Vous êtes sur la page 1sur 746

tA' .

K ü t:)? \ ■
d e Q iu m
M a ti0 . ;

V >

tj
4

ÍÍ
.sSV

v. MA ÍM I \
\0 EM P K )» i ( t

/"i*
os historiadores enfrenraram,
vomo Jtia de Queirós Matioso. o de­
safio de U cr hbrória regional no Brasil,
de forma abrangente, partindo de (otn.es
nrimárias e buscando dàdos quantitati­
vos coerentes, capazes de montai series
históricas. Nascida naG récià, baiana por
idoção, Katia Mattoso se dedicou a este
trabalho durante mais de 20 anos, ajuda­
da por gerações de alunos. Junto$/ eles
examinaram cerca de 40 m il documen­
te;- para esrabelecer séries de preços e sa­
lários; leram c resumiram quase 3.500
testamentos e mais de mil inventários;
transcreveram e analisaram mais de 16
inií cartas de alforria. Atas das câmaras
m urd-.pjis, recenseamentos, documen­
tos contábeis, crônicas, arquivos dc con­
ventos, registros portuários, discursos de
autoridades da época — além, é claro, de
uma exaustiva consulta à bibliografia já
disponível — permitiram a rpóntagem
deste minucioso painel sobrê a Bahia.no
século XXX, pioneiro na hiltorio^rafia
brasileira. i í
O esforço foi duplamente recom-
p>ensado. Vários centros universitários
do Brasil seguiram as perspectivas aber­
tas por Katia Mattoso a partir da uti­
lização sistemática de inventários post
mortem da Bahia, inclusive de escravos e
forros. No exterior, o trabalho da autora
também foi reconhecido. Apresentado
na França como tese dc Doutorado de
Estado e entusiasticamente aprovado, es­
te texto propiciou a criação da cátedra de
História do Brasil na Universidade de
Paris IV - Sorbonne, cabendo a Katia
Mattoso ocupar sua primeira regência
como titular. " '1
. - '
Partindo dos “dadoí Éseiveis da geo­
grafia”, a autor^apresenta a capital c sua
região, analisando ivpapel dosVíos e das
vias de comunicação, cenário magnífico
e inóspito, conquistado, ocupado e repo­
voado por recém-chegados que, passo a
^ passo, construíram uma sociedade. De-
Q ot tensa* da pesquisa se abrem em
-...íim***. a demografu c a família, as reli-
... Jl' .JWJTT

~K

> A-*‘ —r^ r\ Ç ') ^ .


5
' t-* n r>
G C
Vi s.

o
P-
í*
?
■■lj

0
9 O
/i "i -f* d
í—
f
<4 •\T'
s* V* P
"w Vi* r

í" (7
J;

? -
f 0 --
. .f
"S

r-
C?-.

Í_J
í.

■3 ; aj
X X C»

<
t
LIVRARIAS DA
Distribuidora de Livros
S a lv a d o r L td a
'reis- —
galva^ot - /

d
o C > -í j
E
hH
M
SN >
vj
Ar 5
<
CO
Z W .
n
£ O
o
c n|
*
( '? a
£3T
O ■>
C5

o
. a.í
S X
HH
y-T /

§'
o
V
■L; X íf (' l
■A ;4

\n a~
D-5 Vv-*' Z,'1
o' jf' ? »‘ ÍZ '
/*
(

p o
i- * ’ 1 ■ li C-
; d, ; ■,
n
r.'-‘ v', rr-
c>
% tf. * W

lO
?. Oj
&
K atia M. de Queirós Mattoso

B ah ia , S éculo X IX
Ü ma P r o v ín c ia no I m pério


EDITORA
NOVA
FRONTEIRA
© 1992, by Katia M. de Queirós Mattoso

D ireitos de edição da obra cm lín gua po rtuguesa ad q u irid o s pela


E d it o r a N ova F r o n t e ir a S.A.
Rua B am bina, 25 —C E P 22251
Botafogo - T cl. 2 8 6 -7 3 2 2
Endereço telegráfico: N E O FR O N T
Telex: 3 4 6 9 5 ENFS BR
R io de ja n e iro , RJ

Tradução
Yedda de Macedo Soares

Edição de texto
César Benjamin

ISBN 85-209-0397-0

Em
ü " " « P— ' - *■ H » o ™ , lm m la m Q i
Para m eus n etos brasileiros — M ariana, M arcos Filho, Tomás,
Tiago e P edro — e m eus netos greco -b ra sileiro s — M ichalis e Alexandros —,
p a ra q u e co n h eça m e a m em um a B ahia q u e é deles.
S u m á r io

P re fác io .....................................................................................................................

A p re s e n ta ç ã o .........................................................................................................

In tro d u ç ã o ..............................................................................................................
A história do Brasil que me foi co n tad a...........................................
Como escrever uma história da B a h ia ?..............................................

L iv r o I - O s D o ns e as A r m a d il h a s d a N atureza

C a p ítu lo 1 - A B a h ia ......................................................................................
A cid ad e...........................................................................................................
A p ro vín cia..................................... *..............................................................

C a p ítu lo 2 - S a lv a d o r....................................................................................
M orfologia do sítio .....................................................................................
Solos e águas...........................................................................................
A baía e o p o rto ..........................................................................................

C a p ítu lo 3 - 0 R e c ô n c a v o ........................................................................
Esboço de definição.............................................................................**•■■■
Dados estáveis da geografia........................ -..........................................
Ventos, chuvas c solos.................................................................... *........

C ap ítu lo 4 —V ias de co m u n ic a ç ã o ........................................................


Caminhos fluviais: o Recôncavo e o lito ra l.............................*
Caminhos terrestres: o Agreste e o S ertão .......................................
Caminhos marítimos: o S u l ..................................................................
—- ■ — y ---- ------------
L i v r o II - O P e s o d o s H o m e n s ...............................................

Capítulo 5 —0 papel da h istória.................................-......... .....


A conquista do interio r.................................*................................ ..
Bahia, S é cu lo XIX

U m a metrópole co lo n ial?...................................................................................................................
78
Salvador, metrópole do Novo M u n d o ......................................... *.................*............................
C a p ítu lo 6 — P opulações d a P ro v ín cia d a B a h ia ..................................................................... 82
Panorama geral (1780—1 8 9 0 ).............................*..................................................................... *...... ^
Um século de avaliações imprecisas: 1 7 8 0 -1 8 7 2 .................. *................................................ 82
Os recenseamentos de 1872 e 1890 .............................. 87
Faixas etárias e distribuição por sexo na população b a ia n a ................................................. 94
Matizes raciais e origens da população b a ian a ..............................................*............ 97

C a p ítu lo 7 - A cid ad e de S a lv a d o r ...................................................................................................... 100


Antes de 1872: Recenseamentos p a rc iais................................................................. ................... 104
Antes de 1872: A valiações.................................................................................................................. 108
Dois recenseamentos oficiais: 1872 e 1 8 9 0 .......................... *.................................................... 110
Ensaio de avaliação para o século X IX.......................................................................................... 112

C a p ítu lo 8 - P o p u lação flu tu a n te e p o p u lação m e s tiç a ...................................................... 115


Sangues misturados: mitos e rea lid a d es.............................................................. ........................ 119

L iv r o III - A F a m í l i a B a i a n a ..................................................................................................... 127

C a p ítu lo 9 - U m pouco de h is t ó r ia ............................... ............................................................... 129


Regimes m atrim oniais............................................................................................................................ 130
Regimes matrimoniais e regimes de b e n s ..... ............................................................... 131
D ivórcio.,.,........................................................................... 133
F iliação ..................................................................................................................................................... 133
Filhos adotivos ...................................................................... 135
Direitos de sucessão e regime sucessório..................................................................................... 136
H erdeiros......................................................... 138
Sucessão por testam ento................................................................................................................... 139
Uma legislação bem adap tada....................... 140
C ap ítu lo 10 - T ip o lo g ia da fam ília b a ia n a .................................................... 142
Família legal e consensual.............. 144
, A família consensual............................................................................................................................... 149
UniÔcs livres.....................................................................................................
A família segundo o estatuto legal de seus membros ................................................ IÓ0
Família dc libertos.................................................................................................... jg
A família escrava................................................................... ..............
Grupos domésticos: terceiro csrudo tipológico......................................
C ap ítu lo 11 - Sistem as dc parentesco c alianças m a trim o n ia is 172
Sistemas dc parentesco.................................................................................................. ^
Parentesco por escolha ......................................................................
n , 1 174
ra re n te u .................................................................................................................. ^
Alianças matrimoniais: exogamia e endogamia............................ *

Estratégias matrimoniais dos baianos alforriados


SlMARIO ^

Raptos e estupros (ou como tentar se libertar


de regras impostas peta igreja c a fa m ília)..................................................... íg .

C a p ítu lo 12 - A fam ília b aian a e as relações s o c ia is .......................................... 200


fam ília, eixo das relações sociais...................................................
A qualidade das relações so c iais.......................................
...... . íri /

L iv r o IV - O E s t a d o : O r g a n iz a ç ã o e E x e r c íc io d o s P o d e r e s 221

C a p ítu lo 13 - A h eran ça: o rgan ização do Estado


no fim do p erío d o c o lo n ia l................................................................................. 2^3
Justiça e fin an ças.......................................................................................................................... 223
O Exército ............... .......... ......................................................................................................... 224
O governo lo c a l................................................................................. ............................................. 228

C a p ítu lo 1 4 - 0 regim e m o n árq u ico b rasileiro (1 8 2 2 -1 8 8 9 ) ............................. 231


A construção do Estado (1 8 2 2 -1 8 5 0 )..................................................................................... 233
A consolidação (1 8 5 0 -1 8 7 0 ) ............................................................ .......................................... 235
A desagregação (1 8 7 0 -1 8 8 9 )....................................... ............................................................... 236
Os poderes centrais (1 8 2 2 -1 8 8 9 ).............................................................................................. 237
A instalação de poderes novos.,..................................................................................................238
Os poderes do E xército.................................................................................................................. 241
Organização das forças param íliiares: a Guarda Nacional eaPolícia........................... 243

C a p ítu lo 15 - Os poderes lo c a is ................. 248


A instituição do governo provincial.......................................................................................... 248
O poder m u n icip al......................... - ......................................................... *....... 249
C ap ítu lo 16 - A elite b a ian a e a form ação do Estado n a c io n a l................................. 252
A elite política b aian a.................................. -............................ 254
A municipalidade de Salvador e seus conselheiros............................................................. 255
A Assembléia Provincial: presidente e vice-presidente.............................. -...................... 258
Os deputados à Assembléia Provincial........................... ........................................................
C ap ítu lo 17 — Os b aian os no governo central: origem social e fo rm ação 271
Os senadores........................................................................................................................... ......... ■)JJg
Ministros c presidentes do Conselho........................*......................................*..................... *

L i v r o V - A I g r e j a .................................................................................................................... 293

C ap ítu lo 18 - In tro d u ção ............................................................................................................. 293


C ap ítu lo 19 - H ierarquia eclesiástica e poder político
no século XIX (1 8 2 2 -1 8 9 0 ) .............................................................................................. 302
Reformas na Igreja, reformas pelo Estado (1822 -18 40 )........................ .......................
Que reformas para o clero brasileiro? ................................................................................
O cpiscopado brasileiro c o Estado: da aparente submissão
à revolta aberta (1840-1890)............. *.........................................................
X Bahia, S é cu lo XIX

* sob tu te la .......................................................................... *.................... *........................ 316


Um a Igreja
Práticas religiosas e políticas da elite le ig a .................................................................................. 317
Questão religiosa ou questão dos bispos..................................................................................... 321
A Igreja e a escravidão......................................................................................................................... 327

C a p ítu lo 2 0 - C ô n ego s e pároco s: u m a v erd ad e ira riq u exa em h o m e n s ................ 333


O alto clero: o cap ítulo -catedral..................................................................................................... 334
O alto clero: o tribunal eclesiástico ................... 334
O baixo clero: curas e cap elães........................................................................................................ 336
O clero baiano diante das refo rm as............................................................................................... 341
O uso da b atin a..............................................................................................................................*....... 343
O celib ato .................................................................................................................................................. 345
As conferências eclesiásticas ............................................................................................................... 349
Formação do c le ro .................................................................................................................................. 350
O recrutamento do clero ..................................................................................................................... 356
As rendas do c le ro ................................................................................ *........... *................................... 359
Dois modelos para a mesma m issão...................................................................... ........................ 369

C a p ítu lo 21 - As orden s r e lig io s a s ................................................................................................... 373


Ordens e congregações recém-chegadas: os cap u ch in h o s.................................................... 383
Ordens e congregações recém-chegadas: as irm ãs de São V icente de P au la................ 384
Ordens e congregações recém-cchegadas: os padres da M issã o ......................................... 386

C a p ítu lo 2 2 - C ateq u ese do povo de D e u s ................................................................ .............. 389


Religião oficial e religião do povo................................................................................................. 390
As devoções aos san to s .............................. 391
Uma religião no co tid ian o .................................. ............................................................................. 395
A festa religiosa: negócio dos leig o s................................................................................... ........ 397
Confrarias: irmandades e ordens terceiras................................................................................. 397
A pastoral e seus agen tes................................................................................................................... 404
O padre e a pastoral........................................................................................................................... 407
Missões e pastoral........................................................................................................................ ....... 408
As mulheres e a pastoral................................................................................................................... 410

C ap ítu lo 23 - T em plos, m esquitas e terreiros: religiõ es c o n c o rre n te s? .................. 415


O protestantismo na B ah ia ......................................................................... 417
O catolicismo dos africanos.................................................... 421
O Islã na B a h ía ....................................... 424
A herança africana: os terreiros....................................... 42g

L iv r o V I — O C o i id i a n o d o s H o m e n s que P r o d u z ia m
e T r o c a v a m ..........................................................
433
C ap ítu lo 24 —Salvador: a cidade no século X IX ....................... ^
A cidade à beira-m ar.................................... . y
A ddade a lta ................................................................... ................................................................
.................................. *...................... 439
S u m a r io xí

As casas: proximidade c reserva................................................................................................... 443


Revoltas e m o tin s............................................................................ 451

C ap ítu lo 25 - As atividades produtivas: condições e d esen v o lv im en to ................. 455


Geografia da produção........................................................................................................ 453
A pecuária............................................................................................................................................ 454
Produtos da atividade extrativa................................................................................................... 4^
Minas e m in erais............................................................................................................................. . 466
C ap ítu lo 26 - R elações c co m u n ica çõ es................................................................................... 468
Estradas................................................................................................................................................. 468
Ferrovias................................................... .................................................. ....................................... 469
Transportes marítimos de longo curso .................................................................................... 473
Transportes marítimos: cabotagem ............................................................................................ 479
Do porto natural ao porto m oderno...,.................................................................................... 482

C ap ítu lo 27 - Salvad o r, praça c o m e rc ia l.................................................................................. 487


Os com erciantes................................................................................................................................ 490
A organização com ercial................................................................................................................ 495
As trocas entre os grandes ........... ..................................................................................... 496
Outras trocas....................................................................................................................................... 500
Meios de pagam ento........................................................................................................................ 504
Meios comerciais de pagamento ................................................................................................. 509
A moeda e sua circulação............................................................................................................... 510
Dados sobre o movimento com ercial........................................................................................ 514
Principais produtos de exportação.................................................................. .......................... 517
Exportações para o exterior........................................................................................................... 521
O comércio da Bahia com o estrangeiro e as outras províncias..................... 522

L ivro V I I - O D in h e ir o d o s B a i a n o s ..................................................................... 525

C apítulo 28 — 0 m ercado de tr a b a lh o .......................... 527


A dupla estrutura do trabalho urbano: mão-de-obra livre, mão-de-obra escrava .... 530
A oferta dc em prego.......................................................................................................................
O mercado de trabalho para homens livres.......................................................................... ^ 5
su
Os escravos c o mercado dc trabalho.................................................... .................. ............
C ap ítu lo 29 —Salários c p re ç o s........................................... -.........*.............*...........................
Os salários.......................................................................................................................................
Preços c necessidades alimcntarc.s ...... ..................................................................................... £“3Á
Os salários c o preço da farinha nossa dc cada d ia ................................................
C apítulo 30 — H ierarquias sociais ............................................. *............
Slí4
o modelo português de sociedade............................................... *.........................................
O modelo baiano de sociedade...............................................................................................
, . . .
As estruturas sociais rurais......................................................................................................... J
Estratificaçáo social em Salvador ............... 596
Comparações.................................... *........................ 599
xn Bahia, S é c u lo XIX

C apítulo 31 —A fortuna dos Baianos


Classificação das fo rtun as ....... .
Q uem possuía? ...................... ....................
Quem possuía o q u ê ? ..............................
Riquezas e pobrezas..................................
C o n clu são ......................................................

N o tas...........................................................

B ibliografia................................................ .
P r e f á c io

M a ria Y edda L inhares


Professora Catcdrárica de História Moderna e Contemporânea
Professora Emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro

A tese de K atia M . de Q u eiró s M a tto so sobre S alv ad o r não nasceu de um m ero in te ­


resse aca d êm ico . C o m o b em diz a h isto ria d o ra lo go no in íc io , ela resulto u de um
enco ntro p ro vo can te: o de u m a m u lh e r g reg a de p ro fu n d as raízes européias e helênicas
com a B ah ia de T o d o s os S an to s e de m ú ltip lo s co lo rid o s. O m u n d o p lu rim íscig en ad o ,
pleno d e a la rid o s e ritm o s, c aó tic o n a deso rd em de suas estratificaçõ es sociais, diver­
sificado e rico nas suas su b c u ltu ra s p o p u lares, ao m esm o tem p o aleg re e triste, violento
e p acífico , c o n tra d itó rio , su b m isso e arred ío , todo esse m u n d o estranho revelou-se, à
jovem g reg a egressa de u m a g u erra eu ro p é ia , logo seg u id a de u m a estú p id a guerra
civ il, com o a p o ssib ilid a d e de u m a nova p átria..
A ssim , a h istó ria d esta g ra n d io sa tese não d eix a de ser a síntese de u m a trajetó ria
— a form ação e ev o lu ção de u m a h isto ria d o ra co n stru in d o o seu tem a, vivendo a
exp eriên cia de ex p licá-lo a si m esm a e aos alu n o s q ue ela soube form ar, dadivosa ao
p artilh ar o co n h ecim en to q ue ia a cu m u lan d o , lu ta n d o po r renovar a pesquisa histórica
no B rasil, por a m p liar as p o ssib ilid ad es de avanço in te le c tu al e cien tífico para um sem -
núm ero de jovens b rasileiro s cujo s talen to s ela soube revelar e in cen tivar. A í estão seus
d iscíp ulo s e am igos, m estres, dou torando s e doutores, testem unhos da trajetória de
trabalho, co m p etên cia c seried ad e profissio nal de q uem chegou um belo dia em São
P aulo, co n stitu iu fam ília nestas bandas de cá, optou por ser b rasileira e abriu com
afinco e um m ín im o dc apoio in stitu cio n al o espaço que hoje ocupa na p rim eira linh a
da in telectu alid ad e da nossa terra.
O rigin ariam en tc tese dc Estado, apresen tada cm 1986 à U niversidade de Paris IV
— Sorbonne, este texto teve a op o rtu n idade de ser an alisado por um a banca na qual
constavam algun s dos m ais ilustres historiadores da França, com o Pierre C haunu,
E m m anuel Le R oy L aduríc, Jean -M arie M ayeu r e François C rouzet, este últim o ten-

