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RESUMO: O singelo ensaio acadêmico tem o desiderato de, em sede de revisão bibliográfica,
servir de plataforma dissipadora de reflexões sobre conceitos básicos relativos a discurso, aná-
lise do discurso (o método) e discurso político, especificamente o eleitoral. A metodologia,
portanto, é a prospecção bibliográfica, levada a efeito sob o plasma do método dedutivo. U-
samos pensamentos de Orlandi (2015), Foucault (2014), Maingueneau (2015), Charaudeau
(2015), entre outros. Os resultados demonstram ser premente firmar em nossas mentes que
tudo é motivado, bem como ideológico, e, por isso, nenhum ato discursivo humano tem signi-
ficação automática, sendo necessário sempre interpretarmos e analisarmos os signos que nos
chegam de forma percuciente. Tal comportamento pode nos livrar de existirmos em situação
de subsunção extrema aos discursos ocultos maléficos, provenientes dos poderosos ou dos
que querem ao poder chegar.
Palavras-chave: Discurso. Análise do Discurso. Discurso Político. Reflexões.
de lutas ideológicas, onde alternamo-nos nado? Frustrado? Cremos que não! Não
entre a resistência e a concordância. Ou precisamos estar felizes todo o tempo, pois
impomos ou cedemos. Jamais somos neu- a melancolia, a angústia, o rancor etc. são
tros. sentimentos que existem e, portanto, de-
Nesse prisma, são exemplos de discur- vemos às vezes tê-los, é natural. Todavia,
sos: a indicação social de que homens de- não podemos negar que ser/estar feliz é
vem se relacionar amorosamente apenas algo bom. O que é maléfico é não interpre-
com mulheres e vice e versa; os dogmas de tarmos/analisarmos todos os discursos e
algumas religiões que normatizam que se vivermos reféns de alguns, notadamente os
deve casar virgem; uma placa de trânsito mais cruéis.
com a palavra/signo Pare afixada em uma E sendo o discurso palavra dita ou escri-
rua; a regra social de que não se deve andar ta, mas também uma força/rede invisível,
despido em meio a uma via pública. Enfim, por que plataforma ele ocorre/surge ou
várias são as exemplificações factíveis. aparece sempre? Pela linguagem! E, por
Veja, portanto, caro leitor, que essenci- isso, temos de:
almente discurso é isto: uma espécie de
força invisível que nos molda, nos oprime, Perceber que não podemos não estar sujei-
tos à linguagem, a seus equívocos, sua opaci-
nos coage, nos normatiza, nos enforma – dade. Saber que não há neutralidade nem
por meio de ideologias. Afinal, “[...] como mesmo no uso do mais aparente cotidiano de
diz M. Pêcheux (1975), não há discurso sem signos. A entrada do simbólico é irremediável
sujeito e não há sujeito sem ideologia: o e permanente: estamos comprometidos com
indivíduo é interpelado em sujeito pela ide- os sentidos e o político. Não temos como não
interpretar (ORLANDI, 2015, p. 7). (Grifos
ologia e é assim que a língua faz sentido”
nossos)
(ORLANDI, 2015, p. 15).
Nesse tonário, porém, surge outra ques- Sem a interpretação todos os discursos
tão: quem produz todos os discursos que ficam incompletos. Isso, porquanto toda
existem? Os próprios seres humanos, nota- mensagem propalada por um emissor tem
damente os que integram as elites econô- como alvo algum receptor ou vários. Nada é
micas, que forjam discursos que venham dito imotivadamente. Nessa perspectiva,
sempre lhes favorecer pecuniariamente, como comenta Orlandi (2015), a incomple-
como, por exemplo, a implantação na men- tude discursiva (a não interpretação) torna
te das adolescentes de uma informação do o discurso sem início e ponto final definiti-
tipo: a única sandália que presta, que é boa, vos, ou seja, quando não interpretados, al-
que está na moda é a sandália X, quem a guns discursos transformam-se, nas mãos
usa é bonita, atraente etc. dos poderosos, em regras a serem cumpri-
Pergunta-se, então: todo discurso é ru- das gramatical e literalmente. Ora, como o
im? Bem, esta pergunta é complexa, contu- povo não sabe o que significa um discurso Z
do, cremos ser prudente afirmar que nem e não quer ter o trabalho de pensar para
todo discurso é ruim. Por exemplo, o dis- interpretá-lo, finda por se sujeitar a ele – é
curso genérico do utilitarismo que nos diz mais fácil e cômodo, quando se tem as fer-
que devemos todos ser felizes, será em to- ramentas para tal é claro, pois há pessoas
tal ruim? É bom ser/estar infeliz? Decepcio-
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Discurso, Análise do Discurso e Discurso Político: ponderações conceituais 35
que, infelizmente, não tiveram educação e sa fala caminha em todas as direções. Fala-
ensinamentos para lidar com discursos. mos o que é tal coisa, ideia etc., sua impor-
Pode-se arrazoar, ainda, que discurso é, tância, quem inventou, em que contexto foi
então: erigida, enfim simplesmente destrinchamos
tudo sobre o que falamos. Isto nos parece
Movimento dos sentidos, errância dos sujei- ser mesmo o diferencial do ser humano
tos, lugares provisórios de conjunção e dis-
persão, de unidade e de diversidade, de indis-
frente aos outros animais: o exarcebamento
tinção, de incerteza, de trajetos, de ancora- e pormenorização da linguagem e seu uso.
