O entendimento sobre as políticas sociais está relacionado ao
surgimento da questão social e as suas diversas expressões. A questão social expressa à contradição entre capital e trabalho, a qual exige novas formas de respostas, não mais suficiente à caridade e a repressão por parte do Estado. Frente à necessidade de novas formas de intervenção, o Estado passa a intervir diretamente nas relações sociais entre o capital e trabalho, gerindo a organização e prestação dos serviços sociais, como um novo tipo de enfrentamento a questão social, através de políticas sociais. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2004).
Importante frisar que a designação do pauperismo em questão social, de
acordo com Netto (2001), se deve aos desdobramentos das lutas sociais que revelaram para a esfera pública as condições de desigualdades e pobreza as quais os trabalhadores estavam submetidos. Não se trata de elucidar que a desigualdade e a pobreza não existiam anteriores ao modo de produção capitalista, porém, nesse estágio estavam bem mais acentuados e em paralelo crescia a produção de riquezas concentrada nas mãos dos capitalistas.
De acordo com as autoras Behring e Boschetti (2009) as primeiras
ações por parte do Estado para intervir nas expressões da questão social ocorreram na passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista, mais precisamente em sua fase tardia.
É somente nestas condições que as seqüelas da “questão
social” tornam-se – mais exatamente: podem tornar-se – objeto de uma intervenção contínua e sistemática por parte do Estado. É só a partir da concretização das possibilidades econômico-sociais e políticas segregadas na ordem monopólica(concretização variável do jogo das forças políticas’) que a ‘questão social’ se põe como alvo de políticas sociais (NETTO, 2001, p.29).
Portanto, o nosso entendimento sobre as políticas sociais considera que
elas são mecanismos que propiciam o consumo e a circulação de capital; auxiliam também na reprodução da força de trabalho, já que o salário pago ao trabalhador não é suficiente para assegurar as suas necessidades de sobrevivência e de sua família; porém, as políticas sociais não devem ser entendidas apenas por esse ângulo de leitura, uma vez que as mesmas são permeadas por contradições, e essas podem vir a possibilitar alguns avanços e conquistas para o conjunto da classe trabalhadora.
As políticas sociais que garantem os mínimos sociais foram
incorporadas pelo capital como forma de garantir e legitimar a dominação entre a classe trabalhadora e assegurar a manutenção da força de trabalho. Porém elas também são resultantes da luta de classes, ou seja, não se trata apenas de enxergá-las como concessão por parte do Estado, mas também fruto da organização e mobilização do conjunto da classe trabalhadora (BEHRING e BOSCHETTI, 2009).
De acordo com as autoras mencionadas anteriormente as políticas
sociais podem ser divididas em três fases: a primeira fase que é a lei dos pobres – que servia para retirar os pobres das ruas e só recebiam assistência aqueles comprovadamente pobres. Sendo que a questão social nesta fase era entendida como vagabundagem e se fazia presente o caráter repressivo e punitivo do estado diante dessas pessoas empobrecidas. A segunda fase refere-se aos seguros sociais compulsórios, eles não eram universais e necessitavam da contribuição do trabalhador. Os seguros sociais passaram a ter reconhecimento legal, devido à mobilização e organização da classe trabalhadora. E por fim a terceira fase é a seguridade social, onde se gesta na passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista. Nesta fase temos o enfraquecimento das bases de sustentação do liberalismo, onde pregava que o indivíduo por si só era capaz de sobreviver. Logo a seguridade social diz respeito a direitos concedidos pelo Estado, sendo que esses só tornaram possíveis a partir do “pacto” entre o Estado, o capitalismo e os trabalhadores. (BEHRING e BOSCHETTI, 2009)
Para compreendermos alguns aspectos da política de assistência e a
parceria público- privado na sua implementação, é importante demarcar ainda que de forma breve algumas especificidades da proteção social no Brasil, considerando que as políticas sociais não acompanharam a ordem cronológica de outros países, devido as suas diversas particularidades, dentre elas: por ser um país periférico, capitalismo dependente e no período escravista não haver uma radicalização das lutas operárias, sua constituição em classe para si, com partidos e organizações fortes. A questão social já existente num país de natureza capitalista, com manifestações objetivas de pauperismo e iniquidade, em especial após o fim da escravidão e com a imensa dificuldade de incorporação dos escravos libertos no mundo do trabalho, só se colocou como questão política a partir da primeira década do século XX, com as primeiras lutas de trabalhadores e as primeiras iniciativas de legislação voltadas ao mundo do trabalho. (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, pág. 78).
Além disso, os países de capitalismo periférico implementam diferentes
ações por parte do Estado no que se refere a proteção social, uma vez que o Estado nesses países não foi capaz de estabelecer instituições democráticas que possibilitassem à expansão dos direitos de cidadania a classe trabalhadora (RAICHELIS, 1998).
