Vous êtes sur la page 1sur 6

CANTADA (DEPOIS DE TER TU

VOCÊ) Murilo Mendes


Adriana Calcanhotto
Espero-te desde o começo,
Depois de ter você Desde o tempo das pianolas,
Pra quê querer saber Desde a luz de querosene.
Que horas são?
És meu amor triste e lúcido
Se é noite ou faz calor Por ti me vinguei da vida,
Se estamos no verão Matei a figura estéril
Se o sol virá ou não E fiz a pedra florir.
Ou pra que é que serve
Uma canção como essa? Céu e terra se tocaram
Com grande aplauso do fogo,
Depois de ter você Ondas bravas se abraçavam
Poetas para quê? No início do nosso idílio.
Os deuses, as dúvidas
Pra que amendoeiras pelas ruas? Áspera e doce criatura,
Para que servem as ruas? És o arquétipo encarnado
Depois de ter você... Das mulheres oceânicas
E ao mesmo tempo tranquilas.

Nosso amor será uma luta:


Ao som de clarins vermelhos
Subiremos pelo arco-íris
Semimortos de paixão,
Até encontrarmos o Hóspede.
CERTA MULHER AMOR
Murilo Mendes Murilo Mendes

A linha do horizonte Os rios falam de ti,


Passa pelos teus cílios Tantos peixes migradores
Tua fonte a inquietação murmura Trazem-te cartas do Oriente!

A alta lâmpada do templo balançou Os anjos circulam suspirando


Porque não brincaste nunca mais Em torno da colmeia de teus lábios
[com o arco
Nos lânguidos terraços Disfarçado em jardineiro
Os Hóspede vem te visitar
A onda vai e volta
Na esperança de te ver Preso ao teu corpo dia e noite
O trevo de quatro folhas Perdi a noção do eu
Achou-te. E te amo tanto que não sei mais
Estrelas gêmeas suspiram. Se me salvo ou me danarei.
TODAS AS CARTAS DE AMOR EROS E PSIQUÊ
SÃO Fernando Pessoa
Álvaro de Campos
Conta a lenda que dormia
Todas as cartas de amor são Uma Princesa encantada
Ridículas. A quem só despertaria
Não seriam cartas de amor se não Um Infante, que viria
[fossem De além do muro da estrada
Ridículas.
Ele tinha que, tentado,
Também escrevi em meu tempo Vencer o mal e o bem,
[cartas de amor, Antes que, já libertado,
Como as outras, Deixasse o caminho errado
Ridículas. Por o que à Princesa vem.

As cartas de amor, se há amor, A Princesa Adormecida,


Têm de ser Se espera, dormindo espera.
Ridículas. Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Mas, afinal, Verde, uma grinalda de hera.
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor Longe o Infante, esforçado,
É que são Sem saber que intuito tem,
Ridículas. Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Quem me dera no tempo em que Ela para ele é ninguém.
[escrevia
Sem dar por isso Mas cada um cumpre o Destino —
Cartas de amor Ela dormindo encantada,
Ridículas. Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
A verdade é que hoje Que faz existir a estrada.
As minhas memórias
Dessas cartas de amor E, se bem que seja obscuro
É que são Tudo pela estrada fora,
Ridículas. E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
(Todas as palavras esdrúxulas, Chega onde em sono ela mora.
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente E, inda tonto do que houvera,
Ridículas). À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
AMAVISSE
Hilda Hilst

Porco-poeta que me sei, na cegueira, no charco


À espera da Tua Fome, permita-me a pergunta,
Senhor de porcos e homens:
Ouviste acaso, ou te foi familiar
Um verbo que nos baixios daqui muito se ouve
O verbo amar?

Porque na cegueira, no charco


Na trama dos vocábulos
Na decantada lâmina enterrada
Na minha axila de pelos e de carne
Na esteira de palha que me envolve a alma

Do verbo apenas entrevi o contorno breve:


É coisa de morrer e de matar, mas tem som de sorriso
Sangra, estilhaça, devora, e por isso
De entender-lhe o cerne não me foi dada a hora.

É verbo?
Ou sobrenome de um Deus prenhe de humor
Na péripla aventura da conquista?

II

Como se te perdesse, assim te quero.


Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,


A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações


Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
POEMA EM LINHA RECTA
Álvaro de Campos

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.


Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo


Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana


Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!


Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,


Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
AFINAL, A MELHOR MANEIRA DE VIAJAR É SENTIR
Álvaro de Campos

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.


Sentir tudo ele todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente
Porque todas as coisas são, em verdade excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,


Quanto mais personalidades eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora,
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d'EIe há só EIe, e Tudo para Ele é pouco.

Cada alma é uma escada para Deus,


Cada alma é um corredor-Universo para Deus,
Cada alma é um rio correndo por margens de Externo
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.

[...]

Sou um monte confuso de forças cheias de infinito


Tendendo em todas as direcções para todos os lados do espaço,
A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une
E faz com que todas as forças que raivam dentro de mim
Não passem de mim, não quebrem meu ser, não partam meu corpo,
Não me arremessem, como uma bomba de Espírito que estoira
Em sangue e carne e alma espiritualizados para entre as estrelas,
Para além dos sóis de outros sistemas e dos astros remotos.

Tudo o que há dentro de mim tende a voltar a ser tudo.


Tudo o que há dentro de mim tende a despejar-me no chão,
No vasto chão supremo que não está em cima nem em baixo
Mas sob as estrelas e os sóis, sob as almas e os corpos
Por uma oblíqua posse dos nossos sentidos intelectuais.
Sou uma chama ascendendo, mas ascendo para baixo e para cima,
Ascendo para todos os lados ao mesmo tempo, sou um globo
De chamas explosivas buscando Deus e queimando
A crosta dos meus sentidos, o muro da minha lógica,
A minha inteligência limitadora e gelada.

Sou uma grande máquina movida por grandes correias


De que só vejo a parte que pega nos meus tambores,
O resto vai para além dos astros, passa para além dos sóis,
E nunca parece chegar ao tambor donde parte...

Meu corpo é um centro dum volante estupendo e infinito


Em marcha sempre vertiginosamente em torno de si,
Cruzando-se em todas as direcções com outros volantes,
Que se entrepenetram e misturam, porque isto não é no espaço
Mas não sei onde espacial de uma outra maneira-Deus.

Dentro de mim estão presos e atados ao chão


Todos os movimentos que compõem o universo,
A fúria minuciosa e (...) dos átomos
A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos,
A espuma furiosa de todos os rios, que se precipitam,
E a chuva como pedras atiradas de catapultas

De enormes exércitos de anões escondidos no céu.

Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio


De estar dentro do meu corpo, de não transbordar da minh'alma.
Ruge, estoira, vence, quebra, estrondeia, sacode,
Freme, treme, espuma, venta, viola, explode.
Perde-te, transcende-te, circunda-te, vive-te, rompe e foge,
Se com todo o meu corpo todo o universo e a vida,
Arde com todo o meu ser todos os lumes e luzes,
Risca com toda a minha alma todos os relâmpagos e fogos
Sobrevive-me em minha vida em todas as direcções!

Vous aimerez peut-être aussi