divisão funcional de atividades, conexão estrutural ou
funcional com o poder público e/ou com o poder político, oferta de prestações sociais, divisão
territorial das atividades, alto poder de intimidação, alta capacitação para a fraude, conexão local,
regional, nacional ou internacional com outras organizações etc”. GOMES, Luis Flávio. Crime
Organizado: o que se entende por isso depois da Lei 10.217/01?. Disponível em:<
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2919>. Acesso em 15 de abril de 2007.

184
LIPINSKI, Antonio Carlos. Crime organizado & a prova penal. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p.
23.
66

Houve uma incidência vertiginosa da relação entre esses


dois tipos penais citados, a partir do momento em que houve uma maior exigência
do legislativo na imposição legal aos bancos no aperfeiçoamento de sua
segurança interna185. Aos poucos, houve uma mudança em direção a assaltos a
cargas e caminhões, no início dos anos 1980, o que resultou, a posteriori, na
criação da comissão sobre o crime organizado, cujo relator era o, à época,
deputado federal Michel Temer, com a finalidade de adequar o crime organizado
na nova tipologia penal, consubstanciada, então, em meados da década de 1990,
na referida Lei 9.034/95186, alterada tempos depois, com o advento da Lei
10.217/01.

A lei do crime organizado surgiu, tendo como pano de fundo


as organizações criminosas mais especializadas na prática criminosa, com
feições caracterizadas quase sempre pela pluralidade de agentes, definição clara
de hierarquia e funções, grande poderio econômico e lastro territorial nacional e
internacional187.

Contudo, a crítica se faz justamente na ausência de


determinação precisa do legislador no texto da lei, no que tange a definição do
que seria efetivamente uma organização criminosa, somente preenchida com o
exercício do discurso advindo da jurisprudência e da doutrina nacional, com
características bem distintas de outras modalidades de crime ou tipos penais
quais sejam:

[...] acumulação de poder econômico, hierarquia estrutural ou


piramidal, planejamento empresarial com divisão funcional de
atividades visando o fim de lucro, delimitação de território e áreas
de atuação, conexões com o poder público/político resultantes

185
LIPINSKI, Antonio Carlos. Crime organizado & a prova penal. p. 23.

186
LIPINSKI, Antonio Carlos. Crime organizado & a prova penal. p. 24.

187
SOUZA FILHO, Jayme José de. Investigação Criminal à luz da Lei 9.034/95 – A atuação de
agentes infiltrados e suas repercussões penais. Disponível em:<
http://www.uel.br/revistas/direitopub/pelfs/vol_02/ano1_vol2_07.pdf>. Acesso em 24 de abril de
2007.
67

num alto grau de corrupção, acesso a recursos tecnológicos


modernos, facilidade no recrutamento de pessoal,
assistencialismo junto a comunidade local ou a seus membros e
familiares destes, alto poder de intimidação, manutenção de
relações locais, regionais e internacionais com outras
organizações criminosas e elevado grau de violência para seus
delatores e de suas famílias ou ainda para grupos rivais188.

É desse modo claro o perfil de que a estrutura de uma


organização criminosa tem uma essência equiparada a de uma empresa189,
sendo que se destaca pela diferenciação de outros tipos penais em razão de sua
capilaridade, isto é, suas conexões vão muito mais além do que o próprio
submundo do crime, infiltrando-se nas mais variadas camadas da sociedade civil,
na economia e na política em comunidade, corrompendo sobremaneira os mais
altos setores dos Poderes do Estado190.

O conteúdo aqui transcrito se dá na perspectiva, à prima


facie, na preocupação do legislador em contemplar e estabelecer mecanismos
necessários se não ao desmanche, ao desestímulo de organização com vistas à
referida prática.

Os delitos atualmente praticados de forma organizada, como


dito alhures, são os mais diversos, caracterizados pela multiplicididade de
condutas e ações, todas objetivando, sem exceção, a vantagem patrimonial191,
estendendo-se até, por exemplo, na verificação do animus em delinqüir e com

188
SOUZA FILHO, Jayme José de. Investigação Criminal à luz da Lei 9.034/95 – A atuação de
agentes infiltrados e suas repercussões penais. Disponível em:<
http://www.uel.br/revistas/direitopub/pelfs/vol_02/ano1_vol2_07.pdf>. Acesso em 24 de abril de
2007.
189
FERREIRA, Carla Rodrigues. A impunidade da atuação do crime organizado. Disponível
em:<http://www.ibccrim.com.br>. Acesso em 24 de abril de 2007.
190
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e
político-criminal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 75.
191
FERREIRA, Carla Rodrigues. A impunidade na atuação do crime organizado. Disponível em:<
http://www.ibccrim.com.br/site/artigos/capa.php?jur_id=1577>. Acesso em 15 de abril de 2007.
68

reflexos de enriquecimento, na pornografia ligada a pessoas, tanto maiores


quanto menores192.

Como lei disciplinadora e classificadora do crime organizado,


a realidade brasileira conviveu com a anterior até o ano de 2001, oportunidade em
que, a partir de abril do citado ano, o ordenamento jurídico no Brasil editou nova
norma, no caso a Lei 10.217/01, que deu diferente forma aos arts. 1º e 2º do
anterior diploma legal, além de contemplar dois novos institutos investigativos: a
interceptação ambiental e infiltração policial193.

A delação premiada aparece no art. 6º da mencionada lei,


com a seguinte redação:

Nos crimes praticados em organizações criminosas, a pena será


reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea
do agente levar a esclarecimento de infrações penais e sua
autoria.

É, portanto, aplicável o referido instituto, quer seja no crime


organizado e em qualquer modalidade de prática que a ele se amolde, ou
daqueles decorrentes da própria organização criminosa, isto é, crimes
organizados por “extensão”194, sendo o seu requisito basilar a “colaboração
espontânea” do agente, ou, nas palavras de Gomes:

[...] Sua colaboração precisa ser ‘espontânea’, isto é, não basta,


como em geral acontece, simples voluntariedade. A diferença
marcante entre tais conceitos é esta: no ato espontâneo a idéia, a
iniciativa de praticá-lo emana do próprio agente; no ato voluntário
não se exige que a idéia de praticá-lo seja do próprio agente (isto
é, mesmo que ele tenha ouvido conselhos alheios, acaba por
praticar um ato voluntário, embora não espontâneo). Para a
espontaneidade não é preciso arrependimento. O agente pode

192
PEREIRA, Carla Toloi. Inocência roubada: a questão da disseminação de imagens
pornográficas envolvendo crianças e adolescentes na internet. Disponível em:<
http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1768>. Acesso em 15 de abril de 2007.
193
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado: o que se entende por isso depois da Lei
10.217/01?. Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2919>. Acesso em 15 de
abril de 2007.
194
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado. p. 168.
69

estar arrependido ou não. Se colaborar eficazmente terá direito ao


benefício legal. De outro lado, pouco importa o motivo do seu ato
espontâneo (medo da justiça, vontade de sair logo da cadeia,
vontade de incriminar parceiros, etc.)195.

De se destacar, contudo, sem embargo da espontâneidade


do agente, imprescindível é que a delação apresentada seja eficaz, materializada
no apontamento certeiro das infrações penais e a sua respectiva autoria, a fim de
que, com isso, seja desnecessário o uso total do aparato estatal na persecução
criminal, traduzindo, dessa forma, em economia de investigação, tempo, entre
outras, sem o que o “prêmio” não será concedido196, podendo ainda ser feita a
qualquer momento, não só no processo de cognição, mas, também, após o
trânsito em julgado, portanto, durante a execução da pena.

Sendo, nesse sentido, eficaz, tem-se um exemplo de direito


premial197, recebendo, destarte, o agente a possibilidade de redução de um a dois
terços da pena, levando-se em conta, no momento da dosimetria da pena, a
extensão do resultado em termos de esclarecimento da delação praticada pelo
agente em relação à realidade dos autos, podendo, ainda que não considerada
eficaz, ocorrer a circunstância atenuante prevista, quando procurou diminuir as
conseqüências do delito198.

2.2.2 Lei de Lavagem de Dinheiro

Em 1998, foi promulgada a Lei no. 9.613/98, que passou a


disciplinar e tipificar o crime de “lavagem de dinheiro”.

195
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e
político-criminal. p. 168.
196
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e
político-criminal. p. 169.
197
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e
político-criminal. p. 169.
198
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e
político-criminal. p. 169.
70

Referido ilícito penal tem pormenorizado o seu tipo penal,


bem como as variações em que se admite a sua incidência, no primeiro artigo da
referida lei199, constituindo-se, assim, seu objeto material200.

É, assim, absolutamente imprescindível que seja a


proveniência direta ou indireta desses bens indicados no caput, de natureza ilícita
para a caracterização do ilícito penal de lavagem de dinheiro201.

As características ínsitas na Lei de Crime de Lavagem de


Dinheiro dão a dimensão de que seu perfil se constitui como sendo um delito
praticado também de forma organizada, com seus tentáculos espalhados nas
mais diversas atividades econômicas202, tendo como fomento de expressão o
tráfico de entorpecentes no âmbito nacional e internacional.

Há, assim, clara preocupação do legislador no que tange a


estender por meio da definição não só do tipo penal da “lavagem de dinheiro”,
mas também das partes envolvidas, eis que não só aqueles ditos mentores da
organização criminosa, co-autores, partícipes, mas outros que obtiveram
vantagem ilícita indireta com a ação203.

199
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV – de extorsão mediante seqüestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos
administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa.
200
SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre:
Livraria do Advogado: 2001, p. 50.
201
SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro. p. 114.
202
SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro. p. 52.
203
BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de dinheiro: Implicações Penais, Processuais e
Administrativas. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 7.
71

Nesse contexto, as discussões ainda se remetem à


possibilidade ou não de que, além das pessoas naturais, as pessoas jurídicas
também podem figurar no pólo ativo, o que é diretamente descartado na medida
em que: a uma: o próprio instituto da personalidade da pena impede, no caso em
apreço, a possibilidade de transcender a responsabilidade criminal na pessoa dos
sócios, com seus nefastos desdobramentos204, aliado ainda ao fato de que
presente é o princípio de que a sociedade não pode delinqüir (societatis
delinquere non potest), vez que a empresa está despida de consciência (dolo)205,
sendo direcionada a sanção aos dirigentes de pessoas jurídicas que se utilizam
das mesmas para a consecução de seus atos delituosos na forma de “lavagem de
dinheiro”206; e a duas: somente é aceito a pessoa jurídica integrando o pólo
passivo da demanda (sujeito passivo mediato)207, eis que o bem jurídico pode ser
entendido como àqueles afeitos à coletividade, por serem tutelados também pela
ordem econômica208.

2.2.3 Lei de Crimes Hediondos

A Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), foi a primeira lei


esparsa a admitir a aplicação do prêmio à delação no Brasil209.

Entretanto, antes de se fazer uma análise detalhada da


referida norma à luz do dito instituto, necessário é percorrer os motivos que
levaram à edição de tão controvertida lei.

Identificada como exemplo claro do Movimento Lei e


Ordem210, a Lei de Crimes Hediondos juntamente com seus fiéis caudatários211, é

204
SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro. p. 45.
205
SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro. p. 44.
206
SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro. p. 45.
207
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997, p. 192.
208
SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro. p. 49.
209
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado. p. 166.
210
O “Movimento Lei e Ordem” é uma denominação dada para qualquer movimento de cunho
conservador que visa em síntese o estabelecimento de uma política criminal com o objetivo do
72

exemplo requentado até os dias atuais dos inúmeros casuísmos perpetrados pelo
Poder Legislativo em matéria penal e a sua contradição com o compromisso
constitucional defendido pelo garantismo212.

Assim é que o constituinte, ao inserir no texto da Carta


Maior, o arremedilho de comprometimento com a sociedade, consubstanciou seu
interesse primitivo de retributividade da pena pelo mal praticado, através do inciso
XLIII do artigo 5º, provocando, de forma irretorquível, a repulsa de segmentos que
entendiam ser aquela categoria de infrações denominadas de crimes hediondos

recrudescimento do sistema penal em detrimento de uma minização paulatina dos direitos e das
garantias fundamentais.
211
Os caudatários, ou seja, o elevado número de séquitos, subservientes à causa “hedionda” e o seu
à época movimento pela promulgação, foram denunciados por inúmeros especialistas e escritores
do Direito Penal, um deles o Professor Dr. João José Leal, que com absoluta propriedade
denunciaram, sim, a hediondez técnica e ideológica do texto da lei: “[...] Do ponto de vista
ideológico, não há dúvidas de que esta lei somente logrou aprovação devido ao pensamento
extremamente conservador da maioria dos membros do Congresso Nacional. Muitos deles
marcados pelo conservadorismo político, outros pela alienação e desinteresse de fim de mandato,
os parlamentares votaram um texto legal que representa um verdadeiro retrocesso em face do
processo histórico de humanização contínua do Direito Penal, endurecendo desnecessariamente o
sistema punitivo vigente e contrariando princípios jurídicos-penais indiscutíveis, como o da
individualização, o da progressão pelo mérito do condenado na execução da pena privativa de
liberdade e o princípio da presunção da inocência. [...] Pode-se afirmar que a primeira lei
modificadora do rol dos crimes hediondos tem sua origem imediata num fato notório e de grande
repercussão nacional, mas de interesse particular: o assassinato da atriz Daniela Perez da Rede
Globo de televisão. Sua mãe, Glória Perez, escritora de novelas, com o apoio dos meios de
comunicação social, conseguiu articular forte movimento de manipulação e de motivação da
opinião pública, em favor da inclusão do homicídio no rol dos crimes hediondos. O
sensacionalismo tomou conta da mídia, que armou e preparou o espírito do povo para exigir uma
resposta punitiva mais severa para os assassinos. Isto formou uma intensa e determinante
pressão política sobre o Congresso Nacional que, motivado por uma ‘moção popular’ com
milhares de assinaturas, acabou por votar uma lei penal que representa mais um compromisso
com o obscurantismo éticojurídico e com a repressão criminal baseada na idéia da pena como
pura retribuição pelo mal causado”. LEAL, João José. Crimes Hediondos. 2. edição. Curitiba:
Juruá, 2006, p. 98.
212
“A celeridade que caracterizou a tramitação do projeto no Congresso não foi, porém,
acompanhada da necessária segurança dos parlamentares quanto à matéria nos momentos de
votação. A simples leitura das discussões empreendidas sobre o tema, principalmente na Câmara,
possibilita a percepção do desconhecimento, das incertezas e da sensação de inocuidade da lei
manifestada por alguns parlamentares. [...] A propósito, a título meramente exemplificativo, cabe o
resgate das seguintes manifestações: ‘Sr. Presidente, parece-me que seria melhor se tivéssemos
possibilidade de ler o susbtitutivo. Estamos votando uma proposição da qual tomo conhecimento
através de uma leitura dinâmica. Estou sendo consciente. Pelo menos gostaria de tomar
conhecimento da matéria. [...] quero que me dêem, pelo menos, um avulso, para que possa saber
o que vamos votar’. – Deputado Érico Pegoraro (PFL). ‘[...] Por uma questão de consciência, fico
um pouco preocupado em dar meu voto a uma legislação que não pude examinar. [...] Tenho todo
o interesse em votar a proposição, mas não quero fazê-lo sob a ameaça de, hoje à noite, na TV
Globo, ser acusado de estar a favor do seqüestro. Isso certamente acontecerá se eu pedir
adiamento da votação’. Deputado Plínio de Arruda Sampaio (PT)”. ILANUD. Relatório final de
pesquisa. A Lei de crimes hediondos como instrumento de política criminal. São Paulo:
ILANUD/Nações Unidas, jul 2005, 113 p., p. 11-12.
73

constitucionais213, como expressão máxima do recrudescimento das penas pelo


aparato estatal na renovada tipificação penal, intencionalmente alimentada pelo
medo apregoado por constituintes de formação conservadora214, delineando,
assim, novas sanções aos crimes de tráfico de entorpecentes, roubo, extorsão
mediante seqüestro, homicídio e estupro.

