A verdade sobre o darwinismo: Ensaios críticos sobre Darwin e sua herança
By Nildo Viana
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A verdade sobre o darwinismo - Nildo Viana
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O presente livro é uma união de alguns artigos e prefácios que tematizam criticamente Darwin e o darwinismo. Darwin, o que será dito e repetido em alguns dos artigos que compõem o presente livro, é uma espécie de ídolo do pensamento ocidental. A sua importância na história do pensamento ocidental é evidente, bem como na história da biologia e para a questão da evolução. Isso, por si só, justificaria uma apreciação crítica da sua obra, bem como dos desdobramentos posteriores dela.
O principal objetivo do presente livro é mostrar a verdade sobre o darwinismo, tornando título da presente obra o subtítulo da obra de Carter (1959), um autor darwinista. É uma necessidade mostrar a verdade sobre os ídolos consagrados da esfera científica, especialmente quando seu mérito é convencional. Tais ídolos são geralmente de barro, embora pareçam sagrados¹, e este é o caso de Darwin. A idolatria dificulta a percepção crítica da sua obra e dos seus limites, bem como torna hegemônica uma concepção de evolução extremamente problemática. Isso foi percebido, de forma moderada, por alguns pensadores do século 19 e início do século 20, tal como Pannekoek. Antes dele, Marx já havia alertado sobre as raízes sociais do darwinismo. Outros, posteriormente, já avançaram numa crítica mais contundente de Darwin, como o biólogo francês, Marcel Prenant, na década de 1940. Posteriormente, o questionamento de Darwin se ampliaria.
O darwinismo original recebeu menos críticas que o darwinismo em geral. O darwinismo original, o de Darwin, teve os questionamentos acima aludidos de autores inspirados no marxismo, mas também de outros, como Karl Kessler, Alfred Espinas, neolamarckistas e biólogos de outras tendências. Surgiram novas teorias da evolução, embora pouco conhecidas do grande público e mesmo de setores da subesfera biológica, o que não deixa de ser sintomático da situação de estagnação do pensamento devido à força da convencionalidade e hegemonia.
O darwinismo pós-Darwin, no entanto, já não teve a mesma sorte. Esse foi mais criticado e de forma mais incisiva, tal como se vê através de Kropotkin e Pannekoek. O chamado darwinismo social
, por sua vez, foi alvo de críticas bem mais constantes e fortes. Mas aqui temos um procedimento de crítica ao darwinismo que, ao mesmo tempo, salva o darwinismo. Ao refutar o mau darwinismo
, o social e seus semelhantes, salva o bom darwinismo
, o de Darwin. E assim se apaga que ambos são darwinismo e que possuem uma base comum. Essa tática ajudou a preservar o darwinismo de Darwin e manter sua consagração, pois o que era questionável ou inaceitável foi sendo atribuído aos seguidores e deformadores, mesmo estando presente no criador da ideia². Obviamente que isso, na maior parte dos casos, não foi intencional (como é o caso de Kropotkin e Pannekoek) e sim inintencional, talvez pela força da idolatria de Darwin e seu mérito convencional ou sua respeitabilidade científica.
Assim, os ensaios críticos sobre Darwin e o darwinismo aqui apresentados partem de uma perspectiva radicalmente crítica oriunda do marxismo (autêntico, ou seja, revolucionário, e não suas deformações que buscam adaptá-lo ao mundo existente). Por isso, talvez seja útil apresentar o trajeto que me levou a escrever os artigos aqui reunidos, pois permite contextualizar os mesmos e assim entender as modificações que ocorreram.
O meu primeiro encontro com Darwin, o autor, foi em 1987, quando um professor de história do curso de supletivo do antigo segundo grau
apelou para ele para defender ideias conservadoras e contra o marxismo. Isso me levou a adquirir o livro O Que é Darwinismo, de Nélio Marco Bizzo e algumas outras obras sobre Darwin e evolução humana. Isso me fez querer fazer o meu trabalho de conclusão de graduação em Ciências Sociais, que entrei no ano seguinte, sobre Darwin e/ou darwinismo. No decorrer do curso, abandonei essa e outra opção (o pensamento de Carl Gustav Jung)³, ao compreender melhor os meios acadêmicos e a dificuldade de desenvolver pensamento crítico e criativo no seu interior, especialmente por parte dos intelectuais engajados principiantes (VIANA, 2015a)⁴.