gem e de vestígios: isto é discurso, isto é o ri- Nesse sentido, o discurso é “[...] palavra em
tual da palavra. Mesmo o das que não se di- movimento, prática de linguagem: com o
zem. De um lado, é na movência, na proviso- estudo do discurso observa-se o homem
riedade, que os sujeitos e sentidos se estabe-
falando” (ORLANDI, 2015, p. 13).
lecem, de outro, ele se estabilizam, se crista-
lizam, permanecem. Paralelamente, se, de Foucault (2014) trabalhou muito esta
um lado, há imprevisibilidade na relação do questão do discurso e nos disse que este é
sujeito com o sentido [...], toda formação so- um plexo de ordens que nos são impostas
cial, no entanto, tem formas de controle da sem que possamos delas nos defender na
interpretação, que são historicamente de- medida em que quando vamos contra ele
terminadas: há modos de se interpretar, não
é todo mundo que pode interpretar de acor-
somos tachados de loucos ou algo análogo.
do com sua vontade, há especialistas, há um Por exemplo, se andarmos nus pelas ruas,
corpo social a quem se delegam poderes de eu e você caro leitor, seremos considerados
interpretar (logo de “atribuir” sentidos), tais loucos pela primeira pessoa com a qual nos
como o juiz, o professor, o advogado, o pa- depararmos, pois tal pessoa possui incutida
dre etc. Os sentidos são sempre “administra-
em si um discurso que a informa ser proibi-
dos”, não estão soltos. Diante de qualquer fa-
to, de qualquer objeto simbólico somos ins- do, imoral, feio e errado andar nu em públi-
tados a interpretar, havendo uma injunção a co.
interpretar. Ao falar, interpretamos. Mas, ao Diz o referido filósofo francês que o ser
mesmo tempo, os sentidos parecem já estar humano passa a ser um tanto triste quando
sempre lá (ORLANDI, 2015, p. 8). (Grifos nos- descobre que vive imerso em uma ordem
sos)
discursiva (controlado por todos os lados).
Ademais, conforme Orlandi (2015), a pa- Esclarece que:
lavra discurso tem origem em dis-cursus do O desejo diz: “Eu não queria ter de entrar
latim que significa correr ao redor ou correr nesta ordem arriscada do discurso; não que-
para todos os lados. É claro que atualmente ria ter de me haver com o que tem de categó-
sabe-se ser um discurso, além da força/rede rico e decisivo; gostaria que fosse ao meu re-
à qual nos referimos, um ato de fala solene dor como uma transparência calma, profunda
[...] em que os outros respondessem à minha
por meio do qual um orador tece vocábulos
expectativa, e de onde as verdades se elevas-
sobre algum assunto, geralmente em públi- sem, uma a uma; eu não teria senão de me
co. Entretanto, nos parece que, além disso, deixar levar, nela e por ela, como um destro-
discurso é mesmo correr para todos os la- ço feliz”. E a instituição responde: “Você não
dos. tem por que temer começar, estamos todos
aqui para lhe mostrar que o discurso está na
Quando falamos de algo geralmente nos-
ordem das leis” (FOUCAULT, 2014, p. 7).