Abstraída a questão ideológica, política e emocional, que


ajudaram a construir a referência do crime hediondo no Brasil, o claudicante
tecnicismo empregado no cerne da lei sempre foi indubitavelmente, questão
pontual dos críticos.

Ao não conceituar, no âmbito material, o que é crime


hediondo, provou, de início, que os critérios expostos de política criminal eram
discutíveis na medida em que estabeleceu elementos de paridade para crimes
absolutamente diferentes, quer seja em seu núcleo (o tipo penal definidor), quer
seja o de gravidade e potencialidade danosa à coletividade (repugnância),
valendo-se de um discernimento equivocado no aferimento da cota mais elevada
de reprovação (pena), banalizando, destarte, a gravidade das infrações215.

A categoria de crimes hediondos é identificada como:


homicídio, latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante
seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia e falsificação de produto
terapêutico ou medicinal.

Alheado da questão contraditória supra, a delação premiada


é apontada no parágrafo único do art. 8º.

Assim, todo aquele envolvido na prática do ilícito que


denunciar a quadrilha ou o bando, desta forma desmantelando-o eficazmente,
terá a pena reduzida de um a dois terços.

213
LEAL, João José. Crimes Hediondos. p. 31.
214
LEAL, João José. Crimes Hediondos. p. 28.
215
LEAL, João José. Crimes Hediondos. p. 39.
74

Essa lei insere, em seu texto, a figura, do associado e do


participante, como sendo duas figuras, no caso, beneficiadas com o prêmio da
delação, assim identificadas:

Associado, no caso de quadrilha, significa autor deste crime de


concurso necessário ou plurissubjetivo. Por outro lado, o termo
participante deve ser entendido no sentido amplo, abrangendo
não só o partícipe (autor secundário), mas também o autor e co-
autores dos eventuais crimes que venham a ser praticados pela
quadrilha ou bando216.

A crítica se perfaz no sentido de que, em sendo crimes


tecnicamente muito mais nocivos e agressivos no convivo social217, o prêmio ou a
contrapartida estatal é executada ou transigida, ultrapassando-se limites éticos,
inclusive o do princípio da proporcionalidade, demonstrando sobejamente a
falência do Estado.

Nesse contexto, como já dito em linhas anteriores, a Lei de


Crimes Hediondos veio dentro de um contexto que nunca se sustentou, ou seja,
a de que, efetivamente, com seu advento, e com o seu recrudescimento, a prática
desses crimes seria, paulatinamente, reduzida pela promessa do “laço apertado
da pena”218, sabendo-se que nada conseguiu.

216
LEAL, João José. Crimes Hediondos. p. 246.
217
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado. p. 167.
218
Aqui cabe o trecho de uma entrevista concedida por Jacinto de Miranda Coutinho, acerca da
falácia que é a promessa da Lei de Crimes Hediondos: “Fosse eficaz – ou eficiente como querem
os neoliberais – "apertar o laço das penas" já teríamos tido os resultados que imaginaram; ou
imaginavam os ingênuos (será?) que vendiam a doce ilusão, então, em troca de votos. Dessa
gente, alguns são até bem-intencionados (e deles é que Agostinho Ramalho indaga: "quem nos
salva da bondade dos bons?"), mas boa parte são crápulas porque ganham com o caos, com a
desgraça alheia, com a miséria do nosso povo, sempre meio entorpecido por golpes de retórica
fácil que se não consegue desbaratar. Disponível em:< Fosse eficaz – ou eficiente como querem
os neoliberais – "apertar o laço das penas" já teríamos tido os resultados que imaginaram; ou
imaginavam os ingênuos (será?) que vendiam a doce ilusão, então, em troca de votos. Dessa
gente, alguns são até bem-intencionados (e deles é que Agostinho Ramalho indaga: "quem nos
salva da bondade dos bons?"), mas boa parte são crápulas porque ganham com o caos, com a
desgraça alheia, com a miséria do nosso povo, sempre meio entorpecido por golpes de retórica
fácil que se não consegue desbaratar.>. Acesso em 12 de maio de 2007.
75

2.2.4 Lei do Crime contra o Sistema Financeiro

Para fins de aplicação da Lei 7.492/86, o conceito de


sistema financeiro encontra-se disciplinado no art. 1º219, delimitando, assim, para
fins penais, a incidência do crime contra o sistema financeiro.

A previsão de condutas são: impressão ou publicação não


autorizada, divulgação falsa ou incompleta de informação, gestão fraudulenta ou
temerária, apropriação indébita e desvio de recursos, sonegação de informação,
emissão, oferecimento ou negociação irregular de títulos ou valores imobiliários,
exigência de remuneração acima da legalmente permitida, fraude à fiscalização
ou ao investidor, documentos contábeis falsos ou incompletos, contabilidade
paralela, omissão de informações; desvio de bem indisponível, apresentação de
declaração ou reclamação falsa, manifestação falsa, operação desautorizada de
instituição financeira, empréstimo a adminstradores ou parentes e distribuição
disfarçada de lucros, violação de sigilo bancário, obtenção fraudulenta de
financiamento, aplicação irregular de financiamento, falsa identidade; evasão de
divisas e prevaricação financeira.

A preocupação do legislador, à época na sua edição,


chamou atencão de alguns segmentos à esquerda da sociedade, vez que
determinada classe social até os anos 1980, salvo nos crimes passionais,
raramente ocupava o banco dos réus220.

219
Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público
ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação,
intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou
estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de
valores mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:
I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer
tipo de poupança, ou recursos de terceiros;
II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma
eventual.
220
TORON, Alberto Zacharias. Crimes de Colarinho Branco: Os novos perseguidos?. Revista
Brasileira de Ciências Criminais no. 28. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 73.
76

2.2.5 Da extorsão mediante seqüestro

O art. 159 do Código Penal foi conectado à condição de


crime hediondo através da nova redação dada pela Lei 8.072/90, e,
posteriormente, ao instituto da delação premiada, com o advento da Lei 9.269/96,
que acrescentou o paráfrafo 4º àquele tipo penal já existente, a possibilidade de
“se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade,
facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois
terços”.

À primeira vista, não se identifica a disposição do Poder


Legislativo em desfazer a nódoa feita às bases do Estado Democrático de Direito.

O art. 5º, inciso XLVII, impõe ao Poder Legislativo a


obrigatoriedade de não fazer a criação de determinados tipos de pena, eis que
por esse sistema político vigente, natural é a existência de condicionantes ao
exercício do poder, e, em especial, do legislativo, com o objetivo de impedir o livre
arbítrio, o abuso, ou numa visão otimista, equívocos da lei.

Com efeito, referido princípio constitucional prevê


tacitamente, em seu texto, a harmonia de outros princípios também contidos no
Direito Penal, a saber: a proporcionalidade e a culpabilidade.

Contudo, o Poder Legislativo advertido que foi acerca da


condição proibitiva, arvorou-se em editar, nos anos 1990, o mencionado
acréscimo ao tipo penal da extorsão mediante seqüestro, quebrando-se, por
conseqüência, os paradigmas da Constituição ora citados:

Sob pressão dos meios de comunicação social e de determinados


segmentos da sociedade, alterou, sem obedecer a regras mínimas
de coerência e de bom senso, sanções punitivas referentes a
determinadas figuras criminosas. Com isso, rompeu o razoável
equilíbrio existente na tessitura penal, entre a gravidade, em nível
social, do fato incriminado e a quantidade de pena cominada.
Essa manifesta desproporção faz-se sentir, em especial, no
77

tratamento sancionatório dado ao tipo de extorsão mediante


seqüestro221.

Assim é que se presta a extorsão mediante seqüestro como


mais um exemplo de como a manipulação ideológica é capaz de transformar a
sociedade numa verdadeira brincadeira de “cabra-cega”, eis que nenhum outro
delito, na atualidade, tem ocupado tanto espaço nos meios de comunicação de
massa, servindo, assim, de meio de manipulação da opinião pública que passa a
exigir maior rigor para o presente crime222, reputando-se a este, crime de grande
significado, mais premente de contenção do que problemas outros enraizados na
população, tal qual a mortalidade infantil223.

Nesse contexto, as alterações introduzidas pela Lei 8.072/90


e pela lei 9.269/96 promoveram irremediavelmente o descompasso legislativo, em
claro flagrante de vilipêndio aos direitos e às garantias individuais, facilmente
notado, a exemplo pelo incremento sofrido pelo mínimo punitivo que lhe era
anteriomente atribuído224.

Não poderia ser diferente na aplicação da delação premiada


no crime de extorsão mediante seqüestro. Ao assegurar o prêmio, clara é a
intenção de se premiarem os interesses individuais mediante a manipulação da
punição225.

A delação no caso sob vértice se estabelece mediante o


critério de que, através da sua colaboração, seja a manifestação clara da vontade
do agente, seja qual for a modalidade da participação (autor, co-autor ou como

221
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.
348.
222
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 348.
223
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 348.
224
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 348.
225
SANDOVAL HUERTAS, Emiro. Sistema Penal y Criminologia crítica. Bogotá: Temis, 1985, p.
61.
78

partícipe) em identificar ou demonstrar através de provas que contribuam para a


identificação dos demais participantes no delito226.

2.2.6 Confissão espontânea de autoria de crime perante autoridade

A confissão espontânea de autoria do crime, encontra


previsão também no Código Penal Brasileiro, em seu art. 65, inciso III, alínea d.

Desse modo, constitui circunstância atenuante, eis que


indica a admissão do agente ativo do crime a admissão livre e consciente – daí a
razão da espontaneidade – das conseqüências jurídicas advindas da declaração,
ou até de seu arrependimento na qualidade de autor ou de partícipe227.

A lei exige como condição indispensável para a assunção a


atenuação, duas condições: a) a espontâneidade, ou seja, a declaração deve ser
autônoma, sem que haja qualquer tipo de pressão seja da autoridade seja por
exemplo, de “provas irrefutáveis”228; e b) deverá ser a confissão levada à
presença de autoridade, no caso, interpretado em sentido amplo, não só à
autoridade judicial e policial, mas também o Ministério Público229.

2.3 DELAÇÃO PRÓ E DELAÇÃO CONTRA: DIREITO PENAL MÁXIMO X


DIREITO PENAL MÍNIMO

Pode-se dizer, sem embargo de tantas outras perspectivas


no campo da criminologia crítica (ou melhor ainda, na criminologia radical
segundo Juarez Cirino dos Santos), viezes se apresentam acerca da natureza do
crime e da razão de seu cometimento, demonstram que boa parcela da sociedade
vê em si mesma a necessidade imperiosa por punição sem limites, a qual muitas
vezes ao se deparar com a própria história, se denota facilmente a pouca

226
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 357.
227
SANTOS, Juares Cirino. Direito Penal. p. 585.
228
SANTOS, Juares Cirino. Direito Penal. p. 586.
229
SANTOS, Juares Cirino. Direito Penal. p. 586.
79

mudança na exacerbação desses instintos, ditos como sendo próprios da


natureza humana.

O capítulo vestibular da obra de Foucault, “Vigiar e Punir”,


que narra o suplício de Damiens230 é sem dúvida um verdadeiro libelo sobre a
criminalidade, a deliqüência, e o castigo, usado pode-se dizer assim, às avessas,
por setores no Brasil que defendem a manutenção da proposta neoliberal do
etiquetamento (labelling aproach), do Movimento Lei e Ordem e do Direito Penal
Máximo231 como forma direta e, portanto, sem qualquer rodeio, de nítida
separação entre ordeiros e desordeiros, seguidores da lei e criminosos232.

Os denfensores do Movimento da Lei e da Ordem pregam a


existência de um Direito Penal Máximo, consubstanciado numa maior presença
Estatal seja no recrudescimento de tipos criminais e nas suas penas, na criação
de outros tipos penais, evidenciando às escâncaras o expancionismo do Leviantã
do “welfare state” para o chamado “penal state”233.

230
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 31.ed. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 9.
231
Necessário se faz trazer a o pensamento luminar de Ferrajoli acerca da conceituação do Direito
Penal Máximo: “[...] o modelo de direito penal máximo, quer dizer, incondicionado e ilimitado, é o
que se caracteriza, além de sua excessiva severidade, pela incerteza e imprevisibilidade das
condenações e das penas e que, conseqüentemente, configura-se como um sistema de poder não
controlável racionalmente em face da ausência de parâmetros certos e racionais de convalidação
anulação. Devido a estes reflexos, o substancioalismo penal e a inquisição processual são as vias
mais idôneas para permitir a máxima expansão e a icontrolabilidade da intervenção punitiva e, por
sua vez, sua máxima incerteza e irracionalidade. Por um lado, com efeito, a equivalência
substancialista entre delitos e mala in se, ainda quando em abstrato possa parecer um critério
maism objetivo e racional do que nominalista da identificação do delito tal como é declarado pelo
legislador, conduz à ausência do limite mais importante ao arbítrio punitivo, que é ademais a
principal garantia da certeza: a rígida predertminação acerca do processo de qualificação do
delito. Por outro lado, investigação inquisitiva através de qualquer meio de ‘verdades substanciais’
ilusórias para além dos limitados recursos oferecidos em relação às regras processuais conduz de
fato, tanto mais se unida ao caráter indeterminado ou valorativo das hipóteses legais de desvio, ao
predomínio das opiniões subjetivas e até dos preconceitos irracionais e incontroláveis dos
julgadores. Condenação e pena são nestes casos ‘incondicionadas’ no sentido de que dependem
unicamente de uma suposta sabedoria e eqüidade dos juízes”. FERRAJOLI, Luigi. Direito e
Razão. p. 103.
232
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Teoria das Janelas Quebradas: Ainda!. Artigo
Científico publicado no Boletim Especial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, de outubro
de 2003.
233
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Teoria das Janelas Quebradas: Ainda!. Artigo
Científico publicado no Boletim Especial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, de outubro
de 2003.
80

Países como o Brasil, periféricos por natureza – aqui no


campo da maturação democrática – são invariavelmente atingidos por propostas
alheias às promessas constitucionais garantidoras de um mínimo Estado
Democrático de Direito, sob a alegação perversa de que se deve combater o
criminoso, e que pelo seu etiquetamento, o sujeito automaticamente se torna
perigoso à estrutura do Estado234, merecendo, então, o combate (direito penal do
inimigo)235.

