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OLIVEIRA, Valter de. 2011.

A construção do sujeito ecologista e os processos de mediação e


resistência. En: Nussbaumer, B. y Cowan Ros, C. (editores). 2011. Mediadores sociales. En la
producción de prácticas y sentidos de la política pública. Editorial CICCUS. (ISBN 978-987-1599-
89-9).

A construção do sujeito ecologista e os processos de mediação e resistência


Valter Lúcio de Oliveira1

Introdução

Entre as formas de se fazer agricultura, a temática ambiental ganhou em importância e justificou a


emergência de diversas técnicas de produção que se distinguem por incorporarem esta
preocupação. Constituídas a partir de diferenças normativas, nem sempre muito claras para os
diversos públicos (consumidores, produtores, vendedores), foram consolidando-se formatos com
diferentes denominações: agricultura alternativa, orgânica, ecológica, natural, agroecologia,
biodinâmica, bioagricultura, etc. Nota-se que o discurso que é produzido neste universo, no qual
predomina a atuação das ONGs2, tem o agricultor como o seu alvo prioritário. É o agricultor que
deverá ser edificado como o novo sujeito que “conduzirá” esta transformação para um modelo de
agricultura ambientalmente correto. Esse processo se dá a partir da produção de um discurso que
busca “normalizar” um determinado universo social oferecendo vantagens econômicas, políticas e
ambientais e também desenvolvendo certos dispositivos de controle, punição e disciplinamento. O
agricultor irá inserir-se nessa dinâmica, na qual deverá posicionar-se frente a esse discurso
ecologista, e essa inserção produzirá transformações em suas práticas e na forma de pensar o
mundo à sua volta.
Mas a adoção desse discurso não se dá sem ajustes e manifestações de resistência e
relações de poder. Essa dinâmica enseja um processo de reflexividade a partir do qual estes
agricultores evidenciarão as suas condições de possibilidades frente aos constrangimentos a que
são submetidos. Trata-se de uma dinâmica processual e dialética e, nesse sentido, o que emerge
não se resume a um sujeito substantivo, unitário e fielmente coerente com os princípios identitários
forjados nesse processo. Os sujeitos dessa relação são efeitos de uma síntese inacabada do
encontro de formas diversas de perceber e atuar no mundo à sua volta. É nesse sentido que o
conceito de mediação social é tomado aqui, ou seja, como revelador de um dinâmica complexa em

1
Professor Adjunto do Departamento de Sociologia e Metodologia em Ciências Sociais da Universidade
Federal Fluminense – UFF. E-mail: valterlu@yahoo.com.br
2
Atualmente, setores do governo federal também estão desenvolvendo ações bastante significativas
nesse campo. Vide PNATER – Plano Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER, 2004).

1
que agentes situados em posições sociais diferentes interagem na perspectiva de construção de
uma outra realidade.
Do ponto de vista empírico, estas análises emergem a partir de um trabalho de pesquisa
realizado junto a agricultores ecologistas e mediadores sociais vinculados a uma ONG 3 atuante no
Rio Grande do Sul – Brasil. Esta pesquisa foi realizada em dois períodos, o primeiro – e que está
mais diretamente relacionado ao conteúdo desse artigo – ocorreu entre junho de 2003 e fevereiro
de 2004 e objetivava a confecção de minha dissertação de mestrado (Oliveira, 2004). O segundo
período deu-se entre julho e setembro de 2007 quando realizei parte da pesquisa empírica para
minha tese de doutorado4 (Oliveira, 2009).
Na primeira parte deste artigo, trato de construir uma contextualização crítica da relação
entre agricultores ecologistas e mediadores sociais, trazendo elementos que darão suporte empírico
às análises da segunda parte que se concentrarão nas dimensões disciplinadoras do discurso
ecologista. Por último, na terceira parte, busco analisar o processo de resistência e
interdependência entre estes agentes.
Mas, em função da centralidade que ocupam as características distintivas de tal produção
agrícola (definida por estes agentes de ecologista) nessas dinâmicas sociais, devo antes de passar
adiante salientar que estes agricultores, considerados “ecologistas”, não estão submetidos a um
processo de certificação formal de sua produção. Ou seja, sua produção não está distinguida por
um selo que ateste sua origem e qualidade. Esse tipo de certificação formal, que é o predominante
entre aqueles agricultores (mais integrados ao mercado e menos organizados politicamente) que
buscam se diferenciar da agricultura convencional, é promovido por inspetores externos e
independentes (em relação ao agricultor), vinculados a organizações ou empresas certificadoras.
Neste processo de certificação, é tomada por base a promoção de vistorias periódicas às
propriedades para verificar e atestar com um “selo” a adequação às normas que regulamenta o tipo
de produção que efetivam (orgânica, biodinâmica, natural). Este formato de certificação é
chamado, pelos mediadores e agricultores que pesquisei, de convencional e, a seu respeito,
construíram um discurso profundamente crítico. Identificam uma certa incoerência com aquilo que
estavam construindo e que, segundo eles, carrega por princípio uma lógica participativa. Aliás, a
própria exigência do selo como condição para que se confie na procedência do produto era algo
questionado, como fica explícito na fala deste técnico: “isto reagia muito forte dentro da gente,

3
Como de praxe, omito o nome da ONG e da associação bem como dos entrevistados citados. A
identificação dos extratos das entrevistas será feita por pseudônimos seguidos das abreviações MS
(mediador social) e AE (agricultor ecologista).
4
Apesar da realização dessa pesquisa empírica com os agricultores ecologistas, optei, posteriormente, por
concentrar-me na análise do processo de engajamento na luta pela terra colocando ênfase na dimensão
religiosa desse processo, dimensão que também havia notado entre os agricultores ecologistas, como se
verá mais adiante.

2
aquela discussão da necessidade do selo! Quem tem que botar o selo é o produto convencional,
‘cuidado veneno5’!” (Airton – MS). Dessa forma, a alternativa encontrada para evitar “a presença
de um inspetor que viesse com um caderno de normas debaixo do braço fiscalizar uma
propriedade que, talvez a mais tempo do que ele era nascido, já fazia agroecologia” (Airton –
MS) foi a construção de uma proposta denominada de certificação participativa6.
No entanto, mesmo essa chamada certificação participativa ainda não vigorava entre estes
agentes que pesquisei. Havia apenas um movimento organizativo nesse sentido. O que garantia a
distinção “ecológica” de sua produção era o fato de estarem inseridos em uma rede de confiança
na qual o acompanhamento dos técnicos da ONG tinha um peso determinante, além do controle
mútuo que era “naturalmente” exercido entre os agricultores. Estas informações introdutórias
auxiliarão na compreensão do que será discutido na sequência.

Contexto histórico

A ONG

As ONGs assumiram uma posição de reconhecido destaque no cenário mundial especialmente nas
últimas duas ou três décadas, chegando mesmo a serem consideradas um “fenômeno” desse
período. No que diz respeito a determinados temas, elas constituem-se em uma importante força
com poder para estabelecer disputas em torno das suas orientações mais prioritárias. O campo
ambiental é um exemplo emblemático neste sentido. Integrando o movimento ambientalista,
muitas ONGs vêm desenvolvendo suas ações neste campo de uma forma bastante significativa,
uma vez que são as principais organizações a exporem para a sociedade as questões inerentes a
esta temática.
O que atualmente é identificado como ONG passou por um processo histórico de
conformação aos diferentes contextos nos quais se produziu este tipo de organização. Ainda que
determinados autores busquem delimitar as características “próprias” a uma ONG de forma a
responder tal indagação, o que fica evidente é a insuficiência dessa delimitação. O termo ONG,

5
Algo curioso a ser notado é que existe, especialmente entre os profissionais das ciências agrárias,
sobretudo durante a sua formação universitária, um esforço para valer-se de expressões que suavizem a
ideia negativa subjacente, por exemplo, à palavra veneno, utilizada aqui por este mediador. Defensivo
agrícola é o eufemismo mais utilizado nesse caso. Por outro lado, entre aqueles envolvidos com a
agricultura ecológica, acentua-se a utilização de termos como veneno e agrotóxicos, expressando,
simbolicamente, a diferença em suas visões.
6
Esta certificação consiste, basicamente, também na atribuição de um selo à propriedade que pratica a
agricultura ecológica, mas que, neste caso, é acompanhada e certificada por uma equipe constituída por
agricultores, consumidores e técnicos, integrantes de uma rede de organizações envolvidas com tal
agricultura. Mais detalhes sobre a origem e o processo de constituição da Certificação Participativa, ver
Santos (2002).

3
portanto, não pode ser tomado como a indicação de um formato de organização limitada por
fronteiras bem definidas, trata-se mais bem de um termo em disputa, que é utilizado e reivindicado
por vários tipos de organizações que são bastante díspares em suas características7.
Não há espaço neste artigo para uma maior problematização acerca do que é uma ONG,
nem para um debate teórico a respeito do seu papel na sociedade. Interessa apenas destacar que a
organização, que é objeto empírico das análises aqui desenvolvidas, assume-se enquanto ONG e,
portanto, insere-se nesse universo disforme caracterizado por esta sigla. O que define, em grandes
linhas, a sua atuação é a consolidação da agricultura ecológica e a organização dos agricultores em
associações, visando uma estruturação coletiva da comercialização e a edificação conjunta de
posicionamentos políticos em relação a diversos temas relacionados ao meio ambiente e ao mundo
rural – especialmente aqueles vivenciados no Rio Grande do Sul. Sua origem – primeira metade da
década de 1980 – esteve imersa num período em que as denúncias voltadas contra os crimes
ambientais e contra os impactos dos agroquímicos atingiram uma significativa relevância na cena
política nacional e internacional.
Ao longo de sua existência são sintomáticas certas transformações em sua forma de atuar
que estabelece conexões possíveis com momentos distintos em relação ao movimento mais
abrangente da agricultura ecológica e do próprio movimento ambientalista. Estas transformações
podem ser divididas em três fases distintas.
Quando surge, em janeiro de 1985, “por iniciativa de um grupo de técnicos vinculados ao
movimento ecológico gaúcho”, os seus propósitos motivadores estavam muito mais relacionados
ao aperfeiçoamento técnico das práticas em agricultura ecológica e menos interessados em um
contato mais estreito com os agricultores locais. Nesse sentido, nesta primeira fase, os objetivos
delineados sustentavam-se sobre o tripé “experimentação, demonstração e produção”, baseando-
se “na utilização racional e adequada dos recursos do ecossistema” (Bracagioli, 1994: 11). Para
levar a cabo este ideal, seus trabalhos eram desenvolvidos numa propriedade rural cedida por um
dos integrantes da organização.
Neste período inicial, portanto, o trabalho consistia em sistematizar, consolidar e gerar os
conhecimentos voltados para a prática da produção sem o uso dos agroquímicos, tido como
inevitáveis na agricultura convencional8. Diante de tais prioridades, o contato com os agricultores