Neste belo excerto divagacional, Fou- que será que houve? Não é preciso que
cault (2014) nos diz que seria bom não es- nossos chefes percebam nossa ausência –
tarmos todos incrustados na ordem discur- vigiamos uns aos outros. Enfim, vários são
siva que nos enquadra a todos a todo o os exemplos.
momento. Adu-lo que a vida seria mais Para Foucault (2014), o discurso/poder
calma, profunda, aberta, livre, bem como está em todos nós e em todas as esferas de
haveria verdade em tudo, os outros não nos nossa vida, por isso ele cunhou o termo mi-
decepcionariam nem nós a eles, pois sería- crofísica do poder, consignando que o po-
mos todos sempre sinceros; enfim, sería- der está capilarizado por todos os lugares,
mos felizes. Contudo, estamos dentro das em todas as pessoas. Assim, sendo a noção
normas, sujeitados a instituições (presídios, de discurso factível de várias interpreta-
hospitais psiquiátricos), horários para tudo, ções, como a de simples fala e esta de Fou-
regras de conduta social etc. cault (2014), temos que:
Mas, de onde provém este discurso invi-
sível que nos aprisiona? Já sabemos, como Tal polivalência permite que “discurso” fun-
cione, ao mesmo tempo, como referindo ob-
relatado antes, que é produzido pelo pró- jetos empíricos (“há discursos”) e como algo
prio homem, mas de onde vem? Foucault que transcende todo ato de comunicação
(2014) nos disse que vem de uma espécie particular (“o homem é submetido ao discur-
de controle mútuo/solidário que todos eri- so”). Isto favorece uma dupla apropriação da
gimos contra nós mesmos, um ao outro. noção: por teorias de ordem filosóficas e por
pesquisas empíricas sobre o funcionamento
Dizemos: para o célebre filósofo, se há al-
dos textos (MAINGUENEAU, 2015, p. 23).
gum poder “[...] é de nós, só de nós, que lhe
advém” (FOUCAULT, 2014, p. 7). Em outras palavras, expandindo a com-
O que nos quer dizer Foucault (2014) preensão sobre o conceito de discurso, Ma-
com isso? Basicamente, para Foucault ingueneau (2015) nos diz que este pode ser
(2014), o poder/dominação está impregna- entendido de várias formas, mas, basica-
do em todos nós, que controlamos e domi- mente, se estrutura como sendo a lingua-
namos um ao outro a todo o momento. Por gem além da palavra/frase. Para Maingue-
exemplo, em uma sala de aula, quem con- neau (2015), quando se fala de discurso
trola os alunos a fim de que eles fiquem surgem várias ideias/características sobre
quietos, sentados, calados e não vão embo- esse conceito. Maingueneau (2015) que, ao
ra não é a escola, o professor, as grades dos lado de Patrick Charaudeau (2015), é um
portões, são os próprios alunos que, repri- dos mais respeitáveis nomes da Análise do
midos por um(a) medo/coação social inter- Discurso (AD) contemporânea, enumera
no(a) que lhes obriga a ali ficar, vigiam-se oito dessas interessantes ideias/caracte-
uns aos outros. rísticas, as quais comentaremos um pouco a
Quando um aluno cola na prova é geral- partir de agora.
mente dedurado por outro aluno – que a- Para Maingueneau (2015), primeiramen-
cha injusto o ato de colar. Quando chega- te, o discurso é uma organização além da
mos atrasados ao trabalho ou nem vamos, frase, ou seja, é composto por unidades
são nossos colegas de laboro que verbali- transfrásticas que oportunizam ao discurso
zam piadinhas do tipo: fulano nem veio, o
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aparecer por meio de um além superior à dos primeiros a propor um dialogismo
organização frasal. Por exemplo, diz o estu- da/na linguagem.
dioso, a frase Proibido fumar não é apenas Em quarto plano, o discurso é contextua-
uma frase que significa uma ordem le- lizado. Isto é, o discurso intervém sempre
gal/estatal sobre ser proibido o fumo. Por em um contexto, não sendo factível, nem
trás desta oração há um plexo de outras aceitável caso alguém proponha, atribuir
coisas, uma verdadeira carga abstrata e axi- qualquer sentido a um enunciado que não
ológica. Existe aí a noção de que fumar faz seja contextualizado, ou seja, não se saiba
mal à saúde, bem como que fumar incomo- ou se tenha indícios de um porquê, um co-
da os não fumantes etc. mo, um quando, um (a)onde.