O marco histórico, na Constituição Brasileira, desse


movimento político conservador em matéria penal, foi a incorporação do inciso
XLIII do art. 5º do Texto Maior de 1988236. Diametralmente oposto ao conteúdo
humanitário dos demais dispositivos que garantem os direitos fundamentais,
referido inciso elevou à condição de cláusula pétrea o status da pena, como
retribuição ao crime cometido, e, com ela, o ardil praticado contra uma proposta
não uso do Direito Penal como ferramenta de vingança237.

234
GOMES, Luiz Flávio. O Direito Penal do Inimigo. Disponível em:<
http://jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em 20 de maio de 2007.
235
A título de exemplo das oportunistas tentativas de mudança nas leis, ao arrepio do mandamento
máximo constitucional, se extrai a declaração que seriamente atenta à ordem democrática e às
instituições brasileiras, feita pelo Senador da República, Sr. Antônio Carlos Magalhães, logo após
o infeliz assassinato do menino João Hélio, utilizado sem qualquer cerimônia, como motivo e
justificativa para a mudança na maioridade penal: “Se não decidirmos na quarta-feira, se
passarmos a chamar aqui pessoas para darem opinião, feche-se o Senado, feche-se o
Congresso! Quando se chega aqui com capacidade dada por todo o eleitorado brasileiro e não se
tem condição de julgar se o menor é ou não digno de pena, não há Senado, não há Legislativo!
Vamos ter de ouvir os elitistas, muitos interessados em não punir ninguém, às vezes sob a
cobertura, inclusive, da Ordem. Vejam bem: se não houvesse advogados para defender os
autores desses crimes hediondos, eles seriam bem menores. Porém, cometeu-se o erro de que
somente se pode ir a juízo por meio de advogado. Aí sim o crime vai continuar, e nós, aqui, vamos
passar perante o povo como responsáveis, nós que não o somos – muitos o são, mas a maioria
não o é. [...] Senhor Presidente, é essa impunidade, é essa Justiça que também incentiva crimes
como o de João Hélio. Por isso, não aceito, e ninguém pode aceitar, que não se legisle em
comoção. É em comoção que temos de legislar, porque vivemos sempre em comoção, pois o
Brasil, infelizmente, só vive no crime”.
236
“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] a lei considerará crimes
inafiençáveis e insuscentíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
237
“O instinto de vingança nada mais é, em suma, do que o instinto de conservação exasperado pelo
perigo. Assim, a vingança está longe de ter tido, na história da humanidade, o papel negativo e
estéril que lhe é atribuído. É uma arma defensiva que tem o seu preço; mas é um arma grosseira.
Como ela não tem consciência dos serviços que presta automaticamente, não pode regular-se em
81

Do sentimento de combate da sociedade versus criminoso,


foi levantada a prumo a Teoria das Janelas Quebradas (ou Broken Windows
Theory), política da Tolerância Zero, capitaneada pelo, à época, então prefeito da
cidade de Nova York, Estados Unidos da América, Rudolf Giuliani, nos inícios dos
anos 1990, como paradigma mais audacioso da manutenção da ordem, através
do rigor no tratamento dos pequenos delitos, pretendendo, assim, o controle dos
mais graves.

Referida teoria, entre outras distinções, preocupa-se em


estabelecer a ordem sobre a desordem, partindo do combate aos pequenos
delitos (vadiagem, beber em público, prostituição, etc.), desestimulando a
propagação para os grandes delitos (homicídio, roubo, estupro)238.

A antítese se manifesta da seguinte maneira: ao não punir o


criminoso menor, o criminoso maior se sentirá incentivado a delinqüir, isto é,
quando uma janela está quebrada e ninguém conserta, outro passará pelo local e,
vendo-a daquela forma, abandonada, estará sendo incentivado a quebrar as
demais.

O avanço do Direito Penal na seara individual, nesse caso,


passa necessariamente pelo etiquetamento do sujeito, ou seja, os “desordeiros”
são controlados, presos ou excluídos, o problema resolvido a ordem restabelecida
e o crime dissipado239.

Contudo, a análise minuciosa da teoria conduz


indubitavelmente à sua insustentabilidade, vez que relega a segundo plano o
sujeito, deflagrando a prevalência do Estado forte e presente, como forma de
assepsia social:

conseqüência deles; em vez disso, difunde-se um pouco ao acaso, ao sabor das causas cegas
que a impelem e sem que nada modere seus arrebatamentos”. DURKHEIM, Émile. Da divisão do
trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 88.
238
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Teoria das Janelas Quebradas: Ainda!. Artigo
Científico publicado no Boletim Especial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, de outubro
de 2003.
239
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Teoria das Janelas Quebradas: Ainda!. Artigo
Científico publicado no Boletim Especial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, de outubro
de 2003.
82

[...] Aqui um dos problemas, consistente num feedback autofágico


da teoria: a Broken Windows somente cria essas categorias para
delas se utilizar. Não se preocupa, porém, com a reabilitação,
dado que propõe a punição pela punição: o homem como objeto
de demonstração exemplar (Roxin, 1997, p. 176 e ss.). Punindo o
desordeiro, estar-se-ia estabelecendo um padrão, uma norma
social com o recado do que é certo e do que é errado (Jakobs
teria muito a dizer aqui na defesa da teoria e de sua sedutora
prevenção geral) e de que este último não é aceitável numa
sociedade “normal”, tal qual definido pelos “normais”240.

A relação com a perversidade do suplício de Damiens sob


os olhares exultantes do povo na praça de Grève, na obra de Foucault, pregava
que “[...] a mínima desobediência é castigada e o melhor meio de evitar delitos
graves é punir muito severamente as mais leves faltas”241. Se não é xifópaga com
a premissa de maximização do Direito Penal, é, de certa forma, muito próxima, se
levar-se em conta que, se não castiga fisicamente, pune através da exclusão,
mediante o controle, remoção ou observação, sem qualquer preocupação com
sua reabilitação242.

Quanto à instituição da delação, tem-se o seu argumento


favorável na medida em que é notória a dificuldade dos órgãos públicos em
reprimirem crimes que, por suas características, peculiaridades, ou até pela
prática do agente, levou o legislador a dar o prêmio a quem delata243.

É dentro desse modelo estatal falho, da dificuldade em se


contruirem métodos investigativos que sustentem um mínimo de persecução
estatal condizente com as regras fundamentais da Constituição, que o direito
penal de exceção, intervencionista e pouco garantista244 se alastra com o apoio
incondicional do Movimento Lei e Ordem.

240
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Teoria das Janelas Quebradas: e se a pedra vem de
dentro?. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 3, n. 11, p. 23-29, 2003.
241
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. p. 257.
242
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Teoria das Janelas Quebradas: e se a pedra vem
de dentro?. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 3, n. 11, p. 23-29, 2003.
243
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado. p. 170.
244
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado.p. 67.
83

O uso simbólico do Direito Penal, como já consignado, é


mais uma vez aqui verificado através do imediatismo, política criminal efetuada
por esse modelo de direito “paralelo” pouco afeito aos direitos e garantias
fundamentais que norteiam o Estado Democrático de Direito245, mas, sim, com a
eficiência do sistema (lê-se Lei dos Crimes Hediondos, por exemplo), um Estado
policialesco, a bem da verdade.

Referida eficiência é mascarada pelo manto da vingança que


o próprio Direito Penal Máximo, modelo que incentiva o discutível conteúdo ético
da delação: a entrega daaquele que deve ser entregado, através do custo da
redução da pena.

Ao se promover o etiquetamento, incentivando verdadeiro


apartheid, o rigorismo pretendido pelo movimento Lei e Ordem, como panacéia da
criminalidade, utiliza o discurso do pífio aparato estatal, como forma de, através
de uma legislação de emergência e terrorista, alvissarar o resultado da redução
do crime:

O tema do momento é a violência. Todos a temem. Alguns poucos


querem acabar, como num passe de mágica, com esse câncer
social que a todos atormenta. Os remédios milagrosos anunciados
pelos oportunistas de plantão são as penas mais severas. Cadeia.
Cadeia e mais cadeia. A população, intimidada pelo terror estatal,
deposita suas esperanças nos messias. Iludida e desperançada
se agarra nos discursos popularescos e eleitoreiros, sem saber
que serão as próximas vítimas do sistema246.

O contra-libelo do Direito Penal Máximo é o Direito Penal


Mínimo, na figura de um embate de que a minimização do Direito Penal passa a
ser o guardião que defende a efetividade de tais garantias247.

245
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado.p. 67.
246
DOTTI, René Ariel. Movimento Antiterror e a Missão da Magistratura. 2. edição. Curitiba:
Juruá, 2005, p. 69.
247
Oportuno é a transcrição literal de Ferrajoli acerca do Direito Penal Mínimo, a saber: “Está claro
que o direito penal mínimo, quer dizer, condicionado e limitado ao máximo, corresponde não
apenas ao grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo, mas
também a um ideal de racionalidade e de certeza. Com isso resulta excluída de fato a
responsabilidade penal todas as vezes em que sejam incertos ou indeterminados seus
84

O Estado, de perfil democrático garantista, por certo, não


renuncia ao seu dever constitucional e institucional de garantir a ordem pública e
a proteção de bens jurídicos, sejam individuais ou coletivos248, caminhando,
desse modo, para um estado de premente e diuturna legitimidade.

A intervenção estatal, portanto, encontra a sua justificação


na legitimidade daquilo em que lhe é permitido inserir-se, no exercício do poder
punitivo, quer seja nas tipificações penais ou em suas sanções, tendo como
referência o princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana249, na
seguinte acepção:

[...] o princípio da dignidade da pessoa humana constitui a viga


mestra de todo o arcabouço jurídico porque “confere unidade de
sentido ao conjunto de preceitos relativos aos direitos
fundamentais” e “há de ser interpretado como referido a cada
pessoa (individual), a todas as pessoas sem discriminações
(universal) e a cada homem como um ser autônomo (livre)”. Está,
por isso, o “princípio da dignidade da pessoa humana na base de
todos os direitos constitucionalmente consagrados, quer dos
direitos e liberdades tradicionais, quer dos direitos dos
trabalhadores e direitos a prestações sociais250.

Ferrajoli define o Direito Penal como método de definição,


comprovação e repressão da desviação da conduta, o único fim que o Estado

pressupostos. Sob este aspecto existe um nexo profundo entre garantismo e racionalismo. Um
direito penal é racional e correto à medida que suas intervenções são previsíveis e são previsíveis;
apenas aquelas motivadas por argumentos cognitivos de que resultem como determinável a
‘verdade formal’, incluisve nos limites acima expostos. Uma norma de limitação do modelo de
direito penal mínimo infromada pela certeza e pela razão é o critério do favor rei, que não apenas
permite, mas exige intervenções potestativas e valorativas de exclusão ou atenuação da
responsabilidade caa vez que subsista incerteza acerca da verdade fática e, por outro lado, a
analogia in bonam partem, a interpretação restritiva dos tipos penais e a extensão das
circunstâncias eximentes ou atenuantes em caso de dúvida acerca da verdade jurídica. Em todos
esses casos teremos certamente dicricionariedade, mas se trata de uma discricionariedade
dirigida não para estender, mas para excluir ou reduzir a intervenção penal quando não motivada
por argumentos cognitivos seguros”. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão.p. 102.
248
BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas Penas “Alternativas”. Revista Brasileira de Ciências
Criminais no. 28. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 77.
249
ZEIDAN, Rogério. A Legitimação e os Limites do Poder Punitivo. Disponível em:<
http://www.uniube.br/institucional/publicacoes/unijus/unijus_5.pdf>. Acesso em: 21 de Maio/2007.
250
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 58.
85

pode e deve perseguir, legitimamente, por meio da pena, que é a prevenção geral
negativa.

Mas não apenas a prevenção para os delitos futuros, mas,


sim, a prevenção de penas informais, vindo a prevenir reações públicas ou
privadas arbitrárias, que venham a resultar em ausência ou omissão do sistema
penal251.

Assim, para que o sistema penal seja tido como legítimo,


dependerá de uma minimização do poder punitivo, reduzindo a intervenção penal
do Estado, vez que o direito penal mínimo é o único meio de evitar as reações
arbitrárias contra quem venha a cometer delitos.

Ferrajoli indica que o Direito Penal Mínimo seria aquele que


limita as situações de absoluta necessidade, de forma a aplicar a “pena mínima
necessária”, defendendo assim uma deslegimitação de sistemas penais concretos
que, total ou parcialmente, violem os direitos do cidadão252253, ou também:

Direito Penal não significa menos delitos, mais leis, penas mais
severas, mais polícias, mais cárceres, não significa menos
criminalidade. A pena não convence, dissuade, atemoriza. Reflete
mais a impotência, o fracasso e a ausência de soluções, que a
convicção e energia necessárias para abordar os problemas
sociais254.

251
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 209.
252
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. p. 277.
253
Nilo Batista discorre acerca da tática de violação dos direitos do homem, através da proposta de
subsidiaridade do Direito Penal: “A subsidiaridade do direito penal, que pressupõe sua
fragmentalidade, deriva de sua consideração como remédio sancionador extremo, que deve
portanto ser ministrado apenas quando qualquer outro se revele ineficiente; sua intervenção se dá
‘unicamente quando fracassaram as demais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por
outros ramos do direito’. Como ensina Maurach, não se justifica ‘aplicar um recurso mais grave
quando se obtém o mesmo resultado reprovável criminalizar infrações contratuais civis quanto
cominar ao homicídio tão-só o pagamento das despesas funerárias’. Foi observado por Roxin que
a utilização do direito penal ‘onde bastem outros procedimentos mais suaves para preservar ou
reinstaurar a ordem jurídica’ não dispõe da ‘legitimação da necessidade social’ e perturba ‘a paz
jurídica’, produzindo efeitos que afinal contrariam os objetivos do direito. BATISTA, Nilo.
Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2005, p. 87.
254
ZEIDAN, Rogério. A Legitimação e os Limites do Poder Punitivo. Disponível em:
http://www.uniube.br/institucional/publicacoes/unijus/unijus_5.pdf. Acesso em: Maio/2007.
86

O Direito Penal Mínimo, ao adotar o princípio da lesividade


como um dos conceitos de sua teoria, por exemplo, busca o descolamento de
uma norma incriminadora que aponta determinado comportamento como imoral
ou pecaminoso, para a efetiva punição somente para aquele que venha a lesar
direitos de outras pessoas255, ou como define Franco:

[...] não teria caráter democrático o Direito Penal que fizesse uso
da pena para amparar valores puramente morais ou para
sancionar condutas que signifiquem o exercício de direitos
políticos reconhecidos aos cidadãos256.