7
Para ter-se uma ideia dessa disparidade, em uma entrevista Anthony Giddens definiu a Al Qaeda como
uma ONG maligna. (Giddens, 2004: 56).
8
O uso da categoria convencional, a partir do discurso nativo, pode ser tomado como uma categoria de
acusação e, normalmente, é utilizado para adjetivar a agricultura, o produto, o agricultor e/ou o técnico.
Significa dizer que, ao chamar de convencional, está se referindo a uma ausência de preocupação tanto
com a utilização dos adubos e agrotóxicos sintéticos quanto com uma metodologia mais horizontal de
relacionamento entre os agentes. Mas também, como no caso da “certificação convencional”, indica a
contrariedade ao formato do processo de certificação adotado majoritariamente. Deve-se considerar que
na atualidade com a implementação da biotecnologia (em seu sentido mais estrito, quase como sinônimo

4
que viviam no entorno dessa experiência era relegado a um plano secundário. O que se buscava,
basicamente, era a constituição de uma “propriedade modelo” em agricultura ecológica. A relação
com os agricultores dava-se, quase que exclusivamente, por meio de visitas às propriedades
daqueles que se interessavam espontaneamente por tal proposta. Como salienta um mediador
entrevistado: “a primeira forma da gente vender esta ideia, de aproximar os agricultores com este
peixe da agricultura ecológica foi a história de uma... a gente chamava propriedade modelo (...)”
(Aloísio – MS).
Este formato começa a mudar já no início dos anos 1990 quando os técnicos que
desenvolviam estas experiências, internamente a essa “propriedade modelo”, passaram a
estabelecer contatos sistemáticos com os agricultores do entorno e a levá-los para visitas técnicas
àquelas experiências que estavam desenvolvendo. “A gente começou um trabalho um pouco mais
de receber os agricultores nesta propriedade modelo e aí foi uma transição para a gente ir na
casa deles” (Aloísio – MS). Assim, a principal transformação ocorrida nessa época, e que
simboliza a mudança para uma nova fase, consistiu na adoção de uma postura de atuação mais
próxima a um formato que se poderia denominar de assistência técnica. Isto fica bastante claro
neste comentário:

Então nesta fase aí era aquela coisa de visitar cinco, seis, oito agricultores
num dia, olhando o pêssego, olhando a uva, dizendo o que estava
precisando, que doença era aquela, o que estava precisando para poder
plantar aquele pêssego, aquela uva sem usar veneno. Durante muito tempo
a gente fez isto... recomendação técnica mesmo, por escrito, um bloquinho
como se fosse de receituário, (...) no bloquinho tinha o nosso CREA9 (...).
(Aloísio – MS)

É nesse momento, na segunda fase, que tem inicio o surgimento de várias associações de
agricultores ecologistas mediadas por esta ONG. Este processo de criação de associações vai
inaugurar uma nova forma de estes mediadores se relacionarem com os agricultores. Mais do que
acompanhar individualmente aqueles interessados em produzir de forma ecológica, o que neste
caso significaria desempenharem um papel característico de assistência técnica convencional, tais
mediadores passam agora a assumir como prioridade o fomento à constituição de grupos de
agricultores organizados, especialmente na forma de associações. Esta necessidade é introduzida
como um princípio básico que balizará toda a atuação desta ONG até os dias atuais.

de transgênicos) emergiu mais um polo de disputa, complexificando ainda mais este campo da agricultura.
O produtor de soja convencional, por exemplo, busca distinguir-se daquele produtor de soja transgênica e,
assim, colher os benefícios simbólicos e materiais dessa distinção. O mesmo pode dizer-se em relação a
outros agentes que operam neste campo de disputas (políticos, cientistas, ativistas). Falar do convencional
é falar do que é relativamente majoritário.
9
Registro no CREA: Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.

5
A terceira fase consistiu, fundamentalmente, na ampliação do espectro de atuação enquanto
organização e, nesse caso, era necessário transcender à noção restritiva implícita na ideia de
“agricultura ecológica”. Ainda que mantenha sua atuação prioritariamente voltada para o
desenvolvimento e difusão dessa forma de fazer-se agricultura, esta ONG passa a trabalhar a
“ecologização da unidade produtiva como um todo, do indivíduo que nela trabalha e das relações
sociais nas quais estamos inseridos”10. Dessa forma, irá aproximar-se mais diretamente dos
princípios que norteiam o movimento ecologista com o qual já mantinham um certo vínculo. Além
desses aspectos, irá deitar suas raízes sobre outros espaços de atuação motivada especialmente por
sua aliança com outras organizações sociais11 que desenvolvem uma prática mais propriamente
relacionada a processos reivindicatórios e de articulação política. Passa, ao mesmo tempo, a
destinar maior preocupação com a geração de mercado para os produtos provenientes da
agricultura ecológica. Salienta-se, nesse sentido, o fomento e o assessoramento de cooperativas de
consumidores ecológicos, que passam a ser incluídas nas suas estratégias de atuação e a também
conformarem sua base.
Como se percebe, esta nova fase fez ampliar bastante o ângulo de atuação e passou, assim,
a congregar as seguintes dimensões:

 Produção, processamento e comercialização de produtos ecológicos;


 Resgate e manejo da agrobiodiversidade;
 Implantação de sistemas agroflorestais;
 Organização de produtores e consumidores através de formas associativas;
 Experimentação participativa em agricultura ecológica;
 Apoio à formação de políticas públicas voltadas à transição rumo a uma agricultura
sustentável;
 Capacitação de técnicos;
 Sensibilização de agricultores e consumidores em relação aos riscos envolvidos na
introdução de OGMs (Organismos Geneticamente Modificados) na agricultura e na
produção de alimentos de uma forma geral.

Também a área geográfica de abrangência do seu trabalho variou bastante no decorrer de


sua história. Primeiramente, restrito aos limites de uma área de terra – a “propriedade modelo”–,
sua atuação foi ramificando-se aos poucos e fazendo-se conhecida e reconhecida em toda a região

10
Retirado de documento produzido pela ONG.
11
Destaca-se, nesse sentido, sua aliança histórica com os movimentos pastorais vinculados à Igreja
Católica, com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), com o Movimento das Mulheres
Trabalhadoras Rurais e com o Movimento Sindical.

6
onde estava inserida. Com o apoio decisivo de organizações da Igreja Católica (CPT – Comissão
Pastoral da Terra, Pastoral Rural, Pastoral da Juventude, alguns padres), há um significativo
processo de expansão para outras localidades do Estado do Rio Grande do Sul. Mas deve ser
acentuado que, ao longo de sua atuação, esta ONG foi conquistando um reconhecimento que vai
além, inclusive, das próprias fronteiras nacionais. Muitos são os convites para apresentarem suas
experiências, participarem de encontros relacionados com a sua temática de atuação, oferecerem
cursos e palestras e realizarem visitas, entre outras atividades. Todas estas modalidades constituem
estratégias de expansão de suas propostas nos níveis estadual, nacional e internacional.

A associação de agricultores ecologistas

A década de 1980 foi um período especialmente fértil para o nascimento e fortalecimento de


grande parte das organizações sociais atuantes nacionalmente. Dentre os fatores que mais
contribuíram para esta conjuntura, destacam-se, principalmente, aqueles vinculados à questão
agrária e ambiental. Será em meio a essa intensa movimentação política, potencializada pela
liderança dos padres católicos e pelos agentes de pastorais, que se gestará o embrião do que veio
constituir-se na associação aqui analisada.
Antes do surgimento dessa associação, os agricultores, que vieram compô-la em sua quase
totalidade, integravam diferentes organizações, boa parte das quais eram pastorais vinculadas à
Igreja Católica, com destaque para as Pastorais Rural e da Juventude (PJ). Conforme os relatos
abaixo, foi a partir deste envolvimento que se estabeleceram as condições para o contato com
outros agricultores que já estavam experimentando a prática da agricultura ecológica.

Aqui na região a ideia começou a surgir no final de 80, na época a gente


fazia parte da Pastoral da Juventude Rural e aí a gente tomou
conhecimento de um grupo que já fazia agricultura ecológica na serra
(...), aí então a gente, como tinha contato na diocese (...), a gente tinha
contato com o pessoal de lá, nós convidamos eles pra vir pra cá mostrar.
(Cristiane – AE)

A gente fazia alguns encontros lá na diocese (...). Então lá já estava


andando aí uns três, quatro anos a agricultura ecológica e nós
conhecemos o pessoal lá, (...) e daí foi se falando “tá aí o novo modelo de
agricultura ecológica (...)”. Na época eu estava intoxicado com veneno, se
eu quisesse ficar na roça ia ter que mudar o ramo, ter que sair dessa. (...)
Foi quando a própria coordenação da PJ pediu um curso, organizou um
curso com o pessoal da ONG. (Joaquim – AE)

Ou seja, as atividades relacionadas com a militância político-religiosa desses agricultores


foram as que possibilitaram o contato com esta “nova” prática agrícola. Deve ser ressaltado, no

7
entanto, que, antes desses contatos, a atuação de vários padres e outros agentes religiosos, que já
eram apologistas de uma agricultura ecológica ou simplesmente críticos da agricultura
convencional, fez despertar em certos agricultores uma crescente inquietação em relação ao uso
intensivo dos agroquímicos nas atividades agrícolas. Como está evidente no segundo relato citado
acima, o fato de estes agricultores (os precursores e aqueles recém aderidos a este “novo modelo
de agricultura”) fazerem parte da mesma diocese fez impulsionar e expandir essa nova
experiência.
Estes dois relatos são ilustrativos nesse sentido:
Eu tinha uns 22 anos, eu participava pela Emater [agencia oficial de
extensão rural]. Aí começou a abrir um pouco minha consciência (...) foi o
padre uma vez que me deu um toque:“vocês ali na Emater não estão no
caminho certo não, porque na verdade vocês estão implantando a
revolução verde”.
Ele já tinha esta consciência naquele período?
Este padre sim, eu trabalhava na PJ e ele falou: "Emater é trabalhar para
a Revolução Verde, é favorecer os trabalhos das multinacionais, é vender
agrotóxicos, vender adubo químico (...) vocês têm que parar com isto”. Aí
é que eu acordei (...) não sabia disso, eu estava desinformado. Eu peguei
tudo da Emater achando que ela estava ajudando a agricultura, depois que
eu percebi toda a história (...) quando eu percebi que não era o caminho
que eu estava buscando, que eu fui enganado nesta caminhada, aí eu disse
não, agora eu vou para junto dos padres, porque realmente eles levam tudo
a sério (...)”. (Carlos – AE/MS)

O Padre naquela época ele já comentava sobre a agricultura ecológica?


