Vous êtes sur la page 1sur 68

magistério 4

liação
http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/revista-magisterio NO 4 – 2015

PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL DA DIRETORIA DE ORIENTAÇÃO TÉCNICA DA SME PARA OS PROFESSORES DA REDE DE ENSINO DA CIDADE DE SÃO PAULO

ava
um direito do aluno
Prefeito do municÍpio de são PAULO SUMÁRIO
FERNANDO HADDAD
Currículo e avaliação:
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO diálogo necessário
Gabriel chalita chico soares ........................................................ 04
SECRETÁRIA ADJUNTA DE EDUCAÇÃO educação pública:
Emilia cipriano sanches desafios à avaliação
alípio casali ......................................................... 14
CHEFE DE GABINETE
Marcos Rogério de souza Avaliação como ato de democracia
Fernando José de Almeida ............................... 26
CHEFE DA ASSESSORIA TÉCNICA DE PLANEJAMENTO
Lourdes de Fátima p. possani Como usar os dados das provas externas
enquanto diagnóstico
DIRETOR Da DOT CURRíCULO, AVALIAÇÃO E FORMAÇÃO para replanejamento
FERNANDO JOSÉ DE ALMEIDA Érica Maria Toledo Catalani .......................... 32
ASSESSORIA as boas práticas ................................................ 40
Daniela da costa neves
LEILA DE CASSIA JOSÉ MENDES DA SILVA ENSINO FUNDAMENTAL
TÂNIA NARDI DE PÁDUA Acompanhamento pedagógico ..................... 42
COMUNICAÇÃO E ASSESSORIA DE IMPRENSA eja
Carmen valle Avaliar na Educação de
Jovens e Adultos ................................................ 48
APOIO
COORDENADORA DO CENTRO DE MULTIMEIOS educação infantil
MAGALY IVANOV Avaliação Institucional Participativa
na Educação Infantil ....................................... 54
BIBLIOTECA PEDAGÓGICA
EDNA MAFALDA CRUZ
PATRÍCIA MARTINS DA SILVA REDE
ROBERTA CRISTINA TORRES DA SILVA
ROSANA LEILA GARCIA

revisão
LEILA DE CÁSSIA JOSÉ MENDES DA SILVA
roberta cristina torres da silva

magistério
PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL DA DIRETORIA DE ORIENTAÇÃO TÉCNICA DA SME
PARA OS PROFESSORES DA REDE DE ENSINO DA CIDADE DE SÃO PAULO

CRIAÇÃO E EDIÇÃO Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


alfredo nastari
Magistério / Secretaria Municipal de Educação. n. 4 – São Paulo :
SME / DOT, 2015.
arte Quadrimestral
MARCIUS MARQUES
ISSN 2358-6532

1.Educação 2.Sociologia educacional 3.Avaliação educacional I.


Diretoria de Orientação Técnica – Currículo, Avaliação e Formação

CDD 370.193

Código da Memória Técnica: SME1/2015


Tornar valoroso o nosso trabalho. Completamos um ano da Revista
MAGISTÉRIO, com quatro publicações em 2014. A AULA e os ALUNOS foram nossos temas inaugurais.
Nosso aluno representa a alma de nosso trabalho e chegamos a eles por meio da aula: nossa grande obra de
arte e de autoria.
Produzimos, ainda em 2014, uma edição especial virtual sobre a alfabetização no Brasil e na América
Latina, edição que foi realizada a partir dos conteúdos do Seminário Diálogos sobre Alfabetização, Leitura e
Escrita, iniciativa da OEI, em abril de 2014, em São Paulo. Esta edição, na íntegra, encontra-se no nosso Portal
http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/revista-magisterio.
O número quatro, que ora você recebe, dedica-se à avaliação - momento em que damos valor ao que fa-
zemos: aprendizes e professores.
Valorizar, tornar valoroso nosso trabalho, é a tarefa da avaliação para a aprendizagem.
A avaliação é um grande momento para aprender. Insisto: alunos e professores aprendem quando se de-
dicam à tarefa de avaliar. Avaliação em todas suas dimensões: Avaliação contínua, guardada em lugar nobre,
democrática, transparente, guia do trabalho, apoio aos esforços, estímulo ao empenho, reconhecimento do
trabalho escolar, ajustes de rumos, momento de diálogo sobre todas as coisas feitas na e para a escola.
Neste número da MAGISTÉRIO você tem a chance de ler, a partir da conferência feita para a nossa Rede,
o diálogo do professor Francisco Soares, Presidente do Inep, com nosso Grupo de Implantação Permanente do
Mais Educação São Paulo, no dia 21 de agosto, no auditório da SME. O texto é um extrato da conversa trazida
para uma linguagem coloquial e de diálogo: “Currículo e Avaliação: diálogo necessário”.
Ao fim da palestra, algumas questões foram colocadas pelos nossos professores. Nem todas as perguntas
puderam ser respondidas e, então, o professor Francisco Soares nos enviou por escrito, no mesmo dia, respos-
tas completas! O texto-resposta foi tão instigante que a revista MAGISTÉRIO solicitou ao Prof. Alípio Casali
que comentasse as respostas dadas pelo professor Soares. E este é o texto que vocês poderão ler sob o título
Educação Pública: desafios à avaliação. Uma verdadeira e agradável conversa de mineiros.
A avaliação como um ato de democracia é apresentada no artigo do Prof. Fernando José de Almeida, foca-
do nos critérios de avaliação propostos no interior do Programa Mais Educação São Paulo.
O aproveitamento pedagógico dos dados de avaliação externa ou em grande escala não é algo banal.
O Brasil não desenvolveu mecanismos conceituais ou didáticos para seu aproveitamento. O que fazer
com os dados para mudar as práticas em sala de aula? O texto de Érica Maria Toledo Catalani - Como
usar os dados das provas externas enquanto diagnóstico para replanejamento? - traz elementos ricos
para equacionarmos tal questão.
As boas práticas que marcam os trabalhos de nossos docentes nas etapas e modalidade da Educação
Básica - educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos - são aqui apresentadas em
forma de entrevistas e artigos.
Boa leitura para todos.

DOT - DIRETORIA DE CURRÍCULO, AVALIAÇÃO E FORMAÇÃO


São Paulo, fevereiro de 2015 3
Currículo
e avaliação
Diálogo necessário
Por Francisco José Soares,
Presidente do Inep/MEC , doutor em Estatística pela University of Wisconsin-Madison e pós-doutorado
em Educação pela University of Michigan – Ann Arbor. É professor titular aposentado da Universidade
Federal de Minas Gerais.

O texto a seguir é um resumo da apresentação feita pelo autor na Reunião de Trabalho


do GIP – Grupo de Implantação Permanente do Programa Mais Educação São Paulo,
realizada em agosto de 2014, por iniciativa da DOT/SME, com o tema “Currículo e
Avaliação: aproximações necessárias”.

Composto por dirigentes e profissionais de diversas áreas da SME, o GIP organiza


encontros periódicos em que são discutidas questões fundamentais do Programa Mais
Educação São Paulo, auxiliando na reflexão e nas propostas de trabalho acerca de
temas centrais sobre a educação pública paulistana.

Com a palavra o professor Francisco José Soares.


4
Valter Campanato / Agência Brasil
Trabalho com avaliação, mas com a clareza um conceito, uma experiência. É uma espécie de
muito grande de que meu cenário é o da edu- “instrução”, aliás, uma palavra meio incorreta
cação. E dentro da educação meu foco inicial atualmente na educação.
é o currículo. A área da avaliação envolve um O que acontece quando vou à escola? Como a
grande conjunto de outras áreas de conhecimen- gente aprende? Alguém tem que ensinar, eu devo
to, tecnologias e de pessoas. E nós precisamos participar de um processo educativo. E isto está
aprender a conviver com tantas variáveis. muito fora de moda: dizer o quê, como planejar e
Nessa fase da minha carreira estou numa oferecer instrução que resulte em altos níveis de
área certamente pouco popular. Avaliação é aprendizado para um grande número de alunos,
uma senhora muito mal falada, em todo lugar decididamente está fora de moda, mas quem pre-
que chego tenho que tomar um pouco de cui- cisa da escola adora isto. A maioria de nós não
dado porque sei que vou encontrar resistências estaria aqui se não tivéssemos tido a oportuni-
muito fortes. Mas creio que conseguirei escla- dade de aprender nas escolas que frequentamos.
recer um pouco mais sobre ela. Aprender liberta; portanto, nós que estamos
no sistema, temos que cuidar para que o aprendi-
zado seja possível.
No Brasil, convivemos com naturalidade Chega, então, a vez da avaliação. Como sa-
com nossas profundas diferenças sociais. ber o que os alunos aprenderam e o que ainda
Daí a importância de resgatar na não aprenderam? Essa é uma pergunta difícil.

educação a palavra todos. Falarei disso mais detalhadamente em seguida,


mas posso adiantar que na Prova Brasil ocorreu
algo muito importante: agora, a criança que não
Para começar, vou utilizar algumas expres- aprende, pode nos falar: “Olha Secretário, você
sões talvez politicamente incorretas para colocar aí, eu não aprendi!”. Porque até pouco tempo
quatro grandes questões. Tomo-as de um autor atrás essa criança não aprendia e não acontecia
que diz como olhar um sistema educacional. Se- nada. A avaliação tem essa dimensão importante.
gundo ele, primeiro devo olhar o aprendizado. E, finalmente, existe a questão da gestão, de
O que todos os alunos devem aprender ao fre- como alinhar objetivos, instrução e avaliação.
quentar uma escola de Educação Básica? Se pu- Tenho a impressão que se não usasse a palavra
desse, colocaria em letras maiúsculas a palavra instrução, não seria tão complicado. Mas, perce-
“todos”. Num país como o Brasil, que convive bam, estou colocando a instrução dentro de uma
facilmente com profundas diferenças, esta é a dimensão de direito.
questão inicial. Aqui, neste nosso quadro histó- Outra palavra que utilizo com muita
rico, tomamos as diferenças como naturais e, por frequência é educação concretizada. Há uma
isso, a palavra “todos” é importante. lenda na minha família que conta que certo dia
A criança vai à escola para aprender. Apren- minha mãe deu um aperto no meu pai, ao qual
der alguma coisa. Provavelmente coisas que ela ele teria reagido da seguinte maneira: “Olha...
não pode aprender em casa: uma palavra difícil, Eu estou preocupado com os grandes problemas
6
da humanidade. Não me venha com essa coisa
de criança chorando”. Isto é – ou era – muito A existência de resultados permite
masculino, mas um pouco dessa postura ainda está tornar a pedagogia mais científica,
presente na educação. É impressionante como
muitas vezes você vê um discurso educacional
gerenciar melhor os processos e
flutuando com preocupações com os “grandes
verificar se direitos foram atendidos.
problemas da humanidade”, como as de meu pai.
O Secretário tem algumas centenas de milhares Muitos de nós tivemos uma trajetória regular
de alunos que são os problemas concretos e é por e isto é um belo indicador de que a educação foi
isso que eu sempre falo concretizada. E quando concretizada. Mas devemos dar outro passo, que
a educação está concretizada? Quando um é colocar o aprendizado, ou melhor, os aprendi-
sistema é de sucesso? A primeira indicação do zados (no plural), como uma ideia importante e
sucesso já sublinhei: é o “todos”. Mas três coisas uma longa questão que deve ser sempre tratada
simples precisam ainda ser contadas: o acesso, a e compreendida.
trajetória e o aprendizado. E, para começar, junto Outra palavra difícil, complexa, é a palavra
acesso com trajetória. resultado. Mencionei anteriormente educação
O acesso durante longos anos foi, de fato, o concretizada. Resultado é a outra face do direi-
grande indicador de qualidade do sistema. Até to concretizado. Aqui, entretanto, vou chamar
20 anos atrás tínhamos setores inteiros da popu- de resultado o aprendizado. Apesar do acesso e
lação fora da escola. Felizmente esta questão do trajetória serem muito importantes, quando olho
acesso está em grande parte resolvida – nós con- uma Secretaria devo olhar tudo: acesso, trajetó-
tinuamos com alguns problemas, mas este já não ria e aprendizagem.
é mais nosso maior desafio. Mas o que chamo de Falando mais detalhadamente do aprendi-
trajetória, que é o aluno matriculado permanecer zado, eis aqui uma afirmação polêmica: a exis-
na escola, ser promovido e concluir os ciclos na tência de resultados permite tornar a pedagogia
idade certa, é um problema. mais científica, gerenciar melhor os processos
Então, trata-se aqui de trajetória regular, educacionais e verificar se os direitos foram
um nome que nós ainda não incorporamos ao atendidos. Quer dizer, se não houver um sistema
nosso diálogo. que gerencie, não há como verificar se foi garan-
É impressionante que o Inep, essa instituição tido o direito de aprendizagem.
que tenho a honra de presidir, tenha um enorme O artigo 205 da Constituição1 fala “A educa-
banco de informações sobre todo o Brasil, inclu- ção, direito de todos e dever do Estado e da fa-
sive com o nome de todos os alunos da Educação mília...” É direito. Se não tivermos instituições
Básica, de 2007 para cá. Estamos no limiar de capazes de garantir e aferir se este direito foi
poder oferecer informações sobre cada turma e
sobre cada criança. Em qual escola esta criança 1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Fe-
derativa do Brasil. Brasília, DF : Senado, 1988. Disponível em:
esteve no ano passado, de onde ela veio, se repe-
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui-
tiu ou não o ano. caoCompilado.htm>. Acesso em: 29 dez. 2014.
7
atendido, a Constituição não será mais do que gualdades naturalizadas como as que temos, se-
uma frase jogada no ar, vazia. ria um desastre. Porque alguém imediatamente
É por estar interessado neste direito que que- poderia dizer: “para estes aqui, o que eles estão
ro gerenciar aquilo que é a expressão concreta aprendendo está muito bom”. A publicação dos
do direito à educação, a aprendizagem. Por isso, resultados da avaliação externa nos diz: “Olha,
quando enfrento discursos, às vezes ferozes, há algo aqui que essas crianças não aprenderam
contra a avaliação fico imaginando como é pos- e deveriam ter aprendido”.
sível essas pessoas terem dois discursos. Elas Agora... isto, como é feito?
falam a favor do direito à aprendizagem, mas Vou aqui recorrer novamente a uma palavra
não querem deixar que saibamos o que a criança difícil, já que optei por não trocar palavras. Este
aprendeu ou não. Isto é uma inconsistência. nome é odiado por algumas pessoas: competên-
cia. Mas por que a trago aqui? Porque, na reali-
dade, a palavra competência quer dizer a capa-
Se a avaliação dentro da escola cidade de executar, com sucesso, tarefas. Coisas
funcionasse bem, não haveria necessidade concretas da vida. O texto constitucional, quan-
de avaliação externa. Hoje é ela que do fala das finalidades da educação, diz sobre o

aponta o que os alunos não aprenderam. pleno desenvolvimento da pessoa humana para
duas coisas: para cidadania e para o trabalho.2
Isto quer dizer que a escola deve dar ao alu-
Como vou saber se a criança aprendeu ou no a chance de funcionar, de participar, de atuar
não aprendeu? Existem dois momentos. O pri- na sociedade. Então, competência é um termo
meiro, que é aquele que deveria realmente inte- muito utilizado no Inep e nos nossos exames.
ressar, é o da avaliação da aprendizagem, a ava- Entrando um pouco nas especificidades da
liação interna feita pelos professores. Sem ele é avaliação, qual é a grande competência que
difícil pensar em aprendizado, porque o aluno queremos que as crianças dominem? A com-
precisa de alguém que continuamente o esteja preensão leitora. Compreensão leitora é tão
guiando. E estar guiando significa oferecer uma central que muita gente fala em macrocompe-
nova direção. Para isto, esse alguém está fazen- tência. Tudo o que você vai fazer na vida de-
do algum processo de monitoramento, alguma pende da sua capacidade de ler textos, extrair
avaliação. Isto aqui é muito importante. Nós não significado deles. Mas o que é saber ler? O
temos, no Brasil, uma boa formulação do que currículo, o educador, o plano de aulas devem
é avaliação formativa. Ela é muito focada num tomar esse conceito, ainda abstrato, e especi-
discurso contra a avaliação externa, ao invés de ficá-lo. Precisam dizer que a pessoa que sabe
ser colocada como algo de fato absolutamente
essencial. Se houvesse um sistema de avaliação 2 Idem.
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e
dentro da escola funcionando completamente da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
bem, não haveria necessidade da avaliação ex-
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
terna. Mas num país como o Brasil, com as desi- o trabalho.”
8
ler, consegue ler o quê? E estamos falando a criança vai aprender. Neste momento, temos
de milhões de pessoas. Então, espera-se que diante de nós a Lei de Diretrizes e Bases3, no
quem sabe ler, no nível de oito anos, consiga seu artigo 26, que fala em Base Nacional Co-
ler textos de diferentes gêneros, de diferentes mum e na parte Diversificada do currículo. En-
autores. Mas há também um nível e um tipo tão, quando estou falando aqui de avaliação,
de texto, gênero, complexidade que a crian- estou falando de uma pequena parte do projeto
ça lê, isto precisa ser conhecido. Então, como pedagógico e de apenas parte do currículo. Isto
isto pode ser especificado? Por habilidades. A é importante ter claro, porque o currículo é mais
competência é definida por um conjunto de ha- complexo do que essa avaliação com a qual tra-
bilidades. Competência e habilidade são con- balho. Isso precisa estar melhor especificado.
ceitos muito similares: fazer algo bem feito e O que a criança deve aprender? A gente não
de modo eficaz. O que os distingue é o escopo. poderia ter nenhuma dúvida em relação a isso.
Vou trazer agora o conceito de compreensão Quando falo “a gente” eu me refiro à socieda-
leitora: para entendê-lo melhor vou falar da ha- de e não só ao sistema educacional. Afirmo isso
bilidade de distinguir fato de opinião. Distinguir porque só tendo clareza do que a criança tem
fato de opinião é um pedaço da compreensão direito de aprender é que eu vou conseguir jun-
leitora, e tal distinção está mais perto do que eu tar os meios. Os meios de gestão, os recursos, os
consigo fazer na sala de aula e, naturalmente, do recursos humanos, o financiamento, a capacita-
que eu consigo verificar. ção do professor, todas essas coisas essenciais.
A compreensão leitora é muito ampla, loca- Trata-se de um conceito que tem que estar muito
lizar uma informação explícita é muito mais res- bem especificado. E como vou especificá-lo?
trita. Eu vou então com este conjunto de coisas
localizadas construir o todo.
Chegamos agora a um ponto a partir do qual Não podemos ter nenhuma dúvida sobre
começaremos a fazer associação com o currículo. o que a criança deve aprender. É a partir
Voltando ao início, a escola tem o seu Proje- desta clareza que conseguiremos reunir
to-Pedagógico. Muita gente gosta de falar Pro-
jeto Político-Pedagógico; não tenho nada con-
os meios para que isso aconteça.
tra o político-pedagógico, apenas me preocupa
que um grande número de experiências param Defendendo que cada habilidade deve ser
no político e não chegam ao pedagógico, o que especificada por um verbo que indique o proces-
cria uma maneira de ser muito ruim. Mas o pe- so cognitivo e por um substantivo que apresente
dagógico é profundamente político. E se não é o objeto da ação ou o conhecimento necessário,
político, nem pedagógico é. darei um exemplo do que entendo como uma
O Projeto Pedagógico envolve várias coisas.
Envolve a tarefa de dizer como a escola vai fun- 3 BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabe-
lece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF,
cionar, como ela vai interagir com a sociedade.
1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Mas também envolve a definição daquilo que Leis/L9394.htm>. Acesso em: 29 dez. 2014.
9
habilidade: “Recuperar uma informação explí- nenhum em “lembrar”. Tem problema se toda a
cita em um texto simples do gênero conto”. minha ação pedagógica se der apenas no campo
Quando digo “recuperar” não estou falando do lembrar. Mas sem ele não se compreende,
nem “distinguir”, nem “analisar”. Portanto, es- não se aplica e nem se analisa. O “lembrar” tem
tou falando de um primeiro nível de compreen- uma má fama porque minha formação era mui-
são leitora. Depois está dito: “uma informação to centrada nele.
explícita”, que significa que o dado esta lá. A O que eu sonho? Sonho que possamos espe-
seguir, digo “num texto simples”, não dá para cificar o direito de aprendizagem do aluno em
especificar aqui o que a palavra “simples” está coisas que as pessoas que não são técnicas da
nos passando, mas é evidente que há textos área entendam. “Qual é meu direito? Quais são
mais complexos do que outros. E, finalmente, os direitos do meu filho?”
estou apresentando o “gênero”. Perceba-se que Se nós educadores não dermos conta de in-
aqui não estou padronizando o que o professor teragir com a sociedade para dizer isso, há algo
irá fazer. Há dezenas de modalidades de textos. errado. Na minha reflexão isso não acontece
Meu sonho é que a partir daí a Secretaria pu- porque não especificamos claramente tais direi-
desse dizer a cada professor: “Olha, estão aqui tos que se concretizam nas habilidades. Cuida-
10 ou 15 textos para você se inspirar ao for- do! Não estou dizendo que só a especificação
mular seu planejamento, sempre de acordo com basta. Quero dizer que devemos chegar à espe-
a criança”. A única coisa que o professor não cificação, apesar de ela ser insuficiente, pois é
pode se permitir no Projeto Pedagógico é deixar apenas uma formulação que não traz nenhuma
que a criança saia da interação didática que teve sugestão de como o professor irá trabalhar. Isso
com ele sem saber recuperar uma informação. é uma decisão que vai passar pelo sistema e pe-
los docentes, mas deve haver uma especificação
no início de tudo.
Sonho que possamos, um dia, especificar Vou voltar ao meu exemplo: distinguir fato
os direitos de aprendizagem do aluno de opinião. Como a Rede Municipal de São
em termos que as pessoas não técnicas Paulo vai tratar disso? É razoável esta pergun-

da área educacional possam entender. ta. É razoável também dizer que não há uma
maneira única, mas, certamente, não devem ser
vinte e três, não é?
Trabalho, então, com essa matriz conceitual Mas o que quero mesmo é chegar à questão
onde tenho os conhecimentos de um lado e os da formação inicial. Gostaria de voltar à uni-
processos cognitivos de outro. As duas coisas versidade e perguntar para meus colegas: “Que
juntas, pois ambas são importantes. dia você ensinou à professora, ao professor a
Aqui estou no mundo do “compreender”, ensinar seus alunos distinguir fato de opinião?”.
do “aplicar” e do “analisar”. Para analisar, te- Aí, pronto, seria um Deus nos acuda.
nho que ter passado por essas etapas. Tenho fre- Estou aqui para entender os direitos de
quentemente que me lembrar, não há problema aprendizagem como algo vital. Vou dar um
10
exemplo: fiz um implante dentário, tive um Precisamos ter o nosso vocabulário comum
dente que me serviu muito bem durante qua- para poder lidar com a outra pessoa. Enquanto
renta e tantos anos e, de repente, ele desistiu. não tivermos, fica muito difícil a comunicação.
Aí, o dentista teve que colocar outro. E lá es- Isso é uma coisa que falta, não é que não exis-
tou eu, com a boca aberta, e o dentista vem ta, tudo o que estou falando existe. Mas para a
com zizziiiiii. Pensei: Será que ele sabe o que educação brasileira dar o salto que precisa tem
está fazendo? Porque há o risco de ele bater que estar muito mais forte do que está. E, natu-
num nervo e provocar um problema ainda ralmente, só no momento em que tivermos esse
maior. Aí, é razoável eu pensar: esse profis- vocabulário é que teremos, aí sim, a conexão
sional sabe o que esta fazendo? A necessidade da avaliação com o currículo, que é o que vou
de habilidades bem formadas nos aparecem abordar em seguida.
em momentos muito simples e radicais como a
cadeira de um dentista...
A pedagogia é muito mais complexa do que Somente quando especificarmos o
isso, mas também é razoável pensar: será que que a criança precisa aprender
nós estamos preparados para fazer o que deve- é que poderemos nos perguntar
ríamos fazer? Esse é um debate que não entrou
ainda em pauta, mas é urgente que entre por
se ela aprendeu ou não.
uma razão muito simples: hoje mudamos. Trou-
xemos todo mundo para a escola e dissemos Avaliação e currículo – Como as coisas
que esse aluno é sujeito de direito. Não posso funcionam? Primeiro: a criança tem os direitos.
dizer como até anteontem dizíamos: “Isto aqui Esses direitos devem ser especificados. E na
não é pra você”. Agora estão todos na escola, o hora que se especificarem os direitos, sabere-
que fazer com eles? mos, exatamente, o que a criança precisa apren-
Vou falar da especificação. O que mais me der e, portanto, poderemos nos perguntar se a
toca aqui é isso: como criar um vocabulário co- criança aprendeu ou não.
mum? Quantas seriam as habilidades? Quantas Isso temos feito. Quer dizer, temos uma
seriam essas unidades de aprendizado? tradição razoavelmente grande desde 2005,
Eu imagino que seriam por cada área. Por de fazer a Prova Brasil, que nos dá informa-
exemplo, numa área em que tenho referências ções bastante razoáveis sobre o que as crianças
para falar disso, como a matemática, seria algo aprenderam. Então, a partir daqui, vou falar um
como 60 unidades de aprendizado por ano. pouco sobre a interpretação de seus fundamen-
Nada muito complicado, mas eu gostaria que tos, o que me permitirá chegar ao que penso so-
isto estivesse muito claro. E iríamos falar um bre como fazer a associação do currículo com a
vocabulário comum. Percebamos todos que as avaliação.
profissões têm isso. Quando os médicos se reú- Quem avalia a avaliação?
nem para discutir um caso, eles vão se referir a Antes de caminhar mais, quero deixar muito
um vocabulário comum. claro que para uma pessoa como eu, que quer
11
contribuir para a educação, incomoda bastante mensão pedagógica para o centro da reflexão.
o fato de não existir um currículo no país como Ao mostrar ou analisar as habilidades que os
um todo. Explico: o que ocorre com a Pro- alunos já dominam, traríamos um início da in-
va Brasil? O que ocorre com o ENEM? Eles terpretação pedagógica.
passam a ser o currículo de fato. Pois por suas Gostaria muito que tivéssemos uma espe-
questões e métodos passam as formas de con- cificação das competências mais próximas do
ceber um currículo ou induzem à construção do ensino. Mais próximas do que o professor pode
que se vai ensinar. Melhor seria irmos numa ou- fazer em seu dia a dia. Isto enfrenta resistência
tra direção, a gente ter decidido o que o jovem no Brasil. Eu proporia uma especificação que
deve aprender ao fim do Ensino Médio ou o que se pudesse usar como linguagem comum entre
a criança deve aprender aos onze anos. as pessoas, entre os pais, entre os professores.
O que a criança tem que aprender de leitura?
Que dia ela vai aprender a responder uma per-
O sistema de avaliação no Brasil se gunta de distinguir fato e opinião?
desenvolveu com muita ênfase no aspecto Agora, insisto, não existe aqui nem uma
normativo, em detrimento do pedagógico, esperança, nem vontade, nem planejamen-

que deveria ser o centro da reflexão. to oculto de que todo mundo usasse a mesma
abordagem. Isso é bobagem. Cada habilidade
deve ser explicada e exemplificada. Os nossos
Uma vez que foi medida a aprendizagem, documentos curriculares tinham que sofrer o
o que será feito com os dados daí resultantes? constrangimento do real. Eu queria ler um do-
Em geral temos dois grandes resultados. De cumento como o encontrado em vários luga-
um lado, um resultado normativo. Os resulta- res do mundo. Chega alguém e fala: “a criança
dos estão lá, são os dados brutos. O Estado de deve ser capaz de distinguir fato de opinião”,
São Paulo acabou de publicar uma avaliação e logo tem um exemplo de como se distingue
e imediatamente a cobertura da imprensa vai fato de opinião.
iniciar a interpretação: “está pior aqui”, “está A Magda Soares, por exemplo, é mais do
melhor ali”, “piorou”, “não melhorou”. Nin- que uma referência mineira, foi professora da
guém está se perguntando o que isso significa, faculdade de educação da UFMG. Quando me
olha-se aqui apenas a dimensão normativa. É envolvi com a avaliação fui ter aulas de alfabe-
claro que isso é muito mais útil e pode ser útil tização com ela, não vou esquecer que quando
no contexto de cada Secretaria, mas é pouco. cheguei a sua casa havia cinco guias curricula-
Agora, o que vai interessar mesmo é a di- res de vários países do mundo, ela é uma auto-
mensão pedagógica. Infelizmente, o sistema de ridade... podia ter simplesmente dito: “Eu faço
avaliação do Brasil se desenvolveu colocando assim... eu faço assado”.
muita ênfase no aspecto normativo e pouca Quando você viaja um pouquinho para fora
ênfase na dimensão pedagógica. Faltou-nos, do Brasil pode ver que os currículos e as pes-
como educadores, como sistema, trazer a di- soas dizem o que a criança deve aprender e, por
12
via das dúvidas, dizem também a interpretação. Não existe um brasileiro típico, nós somos
Quer dizer, elas explicam e exemplificam. Por muitos. A escola tem que ter isso como uma
quê? Porque trata-se da educação básica. Se a proposta de ensinar, criar oportunidades de
gente não comunica, não vai ser básico. Aqui, aprender a conviver com as diferenças é algo
no Brasil, nossos documentos – os Parâmetros que tem que estar no currículo.
Curriculares Nacionais – são de uma generali- O terceiro nível é o dos valores. A Cons-
dade fantástica! Quanto às avaliações, gosta- tituição fala que a educação é dever do Esta-
ria de ter muitos itens para poder interpretar e do e da família. A escola sozinha não vai dar
muitas oficinas de interpretação. Seria muito conta, mas é importante que a gente tenha essa
bom que quando a gente divulgasse o resultado dimensão. De qualquer maneira, tenho resulta-
da Prova Brasil pudéssemos ter, por exemplo, dos. Pois bem, esses resultados têm que estar
um conjunto de 15 itens e dez ou quinze ofi- onde? Eles têm que estar colocados no currí-
cinas para ajudar os professores a interpretá- culo. Por isso que a gente usa, hoje, direitos de
los. Isso, infelizmente, hoje, está fora do Inep. aprendizagem.
Gostaria de poder dizer: “agora que sei o que a
criança não sabe, como posso intervir?”
Exatamente, o que a gente vai fazer para A criança ir à escola e não aprender é
mudar isso? Essa é uma pergunta que não tem uma nova forma de exclusão. A ideia
uma resposta única. Mas teríamos que, a partir de que cada criança tem o direito de
da avaliação, saber onde colocar essa pergunta.
Nós estamos longe disso. Estamos longe
aprender tem que ser para valer.
porque separamos a avaliação – aquela senho-
ra feia e detestada que falei no princípio – para Estou defendendo que isso esteja sendo espe-
longe das clarezas curriculares. Precisamos cificado. Que tenhamos uma mesma linguagem
trazê-la para o centro da discussão para que e que eu use isso todo o tempo, inclusive na pró-
ela possa dar contribuição efetiva para a nossa pria avaliação. “O que esse item cobra? Como
educação. este item se relaciona com a minha abordagem?”
Mas a educação é muito mais do que isso. A
Retomando o percurso – Eu comecei di- avaliação e a educação têm outras dimensões.
zendo: “Olha, a educação tem resultados. Re- Têm a formação dos professores, têm a questão
sultados de aprendizado. São vários aprendi- da interação da escola com as famílias, com a
zados”. Enfatizei o cognitivo até aqui, mas a sociedade. Eu tenho muita clareza disso. Agora,
escola é mais do que os seus objetivos cogniti- se a criança vai à escola e não aprende, creio que
vos, ela tem muita clareza do que é preciso ter inventamos uma nova forma de exclusão, e isso
no projeto pedagógico, o que hoje a gente está não podemos fazer. Esse país já é desigual de-
chamando de habilidades socioemocionais. O mais. Agora que trouxemos todo mundo para a
que é isto? Conviver com as diferenças, por escola, temos que colocar, para valer, a ideia de
exemplo. Isso é muito importante no Brasil. que cada criança tem todo o direito de aprender.
13
Educação
pública:
desafios à avaliação
Por Alípio Casali,
Doutor em Educação (História e Filosofia da Educação) pela PUC São Paulo; pós-doutor em Educação
pela Universidade de Paris. É professor titular do Departamento de Fundamentos da Educação na Pós-
Graduação em Educação: Currículo, da PUC São Paulo.

A revista Magistério convidou o professor Alipio Casali, especialista em Currículo e


participante do encontro, a comentar as questões centrais da palestra do professor
Soares, consolidadas por ele após a apresentação, como forma de responder às
principais questões levantadas no encontro. O resultado é um delicado e consistente
diálogo entre eles, que o leitor terá a oportunidade de apreciar nas páginas seguintes.
14
Comentários iniciais outra. Aliás, cotidianamente lidamos de modo na-
tural com ambos os conceitos articulados: de tudo
Chico Soares – Abaixo reapresento, de uma for- o que é bom (qualidade) desejamos mais (quanti-
ma um pouco mais estruturada, mas ainda sin- dade) e melhor (ainda mais qualidade). Em educa-
tética, as respostas às críticas de posições que ção: a quantidade é sempre parte da substância da
defendi na minha apresentação. Entendo que há qualidade, porque educação é um direito univer-
discordâncias entre a minha visão do currículo, sal, ou seja, é uma referência à qualidade de vida,
construída a partir de reflexões sobre como tornar que por isso mesmo, sendo um direito, deve ser
as avaliações mais úteis para o aprendizado dos estendida (extensão = quantidade) a todos.
alunos e as de vários colegas, participantes no O melhor da qualidade não tem como ser dito
debate. É uma oportunidade única receber aten- de modo direto e objetivo. E mais: a melhor qua-
ção de colegas tão qualificados. Por isso agrade- lidade de tudo costuma estar justo no que mais es-
ço a oportunidade que esse convite proporcionou. capa da objetividade e da materialidade. Por isso
Busco tornar o diálogo mais consistente, explici- também nos referimos à qualidade das coisas, das
tando melhor minhas posições. experiências e das vivências mediante insinuações
do discurso, contornos da linguagem, metáforas,
Alípio Casali – A inteligência das sete teses de sinuosidades. É que, no limite, a essência da quali-
Chico Soares, apresentadas a seguir, tem um efei- dade é indizível. Não obstante, seguimos pronun-
to extraordinário: rapidamente elas estabelecem ciando essa palavra com tudo o que ela pretende
um horizonte abrangente e convincente dos temas significar, assim como seguiremos pronunciando
atuais mais importantes da educação brasileira. a existência humana, a arte, a beleza, o desejo.
A questão de fundo, que esteve no centro do di- Existe, pois, uma qualidade na quantidade; e
álogo realizado com professores na SME – São uma quantidade na qualidade. É preciso enlaçá-las,
Paulo, permanece com os conceitos e o debate na educação.
sobre o currículo e a avaliação e, nela, a tensão
entre quantidade e qualidade. Por isso penso ser I Tese – Objetivos da educação
oportuno iniciar meus comentários fazendo al-
gumas observações prévias sobre a qualidade da Chico Soares – A formulação da União Europeia
quantidade e a quantidade da qualidade (CASA- me parece bastante razoável. Muitas vezes prefiro
LI, 2011). E sublinho que tais comentários não se a formulação de Bernardo Toro. Para este educa-
alinham com as formulações pós-modernas, até dor os objetivos da educação básica seriam:
porque vejo mais equívocos do que acertos nessa • Domínio da leitura e da escrita;
nomenclatura. • Capacidade de fazer cálculos e resolver pro-
Não faz sentido postular um dilema entre blemas;
quantidade e qualidade na educação. Ambas as di- • Capacidade de analisar, sintetizar e interpretar
mensões são inseparáveis, se implicam reciproca- dados, fatos e situações;
mente. Separá-las seria uma distorção ontológica • Capacidade de compreender e atuar em seu en-
e epistemológica. Não há uma sem implicação da torno social;
15
• Receber criticamente os meios de comunicação; amplo; b) ser capaz de organizar e realizar planos
• Capacidade de localizar, acessar e usar melhor de vida e projetos pessoais; c) ser capaz de fazer
a informação acumulada; valer direitos, interesses, limites e necessidades
• Capacidade de planejar, trabalhar e decidir (Ibid.).
em grupo. É inegável o alcance crítico deste rol de com-
Entendo, entretanto, que estas e outras formu- petências-chave da OCDE, em que pese o fato de
lações similares são visões sobre os objetivos da que seu manejo pelas políticas públicas no interior
educação completamente adequadas que permi- dos países membros – e em outros que neles se
tem estruturar uma discussão sobre o currículo. inspiram – nem sempre tenha preservado o mes-
mo vigor de qualidade social presente nesta decla-
Alípio Casali – Entre 1997 e 2003, especialistas ração formal.
da Organização para a Cooperação e Desenvol- Mas em dezembro de 2006 o Parlamento Eu-
vimento Econômico – OCDE trabalharam sobre ropeu e o Conselho Europeu assinaram uma Reco-
o projeto Definição e Seleção das Competências- mendação do Parlamento Europeu e do Conselho
Chave (DeSeCo Project). O projeto partiu do da União Europeia sobre as competências-chave
princípio de que “uma competência é mais do que para a aprendizagem ao longo da vida (CASALI
apenas conhecimento e habilidades. Ela envolve a e CHIZZOTTI, 2012, p. 17) definindo “compe-
capacidade de atender a demandas complexas, por tências” como sendo: “uma combinação de co-
meio da identificação e mobilização de recursos nhecimentos, aptidões e atitudes adequadas ao
psicossociais (incluindo habilidades e atitudes) contexto. As competências essenciais são aquelas
em um contexto particular (OECD, 2005, p. 4)”. que são necessárias a todas as pessoas para a rea-
Ao término, o Projeto DeSeCo propôs nove lização e o desenvolvimento pessoais, para exer-
competências-chave da OCDE, divididas em três cerem uma cidadania ativa, para a inclusão social
categorias: e para o emprego” (UNIÃO EUROPEIA, 2006,
Categoria 1 – Capacidade de (to be able to) D.O. L 394/13).
usar ferramentas interativamente, tanto as físi- A referida Recomendação da União Europeia
cas, quanto as das tecnologias da informação e as indicou então as oito competências-chave para a
socioculturais: a) a linguagem, os símbolos e os aprendizagem ao longo da vida:
textos; b) o conhecimento e a informação; c) as 1. Comunicação na Língua Materna
tecnologias. 2. Comunicação em Línguas Estrangeiras
Categoria 2 – Capacidade de interagir com 3. Competência em Matemática e competên-
pessoas e grupos heterogêneos, de diferentes cul- cias de base em Ciências e Tecnologia
turas: a) relacionar-se bem com os outros; b) coo- 4. Competência digital
perar e saber trabalhar em equipe; c) saber gerir e 5. Aprender a aprender
resolver conflitos. 6. Competências Sociais e Cívicas
Categoria 3 – Capacidade de agir de modo 7. Espírito de iniciativa e espírito empresarial
autônomo, responsavelmente: a) saber compreen- 8. Sensibilidade e expressão culturais (UNIÃO
der, decidir e agir considerando o contexto social EUROPEIA, 2006, D.O. L 394/14-18).
16
Como se pode observar, esta Recomendação morais, estéticas e afetivas. Mas como avaliar a
da União Europeia deu um passo atrás com rela- realização dessas qualidades? É um desafio para
ção à OCDE, diminuindo a amplitude do conceito os educadores avaliadores.
de competências: apesar de afirmar que o conjun-
to das competências deve servir “para a realização II Tese – Objetivos da Escola
e o desenvolvimento pessoais e para exercerem a
cidadania ativa”, na prática deletou todo o campo Chico Soares – Proporcionar aos alunos as
da “Categoria 3 – Capacidade de agir de modo oportunidades para que adquiram as competên-
autônomo, responsavelmente”, da OCDE, isto é, cias, listadas acima, ou seja, que os permitam
o campo da produção do sujeito e da sua morali- funcionar na sociedade. Portanto, o aprendizado
dade. Com isso, associou o conceito de compe- é a essência da escola. O ensino subordina-se ao
tências-chave fortemente ao campo do cognitivo, aprendizado. Definir os aprendizados que serão
enquanto manteve um toque de sociabilidade, ci- oportunizados na escola é a essência do currí-
vismo e culturalidade. culo. Neste ponto estou completamente alinhado
Muitas das políticas nacionais que aplicaram com Michael Young em recente artigo que publi-
as Recomendações da União Europeia acentua- cou aqui no Brasil. “De quais questões deve tratar
ram ainda mais essa redução do conceito de com- uma teoria do currículo? Meu ponto de partida,
petências. Nesses casos, sacrificou-se ainda mais pelo menos na última década (Young 2009), tem
a promoção da qualidade da educação. sido ‘o que os alunos têm o direito de aprender,
Bernardo Toro, por sua vez, pensa fortemen- quer estejam numa escola primária ou secundá-
te na escola colombiana, latino-americana e dos ria, frequentando a universidade ou um programa
países mais pobres. Mas ao ler suas sete teses per- de educação profissional ou vocacional que visa a
cebe-se como ele define objetivos para a educa- prepará-los para o mercado de trabalho.’”.
ção associados a competências, sendo que, entre a
OCDE e a União Europeia, ele fica mais próximo Alípio Casali – O documento inaugural das po-
desta última, pois deixou de mencionar, dentre as líticas públicas republicanas, que é o Relatório
competências da OCDE, qualidades da Categoria Condorcet (1791), distinguiu e separou instrução
3, como “ser capaz de organizar e realizar planos de educação. Nessa separação, destinou à família
de vida e projetos pessoais” e “ser capaz de fazer a tarefa de educar (entendida educação ali como
valer direitos, interesses, limites e necessidades”. a formação de valores individuais e de civismo),
De nossa parte, apontaríamos a importância deixando para a escola pública a instrução. Ob-
de dar um passo ainda além da OCDE, da União serva-se, com o decorrer da história republicana,
Europeia e de Bernardo Toro, e afirmar como ob- que essa separação jamais foi superada (e, para
jetivos da educação e da escola muito mais que muitos, jamais deveria mesmo tê-la sido). Os
um rol de competências, de modo a implicar o estudos mais recentes de currículo, atravessados
desenvolvimento da subjetividade e da sociabili- pelos estudos culturais e pelas neurociências, en-
dade em todas as suas complexas qualidades da tretanto, não tendem a corroborar tal separação,
cidadania e da cultura, e também as simbólicas, pelo simples fato de que ela se mostra impossível.
17
Basta fazer um teste: explicar a uma criança ou das “competências” indispensáveis à vida social
jovem que a moralidade que ela/ele vê acontecer e por isso deve estar articulada com as competên-
ali nas relações pedagógicas dentro da sua escola cias cognitivas e as competências-chave que se
não vale como exemplo educativo, que aqueles devem aprender também na escola. A escola do
adultos profissionais da educação que estão ali presente e do futuro tem que funcionar (isto é, tem
não servem como exemplo moral, não se deve que ensinar e os estudantes tem que aprender), e
cobrar isso deles, eles são apenas ensinadores de deve fazer isso realizando o direito à aprendiza-
conteúdos e preparadores de futuros profissionais gem por meio de um projeto pedagógico de edu-
para o mercado de trabalho. cação integral, em tempo integral.
Muitas práticas curriculares descuidaram,
sim, do fato de que o trabalho humano é o centro III Tese – Aprendizados
da existência humana; é o lugar a partir do qual
todas as demais dimensões e qualidades huma- Chico Soares – É usual especificar os aprendi-
nas podem em alguma medida se desenvolver zados que ocorrerão na escola como “conheci-
(ou não...). Parece que Michael Young percebeu mentos e habilidades”. O segundo substantivo é
o esvaziamento para o qual certas tendências dos importante para enfatizar a ideia de que a escola
estudos culturais estavam deslizando (o excesso deve buscar dar ao aluno a capacidade de colo-
de palavrório redundante tem sido um dos sinto- car seus conhecimentos em ação; isto é, na solu-
mas desse esvaziamento); por isso fez uma mar- ção de problemas de sua vida. Isso afasta a re-
cação forte sobre o direito fundamental à apren- produção como única dimensão na organização
dizagem que garanta as melhores probabilidades curricular. Isso é central na minha reflexão. Por
para uma participação sólida dos alunos no isso a insistência nos outros processos mentais:
mundo do trabalho. Diferentemente de Michael compreensão, aplicação, análise, criação.
Young, entretanto, eu digo mundo do trabalho e
não mercado de trabalho. Alípio Casali – A afirmação dos direitos de
A Constituição Federal (1988) é clara e ob- aprendizagem, referida acima a propósito de
jetiva quando no seu artigo 205 afirma que a Michael Young, encontra aqui um lugar central
educação é direito de todos e dever do Estado e nas teses de Chico Soares. Só temos com o que
da família (ou seja, não há separação das respon- concordar e corroborar. Os teóricos críticos do
sabilidades, embora caiba haver distinção no seu reprodutivismo ideológico (Althusser, Baudelot-
exercício) e visa ao pleno desenvolvimento da Establet e outros) nos legaram uma percepção
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania reduzida da reprodução social. Mas aprende-
e sua qualificação para o trabalho. mos, depois deles, e superando-os, que a função
Isso nos conduz à conclusão de que não convém de reprodução é uma função vital da escola, as-
à escola do presente e do futuro deixar que a for- sim como de toda sociedade. Aprendemos, so-
mação cívica e moral aconteça “de modo espon- bretudo, que reproduzir não é apenas repetir o
tâneo”, por conta das contingências da própria mesmo, mas também reproduzir as condições
escola, da família e da comunidade. Ela é parte de reprodução, e isso implica inovar. Essa seria
18
a primeira ideia: aprender é também aprender a mulação de Jamil Cury. “A diversidade deve ser
inovar. O Relatório Delors (DELORS, 2006) já tratada dentro do eixo da igualdade”. Ou seja,
havia tangenciado esse ponto ao estabelecer os não podemos construir o currículo escolar ape-
quatro pilares da educação e da escola: apren- nas perguntando ao aluno o que ele quer apren-
der a conhecer, aprender a fazer, aprender a vi- der. Isso seria uma nova forma, sofisticada, de
ver juntos, aprender a ser. Conhecer, fazer, viver legitimar desigualdades educacionais. Uma base
juntos e ser: dimensões indispensáveis e insepa- nacional comum não apaga o desejo de apren-
ráveis. Aliás, esses quatro pilares nos devolvem der, mas ao contrário dá ao aluno a possibilida-
às questões postas e comentadas nas duas teses de de querer mais. Neste aspecto minha posição,
anteriores, a propósito das competências e da de base iluminista, está longe da apresentada, de
tensão entre quantidade e qualidade. Como ava- base pós-moderna se bem a compreendo.
liar a aprendizagem de viver juntos? Certamente
ainda temos aí alguns indicadores fundados em Alípio Casali – Boaventura de Sousa Santos
evidências (algumas das quais, quantificáveis). esculpiu um mote perfeito, que transcrevo livre-
Mas como avaliar a aprendizagem a ser? Até mente: “afirmar a igualdade sempre que a dife-
poderíamos acordar também alguns indicadores rença inferioriza; afirmar a diferença sempre que
para isso (contanto que acordemos também so- a igualdade descaracteriza”. Ou seja, de partida,
bre quem é que vai indicar os indicadores). Mas se está afirmando que: a) trata-se de dois regis-
parece ser inevitável reconhecer que, em algum tros distintos (a igualdade e a diferença); b) não
ponto, algo desse objetivo escapará por entre os há exclusão entre esses registros, mas comple-
dedos do avaliador. mentaridade. Antes de afirmar a precedência de
A escola deve buscar dar ao aluno a capacida- um ou outro registro, portanto, parece importante
de de colocar seus conhecimentos em ação; isto é, firmar que eles não se excluem. No campo edu-
na solução de problemas de sua vida, afirma com cacional a diferença tem sido considerada prin-
razão Chico Soares. Com efeito, a praticidade e cipalmente como qualidade sistêmica (prover
a centralidade da vida do aluno talvez devam ser políticas que garantam que as diferenças não se-
consideradas mesmo com o melhor legado que as jam pretexto ou motivo para a negação do acesso
teorias e práticas pedagógicas do século XX nos pleno aos direitos – é o caso, por exemplo, das
deixaram. Mas elas permanecem, todavia, sem políticas de cotas). Enquanto isso, a igualdade
satisfatória solução neste começo de século XXI. tem sido e deve ser afirmada como qualidade da
Isso, porém, nos remete aos comentários finais aprendizagem (todos devem realizar o direito de
que faremos à frente. aprender o que cabe a todos). Ou seja, no tocante
especificamente à aprendizagem, o eixo da igual-
IV Tese – Base Comum dade prevalece; Jamil Cury tem inteira razão.
Essas considerações supõem que o oposto da
Chico Soares – Há aprendizados que devem ser igualdade não seja a diferença, mas sim a desi-
obtidos por todos. Isso é, no Brasil, constitucio- gualdade. Dessa premissa, aliás, emergiu o con-
nal. Aqui meu pensamento sofre influência da for- ceito de equidade, que frequentemente é confun-
19
dido com o de igualdade. A ideia de igualdade medida, a Prova Brasil e o Enem já cumprem um
cabe apenas naquilo que é universal e comum a efeito de demarcar certo rol de conteúdos míni-
todos: a igualdade de direitos inerentes a todo e mos que induzem uma base nacional comum de
qualquer ser humano em qualquer circunstância, conteúdos.
como, por exemplo, o direito à vida, à liberdade e O projeto constitucional e legal de uma base
o direito a aprender o que é de todos. Ocorre que, nacional comum se justifica pelo componente
ao mesmo tempo, há direitos que são diversifica- universal do conhecimento e pelo fundamento
dos e diferenciados: por exemplo, os direitos es- da igualdade como direito, mas deve efetivar-se
pecíficos das mulheres gestantes, dos idosos, das com os devidos cuidados: a) político – articular
crianças. Nesses casos a igualdade não se aplica. o nacional com o federativo, a unidade com a
Era preciso um conceito que relacionasse direitos diversidade; b) pedagógico – não desautorizar o
de igualdade a direitos de diferença. Assim sen- valor de autonomia da escola-comunidade e dos
do, equidade refere-se à correção ética e à justiça professores.
no modo de se julgar e tratar (aqui entram as po- Com certeza não se trata de submeter o pro-
líticas públicas) toda e qualquer pessoa, conside- jeto de ensino (principalmente na definição dos
rando-a nos seus direitos mais universais e ao conteúdos) ao que o aluno quer aprender. Até
mesmo tempo nos seus direitos mais diferencia- porque, no limite, tal submissão seria uma nega-
dos. Em políticas públicas, a propósito da base ção da escola como instituição com função cons-
nacional comum, o conceito se aplicaria a uma titucional de realizar o direito à aprendizagem. A
solução negociada entre os entes federativos de afirmação constitucional de direitos de aprendi-
modo a realizar um projeto unitário nacional zagem supõe afirmação de um projeto de ensino
compatível com os princípios da autonomia, da prévio à vontade subjetiva do aluno (entendida
diversidade e da cooperação inerentes ao nosso como preferência arbitrária). Numa chave políti-
federalismo constitucional. ca, a vontade do aluno (enquanto cidadão e não
O princípio da base nacional comum foi de- enquanto subjetividade) só pode ser a de que se
finido pela Constituição Federal no artigo 210, realize o seu direito de dispor de todos os co-
que a associou, de um lado, a “conteúdos mí- nhecimentos e habilidades que o capacitem para
nimos para o ensino fundamental” e, de outro sua realização pessoal e a cidadania e o traba-
lado, a “respeito aos valores culturais e artísti- lho. Fundar a prática pedagógica na preferência
cos, nacionais e regionais”. A LDB 9394/96, subjetiva do aluno é uma das premissas da teoria
com a redação dada pela Lei 12.796/13, afirma anarquista da educação – respeitável, mas que
que os currículos da educação infantil, do ensino não está no horizonte destas nossas reflexões. No
fundamental e do ensino médio devem ter base outro extremo, o projeto de ensino e a definição
nacional comum, a ser complementada, em cada de conteúdos da base nacional comum tampouco
sistema de ensino e em cada estabelecimento es- poderiam ser decretados e impostos. Até porque
colar, por uma parte diversificada, exigida pelas tenderiam a repetir os generalismos e mal-suces-
características regionais e locais da sociedade, da sos dos Parâmetros Curriculares Nacionais e das
cultura, da economia e dos educandos. Em boa Diretrizes Curriculares Nacionais.
20
V Tese – Pedagogias ensinar conteúdos, mas também no meio do pro-
cesso, no como definir os conteúdos básicos ou
Chico Soares – O currículo tem, além da dimen- mínimos. Os Projetos Político-Pedagógicos das
são do que ensinar, a dimensão do como ensi- escolas ganhariam ainda mais em qualidade.
nar. Nessa segunda dimensão, principalmente em O cuidado se justifica: o valor da autonomia
um país como o Brasil, a diversidade de opções em processos educacionais é auto-evidente, não
é fundamental. É nesse aspecto, mais do que no precisaria ser argumentado. Mas custou muito
quê ensinar, que a autonomia das escolas será tempo e esforço (e ainda custa) a internalização
construída. do ideal de autonomia das escolas e suas comuni-
dades. Os Projetos Político-Pedagógicos de mui-
Alípio Casali – Chico Soares aqui associa o con- tas escolas ainda não ultrapassaram o nível de
ceito amplo de Pedagogias (título de sua tese 5) cumprimento meramente burocrático e formal.
a práticas didático-pedagógicas concretas. O pro- Do mesmo modo, a autonomia didático-pedagó-
blema (da base nacional comum) está apontado: gica do professor, condição indispensável e es-
autonomia das escolas e dos professores. A solu- sencial para que se efetive uma educação no sen-
ção também: reconhecer a autonomia na defini- tido próprio e integral do termo, ainda sofre com
ção do como ensinar, mais do que no quê ensinar. a falta de confiança e de boa formação docente.
Há aí uma medida sutil, e pode-se ser levado a Sem falar das ameaças recentes do “apostilamen-
pensar que essa medida faria diferença apenas na to” dos conteúdos que hipnotizam o professor (e
fase de definição e execução dos conteúdos míni- frequentemente as redes públicas) a uma abdica-
mos da base nacional comum. Parece, porém, à ção final de sua responsabilidade e de sua satisfa-
vista das experiências anteriores dos Parâmetros ção em assumir sua autonomia – ainda mais num
Curriculares Nacionais e das Diretrizes Curricu- contexto de desvalorização econômica e cultural
lares Nacionais, que não podemos mais correr de seu exercício profissional.
riscos não calculados. Decretar o que deverá ser Como resolver essa equação? Como satisfa-
ensinado como base nacional comum teria tudo zer a direitos e demandas tão díspares e assimétri-
para dar errado. Não bastaria alegar que se trata cas? Não é tarefa simples. A cautela e o cuidado
de imperativo constitucional e legal, pois sua efe- com todos os fatores simbólicos e sutis enredados
tivação se fará no plano e no registro da cultura, na cultura educacional brasileira deverão ser pos-
que é de onde vem o alerta ao cuidado. Podería- tos à mesa. A pauta é: negociar, construir consen-
mos perder talvez a última chance histórica de ar- sos. Exige paciência histórica dos gestores (que
ticular o nacional com o regional-cultural garan- estão sempre pressionados a mostrar resultados,
tindo ao mesmo tempo direitos de aprendizagem inevitavelmente). Do lado dos educadores, exige
como política de superação de desigualdades na empenho, compromisso e coerência com tudo
educação brasileira, sem sacrificar a autonomia o que afirmam em defesa da igualdade e da di-
pedagógica das escolas e dos professores. Isso versidade. Do lado das universidades exige uma
significa que o como deverá estar presente não visão clara de que a teoria tem que dialogar com
apenas na ponta (terminal) do processo de como a prática, mais do que nunca marcada por uma
21
realidade adversa com relação às condições cul- se: a) no espectro do conjunto de conhecimen-
turais, econômicas e de trabalho no seio de cada tos que o professor ofereceu ao seu conjunto de
unidade escolar. A clareza curricular, a formação colegas; supõe-se que esse conjunto de conheci-
para o como ensinar e a realidade local são o tema mentos seja relevante e útil para que o aluno pos-
do diálogo entre teoria e prática. sa, apropriando-se dele, ter êxito no seu percurso
de formação de modo a poder ocupar na vida em
VI Tese – Avaliação sociedade um lugar merecido e uma função com
a qual se identifique; b) comparativamente no
Chico Soares – A avaliação que importa é a gradiente hierárquico que espelha o rendimento
que a professora faz na sala de aula, pois bus- do conjunto e de cada um de seus colegas de tur-
ca saber se o seu aluno aprendeu cada uma das ma (estar na média, acima da média ou abaixo
expressões particulares da competência que o da média); c) na zona de seu desenvolvimento
currículo estabelece. Essa informação será usa- proximal pessoal, dentro da qual o próprio aluno
da imediatamente para atender ao aluno. No perceba as limitações e as possibilidades de uso
entanto, o Estado tem o dever de monitorar o dos seus talentos como medida de sua aprendi-
atendimento do direito do conjunto dos alunos. zagem. Dentro deste quadro, o rol de competên-
Direito que não é verificado, é apenas uma uto- cias que o professor elencou como sendo o con-
pia. Por isso, as avaliações externas devem exis- junto de conhecimentos próprios daquela etapa
tir. Claro que não precisam ser apenas de testes de aprendizagem há de ser uma referência a ser
de múltipla escolha – a redação no ENEM é um respeitada a priori; mas isso não isenta o profes-
contra-exemplo. sor da obrigação de justificá-lo no espectro de
outros conhecimentos possivelmente úteis que
Alípio Casali – Vale recordar que avaliar é alimentam o processo produtivo da sociedade
“estabelecer a valia, o valor (...), determinar a naquela conjuntura histórica. Supõe-se também
quantidade e a qualidade (...), apreciar o mérito, que o professor, ao justificar tal rol de conteúdos
o valor de; estimar” (HOUAISS, 2001). Nesse que ele selecionou, não tenha no horizonte uma
sentido, consideramos que avaliar, de modo ge- visão da pessoa do aluno reduzida a “apenas um
ral, é: saber situar, cotidianamente, numa certa profissional a mais no mercado de trabalho”.
ordem hierárquica, o valor de algo enquanto Com efeito, há valores válidos para um su-
meio (mediação) para a realização da vida do(s) jeito, há valores para um mercado de trabalho e
sujeito(s) em questão, no contexto da vida social, para uma cultura (inclusive a cultura política), há
dos valores culturais e, no limite, dos valores valores válidos para a humanidade. O desafio do
universais. No nosso caso, o valor em questão professor consiste em alinhar os conhecimentos
é o conhecimento, o conjunto de outras experi- que seleciona e oferece à aprendizagem dos alu-
ências que a Escola oferece e as vivências que nos como possivelmente significativos em cada
ela propicia. Pensando no aluno concreto, para um desses âmbitos.
que ele possa seguir com êxito em seu processo Em outras palavras: toda instituição educa-
de aprendizagem, é preciso que ele saiba situar- tiva, com seu processo de ensino e seu sistema
22
de avaliação, deve supor que está realizando um conteúdos mínimos do que seria parte da base
projeto que faz sentido para cada aluno, como nacional comum. É um dos efeitos da Prova
elemento de seu pleno desenvolvimento, ca- Brasil e do Enem.
paz de prepará-lo para o exercício da cidadania
e qualificá-lo para o mundo do trabalho, e que VII Tese – Desafios atuais
esteja alinhado com os valores da cultura local, da avaliação
regional e nacional e, ademais, tenha validade
universal. Evidentemente, o que mais atrai a Chico Soares – Os sistemas de avaliação têm
atenção de professores e alunos nesse processo hoje dois desafios. Contextualização e relevância
de avaliação é quase sempre o mais quantificá- pedagógica. A contextualização é uma necessi-
vel. Entretanto, olhar para a avaliação como ele- dade quando se aceita a formulação de Amartya
mento do conjunto da cultura escolar requer o Sen que os resultados, importantes para se ava-
registro de outras variáveis qualitativas, como já liar uma política pública devem ser abrangentes
apontado no Comentário Inicial e no Comentário – “comprehensive results”. A relevância pedagó-
à Tese 1. gica se concretiza na interpretação pedagógica
A avaliação é um credenciamento, um uso dos números. Estes são sínteses administrativas
de poder e, em consequência, uma distribuição úteis, mas limitadas. Há muito espaço nessa di-
de poderes, uma validação, uma autorização – reção e pouca pesquisa.
ou os seus contrários. O poder de atribuir valor
a desempenhos e a resultados é a medida do po- Alípio Casali – O desafio da relevância pedagó-
der do professor em definir o futuro poder do gica de um sistema de avaliação cumprido pelo
aluno. Por isso o sujeito ou grupo ou instituição Estado se resolverá na medida em que se diag-
avaliado(a) deve poder saber o quanto foi va- nosticar adequadamente o funcionamento dos
lidado, como foi validado e por que (mediante sistemas educacionais e, neles, o rendimento es-
quais critérios) foi validado – ou invalidado. colar dos estudantes, segundo os parâmetros da
Deve poder saber do valor que foi atribuído a aprendizagem acumulada que é esperada deles
seu desempenho e a seus resultados. Tal poder em cada etapa. É aqui que a relevância pedagó-
do professor de avaliar é parte do seu dever de gica requer a contextualização para ser adequa-
ensinar, e deve ser cumprido com a mesma ex- damente apurada. Pois é em relação ao contexto
celente qualidade do ensinar. do modelo de desenvolvimento econômico e so-
O Estado tem, igualmente, mas com a su- cial do país que, em última instância, a relevância
prema responsabilidade, o dever de monitorar pedagógica se define. Comparar o rendimento de
o atendimento do direito do conjunto de alu- nossos estudantes com os estudantes da Finlân-
nos, mediante os diversos dispositivos de ava- dia só não soará descabido, e mesmo absurdo, se
liação, inclusive de avaliação institucional. Ao se considerar que não há uma linha sequencial
mesmo tempo, os dispositivos de avaliação de de desenvolvimento entre o percurso do sistema
desempenho de aprendizagem cumprem uma educacional brasileiro e o percurso do sistema
importante função indutora da demarcação de educacional finlandês. Ou seja, o ideal ou destino
23
do Brasil não é tornar-se uma Finlândia. A relação cidadãs brasileiros que se deslocaram socialmen-
que temos com aquele país, em outras palavras, te para cima: de um padrão de qualidade de vida
se compreende como sendo uma relação de com- próximo à pobreza para um padrão compatível
paração analógica e não de imitação, tanto quan- com um desenvolvimento econômico e tecnoló-
to um aluno de rendimento médio numa turma gico razoavelmente mais seguro e saudável.
se esforça para alcançar um melhor rendimento Do lado propriamente pedagógico, cabe insis-
para si, mas não para ser igual ao primeiro aluno tir que o foco na prática e na centralidade da vida
da turma. Nossa pergunta fundamental, portanto, do aluno talvez possa ser considerado o melhor
não é “onde estão os modelos bem sucedidos para legado das teorias e práticas pedagógicas do sécu-
que os apliquemos?” e sim “que potencialidades lo XX, que permanece, todavia, sem satisfatória
temos para crescer e desenvolver de modo social- solução nesse começo de século XXI. A questão
mente justo, e qual é a função estratégica da edu- mais crítica, a meu ver, é a do interesse. O tema
cação de qualidade nesse desenvolvimento, para é antigo, vem na Modernidade desde Comenius,
que saibamos quais boas experiências de outros passando por Dewey e encontrando em Paulo
países têm algo a nos ensinar e quais currículos Freire a sua formulação brasileira mais própria.
podemos adotar no contexto de nossa diversida- Quando o jovem vê valor e utilidade econômica
de de talentos regionais e locais, sem prejuízo do e social na aprendizagem, ele investe. O Pronatec
valor de nossa unidade nacional?” é um exemplo bem sucedido de como o interes-
Nesse sentido, acreditamos que um órgão se pode ser motor decisivo de desenvolvimento
de Estado como o Inep, encarregado de estudos, de aprendizagem: quase oito milhões de jovens
pesquisas e avaliações dos sistemas educacionais perceberam seu poder estratégico de possibilitar
brasileiros, com o objetivo de subsidiar a formu- melhores colocações no mercado de trabalho e
lação e implementação de políticas públicas para nele investiram.
a área educacional a partir de parâmetros de qua- Dado este exemplo, fica claro que não estamos
lidade e equidade, tem enorme responsabilidade falando do interesse apenas no plano psicológico
diante do futuro do país, e o seu percurso históri- de cada aluno. Projetos pedagógicos focados ape-
co recente nos permite sermos otimistas. nas em interesses psicológicos deixam escolas e
professores perigosamente reféns de caprichos e
Comentários finais contingências dos alunos. Interesse do aluno vem
essencialmente de sua condição social. A opor-
Alípio Casali – Chico Soares posicionou-se tunidade educativa é mobilizarmos uma energia
como educador, como pesquisador e como ges- juvenil similar na escola pública regular.
tor público, especificamente como presidente do Encontramo-nos num momento histórico pe-
Inep, ou seja, pensando a partir do lugar de res- culiar de desenvolvimento do nosso modelo edu-
ponsabilidade do Estado. cacional: o início de vigência do Plano Nacional
O tamanho da responsabilidade do Inep, na de Educação, válido até 25 de junho de 2024.
atual conjuntura, está em boa medida na razão di- Temos nele referências e exigências suficiente-
reta da extraordinária quantidade de cidadãos e mente boas para fazermos avançar nos próximos
24
10 anos a quantidade e a qualidade que a nossa eficientes para a formação cidadã e aproximan-
educação pública merece. do do mundo do trabalho. Com a base nacional
comum, poderemos também construir os novos
Chico Soares – As posições do Professor Alípio, currículos do ensino superior, ponto fundamental
tão claramente elaboradas nos seus comentários, para a formação dos novos professores.” Fala
não estão muito longe do que penso em vários da Presidenta Dilma, na abertura da CONAE
aspectos. As nuances exigiram outros debates. 2014 (20/Nov).
Dois registros. Quando falo sobre os aprendiza-
dos que cada estudante deve ter a oportunidade
de desenvolver na escola, eu sempre incluo três Referências bibliográficas:
dimensões, a cognitiva, as sociais e emocionais e CASALI, Alípio. Fundamentos para uma avaliação educativa. In:
as éticas. Mas entendo que o sistema de monito- CAPPELLETTI, Isabel (Org.). Avaliação da aprendizagem: discussão de
caminhos. São Paulo: Editora Articulação Universidade / Escola, 2007.
ramento dos resultados da educação, externo às CASALI, Alípio. O que é Educação de Qualidade. In: MANHAS, Cleomar.
Quanto Custa Universalizar o Direito à Educação? Brasília: Instituto
escolas, não tem como se ocupar de todas elas. de Estudos Socioeconômicos / UNICEF, 2011. 210 p.
CASALI, Alípio e CHIZZOTTI, Antônio. O paradigma curricular europeu
Por outro lado, o acompanhamento de cada alu- das competências. Cadernos de História da Educação, v. 11, n. 1,
jan.-jun. 2012. Universidade Federal de Uberlândia. Disponível em:<
no que deve ser feito pelos professores deve con- http://www.seer.ufu.br/index.php/che/search/titles?searchPage=9>.
siderar todas e o projeto pedagógico da escola CURY, Carlos Roberto. A Educação básica como direito. Cadernos de
Pesquisa, v. 38, n. 134, maio-ago. 2008.
deve ter espaço para todas. DELORS, Jacques et al. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório
para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o
Sobre a base nacional comum, concordo que século XXI. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC; UNESCO, 2006.
HOUAISS, Antonio. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de janeiro:
sua construção deve ser feita de forma ampla- Objetiva, 2001.
OECD. The Definition and Selection of Key Competencies: Executive
mente participativa. Quem fala no MEC sobre Summary. 2005. [Definição e Seleção de Competências-chave:
este tema é a SEB – Secretaria de Educação Bá- Resumo Executivo]. Organisation for Economic Co-operation
and Development. Paris. Disponível em: <http://www.oecd.org/
sica. A importância da participação ampla está dataoecd/47/61/35070367.pdf>.
SEN, Amartya. A ideia de justiça. Tradução de Denise Bottmann e
presente em todas as discussões que já acontece- Ricardo Doninelli Mendes. Editora Companhia das Letras, 2009.
SOARES, José Francisco; MAROTTA, Luana. Desigualdades no Sistema
ram. Apenas registro a importância do tema para de Ensino Fundamental Brasileiro. In: VELOSO, Fernando et al. (Org.).
Educação Básica no Brasil: construindo o país do futuro. Rio de
o futuro da educação básica brasileira e a impor- Janeiro: Campus, 2009. p. 73-91.
tância do diálogo entre os pesquisadores educa- SOARES, José Francisco. Avaliação da qualidade da educação escolar
brasileira. In: SCHWARTZMAN, Felipe et al. (Org.). O Sociólogo e as
cionais sobre essa questão. Isso será necessário políticas públicas: ensaios em homenagem a Simon Schwartzman.
Rio de Janeiro: FGV Editora, 2009. p. 215-241.
tendo em vista as palavras da Presidente Dilma SOARES, José Francisco; TORRES, Flávia Alexandra de Oliveira; ALVES,
Maria Teresa Gonzaga. Escola Eficaz: Um estudo de três escolas da
na abertura da CONAE: rede pública de ensino do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Segrac, 2002. 116p.
“Esperamos que a conferência [CONAE] TORO, Bernardo; WERNECK, Nísia Maria Duarte. Mobilização social:
trate da construção da base nacional comum um modo de construir a democracia e a participação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004. 104 p.
prevista no PNE e na Lei de Diretrizes e Bases da YOUNG, Michael F. D. O futuro da educação em uma sociedade do
conhecimento: o argumento radical em defesa de um currículo
Educação Nacional. Com a explicitação dos di- centrado em disciplinas. Revista Brasileira de Educação, v. 16 n. 48,
set.-dez. 2011.
reitos de aprendizagem e desenvolvimento a cada UNIÃO EUROPEIA. Recomendação do Parlamento Europeu e do
Conselho sobre as Competências-chave para a Aprendizagem ao
ano da educação básica. Este deverá ser o ponto Longo da Vida - Quadro de Referência. 16 dez. 2006. Diário Oficial da
de partida para as mudanças curriculares dos União Europeia, 30 dez 2006. L394. 10-18. Disponível em: <http://
eurlex. europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2006:394:0010
ensinos fundamental e médio, tornando-os mais :0018:PT:PDF >.

25
Avaliação como ato
de democracia
Por Fernando José de Almeida
Filósofo e pedagogo, doutor em Filosofia da Educação pela PUC-SP, onde leciona no
curso de pós-graduação em Currículo. É consultor e pesquisador da UNESCO/TV
Escola e atual Diretor da DOT/SME.

Durante algumas décadas [1970-1990], no ingenuamente se insiste em apregoar” (p.7).


Brasil, a avaliação foi a vilã e a causadora de Na verdade, na curta apresentação de Freire,
quase todos os males da Educação escolar e o que está sugerido por ele é que a socieda-
sobretudo daqueles da escola pública. de e seu modelo injusto é que está em crise,
Considerada como instrumento de autori- é da sociedade a crise. A escola só pode ser
tarismo por parte do professor, que a usava decifrada se tivermos a “inteligência de como
para manter os alunos disciplinados e sem o poder, nesta ou naquela sociedade, se vem
participação, ela deveria ser banida em nome constituindo, a serviço de quem e desservindo
da vivacidade de aula, da curiosidade espon- a quem, em favor de que e contra que” (idem;
tânea do aluno e da democratização da disci- ibidem).
plina férrea e desnecessária. Tal crítica circunscrevia-se no contexto da
Foi considerada também a maior cau- crítica à escola como reprodutivista do mo-
sadora da exclusão das classes baixas que delo econômico capitalista e de seus valores.
frequentavam a escola e que, por não terem Nesta esteira encontravam-se muitos dos tra-
condições culturais adequadas, eram repro- balhos de autores como Bourdieu, Passeron,
vadas um sem-número de vezes até desisti- Althusser, Nidelcoff, entre outros.
rem da escola pela múltipla repetência e pela Mas não param aí as denúncias contra o
disparidade idade/série que ia se ampliando caráter excludente e autoritário da avaliação.
à medida que as reprovações se davam. O li- Para ser breve, traremos aqui apenas mais
vro “Cuidado Escola”, com apresentação de uma crítica que, junto com as duas já relata-
Paulo Freire, organizado por Babette Harper, das, quase sepultaram as atividades avaliati-
com ilustrações do magnífico Claudius Cec- vas da e na escola.
con, é uma mostra de como isso acontecia e Foi anexada às tarefas avaliativas, a in-
era visto. Paulo Freire diz que o livro deve ser cumbência aos avaliadores escolares de ava-
lido com cautela, atenção e senso crítico, pois liarem as atitudes. Com este alargamento do
a escola “não está em crise, como astuta ou escopo educativo foi trazido para o campo de
26
competência do professor o compromisso de É importante ainda, esclarecer uma ou-
avaliar e de dar notas para atitudes como inte- tra variável desta equação. Avaliações justas,
resse, solidariedade, consciência crítica, sen- precisas, com forte cunho pedagógico de aná-
so de colaboração, participação etc. etc. lises que orientavam de fato os alunos para a
Aí, degringolou completamente o conceito aprendizagem, sempre existiram. Sempre.
de avaliação da aprendizagem em um emara- Mas tais experiências certamente eram omi-
nhado de exigências e contraexigências: qual tidas e não se procuravam analisá-las, difundi-
o sentido de o que é a avaliação e como se las, ou construir a partir delas elementos fun-
a realiza, quem a faz e como a documenta, damentais para uma avaliação de qualidade
como observa e como conclui, em forma de social. Foi mais fácil destruir tudo e começar
registros, as atitudes e valores e o desempe- de novo. O que foi um atraso certamente enor-
nho da aprendizagem de alunos e de turmas. me para a educação brasileira.
Como classifica os alunos, como decide so-
bre sua capacidade de continuar os estudos, História paralela
como se estabelecem as regras de jogos, nem Paralelamente à tal discussão e buscas de
sempre claras como as definições concretas e novos modelos acontece o crescimento ver-
comportamentais do que é participação, inte- tiginoso da escola pública brasileira, nestes
resse, envolvimento nos grupos e respeito ao anos 1980-20001, que tendo o atendimento à
bem comum, ou ainda, consciência crítica. demanda como obrigação da família e dever
Lista quase infinita de exigências. do Estado, abriga 98% da população da faixa
A tarefa ficou tão exigente e etérea, incon- etária de 6 a 14 anos.2
sistentes as demandas à figura do professor Tal realidade coloca face a face como im-
trazendo para ele a identificação ao juiz todo- perativo aos educadores, gestores, professo-
poderoso e injusto, pois sempre desconside- res e governantes a tarefa de elaborarem as
rava algo do aluno que poderia fazer dele um políticas concretas e eficazes para avaliar o
cidadão de sucesso e feliz com a escola. que acontece com a educação escolar. Cabe a
Nesse ponto chegamos ao início do sécu- ela atender, de fato, as expectativas que todos
lo XXI com uma imagem perversa e torpe da temos com relação aos resultados dos proces-
avaliação escolar. Insisto: chegamos a este pa- sos e produtos da aprendizagem escolar.
norama sobre avaliação pelo fato (talvez bem- Tal exigência agora extrapola a prestação
intencionado, mas perverso) que eram toma- de contas pedagógicas do que o aluno deve
das imagens parcelares da avaliação, identi- aprender mas também do que a escola deve
ficando-a por seus excessos, pelas suas cari-
caturas, pelos desmandos de fato existentes, 1 Apenas em 1988 foi criado o SAEB (Sistema de Avaliação da
mas que não poderiam execrar toda e qualquer Educação Básica) que visava não apenas a aprendizagem dos
estudantes mas também “fatores de contexto relacionados com
avaliação do cenário escolar como elemento o desempenho escolar”.
2 Não se pode esquecer que as pressões sobre as obrigações de
fundamental para se compreender e praticar o
atendimento da escola pública à Educação Básica não param aí,
ensino e a aprendizagem. mas se estendem também à Educação Infantil e ao Ensino Médio.
27
ensinar e de como são dadas condições por Hoje a SME-SP abriga em suas práticas
parte do Estado para que se cumpram as exi- diversos setores: a Prova Brasil cujos resulta-
gências da Lei. dos de proficiência e de fluxo geram o Ideb;
Uma variável que balançou as estruturas a adesão das nossas escolas à Provinha Bra-
dos conceitos de avaliação foi a inserção do sil, duas vezes por ano aplicada e analisada;
Brasil nos exames da OCDE, que resultou em a prova ANA, Avaliação Nacional de Alfabe-
constatações questionadas mas sempre assus- tização, aplicada pela primeira vez em 2014
tadoras de nossa inclusão no quadro de algu- e o ENEM, com a participação dos alunos do
mas nações. Incomparáveis alguns resultados, Ensino Médio. Além dessas avaliações exter-
preocupantes outros, instigadores sempre so- nas, são enviadas, bimestralmente, a todas as
bre o que de fato acontece com nossas escolas classes de 4o ao 9o ano, sugestões de provas
e o aprendizado de nossos alunos. bimestrais de Língua Portuguesa, de Mate-
Os sistemas institucionais de avaliação mática e de Ciências, com 19 questões cada.
hoje emanados não apenas da Federação, mas Todas as provas têm seus resultados inseridos
também dos Estados e mesmo dos Municí- no sistema e as escolas recebem, em 72 ho-
pios [como é o caso de nossa cidade de São ras, os resultados avaliados com uma primei-
Paulo] atendem uma enorme amplitude de ra análise de tipos de acertos e erros da classe
objetivos. Dos sistemas avaliativos captamos e de cada aluno.
dados que ora se referem à aprendizagem dos Esse conjunto de dados resultantes das
alunos, ora eles são pertinentes ao cruzamen- avaliações deve ser tratado pelas escolas por
to de rendimentos de aprendizagem com da- meio de seus coordenadores pedagógicos e do
dos socioculturais, ora trazem elementos de grupo de professores de forma interdiscipli-
compreensão dos contextos de aprendizagem nar. O resultado das provas externas, como a
e ensino, como os dados da provinha Brasil, ANA e o Ideb de cada escola são entregues
aplicada duas vezes por ano e com correção e pelo Inep para cada diretor de escola que dis-
lançamento de competência das escolas, com cutem, analisam e tomam decisões pedagógi-
orientação pedagógica advinda do Inep. cas com relação aos encaminhamentos pos-
Paralelamente ao reclamo geral, com re- síveis. O tratamento amplo destes resultados
lação aos possíveis e apontados descalabros são de competência das Diretorias Regionais
das atividades avaliativas e políticas, práticas de Educação, em parceria com DOT/SME.
foram sendo elaboradas na escola e nos siste- Além deste conjunto de dados advindos
mas escolares que foram deixando para trás dos parceiros externos avaliadores ainda são
algumas das críticas, superando-as e abrindo coletados dados sobre o desempenho diário
uma outra porta de debate e experimentos. dos alunos nas nossas quase 500 escolas de
Entre elas as avaliações de larga escala e as Educação Fundamental, em cada classe, em
que vão relacionando os debates internacio- cada componente curricular. A partir deles
nais com o, aparentemente, miúdo interior são trabalhados os procedimentos usuais e
das salas de aula. cotidianos de avaliação como tarefas de casa,
28
ou pesquisas em bibliotecas, ou atividades que possam resultar em correções imediatas
nas diferentes mídias, nas atividades de gru- de rumo e num planejamento macro de suas
pos, em pesquisas e projetos do dia a dia em políticas de formação de professores e de téc-
todas as áreas do currículo. Todo este material nicos e gestores da rede. A família envolvida
recolhido pode ser lançado no SGP (Sistema e o aluno, com voz mais constante e pública,
de Gestão Pedagógica). Nele são registrados devem interferir na melhoria do ensino e da
não apenas as presenças/faltas e notas dos alu- aprendizagem.
nos mas os planos de cursos, a matéria dada a
cada dia, assim como os aconselhamentos do Avaliação para a aprendizagem
Conselho de Classe aos alunos e recomenda- como democracia
ções aos pais e familiares. O ato básico da democracia é a abertura
Os alunos têm neste espaço um campo ao debate e levar em conta seus resultados.
para preencherem as suas propostas de traba- Uma decorrência desta perspectiva é publicar
lhos para o bimestre seguinte, com vistas à sempre com transparência as regras, os pro-
sua melhora de desempenho. O que faz deste cedimentos, as dificuldades e os êxitos de um
espaço SGP um boletim do aluno e não ape- sistema. No caso, o de avaliação.
nas para o aluno. A Educação escolar pública, como direito
Os pais têm acesso on-line a qualquer constitucional e cada vez mais amplo, regula-
tempo ao boletim virtual de seu filho, po- mentável cada vez mais, em constante diálo-
dendo ser informados do plano de curso de go com a sociedade, por meio de um PNE que
todos os professores, das presenças de seus se constitui como fruto de um debate nacio-
filhos assim como das recomendações do nal, tem na avaliação de qualidade um de seus
Conselho para a melhoria de aprendizagem esteios. Mas não se trata apenas de um direito
de cada aluno.3 de transparência das aprendizagens em todos
Os resultados da provinha Brasil são de os níveis – até os cursos de pós-graduação
competência de análise de cada professor, na- prestam contas de suas produções e cumpri-
turalmente acompanhado e coordenado pela mento de metas – mas também de prestação
equipe de gestores da escola. de contas sobre os gastos públicos, inclusive
O conjunto de atividades descrito acima por ser o setor que tem, em princípio, no mí-
permite criar um clima de debate, de análise, nimo 25% dos recursos de impostos para sua
de prestação de contas e de corresponsabili- manutenção.
dade entre os agentes da educação para que se A evolução dos mecanismos de financia-
crie um ambiente democrático de avaliação e mento da educação, amplamente conhecidos a
de análise de seus resultados. Alunos, pais, partir do Fundef, hoje evoluídos para Fundeb4,
responsáveis, diretores, professores, super-
visores, coordenadores pedagógicos e os ór- 3 São garantidos também a todos os pais boletins em papel que
podem ser demandados à escola.
gãos centrais se informam e, de forma plane-
4 Callegari, C. Mudanças no financiamento da Educação.
jada e coletiva, preveem ações pedagógicas www.cesarcallegari.com.br/files/apresentacoes/2ppt
29
só ganharam tal envergadura pelos seus me- Resultados publicados com Notação de
canismos de transparência e de corresponsa- zero a dez [0 a 10].
bilidade social de seus agentes e executores. Apresenta-se aqui, advinda do Progra-
Assim também para as políticas educacionais ma Mais Educação São Paulo, a proposta
de avaliação, a prestação de contas é uma base de notas zero a dez [0 a 10] como forma de
de seu êxito e de sua eficácia pedagógica, não divulgação da avaliação da aprendizagem do
apenas contábil. aluno da Rede Municipal de Ensino.
Tal proposta vem substituir o modelo, até
Os resultados das AVALIAÇÕES preci- 2013 em vigência, de apresentar os resulta-
sam ser publicados. dos por conceitos – P (Plenamente Satisfató-
A avaliação, quando feita para a apren- rio), S (Satisfatório), NS (Não Satisfatório).
dizagem, – e não apenas para classificação A proposta não é novidade nem retrocesso.
ou reprovação – deve ser objeto de publi- É mais objetiva e ligada a indicativos mais
cização, para reflexão, análise e tomada de próximos do nosso cotidiano e do sistema
decisões sobre o processo de aprendizado e numérico usual.
ensino vivido por alunos e professores. Os sistemas de notações dos resultados-
Os resultados precisam ser divulgados conceitos, notas, avisos, relatórios – são va-
não apenas internamente à escola mas aos riados e vêm mudando muito nas últimas dé-
alunos e à família, em forma de boletins, de cadas o que resulta em enorme dificuldade
cadernos, de relatórios, de arquivo digital ou para sua interpretação clara e coerente, seja
em papel. Tais publicações permitem que o para o aluno, seja para as famílias. Espera-se
aluno possa ser estimulado a continuar em também que o aluno seja orientado a elabo-
seus êxitos ou ser reorientado em suas difi- rar procedimentos de autoavaliação.
culdades. Cabe à escola diagnosticar e orien- Qualquer que seja a forma de registro, o
tar os trajetos cognitivos dos alunos. Aos pais Conselho da Escola tem um papel decisivo
e responsáveis cabe acompanhar e participar, na interpretação e condução dos resultados,
dentro de seus limites e funções, da vida es- pois cabe a ele acompanhar e valorizar o
colar e do desenvolvimento de seus filhos. processo dos estudos dos alunos e sua orien-
O importante é o diálogo que se abre com tação à família.
tais dados e com as interlocuções daí origi- Tal notação é sugerida para o Ciclo In-
nadas. terdisciplinar [4 o ao 6 o ano] e para o Ciclo
As notações representam não apenas um Autoral [7o ao 9o ano].
ato de tornar público o resultado, mas uma Exceção se faz ao Ciclo de Alfabetização
forma clara, sucinta dentro de indicadores em que as notações de rendimento dos alu-
de rápida e simples compreensão. Daí nasce nos serão expressos em relatórios, conceitu-
o diálogo entre o pretendido pelos objetivos ação e recomendações para o seu trabalho;
escolares de aprendizagem e a realidade de sendo fortemente recomendado que já se ini-
cada aluno em seu contexto. ciem nesta fase momentos e registros de au-
30
toavaliação. Tais recomendações podem ser De um lado vermos as manifestações dos
feitas em forma de boletins personalizados problemas, verificarmos suas causas e analisá-
disponíveis em rede, além das reuniões que las com as próprias turmas e com os alunos.
são costumes no interior de cada escola. Os coordenadores pedagógicos são excelentes
companheiros neste apoio ao diagnósticos.
Da constatação à orientação para a prática Mas cumpre o trabalho coletivo ser com-
de sala de aula posto com a direção da escola.
Saber que há dificuldades na aprendiza- O currículo é o parceiro fundamental des-
gem e no ensino é mais fácil que propor so- ta equação. Sem conhecermos e calibrarmos
luções para os impasses. as formas como ele irá se construindo, a es-
Mas a primeira e fundamental parte do cola e sua finalidade não chega em nada.
trabalho do educador é saber fazer o diag- E assim, se conseguirmos andar com to-
nóstico dos dados e notações. O diagnósti- das essas variáveis, a melhoria da qualidade
co, muitas vezes, na educação escolar é feito da escola andará.
apenas pelas conclusões do senso comum Como dizia Francisco Soares, os três passos
“conheço este tipo de aluno”, “fui professor para termos uma escola de qualidade social são:
de um irmão dele que era assim também”, Acesso, trajetória regular e aprendizagem.
“eu já tinha avisado a ele que precisaria fa- Hoje temos o acesso quase universalmen-
zer todas as lições senão ele não passaria te garantido e com ampliações a cada dia.
de ano!”, “ela é inteligente, mas não presta Ampliam-se as oportunidades e acesso pela
atenção à aula e conversa muito”... mas tais ampliação das faixas etárias mais novas [4-6
e tantas observações que são pistas iniciais anos], assim como pelos direitos ampliados
para o diagnóstico não esgotam o entendi- que se estendem para o ensino médio.
mento nem garantem que as causas da não Mas se o acesso foi uma conquista demo-
aprendizagem sejam tocadas. Fatores outros rada, de quase 500 anos, a trajetória regular
intervêm nas origens do não aprender. Os ní- em termos de idade/série é um imperativo, e
veis dos fatores se estocam, se acumulam, se a aprendizagem é a culminância destes direi-
antagonizam, se complementam e se origi- tos, conquistas e melhorias. É dentro deste
nam de múltiplas causas. contexto que vemos a avaliação como um di-
Para enfrentarmos, coesamente, tais difi- reito e como um ato de democracia.
culdades temos que nos posicionar de uma
dupla maneira, dentro da brevidade em que Referências bibliográficas:
um artigo deste tamanho pode conter.5 ALMEIDA, F. José. (org.). Avaliação educacional em debate:
experiências no Brasil e na França. Ed. Bilíngue. São Paulo: Cortez;
Educ, 2005.
CALLEGARI, C. (org.). São Paulo: Ground; APEOESP, 2008.
5 O artigo da professora Érica M. Catalani vai trazer luzes mais GATTI, B. Vinte e cinco anos de avaliação de sistemas educacionais
precisas sobre os diagnósticos possíveis das respostas de nossos no Brasil. Florianópolis: Insular, 2013.
alunos em suas múltiplas provas feitas no ano de 2014, assim HADDAD, Sérgio. (org.). Banco Mundial, Omc, Fmi: impactos nas
como os resultados comentados que foram enviados a cada es- políticas educacionais. Cortez; Açao educativa; Actionnaid, 2008.
cola e a cada sala de aula, com sugestões de formas de trabalho HARPER, B. Et ali. Cuidado Escola! Prefácio de Paulo Freire. 4.ed. São
com os alunos e com as dificuldades. Paulo: Brasiliense, 1980.

31
Como usar os dados
das provas externas
enquanto diagnóstico para replanejamento
Por Érica Maria Toledo Catalani
Graduada em Matemática e em Pedagogia com especialização em Modelagem Mate-
mática, mestre em Educação Matemática pela Universidade Estadual de Campinas,
doutoranda em Educação na temática de avaliação na USP e coordenadora do Núcleo
de Avaliação Educacional da SME-SP.

As avaliações externas e de larga escala legítimas, tais como: os resultados demoram


constituem um acontecimento que recentemente a chegar nas escolas e não são compreendidos
passou a fazer parte da educação de todo o país. pelos educadores, as provas deixam de levar em
Esta cultura invadiu a educação brasileira marca- consideração as realidades locais, entre outros.
damente com o Sistema Nacional de Avaliação Outra parte se assenta no desconhecimento de
da Educação Básica (Saeb), nascido em 1990, que essa avaliação responde a uma pergunta so-
com dois propósitos: avaliar a qualidade, a equi- bre a aprendizagem dos (as) alunos (as) que não
dade e a eficiência do ensino e fornecer subsídios é respondida pelas avaliações internas.
para a formulação de políticas públicas. As avaliações internas, de modo geral,
Certamente, houve rejeição por parte dos abrangem a seguinte pergunta fundamental:
educadores e equipes escolares no que diz res- o que o aluno aprendeu daquilo que foi tra-
peito à realização de avaliações externas, tendo balhado/ensinado?1 Já as avaliações externas
em vista que a avaliação era tomada como ativi- abrangem uma pergunta também fundamental,
dade a ser essencialmente realizada pelo profes- mas diferente: o que o aluno deveria ter apren-
sor em sala de aula, contudo a resistência vem dido daquilo que deveria ter sido trabalhado/
sendo combatida com processos de formação e ensinado?2
o convencimento de que o país precisa dar um
passo à frente ao buscar dados empíricos para 1 Questão discutida em palestra do Professor Dr. José Francisco
um diagnóstico que subsidiará decisões mais Soares, realizada na Reunião de Trabalho do Grupo de Implan-
tação Permanente do Programa Mais Educação São Paulo da
abrangentes e políticas que visem a qualidade Secretaria Municipal de Educação (SME), sob o título: Currí-
culo e avaliação – aproximações necessárias, em 21 de agosto
social da educação.
de 2014, no auditório da CONAE.
Parte da rejeição se assenta em questões 2 Idem.
32
Nessa perspectiva, ela permite apreender to Escolar dos Alunos da Rede Muni-
aspectos do direito à aprendizagem que foram cipal de Ensino de São Paulo
desconsiderados, servindo à equidade e à qua- Retomando a base legal de nossa Rede, a
lidade social da educação. Lei Municipal no 14.063, de 14/10/20055 visa-
Compreendida essa necessidade, os educa- va à constituição do Sistema de Avaliação de
dores poderão ter consciência de que as infor- Aproveitamento Escolar dos Alunos da Rede
mações produzidas pelas avaliações externas Municipal de Ensino de São Paulo que subsi-
complementam as importantes informações diasse os gestores da Secretaria Municipal de
trazidas pelas avaliações internas e institucio- Educação nas tomadas de decisão em relação
nais. Nas palavras de Freitas à Política Educacional do Município, verifi-
[...] postulamos a existência de três níveis cando o desempenho dos alunos nas séries do
integrados de avaliação da qualidade de ensino fundamental e médio, nos diferentes
ensino: avaliação em larga escala em re- componentes curriculares, de modo a forne-
des de ensino (realizadas no país, estados cer ao sistema de ensino, às equipes técnico-
ou municípios); avaliação institucional pedagógicas das Diretorias de Educação e às
da escola (feita em cada escola pelo seu unidades educacionais informações para a:
coletivo) e a avaliação da aprendizagem a) formação continuada dos recursos hu-
em sala de aula, sob responsabilidade do manos do magistério;
professor. b) viabilização da articulação dos resulta-
(FREITAS, 2009, p.10)3 dos da avaliação com o planejamento escolar,
a formação dos professores e o estabelecimen-
Mas a utilização dos resultados das avalia- to de metas para o projeto pedagógico de cada
ções externas exigiria um conhecimento técni- escola;
co, mesmo que mínimo, sobre elaboração de c) orientação para os trabalhos desenvol-
testes educacionais. Ocorre que tal conheci- vidos nas Ações de Apoio Pedagógico, com
mento foi banido da formação dos professores, os alunos que necessitam de recuperação na
na década de 70, por sua relação com o modelo aprendizagem.
tecnicista de graduação na área. Quanto a este Nos primeiros seis anos de vigência da Lei,
detalhe, Gatti4 alerta para o fato de termos “jo- a prova que subsidiou a tomada de decisão foi
gado fora o bebê com a água do banho”, pois
renegamos o modelo tecnicista e esquecemos 3 FREITAS, L.C. et al. Avaliação educacional: caminhando
que determinados conhecimentos técnicos, pela contramão. Petrópolis: Vozes, 2009 (Coleção Fronteiras
Educacionais).
como os que subsidiam sobre a elaboração de 4 Em Palestra no IV Seminário Interno do Grupo de Implan-
tação Permanente do Programa Mais Educação São Paulo da
bons instrumentos de avaliação, são necessá- Secretaria Municipal de Educação (SME), em 28 de julho de
rios para a prática pedagógica. 2014, intitulado Avaliação para aprendizagem: avaliação exter-
na e em larga escala.
5 Alterada pela Lei nº 14.650, de 20 de dezembro de 2007 e pela
Uma Prova não! As “Provas” do Sis- Lei nº 14.978, de 11 de setembro de 2009, implementada pelo
Decreto nº 47.683, de 14 de setembro de 2006, alterado pelo
tema de Avaliação de Aproveitamen- Decreto nº 49.550, de 30 de maio de 2008.
33
a Prova São Paulo. Como a legislação em vigor volvimento da Educação Básica (Ideb). Faz
se refere à existência de um Sistema de Ava- parte também da Anresc bem como do ciclo de
liação de Aproveitamento Escolar dos Alunos avaliação do Pacto Nacional de Alfabetização
da Rede Municipal de Ensino de São Paulo na Idade Certa (Pnaic) a Avaliação Nacional
que faça uso de avaliações externas, a Equipe da Alfabetização – ANA, avaliação realizada
da Secretaria Municipal de Educação de São anualmente, envolvendo os alunos do 3o ano
Paulo (SME/SP) atende hoje essa legislação, do Ensino Fundamental, que avalia Língua
combinando avaliações e provas externas re- Portuguesa – leitura e escrita – e alfabetiza-
alizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e ção Matemática. Está incluída no Pacto, no
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) qual o acompanhamento das aprendizagens é,
e outras provas, como as Provas Bimestrais também, realizado por meio de provas e ava-
elaboradas pelo Núcleo de Avaliação Educa- liações orientadas no processo de formação de
cional da SME/SP. professores, encaminhadas pelo Inep.
As Provas Bimestrais foram articuladas Além desse instrumento, há a Provinha
para atender objetivos de avaliação diretamen- Brasil, uma prova diagnóstica realizada duas
te relacionados ao Programa Mais Educação vezes no ano, uma no início e outra no fim,
São Paulo – Programa de Reorganização Cur- envolvendo as crianças do 2o ano do ensino
ricular e Administrativa, Ampliação e Fortale- fundamental e que também avalia Língua Por-
cimento da Rede Municipal de Ensino de São tuguesa – leitura e Matemática.
Paulo. Outra ação importante é que a Secretaria
A cidade de São Paulo também participa Municipal de Educação oferece, bimestral-
do Sistema de Avaliação da Educação Básica mente, instrumentos de Língua Portuguesa
(Saeb)6, especificamente, da Avaliação Nacio- e Matemática, para que os professores utili-
nal do Rendimento Escolar (Anresc), também zem nas avaliações e obtenham relatórios dos
denominada “Prova Brasil”. É uma avaliação avanços e dificuldades dos estudantes do 4o
de Língua Portuguesa – leitura e Matemática ao 9o anos. Esses instrumentos, chamados de
realizada a cada dois anos, envolvendo os alu- Provas Bimestrais, serão ampliados em 2015
nos do 5o ano e do 9o ano do Ensino Funda- para Ciências Naturais e Humanas.
mental. Com os resultados da Prova Brasil e os Tais provas buscam apoiar os professores,
resultados do fluxo da escola, obtidos do Cen- fornecendo ferramentas elaboradas segundo
so Escolar, o Inep calcula o Índice de Desen- especificações técnicas para otimizar o tempo
destinado à ação pedagógica.

6 Sistema que tem como principal objetivo avaliar a Educação


Básica brasileira e contribuir para a melhoria de sua qualidade
Algumas dicas para elaborar a prova
e para a universalização do acesso à escola, oferecendo subsí- e a pergunta de um teste
dios concretos para a formulação, reformulação e o monitora-
mento das políticas públicas voltadas para a Educação Básica. Elaborar um teste, ou outro tipo de instru-
Além disso, procura também oferecer dados e indicadores que
mento de avaliação interno ou externo à escola,
possibilitem maior compreensão dos fatores que influenciam o
desempenho dos alunos nas áreas e anos avaliados. exige certas especificações técnicas necessá-
34
rias para que o mesmo se proponha a cumprir devem ser escritas com uma linguagem sim-
seu propósito, qual seja, avaliar objetivos edu- ples, clara e direta, ou seja, evitar o excesso de
cacionais para os quais foi planejado. textos, pois os (as) alunos (as) perdem o foco.
Em primeiro lugar, será necessária a cons- As questões são chamadas de itens por serem
trução de uma matriz de especificações ou de elaboradas de forma especial em razão da natu-
avaliação, contendo um detalhamento dos ob- reza diferente do instrumento de avaliação, que
jetivos educacionais para os quais se quer re- trata da aprendizagem dos respondentes e não
alizar a coleta de dados. Essa matriz deve ser da seleção deles.
clara e objetiva quanto aos elementos conceitu- O item possui uma estrutura típica que en-
ais, procedimentais ou atitudinais que se quer volve um texto-base, uma comanda e, se for de
avaliar e deve ser de amplo conhecimento dos múltipla escolha, alternativas.
avaliadores e avaliados. Deve também conter O texto-base é a apresentação das informa-
os objetivos educacionais considerados real- ções necessárias para a resolução da questão, é
mente relevantes de tudo o que foi desenvolvi- nele que todas as informações são apresenta-
do, ou seja, foco no processo de instrução pre- das, seja na forma de texto, numérica, figurati-
visto na matriz curricular, evitando considerar va, mapa etc.
assuntos cuja essência seja o detalhe técnico ou A comanda ou enunciado contém uma pro-
os aspectos mnemônicos. Precisaremos cobrir posta cognitiva a ser exigida do(a) aluno(a),
toda a matriz de avaliação na elaboração do pode ser expressa na forma de pergunta ou na
instrumento e isso pode acarretar um número forma de sentença a ser completada. Deve ser
excessivo de questões tendo em vista que, se passível de ser respondida somente com a con-
estivermos tratando de questões de múltipla sulta ao texto-base e não é indicada a escrita de
escolha, precisaremos considerar questões fá- uma comanda que remeta o respondente à leitu-
ceis, de média facilidade e difíceis para cada ra das alternativas para poder respondê-la, por
objetivo educacional, uma vez que a turma exemplo, sobre o texto é correto afirmar que...
pode apresentar alunos com diferentes níveis Quanto às alternativas, é preciso se certi-
de aprendizagem. ficar que somente uma delas é correta e as de-
Se o instrumento pensado for uma prova, mais, mesmo incorretas, devem expressar erros
esta deve conter a maioria das questões (cerca que os alunos poderiam realizar ao responder
de 40%)7 de média facilidade (entre 39 e 59% a comanda em situações de sala de aula. Es-
de acertos dos respondentes)8, as demais ques- sas respostas incorretas, também chamadas de
tões devem ser equilibradas entre fáceis (cerca distratores9, devem ser hipóteses possíveis de
de 20% das questões), muito fáceis (cerca de
10% das questões), difíceis (cerca de 20% das 7 PASQUALI, L. Psicometria: teoria dos testes na Psicologia e
questões) e muito difíceis (cerca de 10% das na Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
8 GRONLUND, N. E. Elaboração de testes de aproveitamento
questões). escolar. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1974.
9 Distratores são as alternativas incorretas de um item, defini-
Quanto à forma de elaboração das questões,
ção de URBINA, S. em Fundamentos da testagem psicológica.
conforme orientações de Gronlund (1974), elas São Paulo: Artmed, 2004. p. 228.
35
quem ainda não desenvolveu totalmente o ob- É possível analisar o resultado de
jetivo educacional exigido no item. Elas cos- uma avaliação externa de modo que
tumam atrair respondentes com baixo desem- ela também seja uma avaliação para
penho e se ocorrer o contrário, atrair muitos aprendizagem?
respondentes com alto desempenho, significa Não precisamos ser entusiastas da ava-
que o item foi mal construído. O indicador que liação externa, mas necessitamos utilizar os
mostra se o item está funcionando bem em re- resultados dessas provas em favor da apren-
lação a isso é o índice de discriminação. Ele in- dizagem de nossos alunos.
dica se o item está atraindo para os distratores Uma forma de nos aproximarmos desse
em maior quantidade respondentes com baixo objetivo é realizarmos uma boa leitura dos
desempenho, permitindo avaliar a qualidade resultados, associando-os à interpretação pe-
do item. Exemplo: dagógica. Essa interpretação pedagógica dos
resultados ocorre quando analisamos os re-
sultados das avaliações externas a partir da
Questão 510 escala de proficiência.
(MT00031) Para tanto, é preciso entender alguns as-
No quadro a seguir temos o cardápio de fru- pectos da construção desse instrumento usa-
tas de uma Creche. A localização do dia e da dos na avaliação externa. Nesse sentido, tudo
refeição é feita através de um código, usan- o que foi dito sobre a elaboração de instru-
do um número e uma letra. O código (C,3) é mentos no tópico anterior não é estranho à
usado para indicar a posição da fruta banana. elaboração de uma avaliação externa, só que
1 2 3 4 5 nela tudo será realizado com muito mais rigor
texto-base metodológico.
Na prova externa, os itens são organiza-
A
dos em quantidade muito maior que numa
prova interna. Isto porque existe uma pre-
B
ocupação concreta com o desenvolvimento
do currículo de maneira cumulativa. Sendo
C assim, na avaliação externa realizada na 4a
série/5o ano não são avaliados objetivos edu-
O código que corresponde à localização cacionais desenvolvidos apenas nessa série/
da fruta uva é: ano, mas os objetivos relevantes desenvolvi-
dos ao longo de todos os anos iniciais. Para
(A) (A, 2) distrator ilustrar, tomemos uma avaliação externa
(B) (B, 2) gabarito aplicada na 8a série/9o ano e o desenvolvi-
alternativa comanda
(C) (C, 3) distrator
(D) (B, 1) distrator
10 Item da Prova da Cidade e da Prova Bimestral de Matemáti-
ca do 4°ano, oferecida no 1° bimestre de 2014.
36
mento de objetivos educacionais referentes pecificamente em relação a esses aspectos
aos números irracionais. O objetivo referente da aprendizagem e, além disso, conforme já
a esse conteúdo começa a ser desenvolvido apontamos, abarcará aqueles aspectos que a
nesse ano de escolaridade, de forma que ain- escola não avaliou, até porque não era seu
da não está consolidado e não será cobrado foco, o que os educandos sabem daquilo que
na avaliação externa da 8a série/9o ano. Nela deveria ter sido trabalhado/desenvolvido do
serão coletadas informações sobre objetivos currículo?
educacionais cujo desenvolvimento teve iní- Desse ponto de vista, aproveitar melhor
cio em anos anteriores como, por exemplo, a os resultados de avaliações externas equivale
resolução de problemas envolvendo uso de a fazer uma análise que, em primeiro lugar,
porcentagem que foi retomado com níveis de busca entender a finalidade da avaliação.
complexidade maiores em anos subsequen- Cada avaliação procura focalizar um aspec-
tes, para garantir que a consolidação ocorres- to e requer certas especificações que muitos
se até a 8a série/9o ano do ensino fundamental. educadores desconhecem. É necessário es-
Contudo, para a avaliação interna, formativa, clarecer os limites e as possibilidades das
aquele objetivo educacional relacionado aos avaliações externas, apresentando a Matriz
números irracionais em consolidação chega de avaliação, desvelando o que cada des-
a compor grande parte dos instrumentos de critor pretende avaliar e suas relações com
avaliação utilizados pelo professor do com- o currículo da própria unidade escolar. São
ponente curricular. cuidados que começam antes da obtenção
Essa diferenciação dos objetivos de dos resultados.
aprendizagem que participarão da composi- Para a leitura dos resultados de avaliações
ção dos instrumentos dada à natureza externa externas se requer um destaque da posição
ou interna da avaliação, consolidados ou em onde se encontram a maioria dos alunos. Na
consolidação, nem sempre permeia a forma- Prova Brasil, na ANA ou na Provinha Bra-
ção de professores, seja a inicial ou a conti- sil, significa identificar o(s) nível(is) onde
nuada. É importante pensarmos no processo encontra(m)-se o(s) valor(es) maior(es), em
de aprendizagem em relação aos processos percentuais, de alunos. Nesse(s) nível(is),
de avaliação formativa, que nos alertam podem ser verificados o que a unidade con-
quanto aos objetivos educacionais recente- seguiu consolidar, em termos gerais, para a
mente ensinados, entretanto, não podemos maioria dos participantes da avaliação.
deixar de pensar para além dos conhecimen- Por exemplo: Na distribuição dos níveis
tos que estão se consolidando e também nos para Língua Portuguesa na 4a série/5o ano na
organizarmos em relação às informações so- Prova Brasil, uma unidade tem os maiores
bre quais são os objetivos educacionais que percentuais de alunos nos níveis 3 (29,06%)
se consolidaram no percurso educativo dos e 4 (28,57%). Ela precisa ir até a escala de
educandos. proficiência para interpretar que consolidou
A avaliação externa vai se debruçar es- para a maioria dos alunos:
37
Nível 3: Desempenho maior ou igual a • Inferir efeito de humor em tirinhas e his-
175 e menor que 20011 tórias em quadrinhos.
• Localizar informação explícita em con-
tos e reportagens. Agora, para os gestores da unidade, pre-
• Localizar informação explícita em propa- cisa ficar claro que os níveis subsequentes
gandas com ou sem apoio de recursos gráficos. precisam ser garantidos no planejamento e
• Reconhecer relação de causa e conse- constantemente acompanhados para serem
quência em poemas, contos e tirinhas. consolidados. Tudo isso, cotejando esses re-
• Inferir o sentido de palavra, o sentido de sultados com os das avaliações internas.
expressão ou o assunto em cartas, contos, ti- De modo geral, essa escola deve incluir
rinhas e histórias em quadrinhos com o apoio nos planejamentos o que consta nos níveis 4 e
de linguagem verbal e não verbal. 5, tendo em vista que a diferenciação de quais
objetivos educacionais seriam desenvolvidos
Nível 4: Desempenho maior ou igual a com os alunos, conforme suas necessidades,
200 e menor que 225 estaria garantida pela avaliação interna, sem
• Identificar informação explícita em si- desconsiderar o elemento ao direito à apren-
nopses e receitas culinárias. dizagem que a avaliação externa procura
• Identificar assunto principal e persona- responder, ou seja, o que o aluno aprendeu
gem em contos e letras de música. daquilo que deveria ter sido trabalhado/desen-
• Identificar formas de representação de volvido no currículo.
medida de tempo em reportagens.
• Identificar assuntos comuns a duas re- Nível 5: Desempenho maior ou igual a
portagens. Identificar o efeito de humor em 225 e menor que 250
piadas. • Identificar assunto e opinião em repor-
• Reconhecer sentido de expressão, ele- tagens e contos. Identificar assunto comum a
mentos da narrativa e opinião em reporta- cartas e poemas.
gens, contos e poemas. • Identificar informação explícita em letras
• Reconhecer relação de causa e conse- de música e contos.
quência e relação entre pronomes e seus refe- • Reconhecer assunto em poemas e tirinhas.
rentes em fábulas, poemas, contos e tirinhas. • Reconhecer sentido de conjunções e de lo-
Inferir sentido decorrente da utilização de si- cuções adverbiais em verbetes, lendas e contos.
nais de pontuação e sentido de expressões em • Reconhecer finalidade de reportagens e
poemas, fábulas e contos. cartazes.
• Reconhecer relação de causa e conse-
quência e relação entre pronome e seu refe-
11 Os níveis de desempenho em Língua Portuguesa na Prova
Brasil 2013 da 4a série/ 5o ano, conforme Boletim de desempe- rente em tirinhas, contos e reportagens.
nho da escola, obtido no Inep: http://sistemasprovabrasil.inep.
• Inferir elementos da narrativa em fábulas,
gov.br/provaBrasilResultados/view/boletimDesempenho/bole-
timDesempenho.seam. contos e cartas.
38
• Inferir finalidade e efeito de sentido de- Um exemplo, podemos também fazer uma
corrente do uso de pontuação e assunto em fá- análise de cada item da Provinha com os pro-
bulas. fessores, permitindo a apropriação das hipó-
• Inferir informação em poemas, reporta- teses dos alunos quanto aos erros dispostos
gens e cartas. nos distratores. Esse exercício pedagógico
• Diferenciar opinião de fato em reporta- já permite uma reflexão que incidirá no pla-
gens. nejamento das ações de intervenção diferen-
• Interpretar efeito de humor e sentido de ciadas para cada pensamento cognitivo em
palavra em piadas e tirinhas. pauta. Posteriormente, esses itens podem ser
discutidos com os alunos, a fim de validar se
Pode-se realizar uma análise semelhante de as hipóteses previamente pensadas foram re-
resultados da ANA ou de resultados da Provi- almente as elaboradas pelos estudantes, enri-
nha Brasil igualmente. Essas provas possuem quecendo a atividade pedagógica, permitindo
matrizes muito parecidas. ao aluno a atividade de metacognição. Todas
A análise dos resultados da ANA pode ser as reflexões poderão servir para um plane-
complementada com ajuda da Provinha Brasil, jamento coletivo, que será acompanhado e
já que a ANA tem uma característica semelhan- consolidado conforme o nível de cada aluno,
te à da Prova Brasil, que dificulta sua análise, porque nessa avaliação não temos somente o
pois seus itens são sigilosos. conhecimento de percentuais de alunos no ní-
A Provinha Brasil, por sua vez, permite vel ou médias de proficiências, temos o nível
uma análise que auxilia melhor o trabalho pe- de cada aluno e qual resposta cada aluno deu
dagógico do professor. para cada item, o que permite acompanha-
Com base numa publicação do Cenpec12 mento diferenciado.
pode-se verificar que, além da análise anterior
à aplicação da prova, incorporando o conheci- Conclusão
mento da matriz de avaliação como momento As avaliações externas têm sido pouco
de preparação do professor e do aluno em rela- aproveitadas e até rejeitadas por educadores
ção aos descritores que serão avaliados na pro- e gestores, mas existe a certeza de que elas
va, e depois, no momento da análise do nível têm uma função na democratização do ensino
onde se encontram a maioria dos alunos, é pos- e na melhoria da qualidade social da educa-
sível fazer um planejamento para os níveis da ção. Nessa direção, a formação de professores
escala que a maioria dos alunos ainda precisa e gestores é crucial para potencializar os usos
atingir para podermos avançar em análises mais dos resultados de avaliações externas e de
refinadas pela presença dos itens da prova. larga escala, pois se fizermos um uso voltado
para a garantia do aluno ao direito à aprendi-
zagem, elas podem permitir diagnóstico para
12 BLASIS, ELOISA (Org.). Avaliação educacional: os desa-
planejamento coletivo e complementar às
fios da sala de aula e a promoção da aprendizagem. São Paulo:
Cenpec; Fundação Itaú Social, 2014. avaliações internas.
39
Educação
Infantil

Ensino
Fundamental

As Boas
Práticas
Jovens e
Adultos 41
ENSINO FUNDAMENTAL

Acompanhamento
pedagógico*
Um diálogo entre experiências, propostas e teoria

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, Aparece só o sorriso ou só o rabão do gato. Ele
mais, é só a fazer outras maiores perguntas. fica no alto das coisas. Tem uma hora em que
(João Guimarães Rosa) Alice está andando por lá, perdida, e de repente
vê o gato no alto da árvore. Ela se vira para ele
Por que avaliar? Como se faz uma avaliação e pergunta: “Você pode me ajudar?”. Ele res-
formativa? Como avaliar de forma ética, inclu- ponde: “Claro”. Ela fala: “Pra onde vai essa
siva e coerente? De que modo incluir a escu- estrada?”. O gato diz (vejam que pergunta in-
ta de estudantes e familiares no processo ava- teligente): “Pra onde você quer ir?”. Alice res-
liativo? O que fazer com os dados coletados? ponde: “Eu não sei. Estou perdida.” E, então,
Quais instrumentos a escola pode construir o gato conclui: “Pra quem não sabe para onde
para acompanhar a aprendizagem do estudan- vai, qualquer caminho serve”. (2005, p. 50)
te? Como lidar com as diversas concepções de Do ponto de vista da política educacional –
avaliação e de aprendizagem dentro da escola? da qual a avaliação faz parte –, é preciso saber
Longe de pretender responder a essas indaga- para onde se deseja ir. O destino do caminhar
ções, este texto é um convite à reflexão de um seriado não é o mesmo dos ciclos de aprendi-
tema tão complexo. zagem. O da avaliação classificatória difere do
Para responder a estas e outras questões, da avaliação formativa, e assim por diante. Não
vale a pena tomar como ponto de partida a pro- basta, portanto, considerar apenas o resultado
vocação feita por Mario Sérgio Cortella, no ou o ponto de chegada. Todo ato avaliativo car-
seu livro Avaliação Educacional em Debate, a rega uma concepção de educação e de socieda-
partir do episódio célebre de Alice no país das de e uma estratégia pedagógica. Daí ser impos-
Maravilhas. sível pensar avaliação sem abordar currículo.
A história tem duas personagens de que eu O que se avalia e como se avalia está con-
gosto demais. Uma é o coelho. Parece a gente: dicionado pelas competências, habilidades, co-
“Tô atrasado.” “Tô atrasado.” Está sempre nhecimentos que o currículo privilegia ou se-
olhando para lá e para cá. Mas tem uma segun- cundariza. Os valores e as lógicas de avaliação
da personagem que é magnífica, que é um gato. reproduzem os valores, lógicas e hierarquias
42
adriana caminitti

que selecionam, organizam os conhecimentos Em resumo, a avaliação é a cara-metade do Projetos voltados ao


nos currículos. Por sua vez, o que se privilegia currículo. Ambos articulam concepções de edu- esporte, à arte e à
nas avaliações escolares e nacionais determina cação e sociedade, além da ação docente. Desse literatura envolvem
as competências e conhecimentos privilegiados modo, fica claro que a neutralidade não cabe os educandos
no processo de
ou secundarizados no currículo. Reorientar em avaliação. A forma como ela é construída
aprendizagem
processos e critérios de avaliação implica em e conduzida pelo educador é reveladora de suas
e estimulam o
reorientar a organização curricular e vice-ver- concepções. Avaliar para a aprendizagem, por- protagonismo e
sa. (MEC, 2007, p. 13) tanto, implica abandonar certos pressupostos a autoria.
Não basta determinar quais conteúdos pro- presentes, muito provavelmente, no processo es-
gramáticos devem ser ensinados para garantir colar pelo qual nós, hoje educadores, passamos.
a aprendizagem. Há um conjunto de práticas Além de tratar de conceitos como qualidade
escolares e de formas avaliativas que revela social da educação, o Programa Mais Educação
como as relações se dão no interior da escola, São Paulo pauta a avaliação como formativa.
entre educadores e educandos, entre educandos Cada comunidade escolar organizará ações
e educandos, entre educandos e o conhecimen- pedagógicas avaliativas como parte do proces-
to. São formas de avaliação que se associam à so de ensino e aprendizagem, visando a con-
posição social ocupada pelo sujeito, isto é, ele tribuir com os estudantes e seus responsáveis
avalia o outro de acordo com o espaço social na tomada de consciência de seus avanços e
que ocupa. É, grosso modo, o que Denice Ca- necessidades, e visando ao redimensionamento
tani e Rita Gallego chamam de prática social das ações didáticas para o alcance dos direitos
da avaliação. e objetivos de aprendizagem. (2014, p. 74)
43
Assumida a perspectiva progressista, o pon- para um processo de escolarização ético, eman-
to de chegada concebe avaliação a partir do cipador e crítico.
acompanhamento, da participação, da autorre- Em primeiro lugar, sobretudo do ponto de
flexão crítica e emancipadora. Assim, cabe a vista dos conflitos, o sentimento de pertenci-
nós pensar processo, percurso, trajetória. mento apareceu na maioria das falas. Tanto dos
Como ponto de partida, que diálogo é possí- educadores em relação à escola, ao acolhimento
vel entre as propostas, a prática e a teoria? da comunidade escolar, quanto dos educandos.
Para Isabel Cappelletti, “em geral, o profes- Quanto maior o sentimento de pertencimen-
sor tem à sua disposição [...] quadros concei- to, maior o envolvimento com o espaço e com
tuais que desestabilizam o seu credo, mas não a comunidade escolar. Pertencer é inerente ao
orientam o seu fazer. Abalado em sua crença, ser humano. Somos, afinal, seres sociais e nossa
deixa de praticar a avaliação que conhece e existência só se confirma na relação com o outro.
não tem nada para colocar no lugar. É preciso Outro ponto a destacar é o da permanência
ir além, refletindo com os professores, aspectos das equipes docente e gestora, que se revelou
avaliativos da própria atividade e do processo fundamental para implementação e continui-
de aprendizagem” (2005, p. 117). dade dos projetos a médio e longo prazos. Na
Esse trecho nos revela dois pontos: (1) por mesma perspectiva, uma gestão participativa
um lado, sabemos o que não fazer em um pro- e disposta a ouvir e considerar a comunidade
cesso avaliativo; (2) por outro, há a dificuldade escolar em suas decisões garante e incentiva a
de conceber o percurso na avaliação. Afinal, o busca por mudanças e soluções de problemas.
processo de aprendizagem do educando está Também nesse sentido, há a comunidade esco-
intrinsecamente ligado à ação docente. Logo, a lar articulada na transformação do espaço.
avaliação dele deve ser a avaliação de nossas Nesse caminho, projetos voltados ao espor-
práticas pedagógicas. Em outras palavras, o de- te, à arte e à literatura instigaram os educandos
sempenho do educando tem de nos permitir (re) no processo de aprendizagem, reduziram o ín-
leituras sobre a ação pedagógica realizada. dice de indisciplina e estimularam o protago-
Nessa perspectiva, este artigo se abre em nismo e a autoria. Aliado a isso, a Recuperação
duas frentes complementares: uma que apre- Contínua atuando com agrupamentos diferen-
senta algumas experiências de educadores que ciados apresentou bons resultados e o educando
assumiram o risco de construir novos paradig- se sentiu atendido em sua necessidade. Foi uma
mas e outra que tece uma série de considera- estratégia para combater o alto índice de ausên-
ções a respeito do percurso avaliativo que se cia na Recuperação Paralela.
quer construir. Por outro lado, houve a experiência de
Recuperação Paralela que, por privilegiar o
Coletivo, criatividade e autoria na aspecto afetivo em seu processo, manteve não
roda: relatando experiências só um excelente nível de frequência dos edu-
Em nossa roda de conversa, diversas deci- candos como um salto qualitativo na aprendi-
sões e práticas apareceram como determinantes zagem deles.
44
Além disso, em relação ao espaço escolar, indicadores” e sobre a quais tipos de aprendiza-
a sala ambiente apareceu como uma prática gem eles se referem.
positiva, sobretudo quando se pensa em am- Ao pensarmos na avaliação processual e na
biente educativo – isto é, uma sala de Arte não organização do ensino em ciclos de aprendiza-
pede o mesmo arranjo espacial que uma sala gem podemos afirmar que a atribuição de notas
de Geografia. ou conceitos não pode ser feita a partir da “fo-
Para finalizar, práticas de registro e ela- tografia do momento” e nem a partir do uso de
boração de históricos do processo configu- um único tipo de instrumento.
raram-se como instrumentos de acompanha- A avaliação processual pressupõe um acom-
mento da aprendizagem que consideram o panhamento e uma identificação de dificuldades
indivíduo e o coletivo, permitindo localizar e de avanços que se deem em relação às diver-
as potencialidades e as dificuldades e redire- sas aprendizagens nos ambientes educativos.
cionar as ações de ensino. Além disso, tais Nessa perspectiva, a ação docente deve se mo-
registros revelaram a história, que constitui a ver tanto no sentido de buscar formas de supe-
memória da Unidade Educacional. ração das dificuldades, como também, e muito
importante, no sentido de identificar o potencial
Avaliação como percurso e de promover avanços naquilo que os estudan-
Frequentemente, o resultado das avaliações tes fazem de melhor no contexto escolar.
dos estudantes tem sido analisado para identi- O desafio de identificar o potencial é gran-
ficação do que lhes falta, ou do que eles ainda de, pois exige o olhar para uma diversidade de
não atingiram. Nesse caso, os resultados são linguagens, de habilidades e de competências,
como uma “fotografia” daquele momento e po- que não estão, muitas vezes, circunscritas a de-
dem ser úteis do ponto de vista de um levanta- terminada área de conhecimento ou a expressão
mento de dados para a reelaboração do trabalho por meio de uma única linguagem.
docente no momento seguinte. A cultura da escolarização tem se dado na
Ocorre que esses mesmos resultados, ou lógica de hierarquização de importância dos
“fotografias”, são transformados em atribuição componentes curriculares e de hegemonia de
de nota ou de conceito e, nesse caso, cabe a se- determinadas linguagens, consideradas mais le-
guinte decisão: o estudante será “classificado” gítimas no ambiente escolar. Ao mesmo tempo,
a partir do que não aprendeu ou a partir do que podemos dizer, observando o relato das esco-
faz de melhor? Perguntando de outra maneira: las presentes na nossa roda de conversa, que já
as lacunas do processo de aprendizagem devem existe um olhar para a existência de uma diver-
ser referência para a definição do rendimento sidade de culturas, bem como de variadas for-
do estudante e/ou da prática docente, ou deve mas de expressão e de valorização delas.
servir como um indicador a ser considerado Cabe ressaltar que o trabalho pedagógico é
para o plano de aulas do educador, para a re- também uma forma de criar cultura. Segundo
organização dos espaços e tempos da escola? Paro (2003), nesse processo, o educando é tanto
Cabe uma reflexão sobre “o que nos indicam os objeto como sujeito do trabalho, já que se espera
45
uma transformação da personalidade viva do edu- Segundo José Sérgio de Carvalho (2014), a
cando por meio da aquisição de cultura. Ao mesmo porta da escola se democratizou e perdeu o valor
tempo, o estudante é sujeito de vontade, sujeito éti- de mercado. A crise inviabiliza a resposta, mas
co que se firma por sua condição de autor, sendo a deixa intacta a pergunta. A pergunta sobre por
educação a atualização histórica do homem. que educar continua nos inquietando. A crise
Considerando o educador como sujeito do não é um desastre se tivermos coragem de en-
processo de ensino-aprendizagem, as relações frentá-la com o pensamento.
se dão entre dois sujeitos e destes com o co- Há uma cadeia infinita de finalidades sem
nhecimento. Nesse sentido, as interações com sentido. Há uma diferença entre sentido (em
o conhecimento podem estar truncadas quando nome de quê?) e finalidade (para quê?). Há ne-
ambos são considerados em uma perspectiva cessidade de dar um sentido formativo à apren-
lacunar, ou seja, muito se diz sobre um prejuí- dizagem. Não existe formação sem que haja
zo que acompanha o educador em relação à sua aprendizagem, mas nem toda aprendizagem é
formação inicial, sendo assim, muitas vezes, formativa.
atribui-se a esta formação deficitária o motivo Nesse contexto, a escola se torna um lugar
das não aprendizagens dos estudantes ou da não de investigação, diferente do espaço da univer-
obtenção dos resultados esperados. sidade, que é o da pesquisa. Na investigação, há
Todos nós vivemos dilemas cotidianos que a necessidade de uma ambiência pautada pelo
envolvem o bom e o mau. O legado do passa- diálogo, pela dialogicidade e que dê voz à ação
do faz sentido no presente. Quando a tradição é cultural, que convide a criança e o jovem a pro-
priorizada, o episódio do passado nos diz como duzir e a investigar.
agir no presente, mas o ritmo das transformações Para Selma Rocha (2014), não há avaliação
que vivemos na contemporaneidade inviabilizou final sem avaliação processual. Se convidamos
o passado como luz para resolver o presente. uma criança, um jovem ou um adulto a tomar
O que é a experiência escolar? O que ca- a frente do processo pedagógico para que mos-
racteriza o que é da ordem do escolar? O que é trem o que sabem, isso é melhor do que qualquer
específico da escola? A socialização das novas processo de recuperação.
gerações se dá em diversas instituições. Há ne- A ambiência é maior que a sala de aula: exis-
cessidade de buscar na fundação o que é funda- tem problemas que são vistos apenas quando se
mental, o princípio da escola. Um princípio é o olha para o conjunto.
que rege e, portanto, enxergamos na fundação o Uma crise só se transforma em desastre se
momento que nos dá diretriz. a ela respondemos com preconceitos, isto é, se
A escolarização pode ser considerada uma respondemos com juízos pré-formados que nos
forma de se emancipar do lugar dado. Essa impedem a própria oportunidade de reflexão.
emancipação ocorre no processo tanto para os Nesse processo, há necessidade de diferenciar-
estudantes como para o educador, à medida que mos culpa de responsabilidade. A culpa refere-se
o educador-autor é reflexivo, problematiza sua a uma resposta por um ato individual, enquanto a
prática e implica-se no processo. responsabilidade se dá no âmbito coletivo.
46
Esta é também a lógica que deve permear em espaços coletivos de reunião onde se esta-
os espaços e tempos que envolvem os Conse- beleça um clima de confiança, com caráter ana-
lhos de Classe, assim como as Reuniões de Pais lítico e não de julgamento.
e Mestres. Nesse sentido, cabe perguntarmos:
quem está realmente representado nessas ins-
Referências bibliográficas:
tâncias? Quais atores possuem direito de voz e
CAPPELLETTI, Isabel Franchi. “Avaliação formativa: uma prática
de decisão? Qual a relação com o conhecimento possível?”. In: ALMEIDA, Fernando José de (Org.). Avaliação
educacional em debate: experiências no Brasil e na França. São
que se estabelece quando se avalia os processos Paulo: Cortez Editora/Educ, 2005.
de ensino-aprendizagem nas reuniões de Con- CARVALHO, José Sérgio Fonseca de. Seminário Interno
Mais Educação São Paulo. Disponível em: <www.youtube.
selho, e quando se discutem resultados nas Reu- com/watch?v=bSyMciGDb1Q>; <www.youtube.com/
watch?v=DTZ1rQUdHEY>. Acesso em: 17 nov. 2014.
niões de Pais e Mestres? Com quem comparti- CATANI, Denice Barbara; GALLEGO, Rita de Cássia. Avaliação. São
Paulo: Editora Unesp, 2009.
lhamos os critérios e instrumentos utilizados no CORTELLA, Mario Sérgio. “Os conceitos de avaliação em ciclos:
repercussão da política pública voltada para a cidadania”. In:
processo de acompanhamento pedagógico? Em ALMEIDA, Fernando José de (Org.). Avaliação educacional em
que momentos são promovidas oportunidades debate: experiências no Brasil e na França. São Paulo: Cortez
Editora/Educ, 2005.
para exercício da autoavaliação? FERNANDES, Claudia de Oliveira; FREITAS, Luiz Carlos de. Indagações
sobre currículo. Brasília, 2007.
Nesse sentido, estamos pautando a relação PARO, Vitor H. Reprovação Escolar: renúncia à educação. São Paulo,
Xamã, 2003.
entre acesso ao conhecimento e relações demo- ROCHA, Selma. Seminário Interno Mais Educação São Paulo.
Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=b_DhObhmF_4>; <
cráticas, destacando a inquietação sobre de que www.youtube.com/watch?v=ozqAliYucLE>. Acesso em: 17 nov. 2014.
maneira podemos compartilhar responsabilida- SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de
Orientação Técnica. Programa Mais Educação São Paulo: subsídios
des entre educadores, estudantes e familiares, para a implantação/São Paulo: SME/DOT, 2014.

* AUTORES participantes
Este texto foi elaborado para a revista Magistério a partir de (ATE I em DOT-P/DRE Itaquera); Jucileia Oliveira Bezer-
uma roda de conversa entre educadoras e educadores do En- ra (Coordenadora pedagógica na EMEF Francisco da Silveira
sino Fundamental das treze Diretorias Regionais de Educação Bueno/DRE Ipiranga); Leda das Graças Cunha (ATE I em
da Rede Municipal da Cidade de São Paulo: Ana Paula Congo DOT-P/DRE Capela do Socorro); Marcelo Alexandre Merce
da Costa (Coordenadora pedagógica na EMEF Almirante Ary (Coordenador pedagógico na EMEF Carlos Correa Mascaro/
Parreiras/DRE Santo Amaro); Andrea Aparecida Melo Tei- DRE São Mateus); Márcia Cordeiro Moreira (Assessora em
xeira (Professora na EMEF Alexandre Vannucchi Leme/DRE DOT Ensino Fundamental e Médio); Maria de Jesus Campos
Guaianases); Andréa Silva Abreu Guilherme (Coordenadora Sousa (ATE I em DOT-P/DRE São Mateus); Mary Sandra
pedagógica na EMEF Lorenço Manoel Sparapan/DRE Campo de A. Queiroz (Professora na EMEF Geny M. A. K. Pussi
Limpo); Bárbara Barbosa Born (ATE I em DOT-P/DRE San- Nelli/DRE Capela do Socorro); Meri Yolie Abe (Coordena-
to Amaro); Conceição Ribeiro de Oliveira (Coordenadora pe- dora pedagógica na EMEF Alexandre Vannucchi Leme/DRE
dagógica na EMEF Josefá Nicácio/DRE São Miguel); Débora Guaianases); Miriam R. B. D. Miranda (Coordenadora pe-
Baroudi Nascimento (ATE I em DOT Ensino Fundamental dagógica na EMEF Cândido Portinari/DRE Pirituba); Neide
e Médio); Eli G. Santos Reina (Professora na EMEF Rai- Aparecida Ribeiro de Santana (Diretora de DOT-P/DRE Bu-
mundo Côrrea/DRE São Miguel); Eliana Ruis (Coordenadora tantã); Regiane Aparecido dos Santos (Professora na EMEF
pedagógica na EMEF Raimundo Côrrea/DRE São Miguel); Francisco da Silveira Bueno/DRE Ipiranga); Rosângela de L.
Elisabete Oliveira da Silva (Professora na EMEF Cândido Hernani (Coordenadora pedagógica na EMEF Paulo Nogueira
Portinari/DRE Pirituba); Enilce R. Gomes Giro (ATE I em Filho/DRE Freguesia do Ó/Brasilândia); Sisi Maria Ventura
DOT-P/DRE Pirituba); Ester Marques de Paula Dionísio (ATE I em DOT-P/DRE Freguesia do Ó/Brasilândia); Suzan-
(ATE I em DOT- P/DRE Guaianases); Fátima Aparecida An- dayse Cesarino Lovotrico (Diretora de DOT-P/DRE Penha);
tonio (Diretora da DOT Ensino Fundamental e Médio); Fer- Vera Maria de Souza (Diretora de DOT-P/DRE São Miguel);
nanda Barros Müller (Coordenadora pedagógica na EMEF Vilma Maria Prado Santos (Coordenadora pedagógica na
Geny M. A. K. Pussi Nelli/DRE Capela do Socorro); Iasmi- EMEF Carlos Correa Mascaro/DRE São Mateus); Vivian Ca-
ne E. G. S. Melo (Coordenadora pedagógica na EMEF Paulo roline Fernandes Lopes (Professora na EMEF Almirante Ary
Nogueira Filho/DRE FO/BRAS); Jandira de Oliveira Costa Parreiras/DRE Santo Amaro).

47
EJA

Avaliar na Educação
de Jovens e Adultos
Dialogando com os saberes e as experiências
dos educandos e educadores das cinco formas
de atendimento da EJA
Ensinar não é transferir conhecimento, mas Dentro deste contexto, a avaliação na EJA
criar as possibilidades para a sua própria pro- deve considerar os diferentes saberes e experi-
dução ou a sua construção. ências de educandos e educadores e optar por
Paulo Freire um caminho que leve à ampliação do conheci-
mento dos educandos, ao atendimento de suas
A educação é um direito humano fundamen- necessidades e expectativas, para a tomada de
tal e, quando dirigida a jovens e adultos, deve decisões conjuntas sobre o Projeto Político-Pe-
estar articulada com o mundo do trabalho, da dagógico e práticas significativas de ensino e
cultura e da prática social. Além disso, um dos aprendizagem.
seus objetivos é o de criar oportunidades para Nesta direção, o Projeto Político-Pedagógi-
o prosseguimento dos estudos e o desenvolvi- co deve fixar indicadores a serem alcançados
mento do educando. Assim, as unidades edu- pelo coletivo da escola. Esses indicadores não
cacionais que atendem a Educação de Jovens são padrões a serem obedecidos cegamente,
e Adultos (EJA) necessitam pensar e praticar mas marcas que o coletivo da escola espera
ações cotidianas distintas do modelo escolar or- atingir e para as quais se organiza.
ganizado em “aulas” e baseado na “transmissão A nota Técnica nº 22, retoma a Portaria
de conteúdos”. SME nº 5.941, que alicerçou a reconstru-
Trata-se aqui de repensar os espaços edu- ção dos Regimentos Educacionais, no Ar-
cativos, partindo do princípio de que todas as tigo 42, propõe que a avaliação deve ser
pessoas são capazes de aprender e de que as parte integrante do processo de aprendi-
ações educativas, as estratégias de ensino e os zagem e desenvolvimento e deverá consti-
conteúdos das disciplinas devem ser planejados tuir-se em instrumento de orientação para
de forma a considerar as infindáveis possibili- a equipe docente, discente e para os pais/
dades de realização de aprendizagens por parte responsáveis na percepção dos avanços
dos educandos. dos educandos.
48
Assim, o verdadeiro sentido da avalia- lo – EJA Regular, MOVA-SP, CIEJA, CMCT
ção está na compreensão do que ocorre entre e EJA Modular, apresenta especificidades e
o ensino e a aprendizagem com vistas a uma singularidades na sua organização, com o in-
intervenção consciente do educador, que deve tuito de atender aos diversos perfis dos jovens
constantemente revisitar e ressignifcar o seu e adultos, estudantes nas Unidades da RME.
planejamento e a sua forma de ensinar, para A articulação dessas formas de atendimento,
que o educando tome consciência de sua traje- o estabelecimento de um fio condutor educa-
tória de aprendizagem. Além disso, o educador cional entre elas e a revitalização da EJA têm
deve disponibilizar à comunidade escolar o co- sido as principais metas e desafios da SME/
nhecimento construído neste processo. DOT EJA, que vem trabalhando nessa direção
Por entender que os jovens e adultos apre- e para a ampliação do atendimento em conso-
sentam especificidades por sua história de nância com o Programa de Metas 2013-2016
vida, a EJA necessita de um modelo pedagó- e na construção de um currículo que dialogue
gico próprio, onde essas singularidades sejam com as necessidades educacionais, culturais e
contempladas por meio de diferentes formas de sociais dos educandos jovens e adultos.
atendimento que se organizem por princípios Esta modalidade traz para a discussão so-
político-pedagógicos comuns, de maneira que bre avaliação nuances e peculiaridades, que se
a diversidade seja revelada e considerada. diferenciam da avaliação adotada em outros
Dessa maneira a EJA, oferecida em cinco níveis e modalidades da Educação Básica. Isso
formas de atendimento na cidade de São Pau- requer de todos os sujeitos envolvidos na Edu-

Educandos
apresentam a peça
teatral “Morte e
Vida Severina”,
texto de João Cabral
de Mello Neto que
retrata aspectos
relevantes da vida
do nordestino.
adriana caminitti

49
cação de Jovens e Adultos um trabalho mais • os conhecimentos adquiridos anterior-
direcionado e atento para essas especificida- mente na escola e os conhecimentos adquiri-
des. Assim, o estudo e a formação constante dos na vida destes sujeitos;
dos educadores, a construção de um Projeto • a importância de dar oportunidade de
Político-Pedagógico coletivo e comprometido questionamento ao educando e, com isso, fa-
com o direito de aprendizagem desses sujei- vorecer uma ampla possibilidade de constru-
tos, além do envolvimento dos educandos no ção de conhecimento;
processo educativo são alguns aspectos funda- • a necessidade de flexibilização e sociali-
mentais para a adoção de instrumentos diversi- zação com os educandos dos critérios adota-
ficados e coerentes de avaliação na EJA. dos na avaliação, tornando o processo avaliati-
O processo de implementação do Progra- vo aberto para considerar essa especificidade;
ma Mais Educação São Paulo trouxe um • que o diálogo é o aspecto fundador das
grande desafio para a SME/DOT EJA que se relações interpessoais e também da relação
refere à construção de um currículo que dia- educativa, e que é possível aprender uns com
logue com essas especificidades. Para tanto, os outros;
a DOT EJA vem organizando uma pesquisa • a articulação dos saberes construídos no
sobre o perfil do educando e do educador da âmbito da educação formal e também da edu-
EJA, com vistas à construção desse currículo, cação não formal;
e vem atuando também num caminho formati- • a importância e a necessidade do desen-
vo com as equipes que acompanham as ações volvimento de práticas educativas signifi-
da EJA nas regiões onde são discutidos os as- cativas;
pectos fundamentais para um planejamento e • que a educação é necessariamente um
avaliação que considere os saberes e experi- ato político, requerendo tomada de decisões
ências dos educandos. e oferecendo repertório para que os educan-
Sem nenhum caráter de prescrição, mas dos sejam autores de seu processo, interfiram
tendo como premissa a questão de que a e transformem sua realidade;
avaliação da aprendizagem é uma das partes • a inserção da discussão da diversidade
importantes de todo o processo de ensino e étnico-racial, cultural, social, religiosa e de
aprendizagem dos educandos e dos educado- gênero nos espaços educativos.
res que atuam na EJA, os principais aspectos Esses são apenas alguns, dentre outros
que temos refletido nos espaços formativos no aspectos, que apesar de já serem em alguma
tocante à avaliação na EJA devem necessaria- medida trabalhados, ainda precisam ser pro-
mente considerar: fundamente debatidos e estudados por todos
• que os educadores podem aprender com os envolvidos no processo educativo da EJA
os educandos. Estes são sujeitos de ricas traje- para a construção de uma nova identidade
tórias humanas, sociais, culturais e cognitivas, para esta modalidade da educação básica na
levando em conta o contexto histórico-socio- cidade de São Paulo. Essa construção depen-
cultural no qual seus saberes são construídos; de de todos nós numa relação compartilhada
50
entre educadores e educandos jovens e adul- de Língua Portuguesa I e II, Matemática I e II,
tos. Isso estabelece um diálogo direto com o Informática e Inglês em toda a Unidade.
que Paulo Freire afirma: O olhar atento do educador na busca e co-
“Não é possível fazer uma reflexão sobre o nhecimento dos saberes e histórias de vida
que é a educação sem refletir sobre o próprio dos educandos marca o desenvolvimento do
homem “(Freire 1979, pág. 27). Projeto, que a cada dia revela descobertas.
...“O homem está no mundo e com o mun- Os educandos vão se revelando em dançari-
do. Se apenas estivesse no mundo não have- nos, artesãos, escritores, atores, pintores. Com
ria transcendência nem se objetivaria a si essa interação, idosos e adolescentes, jovens e
mesmo. Mais como pode objetivar-se, pode adultos, homens e mulheres partilham mutua-
também distinguir entre um eu e um não-eu.” mente seus saberes, num necessário e relevan-
(Freire 1979, pág. 30) te diálogo intergeracional e inclusivo.
Temos muito a caminhar para acolher, res- No tocante à Avaliação, o CIEJA relata a
peitar e intervir nas especificidades e singula- adoção de diferentes instrumentos. A partir
ridades da EJA. No entanto, é possível perce- da chegada do educando à Unidade Educa-
ber na Rede Municipal de Ensino movimentos cional, marcada por uma cuidadosa avaliação
e práticas interessantes e significativas que diagnóstica, diversos outros instrumentos são
merecem ser explicitadas. Com esse objetivo, empregados para nortear a aprendizagem e
ouvimos os profissionais de algumas Unida- balizar o trânsito dos educandos pelas diver-
des Educacionais sobre as práticas pedagógi- sas oficinas oferecidas pela Unidade que vi-
cas e a avaliação na EJA, que partilharam um sam atender suas necessidades. A observação
pouco das suas experiências, aqui relatadas. contínua é constante, uma vez que consegue
promover um olhar para a expressão, reflexão
CIEJA Rose Mary Frasson e criatividade, além de ampliar o conceito de
Localizado no bairro Jardim Maracanã – leitura para além da palavra escrita. Com isso,
DRE Freguesia / Brasilândia ressaltou o “Pro- o CIEJA destaca o caráter formativo da Ava-
jeto APOEMA”, desenvolvido a partir de um liação, que a torna provocadora de reflexões
trabalho semanal, articulado entre as áreas do e comprometida com as infinitas possibilida-
conhecimento, que envolve a Unidade como des de como os educandos enxergam o mundo,
um todo. Às segundas-feiras, o Projeto prevê propiciando o autoconhecimento e o desenvol-
o desenvolvimento de temáticas relevantes ao vimento da confiança entre eles.
contexto escolar e à realidade dos educandos, A Unidade relata que a participação dos jo-
em parceria com os docentes orientadores. vens e adultos cumpre um papel fundamental
Vale destacar que são os próprios educan- no desenvolvimento do Projeto, sobretudo na
dos que escolhem os temas de interesse, bem síntese dos trabalhos como no Fórum Anual do
como o educador orientador no desenvol- CIEJA realizado ao final do primeiro semestre,
vimento dos trabalhos. Já às terças-feiras, o quando os educandos falam sobre as temáticas
Projeto se volta para a realização de Oficinas discutidas e apresentam os portfólios com os
51
registros dos trabalhos, e também no final do belecendo com eles uma relação pedagógica
ano, no tradicional SARAU do CIEJA, quando mais humana.
os temas são apresentados por meio de dife- Outro projeto destacado pela Unidade foi o
rentes linguagens. “Sarau Poético: um pouco de poesia”, desen-
Assim, baseado no termo APOEMA de volvido em parceria com a professora de Lín-
origem tupi-guarani, que significa ”aquele gua Portuguesa e Artes, a avaliação culminou
que enxerga adiante” o CIEJA se coloca como na participação dos educandos no processo e
um coletivo que olha para o futuro dos (as) também em uma atividade cultural, na qual
educandos(as) como protagonistas de suas eles deveriam protagonizar individualmente e/
próprias histórias. ou em pequenos grupos experiências artísticas
que envolvessem as aprendizagens e também
EMEF Senador Luís Carlos Prestes seus saberes e experiências.
Localizada no bairro Cidade Tiradentes, A avaliação levou em conta todas as eta-
DRE Guaianases, também apresentou elemen- pas de realização do projeto e o envolvimento
tos interessantes para a discussão da avaliação de cada educando, e não, apenas, o resultado
na Educação de Jovens e Adultos, por meio da final. A Unidade destaca intensa participação
apresentação de dois Projetos. O projeto “Pro- dos educandos que demonstrou uma relação
dução de Autobiografias” objetivou o desen- de cumplicidade com os colegas e com os edu-
volvimento das habilidades de leitura e escrita cadores na assunção dos compromissos. Na
por meio da valorização da história de vida avaliação da Unidade Educacional projetos
dos próprios educandos, num diálogo direto como esse parecem ganhar novos significados
entre o texto escrito e as vivências, crenças e ao promoverem a interação entre o educando
valores destes sujeitos. e seu objeto de estudo, bem como entre o edu-
A atividade em questão envolveu leitu- cando e seus pares, o que é muito caro à Edu-
ra de diversos gêneros literários, dentre eles cação de Jovens e Adultos.
poemas, biografias, autobiografias e envol-
veu a produção escrita. A avaliação adotou EMEF Plinio Ayrosa,
um contorno no qual o educando foi avalia- Outra Unidade Educacional que vem re-
do pelo educador, mas também pôde avaliar fletindo sobre uma avaliação diferenciada é a
as próprias produções. A avaliação se deu EMEF Plinio Ayrosa, localizada no bairro Par-
em vários momentos e nesse processo, as que Monteiro Soares, da DRE Freguesia / Bra-
histórias individuais foram ganhando novos silândia que conta com um grupo de docentes
significados. Para o educando, o Projeto se que trabalha de maneira articulada, há aproxi-
configurou numa oportunidade de refletir madamente 8 anos, na EJA. Dentre as ações
sobre sua história de vida e sua identidade, pedagógicas, a Unidade destaca a contextuali-
além de estimular a produção escrita. Para o zação dos conteúdos abordados, visando pro-
educador, representou uma oportunidade de duzir significados relevantes no processo de
aproximar-se mais de seus educandos, esta- aprendizagem. A ideia é que cada educando
52
construa conhecimentos que dialoguem com a proposta da Unidade de não limitar as ações à
suas vidas e que extrapolem o ambiente esco- construção de um conhecimento que se feche na
lar, servindo de subsídios para o seu cotidiano. própria escola e somente a ela interesse.
Nesse sentido, a Unidade relata que vem O trabalho com projeção de filmes também
trabalhando para que os educandos se sintam é uma prática recorrente, seguida de discussões
valorizados e ocupem seu lugar de cidadãos e e debates entre educandos e educadores. Cada
agentes do próprio conhecimento. Para o de- educador tem o desafio de, na medida do possí-
senvolvimento deste trabalho, a Unidade des- vel, contextualizar o filme a partir de seu compo-
taca a afetividade com o educando jovem e nente curricular, favorecendo um enfoque mul-
adulto e o trabalho com a motivação. O empre- tidisciplinar, abordando diferentes perspectivas.
go de uma forma mais humanizada de abordar Especificamente para o educando trabalha-
o conteúdo das aulas se tornou predominante dor, com vistas a conciliar trabalho e estudo,
e constante devido, sobretudo, ao vínculo es- a Unidade desenvolveu uma proposta, deno-
tabelecido entre os docentes na Unidade e no minada “projeto modular”, que envolve a ela-
grupo e também à integração no trabalho pe- boração de textos e materiais que contemplem
dagógico realizado pelos mesmos. os conteúdos trabalhados a cada quinzena. A
A Unidade em questão vem adotando di- ideia é que este material possa servir de su-
versos instrumentos de avaliação, uma vez que porte e mais um elemento de estudo e leitu-
o processo de construção de conhecimento não ra, sobremaneira para o estudo extraclasse,
segue uma lógica linear “conteúdo apresenta- o que permite que o educando esteja sempre
do = conteúdo aprendido”. Sem descartar os em contato com os conteúdos que vêm sendo
instrumentos tradicionais de avaliação, o gru- trabalhados na sala de aula. Além disso, este
po de docentes vem buscando interligar, cada material contribui para a reposição dos conte-
vez mais, a avaliação a um momento específico údos e a recuperação de estudos. A ideia é que
da prática. Um bom exemplo pode ser encon- futuramente estes materiais sejam disponibili-
trado na “Contação de Histórias” realizada na zados on-line, para maior facilidade e acesso
Sala de Leitura, que valoriza o aprimoramento de todos educandos.
e a interpretação da leitura, a autonomia ex- Estes relatos revelam o compromisso das
pressiva, a interação com o coletivo, o uso da Unidades Educacionais e dos educadores com a
criatividade, dentre outros aspectos. Com isso, adoção de práticas avaliativas que respeitam as
a avaliação é concebida como processo, numa especificidades e singularidades da EJA. Reve-
interação constante entre educador e educando lam também, um caminho para a construção de
e as relações com o conhecimento. uma educação pública de qualidade social, com
As saídas pedagógicas, com intuito de dar vistas à promoção de uma sociedade mais justa
oportunidade aos educandos de conhecerem os e democrática.
espaços culturais e sociais da Cidade, desempe- Encerramos esta escrita na convicção Freiriana
nham um papel fundamental, pois além de atua- de que se a Educação sozinha não muda a socieda-
rem na integração social, também dialogam com de, tampouco a sociedade muda sem a Educação.
53
EDUCAÇÃO INFANTIL

Avaliação Institucional
Participativa na
Educação Infantil
A experiência em curso na Rede Municipal de
Ensino de São Paulo
Por Bruna Ribeiro1, Maria Malta Campos2 e Sonia Larrubia Valverde3

Durante os anos de 2013 e 2014, cerca de 441 da qualidade da educação básica. A utilização do
unidades de educação infantil da Rede Munici- documento Indique – EI, tem sido um dos ins-
pal de Ensino, incluindo EMEIs, CEIs diretos e trumentos utilizados por redes e instituições na
conveniados, responderam ao convite da DOT-EI busca da melhoria da qualidade do atendimento
para que participassem de uma autoavaliação da às crianças de 0 a 5 anos de idade na educação in-
qualidade do trabalho educativo desenvolvido fantil. Composto por sete dimensões5, cada uma
em sua unidade, seguindo a metodologia pro- delas desdobrada em Indicadores, com questões
posta pelo documento Indicadores da Qualidade sobre os diferentes aspectos do funcionamento
na Educação Infantil, conhecido informalmente de uma instituição educacional para crianças pe-
como Indique – EI. quenas, o instrumento propõe uma metodologia
Esse documento, publicado em 2009 pelo de trabalho coletivo, que incentiva a participação
MEC, faz parte de um conjunto elaborado com dos diversos segmentos presentes: gestores, pro-
o propósito de “criar condições efetivas para a
democratização da escola”; sua “metodologia foi 1 Profa. Ms. em Educação – PUC-SP e Assessora da DOT- Edu-
concebida para que a comunidade reunida possa cação Infantil
2 Profa. Dra. em Educação – USP e Assessora da DOT-Educa-
avaliar sua realidade, identificar prioridades, es- ção Infantil
3 Profa. Ms. Em Psicologia da Educação – PUC-SP e Diretora
tabelecer e implementar planos de ação e moni- da DOT-Educação Infantil
torar seus resultados.”4 4 www.indicadoreseducacao.org.br
5 As dimensões são: Planejamento institucional; Multiplicidade
A autoavaliação institucional participativa já de experiências e linguagens; Interações; Promoção da saúde;
Espaços, materiais e mobiliários; Formação e condições de
vem sendo adotada em diversas redes de educa-
trabalho das professoras e demais profissionais; Cooperação e
ção no país, como uma estratégia para a melhoria troca com as famílias e participação na rede de proteção social.
54
fessores, funcionários e pais. A avaliação é reali- Momento I (2013): A proposta de autoa-
zada por meio da atribuição de cores às questões, valiação participativa foi apresentada ao final de
indicadores e dimensões – com uso de cartões sete encontros descentralizados do I Seminário Re-
verdes, amarelos e vermelhos – em um processo gional Qualidade e Avaliação na Educação Infan-
de discussão que se inicia em pequenos grupos e til, que envolveram as equipes das 13 Diretorias
termina em uma plenária. O processo dura cerca Regionais de Educação – DREs e diretores e co-
de 4 horas de trabalho. Com base no diagnóstico ordenadores pedagógicos de CEIs e EMEIs, tanto
realizado, a unidade educacional deve propor um de unidades diretas, como indiretas e conveniadas.
plano de ação que contemple aqueles aspectos Momento II (2013): Representantes das
identificados como insatisfatórios. unidades que optaram pela realização da autoava-
A experiência na RME-SP busca promover e liação participaram de formações descentralizadas,
incentivar: para orientar a aplicação da metodologia, esclare-
• O fortalecimento dos profissionais que cer dúvidas e fornecer orientações para a organiza-
atuam na unidade educacional; ção dos encontros avaliativos nas unidades.
• O diálogo entre educadores e familiares Momento III (1o semestre de 2014): Fo-
das crianças atendidas; ram realizadas reuniões descentralizadas para tro-
• As práticas de gestão democrática na unidade; ca de experiências e sugestões para a gestão mu-
• A colaboração entre as equipes da DRE e nicipal. Nessas reuniões foram recolhidos relatos
das unidades educacionais; escritos das experiências das unidades, registros
• O aperfeiçoamento do projeto político pe- dos problemas identificados na autoavaliação,
dagógico da unidade; cujos encaminhamentos estão fora do âmbito es-
• A melhoria da qualidade da educação in- colar, demandando apoio de órgãos específicos
fantil municipal; para sua solução e sugestões para a adaptação do
• A coleta de subsídios para a elaboração documento para a realidade paulistana.6
dos Indicadores de Qualidade da Educação In- Momento IV (2o semestre de 2014): Sem-
fantil Paulistana. pre de forma descentralizada, ocorreu o II Seminá-
A proposta não visa à divulgação ou à compa- rio Regional Qualidade e Avaliação na Educação
ração de resultados da avaliação entre unidades. Infantil, para o qual foram convidadas todas as
Os resultados obtidos por meio de procedimentos unidades, incluindo aquelas que ainda não haviam
qualitativos e negociados entre os vários segmen- participado da autoavaliação. Neste momento duas
tos que participam do processo adquirem sentido unidades relataram suas experiências, que foram co-
apenas para aquele contexto e aquele momento; mentadas por especialistas nacionais convidadas.7
a mesma equipe, em momentos diferentes, pode
chegar a resultados diversos; unidades escolares 6 Foram também respondidos questionários por representantes
com diferentes tipos de desafios podem obter re- das unidades presentes. Esse material está sendo analisado pelas
autoras, com ajuda da mestranda da PUC/SP, Aline Nascimento.
sultados com distintos significados. 7 As especialistas convidadas, que contaram com apoio do
MEC, foram: Vânia Carvalho de Araujo; Vanda Ribeiro; Catari-
O trabalho organizou-se em sucessivos mo-
na Moro; Ana Paula Soares; Silvia Cruz; Maria Thereza Marcí-
mentos, a partir do segundo semestre de 2013: lio e Sandra Zákia Lian de Sousa.
55
Nos encontros foram realizadas seções de pôs- Todos saíram satisfeitos com este evento, in-
teres, com o registro da realização da autoava- clusive as cozinheiras e as agentes operacionais,
liação participativa nas unidades. A exibição que tiveram a oportunidade de participar direta-
dos pôsteres provocou muito interesse e, poste- mente das melhorias de nosso CEI.
riormente, eles também foram expostos na sede (Relato de Autoavaliação de CEI conveniado)
da Secretaria Municipal de Educação.
Momento V Iniciando seu trabalho ao Outro aspecto relevante apontado pelas equi-
final de 2014, um Grupo de Trabalho, com re- pes foi a dimensão de formação que uma autoa-
presentação regional da Rede Municipal, en- valiação realizada de forma coletiva proporciona.
contra-se elaborando a primeira versão dos In- Podemos considerar que o processo viven-
dicadores de Qualidade da Educação Infantil ciado constituiu-se em mais um espaço de forma-
Paulistana, prevista para março de 2015. ção tanto para os profissionais da escola quanto
Durante todo esse processo, os profissionais para as famílias participantes. Acreditamos que
envolvidos – supervisoras, diretoras, coorde- todos os presentes saíram com mais elementos
nadoras pedagógicas, professoras8 – trouxeram para pensar a qualidade da escola pública de
suas impressões e opiniões sobre as experiên- educação infantil.
cias vividas em suas unidades. São olhares crí- (Relato de Autoavaliação de EMEI)
ticos, que problematizam diversos aspectos do
processo, mas que também trazem o entusias- Por outro lado, as equipes foram bastante
mo surgido das boas surpresas vivenciadas. criativas para superar algumas dificuldades: o
Um dos registros mais positivos foi o apre- tempo necessário para realizar a autoavaliação é
sentado pelo diálogo proporcionado pela par- longo e foi preciso encontrar os dias e horários
ticipação das famílias. Enquanto no primeiro mais convenientes, assim como organizar os es-
momento, o maior receio era sobre como tra- paços disponíveis, o que por vezes demandou
balhar a autoavaliação com a presença dos pais, modificações na metodologia proposta.
após o processo vivido veio o reconhecimento Acho que precisaríamos de um tempo maior
das ricas oportunidades de escuta e diálogo que para a realização desta autoavaliação, que deve
essa experiência proporcionou. Também foi ser feita com calma, cuidado, estudo, interpreta-
ressaltada a participação dos funcionários ope- ção, para obtermos um melhor resultado.
racionais durante a autoavaliação em diversas (Relato de Autoavaliação de CEI conveniado)
unidades.
A qualidade dos debates foi incrível, não es- Com base na autoavaliação, muitas unidades
perávamos que as famílias tivessem tantas con- registraram pontos importantes para serem prio-
tribuições na análise do trabalho desenvolvido rizados em seu planejamento e algumas chega-
pelo CEI. ram a detalhar condutas que devem ser adotadas
(Relato de Autoavaliação de CEI direto) a partir de questões específicas surgidas na au-
toavaliação.
8 No feminino, dada à maioria das participantes serem mulheres. Somos uma equipe nova, em abril faremos
56
um ano, e por conta disso conseguimos identifi- buir para o processo mais amplo em andamento
car em nossa avaliação questões (...) que já co- no país, de definição de diretrizes para a avalia-
locamos em nosso planejamento (...): envolver ção na educação infantil, conferindo um papel
mais a família em nosso dia a dia; ter melhor mais proativo para a Rede paulistana no cenário
organização nos registros de avaliação, diário, nacional, condizente não só com suas dimensões
semanário; participação das crianças no plane- e abrangência, mas também com sua história e
jamento das atividades e não só no desenvolvi- seus avanços. Assim, estabelecemos uma parce-
mento das atividades... ria com o MEC/COEDI que contratou a Prof.ª
(Relato de Autoavaliação de CEI conveniado) Dra. Marina Celia de Moraes Dias para acom-
panhar e registar todo o processo vivido pela
Acolhimento aos pais na entrada: cumpri- RME-SP com vistas a subsidiar uma revisão do
mentar com simpatia; conversar com tolerân- Indique – EI nacional.
cia; sempre com sorriso; ouvir com compreen- Os indicadores de qualidade na educação
são e atenção. infantil têm um significado de transformação da
(Relato de Autoavaliação de CEI direto) instituição de educação infantil. Porque nos di-
reciona a fazer uma autoavaliação do que está
Espera-se que esta experiência de avaliação bom, do que podemos modificar para uma educa-
institucional participativa em curso na Rede Mu- ção de qualidade significativa e integral.
nicipal de Educação de São Paulo possa contri- (Relato de Autoavaliação de CEI conveniado)

Exposição da
pintura coletiva,
EMEI Ricardo
Gonçalves.

adriana caminitti

57
CEI Suzana Campos Tauil
1. Por que o grupo se mobilizou para utili- ças que indicam responsabilidades partilha-
zar os Indicadores de Qualidade na Educa- das na construção da qualidade.
ção Infantil – MEC 2009? O documento favorece a avaliação par-
Optamos pela utilização dos Indicadores ticipativa e aberta ao debate, ampliando o
pelo sentido de qualidade que o documento olhar sobre a escola, dando voz e consideran-
propõe, coerente com o que buscamos con- do todos os sujeitos envolvidos no processo
solidar no trabalho do CEI Suzana Campos educativo, garantindo uma Educação de qua-
e pelo conceito de Infância, Currículo e Ava- lidade para os meninos e meninas.
liação que dialogam com a nossa proposta
pautada na garantia dos direitos das crianças 2. Quando a U.E. realizou a aplicação dos
como critério de qualidade, garantindo a par- Indicadores – MEC 2009?
ticipação e o diálogo com as famílias, poten- No dia 29 de março de 2013, com todas
cializando a gestão democrática e sugerindo as famílias, realizamos momentos de estudo
uma Rede de proteção aos direitos das crian- e simulação da aplicação com toda a equipe.

Atividade de
música com
os alunos de
Educação
Infantil do
CEI Suzana
Campos Tauil.
adriana caminitti

58
Apresentamos a proposta de avaliação para o 4. O processo de autoavaliação institucio-
Conselho do CEI que escolheu uma das di- nal participativa orientou a elaboração e
mensões para aprofundamento e análise de revisão do PPP da U.E.? Quais desdobra-
suas condições no cotidiano do CEI. O co- mentos foram possíveis de observar a par-
nhecimento aprofundado do documento por tir da aplicação dos Indicadores – MEC
todos os envolvidos qualifica a participação 2009?
e enriquece o debate. Ao viver o processo de avaliação de qua-
lidade por meio dos indicadores pudemos
3. Como foi a participação/envolvimento da implementar mudanças significativas no tra-
Equipe da U.E e das famílias na aplicação balho cotidiano do CEI. Fizemos alguns en-
dos Indicadores – MEC 2009? caminhamentos: aquisição de brinquedos de
A equipe teve um envolvimento signifi- boa qualidade com diversas possibilidades
cativo no estudo do documento e no processo sensoriais; intervenção nos espaços internos
de organização do encontro. A participação e externos criando ambientes diversos; visi-
das famílias se deu mais qualitativamente bilidade da proposta educativa com exposi-
do que quantitativamente. Aproximadamen- ção dos projetos de trabalho desenvolvidos
te 20 % das famílias participaram. A orga- por cada turma; aproximação das famílias
nização prévia dos materiais e da função de com a escola por meio de encontros com di-
cada um no encontro potencializou o tempo ferentes temáticas e ampliação do acervo de
do debate. Mais importante do que as cores livros, brinquedos e instrumentos da cultura
atribuídas para cada um dos indicadores das indígena e africana.
dimensões, a relevância desta avaliação está A inclusão das crianças no processo de
na possibilidade de debate e participação le- avaliação acontece com a escuta permanente
gítima. Pudemos, neste encontro, chegar ao e sensível dos educadores em todos os tem-
consenso em torno da ideia de qualidade para pos e espaços do CEI. As crianças pequenas
a infância e dialogar com as famílias em re- não respondem quando perguntamos e o que
lação às necessidades das crianças ainda não perguntamos, elas se manifestam por meio de
atendidas. O encontro favoreceu a reflexão outras linguagens e o educador precisa estar
sobre os direitos das crianças, o papel dos atento e presente na relação com a criança
educadores e famílias na consolidação destes para que possa compreender suas manifes-
direitos. O encontro constituiu uma Comis- tações de alegria, interesse, rebeldia, tristeza
são de Avaliação de Qualidade formada por para que possamos atender suas necessidades.
pais, professores e equipe.

59
A Documentação Pe- nos e meninas estão se dedicando,
o que estão descobrindo, com o que
dagógica: um recurso estão se maravilhando, enfim, o que
a favor da aprendiza- estão aprendendo.
gem dos bebês e das Segundo Bonàs (2011), ao docu-
mentar revivemos processos, ela-
crianças. boramos hipóteses, falamos com
imagens, construímos cultura, uma
Sonia Larrubia Valverde, Diretora da DOT-EI cultura da infância que requer uma
escuta afinada e precisa, não só da
Nas Unidades Educacionais de criança, mas também do próprio
Educação Infantil, a documentação educador. Assim, a documentação
pedagógica é usada para registrar pedagógica não é só um diálogo
os processos, situações e experiên- romântico dos olhares entre edu-
cias vividas pelas crianças nas inte- cadores e crianças, mas também se
rações que elas estabelecem entre nutre dos olhares respeitosos das
si, com os educadores, com os ma- famílias. Torna-se o meio impor-
teriais e ambientes nos quais convi- tante, pelo qual, as famílias podem
vem diariamente e que possibilitam conhecer e saber o que se passa
a elas inúmeras aprendizagens. dentro da Unidade Educacional, um
Para realizar a documentação pe- convite feito por seus próprios fi-
dagógica podemos recorrer a vários lhos que lhes mostram como fazem
registros que estão disponíveis no parte desta comunidade.
dia a dia do CEI e da EMEI, como os Partindo desta perspectiva, a
relatórios descritivos individuais e documentação pedagógica está in-
do grupo, portfólios individuais e do timamente ligada à prática da ava-
grupo, fotos, filmagens, as próprias liação na Educação Infantil, pois ela
produções das crianças como dese- permite ao educador rever sua prá-
nhos, esculturas, maquetes, etc. tica e planejar encaminhamentos e
Esses registros, transformados intervenções que busquem ampliar
em documentação pedagógica, as- as experiências e significados das
sumem uma enorme importância, experiências vividas pelos bebês e
pois ajudam a consolidar o proces- crianças nos CEIs e EMEIs.
so pedagógico, promovem uma re- Na elaboração da documentação
flexão sobre a que os bebês, meni- pedagógica, algumas perguntas po-
60
60
dem nortear o olhar dos educado- significativas de construção de co-
res em suas intervenções: nhecimento, superando atividades
desconexas e apartadas?
• Quais os interesses dos bebês Os portfólios
• Como os bebês e as crianças individuais são
e crianças?
organizados
constroem as suas culturas de pa-
• Que tipos de teorias meninos e com registros
res e com os adultos? de experiências
meninas elaboram? realizadas pelas
• Como os bebês demonstram
crianças, falas
• Como posso instigar/desafiar na relação entre si e com os adul- das crianças,
essas teorias? tos as suas preferências e os seus anotações e
sentimentos? contribuições
• Como propiciar que os bebês dos pais,
e as crianças possam ampliar suas • O que as crianças e suas famí- organizadas
experiências com as diferentes lias pensam sobre a Educação In- de forma
linguagens garantindo situações fantil? esteticamente
interessante.

adriana caminitti

61
CEU EMEI Prof. Milton Santos
1. Por que o grupo se mobilizou para utilizar grupo. Por vezes, particularidades e necessida-
como forma de registro os relatórios individu- des de uma criança são apontadas favorecendo
ais? Desde quando isso acontece? um melhor entendimento sobre ela. Quanto às
Com a chegada, em 2006, de novos elemen- famílias, estas realizam uma avaliação insti-
tos na equipe gestora e docente, o grupo pas- tucional sobre os avanços que observaram em
sou a refletir sobre a qualidade dos relatórios seus filhos e que refletem no contexto familiar.
em forma de múltipla escolha e concluiu que Essa avaliação é considerada na hora de realizar
essa não era a melhor maneira de retratar o gru- os planejamentos e ações pedagógicas.
po, a criança e seus avanços. Iniciaram-se então
estudos teóricos e práticos sobre narrativas e a 3. Que papel os Relatórios têm na avaliação
construção de registros em forma de relatórios. do processo de desenvolvimento e aprendiza-
A partir desse momento, o grupo tem procurado gem das crianças, no desenvolvimento pro-
construir e aperfeiçoar esses relatórios. fissional e no compartilhamento do trabalho
com as famílias?
2. Como essa forma de registro possibilita a Ao avaliar o processo coletivo da sala ou
autoria dos educadores, das crianças e das fa- individual, vai se realizando uma autoavalia-
Formação com
professores: estudo mílias em sua constituição? ção por parte do educador sobre o trabalho que
da Orientação Os relatórios são constituídos basicamente foi desenvolvido naquele grupo. Essas refle-
Normativa e análise pelos professores, e à criança é dada voz nes- xões redirecionam a continuidade do trabalho
dos relatórios. se processo, principalmente quando se avalia o pedagógico.
Ao realizar a avaliação da criança não
buscamos o caráter classificatório e sim rela-
tar aspectos individuais de como foi a adap-
tação, como interage com os adultos, com
outras crianças, espaços e materiais, como
participa das propostas vivenciadas pelo gru-
po no que tange as múltiplas linguagens. Ao
realizar reuniões com pequenos grupos de
pais é possível compartilhar com as famílias,
quase individualmente, o desenvolvimento e
a aprendizagem da criança. Ao mesmo tem-
po, tem-se um retorno de como esse traba-
lho repercute nas famílias, nas casas. A es-
adriana caminitti

cola passa a conhecer mais sobre a rotina da


criança fora da escola, do universo cultural
62
da família, por exemplo. Sendo assim, pode- 5. Como esses relatórios são encaminha-
se orientar a família e ser orientado por ela. dos na transição do CEI para EMEI e deste
para EMEF?
4. O conteúdo dos relatórios é utilizado nos Após ciência dos pais sobre os Relatórios
momentos de formação coletiva como mate- finais, eles são orientados sobre a importân-
rial de estudo e reflexão? Como? cia destes e a necessidade de apresentá-los na
Neste ano, focamos nossa formação no es- EMEF onde o filho irá cursar o 1º ano. No
tudo da Orientação Normativa e análise, por CEU estamos retomando a prática de encami-
amostragem, dos relatórios realizados, consi- nhar os relatórios diretamente à EMEF.
derando a trajetória percorrida pela criança e
o trabalho pedagógico desenvolvido.

CEI Jardim Vila Pedroso


1. Por que o grupo se mobilizou para uti- dos documentos e normatizações da SME, e
lizar como forma de registro os Relatórios dos documentos da Unidade Educacional. O
Individuais ? grupo concluiu que os Relatórios Descritivos
A partir das questões: Onde começa a foram considerados a melhor forma de relatar
Avaliação na Educação Infantil? Para que com inteireza o desenvolvimento da criança.
avaliar? Que elementos considerar quando
avaliamos as crianças? E como avaliar? 3. Como essa forma de registro possibilita a
Foi preciso pensar em como os educado- autoria dos educadores, das crianças e das
res avaliam e quais atores participam desse famílias em sua constituição ?
momento, olhar a importância e ampliação da A autoria dos educadores se dá na apropria-
avaliação das aprendizagens das crianças para ção e reconhecimento de seu papel enquanto
as famílias, educadores e a própria criança, profissional de educação; na observação de
superando as práticas avaliativas tradicionais sua prática pedagógica, no acompanhamento
que desconsideram a construção das crianças, da experimentação das crianças; nas trocas de
revelando a necessidade de qualificar o pro- saberes com as famílias e seus pares, no pro-
fessor como mediador e provocador de apren- cesso formativo individual e coletivo; no fazer
dizagens e o quanto os aprendizados podem pedagógico; nas intervenções pedagógicas; na
avançar em seu processo de construção, ob- construção e sistematização de conhecimento.
servando e compreendendo o dinamismo Os relatórios descritivos trazem observações e
presente no desenvolvimento infantil, no re- intervenções específicas para cada criança ex-
dimensionamento da prática, tendo como pa- plicitando a condução do seu trabalho.
râmetro a qualidade no atendimento a todos, A autoria das crianças acontece, quando
em consonância com os princípios e diretrizes as mesmas protagonizam e são apoiadas na
63
Momentos
formativos: análise
das práticas
por meio de
tematizações e
problematizações
dos Instrumentos

adriana caminitti
de avaliação
utilizados.

construção dos saberes, possibilitando que a sional: contribuem na qualificação e revisi-


criança possa expressar suas necessidades. tação dos planos e ações didático-pedagógi-
A autoria das famílias se dá a partir da cas, para intervenções necessárias na prática
participação das mesmas, pautada no respei- pedagógica. No ato de planejar, o registro
to, considerando o direito das mesmas quanto começa na observação, no acompanhamento.
ao acesso sobre o que acontece no CEI acerca Avaliamos e refletimos sobre como a cons-
do desenvolvimento das crianças, o comparti- trução se realiza.
lhamento de seus saberes, culturas, opiniões, Em relação às crianças: Revela todo o
nas devolutivas dos registros orais e escritos processo pedagógico, de todo o caminho e
e na permanência nos espaços do CEI. percurso trilhado pelas crianças, configura-
se como um instrumental no qual os profes-
4. Que papel os relatórios têm na avaliação sores avaliam suas práticas pedagógicas pon-
do processo de desenvolvimento e aprendi- tuando intervenções e redimensionamento
zagem das crianças, no desenvolvimento das ações.
profissional e no compartilhamento do tra-
balho com as famílias ? 5. O conteúdo dos relatórios são utilizados
Em relação às famílias: obtenção de in- nos momentos de formação coletiva como
formações e subsídios sobre o procedimento material de estudo e reflexão. Como?
avaliativo das crianças, apropriar e ampliar Sim. A construção de aprendizagens, con-
seus conhecimentos sobre o desenvolvimen- sidera a criança como sujeito do processo, a
to das crianças, ampliar os olhares a respeito participação das famílias, juntamente com
das concepções de cultura e infância. as necessidades e expectativas. Os relatórios
Em relação ao desenvolvimento profis- são utilizados nos momentos formativos com
64
objetivo de analisar as práticas, por meio de no CEI e EMEI, explorando os espaços, tro-
tematizações e problematizações dos instru- cando informações acerca da aprendizagem
mentos utilizados no CEI, valorizando os das crianças, visitando as Unidades, no envio
registros dos professores e análises de bons de encaminhamentos, procedimentos e medi-
referenciais e outras estratégias formativas. das tomadas com as crianças PNEE e demais
crianças com sugestões de intervenção.
6. Como esses Relatórios são encaminhados Os relatórios são encaminhados de forma
na transição do CEI para EMEI e deste para institucionalizada às EMEIs, através de do-
a EMEF ? cumentos oficiais e compartilhados com as
Estabelecemos uma parceria pedagógica famílias.
envolvendo ações educativas desenvolvidas

EMEI Ricardo Gonçalves


1. Por que o grupo se mobilizou para utilizar então demos mais um passo e começamos a fa-
como forma de registro os portfólios indivi- zer os portfólios individuais em 2010. Pensa-
duais? mos em colher atividades, falas das crianças,
Uma questão era colocar um diferencial anotações, contribuições dos pais e organizá-
na escola, não só na forma do registro, mas las de forma esteticamente interessante para
do trabalho, porque o turno da tarde fazia um que os pais tivessem desejo de guardá-los.
trabalho diferenciado para contemplar as ne- Assim, tivemos que fazer escolhas, inclusive
cessidades dessa criança no período integral, repensar as propostas de atividades para as
já que elas ficam o dia todo na escola. crianças, abrindo espaço para o inesperado e à
O foco foi mostrar o projeto da tarde, mos- lógica da criança, que é pura poesia.
trar como a criança vivia esse projeto. E o pro-
jeto da tarde sempre teve uma preocupação de 3. Qual o significado desta forma de registro
trabalhar com experiências de todos os tipos, para as crianças, as famílias e os professores?
inclusive com arte contemporânea. Então que- Essa forma de registro se tornou reflexiva e
ríamos registrar, narrar esse tempo que a crian- significativa. É um material rico para compar-
ça vive aqui na Unidade Educacional conosco, tilhar entre professoras-crianças-famílias.
com os colegas, a sua história. Aconteceu uma mudança na postura da fa-
Nasce também com a conquista do grupo de mília que recebeu esse registro (portfólio) de
professoras em realizar um trabalho coletivo. forma diferente e significativa.
Houve uma valorização do trabalho que
2. Desde quando isso acontece? vem sendo feito precisamente neste horário da
Os portfólios coletivos que eram feitos so- tarde, alguns pais dizem “gente, eu adoro tudo,
bre os projetos desenvolvidos já aconteciam, tenho todos os portfólios guardados até hoje”.
65
Mudou o comportamento das famílias nas “Vendo o portfólio entendemos o que nos-
reuniões, elas ficam mais tempo, se mostram so filho fala e faz em casa.”
interessadas em saber o processo vivido pelo
filho na Unidade Educacional e, em muitos ca- 4. Que papel este tipo de registro tem na
sos, participam da reunião o pai e a mãe, pois avaliação do processo de desenvolvimento e
os dois querem ver, saber mais sobre os proje- aprendizagem das crianças?
tos, coisa que antes não acontecia. O portfólio tirou o foco se a criança sabe
As crianças também participam desse pro- ou não sabe determinado conteúdo, pois passa
cesso, escolhem fotos, imagens das atividades a narrar a história da criança na Unidade Edu-
e rememoram suas vivências. Elas contam cacional, mostra a síntese que ela faz na cons-
para os novos alunos que entraram na escola o trução das suas ideias. No portfólio a criança é
que são os portfólios e como os fazem. o centro da ação.
O portfólio vem com as marcas individu- Por intermédio dele, os pais conseguem
ais, assim, as famílias sentem que o filho é acompanhar o desenvolvimento e entender
singular, elas se aproximam do que o filho todo o processo desse ciclo, e a criança tam-
vivencia. bém tem essa percepção.

Os portfólios
individuais são
organizados
com registros
de experiências
realizadas pelas
crianças, falas das
crianças, anotações
e contribuições dos
pais, organizadas
de forma
esteticamente
interessante.

adriana caminitti
Referências bibliográficas:
BRASIL. Ministério da Educação. Indicadores da qualidade na educação infantil. Brasília: MEC/SEB, 2009.
RIBEIRO, Bruna. Indicadores da qualidade na educação infantil: potenciais e limites. Revista Educação, PUC/Campinas, v. 18, n. 1, jan./abr.
2013, p. 65-74
_______, Vanda M.; GUSMÃO, Joana B. B. Uma leitura dos usos dos Indicadores da Qualidade na Educação. Cadernos de Pesquisa, São Paulo/
Fundação Carlos Chagas, v.40, n.141, p. 823-847, set./dez. 2010.
_______, Vera M.; RIBEIRO, Vanda M.; GUSMÃO, Joana B. Indicadores de qualidade para a mobilização da escola. Cadernos de Pesquisa, São
Paulo/Fundação Carlos Chagas, v.35, n.124, p. 227-251, jan./abr. 2005.
SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Avaliação na Educação Infantil: aprimorando os olhares. São Paulo: SME/DOT-EI, 2014.
Red Territorial de Educación Infantil de Cataluña. Documentar la vida de los niños y las niñas em la escuela. Barcelona: Octaedro - Rosa
Sensat, 2011.

66
A avaliação é o grande momento da aprendizagem. Uma ava-
liação contínua, democrática e transparente apoia os esforços dos
educadores, estimula o empenho, reconhece o trabalho desenvolvido
e guia nossas atividades futuras, proporcionando ajustes de rumos e
diálogo sobre tudo o que é feito na e para escola.
Contudo, ela é ainda entre nós uma “senhora muito mal fala-
da”, na irreverente constatação do educador Francisco José Soares,
presidente do INEP e grande especialista no assunto.
Resgatar o sentido da avaliação como um direito do aluno de sa-
ber o que aprendeu ou deixou de aprender – e de, consequentemente
exigir e ver cumprido seu direito à aprendizagem – é fundamental
para fazer avançar a qualidade do ensino no Brasil.
É a este rico e complexo tema que a revista Magistério dedica
sua edição 4. Boa leitura. Aguardamos sua avaliação.

Vous aimerez peut-être aussi