A proposta de minimização do Direito Penal encontra-se ao


lado e não contra a sociedade e sua função é de cumprir promessas de e para
uma coletividade que se reuniu para um determinado fim que deva
obrigatoriamente ser realizado257 enquanto, que na proposição adversa,
(maximização) se interpreta o Direito Penal como mero instrumento final de
combate ao crime258, de preservação de interesses do corpo social259260.

Há que se acrescentar que a política criminal, inserida no


discurso de contração máxima, que deve ser perpetrada a fim de se chegar ao
mínimo de intervenção estatal, não pode e nem deve ficar reduzida a uma política

255
ROXIN, Claus. Iniciación al derecho penal de hoy. Sevilha: Universidade de Sevilha, 1981, p.
25.
256
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 347.
257
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. p. 20.
258
JESUS, Damásio. Direito Penal – Parte Geral, 1º Volume. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 3.
259
FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, p. 2.
260
Contudo, o apontado “interesse social” não passa, a bem da verdade, como sendo mais um
discurso dissociado das garantias fundamentais, cerne constitucional da sociedade, para um
instrumento ideológico claro de manutenção do poder dominante. Sendo assim, a teor da filosofia
garantista que não condiciona o uso pelo Estado de políticas que possam inviabilizar o interesse
da maioria sobrepondo uma minoria, e vice-versa, vez que inalienáveis na sua totalidade, cai
como luva a verve de Nilo Batista: “[...] que significarão ‘interesses do corpo social’ numa
sociedade dividida em classes, na qual os interesses de uma classe são estrutural e logicamente
antagônicos aos da outra? A função do direito de estruturar e garantir determinada ordem
econômica e social, à qual estamos nos referindo, é habitualmente chamada de função
‘conservadora’ ou de ‘controle social’. O controle social, como assinala Lola Aniyar de Castro, ‘não
passa da predisposição de táticas, estratégias e forças para a construção da hegemonia, ou seja,
para a busca da legitimação ou para assegurar o onsenso; em sua falta, para a submissão forçada
daqueles que não se integram à ideologia dominante”. BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao
Direito Penal Brasileiro. p. 22.
87

limitada à própria função punitiva do Estado ou a dogmas que substituem penas


por outras, mas, muito mais do que isso, deverá ser progressista na
transformação social e das instituições, cumprindo o seu dever indissociável de
democracia, de igualdade e de humanidade261.

O jus puniendi Estatal passa a ser do Estado Democrático


de Direito quando, de fato, não é um direito estatal, de caráter arbitrário, sem
freios, nem limites262, ao inverso, isto é, passa a ser mais uma expressão do
entendimento de que o Direito Penal é um remédio amargo necessário263, dentro
de um sistema de prevalência constitucional, cujos direitos e garantias
fundamentais são freios e delimitadores dos bens jurídicos ali contidos, portanto,
defendidos ad eternum.

O caráter funcional unitário (e não divisório) da sociedade


prevalece no Direito Penal Mínimo, justamente com o objetivo de impedir
disparidades ou a perda da legitimidade estatal em seu direito subjetivo de punir,
haja vista que numa sociedade dividida em classes, certamente será esta dividida
também em classes e interesses e defendidos por uma classe dominante que
subjugará outra inferior e menos favorecida264, ao passo que a opção do
constituinte de 1988 foi o de acolher uma sociedade plural recheada de conflitos,
e com base nisso, buscar a conciliação, o respeito a diversidade e as diferenças
naturais, buscando o convívio entre partes antagônicas265.

A delação premiada, nesse contexto nacional, percebe-se


perdida no campo da legitimidade do poder público. Com efeito, tem-se que se
uma viga é erguida através de fundamentos indispensáveis à sua sustentação –
que seriam os princípios tais como a dignidade da pessoa humana, o da
legalidade, o da presunção da inocência, do contraditório, dentre tantos outros
inerentes ao coração democrático -, e, a partir do momento em que esses valores

261
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. p. 37.
262
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 58.
263
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 58.
264
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. p. 116.
265
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 57.
88

fincados passam a ser antivalores266; inegavelmente, o traidor é guindado à


condição acima daquela viga.

Nesse prisma, o uso simbólico, utilitarista e funcional do


Direito Penal Máximo toma corpo – juntamente com a legislação de terror -,
necessitando de uma contrapartida (permissão da sociedade) de contração
máxima das garantias que a bloqueiam, sob o argumento de que é através da
coação do indigitado co-autor ou partícipe, que se chega à finalidade de punição
do crime.

Desnecessário dizer, mais uma vez que outros tantos


valores não menos importantes, como “justiça”, “eqüidade” e
“proporcionalidade”267 são rasgados e, no lugar deles, prevalece a legislação de
exceção, de emergência, casuística e terrorista não só no Direito Penal, mas
também no Direito Processual Penal268.

É nesse caminho de promoção de prêmios na forma de leis


que é soterrado o conteúdo ético do Estado, pois:

A impunidade de agentes encobertos e dos chamados


“arrependidos” constitui uma séria lesão à eticidade do estado, ou
seja, ao princípio que forma parte essencial do estado de direito: o
estado não pode se valer de meios imorais para evitar a
impunidade[...] o estado está se valendo da cooperação de um
delinqüente, comprada ao preço de sua impunidade para “fazer
justiça”, o que o Direito Penal liberal repugna desde os tempos de
Beccaria269.

266
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado. p. 165.
267
GOMES, Luis Flávio. Crime Organizado. p. 166.
268
Ao discorrer sobre o jus puniendi (ou o direito de punir) na exposição de motivos do Código de
Processo Penal, vê-se claramente que: “A locução poderia perfeitamente ser substituída por
‘desejo de matar’, eis que, na perspectiva da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal,
a ação dos mecanismos de repressão estatal instituídos mais se parece com aquela do
personagem dos filmes protagonizados pelo ator norte-americano Charles Bronson”. NUNES,
Leandro Gornicki. Prisão Preventiva: uma visão garantista. ROSA, Alexandre Morais da. (org.).
Para um Direito Democrático. p. 182.
269
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Crime Organizado: uma categoriazação frustrada. Discursos
sediciosos. Instituto Carioca de Criminologia. Rio de Janeiro: Relume/Dumará, ano 1, v. 1, 1996,
p . 59.
89

É no entendimento de Ferrajoli que se tem, inscrita na


Constituição, a figura do Direito Penal Mínimo e sua pretensão às efetividades
garantidoras do Texto Maior. É no Direito Penal Máximo que se pode encontrar a
tradução nas leis ordinárias; nas práticas processuais e policiais, a admissão da
não aplicação de várias garantias270, no caso em testilha, a própria aplicação da
delação e seu prêmio como expressão do gigantismo, da intervenção e do
descumprimento estatal dos preceitos constitucionais.

A relação do Direito Penal com o Direito Constitucional deve


ser sempre estreita, pois é através do estatuto político de uma nação – no caso, a
Constituição -, que se constitui a primeira manifestação de uma política penal em
face da supremacia constitucional271.

270
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 102.
271
ZAFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. p.
119.
90

CAPÍTULO 3

DELAÇÃO PREMIADA E GARANTISMO

3.1 LIMITES DEMOCRÁTICOS À DELAÇÃO PREMIADA

A imposição de limites ao Poder Estatal, é uma técnica


desenvolvida pela Teoria do Garantismo, advinda da inspiração iluminista272 e do
uso alternativo do Direito, como forma não só de se controlar o excesso hipotético
ou não cometido pelo Estado, mas o de também definir, através da racionalidade
constitucional, o critério fundamental para tanto.

Como já consignado, “quem” e “como” se deve decidir,


segundo Ferrajoli, estabelecem critérios que deixam de ser meramente formais,
para serem com efeito, substanciais na perspectiva de que, em assim sendo, o
exercício do poder passa necessariamente pela franquia da validade273 ou não,
da sua legitimidade ou deslegitimidade.

É a partir da Constituição brasileira que se estabelece o


ponto central do ordenamento jurídico e da expressão máxima da vontade
popular, pois é através desta a delimitada previsibilidade razoável do direito e dos

272
Além do mais “[…] o iluminismo é uma tendência transepocal, que cruza transversalmente a
história da humanidade, não estando limitada a qualquer período específico. Não se extingue,
portanto, no século XVIII. A filosofia ilustrada possibilita ao homem o reconhecimento de ua
capacidade criativa e contestatória, e por isso o marco do pensamento jurídico garantista aparece
fundamentalmente no interior do saber penal, local onde a luta pelo reconhecimento e tutela dos
direitos frente ao irracionalismo das teses inquisitivas indica maior necessidade crítica [...] daí
porque, hoje, o discurso garantista corresponde a um saber alternativo ao neobarbarismo
defensivista capitaneado pelos argumentos hiper criminalizadores presentes nos movimentos de
Lei e Ordem potencializados pelas ideologias, tanto positivistas (movimentos) quanto negativistas
(consensos sobre o fenômeno criminal), de Defesa Social”. CARVALHO, Salo. Pena e Garantias:
uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 81-82.
273
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 791.
91

rumos permitidos por toda a coletividade para a supremacia do Estado


Democrático de Direito274.

Nesse sentido, inarredável é a condição imposta, sem


qualquer concessão de que os direitos fundamentais positivados na Constituição
não se devem decidir, sejam ele os deveres “de” (liberdade) ou “ser” (sociais),
nem pela maioria, questão crucial para os limites que devem ser impostos a uma
concessão para a delação premiada:

[...] A primeira regra de todo pacto constitucional sobre a


convivência civil não é precisamente que sobre tudo se deve
decidir por maioria, mas que nem tudo se pode decidir (ou não
decidir), nem mesmo pela maioria. Nenhuma maioria pode decidir
a supressão (e não decidir a proteção) de uma minoria ou de um
só cidadão. Sob este aspecto o Estado de direito, entendido como
sistema de limites substanciais impostos legalmente aos poderes
públicos para a garantia dos direitos fundamentais se contrapõe
ao Estado absoluto, seja ele autocrático ou democrático. Mesmo a
democracia política mais perfeita, representativa ou direta, é
precisamente um regime absoluto e totalitário se o poder do povo
for a ele ilimitado275.

Contudo, urge trazer à discussão o que seria efetivamente a


Democracia dentro de um sistema de Estado Democrático de Direito, para que,
através da sua concepção, se poderia entender o indicativo medular do objetivo,
das limitações impostas ao Estado e do desenho constitucional executado pela
totalidade da sociedade.

O direito fundamental de igualdade, por exemplo, é, sem


dúvida, um elemento formador da Democracia no Estado Democrático de Direito
por uma simples razão: dá a condição indispensável do direito ao gozo dessa
igualdade de direitos, sem que a lei seja capaz de cercear esse mesmo
fundamento, nem sob o argumento falacioso da maioria, haja vista que, se são

274
ANDRADE, Manuel da Costa. Constituição e Legitimação do Direito Penal. NUNES, José Avelãs;
COUTINHO, Jacinto Nelson (org.). Diálogos Constitucionais: Brasil/Portugal. p. 52.
275
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 792.
92

atribuídos a todos os cidadãos são, portanto, fundamentais e, em assim sendo,


impossíveis de serem discriminados276:

A grande inovação institucional da qual nasceu o Estado de direito


foi, contudo, a positivação e a constitucionalização destes direitos
por meio daquilo que no parágrafo 26.4 chamei de “incorporação
limitativa”, no ordenamento jurídico, dos correspondentes deveres
impostos ao exercício dos poderes públicos. É com a estipulação
constitucional de tais deveres públicos que os direitos naturais se
tornam direitos positivos invioláveis, e muda, por isso, a estrutura
do Estado, não mais absoluto, mas limitado e condicionado277.

A Democracia, como conhecemos no Brasil – vacilante se


analisada na perspectiva garantista – utiliza o argumento da maioria, como forma
de legitimação para uma mudança, ou de uma nova ordem, sabendo-se,
evidentemente, que a mesma carece de base jurídica, e é preenchida muitas
vezes, com a perversidade da força estatal278.

É através, portanto, das dez máximas latinas: nulla poena


sine crimine, nullum crime sine lege, nulla lex (poenalis) sine necessitae, nulla
necessitae sine injuria, nulla injuria sine actione, nulla actio sine culpa, nulla culpa
sine iudicio, nullum iudicium sine accusatione, nulla accusatio sine probatione, e
nulla probatio sine defensione279, que os ditos aforismas que constituem o sistema
garantista (SG) norteado por Ferrajoli consistam em uma:

[...] principiologia adequada para legitimação/deslegitimação de


toda atuação penal, fornecendo mecanismo de avaliação da
norma penal, da teoria do delito e da teoria da pena, bem como da
teoria processual penal. Tais princípios correspondem às “regras
do jogo” do direito penal no interior dos Estados democráticos de
direito e, dado o fato de sua gradual incorporação constitucional,

276
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. p. 41.
277
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 793.
278
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 794.
279
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 91.
93

conformam vínculos formais e materiais de validade jurídica das


normas penais e processuais penais280.

Ferrajoli dessa forma, batiza a democracia de “democracia


substancial”, sendo aquela que é constituída de efetivas garantias281 e que passa,
através desse marco teórico, à prática da legitimação da defesa substancial dos
direitos fundamentais que a compõem – principalmente pela igualdade de direitos
– que os limites penais e processuais democráticos irão a sua raiz estabelecer
quais serão os futuros limites da Delação Premiada.

3.1.1 O caminho para a verdade processual dentro de um sistema penal


garantista

A busca pela verdade dentro do processo é, sem dúvida,


questão crucial na temática da delação premiada, vez que obviamente, a palavra
do delator deverá ser investigada no cotejo das demais provas produzidas ou
amealhadas nos autos (e fora dele, porque pode implicar outros, noutros autos),
obedecendo, portanto, a uma estrita legalidade282, como já visto no capítulo
primeiro.

280
CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo. Aplicação da Pena e Garantismo. p. 26.
281
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 799.
282
Se faz aqui o cotejo da relevância da estrita legalidade, como forma de prevalência desta garantia
fundamental dentro do processo penal: “À idêntica finalidade corresponde o conjunto de
dispositivos de garantia que integram a atual disciplina constitucional do processo; antes, os que
regulam o estatuto do juiz; e, antes ainda, o mesmo princípio de legalidade, que em matéria penal
deve ser entendido de maneira particularmente exigente, como estrita legalidade. Uns e outros
estão idealmente orientados a assegurar que a verificação do caráter eventualmente delitivo de
uma conduta possa fazer-se com o menos custo para as pessoas afetadas. E dentro de certos
limites, cujo respeito é dondição de validade dos atos. Por outro lado, o processo de aquisição de
conhecimento sobre ações de pessoas concretas que se desenvolve no marco de procedimento
criminal, responde ao paradigma do contraditório. Ou o que é o mesmo, se realiza através de uma
atividade controvertida e dialógica, que os sujeitos implicados nela protagonizam, e perante um
observador imparcial que é quem a tem que decidir. Isto ocorre com o fim de assegurar que a
imposição da pena legal seja conseqüência necessária nos casos em que resta comprovado que
um sujeito tenha sido realmente o autor de uma ação descrita na lei como delito. Portanto, e é algo
que singulariza a sentença penal como ato de poder do Estado, a pena tem que haver sido
precedida de uma atividade de caráter cognoscitivo, de um standard de qualidade tal que permita
ter como efetivamente produzido na realidade o que se afirma como tal nos fatos que se dizem
provados. Quer dizer, é verdade que Fulano realizou a ação pela qual está sendo condenado”.
IBAÑEZ, Perfecto Andrés. Valoração da Prova e Sentença Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006, p. 121.
94

A verdade no processo e a sua busca, como


dogmaticamente conhecemos, é, nas palavras de Ferrajoli, uma verdade formal,
condensada pela “camisa de força” imposta por regras precisas e permeadas por
fatos ou circunstâncias penalmente relevantes283, dentro do processo, de face
dogmática e positivista.