Já!!!, Claro, só não era assim, nem falava da agricultura ecológica, mas
para não usar tanto veneno. Isto vai além de estragar a saúde da pessoa,
tu tá gastando mais pra produzir do que tu ganha, tu tá usando insumos
caros das multinacionais (...) [Ele dizia que estava “matando a santa mão
terra!!!”, quem usa veneno está matando a nossa mãe, a nossa santa mãe
terra]12 Então isto daí ele alertava muito.
Isto há 20 anos atrás?
Mais!!! Acho que quase uns 30 anos atrás, ele já previa(...), não era assim
uma organização da agricultura ecológica, de produzir, nem se pensava
na época, era a época em que estava entrando o veneno, era a solução pra
agricultura, a revolução verde. A revolução verde é um pacote dos anos
‘70 pra cá, uns 30 anos atrás(...)”. (João e Claudia – AE)

A agricultura ecológica, portanto, não chega de forma isolada. Ela entrará no universo
destes agricultores imersa num grande caldeirão ideológico no qual fervilhavam os vários
elementos que sustentavam um ideal de transformação da sociedade e que, por sua vez, era o
motor das lutas sociais. Os agricultores que fundaram a associação já haviam experimentado um
processo de formação ideológica a partir dos espaços de militância político-religiosa. Poucos desta

12
O que está entre colchetes refere-se ao comentário de Cláudia.

8
associação, mesmo após vários anos de sua origem, eram aqueles que não ressaltavam em sua
trajetória momentos importantes de engajamento político.
Assim, na constituição desta associação deve ser considerada, em sua origem, a realização
concreta de uma das dimensões exigida pela coerência com as transformações que defendiam e em
prol das quais atuavam inseridos nos movimentos organizados: um “novo modelo de agricultura”
que suplantasse o modelo dominante que os explorava e depredava o meio ambiente. Diante desse
terreno fértil, a aliança formada entre os padres como fomentadores 13 e a ONG como
instrumentalizadora14 ofereceu aos agricultores as condições externas necessárias para
converterem-se à agricultura ecológica.
Além destes aspectos considerados anteriormente, os motivadores econômicos e os
relacionados aos problemas de saúde gerados pelo uso de agrotóxicos exerceram pesos
importantes no processo de adoção da agricultura ecológica e na motivação para se organizarem
em associação (como apontado pelo agricultor acima). Assim, “um pouco pela conscientização de
ter um trabalho diferente e outro pela questão do comércio” (João – AE), foram estabelecendo-se
as condições objetivas para a organização desses agricultores.
Um marco referencial constantemente destacado por aqueles que estiveram envolvidos no
processo de articulação, que deu origem a essa associação, foi a promoção de um curso de
formação conduzido pelos técnicos da ONG ocorrido nos dias 4 e 5 de abril de 1991. Este curso,
promovido pela Pastoral da Juventude, fez estabelecer o primeiro contato, sistematicamente
pensado e organizado, entre os agricultores e a ONG. Da mesma forma, foi a partir dali que as
questões referentes à agricultura ecológica e aos impactos produzidos pela agricultura
convencional ganharam relevância para eles. Mas antes da ocorrência propriamente dita deste
curso, houve, alguns meses antes, a visita de uma equipe de técnicos desta ONG que percorreu
algumas comunidades apresentando:

um vídeozinho, slides sobre as consequências do veneno, (...) (com) fotos


de crianças deficientes da região da campanha que usava muito veneno na
soja e da origem do veneno que vem da guerra (...). Então passava aqueles
slides ali, impressionava muito e era o primeiro contato (...). (Joaquim –
AE)

Daí, a partir daquele dia, a gente decidiu reunir o pessoal da região para
um curso, o máximo de pessoas para que essas pessoas também tomassem

13
“O pai José foi um pai pra nós aí, até meio de sócio ele entrou, pra incentivar, pra dar coragem, precisa
de gente que faça a frente e dê coragem”. (Silvana – AE)
14
“Daí se reuniu uma equipe aqui, os padres que ajudavam aqui, uns dois ou três (...) ‘vamos trazer os
caras aqui, os agrônomos para fazer um curso aqui pro pessoal da região que quer pensar uma agricultura
diferente (...)’ os agrônomos já passava, já trazia um pacotinho daí, dava a ideia da agricultura ecológica e
a ideia do associativismo, do cooperativismo”. (Joaquim – AE)

9
conhecimento, para que elas se motivassem também a fazer o trabalho. Eu
lembro que o primeiro curso foi em abril de 91. (Cristiane – AE)

Como se percebe, o impacto produzido por este primeiro contato foi mais um ingrediente
que impulsionou o envolvimento com esta nova proposta. Com a posterior realização do citado
curso e com uma maior aproximação desta ONG, estavam reunidos os fatores que convergiam
para a consolidação inicial daquela experiência.
Vale salientar que o surgimento dessa associação coincide com o início da terceira fase da
ONG que foi descrita anteriormente. Ou seja, a relação com estes agricultores dá-se quando os
mediadores estão a expandir sua atuação em termos territoriais e temáticos. É uma fase na qual já
consideravam que tinham muito conhecimento acumulado sobre a forma de produzir a partir de
princípios ecológicos e buscavam aumentar a dimensão e visibilidade de suas propostas, como
notado nesse comentário de um mediador:

A gente sempre disse aqui internamente que nós não queremos ficar
sempre na marginalidade, e esta marginalidade da proposta
agroecológica ela já tá perdurando já (...). Eu acho que a agroecologia,
pelo histórico das suas previsões, das suas promessas, eu acho que ela já
devia estar mais significativa no conjunto da agricultura no estado ou
brasileira (...).(Aloisio – MS)

Mais precisamente, a citada Associação nasce como tal em 1991, reunindo ao redor de 12
famílias e contando com o apoio financeiro da Pastoral Rural da Igreja Católica. Atualmente essa
associação reúne 32 famílias e está dividida em três núcleos, cada qual composto por famílias
geograficamente próximas. Esta divisão em núcleos facilita o contato entre as famílias e a
organização da produção e comercialização dos seus produtos que se dá em três bancas (estande)
localizadas em uma feira semanal de produtos ecológicos em Porto Alegre. Apesar dessa divisão, a
associação possui uma direção e mantém uma organização geral unitária.
Cabe salientar que são todos pequenos agricultores familiares (ao redor de 10 hectares),
cujas propriedades são predominantemente heranças familiares. Possuem uma produção
diversificada adaptada às necessidades do mercado de produtos ecológicos que consiste,
sobretudo, no comércio na feira e nas cooperativas de consumidores. Por tratar-se de uma
produção intensa em mão de obra, em certos casos, ocorre a necessária contratação de diaristas
para trabalhar nos períodos de maior demanda de trabalho que são o plantio e colheita.
Para muitos desses agricultores o que passou a ser reconhecido como “agricultura
ecológica” não apresenta grandes diferenças em relação àquilo que já praticavam antes da
introdução dos insumos químicos. Estes insumos foram introduzidos especialmente através da

10
assistência técnica oficial e, em contrapartida, para a aquisição de créditos bancários, sobretudo
aquele disponível durante a década de 1970. As indústrias produtoras de insumos também foram
importantes nesse processo de difusão tecnológica. Alguns dos agricultores que pesquisei
trabalharam como empregados ou como produtores de fumo, uma cultura fomentada pelas
empresas tabagistas e que já chegava com um pacote tecnológico pré-definido, o que deixava
pouca (ou nenhuma) margem às iniciativas dos agricultores. Alguns desses agricultores, que
posteriormente se tornaram ecologistas, justificaram tal opção acentuando os problemas de saúde
relacionados aos insumos que utilizavam e em função da pouca autonomia que tal atividade
oferecia.
Pode ser notado que tanto a agricultura tradicional quanto esta agricultura convencional
passam por um processo de reformulação de sentidos: “me criei plantando ecológico, sem nunca
botar veneno, até essa época em que eu vim plantar fumo. Só que não era incentivado que tinha
que plantar ecológico, natural, porque nós era natural mesmo, nunca tinha visto veneno e adubo
pra usar em planta” (Sérgio – AE). Como nesse caso, muitos desses agricultores lembram que já
praticavam o que hoje eles reconhecem como agricultura ecológica. Da mesma forma, o uso dos
agroquímicos não definia o tipo de agricultura que hoje eles combatem. Fica evidente um processo
social de (re)definição de fronteiras e reinterpretação do passado a partir de um olhar produzido no
presente. É dizer, conforme Lascoumes (1994), que não existe nenhum projeto de ação pública
desenvolvido sobre um terreno “virgem”. Nesse sentido, ocorre o que este autor define como um
processo de transcodificação (transcodage) que é entendido como “l’ensemble de ces activités de
regroupement et de traduction d’informations et de pratiques dans um code différent”. A
agricultura ecológica é mais do que essa agricultura tradicional feita sem veneno. A agricultura
ecológica e convencional são expressões modernas de pontos de vistas edificados a partir das
disputas sociais pela construção da realidade social contemporânea. Processo esse que também faz
emergir novos sujeitos sociais.

A construção do agricultor ecologista

Na descrição dos processos que estiveram relacionados com a origem e a consolidação da ONG e
da associação de agricultores ecologistas apresentada anteriormente, sobressaem elementos que
apontam para uma transformação na forma de perceber a realidade por parte destes agentes.
Originada e alicerçada na relação entre eles estabelecida, essa transformação fez emergir um novo
sujeito: um sujeito que pensa a si próprio e o seu meio através dos ingredientes que conformam um
discurso normal que designa uma verdade e um agir correto. Nessa dinâmica é possível identificar,
inspirado em Foucault (2003: 8), “como as práticas sociais podem chegar a engendrar domínios

11
de saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas
também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de conhecimento”.
A introdução do discurso ecologista entre os agricultores, que é essencialmente promovida
por um grupo de mediadores sociais, efetiva-se logo nos primeiros contatos através da enunciação
da verdade positivada da ecologia fortalecida pela denúncia contundente do uso dos agroquímicos
na agricultura convencional. Com o propósito do convencimento e como componente desse
discurso, vale o impacto das imagens referentes às consequências do uso dos insumos químicos na
agricultura, apresentado na forma de um vídeo, como meio de sustentação à verdade da agricultura
que estão propugnando. Está em jogo fazer valer a posição de detentores de um saber legítimo que
vem revestido da formalidade proporcionada pelo título escolástico que ostenta. É o dizer
verdadeiro de um “tipo” de ciência que está encarnado no profissional e reconhecido pelos seus
interlocutores. Vale dizer que a expressão dessa verdade se amplifica na medida em que estes
mediadores passam a promover algo parecido ao que Foucault denominou de ortopedia social
(2003: 86). Ou seja, a partir da promoção de um acompanhamento cotidiano, tais mediadores vão
apontando os desvios presentes nas práticas desses agricultores – uso do agrotóxico, contaminação
do meio ambiente, intoxicação – e, dessa forma, vai edificando-se um novo sujeito forjado através
da normalização, punição e correção.
É notório o quanto este discurso vem carregado de um conteúdo moral que induz a um
sentimento de culpa e de responsabilidade entre os agricultores que estão no alvo de suas ações.
Em se tratando de agricultores que já trazem consigo um histórico de comprometimento com lutas
sociais relacionadas ao meio no qual vivem, o conteúdo deste discurso encontra um “substrato
bastante fértil”. Além disso, é possível identificar nesse posicionamento, caracteristicamente leigo,
adotado pelo mediador, a presença imanente de uma subjetividade peculiarmente religiosa. Essa
subjetividade religiosa permeia e circunda a enunciação e absorção desse discurso ecológico, no
sentido de que remete à lógica da culpa e conversão. Tal sentido de transformação ganha um maior
efeito na medida em que esta causa é revestida de um caráter religioso ao ser objetivamente
assumida por alguns agentes religiosos vinculados à Igreja Católica e, em consequência, dotados
de um forte poder simbólico naquele espaço social, como ficou evidente em alguns extratos de
entrevistas citados anteriormente.
Ao analisar as três fases que compõe a trajetória desta ONG, é possível apontar para um
processo de refinamento na forma como se fez conhecer e ampliar o seu poder sobre aqueles
agricultores. A fase denominada pelos mediadores de propriedade modelo é sintomático daquilo
que criará as bases da constituição e consolidação de um conhecimento que servirá, justamente, de
modelo a ser seguido pelos agricultores.