1
B a h ia , S é c u lo XIX

do-se destacado como orientador. C oube-m e, em bora m odestam ente, a honra de


participar dessa com issão, algo im portante no m eu cu rrículo por me ter perm itido um
contato m ais estreito com a grande obra então subm etida a aprovação daquela U niver­
sidade. E aqui presto o meu depoim ento: a tese de K atia M atto so foi m inuciosam ente
exam inada, duran te cinco boras, e aclam ada, por u n an im id ad e, com o um trabalho
m agistral, dado o seu raro nível de excelência.
Com o corolário, e num a dem onstração de que cabe à U n iversidade absorver os
valores exponenciais que a ela se revelam , foi criada a cátedra de H istó ria do Brasil em
Paris IV - Sorbonne, cabendo a K atia de Q ueirós M atto so ocu par a sua prim eira
regência com o T itu lar. E, m ais um a vez, sem pre b atalh ado ra, coube-lh e, já em Paris,
organizar e presidir um C o ló q uio , em jan eiro de 1990, reunindo especialistas franceses
e brasileiros sobre diferentes experiências republicanas n a H istó ria eu ro p éia e am erica­
na, inclusive no Brasil.
V iver hoje na França e ser detento ra de um a C a d eira em Paris é, sem dúvida, a
recom pensa de um prolongado trabalho. M as, para K atia, viver no B rasil foi o seu
m ais em ocionante aprendizado no desbravar co tid ian o de u m a realid ad e social e cu l­
tural exótica, com plexa, bem diversa daq u ela que n u trira seus prim eiro s saberes e suas
prim eiras certezas. No fundo, foi o longo e indispen sável estágio de preparação da
historiadora: o contato com a vida que se revela, aos poucos, através d a sensibilidade
da observadora e participante. Ao desbravar o novo m undo , é indisfarçável o abrasi-
leiram ento através de um a certa baian idade que en riq u ece a h isto riad o ra, na m edida
em que os falares, a cu lin ária, os ruídos e a doce m an eira de ser b aian a se tornaram
parte^ integrantes de sua própria m aneira de ser grega e européia. Foi esta a simbiose
fundam ental na vida de K atia, pois, não tenho m ais dúvidas — agora que tam bém
conheço um pouco a G récia — , foi a partir desse en ten d im en to do Brasil via Bahia
que ela reencontrou a sua G récia ancestral.
Parece-m e inegável que esse reencontro explica a lucidez dos q uatro capítulos com
os quais ela abre a apresentação de sua cidade e de sua região, pela utilização exem plar
da geografia. Entrosam -se aí o urbano e o recôncavo, o papel dos rios e das vias de
com unicação, cenário m agnífico e inóspito a aguardar a chegada dos novos homens
que íriam conquistar, ocupar, repovoar a terra, cu ltivar e transportar os seus produtos.
t o peso dos homens e o papel da H istória, para se chegar, passo a passo, á construção
de uma sociedade, A partir desse m om ento, Katia abre em leque os seus m últiplos
temas de pesquisas pessoais cm arquivos da Bahia e do Rto dc Jan eiro : a fam ília baiana,
a Igreja, a organizaçao da vida econonúca, os preços, os salários, as hierarquias sociais.
A leitura dos diferentes capítulos que se seguem à apresentação do m eio físico e da
dem ografia nos informa sobre o m inucioso trajeto feito pela historiadora ao longo de
anos de pesquisas exaustivas c, em grande parte, absolutam ente pioneiras em termos
brasileiros, sobretudo baianos. Na alentada Introdução, a historiadora conduz o leitor
a seguir os passos que deu c suas motivações, apontando os cam inhos que a levaram
no prim eiro momento à história econômica e, paulatinam ente, á história social e das
P riífácio 3

m entalidades coletivas, bem com o às preocupações teóricas e m etodológicas c à busca


das fontes, com seus inegáveis lim ites. Em cada m om ento, é fundam ental destacar a
erudição historiográfica que ostenta.
O ra, há 25 anos, q uando prim eiro encontrei K atia M attoso num a pequena reu­
nião de historiadores em N ova Friburgo (R J), confesso que fiquei fascinada com o
extenso levantam ento de preços que então ocupava todo o seu tempo. T ratava-se de
um a pesquisa inédita no Brasi! de então. Ao m esm o tem po, ela nos falou da história
dem ográfica feita a p artir de levantam entos de registros paroquiais, tarefa que coube
a Jo h ild o L. de A tayde desenvolver para o século XIX no tocante a Salvador. Em pouco
tem po, com um grupo de jovens colegas do R io, elaboram os um projeto de pesquisa,
inspirado e em colaboração com nossa am iga baiana, abrangendo um variado levan­
tam ento de fontes suscetíveis de q u an tificação , referentes à cidade do Rio de Janeiro,
trabalho esse q ue foi p arcialm en te co n clu íd o , em fases posteriores, por Euláüa M aria
Lahm eyer Lobo, M a ria B árbara Levy e po r m im m esm a. A m etodologia vinha sendo
testada de longa data n a E uropa, sobretudo na França, mas para nos era um universo
que se abria. M ais tarde, ain d a segu in d o esse exem plo, c desdobrando-o, desenvolvi
um projeto bastante sign ificativ o de h istó ria agrária, em âm bito de pós-graduação. O
que im porta assinalar é q ue o encontro com K atia M attoso em meados da dccada de
1960 foi estim u lan te e decisivo no novo rum o tom ado por grupos de historiadores no
R io de Jan eiro , hoje já para m ais de trin ta m estres e doutores, na Universidade Federal
F lum inense e na U n iv ersid ad e Federal do R io de Jan eiro .
Da m esm a form a, a u tilização sistem ática que K atia fez de inventários p o st m ortem
da B ahia, inclusive de escravos e forros, abriu novas perspectivas de estudos em histó­
ria social (com o se é rico, com o se é pobre), exem plo que tam bém foi amplamente
seguido em vários centros universitário s do Brasil. O cuidado com os conceitos, a
relatividade do vocabulário, o perigo do anacronism o, são algum as das advertências
prelim inares, incorporadas ao próprio corpo teórico das investigações. Importa, pois,
ressaltar a orientação m etodológica, dentro de novas preocupações teóricas, como uma
ponderável contribuição à reform ulação de tem áticas e reorientação dos conhecimen­
tos. Ao longo de trin ta anos, K atia conduziu sem inários com seus alunos em seu
apartam ento dc Salvador, tendo sido sem pre um a infatigável orientadora de pesquisa,
aberta às indagações e generosa no acesso que concedia a seus dados c conclusões. No
Brasil e, agora, na França, Katia M attoso m arcou e marca sua presença como profes­
sora, pesquisadora c chcfc dc equipe. A final, sem a persistenre pesquisa arquívisrica,
associada à preocupação constante de form ular c reíonnul.tr problemáticas e hipóteses
dc trabalho, não há U niversidade que sc preze, nem existe possibilidade de construção
e reconstrução de conhecim ento.
Aí reside o principal mérito do saber que a Universidade propicia: o saber nunca
rançoso e que sempre se renova. Tam bém nisso Katia dá o exemplo. Da história
quantitativa e serial dos preços, feita com afinco e correção de método, e da demograha
histórica tradicional da velha escola francesa, à atual preocupação com uma história
■ tt da para os fatos do co tid ian o , cen trad a nas men-
social menos estrutural e mais volta i u m h é tn sé r}os os recuos. Se, por um lado, a
talidades, foram grandes os avanços, ^ |ei tores pouco ou m ais intelectualizados,
H istória se tornou mais popu lar e pa atavc ^ ^ caráter explicativo . Katia
por outro, ela perdeu cm su s" " CI‘l in im iz ar a h istó ria eco n ô m ica serial que
M attoso soube dar um^salto de um a h istó ria dos grupos sociais,
vigorou are os anos para ava perder nos m eros relatos historizantes de
voltada para as m entalidades, mas sem se p erac.
n o L analistas da chamada vida política do passado mats rem oto. É assrm que seu
livro se abre para a história bastante sugesttva da Igreja, apontando, dessa forma, para
nm dos pilares daquela sociedade. Sei que suas investigações nesse campo continuam.
Esperemos, para breve, a im portante obra que certam en te v irá p reen ch er um a lacuna
na historiografia brasileira.
Suas conclusões são sim ples mas instigadoras de novos co n h ecim en to s. Ao refletir
sobre o tem a, m oveu-a a preocupação de explicar po r q u e a B ah ia q ue fora capital
da C olônia e a “m ais p o liciada” das cidades do E stado do B rasil, no d izer do professor
de grego do século XVIII soteropolitano, Luís dos San to s V ilh e n a — chegou à situa­
ção de letargia, m uito palpável ain d a no in ício d a segu n d a m etad e do século XX.
Recuar no tem po e procurar um a explicação p lausível, eis a lin h a q u e K atia traçou. E
form ulou suas perguntas: a esclerose da econ om ia b aian a, a lia d a às resistências de
relações sociais enraizadas na história d a C o lô n ia e d a escrav id ão , terá a explicação
profunda na letargia que se apossa da Província/E stado a p a rtir do m ead o do Império?
Existirá, de fato, um a relação de causa e efeito en tre o eco n ô m ico e o social? E, ainda,
a partir de que m om ento e de que indícios se pressente a m u d an ça do preservar e do
m anter para o gosto do inovar e do desenvolver?
Com essas questões em m ente, K atia pen etra na alm a b a ian a, nos seus m itos e em
algumas de suas falácias: a majestade do “ser senhor de engenho”, a democracia racial que
camufla o conflito (já tema de um livro importante, S er escra vo no B rasil , editado origi­
nalmente cm francês), o equívoco de se acreditar sempre na infinira fertilidade das ter­
ras inesgotáveis, o peso do comerciante sobre o prestígio social do grande proprietário
rural, o gosto assoc.auvo dos baianos, o imenso papel da fé, das práticas religiosas e da
organizaçao da Igrcja, o scr rico no século XIX, o ter sido escravo sinônimo d e V pobre.

1860 n t i a P,o°í
1B(>U nossa ’ foi
Província à 'l° lcn'am' ntc' c scm «Piores choques, a *partir dos anos
r dcsaoremlrn/lr, .
posta, pelo mundo que a cercava " S c g u u d o V r '7 econômicas ,m-
na sua maneira própria dc preservar n es, * ^ rciaçõeS SOC‘aiS’
herdado da escravidão, maquinar ‘° dc d o m in a çã o ,
jugos e das submissões seculares. ' evivencia e de escam oteaçao dos
Tenho certeza dc que o leitor encontrará ne,r-, I, l, , ■ , . . .
e muitos outros temas dc reflexão e de et 1 ■ história social da Bahia esses
a complexidade do presente com o qi^rnos^deF 11116" 110 m tclectu al- p erceberã melhor
o conhecimento apressado de um a histór' 1 ^ rontanios e> a**ida, o quanto é ilusório
‘a qUC se P°ssa au to -in ritu lar definitiva. Ao
P refá cio 5

trazer a p ú b lico a sua obra B ahia, sécu lo XIX — U ma p r o v ín c ia no Im p ério , K atia M . de


Q u eirós M atto so nos dá u m a lição de d ig n id ad e profissio nal e de grandeza acadêm ica,
afirm an d o , ao term in ar, com h u m ild ad e, q ue apenas “com eça a com preender essa
sociedade, onde os h u m ild es e os p o b res d e esp írito são tantos que suas vozes deveriam
abafar a dos gloriosos e dos e lo q ü en tes”.
É gostoso p en etrar no m u n d o b aian o p ela m ão de K atia M atto so , a grega de
fabulosa tradição civ iliz ató ria, q ue se fez b rasileira na in te lig ê n c ia e no coração.
A p r e se n t a ç ã o

Este livro nasceu de um a tese defendida em outubro de 1986 na Universidade de


P aris-S o rb o n n e. Para um professor brasileiro, como eu, o desafio era audacioso;
apresentar um a tese cu ja m o n u m en talíd ad c respondesse às exigências do Doutorado
de Estado, a “grande tese”, que a França de hoje acaba dc suprim ir pela urgente
necessidade de acelerar o acesso dc jovens professores ao m agistério superior.
Para esta edição, o texto o rigin al foi todo revisado, de modo a perm itir uma leitura
m ais ágil. Para tanto, foram sup rim idas num erosas tabelas, longas listas, gráficos e
anexos por dem ais técnicos.
Seria im possível nom ear todos os que, na trajetória de um trabalho de fôlego feito
ao longo de u m a vida de m uitas andanças, ajudaram -m c pela presença encorajadora ou
pelas sugestivas e proveitosas discussões: antigos alunos das universidades de Salvador,
colegas professores, funcionários dos m uitos arquivos públicos e privados, amigos
mais jovens ou m ais experientes e o povo da B ahia de Todos os Santos, que, em mais
de trinta anos de convivência in in terru p ta, ensinou-m e a am ar e fez tanto por mim.
Todavia, sem o apoio e a am izade de François Crouzet e sem o incentivo de Pierre
C haunu esta obra jam ais teria sido apresentada da m aneira prestigiosa como me foi
perm itido fazê-lo na Sorbonne.
Devo também expressar todo o m eu reconhecim ento à generosidade, à abertura de
espírito c à fidelidade às raízes baianas dem onstradas pelos editores da Nova Fronteira.
Sem a tenacidade de M aria C lara M arian í, do seu filho Carlos Augusto e da equipe
dirigida por César B enjam in, este livro, tão volumoso para os padrões brasileiros, não
seria editado em meu país.
A M aria C lara M arianí e a seus colaboradores, o mérito de terem acreditado que as
contribuições por mim trazidas ao conhecimento de certos aspectos do rico passado da
nossa Bahia ajudariam a com preender os vários mundos baianos dos tempos de hoje.

Katia M. d e Queirós Mattoso


Paris, 7 de dezembro de 1991

7
In t r o d u ç ã o

D eixem -m e confessar: este trab alh o resulta de trin ta anos de am or por um a cidade,
Salvador, e por u m a região, a B ahia. U m am or im previsível, decorrente de um itinerário
im previsível; provo can te, nascido de u m encontro provocante entre um povo que veio
de todas as partes e u m a m u lh er grega, com fortes raízes européias e helênicas.
Q ue feiticeiro m alicio so teria feito um a jovem vo lio ta — de Volos, pequeno e
im po rtan te porto o rien tal d a G récia — com p letar n a séria Lausanne seus estudos
secundários, perturbados por nove longos anos de guerra, seguidos de um a guerra
civil igu alm en te cruel? A boa cid ad e su íça oferecia então sólidas escolas universitárias
a um a p eq u en a elite em q u e os estrangeiros — sobretudo, as estrangeiras — eram
pouco num erosos. P ela p rim eira vez exp erim en tei o choque, a adaptação e o enrique­
cim ento in terio r, facilitad o s, é verdade, por u m a in fân cia e um a adolescência nas
quais a in flu ên cia francesa fora m arcan te. T ive a sorte de pertencer a um a fam ília
aberta e interessada nos outros. A lém disso, apesar de ter passado longos meses sem
escola por causa das atribulaçÕ es d a gu erra, m estres excelentes, com o Sim one M arxer,
H éíène C h alivop ou lou e C o n stan tin L adoyannis ajudaram -m e a despertar para a vida,
deixando com o h eran ça u m sen tim en to de gratid ão que até hoje anim a e alegra mi­
nha vontade de ‘fazer h istó ria’.
Em 1956, com 25 anos de id ad e, aco stum ada às populações homogêneas da
G récia e da Su íça, tive em São Paulo m eu prim eiro contatq com o Brasil. T udo parecia
febril, dinâm ico, em expansão, até m esm o arrogante, nessa cidade de aparência européia,
habitada porém por pessoas de nacion alidades e cores as mais diferentes. M as só no
ano seguinte descobri, em Salvador, o Brasil que pouco a pouco se tornaria meu.
A B ahia me foi im posta por acaso: descobrira-se petróleo na região do Recôncavo,
h interlãndia da capital, e para lá seguiu meu m arido, geólogo, encarregado de fundar
a prim eira escola brasileira especializada no assunto. Salvador tinha então meio milhão
dc habitantes, mas — cm contraste com a São Paulo de 3,5 milhões era uma bela
adorm ecida’, aparentem ente estagnada no tempo. Sua população parecia dez vezes
menor que a real, escondida em pequenos vales que separavam colinas furta-cores,
cercadas pelo m at c por praias acolhedoras. Os baianos rezavam em igrejas e conventos

9
10 B a h ia , S é c u l o XIX

ricam ente adornados com ouro e com deliciosas estátuas barrocas, mas m oravam em
casebres ou mansões deterioradas, testem unhas de um esplendor decadente. Desde
quando a opulenta capital do Brasil colonial se tornara um a cidade em que riqueza e
glória eram coisa do passado?
São Paulo enriquecia com orgulho. Salvador gritava sua decadência. Faltavam , à
cidade, prédios m odernos e im ponentes; os bondes circulavam por ruas e avenidas
estreitas, onde poucos autom óveis se viam ; os ricos e rem ediados haviam em igrado
para bairros m ais arejados. O Brasil de São Paulo era o m esm o da Bahia? H averia
vários Brasis? Até a p red o m in ân cia européia, que pude sentir no prim eiro contato
com o país, dava lu gar agora à m arcante in flu ên cia africana, in fin itam en te variada
pelas m estiçagens. Os rostos de ricos e pobres tinh am traços negróides, para m im
nítidos e im pressionantes, porém pouco perceptíveis — pude constatar — para os
habitantes do lugar.
A vida cotidiana m e fez ‘aprender a B ah ia’. A lugam os um apartam ento num
prédio de três andares de um bairro considerado excelente; m as a lad eira, recém-
construída, virava lam açal a cada pancada de chuva. N a v izin h an ça, casas de taip a com
chão de terra b atid a abrigavam sob folhas de b an an eira u m a população m uito pobre.
Todas as noites, duran te horas, vin h am d a li estranhos ritm os e cantos religiosos, cujo
m istério não se desfazia a cada m anhã.
A daptar-m e significava renascer. Era preciso ap ren der —- com a in telig ên cia e o
coração — os pressupostos de um m undo novo. Isso dem an dava tem po. O português
que eu falava era correto, mas in su ficien te para a relação d iária com a população.
A inda teria que m e acostum ar à fala doce e ao sotaque baianos e, sobretudo, às mil e
um a sutilezas im plícitas nas palavras, de sentido quase sem pre itin eran te, variando
conforme quem fala e a quem se dirige. Os baianos têm sensib ilidade à flor da pele.
Um gesto inábil cria abism os entre as pessoas. T ratar, por exem plo, um branco de nego
— ou de m eu nego — é sinal de afeição; mas, se o interlo cuto r é negro ou m ulato, isso
pode indicar desprezo, ou ser entendido assim .
O vocabulário local contém expressões típicas da opinião dos baianos sobre o
m undo. ‘Se Deus quiser’ indica, ao mesmo tem po, resignação e fé, com conoração
supersticiosa. Em Salvador, essa prudente assertiva acom panha a expressão de qual­
quer desejo ou esperança, mesmo banais, como retornar no dia seguinte ao mesmo
lugar, Mas há um a compensação para tal insegurança: o ‘jeito ’, vigente — é verdade —
em todo o Brasil, mas especialm ente na Bahia, terra das coisas feitas com arte e astúcia.
A existência do jeito antecede o próprio problem a específico a ser enfrentado: o tra­
balhador dá um jeito dc efetuar um conserto impossível; o m arinheiro faz o mesmo
para enfrentar ventos, barras e escolhos; o jovem, ‘com jeito ’, encontra o emprego ne­
cessário. Com a ajuda de Deus e do ‘jeito ’, com plem entares entre si, o senhor de
engenho e o pequeno lavrador esperam, a cada ano, um a colheita melhor.
Tive também que aprender o português erudito dos baianos cultos, que não
usavam o palavreado e a sintaxe popular sim plificados. Falavam quase uma outra
I n t r ü d i ç Ao 11