O meu reencontro com Darwin ocorreu na pós-graduação em sociologia ao pesquisar o tema da violência, no qual o darwinismo aparecia com uma das principais ideologias que a naturalizava e recebia críticas de Fromm (1975) e Montagu (1978)⁵, bem como estudos sobre sociologia da ciência realizado a partir de uma disciplina, que gerou o primeiro artigo aqui publicado, Darwinismo e Ideologia (VIANA, 2001). Esse artigo tematizava o caráter ideológico do darwinismo e seu enraizamento social. Depois disso, me deparei novamente com Darwin quando, devido ao artigo anterior, fui convidado pelo antropólogo Marcos da Silva Silveira para ministrar, com ele e o biólogo Cláudio Magalhães, um minicurso sobre A Teoria de Darwin e o Evolucionismo Social, que apresentaria três perspectivas sobre o darwinismo: antropológica, biológica e sociológica. A partir desse minicurso surgiu o segundo artigo aqui publicado, originalmente intitulado Darwin e a Competição na Comunidade Científica (VIANA, 2003), para a edição especial de uma das revistas promotoras do evento, a Universidade Católica de Goiás (hoje, PUC-Goiás). Este artigo tematizava as razões do sucesso de Darwin na história do pensamento biológico e nas discussões sobre evolução das espécies.
Posteriormente, uma nova incursão sobre a obra de Darwin ocorreu quando a Revista Espaço Acadêmico organizou um dossiê sobre os 200 anos do nascimento deste pensador. O texto, intitulado "Darwin Nu", era dedicado a analisar as relações entre marxismo e darwinismo, sendo este o terceiro texto da presente coletânea (VIANA, 2009a). Após este, mais dois artigos breves foram dedicados ao darwinismo. Um sobre Kropotkin e o darwinismo, escrito em 2009, que era para ser um prefácio ao livro desse autor sobre ajuda mútua, cuja publicação foi cancelada, mas depois foi publicado na Revista Élisée de Geografia da Universidade Estadual de Goiás (VIANA, 2014a), e o outro é sobre Pannekoek e o darwinismo, escrito em 2019 como prefácio ao livro desse autor sobre este tema (PANNEKOEK, 2019).
Assim, os textos aqui reunidos já foram todos publicados em outras publicações e, portanto, não são inéditos. Essa republicação se justifica pelo difícil acesso a alguns destes textos e pela utilidade de reuni-los numa única publicação, facilitando o acesso e permitindo uma percepção mais totalizante da crítica ao darwinismo contida neles, já que o foco se altera com o texto. Uma vez decidida a republicação, a decisão inicial a ser tomada seria publicar em seu estado original ou revisar, ou, ainda, reformular. Os textos em seu estado original podem ser acessados em sua fonte original e sua republicação seria limitada, pois não possibilitaria perceber os avanços e mutações do seu autor. Assim, resolvemos republicar de forma revisada, pois uma reformulação⁶ demandaria tempo e outros projetos atuais dificultam a sua realização. Optamos, então, por uma revisão. A revisão pode ser apenas formal (corrigindo apenas os problemas formais de redação e digitação, entre outros) ou substancial (o que geraria alteração também no conteúdo, como uso de termos, afirmações, etc.). A nossa opção foi por uma revisão substancial, embora parcial, pois algumas ideias foram melhor desenvolvidas em outras obras e seria importante republicar algo mais fidedigno ao que o autor pensa na atualidade.