Justamente nesse ponto reside o seu problema, haja vista


que esta pretensa verdade está, de fato, formalmente domesticada nos
procedimentos do processo, à garantia da defesa, a sua probabilidade e não a
sua certeza irretorquível, aos rituais da técnica da produção da prova284, dentre
outros aspectos.

De fato, e a toda evidência, trata-se de uma pretensão em


perfeita correspondência à previsão legal dos fatos concretos e da prova
produzida e conhecida nos autos, mas que, em verdade, se aquele ator jurídico
saísse da sua própria ilha, para que assim, tal qual nas palavras de Saramago,
transcendesse a si mesmo para que desse modo, pudesse se ver285 – aí, nesse
momento, enxergaria muito além do senso comum teórico, chegando à conclusão
de ser “uma ingenuidade filosófica viciada pelo realismo metafísico”286 a verdade
real contida nos “manuais” de processo penal.

A par disso, grande parte da doutrina brasileira insiste em


crer que o processo penal é balizado na verdade material, sem que se tenha em
conta que a forma como é conduzida, de fato, não corresponde “à” verdade, pois:

[...] não se dá conta que esta idéia vem legitimar o sistema


inquisitório e toda a barbárie que o acompanha, na medida em
que tem o processo como meio capaz de dar conta “da verdade”;

283
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 48.
284
A encruzilhada que é imposta através da prova e a eterna busca pela verdade equivocadamente
talvez acreditada através desta técnica é questionada por Carnelutti: “É necessário partir, para
entender, da parcialidade do homem. Cada homem, dissemos, é uma parte. Precisamente por isto
nenhum homem chega a alcançar a verdade. Aquela que cada um de nós crê ser a verdade não é
senão um aspecto dela[...]”. CARNELUTTI, Francesco. As misérias do Processo Penal. São
Paulo: Conan, 1995, p. 37.
285
SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.
22.
286
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 49.
95

e não de “uma verdade”, não são poucas vezes completamente


diferente daquela que ali estar-se-ia a buscar. Assim, é preciso
admitir que no processo penal jamais se vai apreender a verdade
como um todo – porque ela é inalcançável – e, portanto, como se
viu, o que se pode – e deve – buscar nos julgamentos é um juízo
de certeza, pautado nos princípios e regras que asseguram o
Estado Democrático de Direito287.

Com efeito, o uso da linguagem como ferramenta


epistemológica para se chegar à atribuição ou não do que seja verdadeiro passa
a ter papel essencial a um processo que se pretende seja cognoscitivo, a
começar pelo texto produzido pelo legislador288.

Quanto maior for o rigor descritivo da linguagem do


legislador, maior será a forma com que o rigor se transportará também para a
atividade processual – e na busca da verdade pela prova -, ao passo que, em não
havendo termos descritivos precisos, se passará de juízo de fato para um juízo de
valor, sujeito, assim, a um decisionismo infectado por uma atribuição de
qualidade, que ficará apenas entre a verdade e a falsidade, ou seja, fatalmente no
limbo289.

287
MIRANDA COUTINHO, Jacinto de. Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual
Penal Brasileiro. Disponível em:<
www.direitofranca.br/download/IntroducaoaosPrincipiosGeraisdoDireitoProcessualPenalBrasileiro2
005.doc.Acesso em 24 de jun. 2007>.
288
IBAÑEZ, Perfecto Andrés. Valoração da Prova e Sentença Penal. p. 132.
289
Assim é: “Quando o Código Penal se serve de enunciados assertivos (por exemplo, ‘o que mata’,
para definir o homicídio), cujo conteúdo é um suposto de fato de caráter inequivocamente
empírico, possibilita, de uma parte, a investigação observacional das condições da morte concreta
que é objeto do processo, através do exame dos elementos processuais obtidos pelas distintas
fontes de prova; e, depois, a adequada verbalização e comparação dos resultados desse exame.
Em vista desses, se poderá chegar a afirmar, com (expressão do) fundamento probatório, que é
verdade que ‘Fulano matou intencionalmente a Cicrano’; fazê-lo sem risco prático de erro para o
interlocutor sobre o sentido da assertiva; e concluir que essa é a conduta tipificada naquele
preceito. Sempre se dá essa precondição de rigor descritivo na linguagem legislativa, se faz
possível, inclusive se facilita e se promove, de maneira eficaz, o emprego desse mesmo standard
de rigor nos demais momentos do desenvolvimento da atividade processual. Em troca, se no
ponto de partida desta situam-se termos não descritivos (por exemplo, ‘a finalidade de subverter a
ordem constitucional’, quer dizer, a atribuição da qualidade de subversivo, ou seja, um termo
valorativo, como elemento qualificador de determinados atos), o resultado é justamente o oposto.
Porque o lugar do fato o ocupa um juízo de valor, e a determinação da concorrência ou não desse
elemento, sobretudo em certos casos, implica no confronto de puras valorações e o mesmo
enunciado no qual se expressa a decisão final implicará uma atribuição de qualidade compatível
ou incompatível, mas, em si mesma, nem verdadeira, nem falsa”. IBAÑEZ, Perfecto Andrés.
Valoração da Prova e Sentença Penal. p. 133.
96

E é, de certa forma, que, nesse limbo, se perpassam


também os sistemas penais admitidos e existentes dentro do processo penal
brasileiro, quais sejam: o inquisitório e acusatório, e que diante da dinâmica do
direito, modelos outros adquiriram parcialmente a característica de um ou outro,
sendo os sistemas mistos, sem que haja, contudo, um terceiro gênero290.

As garantias penais (SG) colocadas por Ferrajoli são, neste


momento, aliadas às garantias processuais (acusação, prova e defesa) que, em
seu conjunto, são denominadas de “verdade processual”291, que se apresenta
tanto em um quanto em outro sistema292.

Historicamente, o juiz inquisidor se encarregava de acusar e


julgar, mantendo-se numa posição de superioridade - e por lógico, de
desigualdade – perante o acusado, sendo o procedimento secreto, escrito e
obviamente, sem contraditório293.

A motivação do juiz no sistema inquisitório é mais evidente


na medida em que ele “congrega, em relação à gestão da prova, poderes de

290
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 134.
291
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 134.
292
Sobre os dois sistemas, vale trazer à colação: “A distinção atual entre sistemas processuais
penais tem despertado muita discussão, desde os elementos conformadores de um sistema, até à
idéia de que não existe sistema processual penal genuíno, puro. A dificuldade conceitual origina-
se do próprio princípio ontológico de sistema na área do processo, na medida em que não é
possível aplicar-se os conceitos luhmanianos de sistema. Pode-se aliar a esta dificuldade a
ausência de uma teoria geral do processo penal, a carência de desenvolvimento científico, o
utilitarismo e funcionalismo do processo penal como instrumentos do poder político para o controle
social, bem como o surgimento da concepção moderna de Estado Democrático de Direito que
consolidou um sistema de garantias penais e processuais. O antigo e secular traço fundamental
que delimita os sistemas – acusatório e inquisitório – através da separação da figura do órgão
acusador e julgador está completamente superado. Em nenhum Estado de Direito pode-se admitir
que o mesmo órgão que julga possa promover a acusação. Sob este aspecto, o sistema
inquisitório estaria extinto na atualidade, todavia não é isto o que ocorre na maioria dos países
ditos democráticos, que ainda se utilizam do modelo inquisitório. Vários elementos devem ser
levados em conta para configurar-se um sistema processual penal: delimitação do campo
acusatório, direito de refutação da imputação, tratamento dispensado ao réu durante a instrução,
considerando a dignidade da pessoa humana, direito de defesa ampla, autodefesa, direito à última
palavra (ser interrogado ao final da instrução), direito de refutação da imputação, contraditório, juiz
natural, poderes instrutórios conferidos ao juiz na busca da malfadada verdade real, sistema
probatório, fundamentação da decisão judicial, entre outros”. THUNS, Gilberto. O mito sobre a
Verdade e os Processuais; Carvalho, Salo de (org.). Leituras Constitucionais do Sistema Penal
Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 153.
293
NICOLITT, André Luiz. As subversões da Presunção de Inocência: Violência, Cidade e
Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 72.
97

iniciativa e de produção”294, ou seja, conduz o processo de forma personalista295,


enquanto que, em regra, no sistema acusatório, a passividade se impõe no perfil
do juiz, separado do acusador e da defesa296, passando ao largo - em tese - de
um impulsividade (pré) determinada:

No modelo Inquisitório: a) o julgador é permanente; b) não há


igualdade de partes, já que o juiz investiga, dirige, acusa e julga,
em franca situação de superioridade sobre o acusado; c) a
acusação é de ofício, admitindo a acusação secreta; d) é escrito,
secreto e não contraditório; e) a prova é legalmente tarifada; f) a
sentença não faz coisa julgada; e g) a prisão preventiva é a regra.
Já no modelo Acusatório: a) o julgador é uma assembléia ou
corpo de jurados; b) há igualdade das partes, sendo o juiz um
árbitro sem iniciativa investigatória; c) nos delitos públicos, a ação
é popular, e nos privados, de iniciativa dos ofendidos; d) o
processo é oral, público e contraditório; e) a análise da prova se
dá com base na livre convicção; f) a sentença faz coisa julgada; e
g) a liberdade do acusado é a regra297.

O limite democrático, na linha exposta que divide o perfil de


cada sistema acima, é condição indispensável na busca das garantias, sejam as
de direito (SG) ou as que devam existir dentro do processo, no caso, também da
fronteira que irá definir o uso da delação premiada.

O cotejo de toda a persecução criminal, seja dos indícios


suscitados na fase policial investigatória, ou ainda naquela prova submetida
obrigatoriamente ao crivo do contraditório, da ampla defesa, do devido processo

294
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 135.
295
A forma pessoal como o juiz pode conduzir o processo e a gestão da prova, é colocada como a
evidência de uma situação de afronta às garantias, habilmente demonstrado por Prado: “[...]
convém assinalar que, no modelo inquisitório, o princípio é justamente o oposto, refletindo a
proeminência da figura do juiz e a subalternidade das partes na tarefa de obtenção do material
probatório, o dogma da verdade real, a preocupação com a economia processual e, sobretudo,
uma remarca Gomes Filho, como a liberdade absoluta na própria condução do procedimento
probatório, e não na sua real e histórica dimensão de valoração desvinculada de regras legais,
mais incidente sobre um material constituído por provas admissíveis e regularmente incorporadas
ao processo”. PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade Constitucional das Leis
Processuais Penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 136.
296
NICOLITT, André Luiz. As subversões da Presunção de Inocência: Violência, Cidade e
Processo Penal. p. 73.
297
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 135.
98

legal, entre outros princípios processuais não menos importantes, deverá ser
sempre a mola mestra da aplicação da sanção com a admissão primeira da
prevalência dessas garantias, pontuada por Ferrajoli:

[...] pode-se chamar acusatório todo o sistema penal que tem o


juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o
julgamento como um debate paritário, iniciado pela acusação, à
qual compete o ônus da prova, desenvolvida com a defesa
mediante um contraditório público e oral e solucionado pelo juiz,
com base em sua livre convicção. Inversamente, chamarei
inquisitório todo o sistema processual em que o juiz procede de
ofício à procura, à colheita e à avaliação das provas, produzindo
um julgamento após uma instrução escrita e secreta, na qual são
excluídos ou limitados o contraditório e os direitos da defesa298.

O discurso da verdade do modelo garantista e a sua


incessante busca nos meandros do processo deverá ser sempre antecedida, de
uma análise para constatação se efetivamente as partes estão no mesmo plano
de igualdade299.

Condensada deve ser a prova com outros elementos de


conhecimento dentro do processo, e, no caso, o testigo do delator não deverá ser
analisado isoladamente, mas no conjunto de outras provas – aí é que reside a
igualdade e o equilíbrio processual -, eis que não poderá ser aceito sem o rigor da
investigação de sua ou não credibilidade:

La credibilidad de un testigo tampouco es una verdad tautológica,


sino algo que admite discrepâncias respecto a su valoración que,
em última instancia, es el resultado de la experiência, del
conociemento psicológico, de factores personales y profesionales,
del nivel intelectual o moral Del testigo; todo ello valorado por el
juzgador em um determinado contexto, teniendo en cuenta
también lãs declaraciones por otras fuentes de información,
etcétera300.

298
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 799.
299
MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad en el Processo Penal. 2. ed. Buenos
Aires: Hammurabi, 2003, p. 106.
300
MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad en el Processo Penal. p. 110.
99

E nesse diapasão que não se pode olvidar que a busca da


verdade do modelo garantista encontra o seu freio no Estado Democrático de
Direito: em nenhum caso, se deve pretender o alcance da verdade a qualquer
custo301, pois deve essa mesma verdade estar associada sempre à estrita
legalidade optada pelo garantismo.

Ferrajoli sustenta que é através da estrita legalidade que se


consubstancia o outro marco teórico, e que através dela se pode alcançar um
tratamento legítimo da gestão da prova, um mínimo de sustentação processual
das garantias:

[...] só é possível verificar empiricamente que se cometeu um


delito se, antes, uma convenção legal estabelecer com exatidão
que fatos empíricos devem ser considerados como delitos. [...]
uma verdade absoluta e onicompreensiva em relação às pessoas
investigadas, carente de limites e de confins legais, alcançável por
qualquer meio, para além das rígidas regras procedimentais302.

A legitimidade com que o magistrado busca essa verdade,


não na forma daquela velha máxima “dai-me os fatos que lhe dou o direito”, mas,
sim, a contínua interrogação de como se deram os fatos para se conhecer do
direito, passa a ser o parâmetro de um sistema penal garantista303, limitando-se
sempre a “elucidar, de maneira unívoca e precisa, o significado do termo
‘verdadeiro’, como predicado metalingüístico de um enunciado”304.