lín g u a, igu alm en te indispensável para com preender um m undo em que a faia era m ais
im po rtan te do q u e a escrita, em que as tradições eram transm itidas pela fam ília (sem
intervenção da escola) e por lin guagen s, usos e costum es bem codificados. Esses códi­
gos variavam segundo os grupos sociais, tornando-se m uito diversificados em um a
sociedade em que não apenas a cor, mas tam bém as tradições religiosas e culturais
eram m iscigenadas. Os grupos haviam levantado barreiras que os tornavam pouco
acolhedores d ian te de ‘estran geiro s’ , in clu in d o -se nestes os brasileiros oriundos de
ourros estados. P ernam bucanos, sergipanos, paulistas, cariocas ou m ineiros, todos
eram im ed iatam en te reconhecidos c colocados em seu lu gar: fora!
M eu m arido e eu tín h am o s poderosos trunfos: form ávam os um casal de raça
branca, com sobrenom e con hecido c in stru ção u n iv ersitária. A ssim , integrávam os, de
saída, o grupo d o m in an te, a elite in telectu al. H avia um a an tig a tradição universitária
e era grande o p restígio social dos senhores de engenho, que em outras épocas tinham
feito da p ro vín cia b aian a um sím bolo da riqueza açu careira. U m Q ueirós M attoso
podia ser ‘estran g eiro ’ , m as, p ara certa casta, era um estrangeiro fraterno, descendente
de um a nobre fam ília de senhores de engenh o do Rio de Jan eiro , detentora de títulos
outorgados no século XIX em reco n h ecim en to aos serviços prestados ao im perador.
Além disso, os b aian os letrados n u triam um culto sincero à Europa e ao acervo da
civilização grega. A ssim , por causa d a nossa origem ou pelo trad icio n al nom e da nossa
fam ília, portas se ab riram .
Fom os reconhecidos social e p ro fissio n alm en te. M ais do que isso: fomos rapida­
m ente acolhidos, protegido s, am ados, pela figu ra q ue v iria a ser — é até hoje —
m inha o rien tad o ra em m atéria de m en talid ad es baianas: A dalgisa M oniz de Aragão,
filha e neta de senhores de engenh o, descendente de um a fam ília que se instalara na
Bahia nos idos do século X V I. Ela nos ensino u as regras de conduta que regem as
relações entre os diversos grupos sociais de Salvador. O rgulhosa herdeira de riquezas
perdidas (até d ilap id ad as), don a-de-casa de coração aberto, com pletam ente baiana,
A dalgisa m c fez com preender as hierarq uias sociais da região, im pregnadas dc desi­
gualdades, que tornavam q u alq u er branco um hom em rico e qualqu er prero, ou qua­
se preto, um pobre. A brancura era m ais im po rtan te (e m ais durável) que a riqueza,
que podia desaparecer. Era o verdadeiro sinal de herança nobre, testem unho de um
passado a ser preservado.
M inh a am iga me fez ver que decadência algum a d im in u ía o prestígio dos senhores
de engenho. A lem brança dc grandezas passadas era hclm cntc conservada por meio de
um a tradição oral que rem em orava — naturalm ente, cmbelczando-os com estórias
novas — os faustos de outrora, tornados assim quase palpáveis. Essa antiga elite
formava um grupo fechado, cujos membros com partilhavam um orgulho, um a sober­
ba, que podia tornar-se arrogância. Os ‘novos ricos’, brasileiros ou estrangeiros, eram
considerados com um desdém que mal dissim ulava cerro ciúme. Por outro lado, as
alianças m atrim oniais com fam ílias tradicionais — mesmo empobrecidas, às vezes
m uito — perm aneciam um sonho para qualquer ‘enriquecido’. A uns, tais alianças
. . ,, . a nutros in gressar nesse m eio fechado,
perm itiam dourar novam ente seus brasões , a >
■ &
suprem o sinal de êxito. . , ,
Fonte de poder e de relativo segurança, o serviço público era com tderado por essas
fam ílias tradicio n ais com o a ú n ica ativ id ad e co m p atív el com sua co n d ição e seu desejo
de m ando. D epois dc estudar en g en h aria, d ireito ou m e d ic in a , a b n a -se n atu ralm en te,
aos filhos dessa elite, um a carreira q u alq u er de fu n cio n ário . O s ‘co n cu rso s’ selecio na­
vam regularm ente os in tegran tes de fam ílias co n h ecid as. F eita a n o m eação , o jogo se
perpetuava: o descendente de antigo s p ro p rietário s (de terras, a çú car ou gado) ou de
grandes negociantes co n tin u av a favorecendo seus pares nas pro m o çõ es.
Isso não im p ed ia, no en tan to , que se p erp etuasse a v elh a p ra tic a de p restar favores
a am igos m ais m odestos, form ando assim u m a c lie n te la fie l, c u ja ex istên cia era um
im prescindível sin al da posição social do fu n cio n ário . A fin a l, fo rtu n as d im in u íam e
até desapareciam , m as o p restígio das fam ílias precisava ser ren o vad o , reavivado e
fortalecido por m eio desse sem -n ú m ero de afilh ad o s. A lém de ser u m a h o n ra e uma
fonte de rem uneração segu ra, servir ao E stado trazia p restíg io , g a ra n tia o desem penho
do papel de protetor e renovava a in flu ên cia, real ou su p o sta, d e q u em geria um a
parcela do poder.
A pesar do em po brecim en to e até m esm o d e falên cias estro n do sas, essas fam ílias
geralm ente conservavam vestígios d a riq ueza d e a n tan h o : p ra ta ria esp lên d id a, jóias
raras, bibelôs antigo s, tapetes im p o rtad o s, oratório s com estatu etas po licrom ad as e
m óveis im p o n en tes, fabricados com m ad eiras p recio sas. O s em p reg ad o s tinh am
obrigações específicas: h avia a babá, a go vern an ta, a co z in h eira, a c riad a de quarto,
a lavadeira, a passadeira e assim por d ian te, sem pre em n ú m ero in v ersam en te pro­
porcional às rendas ou à q u an tid ad e de pessoas a serem aten d id as. N ão eram rem u­
nerados, pois servir a essas fam ílias era u m a h o n ra. A lém disso, q u an d o crianças,
haviam brincado com a don a-de-casa, ou eram afilh ado s de sua filh a, ou descen­
diam de antigos escravos, de am igos ou de parentes pobres, aco lh id o s no passado e
m antidos pela fam ília. Sua dedicação garan tia-lh es casa, co m id a e roupas e renovava
esperanças de ascensão social. G lórias e ho nrarias, recom endações e perm utas, no­
vos apadrinham entos, proxim idade com o p riv ilégio — tudo isso v alia m ais que
dinheiro.
Estabelecidos na cidade, os antigos proprietários viviam num vaivém que lhes
perm itia cultivar relações com os que habitavam suas terras. F orm alidades ad m in istra­
tivas, consultas m édicas ou sim ples vontade de rever parentes e am igos traziam a
Salvador para temporadas mais ou menos longas, grande núm ero de fam iliares, em
busca talvez da velha tutela exercida pelos senhores de engenho. Essa necessidade de
segurança era ainda mais profunda nos agregados que com partilhavam a in tim id ad e da
fam ília. Q uando meus amigos reconheciam num criado qualidades de gente d ireita’,
subentendia-se que d c passara a scr um a pessoa sem defeitos, liberada da tara social de
não ser m nguém , separada finalm ente da massa anônim a que vivia à mercê de uma
vida sem rumo c sem referências.
In t r o d u ç ã o
13

Senhores e em pregados se u n iam para m anter vivo um passado que em todos


despertava saudades. A m em ó ria coletiva era cu ltiv ad a com h ab ilid ad e pelos que t i­
nham interesse em reviver o an tigo poder fa m iliar, fonte de um prestígio auto-
referenciado e proveitoso. Fechava-se o círculo : agregados e parentes serviam ao n ú ­
cleo herdeiro do velho poder e form avam , eles m esm os, u m a clientela que reafirm ava
esse poder no m om ento presente. Para o senhor, m an ter os laços de dependência era
portanto um a necessidade. Para os parentes, idem , já q ue os verdadeiros senhores eram
sem pre bons e ju sto s, prontos a reconhecer sua gen te e a designar, para ela, lugares e
papéis precisos, capaz.es de evid en ciar suas q u alid ad es e capacidades.
A fam iliarid ad e sin gela que v ig ia en tre servidores não co n seguia dissim u lar total­
m ente as regras im p erativas presentes nas relações, baseadas no profundo respeito
daqueles q ue se sen tiam inferiores p ara com os q u e se sen tiam superiores. O ‘inferior
respeitoso’ co n h ecia seu lu g ar: não tom ava a in ic ia tiv a de estender a m ão, não sentava
sem perm issão, não ria m esm o d ian te de situaçõ es risíveis, não se p erm itia ares de
im p o rtân cia. M a is: respeitava nao só seu p atrão , m as todos os que m ereciam respeito,
com o esse padre, aq u ela pessoa idosa, o am igo certo e até um outro servidor. Assim,
todos os freq ü en tado res d a casa en co n travam q uem os respeitasse e tinh am direito à
sua parcela de co n sideração . N a so ciedade b a ian a d a época, ser hom em ou m ulher ‘de
respeito1 sig n ificav a ter sido recon hecido , com o ig u al, por um superior; era ter sido
alvo da h o m en agem — m esm o con descen denre — de receber tratam ento idêntico aos
que ocu p avam o topo d a h ie ra rq u ia social.
R espeito m ú tu o e respeito aos superiores se entrelaçavam , tornando possíveis
adaptações e m in im iz an d o co n stran gim en to s. “M e resp eite”, com andava o superior,
lem brando com en ergia os lim ites q u e não p o diam ser ultrapassados, sob pena de
desclassificação e de p erd a de ‘reco n h ecim en to ’, único títu lo realm ente capaz de
posicionar alguém n a escala social. “M e resp eite”, sup licava um dependente, procu­
rando afirm ar-se com o in teg ran te de u m a sociedade cujas hierarquias conferiam , a
cada um , seu q u in h ão de seguran ça.
A pesar de tão bem organizado, esse ritu al não conseguia enganar ninguém . O
senhor conhecia suas lim itaçõ es e procurava evitar conflitos. Sabia que as relações de
dependência tin h am um lado ilusório , pois escondiam um a interdependência. Além
disso, no quadro da v id a urbana, tornava-se cada vez m ais difícil conquistar uma
clientela. O cam po, o engenho, a fazenda — onde estava viva a lem brança do poder
fam iliar — perm aneciam o lu gar em que se recrutavam essas fidelidades.
Os servidores tam bém conheciam seus lim ites, participando de um jogo em que
obediência e m ando, serviço e proteção, resultavam de cálculos feitos em im plícita
parceria. C hegava-se assim a acordos tácitos que podiam ser rompidos por ambas as
partes. Nesse caso, cessavam a ‘fidelidade’, o ‘respeito’ e o reconhecim ento s o c ia l,
surgia o que os patrões cham avam ‘in gratid ão ’ e os servidores, indiferença . Este
últim o sentim ento era adm iravelm ente ilustrado por um a frase simples não dá
m ais bola para m im ” — que expressa a idéia de um jogo em que se recebe e se entrega,
14 Bahia, S écllo XIX

se tom a e se dá, num a situação de certa igualdade. A restrição: m esm o rom pendo o
acordo (pela não-realização de um desejo do servidor, por exem plo) o patrao nao
podia ser considerado ‘in grato ’ , pois essa categoria só cab ia a quem rejeitava um
passado em que recebera proteção. Só o servidor podia com eter um ato de m grattdao,
aliás imperdoável, pois todo o que se h avia tornado na vida, cudo o que obtivera,
decorria do apoio recebido, e não de suas q ualid ad es pessoais.
Nesse jogo, favores, recom endações ou benefícios eram cu id ad o sam en te d iv u lg a­
dos e evocados. Todos se situavam em função das suas relações. N in g u ém podia
ignorar ou desprezar constrangim entos sociais enraizados, p reten d en d o coiocar-se in ­
dividualm en te em evidência. Seria hipocrisia? Até hoje, não sei, A so ciedade baiana,
alegre e expansiva, de aparência aberta e am ável, parecia d esco n fiar p ro fu n d am en te de
tudo o que pudesse v ir a alterar esses sutis in tercâm b io s. A u to ritá ria m as flexível, ela
se esm erava em apertar as tram as vertical e h o rizo n tal de u m tecid o social no qual a
riqueza, em bora im p o rtan te, não desem penhava o papel p rin cip a l.
Eu não era nem atora, nem autora, desse verdadeiro esp etácu lo . As relações sociais
m e in trigaram , mas logo aprendi a conhecer o d u p lo co m p o rtam en to , característico
do m eio onde estava. Pude assim ocupar um lu g ar no seio de u m a fa m ília trad icio n al,
fazendo-m e com preender pelos outros m em bros desse grup o e por todos os baianos.
N as inúm eras reuniões sociais, entre as m ulheres p rev aleciam conversas cheias de
lugares-com uns sobre os m aridos, as crianças c os criado s, assun tos ob rigatório s em
aniversários, casam entos e até enterros. As cerim ôn ias religio sas eram transform adas
em reuniões m undanas. O prim eiro aniversário de um filho, as bodas de prata de um
casal, tudo era m otivo para docinhos e presentes. D a m esm a form a, o lan çam en to de
um livro, mesmo m odesto, era pretexto para discursos e enco ntro s.
Conheci na B ahia alguns europeus e um gran de grupo de n o rte-am erican o s com
quem passei a d iscu tir o que se podia e o que não se podia fazer, com p arando expe­
riências, corrigindo com portam entos e desenvolvendo pontos de referência indispen­
sáveis a um a adaptação bem -sucedida. No entanto , o contato com os m ais hum ildes
foi a dura escola que me ensinou o sa voir-fa ire indispensável para viver na Bahia, onde
a pechincha reina sobre todos os preços. U m sotaque estrangeiro, por m enor que
seja, deixa qualquer um cm desvantagem diante de vendedores dc bens ou prestadores
dc serviços. Q uantas vc/,cs inventei, para m otoristas de táxis, um a suposta origem
gaúcha, na esperança dç que os ‘estrangeiros1 do Brasil fossem m enos roubados do
que os da Europa!
Os contatos com artesãos, pequenos funcionários, camclfls e comerciantes modes­
tos que formam as camada» intermediária* da sociedade — tamhdin sã.) refridos por
um cerimonial especifico, fi eomplera lalla de dirigi,-se » cies .im p lem en te pelo
nome sem u.d.aar senhor ou 'senhora-. Analogamente, o» q„e p„ss„em , ftulos uni­
versitários devem
. scr
. tratados dc .'doutor’. São uLinonstrações
d e m o n s tr a v a do respeiro
, ■ •indispensá­
j- ^
,
vel para quec o .interlocutor, nao cata
. - no anonim ato de U
um sim o l^ prenom e, insuficien­
JT1 snnpics ■ c ■
te para conferir o prestígio social esperado.
In t r o d u ç ã o n

Todos os indivíduos idosos ou socialm ente superiores devem ser tratados na ter­
ceira pessoa. Nas conversas com os m ais hum ildes, depois de transcorrido o devido
tempo de conhecim ento m útuo, é preciso saber qual o m om ento mais adequado para
que o tratam ento cerim onioso ceda a vez ao ‘você’ , que perm anecerá unilateral. Só os
criados são cham ados pelo prenom e. t conveniente tam bém tratá-los dc você’ e não
utilizar as expressões ‘por favor’ ou ob rigado’, talvez para que não se de impressão de
fraqueza. Nos com andos, é preciso em pregar um tom seco ao qual nunca me adaptei.
T am bém nas refeições não fui capaz de seguir a tradição, que m anda dar aos
empregados apenas feijão, carne-de-so l, arroz e farinh a de m andioca. Ao oferecer-lhes
pratos com plem entares, sab ia que não abririam mão desses ingredientes, considerados
indispensáveis. A lém disso, aceitei o desafio de arcar com enorm e desperdício, pois os
hábitos alim entares na cozinh a faziam com que m u ita com ida fosse lançada no lixo.
Para m inhas am igas, era um absurdo que o café da m anhã das em pregadas incluísse
m anteiga, q ueijo, frutas ou geléias, e era sim plesm ente espantoso que elas controlas­
sem a ad m inistração da despensa e das reservas da casa, situação que favorecia a
ocorrência de roubos, Era esta, no entanto, m in h a m aneira — européia, com certeza
— de evitar que as em pregadas fossem obrigadas a pedir ajuda para suas famílias
num erosas. Logo ap ren d i que essa atitu d e exigia um com plem ento: a demonstração de
que eu sabia por que os sacos de açúcar e de arroz se esvaziavam com rapidez. A relação
com as em pregadas me m ostrou a im po rtân cia do papel desem penhado pelas famílias
junto às classes populares na B ahia. N ão obstante existirem algum as nuances, repro­
duziam -se os esquem as observados ju n to aos descendentes dos senhores de engenho.
Nos m eios populares as uniões consensuais tinham duração m uito variável; algu­
mas podiam valer para a v id a in teira, mas a m aioria não passava de alguns meses ou,
no m áxim o, poucos anos. As m ulheres tem iam ter dois ou três filhos, pois eram elas
que assum iam todas as responsabilidades quando os homens se retiravam . Era fre­
qüente a existência de vários irm ãos apenas por parte de mãe, que reconheciam o
esforço desta e não dem onstravam nenhum a rivalidade entre si. No máximo, notava-
se um a ponta de decepção com a eventual m á sorte de ter irmãos mais escuros. Isso
não quer dizer que a organização fam iliar fosse do tipo m atriarcal, pois essas caracte­
rísticas decorriam da pura e sim ples fuga dos homens, que mesmo assim permaneciam
como um a reíerência im portante. Seu papel reprodutor causava admiração e sorrisos.
M as os laços afetivos com a fam ília m aterna eram mais fortes, até porque as avós
paternas se recusavam a educar crianças cujas avós maternas fossem conhecidas. As
mães, chamadas pelo nome, cabia trabalhar fora para trazer a comida, e às avós mater­
nas, chamadas ‘m am ãe’, cabia cuidar das crianças,
Embora vivessem no lim ite da indigência, eram famílias abertas, que acolhiam
sem hesitar os sobrinhos e as pessoas idosas, desempregadas ou órfãs. Esse espimo
solidário constituía a base de uma ética peculiar, que se estendia para mais além.
Padrinhos escolhidos fora do círculo familiar ajudavam a manter e educar as crianças,
assumindo obrigações mais materiais que espirituais. Tornavam-se responsáveis não
16 B a h ia , S é c u l o XIX

apenas pelo afilhado, mas por toda a fam ília deste, repassando aos próprios o ts
obrigações que assum iam . _
A sexualidade era encarada como um a necessidade n atu ral, e o Pe^a ° era n °Çao
difusa e longínqua. Apesar de freqüente, o aborto era censurado com ênfase, já que a
criança representava um a dádiva do C éu: o hom em fazia o m al e, fatalm en te, vín ha
um filho que Deus aju d aria a criar. O con cub inato era outra fatalid ad e, situ ad a acim a
de qualqu er crítica: os pobres — pensava-se — não tin h am condições de casar legal­
m ente e subir na escala social. Entre as pessoas m ais h u m ild es, a união com alguem de
pele m ais clara era m ais bem -vista, por causa d a exp ectativa de b ran q u eam en to da
descendência.
Em com pensação, em grupos que já p erten ciam a um nível social m ais elevado —
como artesãos, pequenos funcio nários ou feirantes — a u n ião consensual dc u m a filha,
mesmo quando tolerada, era tida com o regressão, a m enos q ue o parceiro pertencesse
a um a categoria m uito superior e pudesse vir a ser um p ro teto r d a fam ília. N esse caso,
se o casam ento fosse im possível, na m aior p arte das vezes o filho n a tu ra l te ria educação
garantida, podendo até ser m im ado .
M ulheres vítim as e responsáveis, hom ens v iris e irresponsáveis, carid ad e e co n fian ­
ça na P rovidência revelavam tam bém com p ortam ento s religiosos q ue m e deixavam
perplexa. N a B ahía, o catolicism o estava presente em toda parte: nas fam ílias reunidas
para orações, nos freqüentes sin ais-da-cru z, em esperançosos pedido s dc bênçãos, em
novenas e trezenas, em festas, missas e procissões. M as, nas igrejas, h avia p o uca reza e
m uita conversa; as coletas de d in h eiro quase n ad a o b tin h am ; e os hom ens ficavam
todos do lado de fora, no adro. As celebrações do N atal, d a Páscoa, de N ossa Senhora
d a C onceição, do Senhor do B onfim , do D ivin o, de San to A n tô n io e de São João
congregavam — é verdade — m u ita gente, m as eram as únicas com essa característica,
e as pessoas com pareciam m ais por curiosidade que por fé.
A Igreja C ató lica exercera o m onopólio da catequese po r séculos a fio. Q ue dizia
diante de tanta fé dispersa e tão pouco fervor? T eria ela sabido realm en te cristianizar
o povo? Ela se m ostrava in fin itam en te tolerante d ian te de certos com portam entos,
como as uniões livres, atribuídas, não sem razão, à extrem a pobreza e à falta de
instrução. A própria Igreja só instruía, nos colégios e m esm o nas fam ílias, aqueles que
podiam pagar. Eram escassas as bolsas de estudo e quase inexistente a instrução reli­
giosa das crianças m atriculadas.
Apesar de freqüentados por pessoas batizadas, os cultos anim istas pareciam ser
ignorados pela Igreja C atólica, que aparentem ente falhara na sua pregação aos pobres,
junto aos quais as correntes protestantes davam a im pressão de ter obtido sucesso.
M as, sc isso era verdade, sc a Igreja não cum prira sua missão espiritual e não fora capaz
de dissem inar sua doutrina moral, como se podia explicar seu indiscutível prestígio e
seu am bíguo papel na coesão das famílias e da sociedade? Seriam eles decorrentes de
um consenso sempre renovado ou, como no caso dos senhores de engenho, de um
hábil culto ao passado? ’
In t r o d u ç ã o í?