12
Na fase seguinte, estrutura-se um formato de ação que reproduz, fundamentalmente, aquele
promovido pelos mediadores do sistema oficial de extensão rural, caracterizado por ostentar as
credências que simbolizam o rito de instituição pelo qual passaram: “recomendação técnica
mesmo, por escrito, um bloquinho como se fosse de receituário, (...) no bloquinho tinha o nosso
CREA”. É o saber que gera poder. Vale acentuar, no entanto, que é contra este formato de
intervenção adotado pelo sistema oficial de extensão rural que estes mediadores constroem sua
legitimidade e sua identidade. Para falar de si próprio é imprescindível a recorrência à Emater
(Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), representante desse sistema oficial de
extensão rural:

Eu sei que aqui na ONG, os princípios que orientam são muito claros e
todas as pessoas que trabalham aqui têm claro os princípios e só trabalha
aqui quem quer cumprir estes princípios, e na Emater não, como é uma
empresa muito grande, mesmo em governos que reformule a política de
trabalho, lá na base mesmo, lá no escritório não necessariamente né?!
(Cecília – MS)

É onde pra mim a proposta de trabalho e as concepções de agricultura


mais fecham, porque se tu trabalhar, por exemplo, na Emater, já tem mais
dificuldades, a questão institucional, não fecharia tanto, até por questão
do próprio funcionamento da Emater(...). (Jorge – MS)15

A terceira fase caracteriza o momento em que assumem a pretensão de ir além de uma


transformação técnico-produtiva e passam a orientar suas ações para objetivos mais amplos
relacionados às múltiplas dimensões da causa ecológica. Ou seja, visam atingir não apenas a forma
de produzir, mas toda a visão de mundo que informa o tipo de vida estabelecido entre os
agricultores. Abaixo é transcrito um modelo de documento emitido pela ONG em conjunto com
outras duas organizações (integradas por agricultores ecologistas) que notificam a um agricultor os
procedimentos que devem ser adotados para que este permaneça vinculado à associação e seja
distinguido como agricultor ecologista e que, ao mesmo tempo, possa continuar contando com o
amparo técnico e organizativo da ONG. A emissão de documentos como este já não faz parte da
estratégia de abordagem do agricultor adotada pelos mediadores, mas, enquanto ocorreu, vários
agricultores foram notificados dessa forma e tal procedimento produziu efeitos que repercutiam até
momento em que esta pesquisa foi realizada, como ver-se-á mais adiante.

15
Como destacado por Neves (2008: 09): “Para que, no âmbito da assistência técnica, as práticas de
profissionais agregados por projetos convergentes alcancem institucionalização ampla e longa, é
fundamental que elas se construam por contraposições e se assentem em ações militante ou voluntaristas,
capazes de produzir as correspondentes adesões".

13
Decisão da Comissão Representativa
Processo da Propriedade 100% Ecológica

Prezado Agricultor
Assunto: Pomar de pêssegos manejado com agricultura química.
Na visita feita pela Comissão foi decidido que o pomar de pêssegos tem que ser
bem isolado do resto da propriedade.
O pomar deve ser considerado como uma outra propriedade rural, independente da sua.
Isso quer dizer que:

.A estrada de acesso ao pomar não pode mais passar por dentro da propriedade a
partir do início de outubro de 1998;

.É preciso fazer uma cerca fixa onde hoje há passagem da estrada na propriedade;
.Ao longo desta cerca que vai ser feita é preciso plantar 2 fileiras de capim Camerum
e mais uma fileira bem densa de eucaliptos, até a metade de outubro. As mudas de
capim estão disponíveis na ONG;

.Os equipamentos da propriedade não poderão ser usados para fazer pulverizações
no pomar de pêssegos.

.O manejo do pomar não pode ser feito regularmente por mão-de-obra de sua
família.

.Caso haja uma emergência de ter que auxiliar no pomar, o senhor deve,
obrigatoriamente, comunicar com antecedência ao Coordenador da Associação,
dizendo a data em que vai trabalhar e o trabalho que vai ser feito;

.Caso seja identificado que houve trabalho seu, da sua esposa ou filhos, no pomar,
sem esta comunicação prévia ao Coordenador, o senhor será automaticamente
desligado da Associação, não podendo mais comercializar seus produtos, mesmo
que tenham sido cultivados ecologicamente.
Essa decisão foi tomada para assegurar a não contaminação do que foi cultivado na
propriedade.
A Comissão também decidiu que caso o senhor não queira atender a esta determinação,
iniciará um processo do seu desligamento da Associação.
Acreditamos na sua dedicação em continuar seu trabalho com agricultura ecológica.
Atenciosamente,

Conselho...
COO...
ONG

..., 3 de agosto de 1998

Fonte: Arquivo ONG (reproduzido no formato e com os grifos do original, ocultadas informações identificatórias)

14
Apenas depois que tive acesso a documentos como este foi quando eu pude compreender, a
partir das entrevistas e conversas com agricultores e mediadores, a recorrência espontânea (de
forma direta ou indireta) ao tema da “propriedade 100% ecológica”. Foi apenas a partir daí que
entendi a repercussão e o significado dessa proposta na relação entre estes agentes.
Estava em questão não apenas o modelo de propriedade, mas o próprio modelo de vida a ser
seguido. A constituição de um discurso ideal em relação ao qual se elegia o “agricultor modelo” e
se corrigia através da punição aquele agricultor que infringia estas normas, produzia entre os
próprios agricultores “olhares” que insinuavam, ou mesmo apontavam de forma mais explícita, um
maior ou menor “grau de ecologismo”. Em certos casos o posicionamento já se caracterizava
previamente por uma postura defensiva que tratava de deixar claro as impossibilidades de ser
“100% ecológico”. A eficiência desta dinâmica está no fato de ela induzir a um processo de
vigilância e auto-vigilância da ação de maneira que seja evitada a infração antes da sua ocorrência.
Esta lógica alcança sua maior eficiência devido ao fato de que alguns dentre os próprios agricultores
(aqueles que chamo, mais adiante, de mediadores voltados para a comunidade) são chamados a
definir e aplicar a punição (juntamente com os mediadores da ONG) a partir de um processo
formalizado em um documento escrito que dê a conhecer todas as punições prevista para aqueles
que transgredirem as normas. Como salienta Foucault (1987: 143), “o sucesso do poder
disciplinador se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção
normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame16”.
As citações abaixo são exemplares do quanto esse discurso referente aos propósitos de se
constituir uma propriedade “100% ecológica” está presente na fala dos agricultores:

A nossa associação (referência ao núcleo da associação ao qual


pertencem), ela é 100%, é toda ecológica, não tem convencional no meio, o
que é ecológico é ecológico. Cem por cento é o modo de dizer, porque o
cara nunca é 100%, tu depende de comprar um negócio no armazém (...).
[Mas o que a gente planta é 100% ecológico]. (José e Isabel – AE, entre
colchetes está a fala de Isabel)

Então nós, aqui na nossa família, e tem mais famílias que é totalmente
ecológica [alimentação é outra história (...)] Não é, vamos dizer, 100%
porque é muito difícil, você não consegue, às vezes acaba comprando coisas
no comércio convencional que (...) sempre (ser) ecologicamente (correto)
implica em consumir só produtos ecológicos, tem o natural também que é
não consumir nada de produto químico. (João e Claudia – AE, entre
colchetes está a fala de João)

Estes dias nós conversamos, eu, a (minha esposa) e os filhos, fica com a
consciência pesada, sendo ecologista estou lá fazendo uma roça e
16
“O exame é a técnica pela qual o poder, em vez de emitir os sinais de seu poderio, em vez de impor sua
marca a seus súditos, capta-os num mecanismo de objetivação”. (Foucault, 1987: 156)

15
colocando veneno, é meio contraditório isto. Como é que eu vou caminhar
para os 100%. (Joaquim – AE)

Igual o meu marido, ele planta arroz, uma parte ele que planta para mim,
(...) é a família que cuida do arroz orgânico também, mas daí pra tu ser
100% ecológico é difícil até falar isso. Então eu estou indo porque eu peleio
muito, então no grupo que tu entra eles não querem que tu esteja nisto, né,
assim, esteja nos dois, às vezes dizem “ah, não pode”. (Lurdes – AE)

Nesse sentido, fica evidente o quanto esta carta de recomendações, apresentada


anteriormente, é emblemática de um processo que tenta normalizar o discurso ecologista. Mesmo
considerando as ressalvas em relação ao quão difícil é tornar-se um agricultor 100% ecologista, é
notório a onipresença desse discurso entre os agricultores e mediadores. Deve ser acentuado, em
relação a isso, que o efeito normalizador desse documento é potencializado devido ao poder que lhe
inspira ao considerar-se seu caráter formal.

Graças a todo esse aparelho de escrita que o acompanha, o exame abre


duas possibilidades que são correlatas: a constituição do indivíduo como
objeto descritível, analisável (...), para mantê-lo em seus traços singulares,
em sua evolução particular, em suas aptidões ou capacidades próprias, sob
o controle de um saber permanente; e por outro lado a constituição de um
sistema comparativo que permite a medida de fenômenos globais, a
descrição de grupos, a caracterização de fatos coletivos, a estimativa dos
desvios dos indivíduos entre si, sua distribuição numa ‘população’.
Foucault (1987: 158)

Assim, ao trazer à luz este processo de refinada “ortopedia social”, é possível perceber a
incorporação de uma dinâmica que remete ao que Foucault descreveu através da noção de
panoptismo: “uma forma de poder que se exerce sobre os indivíduos em forma de vigilância
individual e contínua, em forma de controle, de punição e recompensa e em forma de correção, isto
é, de formação e transformação dos indivíduos em função de certas normas” (Foucault, 2003: 103).
É estar sob uma constante vigilância “por alguém que exerce sobre eles um poder (...) e que,
enquanto exerce esse poder, tem a possibilidade tanto de vigiar quanto de constituir, sobre aqueles
que vigia, a respeito deles, um saber.” Ou seja, é notável que entre aqueles que aderiram à proposta
da agricultura ecológica se constituiu um conjunto de normas que ordena este novo saber, que dita o
“que é normal ou não, correto ou não, do que se deve ou não fazer” (Foucault, 2003: 88).
Ocorre propriamente a constituição de um novo sujeito, um sujeito que toma por referência
um novo tipo de conhecimento. São indivíduos enredados em uma trama de relações de poder que
está sustentado por uma nova forma de dizer a verdade sobre o tipo de agricultura e, para além
disso, sobre o próprio tipo de vida que deve ser adotado. Nesse sentido, é interessante notar que os

16
agricultores têm estado, nos últimos tempos, no centro das atenções de muitas agências
governamentais ou não-governamentais. O agricultor é tratado como um “indivíduo” que, a priori,
não tem muito a dizer, mas sobre quem muito se diz17. Num passado recente, o processo de
modernização da agricultura fez introduzir no meio rural uma avalanche de novas técnicas e
tecnologias e os agricultores passaram a ser rotulados conforme o nível de adesão a esse processo.
Quase que concomitantemente, nasce um discurso de contraposição com base em práticas
difusionistas semelhantes, é o caso das agriculturas alternativas. Nessa dinâmica, tanto a
convencional quanto a alternativa têm o mediador como um “engenheiro social” que busca, a partir
do seu poder, atribuir forma a este corpo social, como fica expresso por este mediador:

Hoje a coisa que mais me motiva o que que é? É ir lá na casa do agricultor


que não está fazendo nada e você ir orientando, conversando com ele,
trocando ideias, dali a seis meses tu vê que aquilo está engrenando, que ele
está produzindo ecológico, transformou toda aquela propriedade dele.
Aquilo que gratifica a gente, acho que hoje eu penso assim. O que mais
gratifica a gente é ver a transformação, tu ver a mudança ocorrer e tu saber
que você participou deste processo, que tu contribuiu para alguma coisa,
não digo com todos os elementos, mas alguns elementos tu conseguiu
agregar ali e acho que isto que me motiva e por isso que eu estou
trabalhando aqui. (Carlos – MS)

Outra constatação que pode ser depreendida de algumas falas é o fato de que os agricultores
ecologistas, ao estarem submetidos a este tipo de discurso e normas de comportamento,
desenvolvem um tipo de sentimento que os fazem se perceberem aprisionados a este modo de vida:
“mas também [a gente] não pode fazer nada pra impedir [o uso de veneno], porque infelizmente [o
agricultor convencional] é livre, né” (Cristiane – AE). Para os agricultores ecologistas, a liberdade
de ação está limitada por uma série de normas, o que significa que a “irregularidade” identificada
junto à prática daqueles agricultores convencionais encontraria uma punição imediata caso eles não
fossem “livres” (ou seja, fossem agricultores ecologistas). Esta ausência de liberdade é
potencializada pela proximidade física e moral entre estes agricultores que é estruturada a partir da
vivência em comunidade. Tal configuração permite uma constante “vigilância” entre todos, o que
induz a um “disciplinamento” que, por sua vez, se reproduz em uma “auto-vigilância” e “auto-
disciplinamento”. Com esta outra citação, tal análise nutre-se de evidência ainda mais contundente:

Já convidei esse meu cunhado que esteve aqui agora (...) já convidei ele
várias vezes, ele disse que não entra porque o cara tem que seguir muito na
linha, o cara não se sente livre, tu tem que ir em reunião, tem que participar
de assembléia, tu tem que... Então ele acha que não, trabalhar em grupo

17
Sobre isso, veja Bourdieu (1977).

17
não dá certo, ele não tem uma consciência ainda correta pra trabalhar em
grupo. (...) Então não há nenhuma dificuldade do ponto de vista
tecnológico? Não, ele tem vindo aqui até, buscar remédio que eu faço,
emulsão pras lavouras (...) ele se cuida muito pra não botar veneno, tem
bastante consciência. O trabalho dele só não é 100% ecológico (...) porque
ele ainda está livre, ele não se preocupa (...) tem a clientela dele na feira de
Torres, (...) não são aquele pessoal de dizer “não, eu só compro se for
ecológico”. Mas imagino que cedo ou mais tarde esse povo, com certeza,
vão optar por um produto natural e aí quem sabe se ele muda 100%. Então
pra ser ecologista precisa ter essa consciência de grupo? Tem que ter, esse
é um fator que eu diria quase principal, porque trabalhar ecologicamente
(...), eu acho que todas as pessoas têm que ser representadas por um grupo,
por uma entidade (...). (Manoel – AE)

O indivíduo deve converter-se não apenas à prática da agricultura ecológica, mas também às
normas de convivência coletiva. As normas de produção não representam grandes dificuldades, mas
submeter-se às exigências contidas na convivência em um coletivo é sentido como um forte
obstáculo. Aqueles que se submetem a um determinado grupo estão expostos aos rigores de suas
regras mas, ao mesmo tempo, acessam os benefícios de tal devoção. É dizer, juntamente com Elias
e Scotson (2000: 26), que:

A participação na superioridade de um grupo e em seu carisma grupal


singular é, por assim dizer, a recompensa pela submissão às normas
específicas do grupo. Esse preço tem que ser individualmente pago por
cada um de seus membros, através da sujeição de sua conduta a padrões
específicos de controle dos afetos.

Nesse sentido, o discurso do agricultor citado acima expõe o seu próprio ponto de vista em
relação ao seu modo de ser enquanto agricultor ecologista (uma auto-análise) e expõe, ao mesmo
tempo, o ponto de vista do vizinho (e do parente), que vê os agricultores ecologistas como
exageradamente rigorosos em suas práticas. A expressão “o cara tem que seguir muito na linha”
indica a rigidez que caracteriza a estrutura na qual estão inseridos. Tem que participar de reuniões,
assembléias, cursos, vender diretamente na feira, produzir seguindo todas as normas recomendadas,
enfim, são muitos os critérios que são observados e controlados quando se nomeia um agricultor
“100% ecologista”. A unidade desses critérios é notada na convergência entre os discursos do
agricultor e do mediador no que se refere, por exemplo, à exigência de pertencer a uma
organização18 como um critério definidor do agricultor ecologista e como pré-requisito para o
estabelecimento de relações com a ONG, como fica evidente na fala deste mediador:

18
Também notado em Neves (2008:.8) e Cowan Ros (2008a: 107).

18
Tem que ser em grupo, nós não trabalhamos com agricultores individuais.
E os agricultores individuais que se aproximam de vocês? Pode vir aqui,
fazer algum curso, receber alguma visita, mas não (...) ele teria que entrar
num grupo (...) a assessoria não trabalha com agricultores individuais.
(Cecília – MS)

Fica evidente que o trabalho em grupo potencializa o discurso ecologista e amplifica o poder
disciplinador e a regulação dos desvios em um universo de controle maior. Ao se falar a partir e
para o grupo, as falas e os protestos individuais ficam diluídos e ampliam-se os espaços e os
mecanismos de controle e punição. É dizer que a imagem unitária do grupo é construída ao custo de
um rigoroso acompanhamento e controle individual sob responsabilidade de todos. Nesse mesmo
sentido, o potencial de controle é ainda maior na medida em que se confere poder a certas
lideranças locais, que se situam numa posição que pode ser entendida a partir da definição dada por
Wolf (1971) de mediadores voltados para a comunidade. Ou seja, estes agentes constituem-se em
um importante canal entre os grupos ou associações de agricultores e os mediadores da ONG. São
elos de grande significado na manutenção da coesão dessa cadeia de relações e, portanto, são
tratados com especial atenção pelos mediadores – voltados “para a nação”, conforme Wolf (1971).
O poder reconhecido dessas lideranças locais aliado ao poder do mediador social vinculado à ONG
criam e regulam as fronteiras que dividem o que é ecológico do que não é, o que produz um efeito
de verdade que normaliza aquele espaço social no qual se estabelecem tais relações. Um exemplo
modelar apresentado anteriormente refere-se ao “processo da propriedade 100% ecológico” que
esteve presente na fala de quase todos os agricultores entrevistados, seja para se defender ou para
ostentar e acusar. Daí emerge uma situação na qual se verifica um certo controle dissimulado (ou
não) entre os agricultores. Ao mesmo tempo, faz eclodir uma notável disputa pelo reconhecimento
da qualidade de agricultor ecologista “pleno”, que apontava ou subentendia a existência daquele
agricultor “insuficientemente” ecologista.

Interdependência e resistência

As análises construídas até aqui buscaram explicitar a relação de poder estabelecida entre
mediadores sociais e agricultores ecologistas apresentando evidências empíricas de como o trabalho
da ONG busca constituir, através de certos mecanismos e juntamente com alguns destacados
agricultores ecologistas, sujeitos que se pensam e atuam como “ecologistas”. Reconheço, no
entanto, que explorei apenas uma via dessa relação, aquela na qual os agricultores estariam
“sujeitados” por um discurso normalizador produzido, em grande medida, pelos mediadores sociais.
Ainda que ela seja uma via importante no sentido de expor a produção de significativos efeitos na

19
realidade social analisada, como tentei demonstrar, ela não é a única e nem se aplica a esse caso a
“metáfora da reação da esponja na água” (Neves, 2008: 36).
Como reconhece Foucault, todo poder gera resistência. E, ainda que este autor não tenha se
dedicado – proporcionalmente aos seus estudos sobre o poder – a compreender as manifestações
dos processos de resistências, a realidade pesquisada evidenciam-nas. Na parte que segue, portanto,
colocarei em destaque algumas das estratégias de resistência geradas na relação entre agricultores
ecologistas e mediadores sociais a fim de melhor compreender como se consolidou tal relação que
tem por base um processo de interdependência permeado por disputas, relações de poder e
resistência.
Em uma relação, como é o caso dos agricultores ecologistas e os mediadores sociais, na qual
a estrutura e o volume de capitais dos agentes que a constituem são tão diferenciados com uma
acentuada assimetria estrutural, cabe o questionamento do porquê dessa relação assimétrica se
sustenta na forma de uma aliança tão duradoura. Em outros termos, diante do que foi discutido em
torno à relação de poder entre estes agentes, o que está determinando a manutenção dessa relação
tão orgânica?
Inicialmente, deve ser salientado que na relação entre o agricultor ecologista e o mediador
social ocorre o que Bourdieu (1998b; 1998a) denominou de homologia estrutural de posições. Tal
conceito aponta para o fato de que ambos agentes estão em posição de dominados em determinados
espaços sociais nos quais atuam. Ou seja, os mediadores e os agricultores referidos neste artigo
também agem em outros espaços sociais hegemonizados por outros agentes. Vale dizer, de forma
mais específica, que os mediadores organizados em torno da “agroecologia” estão na condição de
dominados no “campo tecno-científico”, no qual uma ciência “normal” vinculada ao setor privado
tem maior expressão e poder19. Dentre os agricultores, estes ocupam uma posição periférica no que
se poderia delimitar, heuristicamente, “campo da agricultura” no qual a forma convencional de
produção altamente tecnificada é dominante (atualmente chamada agronegócio). Nesse sentido, os
agricultores ecologistas encontram maior amparo nos técnicos das ONGs e, por sua vez, estes
técnicos encontram maior repercussão de suas posições entre tais agricultores.20 Considera-se esta
uma informação basilar para compreender como se origina e se consolida tal relação e é tomando-a
como um pano de fundo que as análises a seguir serão construídas.
O questionamento acima apresentado enseja algumas observações com respeito ao início
dessa relação, que devem ser aqui retomadas. Originalmente, os agricultores ecologistas, atualmente
organizados numa associação, e os mediadores sociais, vinculados à ONG, viram-se na presença

19
A constante referência à Emater, como anteriormente salientado, é um indicativo da sua condição de
dominados frente a este e outros agentes sociais desse campo.
20
Acentua-se que esse tipo de “solidariedade orgânica” ocorre tanto entre os dominados quanto entre os
dominantes.

20
um do outro devido à conjunção de diversos fatores internos e externos a cada um dos grupos. Mais
do que entrar nos pormenores destes fatores, interessa, mais propriamente, perceber que tal relação
se constituiu e foi potencializada devido a que estes agentes se viram inseridos em um emaranhado
de outras relações, formando uma rede que se fundamenta em um quesito imprescindível que é o da
confiança. Um exemplo simples, porém, bastante ilustrativo dessa constatação, pode ser destacado a
partir dessa citação:

A gente nunca foi ofertar, sempre foi chamado por um padre, nunca fizemos um trabalho
de articulação, de formiguinha, de ir numa comunidade, a gente não tem essa identidade
no município de fazer esse papel, a gente não vai visitando um por um como a Emater que
é o órgão oficial (...). (Cecília – MS).

