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O filme “Ma vie en rose” (dir.

Berliner, 1997) narra a história de uma menina


transexual, Ludovic, que passa pelo processo de descobrir sua identidade de gênero.
Diante de um ambiente familiar e escolar conservador, Ludovic enfrenta reprimendas e
humilhações, sem compreender o porquê das rejeições de crianças e adultos ao seu redor.
Denomina-se transexual/transgênero o indivíduo que não se identifica com o
gênero correspondente ao seu sexo biológico. Apesar de ser um fenômeno antigo na
história humana, a transexualidade é um tema de discussões relativamente recente;
permanece, portanto, como um tabu para muitas pessoas.
O tema é ainda mais controverso quando busca-se discutir identidade de gênero
ou orientação sexual em crianças. É verdade que a sexualidade da criança é diferente
daquela do adulto; entretanto, contrário à opinião popular, Freud (1905) afirma que a
sexualidade está presente no humano desde a vida infantil.
O filme de Berliner atenta para a confusão comumente feita entre identidade de
gênero e orientação sexual, visto que ambos os temas são frequentemente discutidos em
ambientes semelhantes. Na obra, Ludovic demonstra e expressa verbalmente seu interesse
romântico por um menino. As pessoas à sua volta (i.e., seus pais, vizinhos, amigos) não
a veem como uma menina transgênero heterossexual, mas sim como um menino
cisgênero homossexual. Deve-se, porém, enfatizar que, enquanto a homossexualidade (tal
como a bissexualidade e a pansexualidade) refere-se à “escolha” do objeto sexual, a
transexualidade é independente desta e está relacionada à identidade de gênero, isto é, ao
“sentir-se” homem, mulher ou não-binário (Ceccarelli, 2003).
Essa diferenciação não é clara na obra freudiana, o que se deve, em parte, ao fato
de que a língua alemã possui uma única palavra (Geschlecht) para designar tanto gênero
quanto sexo biológico. Entretanto, Freud (1920) aponta os chamados “caracteres sexuais
mentais”, que seriam atitudes femininas ou masculinas adotadas por um indivíduo; pode-
se entender que estes caracteres constituem a identidade de gênero. Partindo destes
termos, Stoller (1987, apud Ceccarelli, 2010) afirma que o gênero prevalece sobre o sexo.
Ceccarelli (2010) faz uma breve análise do pensamento freudiano; o autor afirma
que, para Freud, a distinção entre os gêneros binários parece natural para adultos por se
tratar de algo aprendido desde o princípio da vida. Já nas primeiras experiências com o
mundo externo, a criança é exposta a homens e a mulheres, que vestem-se e comportam-
se de maneiras distintas. A partir de então, ela pode identificar-se com um dos gêneros
que conhece, independentemente de seu órgão genital.
O primeiro contato da criança com o gênero feminino e o gênero masculino ocorre
com sua mãe e seu pai, respectivamente (em casais heterossexuais). Portanto, é relevante
considerar o papel do complexo de Édipo nessa identificação de gênero da criança. No
complexo de Édipo masculino, o menino sente atração sexual pela mãe; entretanto, sob a
ameaça da castração, abandona esse desejo e passa a identificar-se com o pai, quem seria
o primeiro “modelo” de homem (Freud, 1900).
Sob essa perspectiva, a transexualidade poderia ser o resultado de uma variação
no complexo de Édipo (e.g., um indivíduo do sexo masculino que identifica-se com a mãe
e, mais tarde, como mulher). Poderia este ser o caso de Ludovic, que aos sete anos de
idade passa a vestir-se como o modelo feminino oferecido por sua mãe. Sua
transexualidade, entretanto, não deve ser resumida ao vestir-se segundo aquilo que é
considerado feminino; Ludovic age como uma menina (papel feminino), fala de si como
uma menina e identifica-se, isto é, sente-se, como uma menina.
Porém, atribuir a causa da transexualidade ao complexo de Édipo é meramente
uma inferência que corre o risco de ser reducionista. É indispensável considerar a história
de vida do indivíduo, as experiências do mesmo com os diferentes gêneros e o discurso
das pessoas que compõem seu ambiente.
Em diversas cenas ao longo do filme, é possível observar Ludovic expressando-
se através da brincadeira. Segundo Winnicott (1975), o brincar encontra-se no chamado
espaço potencial, correspondente à terceira área da experiência humana, nem no mundo
interno, nem no mundo externo, e tem a função de tornar suportável o princípio de
realidade. Assim, a brincadeira permite a Ludovic viver aquilo que provém do mundo
interno (guiado pelo princípio do prazer), mas que, no mundo externo, é reprimido e
punido. Na ilusão criativa do brincar, ela encontra uma forma de expressão de si mesma
que, por conta da retaliação do princípio de realidade, deve ser contida perante os outros.
É através do brincar criativo que o indivíduo descobre seu verdadeiro self
(Winnicott, 1975). Dessa forma, a observação da brincadeira infantil é uma excelente
ferramenta para a análise psicológica. Na brincadeira de Ludovic, observa-se uma livre
expressão de sua identidade de gênero e de seus desejos (e.g.: usar vestidos, casar-se com
um menino). Ela também desenvolve uma fantasia para explicar seu corpo masculino,
afirmando que a falta de seu segundo cromossomo X seria devido a um erro divino.
Assim, vê-se uma criança que, diante da repressão do mundo externo, vive sua identidade
no espaço potencial, isto é, na área da ilusão e da brincadeira.
De maneira geral, os autores psicanalistas não apresentam um consenso a respeito
da natureza ou da construção da identidade de gênero e da transexualidade. Alguns veem
o gênero como construção social, enquanto outros delimitam seu nível de análise ao
individual. Observa-se, porém, uma grande tendência a tratar da transexualidade
enquanto algo anormal, extraordinário ou, ainda, patológico. Ma vie en rose aborda o
tema de forma a evidenciar a forma preconceituosa com que a identidade de gênero
transexual é vista na sociedade contemporânea. Apesar de ser datado do ano de 1997, o
filme representa as noções e equívocos frequentemente observados ainda nos dias atuais.
Diante de um cenário de preconceitos infundados, é pertinente promover a
psicoeducação (cf. Colom & Vieta, 2004) a respeito da identidade de gênero, tanto para
adultos quanto para crianças, de forma a desmistificar e despatologizar a transexualidade
e tornar clara sua autenticidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ceccarelli, P. R. (2003). Transexualismo e caminhos da pulsão. Revista do Círculo


Psicanalítico de Minas Gerais, ano XXV, 50, 37-49.

______. (2010). Psicanálise, sexo e gênero: algumas reflexões. In Diversidades:


Dimensões de Gênero e sexualidade. Rial, C.; Pedro, J.; Arende, S. (Org.).
Florianópolis: Ed. Mulheres, 269-285.

Colom, F. & Vieta, E. (2004). Melhorando o desfecho do transtorno bipolar usando


estratégias não farmacológicas: o papel da psicoeducação. Revista Brasileira
Psiquiatria, 26, III: 47-50.

Freud, S. (1900). A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Editora Imago.

______. (1905). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Rio de Janeiro: Editora
Imago.

Scotta, C. (Produtora) & Berliner, A. (Diretor) (1997). Ma vie en rose [DVD]. França.
Estúdio: Sony Pictures Classics. 88 min., gênero: drama; colorido; som dolby-digital,
DTS; áudio em francês.

Winnicott, D. W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Editora Imago.

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