As cam adas superiores da sociedade e as auto rid ad es governam entais precisavam ,


é certo, do aval eclesiástico para ju stifica r alguns com portam entos. A m iséria intelec­
tu al e a in digên cia m aterial im pedem as pessoas de se erguer para além da fé do
carvoeiro, mas ao mesm o tem po freiam certas indignações capazes de destruir eq u iíí-
brios sociais.
A elite da cidade ap aren tem en te se com p ortava conform e as regras da Igreja, mas
esta instituição não despertava u m a v erd ad eira busca esp iritu al. Era decrescente o
núm ero de vocações sacerdotais. P raticam en te nen hum sem inarisra inscrito na U n i­
versidade C ató lica a tin g ia a ordenação. O s m istérios d a existên cia de D eus não pare­
ciam interessar sobrem aneira hom ens ou m u lheres de talen to , e um a v id a espiritual
digna do nom e só existia em algu n s m o steiros, onde estavam reclusos monges ou
m onjas. O m esm o tip o de ig n o rân cia e p atern alism o existente no clero e entre os fiéis
tin h a sido, outrora, d iscu tid o por m im com jesu ítas, b en editin o s e bispos, conscientes
dos anacronism os e das lacu n as de sua Igreja, incapaz de desem penhar seu papel,
congregar o povo de D eus, en sin ar-lh e os m istérios d a fé — e tam bém incapaz de lu tar
contra certos arbítrios d a au to rid ad e civil. A Igreja b aian a criava outros problem as à
m ín h a fé, na esfera das relações sociais. Era an gu stian te não conseguir encontrar
respostas à altu ra. Levei m u ito tem po para co m p reen d er que m in h a reação era a de
um a o cid en tal, u m a estu d an te aco stu m ad a a cam in h ar p ara a frente, construindo um
presente em função de um fu tu ro , e não de um passado. Só depois de dez anos no
Brasil retorn ei à m in h a G récia n a tal, q ue fora ap agad a d a m em ó ria por um a vontade
tenaz de varrer as lem branças dos anos de gu erra. D e repente, ela m e pareceu in fin i­
tam ente próxim a da B ah ia que me ad o tara.
S en tin d o -m e exp atriad a, exp erim en tan d o u m a adaptação tão d ifícil, vivera na
verdade um retorno, u m cu lto ao passado, im ersa em um am biente social cheio de
sem elhanças com m in h a v ivên cia in fan til. M in h a essência grega tin h a inconsciente­
m ente aju d ad o no esforço de to rn ar-m e u m a v erd ad eira b aian a, de um a Bahia
envelhecida, inerte, im óvel, len tam en te adorm ecida, p risio n eira de um passado que
não parecia poder ir em bora. As ladeiras da m in h a Soterópolis davam -m e agora a
im pressão dc um a cidade bom bardeada pelo passado: mansões de dois ou tres andares,
terrenos baldios invadidos por um a vegetação lu xurian te que no entanto mal escondia
as feridas de paredes rachadas, q u e tinh am pertencido — quando? como? — a baianos
abastados. Ao lado, um a casa térrea podia estar m uito bem conservada.
Os ‘sinais* transm itidos por ruelas e praças m ultiplicavam -se em cada descober­
ta de igrejas e conventos abandonados, palácios na C idade A lta, favelas penduradas
em ladeiras íngrem es ou edificadas sobre pílotis no lodo nauseabundo de algum a
enseada do m ar onipresente. Os transeuntes — negros ou menos negros passavam
lentos, indolentes, encarando-m e com olhos penetrantes e interrogativos que m e
causavam m al-estar, A cidade só ficava lúgubre quando, ao chegarem as fortes chu­
vas de inverno, literalm en te afundava na lam a, por horas ou dias. M as, com o sol,
cra bela como uma rainha destronada que não corresse atrás de riquezas perdidas e
IS B a h i a , S f.c u L O XIX

conservasse o porte altivo. O s num erosos bairros residen ciais h ab itad o s por p o p u la
ção abastada — V itó ria, C an ela, G raça ou B atta — não p o d iam co m p arar-se as
m agníficas casas da A venida P aulista ou do Ja rd im E uropa, q ue eu esco rira c
São" Paulo. A qui, quase nada era novo ou realm en te m oderno. P or q ue a fo rtun a
aban don ara essa cid ad e tão orgulhosa?

A H istó ria d o B rasil q u e M e F o i C o n t a d a

Estava d ecid id a a m e in tegrar p ro fu n d am en te e ten tar co m p reen d er sem p reco n ceito s.


M as precisava en co n trar outros pontos de apoio , alem d a in tu iç ã o e do in stin to .
B usquei interlo cuto res baianos, a titu d e n atu ral, porém co n tu n d en te: m in h as p e rg u n ­
tas revelaram -se in d iscretas. As respostas, q u an d o v in h am , eram vagas, in sp iravam -se
no passado c não podiam explicar o presente, tratad o q uase co m o u m ‘a c id e n te ’ e
condenado ao silêncio. A um en to u en tão m in h a cu rio sid ad e, já q uase o b stin ação , a li­
m entada adem ais por u m a form ação em ciên cias p o líticas, eco n o m ia e so cio lo gia.
M ergulhei na h istó ria e reenco ntrei um a vocação q u e sem pre tive.
P ara com preender a B ah ia, estudei h istó ria do B rasil (m ais tard e, en sin an d o -a,
aprenderia m ais). M in h a am iga A dalgisa M o n iz de A ragão era p rim a dc Pedro C alm o n ,
historiador de origem b aian a, que fizera carreira no R io de Ja n e iro . S u a H istória do
B rasil , em cinco volum es, trazia u m a boa síntese do tem a, escrita em estilo elegan te,
às vezes precioso. Foi o com eço de um a v erd ad eira b u lím ía de leitu ras. C alm o n ,
como H élio V ian n a, que 25 anos depois dele ten to u no va síntese n a sua própria
H istória do Brasil, procurava, antes de tudo, fixar o aco n tecim en to , segu in d o assim
um m étodo ‘po sitivista1, caro aos historiadores franceses h erd eiro s dos dois C harles:
C harles-V ictor Langlois e C harles Seignobos. E scrita em 1 9 3 3 , V h istoire sin cère d e la
nation fra n ça ise , de Seignobos, ain d a era, na década de 1950 e no in íc io d a de 1960,
a b íb lia dc alguns historiadores acadêm icos brasileiros, q ue tam bém u tilizavam bas­
tante V in trodu cü on aux étu d es historiq u es , de 1897, escrita por Langlois c Seignobos.
felizm ente, essas obras foram substituídas, em 1 9 6 3 , pela excelente In trod u çã o aos
estudos históricos , dc je an G lénisson, cuja passagem pela U n iversidade de São Paulo
com pletou a dc Pcrnand Braudel e de Emtle Léonard,
Ao colocarem em evidência os acontecim entos e a liderança de atores v is ív e is __
governantes, políticos, classes produtivas ou intelectuais — , essas sínteses são a histó­
ria dc grupos m inoritários, cuja ação e influência aparecem superestim adas. A m u lti­
dão anônim a só adquire existência própria ao agir pró ou contra essas m ino rias
atuantes, em movimentos insurrecionais, ou ao servir de exem plo para que se de­
monstre, de m aneira bem geral, aspectos como a divisão da sociedade brasileira entre
homens livres c escravos. O empenho em fornecer o m aior núm ero possível d c deta­
lhes (rigorosos e corretos) leva a que se apresentem as referência bibliográficas e do­
cum entais de forma fantasiosa c acrítica. Em compensação, aquela história do Brasil
Introdução 19

evidenciava o papel econôm ico e político de certas províncias, como Bahia, Pernam ­
buco, M inas Gerais, Rio dc Jan eiro , São Paulo e Rio G rande do Sul, cujos represen­
tantes — e só clcs —- ocuparam a direção dos negócios de Estado. D urante os períodos
colonial e im perial, as outras províncias só ganhavam expressão própria quando
sediavam acontecim entos m uito precisos (a conquista da A m azônia pelas expedições
paulistas no princípio do século XVII, o estatuto particular das capitanias do Maranhão
e do Grão-Pará nos séculos XVII e XVIII, o papel desem penhado por Goiás na
descoberta e exploração do ouro no século XVIII, os movimentos insurrecionais como,
por exemplo, a C abanada no G rão-Pará e a B alaiada no M aranhão). De resto, tudo
se passava como se a história fosse, nesses locais esquecidos, apenas um pálido reflexo
do que acontecia nas províncias m ais im portantes. É o caso, por exemplo, da Revolu­
ção de Pernam buco, que, em 1824, exerceu influência na Paraíba, Rio Grande do
Norte, C eará c Alagoas. Estas províncias só reaparecem quando perturbam a ordem
pública e am eaçam a u n id ad e n acion al, centrada no Rio de Janeiro. São voluntaria­
m ente apagadas as especificidades regionais, que, de fato, propiciaram a real unidade
nacional, construída na diversidade.
Cronologias, listas de acontecim entos, nom es de personagens importantes —- eis
m inha prim eira colheita, num in ício de aprendizado que se esforçava por ultrapassar,
tão rápido quanto possível, a condição am adora. Novas perspectivas se abriram quan­
do descobri a F orm ação do B rasil con tem p orâ n eo, do pau lista Caio Prado Júnior, publi­
cada em 1942. U m m isto de satisfação e curiosidade nasceu da leitura do austero
prefácio da obra. Não havía ali um a proposta de explicação do presente pelo passado?
Este últim o fincava raízes no século XVIII. M esm o afirm ando que a Independência
tinha sido um m om ento decisivo na evolução social, política e econômica do Brasil,
Caio Prado considerava que a prim eira fase do século XIX só tinha sido importante na
medida em que representara um balanço final da obra realizada por três séculos de
colonização, esta sim apresentada como um a “chave preciosa e insubstituível para se
acompanhar e interpretar o processo histórico posterior e a resultante dele que é o
Brasíl de hoje”. 1 Ao subestim ar deliberadam ente as contribuições da M onarquia
(1822—1889), que criara as bases da unidade e do Estado nacionais, o autor contraria­
va a orientação da m aioria dos historiadores brasileiros da prim eira metade do nosso
século. A época colonial aparecia como o ponto de partida de um processo histórico
cheio de vaivéns. Assim, o Brasil contem porâneo resuhava do “passado colonial, que
se balanceia e encerra com o século XVIII, mais as transformações que se sucederam
no correr do ccnrênio posterior a esse e no atu al”.2
Uma contradição nic intrigou: para ele, as profundas transformações iniciadas
com a Independência não estavam terminadas, mas continuavam até nossos dias.
Afirmava reiteradamente que estávamos diante de um processo inacabado, marcado
por uma dependência econômica dc tipo colonial em relação ao exterior. Era um
desafio, lançado no âmbito da teoria marxista. Que novidades traria para a com­
preensão do Brasil?
* o tornara-se m oda. C ô m o d a m oda: permitia
Lendo teses, descobri que o m ar*^™°as £ at{i d e n tis ta s p o lítico s escapassem de
que historiadores, sociologos, ccon°^? ^ sim ples rein terp retação de dados btbliográ-
aborrecidas pesquisas em arquivos, pois ^ o rig in a l, com características de
ficos já conhecidos perm itia criar urna • accjtação m ais ou m enos garantida
seriedade, solide,, modem,dade e obrettrfo de fa[c>, quase Serapre,

r" “ " * - - * > ,« * - .


E l i S ' r f - ” ” l “ - ' “ *■ N ° “ " ’ • ’ " " " f™ * -
Z a s esboçadas, sem 'forma correrem delineada; lá, apareçam transformações cons-
r L d a s por elementos novos, que apontavam para o progresso. Eu traduz,a aqu, por
Salvador e ‘lá’ por São Paulo, embora reconhecesse, com o autor, que tambem na
poderosa capital do Sul se firzia sentir “a presença de uma realidade m uito antiga que
é um passado colonial”, ^ ^
Outro aspecto sedutor na análise econom ica de C a io P rado era a ênfase na ausên­
cia de uma organização do trabalho e de um m ercado in tern o estru tu rad o s de forma
sólida. N a parte propriam ente social, ele ressaltava o arcaísm o das relações sociais e as
diferenças fundam entais entre as sociedades rural e u rb a n a .3 E stavam presentes ele­
mentos capazes de estim ular m inha im aginação : p o vo am en to , v id a m aterial e vida
social. A bibliografia, não obstante um a apresentação b izarra, m o strava um equilíbrio
satisfatório entre publicações e docum entos de arquivo , em b o ra estes ú ltim o s tivessem
sido com pilados unicam ente na R evista do In stitu to H istórico , G eo grá fico e Etnográfico
Brasileiro e nos Anais da B iblioteca N acional.4
O estudo da obra revelou-se m enos estim u lan te do q ue o Lco n vite à viagem
contido no prefácio. O btive inform ações interessantes na p rim eira p arte, consagrada
ao povoamento, mas nas partes seguintes — v id a m aterial e o rgan ização social — não
encontrei novidade. Pam mim, aliás, a novidade não estava nas posições marxistas do
autor, mas em sua ideologia de aristocrata paulista bem-nascido e sua condição de
mrelecrual brasileiro. Apareciam detalhes - filigranas - que indicavam um profun­
do desprezo por aquela importante parcela do povo brasileiro que não tinha origem
européia ou tinha sancue m esdado r w * • , ■ •
cão corid hrW.l • j ■ * p ágin as co n sagrad as organiza-
çao social brasileira, cerca dc vin te analisavam c <■ * a j . * ■,
_____________ , analIsavam a sociedade escravocrata e sua influência

* «■ *
escravocrata se tornava o insrri.m ' r P,°S'ÇJ° illo só flca teó rica, a estruturi
leira. Aparecia então uma espécie dcTa ^ dc cxPÜeação da sociedade brasi-
sociedade que lamenta J ^ " T " ^
longa, porém necessária, citação- "A e o m r lT ' C mU' ata mi c *lc Bat*a - Desculpem a
formação brasileira é, além daquela e n e r ^ '' UIÇa? d° cscravtl prero ou índio para a
concorrer, e muito, para a no.ssa ‘eulrur^’ 3 cluasc nula. N ão que deixasse de
emprega a expressão; mas é antes uma contr l^ am plo em que a antropologia
da presença dele e da considerável difusão V " '1*™ Passiva- resultante do simples fato
u sangue, que unia intervenção ativa
In trodução 21

e construtora. O cabedal de cu ltu ra que traz consigo da selva am ericana ou africana,


e que não quero subestim ar, é abafado c, senão an iqu ilad o , deturpa-se pelo estatuto
social, m aterial e m oral que se vè reduzido seu portador. E aponta, por isso, apenas
m uito tim idam en te, aqui e acolá. Age m aís com o ferm ento corruptor da outra cultura,
a do senhor branco, que se lhe sobrepõe.” U m a nota com pletava essas afirm ações: “Isto
é, entre outros, p articu larm en te o caso do sincretism o religioso que resultou da
am álgam a de catolicism o e p aganism o em doses várias, que form ava o fundo religioso
de boa parte do B rasil. R eligião neo -african a, m ais do que q ualqu er outra coisa, e que
se perdeu a grandeza e elevação do cristian ism o , tam bém não conservou a espontanei­
dade e a riqueza de colo rido das crenças negras em seu estado n ativo .”5
A lgum as posições d e C a io Prado provocavam m al-estar. M as sua ênfase em dois
fatores — a sociedade escravocrata e a depen dência de tipo colonial — era com parti­
lhada pela q u ase-to talid ad e das obras consagradas ao Brasil. N ão desejo rebaixar a
im po rtân cia desses aspectos, m as destacar que a form a de tratá-los conduzia a um a
interpretação m u ito pobre sobre o futuro do país. A pareciam am bos no contexto de
um m esm o esquem a sim p lificad o r: a C o lô n ia d ep en d ia da M etrópole, o Esrado bra­
sileiro depen dia da E uropa (sobretudo da In glaterra), os negros dependiam dos bran­
cos, os escravos dos senhores, as m ulheres dos hom ens, os senhores de engenho dos
com erciantes, os com erciantes brasileiros do gran de com ércio internacional — tudo
num m oto -con tínuo. É verdade: aq u i e a li as aparências eram levadas em conta,
destacando-se a form a assum id a por certas relações econôm icas ou até hum anas, mas
o conteúdo das análises p erm an ecia frio, im preciso, esvaziado das nuances que, afi­
nal, são a própria essência d a v id a. N en h u m a explicação havia para a perpetuação
dessas inúm eras d ep en dên cias, cujas lam en táveis conseqüências apareciam com tanta
clareza. Q ue jogos as m an tin h am e favoreciam ? A que preço? Q ue vantagens auferiam
as partes envolvidas?
M as a historiografia b rasileira de então não pode ser reduzida a essas duas abor­
dagens {história dos acontecim entos e obras de tese). Em 1960, Sérgio Buarque de
H olanda, tam bém pau lista, abriu novas perspectivas com a H istória g e r a l da civiliza­
ção brasileira, obra coletiva em num erosos volum es, inspirada na H istória g e r a l das
civilizações, dirigid a por M au rice C rouzet. Nossos períodos colonial e monárquico
(1 5 0 0 -1 8 8 9 ) fora m tratados em nada menos do que sete volum es, com divisões
tem áticas que já indicavam grande esforço para renovar profundam ente as formas
de abordar os assuntos.
Com o diz o título geral da obra, ela nao se propôs a ser um a história do Brasil, mas
uma história da civilização brasileira. Apelou, por isso, para disciplinas como antropo­
logia e ciência política e tratou de temas como religião, literatura, idéias, educação e
m edicina, para ficar cm alguns dos mais im portantes. A redação foi confiada a espe­
cialistas quase sempre recrutados no m undo universitário do Rio de Janeiro e de São
Paulo. Reservou-se am plo espaço às fontes prim árias e adotou-se um a visão crítica e
seletiva do m aterial utilizado. O resultado não apresentou grandes vôos teóricos, mas
22 B a h ia , S é c u l o XIX