Em segundo lugar, o discurso é também Em quinto prisma, todo discurso é assu-
uma forma de ação, ou seja, por meio da mido por um sujeito, ou seja:
fala sempre exercemos atos sobre o outro,
sejam atos de domínio/influência ou de O discurso só é discurso se estiver relaciona-
do a um sujeito, a um EU, que se coloca ao
submissão. Afinal, “toda enunciação consti-
mesmo tempo como fonte de referências
tui um ato (prometer, sugerir, afirmar, per- pessoais, temporais, espaciais (EU-AQUI-
guntar [...]) que visa modificar uma situa- AGORA) e indica qual é a atitude que ele ado-
ção” (MAINGUENEAU, 2015, p. 25). ta em relação ao que diz a seu destinatário
Em terceiro lócus, para Maingueneau (MAINGUENEAU, 2015, p. 26).
(2015), o discurso é também interativo. Is-
so, pois: Aduz Maingueneau (2015) que o discurso
indica ainda quem é o responsável pelo que
A atividade verbal é, na realidade, uma inte- ele diz. Por exemplo, num enunciado sim-
ratividade que envolve dois ou mais parcei- ples, como na palavra chove, a confiabilida-
ros. A manifestação mais evidente dessa inte- de na/da informação depende do enuncia-
ratividade é a troca oral, onde os interlocuto-
dor que ao invés de afirmar que chove pode
res coordenam suas enunciações, enunciam
em função da atitude do outro e percebem dizer talvez possa chover, segundo fulano
imediatamente o efeito que suas palavras vai chover, acho que vai chover, ou outra
têm sobre ele. [Pois], qualquer enunciação coisa.
supõe a presença de outra instância de enun- Em sexto lugar, o discurso é regido por
ciação, em relação a quem constrói seu pró- normas. Isso, porquanto
prio discurso (MAINGUENEAU, 2015, p. 26).
Existem [...] normas (‘máximas conversacio-
Nesse pisar, bem lembra o autor que nais’, ‘leis do discurso’, ‘postulados conversa-
“um termo como ‘destinatário’ parece insa- cionais’ [...]) que regem as trocas verbais [...].
tisfatório, porque pode dar a impressão de Além disso, [...] os gêneros de discurso são
que a enunciação é apenas a expressão do conjuntos de normas que suscitam expectati-
vas nos sujeitos engajados na atividade verbal
pensamento de um locutor que se dirige a
(MAINGUENEAU, 2015, p. 27).
um destinatário passivo” (MAINGUENEAU,
2015, p. 26). Essa ideia hoje nos parece ób- Em sétima asserção, o discurso é assumi-
via, mas quando se passou a pensar assim do no bojo de um interdiscurso. Isso, visto
ocorrera verdadeira reviravolta no campo que:
da linguagem, tendo sido Bakhtin (2014) um
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Para interpretar o menor enunciado, é neces- para Maingueneau (2015) o termo discurso
sário relacioná-lo, conscientemente ou não, a tem realmente um duplo alcance. Permite
todos os tipos de outros enunciados sobre os
designar concomitantemente objetos, co-
quais ele se apoia de múltiplas maneiras. O
simples fato de organizar um texto em um mo, por exemplo, o discurso do médico e o
gênero (a conferência, o jornal televisivo [...]) discurso da imprensa, e mostrar que se a-
implica que o relacionemos com outros tex- dota um determinado ponto de vista sobre
tos do mesmo gênero [...] os discursos con- eles, ou seja, é possível dizer que um jornal
correntes, os discursos anteriores (MAIN-
tal ou uma clínica de médicos também são
GUENEAU, 2015, p. 28).
um discurso, pois são “mobilizadores de
Os que defendem essa corrente pregado- certas ideias-força” (MAINGUENEAU, 2015,
ra da existência de um interdiscurso inspi- p. 29).
ram-se notadamente em Bakhtin (2014)
para quem todo enunciado está sempre 2 O FUNCIONAMENTO DO DISCURSO
incrustado em um dialogismo, na medida
em que o texto não é fechado, mas aberto a Vimos, então, um pouco sobre o que seja
enunciados exteriores e anteriores, sendo a o discurso, agora perguntamos: como fun-
cadeia verbal de cada enunciação deveras ciona o discurso? Como apregoa Orlandi
interminável. Afinal, “a fala nunca é conce- (2015), o discurso é certo efeito de sentidos
bida como lugar em que a individualidade entre locutores e somente conseguimos
se põe soberanamente: cada locutor está apreender seu funcionamento “[...] se não
tomado pela sedimentação coletiva das sig- opomos o social e o histórico, o sistema e a
nificações inscritas na língua” (MAINGUE- realização, o subjetivo ao objetivo, o pro-
NEAU, 2015, p. 28), proveniente de outros cesso ao produto” (ORLANDI, 2015, p. 20),
sujeitos. ou seja, em escorço, para entender o fun-
Em oitava e última percepção, para Ma- cionamento do evento discurso é preciso
ingueneau (2015) o discurso constrói soci- compreender que o real (a realidade) é afe-
almente o sentido. Isso, porque: tada pela história, que é múltipla – nunca é
somente uma coisa. Logo, entender o fun-
[...] é continuamente construído e reconstru- cionamento do discurso requer circunspec-
ído no interior de práticas sociais determina- ção e análise profunda do próprio discurso
das. Essa construção de sentidos é, certa- e seu meio de difusão (a história).