E quais foram as mutações que podem ser vistas nessa republicação? Podemos elencar as seguintes alterações na presente publicação: a) adequação linguística; b) atualização teórica. A adequação linguística significa, em alguns casos, mera troca de termos, e, em outros, atualização conceitual. Por exemplo, no caso do texto sobre Darwin e a competição na esfera científica, houve a substituição do termo comunidade científica
por esfera científica
. A razão da mudança reside na elaboração da teoria das esferas sociais, iniciada pelo livro A Esfera Artística (VIANA, 2007b) e aprofundada e consolidada em As Esferas Sociais (VIANA, 2015a). No artigo original, o termo comunidade científica
, de uso amplo nos meios científicos, foi usado em lugar de campo científico
, de Pierre Bourdieu (1994). Bourdieu foi citado e forneceu contribuições ao texto, mas, mesmo nessa época, não era possível aceitar a chamada teoria dos campos
em seu conjunto, por mais momentos de verdade que ela possua. A concepção de Bourdieu traz contribuições, mas é perpassada por vários limites. Daí a ideia de esferas sociais, integrada numa concepção marxista (o que pressupõe uma teoria da sociedade e do capitalismo, bem como o método dialético), gerando diferenças substanciais. O termo comunidade científica
foi substituído por esfera científica, bem como outras alterações derivadas e a contribuição de Bourdieu preservada, para não gerar grande diferença em relação ao original publicado, mas com acréscimos oriundos da teoria das esferas sociais. Trata-se, portanto, de uma mudança formal com alguns elementos de mudança substancial. A adequação linguística também foi efetivada em diversos outros casos, mas este exemplo é suficiente para alertar o leitor da alteração formal.
A atualização teórica está, obviamente, intimamente ligada à adequação linguística, tal como se pode observar no exemplo acima. Porém, quanto mais antigo é o artigo republicado, maiores são as mutações conceituais e teóricas. É por isso que a discussão do artigo "Darwinismo e Ideologia foi preservada, mas com alguns acréscimos. No caso, a origem do artigo remete para limites formais e substanciais, devido exigências dos meios acadêmicos (disciplina e revista), já que era preciso
autoridades intelectuais" para poder efetivar a crítica (especialmente a um ídolo consagrado) e daí alguns autores citados que ajudavam a legitimar academicamente⁷ a crítica, como Marcuse, Mannheim, etc. Esse é o caso da ideia de caráter social
que aparece no texto, pois o autor destas linhas já havia superado essa concepção e desenvolvido outra mais ampla através do conceito de mentalidade⁸. Sem dúvida, o termo de Fromm e sua contribuição permanecem, mas é necessário a superação dos limites e por isso a alteração terminológica foi realizada. E, obviamente, não se trata apenas de mudança terminológica e sim adequação do signo a um significado distinto e mais concreto.
A mudança mais drástica, no entanto, foi a descoberta da episteme burguesa e dos paradigmas hegemônicos, da qual já havia uma presciência não desenvolvida, pois ela lança novas luzes para analisar a história da ciência e do saber noosférico (complexo)⁹. Em Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas, obra publicada no final do ano passado (VIANA, 2019), Darwin aparece tanto em sua emergência histórica e sua relação com o paradigma positivista quanto em seu vínculo com o paradigma organicista, conectado ao nazifascismo. Assim, as ideias de episteme e paradigma aparecem ocasionalmente e sem grande alteração substancial, já que o objetivo era uma republicação com revisão e não reformulação.
Em síntese, as reflexões aqui apresentadas sobre Darwin e o darwinismo contribuem com a percepção crítica de uma ideologia que dominou, e ainda é hegemônica, no pensamento biológico, e com grande ressonância social. Este é o seu objetivo da presente obra. E, se tais reflexões incentivarem pesquisas mais profundas sobre a história do darwinismo, bem como uma maior criticidade diante do pensamento de Darwin e seus herdeiros, podemos dizer que elas cumpriram com o seu objetivo.
1 O termo ídolo
é usado em vários significados, como geralmente ocorre com todas as palavras. Aqui nos referimos aos ídolos sacralizados, que tem sua origem na religião, mas que são secularizados. Assim, existem os ídolos sagrados, que são os de caráter religioso, e os ídolos consagrados, que são os que possuem semelhança formal, mas são secularizados. No âmbito das esferas sociais, temos ídolos consagrados. A consagração, no entanto, é conquistada por uma disputa no interior das esferas sociais e assim Elvis Presley, Karl Marx e Charles Darwin são ídolos consagrados e a consagração pode ser acompanhada de mérito real ou não, parcial ou total. No caso desses três ídolos consagrados, podemos dizer que Marx tinha mérito total, Presley mérito parcial e Darwin mérito convencional. O mérito convencional é o produzido por convenções, ou seja, é artificialmente construído pela dinâmica da própria esfera social e da sociedade.
2 Sem dúvida, o darwinismo posterior, especialmente o chamado social
aprofundou