foi bastante satisfatório. A contecim entos e personagens foram colocados em seus jus­
tos lugares, seguindo um a cronologia bem clara. A pareceu tam bém o contexto inter­
nacional, com destaque para as relações do Brasil com seus p rin cipais parceiros com er­
ciais (P ortugal, Inglaterra, A lem anha, Estados U nidos e França).
A coletânea evidenciava a diversidade do B rasíí, conferindo a cada província um a
especificidade, um a existência própria, pelo menos no período situado entre a chegada
da C orte portuguesa (1 8 0 8 ) e a década de 1850. D epois, prevalecia o esquem a, sólido
e tenaz, do Brasil u n itário . O próprio títu lo do volum e — ‘D ispersão e u n id ad e’ —
sugeria que o estudo in d ivid ualizad o das províncias só fazia sentido duran te o agitado
período de consolidação d a u n id ad e e de organização do Estado nacionais.
Nos países da A m érica espanhola, os processos de in d ep en d ên cia foram incom pa­
ravelm ente m ais dolorosos do que o ocorrido no B rasil, iVIesmo assim , era necessário
evocar aqu i as tentativas às vezes sangrentas de in d ep en d ên cia de certas províncias,
como a Bahia (onde sc travaram batalhas em 1822 e 1 82 3), as revoluções separatistas
do N ordeste (que ocorreram n a época da abdicação de dom Pedro I) e as numerosas
agitações sociais e revoltas de escravos (d u ran te a R egên cia e o in ício do reinado de
dom Pedro II). Ao descrever as am eaças ao Im pério entre 1820 e 1850, os autores
ressaltavam reiteradam ente que o N orte, o N ordeste e o S u l tin h am n ítid a consciência
de sua diferença em relação ao resto do país.
T udo se norm alizou em 1850, mas a u n id ad e nacion al não apagou as diversidades
e particularidades. A in d a hoje, o reconhecim ento m ú tu o entre dois brasileiros ainda
passa por um a pergunta-chave: “de onde você é?” O estado de origem do interlo­
cutor sinaliza, em prin cípio , algum as qualidades e defeitos que se podem esperar dele.
O Brasil é efetivam ente um a federação, e a id en tid ad e de cada um está relacionada
mais a seu estado de origem do que à nação com o um todo.
Os autores da coletânea organizada por Sérgio B uarque de H olanda tiveram o
im enso m érito de não repetir cam inhos am plam ente percorridos, mas seus trabalhos
não provocaram efeitos explosivos e duráveis, sem elhantes aos das teses de C aio Prado
Jú n io r’ c outros autores m arxistas/ O utro grande livro de rese tinha aparecido em
1933: C asa-grande e senzala-, em que G ilberto Freyrefi abordou o sistema patriarcal
brasileiro oriundo das plantações de cana-de-açúcar do Nordeste, fornecendo uma
imagem idílica das relações sociais nele im perantes, particularm ente daquelas que se
estabeleceram entre senhores e escravos. Essa posição suscitou, naturalm ente, polêmi­
cas, interrogações c pesquisas.
Esses temas interessaram a muitos acadêm icos, como os antropólogos Charles
W aglcy (da Universidade dc C olum bia), M elvilte J. Herskovits (da Universidade de
Northwestern) e Rogçr Bastidc, radicado cm São Paulo/ Mestres e discípulos pesqui­
savam o Nordeste, bascando-sc na História econ ôm ica do Brasil, de Roberto Simonsen,
a prim eira síntese sobre a economia colonial. Como Gilberto Freyre e Caio Prado, este
autor também criaria um a escola, graças aos excelentes trabalhos de Alice Canabrava,
Celso Furtado c M ircea Bucscu. 10 Assim, graças à influência de três pesquisadores
lN T R O nU Ç Á O l i

desvinculados do sistem a u n iversitário , o m undo acadêm ico com eçou a abandonar os


vastos esforços de síntese, trocando-os por trabalhos de aparência mais m odesta e
preparação m ais árd u a, trutos de pesquisas m ais sistem áticas, com m anuseio detalhado
de arquivos e crítica de tonres p rim árias c secundárias. As hipóteses precisas, as pesqui­
sas o rigin ais c os m étodos m ais afinados não tardaram a prevalecer sobre o gosto pelas
generalidades, M as, na m aio r parte das vezes, as m onografias perm aneceram prisionei­
ras de um m esm o arcabouço teórico: um esquem a de dependência que lim itava os
temas a serem estudados e em p o b recia as conclusões.
Fato curioso: apesar de bem in fo rm ado s sobre o que se publicava em outros países,
os historiadores brasileiro s não p areciam interessar-se, por exem plo, pelas novas pers­
pectivas abertas por estudos franceses de h istó ria econôm ica, dem ografia e, m ais tarde,
história social e u rb an a. M u ito s co n h eciam as obras de H enri H auser, M arc Bloch e
Lucien Febvre. Eram a in d a m ais num erosos os que se proclam avam alunos de Fernand
B raudel. M as poucos tin h am lid o , por exem plo , Le P o rtu ga l e t 1’A tlantique, de Frédéric
M auro , a in d a in é d ita em p o rtu g u ês, apesar de sua im p o rtân cia e sua relação direta
com o B rasil.
S eja com o for, assistiu -se na década de 1950 u m a efervescência entre historiadores
do Rio de Ja n e iro e de São P aulo. Q u e se passava, na época, em Salvador, cidade
desejosa de ser reco n h ecid a com o cap ital in telectu al do N ordeste?

C omo E sc r e v e r uma H is t ó r ia d a B a h ia ?

Só a produção do cacau e a nascen te in d ú stria do petróleo apresentavam algum dina­


m ism o no p an o ram a eco n ô m ico d a B ah ia. A pesar disso, a vida cultural era m uito
ativa, cen trad a n u m a jovem u n iversid ad e federal, fu n d ad a em 1950. Seu prim eiro
reitor, Edgar S an to s, professor d a F acu ld ad e de M ed icin a, tin h a um espírito aberto e
em preendedor. 11 D u ran te seu rein ad o — sim , tratava-se de um reinado absoluto
foram criados cursos de geo lo gia, b ib lio teco n o m ia, enferm agem , m úsica, artes plásti­
cas e artes cênicas, além de in stitu to s especializados que se tornaram verdadeiros
centros de pesquisa e ensino , com o os de geografia, ciências sociais, lingüística e
estudos afro-o rientais. N um erosos professores foram contratados nos Estados Unidos
e na A lem anha. N ego ciado r arguto, Edgar Santos fez da U niversidade Federal da
Bahia um centro cu ltu ral cujo dinam ism o contagiou e fez reviver algum as velhas
senhoras’, havia m uito adorm ecidas c satisfeitas consigo mesmas, como a Academ ia
Bahiana de Letras, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e o Instituto Genealógico
da Bahia. Os m em bros dessas casas ilustres eram escolhidos entre médicos, sacerdotes,
advogados, ju ristas, políticos c jornalistas que formavam a intelectualidade local. En­
trar no Instituto G eográfico, por exem plo, representava m eío cam inho andado para a
A cadem ia, num contexto que estim ulava os mestres da bajulação. Não eram, porém,
os únicos personagens presentes nesse cenário; havia tam bém os jovens membros da
u B a h ia , S écu lo X iX

m esm a elite, q u e se com praziam em críticas m ordazes, freq ü en tem en te in ju stas, recu­
sando q u alq u er pro xim id ad e com in stitu içõ es nas q u ais — era claro — ingressariam
m ais tarde. O sonho de todo in telectu al b aian o , honesto ou nâo, co n fo rm ista ou não,
é tornar-se, ele m esm o, u m a in stitu ição . H á um tem po para irreverên cias, m as elas são
erros da ju ven tu d e, necessários e perdoáveis.
A proveitando o clim a estim u lan te criad o p ela ‘F ed eral’ , su rg iu em 1 9 5 6 a U n iv er­
sidade C ató lica da B ahia. O arcebispo local, p rim az do B rasil, passo u a ser o grande
chanceler dessa in stitu ição , cab endo a p rim e ira reito ria ao m o n sen h o r E ugênio de
A ndrade V eiga, dou tor em d ireito can ô n ico pela U n iv ersid ad e G rego rian a de R om a.
Escola privada, m an tid a por ordens e congregações religio sas e por leigos (em grande
parte integrados ao corpo d o cen te), passou a fu n cio n ar à n o ite, p ara propo rcion ar
op ortunidade de educação sup erio r e prom oção social a pessoas já in tegrad as no
m ercado de trabalho. C o b rava an u id ad es m ó d icas, m as, m esm o assim , pesadas p ara os
orçam entos dos m ais pobres.
Estávamos d ian te de u m p aradoxo: ativ id ad es c u ltu ra is florescentes em um a ci­
dade aparentem ente adorm ecida, S eria o p ren u n cio de u m a renovação geral e d u rá­
vel? Em que m edida os historiadores seriam b en eficiad o s em seu ofício específico?
Esta não era p ergun ta sem fu n d am en to : gran d es co n tad o res de estó rias sobre si
mesmos e os dem ais, os baianos têm alm a de h isto riad o res, em b o ra quase n u n ca o
percebam . Esse traço se m ostra, no en tan to , em conversas co tid ian as e em d ocu ­
mentos com uns de arquivo, escritos em prosa en can tad o ra e p ro lixa. Nos alvarás de
libertação de escravos, por exem plo, os senhores co n tam a p ró p ria vida, inclusive
fam iliar, com profusão de detalhes in discreto s, in ú teis do po nto de vista legal. T es­
tam entos e Inventários são verdadeiras estórias de vida, ad m irav elm en te resum idas,
que desfiam problem as e am ores de fam ílias in teiras. T u d o se passa com o se a re­
dação — própria ou, na m aio ria dos casos, feita por terceiros — de um docum ento
legal desse vazão a um desejo de perp etuar a m em ó ria fam iliar e coletiva, conquis­
tando na sociedade, depois da m orte, um lu g ar freq ü en tem en te inacessível em vida.
O u então como sc os testam entos cum prissem o papel de confissões, ajudando o
testador a com preender e ser com preendido, ligando presente e passado, forjando
um a ascendência m ítica, fosse ela portuguesa (para os que faziam questão da raça
branca) ou africana dc sangue real (para os alforriados que reivindicavam origens
nobres). Assim, o ato dc contar para si a própria estória rornava-se ato criador dessa
mesma estória, agora escrita c, portanto, certa.
Às vezes ingênuos, escritos para a fam ília c os am igos, destinados em princípio à
poeira dos tabeliães, esses docum entos legais são verdadeiras peças literárias que ex­
pressam sentimentos profundos. Com pensam parcialm ente a falta de um a literatura
autobiográfica, pois, entre os sóculos XVI c XIX, os que teriam sido capazes de escrever
suas memórias não o fizeram.
I or que faltaram à Bahia escritores desejosos de contar suas vidas? Seriam tama*
n as sua importância, sua evidência, sua fama, que tal iniciativa lhes parecesse indtilí
In t r o d u ç ã o 25

T alvez soasse penosa, para alguns, a necessária evocação de antepassados de pouco


prestígio e o registro de riquezas m uito recentes. Para outros, poderia parecer ocioso
ostentar várias gerações bem estabelecidas e suficien tem ente conhecidas. Resultado: as
antigas elites só com eçaram a registrar sua m em ória fam iliar quando tom aram cons­
ciência da própria decad ên cia. Na década de 1940, estudos genealógicos entraram na
m oda. Pouco a pouco, os baianos aprofun daram a diferença existente entre o que a
riquíssim a lín g u a p o rtuguesa cham a de h istória , baseada em docum entos, e de estória
exposição rom anceada de episódios.
Os novos h isto riado res baianos podem gabar-se de ter predecessores ilustres: a
história do B rasil com eçou a ser escrita na B ah ia, onde Pero Vaz de C am inh a iniciou
com sua carta, a in d a em 1500, um a lon ga lin h ag em . V ieram , em seguida, escrever em
terras baianas os po rtugueses G ab riel Soares de Souza (século XV I), frei V icente de
Salvador e Fernão C ard im (século X V II) e, enfim , A n to n il, Sebastião da Rocha Pita,
J.A . C ald as e Luiz dos Santos V ilh en a (século X V III). No século XIX apareceram
verdadeiros b aian o s, com o Ignácio A ccio li e N in a R odrigues. O utros, em grande
núm ero, escreveram sobre a cap ital, com o F .M . de Goes C alm on , Francisco Borges de
Barros, Braz do A m aral, T heodo ro S am p aio , Frederico E deiweis, C arlos O tt, Affonso
R uy, Luiz V ian n a F ilho, W a n d erlcy de P in h o , Pedro C alm o n e T hales de Azevedo. Os
três ú ltim o s gozam de reputação n acio n al e in tern acio n al. Os institutos de história e
de gen ealo gia reú n em , por sua vez, algum as dezenas de ‘am igos da h istó ria’ e publicam
revistas que trazem co n trib u içõ es essenciais — indispensáveis, m esm o — a um a ‘his­
tória dos aco n tecim en to s’.
C om raras exceções, a história escrita na B ahia está ligada aos acontecimentos.
N ão poderia ser de o u tra form a. O im enso m ovim ento intelectual observado no
fim da década de 1950 entre os historiadores baianos guardou distância de todas as
preo cup açõ es teó ricas e co n c e itu a is im p reg n ad as de ‘so cio lo gism o am ericano ,
‘w eberism o’ e m odism os em geral. O s baianos contem plaram de longe, curiosos e
até desdenhosos, a agitação dos colegas do Rio de Janeiro e de São Paulo, mais
abertos às influências estrangeiras. Sem pre tiveram , é cerro, um a adm iração deli­
rante pela cu ltu ra francesa, mas suas referências eram historiadores como F. Guizot,
A. T hierry, M. Paine c A lphotisc A ulard, cuja H istoire p o litiq u e d e ia R évoíution
Française ainda causava deslum bram entos. E nquanto isso, nas bibliotecas universitá­
rias da ‘ Federal’ c da ‘C ató lica’ adorm eciam , sem nunca terem sido consultadas, a
H istoire génóraie des â vilisa tiom , dirigida por M. Cm uzet, e a R évolution Française, de
Georgc Lcfèbvre!
Os historiadores baianos, como sua cidade, estavam parados no tempo. Com
orgulho, prcparavam-sc para celebrar o IV Centenário da fundação de Salvador, pu­
blicando monografias cheias dc erudição e dc análises minuciosas, à maneira dos
historiadores alemães do século passado.12 A bem da verdade, essas pesquisas eram
verdadeiros tesouros, pois faziam de Salvador a única cidade brasileira a ter uma
história que começava a ser conhecida.
26 B a h ia , S é cu lo XIX

Era uma história m uito ‘colonial’, em que o principal papel cabia ao século XVI.
Mas era solidamente alicerçada em um real esforço de síntese. Às m onografias susci­
tadas pelas comemorações acrescentavam-se numerosas teses, artigos e obras sobre a
história factual do século XVII. O período menos conhecido era entre 1600 e 1750,
ano a partir do qual os arquivos se tornaram mais ricos e os acontecim entos, mais
estim ulantes. Houve publicações sobre a Revolução dos A lfaiates, m ovim ento revolu­
cionário ocorrido em 1798; sobre as guerras de 1822 e 1823, cham adas Guerras de
Independência da Bahia; sobre a Revolta dos M alês, insurreição negra de 1 835; e sobre
a Sabinada, movimento federalista e descentralizador que contestou o governo im pe­
rial em 1837. Obras e artigos eram m uito descritivos e^ em geral, não correspondiam
às promessas contidas nos respectivos títulos. Estavam neste caso, por exemplo,
A p rim eira revolução social brasileira, livro de Afonso R uy de Souza consagrado à
Revolução de 1798, e M alês, a insu rreição da senzala, de Pedro C alm on.
Mesmo quando os historiadores baianos revelavam um a ideologia análoga à das
elites pensantes locais, faltava em seus trabalhos um aparato teórico. Isso m e trazia
vantagens, pois alargava a possibilidade de escolha do m eu próprio cam inho. Nessas
‘histórias dos acontecim entos’, tin h a diante de m im fontes ricas em dados brutos,
aprisionados no entanto por estilos grandiloqüentes ou panegíricos. Talvez aquelas
realidades pudessem ser interpretadas de outra m aneira, mas ísso não tirava o mérito
das narrativas já feitas, excelentes pontos de partida. Era interessante comentá-las
com seus autores, inclusive para garantir o acesso às fontes e ao m aterial histórico,
praticamente vedado a quem não fosse reconhecido como integrante do ‘meio aca­
dêmico’ da Bahia.
M eu encontro com Thales de Azevedo, em 1961, foi decisivo. Professor da Facul­
dade de Letras da Universidade Federal da Bahia, o ‘doutor T hales’ era a figura de proa
das ciências sociais em Salvador, M édico de formação, começou como pesquisador em
antropologia física e sociocultural e colaborou intim am ente com sociólogos da U ni­
versidade de Colum bia (EUA) e com Roger Bastide. Em 1949, publicou Povoam ento
da cidade do Salvador, ensaio que colocou problemas novos, fora dos esquemas factuais,
procurando interpretar a evolução da cidade durante um período bastante longo, entre
os séculos XVI e XIX. Foí dele o prim eiro convite que recebi para fazer uma série de
conferências no Instituto de Ciências Sociais, que ele dirigia, versando sobre... os
regimes totalitários europeus do século XX! Em seguida, foi ele que me recomendou
para um lugar de docente na rccém-críada Faculdade dc Letras da Universidade Ca­
tólica. I oi ele, enfim, que orientou meus primeiros passos e encorajou minhas primei­
ras opções. Nossa amizade, hoje antiga, inuito mc enriqueceu.
A partir de 1963, lecionei história geral conremporânea. Por sorte, ingressei no
magistério superior num momento propício, em que se iniciava uma mudança de
trajetória, decorrente da fundação das duas universidades, que se estimulavam mu­
tuamente, c da democratização do ensino, que crescia junto com o próprio con­
tingente estudantil. Novas escolas aumentavam a necessidade de formar professores.
In t r o d u ç ã o

E os jovens can didato s desejavam conhecer m elhor a ‘realidade social' em senrido


am plo, que englobava o passado e o presente do m undo em que viviam e iriam
trabalhar,
A ‘realidade b rasileira' ocupava um a posição central 110 discurso das elites e nos
escritos eruditos, retorçando a necessidade de se aperfeiçoar o conhecim ento do pas­
sado. O ra. na B ahia, a realidade b rasileira era baiana. Esse m ovim ento descem rali-
zador foi fortalecido pela criação de in stituiçõ es governam entais de caráter regional
& *
como a Su p erin ten d ên cia de D esenvolvim ento do N ordeste (Suden e), e pelo senti­
m ento, entre a ju ven tu d e, de que se fazia uecessária um a ‘descolonização cu ltu ral’
em relação ao Rio de ja n e iro e a São Paulo. E studantes e professores jovens acom ­
panhavam m inhas preocupações, co m p artilh ad as por Jo h ild o Lopes de A thayde (um
baiano que acabara de passar doís anos na França) e István Jancso, paulista de o ri­
gem húngara, trazido da U n iversidade de São P aulo. Os três estávam os influen cia­
dos pela produção da h isto rio grafia francesa nos trin ta anos precedentes, mas tính a­
mos consciência de que essas co n trib u içõ es deviam ser apreendidas no que dizia
respeito aos aspectos m etodológicos e técnicos dc pesquisa. Os pontos de partida e
a definição de problem áticas não podiam ser os m esm os para os dois países. T raba­
lhando juntos, abrindo cam in h o para num erosos estudantes, em preendem os um a
longa e paciente trajetó ria.
A historiografia baiana era m u ito carente e não podia responder às questões que
colocávam os. Exceções: a H istória d e um en gen h o d o R ecôncavo, 1552-1944, publica­
da nesse últim o ano por W a n d erlcy de Pinho e por m uito tem po a m elhor m onogra­
fia brasileira sobre a v id a econôm ica e social de um a plantação açucareira ao longo de
um período de vários séculos; 1-5 e P ovoa m en to d a cid a d e do S alvador, de Thales de
Azevedo. De resto, apesar de u m a profusão de detalhes, os historiadores baianos nos
traziam de volta im agens estáticas de um ‘ novo m u n d o ’ curiosam ente condenado a
um frio im obilism o, a um a v id a socioeconôm ica que parecia seguir sem pre o mesmo
rum o —- e isso não correspondia ao nosso desejo dc construir um a visão dinâm ica do
passado local.
Não éram os nós, historiadores, os únicos preocupados com esse tipo dc problema:
em 1951, o econom ista baiano Róm ulo A lm eida publicara um opúsculo que, reto­
mando informações dadas por (lo c s C alm on num livro já a n tig o ,1^ ressaltava traços
estruturais da econom ia c insistia cm certos aspectos da m entalidade baiana, sugerindo
a existência dos seguintes ciclos econôm icos: cm auge no início do século XIX, em
baixa entre 1 8 2 0 -1 8 4 0 , cm recuperação na década dc 1840, cm ligeira reanimação no
início da década dc 1860, em baixa novam ente até princípios de 1890 e em auge até
o início dos anos 20 do nosso século. M odestam ente, o autor confessava que só quisera
esboçar alguns ‘ traços* da história das crises da Província, tendo em visra chamar a
atenção para a imperiosa necessidade dc em preender uma análise metodologicamente
m ais rigorosa, que perm itisse entender o ‘enigm a baiano’: 15 a Província ‘encolhera no
tem po’, 16 adormecera.
28 B a h ia , S é c u l o XIX