Depreende-se dessa citação que a ONG, por não ter atualmente essa característica própria da
extensão rural oficial, somente chegou até os agricultores em função de haverem sido chamados por
um padre. Da mesma forma, os agricultores são unânimes em reconhecer o importante papel que
cumpriram certos padres para que ingressassem na relação com a ONG e assumissem a identidade
de agricultor ecologista. Tal relação somente se efetivou devido a os agricultores depositarem sua
confiança nos padres e estes, por sua vez, na ONG. Estes padres, portanto, destacam-se como elos
importantes no processo original dessa relação. Obviamente que outros agentes e elementos estão
envolvidos nessa trama, mas com este exemplo fica evidenciado aquilo a que se está referindo, ou
seja, a relação somente se processou devido à ocorrência de certos fatores, como no exemplo citado:
a existência de um agente confiável e influente que promovera a ponte para que os referidos agentes
se encontrassem e se relacionassem.
Confiança é um termo que é empregado com certa frequência nos dias atuais, seja pela
sociologia, seja pela economia. Referenciando-se em Gambetta, Locke (2001: 258) oferece uma
definição de confiança que satisfaz parcialmente a forma como está sendo empregado aqui tal
conceito:

Confiar em uma pessoa significa acreditar que, uma vez oferecida a chance ela não se
comportará de forma a nos prejudicar.Confiança, nessa definição, é situacional e/ou
relacional, algo que se desenvolve entre dois ou mais atores em um contexto ou
relacionamento particular.

Esta definição deve ser complementada no sentido de dar-lhe uma dimensão histórica e
clarear um pouco mais este componente relacional. O processo de estabelecimento da confiança
concretiza-se e/ou consolida-se (ou não) ao longo de um período de convivência e de observação.
Poderia dizer-se que a confiança se consolida na medida em que ocorre um ajustamento entre as
expectativas dos agentes envolvidos. Deve ser dito, da mesma forma, que o estabelecimento da

21
confiança não se dá sem que haja um ajustamento entre as lógicas individuais e as regras impostas
pelo espaço social.
Num primeiro momento, esta confiança está depositada em algum integrante da rede que,
por sua vez, irá propiciar as bases para a construção da confiança num terceiro. Esse processo não
se efetiva sem que haja disputas e alianças ou, mais amplamente, relações de poder. Isto significa
que o estabelecimento da confiança se desenvolve a partir da conjunção de diversos elementos
(simbólicos e/ou materiais) a partir dos quais emerge e se estabelece a relação. Ou seja, não é
qualquer agente que desempenhará uma suficiente influência sobre outros agentes de forma a
produzir um efeito de confiança. Talvez por isso mesmo é que a presença dos padres tenha sido tão
importante na origem e na constituição da relação entre os agricultores atualmente ecologistas e a
ONG. Devido ao contexto no qual se dá tal relação, qual seja, um ambiente rural onde
historicamente os agricultores desenvolveram uma destacada religiosidade, é facilmente notado o
acentuado poder simbólico destes padres. Aliás, o capital simbólico, “que es la modalidad
adoptada por una o otra (...) especies cuando es captada a través de las categorías de percepción
(...) que desconocen el carácter arbitrario de su posesión y acumulación” (Bourdieu, 1995: 81), é o
principal bem do qual se nutre a existência de tais agentes religiosos. Portanto, falar de confiança
requer uma análise das relações que a geram e, portanto, situá-la histórica e relacionalmente.
De posse do que foi exposto acima, conclui-se que a rede21 que vai se formando entre os
vários agentes, na qual cada integrante “avaliza” o outro, constituiu o ambiente propício a partir do
qual nasceu e se consolidou a relação que se está analisando. Aliás, para analisar a relação entre
diferentes indivíduos, muitos autores incluem um outro conceito, também na “moda” entre os
sociólogos e, principalmente, entre os economistas: capital social. Motivo de uma intensa disputa
teórica22, alguns autores propõem que o capital social é um produto da confiança e utilizam-no,
nessa conjunção, numa perspectiva eminentemente instrumental23. Porém, sem adentrar nos
meandros desse debate bastante prolixo, entende-se aqui que o capital social deve estar situado
frente à constatação de que “formações sociais são estruturas complexas que não podem ser vistas
como meros produtos do planejamento, mas sim resultam de construção social ao longo de
processos históricos de colaboração, competição e conflito” (Maciel, 2001: 285). Neste sentido, a
definição de capital social que melhor se ajusta a esta compreensão é aquela definida por Bourdieu,
primeiro autor a valer-se desse conceito nas ciências sociais, como sendo:

21
Para uma melhor compreensão desse tema, especialmente por constituir um estudo sobre as redes nas
quais estão inseridos a ONG e os agricultores ecologistas abordados nessa dissertação, ver Schmitt (2001).
22
Para um bom panorama dessa disputa, ver Cowan Ros (2003: cap. I). Veja também Putnam (2005) como
referência ao uso instrumental da noção de capital social e Kliksberg e Tomassini (2000) compiladores de
vários trabalhos sobre capital social e cultura que vão de uma perspectiva mais próxima a uma “engenharia
social” até posições mais crítico/ analíticas.
23
Exemplo dessa conjunção pode ser verificado em Locke (2001).

22
La suma de los recursos, atuales o potenciales, correspondientes a un individuo o grupo,
en virtud de que éstos posseen una red duradera de relaciones, conocimientos y
reconocimientos mutuos más o menos institucionalizados, esto es, la suma de los capitales
y poderes que semejante red permite movilizar. (Bourdieu, 1995: 82).

A definição acima proposta dá conta de expressar com certo grau de complexidade, indo
além das noções utilitaristas, o que vem a ser o capital social que um agente ou conjunto de agentes
adquire. É uma espécie de capital que, aliado às demais espécies, se transforma em uma expressão
maior que é o próprio poder. O capital social dos agentes envolvidos nessa rede é o que fará
potencializar e dinamizar a relação que se consolidou entre os agricultores e os mediadores. Pode
dizer-se, portanto, que o capital social é gerado na medida em que as relações de confiança se
estabelecem, criando as condições para que este recurso seja produzido nesta rede de relações.
Convém ressaltar que isto não significa qualquer tendência à estabilização das relações num
patamar de simetria; ao contrário, o capital social é mais um ingrediente no jogo de poder que se
verifica tanto entre os agentes aliados nesta rede quanto com aqueles com os quais estabelece uma
oposição mais explícita. Portanto, não se pode deduzir a priori que, dadas as condições para uma
“riqueza” de capital social e confiança, haverá, linearmente, uma evolução positiva no sentido do
desenvolvimento ou no sentido da promoção de benefícios sociais ou econômicos24, individual ou
coletivamente.
Estes elementos aqui discutidos auxiliam na compreensão do porquê de essa aliança entre
mediadores e agricultores ser tão duradoura. Por mais conflitiva que em certos momentos tal
relação possa ser, ela efetiva-se num espaço social onde a recompensa, com vista à qual o jogo
social se desenrola, interessa aos agentes aqui tratados. Da mesma forma, estes agentes
estabeleceram um processo de confiança mútua que não está totalmente regido por um balanço
estratégico do que tal rede de confiança irá conferir-lhe em termos de vantagem. Há um processo de
confiança que raramente é questionado e, mesmo os questionamentos não chegam a abalá-lo. O que
não significa, vale repetir, uma devoção cega ao outro e uma ausência de disputas. A confiança
assentou-se sobre esta relação (agricultores ecologistas e medidores sociais) ao longo do tempo e a
desconfiança inerente ao inicio de qualquer relação deu lugar a um processo no qual não está em
jogo as suspeitas pertinentes originalmente. É na configuração de tal relação que o capital social se
potencializa e passa a ser mobilizado para ascender a melhores posições no jogo social estabelecido.
O capital social, no sentido aqui utilizado, é um recurso simbólico que dinamiza a forma
interdependente segundo a qual está configurada a relação estudada. Em certa medida, a posse de
um significativo volume desse capital faz que os indivíduos ou grupos se sintam presos com maior

24
Veja-se, nesse sentido, a discussão profundamente crítica proposta por Rist (2000).

23
força a esta teia de relações da qual fazem parte. Nesse sentido, o que está argumentado
anteriormente apresenta as bases para concluir que a relação entre os agricultores ecologistas que
estão organizados na Associação e os mediadores sociais vinculados à ONG se sustenta devido a
esse processo de interdependência enriquecido pelo capital social gerado nesta relação. Ou seja,
cada um de seus pólos nutre-se daquilo que o outro pode oferecer. Sendo assim, ao fazerem parte
de uma rede constantemente em construção, também estão em um processo de interdependência
com outros agentes. É dizer que estão presos nessa teia de relações, cujo sentido se estabelece a
partir de uma relação de forças interna e externa e é construída e reconstruída conforme a
configuração resultante da interação dos agentes ali envolvidos.
Esta interdependência é o que dá cimento a esta relação e as demais que compõem esta rede.
Dessa forma, os agricultores ecologistas oferecem legitimidade aos mediadores sociais e estes, por
sua vez, criam as condições práticas e simbólicas para a reprodução social destes agricultores e para
serem reconhecidos como o que são. Em outros termos, a ONG somente será reconhecida e
exercerá influência nos espaços por onde circula e estabelece suas alianças e disputas, se carregar
consigo o capital simbólico acumulado pelo reconhecimento de sua legitimidade enquanto
representante de um significativo contingente de agricultores. Do mesmo modo, os agricultores
serão reconhecidos como ecologistas e ganharão destaque para além de sua localidade na medida
em que estiverem aliados à ONG. Veja o comentário desse agricultor:

A ONG já tem um nome que facilita bastante pra nós, pra nós realizar este
trabalho que a gente vem realizando. Pra nós eu acho que sem a ONG eu
até não vejo como que a gente poderia ter oportunidade de se organizar e
fazer com que a gente chegue até onde nós já chegamos. (Manoel – AE)

Esse reconhecimento por vezes ganha uma certa expressão e sentimento de dependência
como fica claro nesse outro comentário:

A Associação ficou muito dependente da ONG e está perdendo um pouco da


autonomia e não é culpa dos técnicos, na verdade parece que a gente se
deixou acomodar. (...) Quando foi pra fazer o projeto do PDA (Projetos
Demonstrativos), foi os técnicos que montaram todo o projeto, claro que
eles têm mais conhecimento que a gente, se fosse pra mim, por exemplo,
sentar e elaborar o projeto, não sei se ia sair alguma coisa, eles também têm
mais acesso a informação, têm internet, têm telefone, têm fax, têm como
acessar essas informações, então facilita pra eles. Não sei até que ponto é
bom e até que ponto é ruim. (Cristiane – AE)

Tal processo efetiva-se, especialmente, pelo fato de estes mediadores sociais atuarem
“justamente fazendo contato entre esse grupo local e o mundo de fora, transpondo barreiras