No Brasil a proteção social apresenta como características, a sua
vinculação com o trabalho3 - onde somente aqueles que possuíam empregos com carteira assinada tinham o direito à proteção social pública; a lógica do direito é substituída pela incorporação do favor e a presença da estratificação para definir os setores que conseguiam alguns benefícios, sendo esses setores estratégicos para o bom andamento da economia. Somente na década de 1960 que a seguridade social obteve pequenos avanços no que se refere à tentativa de unificar os serviços de previdência e assistência e a incorporação das domésticas e dos trabalhadores rurais ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
Entretanto é apenas com a promulgação da Constituição Federal de
1988 que a assistência social adentra o tripé da seguridade social juntamente com a previdência e a saúde, ganhando um novo status de política pública, “realiza a passagem, ainda que nos limites do texto legal, do universo das ações eventuais de ajuda para a órbita do direito e da responsabilidade do Estado” (RAICHELIS, 1998, p. 161).
Apesar dos avanços com a Constituição Federal de 1988, no que se
refere ao reconhecimento de direitos presentes nas legislações, a década de 1990 representou um período de contradições para à efetivação das políticas sociais, com a desconstrução desses direitos em um contexto de implementação do projeto neoliberal.
[...] as transformações societárias resultantes das mudanças
nas relações entre capital e trabalho, do avanço do neoliberalismo enquanto paradigma político e econômico globalizado vão trazer para o iniciante e incipiente campo da Seguridade Social brasileira profundos paradoxos. Pois, se de um lado o Estado brasileiro aponta constitucionalmente para o reconhecimento de direitos, por outro se insere num contexto de ajustamento a essa nova ordem capitalista internacional (YAZBEK, 2007b, p.92-93).
A implementação do projeto neoliberal foi uma forma de resposta à crise
do capitalismo instaurada na década de 1970 e 1980, e como forma de intervir sobre a mesma, iniciou-se um processo de reorganização do capital a partir da reestruturação produtiva e a difusão do ideário neoliberal nos países- propondo reformas fiscais e a transferência de responsabilidades no enfrentamento as variadas expressões da questão social para o mercado. Mandel (1990) explica que a crise que demandou esse novo processo de reorganização do trabalho- a reestruturação produtiva, é “uma crise social do conjunto da sociedade burguesa, uma crise das relações de produção capitalistas e de todas as relações sociais burguesas, que se imbrica com a diminuição durável do crescimento econômico capitalista” (MANDEL, 1990, pág.13). No entanto as respostas à crise cíclica do capital não terminam com a desregulamentação e flexibilização do processo produtivo, era necessário criar novos mecanismos de regulação ideológica e político do capital. Como saída, temos “o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal” (ANTUNES, 2001, pág.31).
A intervenção neoliberal no campo das políticas sociais é um retrocesso
enorme, pois no lugar de políticas sociais universais, abrangentes, e caraterizadas como um direito4 conforme preconizado na Constituição Federal de 1988, continuamos a ter políticas seletivas, focalizadas e emergenciais, prevalecendo à ideia de mínimos sociais e a submissão das políticas sociais a disponibilidade de verbas para o seu investimento e efetivação. “são as definições orçamentárias-vistas como um dado não passível de questionamento-que se tornam parâmetros para a implementação dos direitos sociais, justificando as prioridades governamentais” (IAMAMOTO, 2001, pág.23).
Neste sentido, é importante enfatizar que:
[...] a política social no Brasil tem funcionado ambiguamente na
perspectiva de acomodação das relações entre o Estado e a sociedade civil e, desde logo, cabe observar que as políticas sociais no contexto das prioridades governamentais, nos últimos 20 anos, vêm-se caracterizando por sua pouca efetividade social e por sua subordinação a interesses econômicos, configurando “o aspecto excludente que marca os investimentos sociais do Estado” (Jacobi, 1989:9). Por outro lado, cresce a dependência, de segmentos cada vez maiores da população, da intervenção estatal no atendimento de suas necessidades, particularmente no que se refere às condições de vida no espaço urbano (YAZBEK, 2007, p. 45-46).
Mediante este cenário de limites para a efetivação dos princípios e
diretrizes contidos na constituição Federal de 1988 e na lei Orgânica da Assistência Social criada em 1993, temos novamente a presença da parceria público- privada através da criação do Programa Comunidade Solidária5 instituído pelo Decreto n. 1.366, sendo a principal estratégia de combate à fome e a miséria, tendo à frente deste programa a primeira dama Ruth Cardoso. A partir da criação deste programa Comunidade Solidária, tivemos uma efervescência de legislações6 no que se referem à transferência de ações que deveriam ser públicas, mas que são executadas por entidades privadas. Mais uma vez a política de assistência social desenvolve-se alicerçada em elementos clientelistas, patrimonialistas, ações voluntarias e o forte apelo à filantropia, ou seja, a política de assistência social até o momento não conseguiu se instituir plenamente enquanto uma política pública, sendo obrigatória a condução do Estado deste o seu processo de gestão até a sua execução.