O desafio não era pequeno. Se eu quisesse explicar as descontinuidades e rupturas


apontadas por Rômulo Alm eida, teria que seguir várias pistas e aprofundar as pesquisas.
Era preciso estudar a geografia c o clim a, pois, segundo a literatu ra histórica tradicio­
nal, as crises estiveram ligadas aos ciclos recorrentes da seca e das epidemias, apresentadas
como fatalidades; era preciso que, nos recenseamentos, se calculasse o núm ero de pessoas
e sua divisão por sexo, idade e raça; era preciso tratar da estrutura econôm ica e do
papel, peso e duração das flutuações observadas; era preciso, enfim , conhecer m elhor a
organização social. Tudo isso era preciso, mas não suficiente. A escolha de quatro grandes
temas de pesquisa não excluía a necessidade de estabelecer um a cronologia, pois a
tentativa de com preender tudo ao mesmo tem po tenderia a resultar em generalidades.
Inevitavelmente, o trabalho do historiador é lim itado pelas fontes de inform ação
a que tem acesso. Eu buscava períodos longos. Parecía-m e indispensável quantificar
grandes séries. A docum entação existente em Salvador para o período colonial —
que a tradição situa entre 1549 e 1822 — deveria ser en riq u ecid a por consultas aos
acervos do Arquivo N acional e da B iblioteca N acional, ambos situados no Rio de
Janeiro, e dos arquivos portugueses. M as não havia verbas. T ive que esperar até 1976
para deslocar-me até o Rio, onde pude m anusear a correspondência trocada entre os
presidentes das províncias e o M inistério do Interior, os interessantíssim os dossiês
individuais que precediam a concessão, pelo im perador, de títulos, honrarias e con­
decorações e os acervos referentes à G uarda N acional e às eleições.
Os arquivos de Salvador tinham sido pouco utilizados até então, até porque nosso
trabalho não estava fixado no problem a das ‘origens’ . Ao m esm o tem po em que os
historiadores baianos adquiriam gosto e interesse pela pesquisa, a cidade foi invadida
por um pacífico exército de historiadores norte-am ericanos e ingleses, interessados
sobretudo no período colonial. Eles produziram estudos sérios e úteis sobre a ‘vida
baiana dos habitantes de Salvador e do Recôncavo, áreas que — sediando plantações
de cana-de-açúcar, fazendas produtoras de alim entos e atividades com erciais —
estruturaram a vida econôm ica de regiões do tam anho da França.
Num primeiro momento, decidi fazer pesquisas sobre Salvador e adjacências, cujo
papel fora preponderante em quatro séculos de história da Bahia. D ispunha de fontes
impressas e de acervos datados de 1750 em diante, mas no início não conhecia o
potencial desse material. Foi preciso me fam iliarizar com ele para começar a perceber
a importância dc estudar o século XIX, época em que, a meu ver, a Bahia perdeu a
capacidade dc adaptar-se e crescer. Não se tratava, é claro, de definir limites cronoló­
gicos rigorosos: na verdade, o meu ‘século XIX’ retrocedia a 1750 e chegava à década
de 1930.
De um modo geral, as fon tes impressas (que começam a aparecer na década de
1850) são bastante medíocres. Pude idcnrificar cinco grandes coleções:
- 1. A %falas ou discursos pronunciados pelos presidentes da Província a cada aber­
tura de sessão da Assembléia Legislativa. Fazem um balanço da gestão precedente,
assinalam problemas não solucionados, fornecem estatísticas úteis sobre economia,
Introdução 29

finanças, educação e assistência p ú b lica, mas contêm lacunas im portantes, que


inviabilizam o estabelecim ento de séries.
2. Os jornais. Só o D iário da Bahia foi publicado sem interrupção entre 1833 e
1958- Sua coleção, dispersa em trcs diferentes instituições (a Biblioteca Pública, o
Instituto G eográfica e H istórico e os Arquivos do Estado da Bahia), está cheia de
lacunas, sobretudo no que diz respeito ao século XIX. Entre 1870 e 1900, por exemplo,
faltam dezessete anos. Por isso, tam bém não pude construir séries coerentes a partir
das estatísticas publicadas sobre exportações, tarifas bancárias, câm bio e cotações das
m ercadorias em Salvado r e no exterior (Londres, Liverpool, Lisboa, Le Havre, H am ­
burgo, B rem en, G ênova).
3. A coleção do Banco da B ahia. C o n sultei os relatórios anuais dessa instituição,
fundada em 1858, além de m anuscritos em que estão registradas a correspondência, as
inscrições dos acio nistas, as transferências de ações e as atas dos conselhos de adm i­
nistração, dos conselhos fiscais e das assem bléias gerais. M as, tam bém aí, o século XIX
está m uito in co m p leto .17
4. A coleção da Associação C o m ercial da B ahia. F undada em 1842, só em 1908
a entidade passou a p u b licar regu larm en te relatórios anuais e boletins. Sua documen­
tação geralm ente reproduz dados publicados em outros órgãos, e as estatísticas referen­
tes ao século XIX são relativ am en te escassas.
5. Os relatórios das diversas secretarias de governo da Bahia. N ada resta sobre o
século XIX, com exceção do m aterial do T esouro da Província para os anos 1855,
1856, 1858, 1882, 1884 e 1888, Nos acervos dos A rquivos do Estado da Bahia há
relatórios m anuscritos provenientes de diferentes setores da adm inistração da Provín­
cia (após 1890, E stado). M as essa docum entação não está classificada e não conheço
ainda o período a que se refere.
Exíste um a sexta coleção, pu blicada no R io de Janeiro. Trata-se das Propostas e
relatórios apresentados à A ssem bléia G eral L egislativa p elo s m inistros e secretários dos
negócios da Fazenda, que contêm estatísticas relativas às atividades econômicas do
país a partir da segunda m etade do século XIX. O C entro de Pesquisas da Secre­
taria de Planejam ento, C iên cia e T ecnologia do Estado da Bahia conseguiu reunir
esses dados em quatro volum es, intitulados A inserção da Bahia na evolução nacio­
nal. 1* etapa: 1850-1889.
D iante desse quadro — coleções incom pletas, dados insuficientes tive que
abandonar o sonho de estabelecer um a verdadeira contabilidade regional retrospecti­
va, Apesar da relativa regularidade na publicação dc dados a partir de 1850, as lacu­
nas são numerosas. Há informações sobre os produtos exportados, tanto para o exte­
rior como para outras províncias brasileiras; mas quase não há sobre os produtos
importados, Há alguma coisa sobre o movimento do porto dc Salvador (navegação
de longo curso c cabotagem) c a construção dc redes ferroviárias; mas falram indica­
ções importantes sobre a agricultura e a pecuária, a produção industrial (que já con­
tava com fábricas de sabão, tabaco, cigarros, tecidos e outras), os fluxos comerciais
B ah ia , S éculo X IX
30

dentro da Província e os preços das m ercadorias ven d id as à população de Salvador.


N ada consta sobre a circulação m o n etária, o créd ito , as m o vim en taçõ es de cap itai e
outros pagam entos.
T am pouco obtive resultados do estudo das leis o rçam en tárias, p u b licad as regular­
m ente a partir de 1835 na coleção Leis e resolu ções d a P ro v ín cia d a B ahia (depois de
1889, Estado da B ah ia), pois os orçam ento s estão sem pre eq u ilib rad o s, graças a su-
perestim ação arb itrária das receitas e previsão su b estim ad a das despesas. Q u an d o estu­
dei algum as ‘falas’ de presidentes da P ro vín cia da d écad a de 1 8 7 0 , em q ue apareciam
sim ultaneam ente as despesas previstas e as efetiv am en te realizad as, esse tru qu e ficou
claro. Ele con tinuou a ser usado no século XX. Em 1 9 2 4 , por exem p lo , em discurso
à Assem bléia do Estado d a B ah ia, o go vern ado r Francisco M arq u es de Goes C alm on
declarou que o orçam ento era u m a ficção, pois “se d ista n c ia v a co m p letam en te das
regras da ciência das fin an ças”! 18
Im possibilitada de av aliar essas contas e fazer u m b alan ço , lim ite i-m e a estudar a
evolução econôm ica da B ah ia segundo as estatísticas referentes à sua b alan ça com er­
cial. T am bém desse m odo enfrentava p roblem as: além de in co m p leto s, os dados não
podiam ser considerados precisos, pois os valores co n sign ad o s eram inferiores aos
reais, artifício usado para d im in u ir o p agam en to de im po sto s e tax as, 19
Apesar de tudo, u tilizadas com m u ita cau tela, essas fontes im pressas p erm itiam
obter ordens de grandeza e cap tar co n tin u id ad es e d esco n tin u id ad es. Era preciso
com pletá-las através da consulta a fontes m an u scritas, q u e se to m aram abundantes a
partir de fins do século XVII. O nde en co n trá-las na B ahia? Q u al seu valor para os
objetivos que me propunh a a atin gir?
Em torno de 1965, o A rquivo do Estado da B ah ia era o m ais im p o rtan te. M as era
apenas um depósito, nada m ais do q u e isso (até hoje é m ais um abrigo de arquivos do
que um local de pesquisa: não há guias ou catálogos q u e o rien tem o pesquisador). Ali,
só os volum es encadernados foram classificados. O resto d a docum entação estava
em brulhada em papel pardo cu idadosam en te am arrad o , com título s que freqüente­
mente discordavam do conteúdo. Por exem plo, os cham ados ‘recenseam entos’ conti­
nham exclusivam ente a correspondência trocada entre os agentes dos recenseamentos
do século XIX; o pouco que sobra do recenseam ento de 1855 estava arquivado sob o
título geral de qualificação dos eleitores’, onde tam bém apareciam listas eleitorais e
correspondências diversas.
A seção d ita h istó rica’ estava m ais bem organ izad a, graças ao esforço de historía-
ores que haviam trab alh ad o com certas séries, co m o aquelas que co n têm as cartas
régias, a correspondência dos antigos g overn ad ores e presid en tes da P ro vín cia ou as
referências aos tu m u ltos c revoltas baianas en tre o fim d o século X V U I e 1 8 4 0 . Nas
seções judiciária e ad m in istrativa reinava gran d e d esordem , com exceção de um a pe­
quena série, a do p rim eiro recenseam ento das terras agrícolas da Bahia, realizado entre
1 8 5 2 e 1 8 6 0 e u tilizado até h oje para estabelecer algum as escrituras e resolver p en d ên­
cias em to rn o de títu los con testad os.20
In t r o d u ç ã o 31

D=Po ,S de consu tar cenrenaa de em brulhos e maços de papéis, re sin e i-m e a


concentrar meu trabalho em séries um pouco m ais organizadas, como a dos inventá-
r,os post mortem (guardados na form a de m aços), a dos testam entos (que formam 64
espessos volum es) e a das noras e escrituras (m inutas cartoriais). Além de im ediata­
mente acessíveis, as três series perm itiam docum entar um período bastante longo,
apresentando lacunas menos im portantes do que os recenseamentos e as listas eleito­
rais, Elas não com eçavam , no entanto, no mesmo m om ento. Os livros de notas e
escrituras contêm um a rica serie de 1.100 volum es, produzidos regularm ente entre
1664 e 1914, registrando em ordem cronológica um am ontoado de atos sobre im ó­
veis, hipotecas, aluguéis de todos os tipos (de im óveis, de m ão-de-obra escrava, de
propriedades rurais etc.), doações, cessões e transferências de bens, certidões de ado­
ção e de reconhecim ento de paternidade, contratos nupciais, cartas de alforria e as­
sim por dian te.
Ricas pela diversidade de sua docum entação, essas m inutas cartoriais nem sempre
apresentam dados hom ogêneos e passíveis de quantificação, a não ser nos casos das
cartas dc alforria. D ois exem plos — os contratos de venda ou locação de imóveis e os
contratos nupciais — bastam para dem onstrá-lo. Os prim eiros às vezes fornecem a
superfície ocupada pelo im óvel, às vezes apenas os nomes das casas vizinhas. O núm e­
ro de andares dos sobrados quase nunca está indicado, dificultando a avaliação do
valor da transação efetuada; a idade e a qualificação dos contratantes nunca são men­
cionadas. No outro caso, trata-se de certidões — verdadeiros contratos legais — que
atestam o recebim ento, por um a m ulher, de um dote de sua fam ília ou de seu futuro
esposo e estabelecem o regim e de bens e as regras de sucessão no caso de falecimento
de um cônjuge. E m bora não possam ser quantificados, os dados contidos nesse tipo de
docum ento não deixam de ter algum interesse, pois deixam entrever a trama de rela­
ções sociais e num erosas facetas do com portam ento e da m entalidade dos baianos.
Os livros de tabeliães cobrem um período de mais de duzentos anos, mas as séries
de testam entos e inventários só se tornam estatisticam enre interessantes no século
XIX. Seus dados tam bém não são quantificáveis e o penodo contemplado acaba por
reduzir-se a 1 8 0 0 -1 8 9 0 , fora do qual não encontrei nenhum a contribuição importan­
te nos Arquivos do Estado da Bahia. Examinei m etodicam ente três acervos ali guarda­
dos: o Registro d e testam entos da con tadoria da Caixa P rovin cia l (21 volumes, 183/ —
1891), onde aparecem apenas cláusulas testam entárias concernentes aos herdeiros que
pagavam impostos de sucessão; a série Guarda N acional, instituição param ílitar fun
dada cm 1831; c a Q ualificação d e votantes , que, enrre outros documentos de caráter
adm inistrativo, contém listas eleitorais.
No Registro aparecem informações complcmentarcs àquelas fornecidas pelas series
dos testamentos e inventários post mortem. Nos outros casos, tem-se informação farta,
preciosa c rara sobre a população livre (nomes, prenomes, idades, profissões e rendas
anuais, reaís ou presumidas). Essas duas últimas séries teriam dado importante contri­
buição à história econômica e social se contivessem documentos referentes à cidade de
32 B a h ia , S é c u l o XIX

Salvador. M as, para m inha decepção, isso ocorre de modo esporádico e, mesmo assim,
apenas nas listas eleitorais. Só na Q tialificação d e votantes encontrei restos do recen-
seamenro de 1855, concernente à capital.
Também consultei outros acervos, mas sua enum eração seria entediante. Fica o
leitor convidado a consultar as referências que se encontram no final deste livro.
Apenas duas séries apresentaram as condições necessárias para servir de base à quan­
tificação estatística: os inventários p o st m ortem (1 8 0 0 -1 8 9 9 ), que perm itiram um
estudo sobre as fortunas, e as cartas de alforria (1 7 4 9 -1 8 8 8 ), que possibilitaram le­
vantar a que preço, no sentido próprio e no figurado, os escravos conquistavam a
liberdade. No âm bito dessa pesquisa, no entanto, não valorizei apenas os dados que
podiam ser quantificados. A leitura de centenas dc inventários p o st m ortem , milhares
de testamentos e outras tantas cartas de alforria me esclareceu comportam entos de­
term inantes das relações sociais, acim a das divisões devidas às diferenças de raça,
cor e fortuna. Apareceram os principais traços da m entalidade dos baianos. Justa­
mente porque não pôde ser quantificada, essa parte da história — que não deixa de
ser um a história dos acontecim entos — enriqueceu singularm ente m inha compre­
ensão do passado.
É cruel a ausência de guias e catálogos nos A rquivos M unicipais de Salvador e no
Arquivo do Estado da Bahia, cujos acervos são m uito ricos mas, com exceção dos
volumes encadernados, não estão catalogados. Até 1969, a m unicipalidade de Salva­
dor publicou numerosos docum entos, referentes apenas ao período colonial, agrupa­
dos sob o título geral de D ocum entos históricos do A rquivo M unicipal. A série mais
importante é a das Atas da C âm ara, m inutas das reuniões do Conselho M unicipal,
publicadas em sete volumes que saíram entre 1941 e 1969, cobrindo um período que
vai até 1710. Faltou verba para prosseguir o trabalho. Embora a coleção manuscrita
dessas atas esteja com pleta, não a utilizei,
Toda a documentação referente à vida econôm ica e social da cidade — que, como
pude constatar, cobre o período de fins do século XVIII a fins do século XIX — estava
amontoada no chão de um depósito que visitei em 1979. Não sei dizer se já recebeu
destino melhor. Na ocasião, desisti de utilizá-la, pois qualquer tentativa nesse sentido
demandaria esforço insano; um a prim eira classificação exigiria vários anos de trabalho.
Mas reservei a série Escrituras de escravos (1847—1887), organizada em forma de vo­
lumes e formada por documentos relativos à locação de serviços da mão-de-obra
escrava. Além disso, alguns aspectos da vida com unitária de Salvador ficaram mais
claros depois da consulta a um volume manuscrito — o único que pude localizar —*
da coleção intitulada Livro d e posturas m unicipais (1829—1859).
Os arquivos da Santa Casa da M isericórdia, bem conservados, apresentavam dois
acervos principais: documentos referentes à administração geral dessa instituição e
documentos contábeis. Estes últimos me interessavam muito, pois essa confraria leiga
possuía um hospital desde a época de sua fundação (1550), cuidara por muito tempo
de crianças abandonadas e, no início do século XVIII, criara um asilo para mulheres.
Introdução

Pegue, im ediatam enre os L.vros d e receita e despesa, cuja série começa no fim do século
m“ . l0gO ':er; rKl UCÍ su“ informações eram muiro gerais, limitando-se às
somas totais recebidas c gastas pela instituição. Referências constantes a maços' insi­
nuavam que essas contas sc baseavam em documentos que não constavam do resumido
catalogo manuscrito que eu consultara, nem tampouco estavam na sala dos arquivos.
Só os encontrei no sótão dc um belo casarão do século XVII. Eram milhares de
páginas, com prim idas um as às outras e am arradas com barbantes. Para retirá-las dc iá,
tive que u tilizar um a escada de pintor e, para consultá-los, foi preciso lim par uma
poeira, literalm en te, de séculos. V aleu a pena. Excetuando-se a década de 1830, cujos
dados não pude encontrar, esses docum entos forneceram regularm ente, para um pe­
ríodo de duzentos anos (1 7 5 0 a 1950), os preços mensais dos gêneros consumidos no
hospital e no asilo e as diárias cobradas pelos diversos artesãos encarregados da manu­
tenção ou de obras. A ssim , pude finalm ente estabelecer séries de preços (que cobrem
180 anos) e de salários (até 1829).
Para co n tro lar esses dados, recorri em seguida ao arquivo do Colégio dos Órfãos
de São Jo aq u im , fundado em 1826. Sua docum entação só se tom a realm ente sistemá­
tica a partir de 1840, form ando um a série m enor que a anterior. Mesmo assim, pude
perceber que os preços dos produtos alim entícios tinham , nos dois casos, a mesma
ordem de grandeza. Para o período posterior a 1840 tom ei como base os dados obtidos
com o estudo dos salários de algum as categorias de artesãos.
M inh as pesquisas nos arquivos baianos se encerraram aqui. Aliás, só puderam ser
realizadas graças à cu m p licid ad e dos diretores dessas instituições, aos esforços de diver­
sas categorias de funcionários e, sobretudo, a dezenas de estudantes voluntários, que
me ajudaram a lim p ar a poeira, classificar e copiar textos, chorando junto comigo a
destruição in vo lu n tária de alguns. Parcialm ente devorados por insetos, danificados
por tintas m uito ácidas, feitos com papel concentrador de um idade, vários documen­
tos se tornavam inutilizáveis depois da prim eira m anipulação.
Exam inam os cerca de quarenta m il docum entos para estabelecer nossas séries de
preços e salários; temos e resumimos 3.468 testamentos e 1.115 inventários j>ost mortem*
transcrevemos m ais dc dezesseis m il cartas de alforria. Não é preciso mencionar todos
os outros docum entos consultados sem resultados. Foram incalculáveis as horas gastas
nos arquivos citados e em outros, como os dos conventos do Desterro, do Carmo, de
São Francisco e de São Bento, que nada acrescentaram à nossa pesquisa.
Agora, com distanciam ento, que balanço posso fazer desse trabalho que, entre
1965 e 1980, consumiu milhares de horas em bibliotecas e arquivos? Consegui atingir
minhas metas? São perguntas que exigem uma avaliação de conjunto. Não tra ei
sozinha. Colegas meus, historiadores, concentraram-se em períodos diferentes e utili­
zaram outros acervos. Geógrafos, sociólogos c economistas conjugaram esforços, que
resultaram em certo número de teses c estudos, disponíveis desde fins da década de
1970, O que foi possível descobrir sobre as condições demográficas, econômicas e
sociais de Salvador e do Recôncavo?
B ahia , S éculo X IX
34