24
geográficas e simbólicas” (Velho e Kuschnir, 1996: 101). Isto quer dizer que a ONG, na figura de
seus mediadores, tem seu sentido de existência justificado na medida em que cumpre tal papel e
acentua sua imprescindibilidade em relação aos que assiste25. É dizer que a legitimidade que emana
dos agricultores faz que a ONG se enriqueça em capitais simbólico e social frente aos variados
espaços sociais por onde circulam, da mesma forma que os mediadores enriquecem os capitais
simbólico e social desses agricultores.
Neste sentido, ainda que se verifique um relacionamento tenso e conflitivo que se exacerba
em determinados momentos, está demonstrado que tal tensionamento não chega a representar riscos
de um possível rompimento a curto prazo. É sempre preciso estar atento para aquilo que Wolf
(1971) chama a atenção: o fato de que estes mediadores devem manter “estas tensões sob controle,
para que o conflito não escape da mão e melhores mediadores tomem seu lugar”.
Esse processo de interdependência também toma por alicerce o discurso ecologista que
modela e delimita as fronteiras da relação que estabelecem. Significa considerar que esta relação de
interdependência se constrói e se consolida tomando por base o pressuposto normalizado a partir do
qual todos se reconhecem e a partir do qual estão pensando suas próprias ações e as ações dos
demais. É um discurso unificador, por assim dizer. Mas é nos contextos práticos – nos quais esta
interdependência se realiza – em que ficam evidentes as formas de resistência a esse discurso
normalizador, mesmo que tal discurso esteja, como já apontado, informando suas práticas.
Alguns contextos criam situações, empiricamente exemplares, de como esses discursos se
realizam produzindo reações diferenciadas. Um desses contextos pode ser caracterizado pelas
muitas reuniões a que são chamados a participar, que também define uma situação que é muito
comum a estes agentes e que pode ser compreendida a partir do predomínio de uma “lógica
participatória”. Outros contextos exemplares estão definidos por relações diádicas entre agricultores
e mediadores ou contextos coletivos conduzidos predominantemente por agricultores. A seguir
analiso contextos como estes.
A ONG que pesquisei é uma organização que se reivindica participativa e que, por sua vez,
está inserida em uma rede de ONGs que também enfatiza a participação em sua organização e em
seus eventos. Valorizar a participação dos agricultores constituiu-se numa marca metodológica
apontada para se contraporem ao formato dos eventos que eram promovidos pela Emater, por
exemplo. De fato, é notória a predominância dos agricultores nestes espaços organizados por um
conjunto de mediadores vinculados à rede de ONGs, da qual a ONG pesquisada fazia parte. Mas,

25
“A compreensão do contexto político e cultural de construção de arenas de articulação dos mediados
funda-se no reconhecimento das diferenciações de posições sociais. É pela produção da diferença que se
consagra o pressuposto de que o mediado não pode se constituir em portador de um projeto político
próprio. Depende assim de alianças com outros agentes que se apresentam como portadores de intenções
de construção de comunhão de interesses, que se apresentam como capazes de formular sistematicamente
as demandas e como porta-vozes da crença na eficácia e na legitimidade da proposição”. (Neves, 2008: 36)

25
em que pese a predominante participação dos agricultores ecologistas, fica marcante a desproporção
de intervenções discursivas (e resolutivas) dos mediadores em relação a estes. Ou seja, os
agricultores participam mais na condição de plateia do que na condução das discussões e decisões.
É comum verificar-se, após as várias intervenções dos mediadores e lideranças, a finalização da
discussão de determinado tema solicitando que algum agricultor faça uso da palavra para, dessa
forma, reforçar a ideia de que ali vigora um ambiente participativo. Em um desses eventos, do qual
pude participar, que reunia mediadores de várias ONGs, agricultores e representantes dos
consumidores, um determinado mediador que estava coordenando uma das mesas de discussão fez
o seguinte chamado: “eu não ouvi os agricultores, até agora eu ouvi os técnicos e representantes
dos consumidores, eu quero ouvir três agricultores”. Atendendo a este chamado, quatro
agricultores, já acostumados a intervir, fizeram uso da palavra. Dois deles exigiram maior rigor em
relação ao acompanhamento das propriedades ecológicas – expondo, dessa forma, um discurso
marcado por uma carga disciplinar e disciplinadora, muito semelhante a discursos proferidos pelos
mediadores naquela ocasião. Mesmo diante dessas intervenções, o que em geral se verifica é que os
tensionamentos e as disputas mais acirradas em relação a algum tópico controvertido ocorrem entre
os próprios mediadores ou, com menos frequência, entre mediadores e agricultores com status de
liderança, os quais denominei aqui de mediadores voltados para a comunidade.
O que se observa, por um lado, é que grande parte das discussões que são promovidas, são
realizadas não só para satisfazer um exercício retórico de certos mediadores, mas também para
estabelecer disputas entre os próprios mediadores e, sobretudo, para adquirir (tanto os mediadores
como os agricultores líderes) capital simbólico (nomeadamente, um capital político). Por outro lado,
o mercado linguístico acionado nestes eventos coloca os agentes em situação de acentuada
assimetria. Aquele que “fala bonito”, que apresenta maior desenvoltura em tal espaço, exercerá um
poder simbólico sobre os demais, que irá consistir exatamente numa atitude de renúncia à fala por
parte daqueles que não detêm o capital linguístico ali valorizado. Assim, “não só há pessoas que
falam bem mais do que outras, como de maneira geral são sempre as mesmas. Os dirigentes
organizam reuniões com a intenção de promover a participação de todos, mas acabam promovendo
a visibilidade de alguns” (Comerford, 1999: 63). Para acumular esse tipo de capital, valioso nesse
espaço, demandaria-se incorporar uma série de códigos que por ali circulam e fazem que aqueles
que discursam com desenvoltura se sintam como “peixes dentro d’água”. A trajetória do agente faz
inscrever no seu habitus as marcas que lhe dificultam ou facilitam tal empreitada.
Isto aponta, em certa medida, para a constatação de que nem sempre a totalidade da autoria
da palavra dita corresponde àquele que a proferiu. Muitas vezes, pela palavra do agricultor fala o
mediador, a liderança local, o consumidor, “enfim, ouve-se a voz de discursos poderosos, que
impregnam e fazem desaparecer a possibilidade de um sujeito singular que fala” (Costa, 1995:

26
130). Mas o que se verifica é que, apesar da hegemonia de um discurso que é construído pelos
agentes mais poderosos desse espaço social, isto não elimina a singularidade da fala de outros
agentes, mesmo quando são notadas as evidências desse discurso poderoso. Comerford (1999), em
suas observações, destaca que se essas pessoas, ao falarem,

tiverem sucesso, o “público” pode passar a se reconhecer cada vez mais


nelas e naquilo que elas falam. Em alguns casos, se a pessoa tiver
realmente sucesso em suas apresentações, suas frases passarão a ser
reapropriadas no cotidiano, por membros do público, tornando-se moeda
corrente nas conversas. (Comerford, 1999: 66)

Portanto, deve-se considerar mais uma vez que o agente traz sua distinção marcada em seu
habitus e, por isso, por mais que se assimile o discurso dominante naquele espaço social, o seu
discurso nunca será uma reprodução, mas sim uma reapropriação e uma hibridação.
Quando se incorporam os códigos deste espaço, assimilando o discurso hegemônico, estes
agricultores são alçados a uma posição de considerável destaque e se tornam referências exemplares
na relação estabelecida com os demais agentes, especialmente aqueles atuantes em outros espaços
sociais. Este agricultor, portanto, aumenta a sua dotação de poder. Entretanto, este comportamento
também tem um efeito de magnificar o próprio poder desses mediadores, uma vez que os discursos
construídos por estes são escutados na fala dos agricultores. Nunca é demais lembrar que tal fala
carrega um discurso que é híbrido, porque é construída conforme a racionalidade do agricultor. De
qualquer forma, nestes espaços de participação é improvável que se ouça alguma voz destoante
daquilo que historicamente se construiu como discurso legítimo para o referido espaço.
O que deve ser considerado, acima de tudo, é que não é naquele espaço que se efetiva a
reprodução simbólica e material da maioria dos agricultores. Ou seja, a illusio, que rege boa parte
destes espaços e que garante a “emoção” de um jogo disputado intensamente, tem nos agricultores
ali presentes muito mais uma “plateia” (ou “torcida”) do que aguerridos jogadores. Pôde verificar-se
que não há reflexos imediatos e significativos sobre as práticas cotidianas do agricultor as
cansativas discussões levadas a cabo nestes eventos (para além do que é necessário para lhe garantir
o título de ecologista). Ou seja, o agricultor está sempre apoiado numa economia das práticas e,
nesse sentido, em sua visão não há nenhuma lógica em adentrar nesse jogo onde o exercício da
retórica é o que predomina. Mesmo que discursos inflamados atentem contra o uso de determinadas
práticas importantes no processo produtivo conduzido pelos agricultores26, estes não estabelecerão o
contraponto valendo-se da mesma lógica discursiva, uma vez que seu discurso não carrega o poder
simbólico do qual está instituído o mediador. Tampouco lhe é favorável o contexto. Por isso, o

26
Como exemplo verificado, um mediador em tom de discurso político e moral criticava fortemente o uso de
cama de aviário e sementes híbridas, entre outras práticas.

27
contraponto efetivará-se em seu meio, ou seja, nos limites de sua propriedade ou no grupo de
agricultores onde o contexto e as alianças lhe atribuem um poder diferenciado. Em grande parte das
vezes, a contraposição dá-se no nível prático, ou seja, na realização do que seja factível e no
descarte daquilo que não consideram relevante, sem despender “grandes energias” com tais
discussões. O silêncio, portanto, não significa ausência de ação. Além de esta se efetivar de outras
variadas formas, o próprio silêncio pode consistir em uma ação. Veja este interessante relato:

Olha, em geral o agrônomo da Emater e aqui [da ONG], eu vejo assim ó:


eles vão visitar minha lavoura, eles entendem bastante só que eu agricultor
entendo bastante também, ele vai dar a ideia de uma planta que não está
bem, ele vai dar a ideia dele, se condiz com a minha, eu vou balancear, se a
ideia dele é boa eu vou fazer, se a ideia dele não condiz, a minha é boa
também..., claro que eu não vou dizer para ele que é ruim a ideia, só que
muitas vezes (...) ele pode me dizer uma coisa para fazer e eu já fiz a
experiência, que a forma de trabalhar não é muito adequada com aquela
planta da minha região lá. (...) Mas, então, o agricultor tem muita visão do
que precisa uma planta, então os técnicos são ótimos para um monte de
coisas, mas o agricultor também entende bastante de planta. (José – AE)

Como fica evidente a partir dessa fala, o silêncio é uma estratégia de resistência àquilo sobre
o qual o agricultor não tem concordância. Assumir um contraponto discursivo que evidencie sua
discordância em relação à proposição do técnico não lhe parece adequado, pois seu conhecimento,
que está baseado em sua experiência prática, não teria o poder de convencimento frente ao dizer
referenciado em uma formação escolástica. E, é claro, a própria figura do técnico carrega elementos
notáveis (baseada em sua formação, pertencimento à ONG e mesmo na forma de vestir-se e
apresentar-se) que impõem uma distância “social” entre ambos. O mais eficiente é usar o poder que
dispõe sobre sua propriedade e ponderar a aplicação de um conhecimento que pode integrar a
proposição técnica, mas sua experiência prática será a “lente” a partir da qual vislumbrará a
pertinência daquilo que lhe é apresentado. Nota-se, portanto, que em uma relação diádica e mesmo
aquelas coletivas em contextos favoráveis aos agricultores, o tipo de relação é definido em outros
termos.
Já os eventos coletivos (reuniões, encontros) assumem uma importância significativa para os
mediadores sociais e para suas organizações. São nestes espaços onde se celebra o poder de
mobilização de suas bases e onde se expõe, de uma forma protegida pelo contexto, as disputas que
são e serão travadas. Isto verifica-se quer de forma explícita quanto tácita, quer coletiva quanto
individual. Certos discursos são repetidos a todo tempo, criando um ambiente de unanimidade para,
em seguida, converterem-se em questões indiscutíveis.