E é dentro de um poder discricionário que avilta tais


garantias, a desigualdade e a desproporcionalidade das partes em um processo,
juntamente com o decisionismo presente na prática judicial, força através do
garantismo, que se busca a verdade garantista aliada à cautela na prática
epistemológica processual, estabelecendo, dessa forma, critérios seguros de
racionalidade na sua aplicação:

301
CONDE, Francisco Muñoz. La búsqueda de la verdad en el Processo Penal. p. 112.
302
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 38.
303
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 49.
304
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 52.
100

Assim, faz parte do sentido e do uso comum afirmar que uma


testemunha disse a verdade ou mentiu, que é verdadeira ou falsa
a reconstrução de uma situação proporcionada pela acusação ou
por uma alegação da defesa e que uma condenação ou uma
absolvição é fundada ou infundada, segundo seja verdadeira ou
falsa a versão dos fatos nela contida e sua qualificação jurídica. O
conceito de verdade processual é, em suma, fundamental não
apenas para a elaboração de uma teoria do processo, mas
também pelos usos que dele são feitos na prática judicial. E dele
não se pode prescindir, salvo que se opte explicitamente por
modelos penais puramente decisionistas, e à custa de uma
profunda incompreensão da atividade jurisdicional e da renúncia à
sua forma principal de controle racional305.

Não se pode olvidar que a busca da verdade, no caso em


comento, é, na verdade uma “verdade forense”306, aquela que, em razão da sua
formalidade já dita, não se coaduna com a realidade dos fatos, tornando-se,
portanto, uma meia verdade, uma verdade incompleta, ou até uma não verdade
ao se admitir que há, de certa forma, um simbolismo arraigado na lei penal, no
processo, materializado na interferência do braço estatal e no uso abusivo de leis
inválidas vigentes, como forma de açodar os direitos fundamentais.

Há que se ter, sem embargo desses direitos fundantes e


constitucionalmente positivados, a busca pela verdade material de face garantista,
com assunção suprema na sua inalienabilidade e irrenunciabilidade, sendo,
portanto, o preço que se irá pagar por um processo penal que respeita todas as
garantias que são a face de um Estado Democrático de Direito307:

El processo penal de um Estado de Derecho no solamente debe


lograr el equilíbrio entre la búsqueda de la verdad y la dignidad de
los acusados, sino que debe entender la verdad misma no como
uma verdad absoluta, sino como el deber de apoyar uma condena
solo sobre aquello que indubitada e intersubjetivamente puede
darse como probado. Lo demás es puro fascismo y la vuelta a los

305
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 50.
306
MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad en el Processo Penal. p. 112.
307
MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad en el Processo Penal. p. 112.
101

tiempos de la Inquisición, de los que se supone hemos ya


felizmente salido308.

No caso em particular, da delação e a valoração da prova na


forma da confissão do delator, é como se sabe um açoite às garantias:

[...] Quanto ao valor da prova, contudo, um sintoma – sim, na


verdadeira acepção da palavra – tem-se demonstrado cada vez
mais freqüente: a utilização do instituto da delação premiada, sob
o frágil argumento – porque é fundado na premissa de uma
investigação deficiente – de que é mais fácil extrair o modus
operandi de uma organização criminosa do que esperar seja ele
revelado pela vontade espontânea de algum suposto membro:
para isto, é inegável, algum benefício deve ser oferecido em troca.
“Prêmios” pela delação e confissão não são incomuns na
legislação e podem ser encontrados facilmente, e suas origens
remontam, à evidência, a uma idéia de expiação pelo mal
cometido309.

Por fim, os limites democráticos impostos por um Estado


Democrático de Direito são correspondentes à verdade material que se pretende
frente a uma verdade formal sujeita ao paulatino desgaste das garantias
fundamentais prometidas na Constituição.

A sua observação e submissão traduzem, indelevelmente, o


sentimento de legitimidade da atuação do juiz, no caso, na gestão da prova e no
seu uso predominantemente racional, haja vista o risco do excesso sempre
eminente da discricionariedade, ainda mais em se tratando de declarações
concedidas espontaneamente ou não – o que é ainda pior – no ápice de uma
pressão pública a dar respostas “eficientes” na troca por meios não-democráticos
e não garantistas de persecução criminal, suprindo a omissão e o desinteresse
investigativo do Estado, na atribuição da delação como solução de economia

308
MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad en el Processo Penal. p. 117.
309
MIRANDA COUTINHO, Jacinto de. Acordos de Delação Premiada e o Conteúdo Ético Mínimo
do Estado. p. 93.
102

processual310, ou mesmo um “fast-food” para a conclusão de sua


311
responsabilidade .

3.2 LIMITES ÉTICOS À DELAÇÃO PREMIADA

Dentre várias palavras que podem ser conjugadas à


delação, uma, em especial, se destaca das demais: redenção312.

A redenção passa a ser uma parte integrante do conteúdo,


que é o prêmio para a prática da delação concedida nas leis penais brasileiras,
exemplo mais do que evidente da desintegração social mediante o estímulo à
traição, que afronta indelevelmente o princípio da dignidade da pessoa humana:

310
Miranda Coutinho afirma: “Como em toda luta, há uma relação economicista entre custo-
benefício, na qual é sintomático que as garantias dos acusados se mostram com o maior
empecilho na pronta prestação jurisdicional, na ‘eficiência’ da justiça criminal”. MIRANDA
COUTINHO, Jacinto de. Acordos de Delação Premiada e o Conteúdo Ético Mínimo do
Estado. p. 92.
311
O cuidado na gestão da prova pelo juiz, é fielmente associado por Ferrajoli como elemento
relevante no trato de sua busca, sob pena de sua subversão, e, portanto, sujeito à injustiças: “A
imagem proposta por Beccaria do juiz como ‘investigador imparcial do verdadeiro’ é, sob este
aspecto fundamentalmente ingênua. Não é uma representação descritiva, mas uma fórmula
prescritiva que equivale a um conjunto de finalidades externas à investigação do verdadeiro, a
honestidade intelectual que, como em qualquer atividade de investigação, deve encerrar o
interesse prévio na obtenção de uma determinada verdade, a atitude ‘imparcial’ a respeito dos
interesses das partes em conflito e das distintas reconstruções e interpretações dos fatos por elas
sustentadas, a independência do juízo e a asusência de preconceitos no exame e na valoração
crítica das provas, além dos argumentos pertinentes para a qualificação jurídica dos fatos por ele
considerados provados. Todas essas atitudes são certamente indispensáveis para dar vida ao
modelo de processo que Beccaria denominava ‘informativo’ (e que aqui tenho chamado de
‘cognitivo’), em oposição ao que ele chamava de ‘ofensivo’, onde, ‘o juiz se torna inimigo do réu’ e
‘busca apenas o delito no encarcerado. Vale-se de artifícios e acredita ter perdido se não alcança
o seu intento, em prejuízo daquela infalibilidade que o homem se arroga em todas as coisas’. Mas
aquelas não bastam para excluir por completo a subjetividade do juízo. Mais além das alterações
desonestas e partidárias do verdadeiro, na realidade ão possíveis e em certa medida inevistáveis
as deformações involuntárias, devidas ao fato de que toda reconstrução judicial minimamente
complexa dos fatos passados equivale, em todo caso, à sua interpretação, que é obtida pelo juiz a
partir de hipóteses de trabalho, que, ainda quando precisadas ou modificadas no curso da
investigação, o levam a valorizar algumas provas e adescuidar-se de outras, e o impedem, às
vezes, não apenas de compreender, mas inclusive de ver dados disponíveis em contraste com
elas. Em todo juízo, em suma, sempre está presente um certa dose de preconceito”. FERRAJOLI,
Luigi. Direito e Razão. p. 59.
312
Ao pesquisar no dicionário me deparei com a seguinte colocação: “Ato ou efeito de remir ou
redimir. Ajuda ou recurso capaz de livrar ou salvar alguém de situação aflitiva ou perigosa. A
salvação oferecida por Jesus Cristo na cruz, com ênfase no aspecto de libertação da escravidão
do pecado”. HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua
Portuguesa.p. 1467.
103

Dá-se o prêmio punitivo por uma cooperação eficaz com a


autoridade, pouco importando o móvel real do colaborador, de
quem não se exige nenhuma postura moral, mas antes, uma
atitude eticamente condenável. Na equação “custo benefício”, só
se valoram as vantagens que possam advir para o Estado com a
cessação da atividade criminosa ou com a captura de outros
delinqüentes, e não se atribui relevância alguma aos reflexos que
o custo possa representar a todo o sistema legal enquanto
construído com base na dignidade da pessoa humana313.

Ademais, por essa afronta, “continua a ser indefensável, do


ponto de vista ético, pois se trata da consagração legal da traição que rotula, de
forma definitiva, o papel do delator”314315.

O Instituto da Delação Premiada é abordada no Brasil, como


já consignado no capítulo segundo, através de várias legislações esparsas, que
objetivam, segundo uma análise superficial – nesse momento, tão somente
dogmática -, estabelecer-se, através dela, uma política criminal que seja eficiente
na ótica do dever do Estado em garantir a segurança e a ordem pública aos
cidadãos, o respeito às leis e à Constituição.

Muito embora seja, conforme dito a princípio, uma das


funções da delação premiada fomentar a existência de uma política criminal

313
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 221.
314
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. p. 359.
315
Nesse caso, também: “Embora a legislação esteja sujeita a críticas variadas, a intenção revelada
é positiva, não obstante a só adoção da delação premiada já exponha o reconhecimento da
incapacidade do Estado frente as mais variadas formas de ações criminosas, e demonstre a
aceitação de sua ineficiência ao apurar ilícitos penais, notadamente os perpetrados por
associações criminosas, grupos, organizações criminosas, quadrilha ou bando, alicerçados em
complexidade organizacional não alcançada pelo próprio Estado. Em si mesma, premiada ou não,
a delação dá mostras de ausência de freios éticos; pode apresentar-se como verdadeira traição
em busca de benefícios que satisfaçam necessidades próprias em detrimento do(s) delatado(s),
conduta nada recomendável tampouco digna de aplausos. Em relação à delação premiada, o que
se vê é seu surgimento quando há desajuste entre os envolvidos; quando um se sente prejudicado
pela persecução penal (em sentido amplo) e desamparado pelo(s) comparsa(s). O desespero, a
simples intenção de beneficiar-se, ou ambos, constitui o mote da delação. Não há qualquer
interesse primário em colaborar com a Justiça; não há qualquer conversão do espírito e do caráter
para o bem; não há preocupação com o que é realmente justo e verdadeiro; não há, enfim, motivo
de relevante valor moral para a conduta egoísta. Porém, dela se vale o Estado na busca da
verdade real; dela se utiliza a Justiça na busca de sua finalidade mediata: a paz social”. MARCÃO,
Renato. Delação premiada. Disponível em:<http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 01º de
julho/2007.
104

eficaz, deve-se também levar em conta o controle do direito e o papel (crítico) do


operador jurídico na ótica do garantismo penal, segundo Amilton Bueno de
Carvalho e Salo de Carvalho, o garantismo também se serve para o
estabelecimento de liames éticos que giram em torno da Constituição, sendo,
portanto, forma indispensável de:

[...] se estabelecer critérios de racionalidade e civilidade à


intervenção penal, deslegitimando qualquer modelo de controle
social maniqueísta que coloca a ‘defesa social’ acima dos direitos
e garantias individuais316.

Há, portanto, uma evidente preocupação quanto ao uso em


demasia da delação premiada, de modo que, não se interferira nos direitos
fundamentais garantidos pela Carta Magna. Com efeito, dá-se aos direitos
fundamentais o status de intangibilidade, isto é, sendo esses direitos basilares,
deverão, ser inatacáveis, ainda que com o tênue argumento da manutenção do
bem comum317, sob pena de aniquilar a ordem das coisas.

Mas, afinal, como se opera a delação premiada e como o


seu uso desmedido – e se procurará dar maior ênfase no plano penal e
processual penal – desse instituto viola visceralmente a esfera do inegociável e a
eticidade no processo criminal prometido à sociedade?318.

Pode-se entender da seguinte forma: a delação, na maioria


das vezes, encontra-se dentro do processo - se for comparada com as demais
provas -, de forma isolada e de certa forma suspeita, vez que, se analisada de
forma acurada, vem permeada de ódio e vingança na declaração de seu autor,
mais do que propriamente de colaboraração no julgamento.

Nesse sentido, a pessoa que é alvo da delação passa, a


partir daquele momento, a ser incriminada pelo delator, e, por conseqüência, não
é só atingida frontalmente nos direitos fundamentais, mas também a ética é
vilipendiada, na medida em que se inflama e se incentiva o ódio, mediante o
316
CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da Pena e Garantismo. p. 17.
317
CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da Pena e Garantismo. p. 19.
318
CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da Pena e Garantismo. p. 19.
105

pagamento de uma “recompensa”, sem que, contudo, se perceba que, por detrás
do prêmio, está, de fato, o desinteresse do Estado na persecução criminal, ou,
como se está em tempos neoliberais, a eficiência deve ser alcançada a qualquer
tempo ou modo, e a vingança é o pano de fundo do show de horrores
contemplado ao cidadão:

Os juízos morais e as condenações morais constituem a vingança


favorita dos espíritos limitados diante daqueles que são o menos;
eles encontram aí uma espécie de compensação por terem sido
mal remunerados pela natureza; enfim, é para eles uma ocasião
de adquirir espírito e se refinar; a maldade torna inteligente. Eles
se regozijam no fundo de seu coração ao pensar que existe um
plano em que os indivíduos cumulados de bens e os privilegiados
de espírito permanecem seus iguais: eles lutam pela ‘igualdade de
todos diante de Deus’ e, nem que fosse só por isso, têm
necessidade de acreditar em Deus319.

O processo sem freios éticos corre seguramente para uma


direção “kafkaniana”. Na obra célebre do escritor alemão, se vê claramente o que
um Estado imbuído da certeza de que se está acima do bem e do mal pode
fazer320, ainda mais com o poder de dispor a qualquer momento não só das
garantias fundamentais do cidadão, mas utilizar-se de um desvalor sugerido por
um delinqüente, sem que se perceba o reflexo que causa em todo o sistema legal
que ao menos se baliza na dignidade da pessoa humana. A traição, por óbvio se
encontra em oposição à moral - e ocupa papel crucial na legitimação de qualquer
ordenamento jurídico-, e, por isso, sempre irá representar um latente atentado
contra o Direito.

Com efeito, há, encravado na sociedade – considerável


parcela desta – um sentimento de que integrantes do judiciário, devem travestir-
se de justiceiros com o objetivo de brandir a espada de Dâmocles e que,

319
NIETZSCHE, Friedrich. Breviário de Citações. 2. ed. São Paulo: Landy, 2001, p. 88.
320
A primeira frase do livro dá conta do que um Estado sem qualquer limite ético, e que portanto,
afronta a dignidade da pessoa humana, é capaz de fazer. O processo a que Josef K. foi submetido
sem que soubesse ou que lhe fosse dado o direito de saber sobre o que estava sendo processado,
nunca lhe foi respondido, contudo a única certeza que o acusado tinha era que de fato, tinha sido
vítima da delação: “Alguém devia ter caluniado a Josef K., pois sem que ele tivesse feito qualquer
mal foi detido certa manhã”. KAFKA, Franz. O Processo. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 37.
106

acreditando que, desse modo, estarão imbuídos com a alma de quem faz de fato
justiça:

[...] Qualquer um pode constatar que, na prática, uma das mais


novas funções atribuídas aos juízes (ou são eles que se
atribuem?) é a de combater o crime, embora escancaradamente
contra a CR, que segue – como deve ser – mantendo-os como os
principais garantes dos cidadãos, para o que devem ter a
necessária eqüidistância das partes, tudo com o fim da
manutenção da serenidade do próprio sistema republicano. [...] se
assumirem tal lugar (trata-se de um engajamento), viram – como
diz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA – os Nicholas Marshall de
toga, prontos a lutar contra a lavagem de dinheiro, a corrupção, o
tráfico de entorpecentes, etc., custe o que custar, nem que para
isto direitos e garantias sedimentados e erigidos ao grau de
dogma constitucional sejam passados para trás, como se
obstáculos – e não conquistas históricas da humanidade –
fossem321.