A pesquisa em dem ografia h istó rica resultou n u m a tese de terceiro ciclo , defen di­
da por Jo h ild o Lopes de A thayde em Paris. Ele analisou as onze p aróquias existentes
em Salvador no século XIX (1 8 0 0 -1 8 8 9 ), p artin d o de registros — tam bém inco m ple­
to s guardados nos arquivos da C ú ria M etro p o litan a. Pôde eviden ciar as três variáveis
já clássicas — nascim entos, casam entos e m ortes — segundo a m etodo logia proposta
por Louis H enry. A pesar de seu caráter um pouco geral, esse estudo con tém algum as
análises interessantes, centradas na p aróquia da Sé, a p rin cip al da cidade. As informações
disponíveis p erm itiram que o auto r analisasse o celib ato , a fecu n d id ad e e os problem as
ligados aos filhos ilegítim o s e às num erosas ep id em ias q u e assolaram a cidade em
m eados do século. É um trabalh o de gran d e m érito. M as não com p orta nenhum a
distinção no que diz respeito às condições legais (hom ens livres e escravos), à cor
(brancos, negros, m ulatos, índio s, caboclos), ao sexo ou à id ad e das pessoas. L am en­
tavelm ente, outros jovens historiadores n lo co n tin u aram essas pesquisas,21 A ssim , apesar
da nova visão que essa obra forneceu sobre certos aspectos demográficos da cidade de
Salvador, ain d a tivem os que usar an tigas avaliações sobre a p o pulação b aian a (até
1870 ) e esm iuçar os recenseam entos oficiais realizados a p artir de 1872.
Já é quase certo que a falta de fontes p rim árias im p o ssib ilitará grandes estudos
m acroeconôm icos e pesquisas m icroeco nô m icas precisas sobre a B ah ia do século XIX.
Os proprietários agrícolas — senhores de engenho ou sim p lesm en te fazendeiros — ,
as casas com erciais, as in dú strias e os bancos não conservaram seus papéis. N ão exis­
tem mais os livros de razão, as contas e a correspo ndên cia datados de antes de 1870.
Os posteriores, se escaparam às destruiçoes (sistem áticas ou inconscientes), perm anecem
cuidadosa e volun tariam ente escondidos.
Da m esm a form a, parece que será im possível m o n tar novas séries im portantes,
relativas à produção total, aos intercâm bios com erciais (realizados dentro da Província
ou com outras províncias), aos custos da produção, aos preços de bens de consum o
e de serviços, às emissões e à circulação m onetárias, aos m ovim entos de capital etc.
A reduzida docum entação estatística — que p erm itiu m o n tar séries incom pletas e com
poucas variáveis — foi pacientem ente reu n id a e p u b licad a pelo C entro de Pesquisas da
Secretaria de Planejam ento do Estado da B ah ia.22 A parte m ais antiga dessa docu­
mentação data da decada de 1850. Para os períodos anteriores, precisam os nos conten­
tar com dados m uito restritos, relacionados ao com ércio e à navegação. Nesse âm bito,
a tese da historiadora norte-am ericana C atherin e Lugar dá um a boa contribuição do
ponto de vista estatístico.25
Consegui enriquecer as séries referentes às variáveis econôm icas, agregando a elas
cinco outras séries: a dos preços de alguns gêneros alim entícios no m ercado de Salva­
dor ao longo de quase dois séculos ( 1750—1930); a dos preços da m ão-de-obra escrava
(1819-1888); a dos salários de algum as categorias de artesãos (1 8 0 0 -1 8 8 9 ); e a das
fortunas dos habitantes de Salvador (1 8 0 0 -1 8 8 9 ).24 Pobre diversidade de dados no
campo econômico, que só perm ite demonstrações lim itadas a ordens de grandeza e
aseadas em fontes freqüentemente restritas; e que induz o historiador a trocar a
In t r o d u ç ã o

hisrória econôm ica em sentido estriro por uma história mais social que econôm ica. Foi
este o meu caso, sem elhante ao de numerosos colegas que trabalham com a Bahia.
Se a escassez, de fontes justihea um certo desinteresse pela história econôm ica, não
se pode dizer o mesmo no que diz respeito á dem ografia histórica, tema fundam ental
em m atéria de hisrória social. 1 cria sido necessário fazer um esforço para estudar, pelo
menos, uma paróquia, registrando as curvas de nascim entos, casamentos e mortes,
analisando o celibato e a íecundidadc, aprendendo, cm sum a, métodos e técnicas que,
por hdta de um a formação correta, não chegaram a inreressar aos jovens historiadores
batanos. Esres preferiram tem as que pudessem ser pesquisados cm documentação
menos árida e mais acessível e que apresentassem resultados mais sugestivos, mais
im ediatos e m ais espetacu lares. O desenvolvim ento de um a história social não
demográfica tam bém correspondia a necessidades im ediatas. U m a curiosidade im pelia
os pesquisadores a tentar com preender m elhor a organização social de Salvador, seus
conflitos e acom odações, dentro de um a problem ática que, m uitas vezes, desembocava
em hipóteses de trabalho cujos pressupostos teóricos — como, por exemplo, a luta de
classes, mesmo sem con sciên cia de classe — podem trazer um a preciosa contribuição
à historiografia.
D istanciados das grandes preocupações teóricas, concentrados sobretudo no pe­
ríodo colonial, os historiadores ingleses e norte-am ericanos continuavam suas pes­
quisas, m etodologicam ente sólidas e extensam ente docum entadas, que tinham como
eixo a história social de Salvador e do Recôncavo. M in h a história social do século
XIX encontrava, assim , suas bases no tem po. N a verdade, várias vertentes enrique­
ceram m eu conhecim ento: a indispensável historiografia tradicional, a nova produ­
ção histórica baiana, a con tribuição norte-am ericana e inglesa e os numerosos estu­
dos consagrados à B ahia pelos franceses Roger Bastide e Pierre Verger. Mas meu
trabalho não é a som a destes. De um lado, dediquei-m e a um a problem ática resul­
tante de m inhas próprias perplexidades e de trin ta anos consagrados a observar Sal­
vador, que passou rapidam ente, dian te de meus olhos, de sciscentos md a dois m i­
lhões de habitantes e do im obilism o à m odernidade; de outro, fiz pesquisas próprias.
A abordagem que apresento aqui é, inclusive, diferente da que aparece cm minhas
publicações precedentes.25
M inha pergunta básica há alguns anos se resumia em algo bastante simples: por
que e como a orgulhosa capital da opulenta Bahia do fim do século XVIII, dominada
pelos ricos senhores dc engenho do Recôncavo, conhecidos até na longínqua Europa,
transformou-se lentam ente, até se tornar, ccm anos depois, numa simples cidade de
negociantes? Note-se que a transferência da capital do Brasil, em 1763, de Salvador
para o Rio dc Janeiro, nao correspondeu a um a tomada de consciência do progresso
do Sul ou dc uma decadência qualquer do Nordeste. Tal medida foi imposta unica­
mente por necessidades im ediatas: aproximar o centro de comando e os exércitos que
lutavam no Sul conrra os espanhóis e vigiar melhor o porto do Rio, por onde passavam
as exportações de ouro dc M inas Gerais, Mato Grosso e Goiás.
36 B a h ia , S é c u l o XIX

Ao examinar aquela transformação desde um ponto de vista que privilegiava o


fator econômico sobre o social, encontrei respostas que me abriram novos horizontes,
pois apareceram problemas básicos que não consegui solucionar. C oncluí então que,
primeiro, era preciso desvendar a tram a social da Bahia, resultante de encontros de
homens e de etnias, de tradições e de crenças, de costumes e de m entalidades comple­
tamente opostos na aparência. Respondi algum as dessas perguntas, mostrando o papel
desempenhado pela fam ília e as confrarias religiosas que restringiam as relações sociais
e, no entanto, eram centros de solidariedade. M as essas pesquisas repousavam em
bases frágeis, e o solo sob meus pés nao era firm e o bastante para que eu pudesse
avançar com segurança em direção a um a boa explicação.
Era preciso encontrar respostas e aprofundar m inhas análises, de modo a fazer
sobressair mais claram ente as estruturas e hierarquias, o papel das elites, dos ricos, dos
pobres, dos livres e dos escravos, o lugar da Igreja e o peso da explosão demográfica.
Relações sociais aparentem ente tão pouco conflitantes e solidariedades que, de fora,
pareciam tão harmoniosas e sólidas revelariam suas falhas e sombras? O u estas falhas
e sombras tinham encontrado um equilíbrio estável, am arrado a ponto de não deixar
espaço para nenhum a evolução verdadeiram ente construtiva?
Admitamos que se demonstrasse correta a hipótese da im agem associativa da
sociedade baiana — um a sociedade na qual uns dependem dos outros e cada grupo se
integra conforme pertença ao m undo dos livres ou dos escravos, ou ao m undo dos
brancos, dos negros ou mulatos. Nesse caso, a qualidade dessas relações sociais poderia
ser reveladora de estruturas mentais em que os preconceitos e a m em ória coletiva de
todos teriam desempenhado um papel conservador? Essas características das m entali­
dades poderiam ter funcionado como freio ao surgim ento de novas elites, como aque­
las que, nos diversos patamares da escala social, im pulsionaram a Europa O cidental e
a América do Norte? Em outros termos, essas solidariedades tutelares e benfazejas, que
produziram as dependências, teriam sido um obstáculo ao aparecim ento de elites mais
empreendedoras? Poderíamos explicar a decadência da Bahia pela profusão de ‘mimos’
herdados da tradição portuguesa, ou então por uma contribuição africana esclerosada
pelo sistema escravocrata, que a teria impedido de explorar sua força e suas riquezas?
O Estado e a Igreja teriam contribuído para reforçar esses laços de dependência,
asfixiando as ações individuais e a dinâm ica social?
Questões essenciais, que não deviam ser colocadas no âmbito da história de uma
cidade, ou de uma cidade e sua hinterlândia, mas no da hisrória de toda uma imensa
Província. Aliás, se os homens da capital e do Recôncavo se voltam para o oceano sem
fim, eles também contam com os vastos recursos do Agreste e do Sertão, regiões cujo
desenvolvimento histórico foi ainda menos estudado do que o das terras litorâneas.
Aínda na década dc 1950, os baianos estavam convencidos de que o solo do interior
era constituído por massapês fartos e férteis, embora não fossem nem tão fartos como
íziam os antigos proprietários de plantações de cana-de-açúcar, nem tão férteis quan­
to esejava o imaginário local, que transforma os sertões em reservas de miragens.
IS*T R 0D I'Ç \0 57

Na medida do possível, tentei ligar o mundo urbano ao mundo rural, relacionar


Salvador — porco e cidadc-jardim — ao interior, próximo ou longínquo, vasta reser­
va, jamais esquecida, percorrida para l i c para cá por homens, anim ais e mercadorias.
O estudo geográfico d ‘ Or dons e as arm adilhas da naturezit {Livro I), assim como a
tenrativa de captar O p eso dos hom em na demografia regional e na estrutura e vida
d 'd fam ilia ha ia na (Livros II c III), atendem a esse imperativo, Da mesma forma, nos
Livros I\ e \ , m inhas descrições d O hstado: organização e exercício dos poderes e das
expectativas d A Igreja, através do clero e dos fiéis, adotam alternativamente o ponto
dc vista do provincial e do ciradino. Q uando abordo O cotidiano dos hom ens que
produziam e trocavam ou estudo O dinh eiro dos baianos , meu trabalho fica mais cenrrado
em realidades que o grande porto-capital e seus habitantes conhecem melhor. Mas,
sempre que possível, enveredei pelo cam inho das plantações e realizei sobrevòos, para
tentar mostrar as diferenças entre terras do litoral e do interior,
Apesar de alguns títulos enganadores de trabalhos que constam da bibliografia,
não há nenhum a história de cidade brasileira. Neste livro, espero que seja possível
descobrir a história de Salvador, núcleo forte em torno do qual se desenvolveu toda
uma Província. Um a história que tem lim ites cronológicos precisos entre os anos de
1800 e 1889 (Proclam ação da R epública), mas que perm anece profundamente enrai­
zada no passado colonial dos séculos XVI, XVII e XVIII. Para compreender o Império,
tentei captar a herança colonial com ida nas leis, na formação das elites, na Igreja.
Tam bém pude seguir as trajetórias pessoais de uns seiscentos personagens (altos
funcionários, integrantes do alto clero, negociantes e senhores de engenho). Consegui,
sobretudo, contar m uitas histórias de vidas hum ildes. Q uantifiquei o que foi possível,
propus gráficos, mas, pela variedade das situações retratadas, quase todos os casos são
exemplares, no sentido qualitativo do termo. Registro, aliás, que muitos dados que
forneço resultam de elaborações sim ples, que não contêm generalizações, nem consti­
tuem tentativas de estabelecer modelos alicerçados sobre as bases frágeis de uma docu­
mentação que, como disse antes, apresenta lacunas.
No estudo dos preços praticados em Salvador, evoquei estudos equivalentes, rea­
lizados no Rio de Janeiro. Foi exceção. No m ais, não quis ultrapassar os limites da
Bahia, para aprofundar m elhor o m aterial de que dispunha e não comparar pesquisas
quase sempre incom pletas e em preendidas de maneira desigual. Os estudos demográ­
ficos, por exemplo, estão m uito mais adiantados cm estados do Sul do que na Bahia,
para a. qual só consegui elucidar algum as questões. Ein contrapartida, até hoje a Igreja
é tão mal estudada ali quanto nas outras regiões do Brasil. Tentei não eludir nenhum
aspecto dos graves problemas encontrados por populações de origens tão diversas e por
um clero tão dividido entre, dc um lado, as exigências da hierarquia ou do Estado e,
de outro, ovelhas cuja fé vibrante talvez não compensasse seu analfabetismo. Uma
parte desse clero está tão próxima dc seu povo, enquanto outra parte é tão diferente
dele! Como poderia orientar-se uma Igreja prisioneira de modelos europeus? Sua linha
pastoral saberia corresponder ás expectativas de seu rebanho?
B ah ia , S éculo X I X
38

Perguntas, entre centenas de outras. T odas as m inhas interrogações m e im peli­


ram, finalm ente, para o estudo do dinheiro dos baianos, tem a que pude aprofundar
graças à m oderna inform ática. O nde podem os encontrar esse d in h eiro, indispensável
para a sobrevivência? Foi ele a base das estratificações sociais? A evolução das fortunas
de Salvador perm itiria m elhor form ulação de nossas perguntas iniciais, revelando uma
pobreza tranqüila, que se deixava em balar p or uma riqueza solidária?
No início, meu objetivo era am bicioso. M u ito am bicioso. Espero que não se
tenha revelado pretensioso. O xalá tenha conseguido, antes de mais nada, fazer reviver
essa população anônim a e cativante, cujos filhos e netos me acolheram na Bahia
dos anos 50.
LIVRO I

Os D ons e as A r m a d il h a s
da N atureza
CAPÍ TULO 1

A B a h ia

Bahia? A cidade ou a Província? É im possível escapar dessa am bigüidade. C om efeito,


quando A m érico V espúcio deu o nom e de São Salvador da B ahia de Todos os Santos
à baía que acabara de descobrir, tin h a sim plesm ente a intenção de hom enagear o dia .
de Todos os Santos de 1503 e de agradecer a C risto a feliz travessia e a descoberta de
um porto m agnífico onde poderia, ao abrigo dos ventos e das vagas, descansar e
reabastecer-se de água.
Desde então, a C a p ita n ia — que se tornou Província com a prim eira C onstitui­
ção brasileira (1 8 2 4 ) e depois Estado com a R epública (18 89 ) — sempre se chamou
Bahia. M as, até o fim do século passado, sua cap ital teve, sim ultaneam ente, sete
denom inações, resultantes de com binações das oito palavras contidas em seu nome
de batism o: São Salvador, Salvador, Salvador da B ahia, B ahia, Bahia de Todos os
Santos e, enfim , São Salvador da B ahia de Todos os Santos. H oje, as adm inistrações
"V
sim plificadoras decidiram que a cidade se cham a Salvador. M as seus habitantes nun­
ca deixaram de cham á-la B ahia. A ^
Salvador se ergue com arrogância sobre um a costa rochosa, verdadeiro prom ont ó - . C .,
rioxom setenta metros dc altura, que fecha e dom ina um a am pla baía semeada de ilhas j
c ilhotas. N o início do século passado, era a vitrine das riquezas e misérias de u m ) í
imenso Interior ainda mal conhecido. Lisboa tentava im prim ir seu ritmo a Salvador, 'y ; Ç
mas a cidade perm anecia, essencialm ente, a voz c os olhos de uma região tão vasta ) ^
quanto a França. O crescim ento da cidade foi fruto de uma tríplice bênção: um local ?
protegido em uma baía segura, larga e profunda; umajhinrerlândia próxima, o Recôncavo :
que envolve a cidade c que foi por cia gerado; enfim , as imensas possibilidades das ^
terras tropicais situadas enrre 1 0 o c 18° de latitude sul. É mister descrever os espaços j
físicos, os climas e as vegetações naturais da região, para tentar compreender que
riquezas ela foi capaz dc prometer, que vida pôde oferecer c a que preço.
A época das trilhas c dos atalhos, em que as distâncias eram calculadas em dias de .
marcha, perm itiu que se conhecessem as formas e paisagens. A rapidez dos transportes

41
42 B a h ia , SC c u l o X I X

ferroviários ou do automóvel poderia ter suscitado e favorecido pesquisas realmente


novas. Mas, ate data relativamente recente, não se fez nenhum esforço profundo no
, sentido de compreender a geografia dos sítios. O que se ignorava em 1930 era seme-
; lhante ao que se ignorava em 1830, época cm que só se conheciam as terras percorridas
;o u ocupadas. O mistério começava onde acabavam a via férrea, as terras cultivadas, o
pasto e o horizonte que o homem descortinava de um a colina. O baiano do século
passado tinha total consciência desse desconhecimento, porque vivia preso à terra, ao
ritmo das estações e a uma perpétua tentativa dc se adaptar àquela gleba, da qual era
preciso retirar alimento e vida.
Hoje, graças ao radar, a Bahia está sendo explorada do alto dos céus, em busca
das riquezas minerais que encerra e de explicações para suas formações geológicas.
Seus solos, já analisados, são pobres em sais m inerais e em cálcio. Esses estudos
demonstraram os abismos de nossa ignorância no que diz respeito à história morfo-
lógica da região e a insuficiência de nossos conhecimentos em relação às mil e uma
facetas de seus climas. As riquezas de sua flora já foram descritas há m uito tempo,
mas o porquê e o como do êxito de tal ou qual cultura ainda são objeto de estudos
em laboratório. É com o apoio dessas novas pesquisas que se tentará descrever e
compreender as terras do interior, que perm itiram o desenvolvimento e o cresci­
mento da cidade de Salvador.
A Salvador dos séculos passados não foí a aranha que teceu a teia de sua Província.
Foi, antes, boca e desembocadouro, base e refúgio. Da cidade — mais precisamente,
dela e de seu Recôncavo -— partiam os principais caminhos e as ordens dos poderosos,
funcionários ou grandes comerciantes. Unidas, im bricadas, as duas áreas sempre for­
maram um todo, enfrentando juntas quaisquer circunstâncias. Como o Recôncavo
está voltado para o mar, sua orla e seus rios foram a própria vida da Província. Daí, o
grande peso que lhe deve ser atribuído ao descrever-se a Bahia como um rodo; daí,
também, sua importância na descrição do meio natural da região.