mente, obra de indivíduos, mas de indivíduos
inseridos em configurações sociais de diver-
Certo, então o discurso funciona pelo
sos níveis [...]. A noção de discurso constitui, simbólico e na história? Sim! Mas, como
assim, uma espécie de invólucro comum para verdadeiramente isso funciona/ocorre? Em
posições às vezes fortemente divergentes. Es- que meio? Bem, “a língua é [...] condição de
tamos mais numa lógica do ‘clima familiar’ do possibilidade do discurso” (ORLANDI, 2015,
que na de um núcleo que seria comum a to-
p. 20). Mas, a língua que serve de meio para
dos os usos (ORLANDI, 2015, p. 29).
a propagação discursiva é apenas a língua
Por fim, retornando à ideia de que dis- crua da gramática, da sintaxe, as frases, os
curso pode ser fala, mas também uma força vocábulos?
invisível que nos domina por todos os lados, Com efeito, não! “Os sentidos não estão
só nas palavras, nos textos, mas na relação
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com a exterioridade, nas condições em que cio delas. Elas se realizam em nós [...] (OR-
eles são produzidos e que não dependem LANDI, 2015, p. 33-34). (Grifos nossos)
só das intenções dos sujeitos” (ORLANDI,
Estamos falando de sentidos e discursos,
2015, p. 28), mas também da história, das
mas qual a diferença/relação? Bem, em
ideologias.
nossa percepção, os sentidos são as orien-
Afinal, o discurso caminha:
tações ideológicas impregnadas no discur-
[...] no jogo da língua que se vai estoricizando so, meio que como se fossem, em literali-
aqui e ali, indiferentemente, mas marcada dade, o caminho para que apontam os dis-
pela ideologia e pelas posições relativas ao cursos. Mas, por que os sentidos são, então,
poder – traz em sua materialidade os efeitos múltiplos? Por que todos os seres humanos
que atigem [...] sujeitos apesar de suas von-
não rezam a mesma missa? Por que, por
tades. O dizer não é propriedade particular.
As palavras não são só nossas. Elas signifi- exemplo, acabar com o capital e estabele-
cam pela história e pela língua. O que é dito cer o comunismo ou o socialismo em todo o
em outro lugar também significa nas “nossas” mundo aparentemente não é possível?
palavras. O sujeito diz, pensa que sabe o que Justamente pela multiplicidade de sujei-
diz, mas não tem acesso ou controle sobre o
tos e, portanto, de discursos, os quais têm
modo pelo qual os sentidos se constituem
nele. Por isso é inútil, do ponto de vista dis- sentidos diversos. Afinal, “[...] se os senti-
cursivo, perguntar para o sujeito o que ele dos - e os sujeitos – não fossem múltiplos,
quis dizer quando disse “x” [...]. O que ele sa- não pudessem ser outros, não haveria ne-
be não é suficiente para compreendermos cessidade de dizer” (ORLANDI, 2015, p. 36),
que efeitos de sentido estão ali presentifica- pois tudo já estaria dado e seria compreen-
dos (ORLANDI, 2015, p. 30). (Grifos nossos)
dido - teria sentido.
