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Toda a análise sociolinguística passa então a ser orientada para as variações sistemáticas,
inerentes ao seu objeto de estudo, a comunidade de fala, concebidas como uma
heterogeneidade estruturada. Não existe, portanto, um caos linguístico, cujo
processamento, análise e sistematização sejam impossíveis de serem processados. Há,
pelo contrário, um sistema (uma organização) por trás da heterogeneidade da língua
falada.
Através da análise das variáveis sociais, busca-se definir o quadro de variação observado
na comunidade de fala nos termos da dicotomia entre variação estável e mudança em
progresso. No primeiro caso, conclui-se que o quadro de variação tende a se manter
ainda por um longo período, já que não se verifica uma tendência de predominância de
uma variante linguística sobre a(s) outra(s). Já o diagnóstico de mudança em progresso
implica que o processo de variação caminha para a sua resolução em favor de uma das
variantes identificadas, que deve se generalizar, tornando-se o seu uso praticamente
categórico dentro da comunidade de fala. Nesse quadro, a(s) outra(s) variante(s)
tenderia(m) a cair em desuso.
Mas, como reconhecem os próprios Chambers e Trudgill (idem, ibidem), "a relação entre
tempo aparente e tempo real pode ser de fato mais complexa do que a simples
equiparação dos dois sugere". Realmente, a projeção (ou equivalência) do que se observa
no tempo aparente para o que teria se passado no tempo real apoia-se no pressuposto de
uma estabilidade do sistema, o que significa dizer que o padrão linguístico fixado por
um indivíduo na adolescência ou pré-adolescência se conserva mais ou menos intacto
pelo resto de sua vida; só assim podemos imaginar que o padrão depreendido do
comportamento linguístico dos falantes de 60 anos de hoje corresponderia a padrão
fixado na comunidade há 40 anos (LABOV, 1981, 180-1; e NARO, 2003, p. 43-50).
Porém, não se pode ter absoluta segurança a respeito disso, e, pelo menos até o início da
década de 1990, esse pressuposto básico do conceito de tempo aparente ainda não havia
sido plenamente testado (LUCCHESI, 2001).
Por outro lado, nada pode assegurar que uma tendência de mudança identificada pelo
linguista num determinado momento não será revertida num futuro próximo em
decorrência de novos fatos que não estavam presentes no momento em que o linguista
fez o seu diagnóstico. Em função desse caráter contingencial dos processos históricos,
"qualquer afirmação sobre a mudança [em progresso] é evidentemente uma inferência"
(LABOV, 1981, p. 177). Esse prognóstico entre mudança em curso e variação estável
baseia-se na combinação dos resultados obtidos através da correlação da variável
linguística estudada com as variáveis sociais.
Assim, um cenário em que os falantes das classes mais altas e de maior nível de
escolaridade exibem proporcionalmente uma maior frequência de uso das formas de
prestígio do que o falantes da classe média (e estes, por sua vez, uma maior frequência
do que os da classe baixa) apontaria para uma situação de variação estável; enquanto que
os processos de mudança tendem a ser liderados pelos indivíduos mais integrados da
classe média baixa e/ou das seções mais elevadas da classe operária (cf. LABOV, 1982,
p. 77-8).
No que concerne à variável sexo, nas situações de variação estável, as mulheres tendem
a ser mais sensíveis ao uso das formas de prestígio, o que pode ser aferido numa escala
de níveis de formalidade da fala. Por outro lado, nas mudanças em que se abandona o
uso de uma forma padrão, o processo tende a ser liderado pelos homens, enquanto que
as mulheres lideram as mudanças em direção às formas de prestígio (cf. CHAMBERS e
TRUDGILL, 1980, p. 97-8). Já Labov (1982, p. 78) afirma genericamente que "na
maioria das mudanças linguísticas, as mulheres estão à frente dos homens na proporção
de uma geração". Porém, como bem notou Scherre (1988, p. 429), "a respeito da variável
sexo, pode-se ver na literatura linguística que o seu papel, especialmente do sexo
feminino, na questão da mudança não é muito claro". E, como reconhece o próprio
Labov (1981, p. 184):
Mas é importante ter em mente que essa propensão das mulheres para as formas de maior
prestígio (no sentido do padrão normativo) é limitada àquelas sociedades em que as
mulheres desempenham um papel na vida pública. Um tendência contrária foi
encontrada em Teerã por Modaressi (1977) e Jain, na Índia (1975).
Nesse sentido, é bom destacar que a maioria das conclusões apresentadas acima se
referem a processos de variação/mudança ocorridos nos grandes centros urbanos de
países com alta grau de industrialização, como o Canadá, os Estados Unidos e a
Inglaterra. É preciso que se faça uma análise crítica desses parâmetros, evitando a sua
aplicação mecânica a realidades sócio-culturais totalmente distintas, como a de
comunidades rurais, em um país com um desenvolvimento industrial tardio e dependente
como o Brasil.
REFERÊNCIAS
LABOV, William (1981). What can be learned about change in progress from synchrony
descriptions. In: SANKOFF, David; CEDERGREN, Henrietta (Ed.). Variation
Omnibus. Carbondale; Edmonton: Linguistic Research, p.177-199.
NARO, Anthony (2003). O dinamismo das línguas. In.: MOLLICA, Cecília; BRAGA,
Maria Luiza (orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. São
Paulo: Contexto, p. 43-51.
SCHERRE, Maria Marta Pereira (1988). Reanálise da concordância nominal em
português. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro.