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Análise de EL País sobre Pronunciamento na ONU.

O presidente Jair Bolsonaro apresentou nesta terça-feira, ao longo de 32 minutos, suas


principais ideias ao mundo na Assembleia Geral da ONU em Nova York. Num discurso
feito sob medida para manter coesa sua base ainda fiel no Brasil, de cerca de 30% da
população, o ultradireitista desafiou seus críticos no cenário doméstico e mundial, pregou
contra o "socialismo" e defendeu o golpe militar de 1964 como uma vitória contra a
influência comunista cubana na região. Sem temer boicotes globais ao agronegócio
brasileiro, também defendeu sua política ambiental para a Amazônia, que reivindicou
como um tema apenas brasileiro, e criticou as extensões de terras destinadas aos povos
indígenas em meio à crise de imagem por causa das queimadas recordes na floresta.

O discurso mistura alguns trechos acurados com outros falsos, além de imprecisões
históricas. Abaixo, analisamos e confrontamos com dados a apresentação do presidente
brasileiro. Em itálico está a íntegra das palavras de Bolsonaro, conforme distribuída pelo
Planalto. Os comentários vão entre parênteses.

Contra Cuba e reivindicação do golpe de 1964


(Apesar de não fazer parte da íntegra do Planalto, Bolsonaro começou o discurso
agradecendo "a Deus pela vida".)

"Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do
socialismo. Um Brasil que está sendo reconstruído a partir dos anseios e dos ideais de seu
povo. No meu Governo, o Brasil vem trabalhando para reconquistar a confiança do
mundo, diminuindo o desemprego, a violência e o risco para os negócios, por meio da
desburocratização, da desregulamentação e, em especial, pelo exemplo".

(Bolsonaro se apresenta como refundador do Brasil, e não em uma linha de continuidade


com os demais presidentes da era democrática. Alia-se à cruzada contra o "socialismo",
também pregada por outros líderes ultranacionalistas de direita. E, para esta operação,
coloca no mesmo escopo, sem qualquer diferenciação ou base em dados ou práticas,
Governos como o de Nicolás Maduro na Venezuela, que de fato se descreve como
"socialista", e gestões de esquerda ou centro-esquerda, como as do PT no Brasil, de
majoritária conciliação com políticas de mercado. Neste primeiro trecho, diz que o intuito
é mostrar que o país é seguro para investidores estrangeiros e atrativo pelas reformas
liberais defendidas pelo Governo —no momento, porém, há desconfiança entre um grupo
importante de investidores, justamente por causa da política ambiental do Planalto.
Outros reclamam da instabilidade política do Governo e centram suas esperanças na
coalizão de centro-direita no Congresso liderada por Rodrigo Maia.)

"Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de
corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de
ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições. Em
2013, um acordo entre o Governo petista e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10.000
médicos sem nenhuma comprovação profissional. Foram impedidos de trazer cônjuges e
filhos, tiveram 75% de seus salários confiscados pelo regime e foram impedidos de
usufruir de direitos fundamentais, como o de ir e vir. Um verdadeiro trabalho escravo,
acreditem...Respaldado por entidades de direitos humanos do Brasil e da ONU!"

(Aqui começa um inusual longo trecho para falar do Programa Mais Médicos, criado sob
o PT, que trouxe médicos cubanos ao Brasil por meio de um convênio com a OPAS, a
Organização Pan Americana da Saúde, que é ligada à ONU. O ultradireitista força,
atropelando fatos e contexto histórico, uma equivalência entre o papel de agentes cubanos
na América Latina nos anos 60, em plena Guerra Fria, e os médicos cubanos na última
década e meia. Bolsonaro mente ao dizer que não havia comprovação de formação médica
dos profissionais cubanos, uma escola de medicina com reconhecimento mundial. Cita
corretamente, no entanto, pontos controversos do programa, como o pagamento de boa
parte da remuneração ao Governo cubano, via OPAS, ou a restrição para trazer familiares
—embora não escrita, a saída de cubanos da ilha era bastante restrita. Críticos dentro e
fora do Brasil criticavam o formato do programa, no qual os médicos cubanos eram
espécie de funcionários terceirizados. A bandeira contra o negócio médico cubano é
comum à direita anticastrista dos EUA, que também classifica o modelo de "trabalho
escravo". É um dos pontos onde Bolsonaro se alinha a Trump contra o que chamam de
"troika da tirania", formada por Venezuela, Cuba e Nicarágua. A cooperação cubana não
tem formato único, porém. Ela varia de país para país. Na Venezuela, há relatos e
documentos que mostram que os médicos cubanos tinham, sim, restrições para ir e vir e
respondiam a uma espécie de toque de recolher. Ante a precariedade da vida em Cuba e
as restrições também na Venezuela, no Brasil não vieram à tona relatos do gênero.)

"Antes mesmo de eu assumir o Governo, quase 90% deles deixaram o Brasil, por ação
unilateral do regime cubano. Os que decidiram ficar, se submeterão à qualificação médica
para exercer sua profissão. Deste modo, nosso país deixou de contribuir com a ditadura
cubana, não mais enviando para Havana 300 milhões de dólares todos os anos."

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(Já na campanha, Bolsonaro repetiu desqualificações contra os profissionais cubanos. Era
uma promessa acabar o programa, feita especialmente à classe médica organizada
brasileira, que sempre se opôs aos Mais Médicos. Neste contexto, Havana de fato
anunciou o fim da cooperação, ainda antes de Bolsonaro assumir. O Governo ficou com
o desafio de preencher as vagas deixadas pelos cubanos no programa, uma iniciativa
considerada exitosa no atendimento primário especialmente em pequenas cidades, locais
de difícil acesso e comunidades indígenas. A gestão Bolsonaro lançou em agosto o
programa Médicos pelo Brasil, que ainda ainda se encontra em fase de implementação e
oferece salários mais altos para lugares remotos. A dúvida é se só isso será suficiente para
atrair os profissionais. Enquanto isso, circula na Câmara uma proposta de readmitir por
mais dois anos, sem prova de validação do diploma, os médicos cubanos que ficaram no
Brasil.)

"A história nos mostra que, já nos anos 60, agentes cubanos foram enviados a diversos
países para colaborar com a implementação de ditaduras. Há poucas décadas tentaram
mudar o regime brasileiro e de outros países da América Latina. Foram derrotados! Civis
e militares brasileiros foram mortos e outros tantos tiveram suas reputações destruídas,
mas vencemos aquela guerra e resguardamos nossa liberdade. Na Venezuela, esses
agentes do regime cubano, levados por Hugo Chávez, também chegaram e hoje são
aproximadamente 60 mil, que controlam e interferem em todas as áreas da sociedade
local, principalmente na Inteligência e na Defesa. A Venezuela, outrora um país pujante
e democrático, hoje experimenta a crueldade do socialismo. O socialismo está dando certo
na Venezuela! Todos estão pobres e sem liberdade!"

(Bolsonaro faz um salto do Mais Médicos à atuação de agentes cubanos na Guerra Fria
e, no púlpito da ONU, repete o que faz sempre: justifica o golpe militar de 1964 no Brasil
como uma medida para conter a "ameaça comunista". Defensor da repressão do regime
militar e exaltador do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, Bolsonaro nunca
menciona as vítimas do regime militar e até ironiza vítimas de ditaduras estrangeiras,
como a de Augusto Pinochet no Chile. O presidente citou a já reportada enorme influência
dos cubanos na Venezuela chavista.)

"O Brasil também sente os impactos da ditadura venezuelana. Dos mais de 4 milhões que
fugiram do país, uma parte migrou para o Brasil, fugindo da fome e da violência. Temos
feito a nossa parte para ajudá-los, através da Operação Acolhida, realizada pelo Exército
Brasileiro e elogiada mundialmente. Trabalhamos com outros países, entre eles os EUA,
para que a democracia seja restabelecida na Venezuela, mas também nos empenhamos
duramente para que outros países da América do Sul não experimentem esse nefasto
regime. O Foro de São Paulo, organização criminosa criada em 1990 por Fidel Castro,
Lula e Hugo Chávez para difundir e implementar o socialismo na América Latina, ainda
continua vivo e tem que ser combatido."

(Bolsonaro lamenta o êxodo venezuelano por causa da crise profunda no país presidido
por Maduro e aproveita para criticar o Foro de São Paulo, organização dos partidos de
esquerda e extrema esquerda fundado nos anos 90, com a crise do socialismo real. O
grupo, até hoje integrado pelo PT e criticado por apoiar sem restrições os regimes
venezuelanos e cubanos, virou uma espécie de obsessão da ultradireita. Apesar das
dimensões e influências modestas do bloco atualmente, a iniciativa foi alçada ao papel de
inimigo a ser combatido e é parte importante na engrenagem da polarização.)

Defesa da plataforma liberal


"Senhoras e Senhores,

Em busca de prosperidade, estamos adotando políticas que nos aproximem de países


outros que se desenvolveram e consolidaram suas democracias. Não pode haver liberdade
política sem que haja também liberdade econômica. E vice-versa. O livre mercado, as
concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil. A economia está
reagindo, ao romper os vícios e amarras de quase duas décadas de irresponsabilidade
fiscal, aparelhamento do Estado e corrupção generalizada. A abertura, a gestão
competente e os ganhos de produtividade são objetivos imediatos do nosso Governo."

(Neste segundo e bastante sucinto bloco, Bolsonaro faz uma defesa da plataforma liberal
de seu Governo, tocada pelo ministro da Economia Paulo Guedes. Neste quesito, há mais
planos do que resultados a apresentar, e uma percepção crescente entre os investidores de
que a radicalização ideológica pode prejudicar as ambições de Guedes. A recuperação
econômica é lenta e o Governo está emparedado por uma situação fiscal crítica. O
Planalto lançou um ambicioso programa de privatização e ainda espera para ver seu poder
de atração, num cenário de desaceleração econômica global.)

"Estamos abrindo a economia e nos integrando às cadeias globais de valor. Em apenas


oito meses, concluímos os dois maiores acordos comerciais da história do país, aqueles
firmados entre o Mercosul e a União Europeia e entre o Mercosul e a Área Europeia de
Livre Comércio, o EFTA. Pretendemos seguir adiante com vários outros acordos nos
próximos meses. Estamos prontos também para iniciar nosso processo de adesão à
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já estamos
adiantados, adotando as práticas mundiais mais elevadas em todo os terrenos, desde a
regulação financeira até a proteção ambiental."
(Apesar da retórica antiglobalista, o Governo conseguiu fechar o acordo do Mercosul com
a União Europeia. O caminho até a ratificação, porém, é longo. Depende da aprovação
dos Parlamentos dos países que formam parte do bloco —a Europa, especialmente a
França de Emmanuel Macron, vem reagindo negativamente à política ambiental de
Bolsonaro, por exemplo. Sua retórica belicosa também não ajuda na campanha do
Planalto para entrar na OCDE. Uma beneficiada insuspeita do discurso, segundo a análise
de Oliver Stunkel, é a China. O gigante asiático não parece se abalar com a retórica e as
práticas ambientais do atual Governo.)

Crise da Amazônia
"Senhorita Ysani Kalapalo, agora vamos falar de Amazônia. Em primeiro lugar, meu
Governo tem um compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do
desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil e o mundo. O Brasil é um dos países
mais ricos em biodiversidade e riquezas minerais. Nossa Amazônia é maior que toda a
Europa Ocidental e permanece praticamente intocada. Prova de que somos um dos países
que mais protegem o meio ambiente."

(Como relação à crise internacional desatada pelo crescente desmatamento da Amazônia,


Bolsonaro se defende atacando. Exibe como troféu a indígena Ysani Kalapalo, a quem
cita explicitamente no discurso. Trata-se de uma youtuber originária da bacia do Xingu
questionada por grande parte das lideranças indígenas no país. Quanto à avaliação do
nível de desmatamento, a ONG WWF concluiu, em relatório no final de 2018, que 20%
da Amazônia brasileira foi destruída desde 1970, segundo análise de 50 pesquisadores
com base em pesquisas de outras 19 organizações. Nos últimos dez anos, entre 2008 e
2018, o sistema PRODES, do Instituto Nacional de Pesquisas Científica (INPE), registrou
o desmatamento de 74.000 quilômetros quadrados de selva amazônica — área quase 1,5
vezes maior que a do Estado do Rio de Janeiro. Ainda assim, esse período registrou as
menores taxas de desmatamento da história. As informações de 2019, medidas pelo
sistema DETER, que fotografa a situação dia a dia, apontam para uma aceleração da
destruição sob Bolsonaro.)

"Nesta época do ano, o clima seco e os ventos favorecem queimadas espontâneas e


criminosas. Vale ressaltar que existem também queimadas praticadas por índios e
populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência.
Problemas qualquer país os têm. Contudo, os ataques sensacionalistas que sofremos por
grande parte da mídia internacional devido aos focos de incêndio na Amazônia
despertaram nosso sentimento patriótico. É uma falácia dizer que a Amazônia é
patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a
nossa floresta é o pulmão do mundo."
(Bolsonaro atribui a alta das queimadas apenas a fatores sazonais e climáticos, mas
especialistas apontam sua retórica contra "a indústria da multa ambiental" e o
estrangulamento dos órgãos de controle como um incentivo explícito às queimadas. A
análise das áreas queimadas e sua extensão também rebatem a ideia do presidente de
atribuir o fenômeno apenas às populações tradicionais. Porém, Bolsonaro é acurado em
um ponto: a Amazônia não é o pulmão do mundo. Na verdade, as algas marinhas são as
maiores responsáveis por produzir o oxigênio do planeta. Contudo, a floresta é
responsável por regular o ciclo de chuvas na região, tão importante para o equilíbrio dos
rios e oceanos. E, por isso, é essencial para deter as mudanças climáticas. Segundo disse
em nota a ONG brasileira Observatório do Clima, as políticas de Bolsonaro "trazem risco
imediato para toda a humanidade". "A ciência nos diz que temos até 2030 para cortar
emissões de carbono em 45% se quisermos ter chance de estabilizar o aquecimento da
Terra em 1,5 ºC e evitar seus piores efeitos. O desmatamento descontrolado do Cerrado
e da Amazônia pode, sozinho, botar a perder a meta global", diz a nota da entidade.)

Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras
da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista. Questionaram
aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania! Um deles por ocasião do encontro do
G7 ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir. Agradeço àqueles que
não aceitaram levar adiante essa absurda proposta. Em especial, ao presidente Donald
Trump, que bem sintetizou o espírito que deve reinar entre os países da ONU: respeito à
liberdade e à soberania de cada um de nós.

(Sem citá-lo, Bolsonaro faz neste trecho referência aos embates com o francês Emmanuel
Macron. Durante a reunião do G7, Macron puxou para si os holofotes sobre a crise na
Amazônia, reivindicando papel especial no debate por causa da Guiana Francesa. O fato
de usar a expressão "nossa Amazônia" acabou dando combustível ao discurso nacionalista
e soberanista de Bolsonaro, que ressoa em parte de sua base, em especial os militares. O
argumento soberanista puro é questionado por lideranças da luta contra o aquecimento
global, como a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. "Essa acusação de ingerência
é porque há uma situação de falta de gerência que deixa o mundo preocupado. É a floresta
mais importante do planeta, responsável por 17 bilhões de toneladas por dia de água que
são importantes para manter o equilíbrio dos oceanos e o regime de chuvas, sem o qual
não tem agronegócio nem nada", disse a ex-senadora ao EL PAÍS. "E quanto mais temos
governança interna, menos temos que ficar preocupado com qualquer crítica. Durante
minha gestão, nunca vi ninguém dando declaração de que precisava discutir a questão da
Amazônia porque a situação estava fora do controle", seguiu.)

Hoje, 14% do território brasileiro está demarcado como terra indígena, mas é preciso
entender que nossos nativos são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós.
Eles querem e merecem usufruir dos mesmos direitos de que todos nós. Quero deixar
claro: o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena,
como alguns chefes de Estados gostariam que acontecesse. Existem, no Brasil, 225 povos
indígenas, além de referências de 70 tribos vivendo em locais isolados. Cada povo ou
tribo com seu cacique, sua cultura, suas tradições, seus costumes e principalmente sua
forma de ver o mundo. A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios
brasileiros. Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como
peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus
interesses na Amazônia. Infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil,
apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens
das cavernas.

(Bolsonaro, de novo, apela ao nacionalismo e atribui a uma conspiração internacional de


ONGs o interesse pela Amazônia e na proteção dos povos indígenas. A Constituição
brasileira, de 1988, ordenou a demarcação de terras indígenas em até 5 anos, e reconhece
aos índios, em seu artigo 231, "sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens". A
desaceleração das demarcações vem desde o Gestão Dilma Rousseff. Durante os dois
anos de Michel Temer, o quadro piorou. A única terra que chegou a ser homologada nesse
período foi revertida na Justiça. Mas essa questão ganhou barreiras ainda maiores desde
que Bolsonaro assumiu o Planalto, em janeiro. Foi o primeiro presidente a falar
abertamente que não retomaria as demarcações — 63% das 1.290 terras indígenas
brasileiras ainda aguardam providências do Governo para serem reconhecidas ou
homologadas.)

O Brasil agora tem um presidente que se preocupa com aqueles que lá estavam antes da
chegada dos portugueses. O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas.
Especialmente das terras mais ricas do mundo. É o caso das reservas Ianomâmi e Raposa
Serra do Sol. Nessas reservas, existe grande abundância de ouro, diamante, urânio, nióbio
e terras raras, entre outros. E esses territórios são enormes. A reserva Ianomâmi, sozinha,
conta com aproximadamente 95 mil km2, o equivalente ao tamanho de Portugal ou da
Hungria, embora apenas 15 mil índios vivam nessa área. Isso demonstra que os que nos
atacam não estão preocupados com o ser humano índio, mas sim com as riquezas minerais
e a biodiversidade existentes nessas áreas.

(A Constituição determina que é necessária uma lei para regulamentar a mineração nas
terras indígenas. Como isso nunca foi feito, a mineração segue ilegal. Além disso, o artigo
231 da Carta determina que cabe às populações nativas o "usufruto exclusivo das riquezas
do solo, dos rios e dos lagos" nos territórios demarcados. Também afirma que "o
aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a
lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização
do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada
participação nos resultados da lavra". A exploração de áreas indígenas provoca resistência
mesmo entre apoiadores de Bolsonaro: 80% da população, segundo pesquisa Atlas
Político, é contra a proposta.)
A Organização das Nações Unidas teve papel fundamental na superação do colonialismo
e não pode aceitar que essa mentalidade regresse a estas salas e corredores, sob qualquer
pretexto. Não podemos esquecer que o mundo necessita ser alimentado. A França e a
Alemanha, por exemplo, usam mais de 50% de seus territórios para a agricultura, já o
Brasil usa apenas 8% de terras para a produção de alimentos. 61% do nosso território é
preservado! Nossa política é de tolerância zero para com a criminalidade, aí incluídos os
crimes ambientais. Quero reafirmar minha posição de que qualquer iniciativa de ajuda ou
apoio à preservação da Floresta Amazônica, ou de outros biomas, deve ser tratada em
pleno respeito à soberania brasileira. Também rechaçamos as tentativas de
instrumentalizar a questão ambiental ou a política indigenista, em prol de interesses
políticos e econômicos externos, em especial os disfarçados de boas intenções. Estamos
prontos para, em parcerias, e agregando valor, aproveitar de forma sustentável todo nosso
potencial.

(Bolsonaro ganhou as eleições prometendo acabar com "a farra das multas do IBAMA"
e legalizar atividades econômicas em terras indígenas e reservas ambientais. Desde que
assumiu, vem promovendo um estrangulamento financeiro e institucional dos órgãos de
fiscalização. No último dia 16 de setembro, o Palácio do Planalto ofereceu um inédito
respaldo a garimpeiros que atuam em exploração ilegal em áreas protegidas da Amazônia.
Eles foram recebidos por várias autoridades do primeiro escalão, entre elas o ministro da
Casa Civil, Onyx Lorenzoni, do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e
do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Receberam a promessa de legalização de suas
atividades e de mudança na lei que permite o IBAMA destruir os equipamentos dos que
praticam ilegalidades.)

Agenda anticorrupção
O Brasil reafirma seu compromisso intransigente com os mais altos padrões de direitos
humanos, com a defesa da democracia e da liberdade, de expressão, religiosa e de
imprensa. É um compromisso que caminha junto com o combate à corrupção e à
criminalidade, demandas urgentes da sociedade brasileira. Seguiremos contribuindo,
dentro e fora das Nações Unidas, para a construção de um mundo onde não haja
impunidade, esconderijo ou abrigo para criminosos e corruptos. Em meu Governo, o
terrorista italiano Cesare Battisti fugiu do Brasil, foi preso na Bolívia e extraditado para
a Itália. Outros três terroristas paraguaios e um chileno, que viviam no Brasil como
refugiados políticos, também foram devolvidos a seus países.

(Outra mensagem direcionada à base interna. Na verdade, Cesare Battisti foi considerado
foragido do Brasil no dia 14 de dezembro de 2018, quando o país era governado por
Michel Temer. O emedebista foi responsável por determinar sua extradição, autorizada
pelo Supremo Tribunal Federal. Nos primeiros dias de janeiro, autoridades da Bolívia
prenderam e extraditaram Battisti.)
Terroristas sob o disfarce de perseguidos políticos não mais encontrarão refúgio no Brasil.
Há pouco, presidentes socialistas que me antecederam desviaram centenas de bilhões de
dólares comprando parte da mídia e do parlamento, tudo por um projeto de poder
absoluto. Foram julgados e punidos graças ao patriotismo, perseverança e coragem de um
juiz que é símbolo no meu país, o doutor Sergio Moro, nosso atual ministro da Justiça e
Segurança Pública. Esses presidentes também transferiram boa parte desses recursos para
outros países, com a finalidade de promover e implementar projetos semelhantes em toda
a região. Essa fonte de recursos secou. Esses mesmos governantes vinham aqui todos os
anos e faziam descompromissados discursos com temas que nunca atenderam aos reais
interesses do Brasil nem contribuíram para a estabilidade mundial. Mesmo assim, eram
aplaudidos.

(O aceno de Bolsonaro a Sergio Moro se dá depois de semanas de especulações sobre


uma possível saída do ex-juiz do Governo. A imagem de Bolsonaro entre apoiadores da
Operação Lava Jato não se encontra em seu melhor momento. Está em xeque desde que
o presidente começou a interferir direta e ideologicamente em instituições de controle e
investigação, como a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público. O
presidente vem tentando blindar família e aliados de investigações da Justiça, que vem
levantando suspeitas de possíveis atividades ilícitas.)

Em meu país, tínhamos que fazer algo a respeito dos quase 70 mil homicídios e dos
incontáveis crimes violentos que, anualmente, massacravam a população brasileira. A
vida é o mais básico dos direitos humanos. Nossos policiais militares eram o alvo
preferencial do crime. Só em 2017, cerca de 400 policiais militares foram cruelmente
assassinados. Isso está mudando. Medidas foram tomadas e conseguimos reduzir em mais
de 20% o número de homicídios nos seis primeiros meses de meu Governo. As apreensões
de cocaína e outras drogas atingiram níveis recorde. Hoje o Brasil está mais seguro e
ainda mais hospitaleiro. Acabamos de estender a isenção de vistos para países como
Estados Unidos, Japão, Austrália e Canadá, e estamos estudando adotar medidas similares
para China e Índia, dentre outros. Com mais segurança e com essas facilidades, queremos
que todos possam conhecer o Brasil, e em especial, a nossa Amazônia, com toda sua
vastidão e beleza natural. Ela não está sendo devastada e nem consumida pelo fogo, como
diz mentirosamente a mídia. Cada um de vocês pode comprovar o que estou falando
agora. Não deixem de conhecer o Brasil, ele é muito diferente daquele estampado em
muitos jornais e televisões!

(Especialistas consultados pelo EL PAÍS afirmam que a queda de homicídios já era


tendência em 2018, algo que ficou comprovado no último anuário do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública. Além disso, concordam que ainda é cedo para afirmar que a
redução é definitiva e afirmam que fatores relacionados à própria dinâmica do crime e
ações locais explicam melhor essa queda.)
Um parênteses para a base evangélica (sem citar ataques a terreiros)
A perseguição religiosa é um flagelo que devemos combater incansavelmente. Nos
últimos anos, testemunhamos, em diferentes regiões, ataques covardes que vitimaram
fiéis congregados em igrejas, sinagogas e mesquitas. O Brasil condena, energicamente,
todos esses atos e está pronto a colaborar, com outros países, para a proteção daqueles
que se veem oprimidos por causa de sua fé. Preocupam o povo brasileiro, em particular,
a crescente perseguição, a discriminação e a violência contra missionários e minorias
religiosas, em diferentes regiões do mundo. Por isso, apoiamos a criação do 'Dia
Internacional em Memória das Vítimas de Atos de Violência baseados em Religião ou
Crença'. Nessa data, recordaremos anualmente aqueles que sofrem as consequências
nefastas da perseguição religiosa. É inadmissível que, em pleno século XXI, com tantos
instrumentos, tratados e organismos com a finalidade de resguardar direitos de todo tipo
e de toda sorte, ainda haja milhões de cristãos e pessoas de outras religiões que perdem
sua vida ou sua liberdade em razão de sua fé. A devoção do Brasil à causa da paz se
comprova pelo sólido histórico de contribuições para as missões da ONU.

(A menção à defesa da liberdade religiosa e à perseguição aos cristãos foi feita sob medida
para os evangélicos, os que mais compõem sua base de apoio —46% dos evangélicos
apoiam o Planalto, segundo o Datafolha. Apesar da bandeira, o presidente não cita os
ataques às religiões de matriz africana. Segundo dados do Disque 100 acessados pela
revista Gênero e Número e pelo DataLabe, 59% do total de casos registrados de 2011 a
junho de 2018 eram referentes a religiões como a umbanda e o candomblé; 20% a
religiões evangélicas; 11% a espíritas; 8% a católicos; e 2% a ateus. O Disque 100 é um
canal para denúncias de violação de direitos humanos, criado em 2011 pela então
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.)

Há 70 anos, o Brasil tem dado contribuição efetiva para as operações de manutenção da


paz das Nações Unidas. Apoiamos todos os esforços para que essas missões se tornem
mais efetivas e tragam benefícios reais e concretos para os países que as recebem. Nas
circunstâncias mais variadas – no Haiti, no Líbano, na República Democrática do Congo
–, os contingentes brasileiros são reconhecidos pela qualidade de seu trabalho e pelo
respeito à população, aos direitos humanos e aos princípios que norteiam as operações de
manutenção de paz. Reafirmo nossa disposição de manter contribuição concreta às
missões da ONU, inclusive no que diz respeito ao treinamento e à capacitação de tropas,
área em que temos reconhecida experiência.

(Neste trecho, e apesar dos ataques à própria ONU e ao multilateralismo, Bolsonaro faz
uma concessão à elite do Exército brasileiro que integra seu Governo e teve papel crucial
em missões, especialmente a do Haiti. O expoente dessa ala governista é o general da
reserva, Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional.)
Ao longo deste ano, estabelecemos uma ampla agenda internacional com intuito de
resgatar o papel do Brasil no cenário mundial e retomar as relações com importantes
parceiros. Em janeiro, estivemos em Davos, onde apresentamos nosso ambicioso
programa de reformas para investidores de todo o mundo. Em março, visitamos
Washington onde lançamos uma parceria abrangente e ousada com o Governo dos
Estados Unidos em todas as áreas, com destaque para a coordenação política e para a
cooperação econômica e militar. Ainda em março, estivemos no Chile, onde foi lançado
o PROSUL, importante iniciativa para garantir que a América do Sul se consolide como
um espaço de democracia e de liberdade. Na sequência, visitamos Israel, onde
identificamos inúmeras oportunidades de cooperação em especial na área de tecnologia e
segurança. Agradeço a Israel o apoio no combate aos recentes desastres ocorridos em meu
país. Visitamos também um de nossos grandes parceiros no Cone Sul, a Argentina. Com
o presidente Mauricio Macri e nossos sócios do Uruguai e do Paraguai, afastamos do
Mercosul a ideologia e conquistamos importantes vitórias comerciais, ao concluir
negociações que já se arrastavam por décadas. Ainda este ano, visitaremos importantes
parceiros asiáticos, tanto no Extremo Oriente quanto no Oriente Médio. Essas visitas
reforçarão a amizade e o aprofundamento das relações com Japão, China, Arábia Saudita,
Emirados Árabes Unidos e Catar. Pretendemos seguir o mesmo caminho com todo o
mundo árabe e a Ásia. Também estamos ansiosos para visitar nossos parceiros, e amigos,
na África, na Oceania e na Europa. Como os senhores podem ver, o Brasil é um país
aberto ao mundo, em busca de parcerias com todos os que tenham interesse de trabalhar
pela prosperidade, pela paz e pela liberdade.