O uso inadequado do instituto não se restringe apenas aos


componentes do judiciário, mas infectam também membros do Ministério Público.

Há interpretação clara e destemida de manter a cartilha


secular de Nicolau Maquiavel, vez que é necessário a um promotor de justiça que
deseja manter-se no cargo aprender a não usar (apenas) a bondade, praticando-a
ou não de acordo com as injunções322.

Esse cotejo é mais do que evidente. A “caixa de pândora” é


aberta na medida em que se criam regras para acordos ilegais e inconstitucionais
em processos, cujas pessoas são acusadas de crimes contra o sistema financeiro
nacional e de lavagem de dinheiro, com a utilização de um delator premiado, em
troca de alguns benefícios323.

321
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Acordos de Delação Premiada e o Conteúdo Ético
Mínimo do Estado. p. 91.
322
MAQUIAVEL. Nicolau. O Príncipe. 3. ed. Porto Alegre: L&PM, 2002, p. 88.
323
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Acordos de Delação Premiada e o Conteúdo Ético
Mínimo do Estado. p. 94.
107

A realidade da delação “à brasileira” é como dito acima:


permeada de irregularidades e aos solavancos da ilegalidade, praticada no
extremo do contorcionismo dogmático, ferrenho e rasteiro, por ilustres
“operadores do direito”, isto é, são fundados em acordos entre o MP e a defesa
(?) dos delatores324.

Diante desse prisma, é expurgado do direito processual


brasileiro ao limbo jurídico que se torna o processo criminal: [...] a) o devido
processo legal; b) a inderrogabilidade da jurisdição; c) a moralidade pública; d) a
ampla defesa e o contraditório; e e) a proscrição às provas ilícitas325.

Esse atropelo, de certa forma, é a crítica que Ferrajoli utiliza,


quando diz que o juiz não é uma máquina automática na qual por cima se
introduzem os fatos e, por baixo, se retiram as sentenças, ainda que com a ajuda
de um empurrão, quando os fatos não se adaptem perfeitamente a ela326.

Não pode o juiz ser, no entendimento de Montesquieu, a


“boca da lei”, inteiramente submisso a ela, como se fosse a mesma uma espécie
de organismo vivo, com inteligência, racionalidade, discernimento, mas que
necessita apenas daquela boca para se fazer valer, ou seja, demonstrar ser ela a
perfeita tradução do desejo do parlamento e do povo. O risco do magistrado de se
tornar um papagueador327, é evidente.

Se a doutrina garantista estabelece, como seu ponto de


partida, o princípio da estrita legalidade esculpido na Constituição da República
vigente, como forma mínima de garantir ao cidadão uma previsibilidade
mínima328, deve, portanto, o magistrado, como defendido por Nepomoceno, não
ficar adstrito ao restrito e estreito campo da dogmática, mas ir além da lei, sob o

324
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Acordos de Delação Premiada e o Conteúdo Ético
Mínimo do Estado. p. 95.
325
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Acordos de Delação Premiada e o Conteúdo Ético
Mínimo do Estado. p. 95.
326
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 33.
327
ROSA, Alexandre Morais da Rosa. O que é Garantismo Jurídico?. p. 34.
328
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 19.
108

risco de continuar acreditando em Papai Noel329, ou continuar crendo que a


delação premiada, seja parte integrante de um sistema penal, o qual prometeu
combater a criminalidade, minimizando a violência e maximizando a segurança330.

Assim, mostra-se temerária a condenação com base


exclusiva na delação, sem que haja, conforme dito alhures, uma análise a fundo
não só sob a ótica dogmática, mas também nos tais princípios constitucionais
garantidores de uma ordem social mínima, como meio de garantir o máximo grau
de racionalidade e confiabilidade do juízo e, portanto, de limitação do poder
punitivo e de tutela da pessoa contra a arbitrariedade331, eventualmente atingidos
dentro do processo.

É, por outro lado, extremamente louvável o caminho adotado


pelo legislador, quando entende reservar as prisões aos casos tidos como graves,
de difícil elucidação, portanto “necessária” a delação de um dos envolvidos para
se “chegar” aos demais.

Entretanto, o uso sem critério da delação premiada, e suas


conseqüências nefastas à ética, que se pretende preservar segundo o garantismo
jurídico, dão a singular impressão de que o Estado nos intitula efebos
necessitando de um tutor, no caso, ele próprio – o Estado – para cumprir esse
papel.

O discurso não convence. Se olharmos que o Estado


enquanto seja eminentemente positivista contemplativo e acrítico, arraigado às
leis pura e simplesmente, portanto eivado da idéia de que os atos de poder são,
em regra, legítimos, comete o excesso e caminha para a arbitrariedade.

Pelo fato de corresponderem a um modelo ideologizado no


qual as noções de legitimidade e legalidade são similares332, comete o abuso da

329
NEPOMOCENO, Alessandro. Além da Lei – A face obscura da sentença penal. Rio de Janeiro:
Revan, 2004, p. 29.
330
NEPOMOCENO, Alessandro. Além da Lei. p. 29.
331
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p.30.
332
CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da Pena e Garantismo. p. 19.
109

delação premiada, como se fora uma ferramenta estatal eficiente da política


criminal, transmitindo o viés da idéia de ineficiência dos meios da persecução
criminal que detêm, o que atesta, sobremaneira, a ausência da manutenção da
segurança, tendo que transigir com pessoas que vieram a transgredir uma norma
penal.

De igual forma, o uso estrábico de uma Dogmática Penal e


Processual Penal, como único escudo das garantias individuais, passa o
sentimento de instabilidade jurídica à sociedade.

Ora, ao utilizar a delação premiada sem a cautela e o critério


necessário imposto pelas garantias individuais expressamente delimitadas na
nossa Constituição, criará a insegurança jurídica:

[...] a Dogmática Penal terá a função latente de legitimar


cientificamente essa reprodução da desigualdade social através
do devido processo legal, sem se preocupar como se deu a
chegada do processado até as agências de poder do controle
penal. Criar-se-á o consenso de que a lei penal é aplicada para
todos igualitariamente, sendo todos os bens também valorados da
mesma forma; a pena terá fins punitivos, preventivos e
terapêuticos; as garantias individuais inscritas na legislação serão
respeitadas; O Direito Penal estará preocupado com o fato e não
com o autor. Ocorrendo desse modo, estará mantida a ilusão de
segurança jurídica. Acreditar-se-á que o julgador analisará
objetivamente os casos concretos, evitando a parcialidade e, por
conseqüência, a arbitrariedade da escolha em condenar ou
absolver o réu de acordo com o seu querer. Todavia, ao
interpretar a norma, tendo em vista as ambigüidades, vaguezas e
as próprias redefinições legais, o julgador pode fundamentar
tecnicamente sua decisão como bem quiser e, assim, reproduzir
os estereótipos e o senso comum sobre a criminalidade”333.

Beccaria aprofundou também seus estudos sobre a delação,


chamando-a de acusação secreta, afirmando inclusive que a sua prática tornava o
homem mentiroso e dissimulado, aduzindo:

333
NEPOMOCENO, Alessandro. Além da Lei . p. 70.
110

Qualquer pessoa que suspeita ver na outra um delator, nela vê um


inimigo. Os homens, então, se habituam a mascarar os próprios
sentimentos e, com o hábito de escondê-los dos outros, chegam a
finalmente escondê-los de si mesmos. Infelizes os homens
quando chegam a este ponto! Sem princípios claros e firmes que
os guiem, vagam perdidos e flutuantes no vasto mar das opiniões;
sempre ocupados em salvar-se dos monstros que os ameaçam,
passam o momento presente sempre amargurado pela incerteza
do futuro [...]334.

O dever moral também se encontra nas palavras de


Zaffaroni e Pierangelli:

Se o imperativo categórico (dever moral) nos obriga a respeitar o


outro como fim em si mesmo, a partir deste dever descobrimos o
direito subjetivo a ser considerado, como fim em nós mesmos.
Quando o dever moral de outro deixa de ser garantido pelo
Estado, desaparecerá o direito subjetivo de exigir o respeito de fim
em si mesmo que nos assiste335.

Por derradeiro, entende-se como limite ético à delação o seu


próprio conteúdo inverso à moral, que integra indelevelmente o sentido da lei,
fundamento essencial a sua validade, conforme a Constituição.

O limite ético imposto se encontra justamente na possível


apologia que o Estado venha a fazer acerca do instituto e seu suposto
eficientismo, agredindo de frente não só a Constituição e suas vigas mestras
fundamentais, bem como o Estado Democrático de Direito, mas os valores morais
e éticos que constituem o arcabouço da justiça, da segurança e do bem-estar
comum.

3.3 A POSSÍVEL COMPATIBILIDADE DA DELAÇÃO PREMIADA

Da obra de Ferrajoli, pode-se notar, logo nas primeiras


linhas de “Direito e Razão”, a clara preocupação do mestre italiano quanto ao que

334
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Martin Claret: São Paulo, 2000, p. 55.
335
PIERANGELI, José Henrique, ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro.
p. 266.
111

ele batizou de “crise de legitimidade” do sistema penal e processual da atualidade


e seus conteúdos éticos, jurídicos, filosóficos e políticos empreendidos no Estado
Democrático de Direito tal qual o conhecemos, sendo, assim, os tais vínculos e
garantias do cidadão frente ao arbítrio estatal336.

A racionalidade empregada exaustivamente na citada obra é


o primeiro significado que fundamenta a justificação ético-política do próprio
direito penal, viés escolhido para a delimitação dos limites ao Estado, legitimando,
por conseqüência, a ação do Leviatã.

Para Ferrajoli, um direito penal racional só se voltaria à


punição efetiva de fatos empiricamente revelados e investigados judicialmente,
através de afirmações sujeitas à verificação e refutação.

Em um segundo significado, essa mesma razão fundamental


ao direito penal seria também o vetor que indicaria a justificação ético-política da
necessidade, qualidade e quantidade das penas e das vedações legais, além das
formas e critérios das decisões judiciais337.

E, por fim, o terceiro significado seria, no prisma normativo e


jurídico, a razão jurídica, como forma de admissão ou não de sua validade,
exercício analítico indispensável consubstanciado na comparação do
338
ordenamento constitucional superior e suas normas e prática inferiores .

O simbolismo penal como já restou consignado, pode o ser


instrumento do Direito Penal como expressão da força estatal, conjurado com
técnicas antigarantistas, cuja uma das expressões é a eleição do castigo como
justificativa para a prevenção e repressão do crime perante a sociedade.

336
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 785.
337
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786-787.
338
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786.
112

Ferrajoli, por outro lado, define que a pena não serve


somente para prevenir os delitos, “senão também os castigos injustos”339.

A visão garantista impede que se coloque o Direito Penal em


posição de embate com o sujeito, e que desta forma “tutela não só a pessoa
ofendida pelo delito, mas também ao delinqüente, frente às reações informais,
públicas ou privadas”340, características arbitrárias estas típicas do Estado341.

Ainda assim, Ferrajoli duvida da efetiva idoneidade do


Direito penal como instrumento de prevenção e de persuasão de delitos
futuros342, delimitando, ao menos que a idéia da prevenção geral dos crimes seria
o limite mínimo – refletindo desse modo o sentimento da maioria não-desviada –
ao passo que a prevenção de penas arbitrárias ou desproporcionais seria o limite
máximo imposto – no caso a prevalência do interesse do réu contra reações sem
controle, quando é suspeito ou acusado343.

Tem-se, dessa forma, trazida para a questão da delação, a


possibilidade fundamental de sua aplicação, sujeita à crítica produzida pela teoria
do garantismo.

Contudo, a delação premiada força, sobremaneira, um


dilema que o prisioneiro pode passar344, pela razão de que a delação é utilizada

339
QUEIROZ, Paulo. A justificação do Direito de punir na obra de Luigi Ferrajoli. Disponível
em<www.direitodeliberdade.com.br/html/artigosjurídicos.asp?pag=2-39k.Acesso em 26 de jun.
2007>.
340
QUEIROZ, Paulo. A justificação do Direito de punir na obra de Luigi Ferrajoli. Disponível
em<www.direitodeliberdade.com.br/html/artigosjurídicos.asp?pag=2-39k.Acesso em 26 de jun.
2007>.
341
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 209.
342
“Em rigor, qualquer delito cometido demonstra que a pena prevista para ele não foi
suficientemente para preveni-lo e que para tal fim seria necessário uma maior [...]. É duvidosa a
idoneidade do direito penal para satisfazer eficazmente a primeira (a prevenção geral de delitos) –
não se podendo ignorar as complexas razões sociais, psicológicas e culturais dos delitos,
certamente não neutralizáveis mediante o mero temor das penas”. FERRAJOLI, Luigi. Direito e
Razão. 332-333.
343
QUEIROZ, Paulo. A justificação do Direito de punir na obra de Luigi Ferrajoli. Disponível
em<www.direitodeliberdade.com.br/html/artigosjurídicos.asp?pag=2-39k.Acesso em 26 de jun.
2007>.
344 Cabe aqui tratar da teoria do dilema do prisioneiro, o que exatamente pode ocorrer em
desrespeito frontal às suas garantias, como forma de se extrair uma delação, sendo o
“presioneiro” transformado na condição de um joguete nas mãos da “autoridade”: “O dilema do
113

como meio de prova que pode ser declarada como irrefutável, com os perigos
denunciados pelo garantismo, ou até mesmo pelo previsível tendencionismo do
delator em se livrar ou ver a pena reduzida, vez que pode não existir, o cuidado
necessário na análise da prova, tendo-se a confissão, como a “rainha das
provas”, violada, por certo, a “[...] a isonomia constitucional e o direito penal se
esfumaça como estrutura democrática”345.

Com efeito, sem embargo da discussão de sua implicação


na seara da democracia e seu conteúdo pérfido à moral, a delação, ao que
parece, encontra no garantismo, em parte, como visto anteriormente, a permissão
de sua efetividade.

No conjunto de provas amealhadas na instrução processual,


pode de fato, surgir a pretensa exposição da delação, e será a mesma admissível
desde que, em tese, seja filtrada pelo três significantes expostos por Ferrajoli:
racionalidade, ética e validade/vigência.