Conclusão

28
No estabelecimento da relação entre os agricultores ecologistas e os mediadores sociais, é
considerável que estes últimos exerceram grande influência na instituição deste discurso que agora
se percebe incorporado pelos agricultores. Este processo esteve fundamentado em estratégias (não
totalmente conscientes) de disciplinamento que tinham por base levar, juntamente com a formação e
informação, a punição. Portanto, o forte investimento na construção de uma forma diferenciada de
fazer-se agricultura e de posicionar-se em relação ao meio em que vive também fez construir um
novo sujeito que agora pensa a si mesmo e aos outros conforme as reformulações conceituais que
promoveu e que gera efeitos em sua própria visão de mundo.
No entanto, o agricultor ecologista não se constitui de forma unitária e totalmente coerente.
Como salientado por Hall (1998: 13), “a identidade plenamente unificada, completa, segura e
coerente é uma fantasia”. Assim, ainda que possa ser afirmado, sem exagero, que a prática
cotidiana desse agricultor está bastante referenciada nos aspectos relacionados às normas de seu
ofício, que tiveram de ser incorporadas para receber o título de agricultor ecologista, a visão de
mundo deste indivíduo carrega outras múltiplas facetas que são alimentadas por múltiplas relações
sociais que são estabelecidas com a família, vizinhos, comunidade, mercado, etc.
Da mesma forma, devo ressalvar que as intenções presentes na fala do mediador social aqui
analisado – que nasce revestida de poder – não ocorrem num vazio social. O poder é sempre
relacional. É dizer que não existe poder sem resistência. Nesse sentido, o que nasce dessa relação
entre mediadores e agricultores ganha um formato que só pode ser reconhecido levando-se em conta
as diversas marcas da resistência, das disputas e da ressignificação. Foi em consideração a este
aspecto que na última parte desse artigo eu busquei trazer elementos para compreender a relação de
confiança que se estabeleceu entre estes agentes e “descer” a contextos práticos para trazer à tona
aspectos cotidianos que, mesmo pautados nos pressupostos de um discurso ecologista, encontram
linhas de fuga recusando sua total captura pelas linhas molares (conforme Deleuze e Guattari,
1996), linhas a que estão submetidos enquanto sujeitos ecologistas.
Esta complexa relação aqui analisada, estabelecida em um plano “microsocial”, possui vias
de penetração através das quais são introduzidos elementos mais fortemente presentes nas
dinâmicas “macrosociais”. Como ficou evidente, os mediadores desempenham função importante
no desenvolvimento dessas vias de inter-relação entre tais dinâmicas. Nesse sentido, a construção
de um sujeito ecologista efetiva-se a partir de questões que estão se constituindo também em outros
planos sociais relevantes aos mediadores. É importante reafirmar, nesse sentido, que os agentes
pesquisados estão inseridos em um espaço social contestatório a partir do qual formulam suas
posições frente aos temas locais e globais. Estão constantemente se demarcando das posições
dominantes social e politicamente e buscando constituir-se enquanto alternativas viáveis do ponto

29
de vista produtivo e político. Conforme salienta Sader (1988), apesar das proposições relativamente
ingênuas em relação à realidade social “a prática desse confronto de informações, avaliações e
propostas está ligada a ações que visam mudar a realidade tratada e produz nos participantes uma
dimensão critica e uma capacitação transformadora” (Sader, 1988: 160).
O sujeito que se edifica nesse processo aqui analisado é crítico ao sistema vigente, sua fala
carrega os marcadores sociais de um discurso questionador, ainda que associado a estratégias de
convivência e de relação com posturas e posições “contraditórias”27 que se efetivam na vivência
comunitária cotidiana. Em outra pesquisa que realizei junto aos Sem-Terra organizados no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)28, pude notar o alto investimento, por parte
das lideranças, na construção de mecanismos que edificassem militantes conscientes de sua
condição social. Um militante que soubesse analisar a realidade social a partir de parâmetros e
conceitos próprios ao universo das lideranças ali investidas. Mas, como na citação acima, apesar de
certas simplificações da realidade social, os sujeitos que emergiam desse processo reforçavam um
olhar e uma ação que eram críticos ao sistema e construidores de novas perspectivas sociais, sem se
tornarem exatamente aquilo que desejavam as lideranças.
Esse processo de construção da realidade social e dos sujeitos que a compõem dá-se de
forma relacional. É dizer que estão se construindo frente a outros sujeitos que integram a dinâmica
social sem contestá-la ou, ao menos, sem contestá-las nos mesmos termos. A questão que me parece
incontornável, diante de tal constatação, é justamente a de pensar a produção de sujeitos cujo
processo de reflexividade está se dando a partir de parâmetros definidos pela lógica dominante no
sistema vigente. Na hipótese de Lautier (2002 : 162) estaríamos:
au point de experimenter un nouveau type d’individu, et un nouvel art de
gouverner: un individu capable d’initiative, de calcul et de prise de
responsabilités ; brief, un veritable ‘entrepreneur en lui-même’ (...) L’usage
répétitif du mot ‘éthique’ fait bien référence à des valeurs, mais pas
n’importe lesquelles ; l’éthique des uns ne doit pas être celle des autres : par
compassion, on veut que le pauvres ne soient pás compatissants, mais
calculent. Par solidarité, on veut que les pauvres ne soient pas solidaires,
mais ‘valorisent un capital social’.

27
No romance “A caverna”, José Saramago faz uma distinção entre “incoerência” e “contradição” que é
antropologicamente interessante para pensar as estratégias de relacionamento social: “Admitem-se na
personagem todas as contradições, mas nenhuma incoerência, e nesse ponto insistimos particularmente
porque, ao contrário do que soem preceituar os dicionários, incoerência e contradição não são sinônimos. É
no interior da sua própria coerência que uma pessoa ou uma personagem se vão contradizendo, ao passo
que a incoerência, por ser, bem mais do que a contradição, uma constante de comportamento, repele de si
a contradição, elimina-a, não se entende a viver com ela. Deste ponto de vista ainda que arriscando-nos a
cair nas teias paralisadoras do paradoxo, não deveria ser excluída a hipótese de a contradição ser, afinal, e
precisamente, um dos mais coerentes contrários da incoerência.” (Saramago, 2000: 218) Sobre a
ambiguidade das estratégias de sobrevivência e relação com o que soa contraditório a certos pontos de
vistas ver exemplos em Cowan Ros (2008b) e Quirós (2006).
28
Materializada em minha tese de doutorado: Oliveira, 2009.

30
A breve discussão que apresentei no início do artigo ao redor do que se entende por ONG
(de forma ampla) aponta para uma trilha que expõe questões para pensar-se a produção de sujeitos
desde uma perspectiva mais generalizável e em consideração a um mundo globalizado que busca
difundir esse novo tipo de indivíduo considerado na hipótese acima. Um mundo no qual as ONGs
têm exercido uma forte influência29 e têm sido uma importante fonte de “intervenção moral” – nos
termos de Hardt e Negri (2001: 54). Deve ficar claro que há uma diversidade enorme de
organizações que se reúnem sob o mesmo manto disforme do que se chama “ONG”. Os autores
citados criticam duramente aquelas ONGs de grande magnitude (econômica e territorial), como a
Oxfan ou Anistia Internacional. É em relação a estas que vão destacar que “o constante
funcionamento das máquinas sociais em seus diversos aparelhos e montagens produz o mundo
juntamente com os sujeitos e objetos que o constituem” (Hardt e Negri, 2001: 47).
Em outro plano, o discurso oficial de instituições como o Banco Mundial e o PNUD acerca
da pobreza também se insere nesse processo de constituição de um sujeito capaz de autocontrolar-se
e buscar desenvolver suas capacidades30 para superar sua própria condição de pobre (Benicourt,
2001; Lautier, 2002). Um discurso performático que a uma só vez interpreta, prescreve e constitui
uma realidade na qual a estrutura social se mantém relativamente inalterada. Para sair dessa
situação de pobreza, o pobre deve edificar-se em sujeito apto a fim de integrar-se na dinâmica social
definida pela “liberdade” e pelo mercado. Como salienta Lautier (2002: 159), é um discurso repleto
de contradições: fala da corrupção, mas ignora os corruptores e os corrompidos, identifica um
Estado que deve ceder aos “atores sociais”, fala de empoderar os pobres sem tirar poder de
ninguém, considera que os governos não são credíveis, as ONGs são, mas desde que não acumule
poder. As “tecnologias da ajuda” têm se refinado significativamente nos últimos tempos e a política
cedeu à intervenção moral. O que parece ser o objetivo da tão referida “boa governaça” é
propriamente fazer funcionar formas de tecnologias sociais que visam regular a pobreza e torná-la
parte de um mecanismo de reprodução do poder. Significa colocar em marcha ações que logrem
diminuir a pobreza, mas, sobretudo, produzir meios para sua regulação.31
Estes mecanismos de produção do sujeito social que são mais gerais e difusos na sociedade,
encontram entre os agentes que pesquisei um foco de resistência. Isso vale para os agricultores
ecologistas, mediadores sociais e para muitos outros grupos e organizações que produzem novos

29
“(...) justamente por não serem administradas por governos, entende-se que agem a partir de imperativos
éticos ou morais (...). Essas ONGs movem “guerras justas”, sem armas, sem violência, sem fronteiras.”
(Hardt e Negri, 2001: 54, 55)
30
O discurso baseado nas capacidades tem como principal formulador o economista Amartya Sen (Sen,
2000), não por acaso, Prêmio Nobel de economia.
31
Foucault (1988) já havia identificado esses mecanismos presentes na origem do capitalismo atual ao
chamar a atenção para um tipo de administração dos corpos e gestão calculista da vida que estava
produzindo um conjunto de técnicas de sujeição dos corpos e controle das populações. Desse processo
emerge o que ele denominou de biopoder (Foucault, 1987: 131, 132).

31
discursos e linhas de fuga frente à lógica de reprodução social das desigualdades. Mas a própria
construção desses focos de resistência enseja a formulação ou reprodução de mecanismos que
buscam construir sujeitos aptos para tais fins. Isso, como foi visto, processa-se de maneira tensa e
contraditória.
De toda forma, deve ser acentuado que a dinâmica social (seja hegemônica,seja subalterna)
não constitui um sujeito a partir de formulações e ações unilaterais, como se fossem autômatos a
reproduzir programas pré-estabelecidos e atualizados automaticamente. Sem desconsiderar a
assimetria de poder presente nas relações sociais, de contestação ou reprodução, é relevante
destacar que o produto dessas relações sociais é multidimensional e carrega inúmeros aspectos não
premeditados.

32
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