(Apesar da declaração de que o Brasil é um país aberto, como escreveu o enviado especial
do EL PAÍS a Nova York, Pablo Guimón, o discurso de Bolsonaro prioriza seu aliado
preferencial, Donald Trump. Outros parceiros da direita global, como Israel, também
mereceram menção. Apesar de o Brasil sediar, em novembro, a cúpula dos BRICs,
formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, nenhuma menção foi feita ao
bloco. Nem mesmo a China, a maior compradora de produtos brasileiros, recebeu
atenção.)

Pregação ideológica contra "ideologia de gênero"


Senhoras e Senhores, o Brasil que represento é um país que está se reerguendo,
revigorando parcerias e reconquistando sua confiança política e economicamente.
Estamos preparados para assumir as responsabilidades que nos cabem no sistema
internacional. Durante as últimas décadas, nos deixamos seduzir, sem perceber, por
sistemas ideológicos de pensamento que não buscavam a verdade, mas o poder absoluto.
A ideologia se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios
de comunicação, universidades e escolas. A ideologia invadiu nossos lares para investir
contra a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família. Tentam ainda destruir a
inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e
elementar, a biológica. O politicamente correto passou a dominar o debate público para
expulsar a racionalidade e substituí-la pela manipulação, pela repetição de clichês e pelas
palavras de ordem. A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus
e a dignidade com que Ele nos revestiu. E, com esses métodos, essa ideologia sempre
deixou um rastro de morte, ignorância e miséria por onde passou. Sou prova viva disso.
Fui covardemente esfaqueado por um militante de esquerda e só sobrevivi por um milagre
de Deus. Mais uma vez agradeço a Deus pela minha vida.

(De novo, Bolsonaro usa o palco nobre da ONU para afagar sua base interna, ao falar de
valores da família e promover sua guerra cultural. A agenda também já afeta a imagem
do Brasil no exterior e acende um alerta, segundo Edison Lanza, relator da OEA para a
liberdade de expressão.)

A ONU pode ajudar a derrotar o ambiente materialista e ideológico que compromete


alguns princípios básicos da dignidade humana. Essa organização foi criada para
promover a paz entre nações soberanas e o progresso social com liberdade, conforme o
preâmbulo de sua Carta. Nas questões do clima, da democracia, dos direitos humanos, da
igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, e em tantas outras, tudo o que
precisamos é isto: contemplar a verdade, seguindo João 8,32: “E conheceis a verdade, e
a verdade vos libertarás”. Todos os nossos instrumentos, nacionais e internacionais,
devem estar direcionados, em última instância, para esse objetivo. Não estamos aqui para
apagar nacionalidades e soberanias em nome de um “interesse global” abstrato. Esta não
é a Organização do Interesse Global! É a Organização das Nações Unidas. Assim deve
permanecer! Com humildade e confiante no poder libertador da verdade, estejam certos
de que poderão contar com este novo Brasil que aqui apresento aos senhores e senhoras.
Agradeço a todos pela graça e glória de Deus! Meu muito obrigado.

(Bolsonaro encerra seu discurso em sintonia com Trump, que usaria o púlpito depois dele
para dizer: “O futuro pertence aos patriotas, não aos globalistas”.)

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