Procedida essa análise, é através da cognição do processo,


ou a busca pela verdade processual garantidora e suas nuances, que Ferrajoli
assinala:

A definição da noção da verdade formal do processo e a análise


das condições em que uma tese é (ou não é) verificável e
verificada formam, pois, o primeiro capítulo de uma teoria analítica

prisioneiro é um jogo amplamente estudado na Teoria dos Jogos e é ilustrado como segue. Dois
bandidos são presos pela polícia, colocados em salas separadas e são oferecidas as opções de
delatar o parceiro ou não dizer nada (cooperar). Se um deles delatar e o outro não, o que não
delatou se dá muito mal, pois é indiciado sozinho pelo crime (pega, digamos, 10 anos de cadeia) e
o delator sai livre. Se ambos delatarem um ao outro, ambos se dão um pouco mal mas não tanto
(pegam 5 anos de cadeia). Se nenhum dos dois falar nada, são indiciados por um crime menor e
pegam algo como 1 ano de cadeia. O dilema é o que deve cada prisioneiro fazer. O ideal seria
ambos não falarem nada, pois ambos pegam uma pena leve. Mas se eu pensar assim e resolver
cooperar, meu parceiro pode pensar "ah, ele vai cooperar; se eu delatar saio livre". Assim, o medo
de que o parceiro delate impede que qualquer um dos dois coopere e ambos acabam delatando e
essa é a escolha mais racional. É o medo da possibilidade de pagar um preço alto que impede
que se consiga atingir a melhor das alternativas”. Dilema do Prisioneiro. Disponível em<
http://pontomidia.com.br/ricardo/arquivos/dilema_do_prisioneiro.html > Acesso em 26 de jun. 2007.
345
MIRANDA COUTINHO, Jacinto de. Acordos de Delação Premiada e o Conteúdo Ético Mínimo
do Estado. p. 95.
114

do direito e do processo penal é, por sua vez, os principais


parâmetros de um sistema penal garantista346.

E é a disposto dessa verdade processual que Ferrajoli busca


a reconstrução desse paradigma processual penal, com o objetivo de, provocando
a rediscussão, possibilitar a não ocorrência da hipótese do juiz ceder ao
decisionismo347, refutando qualquer possibilidade de verdade348.

A delação e sua prática são vigentes, contudo, como se


sabe, e aqui intensamente debatido, sua validade necessariamente perpassa pelo
critério da validade, por exemplo, conjugada com a filtragem ético-política e
racional, impossíveis de serem abjurados em razão do garantismo e a aplicação,
conforme a Constituição.

O perigo da judicialização, tentada à aplicação sob o manto


de um suspeito poder discricionário, é desvelado por Ferrajoli como sendo
prejuízo às garantias, e, no caso em especial da delação, o atalho que justificaria
a não verificação ad cautelam da prova, sob o pretexto de sua vigência, e
apressadamente a sua prática, por exemplo, configurando-se o juízo da causa, na
figura mítica do confessor, psicanalista ou terapeuta social349, que, ao se deparar
com normas de textura aberta – qualquer uma das legislações brasileiras que
admitem a aplicação do prêmio à traição, no caso -, passa a decidir
arbitrariamente:

346
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 48-49.
347
Ferrajoli prima pelo apontamento: “O decisionismo é o efeito da falta de fundamentos empíricos
precisos e da conseqüente subjetividade dos pressupostos da sanção nas aproximações
substancialistas e nas técnicas conexas de prevenção e de defesa social. Esta subjetividade se
manifesta em duas direções: por um lado, no caráter subjetivo do tema processual, consistente em
fatos determinados em condições ou qualidades pessoais, como a vinculação do réu a ‘tipos
normativos do autor’ ou a sua congênita natureza criminal ou periculosidade social; por outro lado
manifesta-se também no caráter subjetivo do juízo, que na ausência de referências fáticas
determinadas com exatidão, resulta mais de valorações, diagnósticos ou suspeitas subjetivas do
que provas de fato. O pimeiro fator de subjetivação gera uma perversão inquisitiva do processo,
dirigindo-o não no sentido de comprovação de fatos objetivos (ou para além dela), mas no sentido
da análise da interioridade da pessoa julgada. O segundo degrada a verdade processual, de
verdade empírica, pública e intersubjetivamente controlável, em convencimento intimamente
subjetivo e, portanto, irrefutável do julgador”. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 46.
348
DUCLERC, Elmir. Prova Penal e Garantismo: uma investigação crítica sobre a verdade fática
contruída através do processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 113.
349
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 46.
115

E o juízo penal, da mesma forma que o ético ou o estético,


degenera em juízo “sem verdade”: não motivado por juízos de
fato, isto é, por inserções verificáveis ou refutáveis, mas por juízos
de valor, não verificáveis nem refutáveis porque, por sua natureza,
não são verdadeiros nem falsos; não baseado em procedimentos
cognitivos, pelo menos tendencialmente, e, por isso, expostos a
controles objetivos e racionais, senão em decisões potestativas;
não realizado mediante regras do jogo – com o ônus da prova e o
direito à defesa – que garantam a “verdade processual”, mas
confiado à sabedoria dos juízes e à “verdade substancial” que eles
possuem350.

Imprescindível é que o cotejo da delação premiada deva vir


obrigatoriamente com as demais provas apresentadas e investigadas, nunca
sozinha, sob pena de dissimulação de todas as garantias fundamentais, sim
porque, se a delação vem de certo modo corroída pelo sentimento vil da traição,
sua tendência - a priori, até por respeito ao princípio da presunção da inocência –
será a de sempre prejudicar o alvo da cagüetagem, abrindo, por certo, o caminho
à autoridade plena do juiz, sujeito, portanto, ao emblemático contorcionismo
dogmático, aquela prática que se conhece nos rincões dos tribunais pátrios, nas
sentenças “vendidas” à sanha da massa exultante, como “pão quente” em três
passos: a) a lei é vigente, portanto, a delação é permitida; b) os “fatos” narrados
pelo co-autor se “coadunam” com a denúncia, logo, são “verdadeiros” eis que
quando submetidos ao “contraditório” a defesa não “logrou êxito em refutá-los”; e
o golpe de morte: c) a “prova” da delação é “suficiente” para o édito condenatório,
vez que “eficaz” para a “reprodução dos fatos como realmente aconteceram”.

Ferrajoli, mais uma vez indica:

Seu fundamento é exatamente o inverso daquele próprio do


modelo garantista: sem uma predeterminação normativa precisa
dos fatos que se devem comprovar, o juízo remete na realidade,
muito mais à autoridade do juiz do que a verificação empírica dos
pressupostos típicos acusatórios. Por outra parte, seu caráter não
cognitivo nem estritamente vinculado à lei contradiz sua natureza
jurisdicional no sentido acima já determinado. Se, com efeito,

350
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 46.
116

“jurisdição” de signa um procedimento de comprovação dos


pressupostos da pena que se expressa em assertivas
empiricamente verificáveis e refutáveis, qualquer atividade
punitiva expressamente contrária a este esquema é algo distinto
da jurisdição. Trata-se, precisamente, de uma atividade
substancialmente “administrativa” – ou, se quisermos, “política” ou
“governativa” – caracterizada por formas de discricionariedade
que, ao afetar as liberdades individuais, inevitavelmente
desembocam no abuso351.

Não só o caráter da aplicação da delação será eivado de


ideologismo, mas, também, será, por certo, sem critérios o seu uso desmedido
aqui afiançados pela teoria garantista, outra forma de controle social pelo braço
do Direito Penal.

A verdade processual defendida pelo garantismo, segundo


Ferrajoli, será sempre aproximativa352, contudo, essa aproximação não será
entendida como uma aproximação que efetivamente existe, mas como o marco
inicial que irá regular, permitindo, desse modo, que, “comparando duas ou mais
teses diferentes sobre o mesmo evento, afirmar qual delas é mais plausível, ou
mais próxima da verdade”353, sem que haja prejuízo às garantias fundamentais.

Ao analisar duas ou mais teses, por exemplo, a delação com


uma outra prova produzida ou verificada - a reunião de elementos do passado
com provas produzidas no presente -, farão com “que a verdade processual fática
não deriva diretamente do fato julgado, mas é apenas o resultado de uma ilação
de fatos provados do passado com fatos probatórios do presente”354.

Em verdade, não se pode alienar de que, ao mesmo tempo


em que se a verdade de contorno garantista deve ser exigida dentro do processo,
por outro lado, o princípio do in dubio pro reo também é uma condicionante que

351
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 47.
352
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 50-51.
353
DUCLERC, Elmir. Prova Penal e Garantismo. p. 114.
354
DUCLERC, Elmir. Prova Penal e Garantismo. p. 115.
117

por si só descarta qualquer possibilidade de se levar a cabo a pretensão de se


obter essa verdade355.

E é justamente nessa bifurcação em que há os dois


extremos a serem “escolhidos”, que Ferrajoli sustenta a plausibilidade de uma
espécie de terceira via sustentável pelo “entrelaçamento entre saber e poder, que
tipifica a atividade jurisdicional e que faz surgirem aqueles espaços de poder,
sempre redutíveis, mas nunca de todo suprimíveis”356, nas mãos do juiz, a saber:

A tarefa principal da epistemologia penal garantista [...]


inconformada com as alternativas acima descritas [...] é a de
elucidar as condições que permitem restringir o mais possível
estas margens e, portanto, basear o juízo (em decisões) sobre a
verdade processual em lugar (de decisões) sobre valores de outro
tipo357.

De tudo o que se extrai do uso da delação premiada,


conclui-se que ela, de fato, pode ser sacada para, aliada às demais provas
contidas no processo, basear a decisão penal.

Contudo, como já dito, o tratamento deverá ser sempre


associado, aos demais elementos dos autos.

O garantismo vem justamente discutir pontualmente todo o


processo de conhecimento, ressaltando sempre a prevalência insubstituível de
todas as garantias preconizadas na Constituição frente à arbitrariedade possível e
consubstanciada numa decisão.

A permissividade da teoria garantista à prática do delator e


seu correspondente prêmio, é mensurada pelos tais campos (de) limitadores, da
estrita legalidade, da obediência uníssona à igualdade, proporcionalidade, do
devido processo legal, da ampla defesa e contraditório, garantias essas
indissociáveis e arraigadas no espírito libertário da sociedade em sua totalidade.

355
DUCLERC, Elmir. Prova Penal e Garantismo. p. 118.
356
DUCLERC, Elmir. Prova Penal e Garantismo. p. 118.
357
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 63-64.
118

A busca por essa verdade processual, na realidade, como


visto, ainda que seja um marco da permissão do instituto da traição, é, na
verdade, uma ficção criada pelo homem, mas que, de certa forma vem impedir a
sobreposição apressada pela “eficiência, da utilidade ou do consenso”358, comuns
por certo a uma visão cartesiana do Direito Penal.

O garantismo e toda a sua essência medular vislumbram,


sem concessão, a vontade máxima da totalidade do povo e a sua característica
de guardião da Carta Constitutiva359, que se encontra no altar máximo - a
dignidade da pessoa humana.

Assim, não se pode sacrificar a liberdade do homem sem


que se haja verificado a sua responsabilidade ou não pela prática delitiva360, e
mesmo assim, a perspectiva garantista e libertária não pretende ser a resposta
efetiva ou a certa, mas sim, ainda que imperfeita e sujeita a lucubrações de toda
ordem, que prevaleça o uso máximo da racionalidade nas decisões penais,
minimizando o poder e maximizando as garantias, caminhando assim para a
vereda da validade e legitimidade das decisões, motivada no caso pela delação
empírica e cognitivamente comprovada e, portanto, assegurada pela estrita
legalidade e jurisdicionalidade.

358
DUCLERC, Elmir. Prova Penal e Garantismo. p. 118.
359
“Nada nem ninguém, protege o que não sente”. VALLE, Juliano Keller do. Dueto. Florianópolis:
Insular, 1997, p. 2.
360
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 68.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O instituto da delação premiada tal qual é aplicado na


legislação penal brasileira, é, de fato, uma ferramenta que alia a eficácia de uma
prestação jurisdicional, sem que afronte princípios fundamentais contidos na
Constituição? As garantias fundamentais deverão prevalecer sob o argumento de
serem fundações do Estado Democrático, portanto, indissociáveis do cotidiano
social frente a tentativa do Estado encontrar ou apresentar alternativas à uma
prestação jurisdicional que se pretende ser eficiente?

As duas indagações, por certo, possuem a questão medular


proposta no presente texto, na medida em que povoam o imaginário do ator
jurídico quando da análise, por exemplo, da prova em um processo penal, sujeita
às situações de prêmio a uma delação.

A Teoria do Garantismo Penal invocada por Ferrajoli resgata


todos os Direitos Fundamentais inscritos na Carta Magna, com o objetivo de,
desta forma, estabelecer critérios de racionalidade contido nas garantias
constitucionais, passando a ser, então, o parâmetro do agir do Estado.

Nesse prisma a Teoria do Garantismo estabelece técnicas


de controle estatal, maximizando as garantias e minimizando a intervenção,
mediante o uso do que Ferrajoli batiza de estrita legalidade, fazendo com que a
Constituição deixe de ser meramente formal (uma folha de papel), para ser o
reflexo do contrato social de todo o povo, de procedimental para substancial.

Os eventuais abusos cometidos pelo Estado, em


dissonância com o ideário proposto pela teoria garantista, encontram
possibilidade de atuação em várias legislações penais, e em especial, na
possibilidade de aplicação da delação premiada dentro do processo.

Como expressão máxima do poder do Estado, o Direito


Penal é usado em maior ou em menor intensidade como forma de se estabelecer
técnicas de controle social, desvirtuando o jus puniendi de sua real finalidade que
120

é a de através do processo, buscar a justiça sem que desobedeça às garantias


fundamentais do sujeito.

Nesse contexto, o uso da delação premiada sem qualquer


critério racional contido na estrita legalidade de Ferrajoli, encontra terreno na
justificativa da eficiência que deve permear o processo, na cultura do medo
impregnada na sociedade, na emergência na edição de leis penais e processuais
e na punição veloz.

As três categorias indicadas – Garantismo Penal, Delação


Premiada e Garantias Fundamentais – formam a tríplice aliança, do que se deve
refletir acerca do papel do Estado Democrático de Direito, na busca de
parâmetros de justiça à totalidade da população, sem qualquer concessão.

Contudo, o uso da delação premiada encontra barreiras


éticas e democráticas que discordam dos princípios arraigados a toda a
sociedade, uma vez que não é permitido, nem sob o argumento de uma pretensa
maioria, se estabelecer a vigência do instituto, dando-se tratamento desigual aos
iguais através do prêmio ao delator, correspondendo a redução ou isenção da
pena, quebrando-se princípios como a proporcionalidade da pena.

Desse modo, o garantismo permite ao ator jurídico, no caso


o juiz, a possibilidade de se soltar das amarras impostas pelo Estado através da
dogmática jurídica positivista, deixando de ser um mero “papagueador” ou o
“boca-da-lei”, para através da crítica baseada na racionalidade, na estrita
legalidade e no apego às normas fundamentais, filtrar a prova produzida pela
delação, condensando-a, assim, com as demais amealhadas, sem que se avilte a
verdade do modelo garantista defendido.
121
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