Das palavras expendidas percebemos, Além disso, nunca é demais lembrar que:
sucintamente, que a autora quer nos dizer Todo dizer é ideologicamente marcado. É na
que o discurso não surge do nada e inde- língua que a ideologia se materializa. Nas pa-
pendentemente de nossas volições, mas lavras dos sujeitos. [...], o discurso é o lugar
que somos por ele atravessados de tal mo- do trabalho da língua e da ideologia. [...],
do que não conseguimos nem explica-lo, [bem como], não há discursos que não se re-
lacionem com outros. Em outras palavras, os
descrevê-lo, seja ele próprio ou o seu fun-
sentidos resultam das relações: um discurso
cionamento. aponta para outros que o sustentam, assim
Isso, porque: como para fazer futuros. Todo discurso é vis-
to como um estado de um processo discursi-
Na realidade, embora se realizem em nós, os vo mais amplo, contínuo. Não há, desse mo-
sentidos apenas se representam como origi- do, começo absoluto nem ponto final para o
nando-se em nós: eles [os sentidos] são de- discurso. Um dizer tem relação com outros
terminados pela maneira como nos inscre- dizeres realizados, imaginados ou possíveis
vemos na língua e na história e é por isto que (ORLANDI, 2015, p. 36-37). (Grifos nossos)
significam e não pela nossa vontade. Quando
nascemos os discursos já estão em processo
3 A ANÁLISE DO DISCURSO: HISTÓRIA DO
e nós é que entramos nesse processo. Eles se
originam em nós. Isso não significa que não MÉTODO, PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS
haja singularidade na maneira como a língua
e a história nos afetam. Mas não somos o iní- No tema deste tópico, inicialmente, cum-
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namento das instituições que os produzem esclarece que há condições gerais de emer-
e os gerem” (MAINGUENEAU, 2015, p. 61). gência e estratégias-padrão que se ofere-
Além disso, a AD “não se interessa pelos cem a todo o ator político, sejam quais fo-
indivíduos enquanto tais, mas, sobretudo, rem as posições e ideias defendidas por ele.
pelo(s) estatuto(s) que eles ocupam em um Portanto, é plenamente possível que uma
domínio de atividade. [Ela] focaliza a imbri- mesma estratégia possa ser empregada em
cação de um lugar social e de um texto por lugares diferentes no tabuleiro do jogo polí-
meio de um dispositivo de enunciação” tico.
(MAINGUENEAU, 2015, p. 75). Conforme Charaudeau (2015), no seio
político é complexo definir o que seja o dis-
4 O DISCURSO POLÍTICO curso político, sendo possível apenas con-
ceber que neste campo social existe feroz
Para Patrick Charaudeau (2015), vivemos relação entre linguagem, ação, poder e ver-
um mundo de máscaras e como existem dade. Para Charaudeau (2015), segundo o
várias, diversas identidades são factíveis. princípio da alteridade, cada sujeito somen-
Nessa direção, o disfarce, que nem sempre te pode definir-se em função do outro. Se-
se refere a uma imagem falsa/enganosa, gundo o princípio da influência, o sujeito
mas a uma imagem/interpretação, é o que sempre quer trazer o outro para si para que
constitui a nossa presença e a nossa relação esse outro pense, diga ou aja segundo sua
com o outro. Sempre no que é dito, diz Cha- vontade. Além do que, se esse outro tam-
raudeau (2015), haverá o que não é dito, bém puder ter seu particular projeto de
que também é dito, mesmo sem ser perce- influência, conforme o princípio da regula-
bido. ção, os dois gerenciarão (influenciarão na)
Então, o discurso político é o lugar social sua relação.
dos jogos de máscaras. Diz Charaudeau O problema está justamente nessa regu-
(2015) que toda palavra dita neste campo lação, pois nem todos têm acesso a ela. To-
(na política) deve ser apreendida ao mesmo dos pensam, dizem e agem, mas nem todos
tempo pelo que ela não significa, não de- têm (acesso a) projetos de influência, os
vendo nunca ser tomada ao pé da letra, quais dependem de recursos diversos, infe-
numa transparência elevadamente ingênua, lizmente não disponíveis para todos. Assim,
mas como produto de uma estratégia cujo a força de alguns sempre vai se sobressair.
enunciador quase sempre não é soberano. Afinal, “todo ato de linguagem está ligado à
Consigna Charaudeau (2015) que o dis- ação mediante as relações de força que os
curso político, que é um gênero discursivo, sujeitos mantêm entre si, relações de força
comporta em si subgêneros, ou espécies que constroem simultaneamente o vínculo
mesmo de discursos, como o discurso de
direita, o de esquerda, o fascista, o totalitá- ca o pensamento político, que não está reservado ape-
rio, o democrático, o extremista etc. Entre- nas aos responsáveis pela governança nem aos solitá-
rios pensadores da coisa política” (CHARAUDEAU, 2015,
tanto, mesmo existindo várias tipologias de
p. 40), não está falando do discurso político de modo
enunciação política 3 , Charaudeau (2015) genérico como a ideia de Aristóteles de ser o homem
um animal político (tudo é política), mas sim somente
3
Por oportuno, ressaltamos que Charaudeau, malgrado do discurso político em âmbito parlamentar/legislat-
acredite que existem “diferentes lugares onde se fabri- ivo/eleitoral.