A C idade

Scntineia avançada da Bahia de Todos os Santos, entende-se por Cidade da Bahia,


/ neste trabalho, aquela que se situa dentro dos limites do atual município de Salvador.5
j A leste, esses limites partem da praía oceânica de Ipitanga; ao norte, atingem o fundo
da baía de Aratu. A seguir, prolongam-se pela orla norte do canal de Cotejipe, incor-
; porando todas as praias costeiras até a ponta do Passé. A partir daí, os limites muni-
ctpais vão, cm linha reta, por mar, dc nordeste a sudoeste, até dois quilômetros ao
largo de Bom Despacho, em Itaparica, onde a profundidade atinge quarenta metros,
e de lá, finalmente, à ponta dc Santo Antônio. O município dc Salvador compreende,
assim, ao norte, a grande ilha da Maré e suas ilhotas. Abrange igualmente vasta
extensão de mar interior que, onde é mais largo, chega a quinze quilômetros, entre
Ln r o l - Os D o n s e as A r m a d il h a s d a N atvreza
43

Plataform a, no continente, e o extremo leste do m unicípio, ao largo de Bom Despa­


cho. Esse m ar m unicipal parece o tridente de N etuno, entre cujos dentes emergiram
as elevações da ilha da M aré e as penínsulas de Aratu e M atoim .

A P ro víncia ,

Desde a fundação de Salvador, em 1549, até os nossos dias, a Bahia teve três denom i­
nações diferentes. C om o C ap itan ia Geral da Bahia de Todos os Santos, foi sede do
governo colonial português até a transferência deste para o Rio de Janeiro em 1763.
£m 1815, com a transform ação do Brasil em Reino U nido a Portugal e Algarves,
passou, como todas as dez capitanias gerais antes existentes (e sem que houvesse
_ qualquer legislação específica a respeito), a ser cham ada, indiferentem ente, decap ita-
nia ou província. Em 1824, com a prom ulgação da prim eira Constituição brasileira,
?r-? . tornou-se oficialm ente P rovíncia da B ahia, um a das dezenove províncias do Império.
' ^ [Vi," Em 1889, com a Proclam ação da R epública, foi o JEstado da Bahia^um dos vinte
■ ç estados federados dos Estados U nidos do B rasil,2
Sob essas denom inações encobrem -se realidades diferentes, herdadas de uma
história que é relativam en te sim ples. N a origem estão cinco capitanias hereditárias,
concedidas pelos reis de Portugal entre 1534 e 1566: dom João III concedeu a
. Francisco Pereira C o u tin h o , em 5 de abril de 1534, a .Capitania da Bahia, depois
, ú cedida à C oroa e transform ada em sede do governo geral a partir de 1549; a Pero
1do Cam po T o u rin h o , concedeu a C ap itan ia de Porto Seguroy em 27 de maio de
1 1534; a Jorge de Figueiredo C orreia, a ,Cap_kama de Ilhé_us jem 26 de julho de 1534;
^ e a A ntônio de A taíde, C onde de C astanheiras, a,C apÍtania das Ilhas de Itaparica e
I T am arandiva em 15 de m arço de 1556. Dom Sebastião concedeu a Ç apitania do
| Paraguaçu, ou do Recôncavo, a Álvaro da Costa em 29 de março de 1566.^ As duas
' últim as eram antigas sesm arias da C ap itan ia da Bahia.
Na segunda m etade do século XVIII, as capitanias de Paraguaçu, Itaparica, Porto
i Seguro e Ilhéus foram incorporadas à C apitania Geral da Bahia que, no início do
,/r, século XIX, estava dividida em seis comarcas: .a da capital .(que compreendia a cidade
j de Salvador e seu Recôncavo), . g d e l jhéus(va de Porto Seguro,' a de Jacobina,(que
I cobria a m aior parte do Sertão),m de Sergipe dei R ei,eva do Espírito Santo (as duas
últim as eram capitanias subalternas). Cada comarca (divisão administrativa de caráter
C. judiciário, colocada sob a jurisdição de um ouvidor, substituído depois da Indepen
dêncla por juizes dc direito) podia abranger vários municípios.
/ Na terceira década tio século XIX, houve alguns remanejainentos administrativos:
f i cm 8 de julho dc 1820, a pequena comarca dc Sergipe, com seus 21.994 km , tornou
| j se capitania autônoma. São Cristóvão, sua antiga e indolente capital colonial, fundada
: | em 1590, mostrou-se incapaz dc vencer uma letargia secular e foi substituída pelo
\ porto de Aracaju, de características mais dinâmicas. Depois, em 1822, durante a
44 B ah ia , S éculo X IX

G uerra da Independência, a povoação de São M ateu s, situ ad a no extrem o sul do litoral


da Província da B ahia, optou por fazer parte da P ro víncia do E spírito San to, que
tam bém se tornara autônom a. M as, em 1827, foi inco rpo rada à P ro víncia da B ahia a
com arca do São Francisco, 1 20 ,0 0 0 k m 2 de terras situ ad as além do rio São Francisco,
retiradas da Província de Pernam buco, red u zid a a pouco m ais da m etade dc seu antigo
território com o conseqüência da sua p articip ação no m o vim ento separatista que ficou
conhecido com o C onfederação do E quador. A pesar d a perda de Sergip e dei R ei e de
São M ateus, a B ahia saiu gan h an d o nessas trocas, já q ue sua sup erfície passou de
4 6 5 .0 0 0 k m 2 a pouco m ais de 5 6 3 .0 0 0 k m 2.
D efinidos esses lim ites, não houve m ais n en h u m a m o dificação de v u lto . Todavia,
só entre 1919 e 1926, já no período rep u b lican o , o E stado d a B ah ia assinou os acordos
com os estados de M in as G erais, E spírito San to , G oiás, P iau í, P ernam buco e Sergipe,
pondo fim a m ais de um século de contestações sobre lim ite s .5
S alvador

M o r f o l o g ia d o S ít io

A história geológica m arca profundam ente o sítio em que está Salvador. Todo um
sistema de falhas num h orst (com partim ento de solos duros, elevados entre falhas)
cristalino fez com que os trajetos dos rios apresentassem cotovelos em ângulo reto.
0 fundo da baía é form ado, em sua totalidade, por rochas sedím entárias. Só se encon­
tram rochas cristalinas no con tinen te e no m ar aberto.
( A ponta sul da pen ínsula em que se ergue a cidade tem a forma de um losango,
l cuja orla oeste corre, exatam ente, ao longo de um a falha im ensa que se chama fa lh a
' d e Salvador. Seguindo a direção sudoeste-nordeste, ela separa o cristalino antigo e a
í bacia sedim entária jurássico-cretácea. É um horst cujo gra b en (fosso tectônico) é a baía.
. O outro lábio dessa im ensa falha deve sex ^procurado no lado oposto d_a baía, no lim ite
sudoeste do Recôncavo. ^ K-
O abrupto prom ontório em que‘ se ancorou a C idade A lta corresponde aos 60 a
1.10 metros superiores, ain d a visíveis, dos rebordos desse enorme escarpamento da
falha, ao longo do qual o m ar, por seus avanços e recuos, abandonou uma enseada
J submersa, u m au iíi, Com o a parte fronteira da falha de Salvador costeia a orla, restou
à Cidade Baixa apenas um a praia estreita, que vai da Conceição da Praia ató São
^Joaquim. Só mais adiante, com Itapajípe, Plataform a, Peripcri e Paripe, subindo no-
■vamente para Aratu c o norte da baía, ó que os terrenos sedim entários emersos formam
1 pequenas planícies costeiras ao pá do escarpamento da falha principal.
Em seu conjunto, o horst cristalino apresenta uma mesma inclinação geral, com
suave declive na direção do sudoeste, rumo ao Atlântico. Para o mar aberto correm
seus rios, mesmo nos casos em que as nascentes destes se encontram a pouca distância
do mar interior. Os rios das terras scdqhentárias do noroeste, por sua vez, são curtos
e correm para a baía. Por conseguinte,/a rede hidrográfica e a topografia são comple­
xas. A inclinação do horst para o Atlân :iico é ocultada por um relevo cheio de detalhes
46 B a h ia , S é c u l o X I X

acidentados, com vales, várzeas e curvas de nível que variam entre trinta e sessenta
metros, com pontos máximos de 90 ou 110 metros e declives de até 45 .
De superfície desarticulada e acidentada, o horst term ina, ao aproximar-se do
( Atlântico, cm um cinturão de dunas recentes, formadas por areias originadas da de­
' composição de seus-quartzos. Brancas colinas, deslum brantes à luz do sol, com vinte
1 a trinta metros da altura, essas dunas, por causa da variação dos ventos dc alto-mar,
: não têm qualquer orientação preferencial e costeiam toda a orla oceânica até o norte
do rio Joanes, m uito além dos lim ites m unicipais. M al encobertas por uma vegetação
rasa e pobre, lembram uma paisagem de neve, bastante inesperada para o viajante cujo
avião vai aterrissar no aeroporto vizinho: de um lado, palm eiras ondulam com a brisa
do mar; de outro, um a brancura de neve. bogo ao chegar, tem-se assim um a boa idéia
dos contrastes dessa terra rude e forte.

S olos e Á guas

Pode um sítio desse tipo oferecer boa acolhida a um a cidade de colinas e várzeas? Um
porto protegido por enorme baía, situação privilegiada deste lado do Atlântico, é
importante trunfo para o desenvolvimento de um a capital. Mas qual será o valor dos
solos dessa cidade-jardim que, até o século XIX, produzia, ela mesma, um a parte das
frutas e das leguminosas que consumia?
Á Abaixo de oitenta metros de altitude, os solos do horst surgiram da alteração
das rochas cristalinas: são, sobretudo, argilosos (caulinizados), mas firmes, Se horí-
$ ""j zontais, têm um a certa estabilidade, mas, nos declives m ais inclinados, ocorrem fre­
J
qüentes deslizamentos de terreno após chuvas fortes. A inda hoje, algum as ruas sao
i:conhecidas pela instabilidade. Acima de oitenta metros encontra-se uma camada quase
Xv horizontal de sedimentos idênticos àqueles da região baixa, também qurássico-cretácea,
que vai do fundo da baía ao noroeste da cidade. Essas argilas margosas, escorrega-
.,-4 dias, são ruins para os alicerces das casas, mas excelentes para as culturas, A rocha
^ matriz do horst possui todos os elementos nutritivos necessários às plantas, inciu-
J sivc o cálcio, mas os solos de decomposição antiga são lavados pela erosão, cabendo
■às raízes profundas distribuir internam ente a alim entação necessária ao vegetal,
p As chuvas c o vento marinho trazem o iodo e o potássio. Sol e chuva nunca faltam.
_0 subsolo é um verdadeiro reservatório de água para uma vegetação tropical úmida
epuxuriantci
Assim e esta é uma das armadilhas da natureza — as terras onde foi edificada
a cidade de Salvador são boas para hortas e pomares, mas não são recomendáveis para
construção. Até o declive mais íngreme, o do reverso da falha, desce em pequenos
egraus para a praia ou dirigc-sc para o norte, alcançando os terrenos sedimentários e
o erecendo, aos bananais c às culturas dc árvores frutíferas, uma exposição magnífica
ao sol nascente.
Ln- R o I - Q s D o n s e as A r m a d il h a s d a N atureza

M as o principal é que — esta a imensa riqueza da Cidade Alta — há água em toda


parte Com efeito, o solo cristalino do horst é impermeável, mas a espessa camada
oriunda de sua decomposição é extremamente porosa, servindo de reservatório a águas
sempre renovadas nesse clim a úmido. A porosidade do solo é de cerca de 20% (cada
.metro cúbico é capaz de conter duzentos litros de água) e sua espessura média é de
vinte metros (freqüentem ente atinge mais de trinta metros). É fácil imaginar o enorme
reservatório representado pelo solo da Cidade Alta: é só cavar para ter um poço. Basta
um afloram ento, ao contato com a rocha matriz e com seu solo em decomposição, %
para ver jorrar um a nascente. Os m ananciais e as fontes estão em toda parte em Ça ' ^
Salvador, na base do horst como nas trilhas da menor fratura, do menor deslocamento
de terreno, do m ais insignificante vaie. São águas cristalinas, filtradas naturalmente,
ricas em sais m inerais.1 Rios com vales estreitos favorecem os reservatórios naturais ou
artificiais, como o Pituaçu e o Ipitanga.
Salvador é a cidade das m il fontes. U m a cidade úm ida, onde o grau higrométrico
do ar pode subir até quase 100% , mas onde o mar onipresente e a orientação di- t -V ,
versificada dos vales favorecem ventos fracos mais refrescantes, verdadeiras correntes ;
de ar naturais que tendem a descer pelas colinas, a soprar de ou para o alto-mar. Sítio \
em que a ecologia natural favoreceu a fixação de colonos, Salvador é verdadeiramente J
a cidade de Todos os Santos, que lhe deram bênção e proteção.

A B a Ia e o P orto .

As conquistas da arte da navegação, a utilização de barcos a vapor para as longas


travessias e, em 1808, a abertura dos portos brasileiros às nações amigas modificaram, . ^ “'■*'
sem dúvida, o panoram a das navegações transatlânticas.2 Mas foram transformações ( pA(vVoe- -
Jentas. No século XIX, os navegadores já acumulavam um bom conhecimento do
regime dos ventos e das correntes em todos os mares do mundo e, além disso, dispu- &
nham dos itinerários do T enente M aury, aconselhados aos numerosos veleiros que
ainda -singravam;os mares.3 Esses itinerários, aliás, quase não diferiam daqueles dos
séculos XVII e XVI1J. O cronômetro m arítim o, ínstrumenro que permitia a determi­
nação da longitude em alto-m ar, criado e aperfeiçoado no decorrer do século XVIIfi ^
só passou a scr utilizado pelos navios mercantes na prim eira metade do século XIX. >
Mas, de modo geral, os conhecimentos geográficos haviam progredido, tornando mais
segura a navegação oceânica.
Com a m ultiplicação de contatos, o porto de Salvador passou a receber cada vez
mais navios que vinham descarregar mercadorias, carregar produtos locais e «abaste- jU
cer-se de água e de víveres. Eluxos e refluxos eram constantes, condiciona os pe a ^
situação dos mercados loeal, regionafie internacional, que alimentavam numerosa j ^
frota, de grandes e pequenas embarcações. Em 1868, por exemplo, entraram no porto
de Salvador 1.398 navios de alto-mail, dos quais 1.361 eram mercantes e 32 de guerra;
* V o
B ahia , S éculo X IX
48

« 6 0 u -( em 1871, ano de crise econôm ica, o núm ero caiu para 461 navios.5 Reabastecer navios
* ' b ] e tripulações tornou-se, por conseguinte, um a das funções de Salvador. Nos séculos
CJt' XVII e XVIII, os navios perm aneciam freqüentem ente três meses no porto para repa-
/ ros, para reabastecim ento, para esperar pela partida de um a frota ou por ventos favo­
ráveis. No século XIX, os navios já não aportavam m ais de duas ou três sem anas.6
A água doce, excelente e de fácil acesso, brota, com o vim os, em toda parte, de
> [(v/ modo que quase todas as casas têm seu poço. O com andante M ouchez, um francês a
~vlí? t. ^ q Uem devemos uma descrição m inuciosa do porto de Salvado r,7 explicou como era
° CÇvV) feito o reabastecim ento nas fontes da G am boa ou na de Á gua de M eninos, ao norte do
■*' / Arsenal, mas se queixou da falta de carne de v itela e de carneiro, bem como da má
qualidade da carne de boi e de frango. Em con trap artida, peixes, legum es e frutas —
. ; mangas, bananas, laranjas, abacaxis — eram excelentes. O utro viajante, Avé-Lallement,
rC° ^chegando do Rio de Janeiro em 1859 a bordo do navio P araná , descreveu assim o
■ m
,C m. . #
porto de Salvador, cham ando a atenção para a existência do banco de Santo Antônio:
^ BA entrada [da baía] é fácil e segura. A ajuda de um piloto ou de balizas não é ne­
cessária para indicar o trajeto a ser seguido. E ntretanto, logo ao sul da entrada, no
meio de um vasto espaço de águ a navegável, ergue-se um banco de areia [trata-se do
banco de Santo A ntônio] com apenas quinze pés de profundidade nas partes mais
elevadas, que as em barcações de grande calado devem ev itar.”8
Se os navios a vapor do século XIX entravam facilm ente na baía sem a ajuda de
^ pilotos locais, o mesmo não acontecia com os veleiros, de reações m ais lentas e muito
j mais dependentes dos ventos. Por essa razão, desde os prim eiros tempos da coíoníza-
^ Ção, navegadores exím ios eram enviados ao m orro de São Paulo, na ilha de Tinharé —
pequena colina que, em bora distante, dom ina a ‘barra falsa1, ao sul da entrada da baía
c\ y ' com o objetivo de vigiar o m ar e aguardar as frotas vindas do O riente para orientá-
■ na direção nordeste, rum o à verdadeira entrada da baía, que se podia atravessar com
^ relativa facilidade, indicada pelo farol de Santo A ntônio da B arra.9 Uma vez passada
a barra, a baía em si já parece um porto, o m aior do m undo. Os viajantes estrangeiros
chegavam a afirm ar que ele poderia conter todos os navios da T erra. 10
Na verdade, a baía é só um prim eiro abrigo. Ela não é o porto propriamente dito.
Este sc reduz a uma pequena enseada situada ao pé do horst onde se ergue a cidade.
\\ /^ a^or^agtm desse conjunto baía-porto não é tão fácil quanto parece. Antes e depois
Passa&cm da barra que guarda a baía, encalhes ou naufrágios podem ameaçar os
* í nav’í,s de grande calado que não tomarem cuidado com recifes e bancos de areia. Não
descreverei aqui, como o faz pormenorizadamente Mouchez, a maneira de evitar os
recifes dc Paraparingas, o banco dc areia de Santo Antônio, a pedra da Gamboa, o
banco da Panela, o recife c os bancos da Penha ou a carcaça do France, que se
incendiou e afundou cm 26 dc setembro dc 1856 e jaz a oito metros de profun­
didade. 11 Os testemunhos dos viajantes e navegadores do século XIX insistem na
generosidade da baía de Salvador, que oferece aos veleiros ou aos vapores a varie a
amistosa de seus ventos c a proteção de suas ilhas. .
L ^ 0* ^ D o v s £ Aí A r n l a d íl h a í PA N*ATVK.EZ.\

\ encidos rebites c bancos de areia, existem excelentes pontos de ancoragem, reser­


vados aos navios dc guerra: a sudoeste, o mais perto possível do Arsenal da M arinha,
aos navios de guerra brasileiros; um pouco mais longe, aos estrangeiros. Os navios
mercantes podem abrigar-se de todos os ventos perto do cais (se não tiverem medo de
m isturar sua aiu o ra u m i a do vizinho) ou um pouco mai.s ao largo (se não temerem
as dificuldades para carregar c descarregar). Nunca falta lugar, e não há razão para
recear mau tempo. Navios grandes e pequenos, em segurança uma vez transposta a
barra, estão ao abrigo de tempestades.
O navio que ficou m uito ao largo só é castigado pelo mar na hora da mudança da ^ -
mare. da lua nova ou cheia, ou quando os temporais de sudoeste coincidem com as ~ .
grandes marés. E preciso então esperar que lem anjá acalme as águas. Para maior
facilidade, convém aproveitar a brisa m atinal, regular na direção norte-nordeste. Com*
a maré descendente, ela traz rapidam ente as embarcações até o sul do banco de Santo
Antônio. Há, em seguida, algum as horas de calm aria, mas, lá pelas 10:00 ou ll:0 0 h
da m anha, com eça a soprar a brisa de lesre-sudeste, que dura até o pôr-do-sol — um
Sol que, nessa latitude, tem seu ocaso, o ano todo, entre 17:00 e 18:00h — e conduz
suavemente ao porto os navios que o dem andam . Depois, os ventos acalmam-se no- . .
vãmente; nesse caso, para alcançar o porto, o veleiro imprevidente deverá esperar as
21:0 Qh e as brisas noturnas.
A baía de Todos os Santos é um mar interior para as pequenas embarcações. Elas
não se aventuram aíém da barra que separa a baía e o oceano sem limites. Podem { ,v^.
ignorá-la fragatas, bergantins, grandes veleiros, grandes vapores vindos de além-ilhas. 1 '■
Mas são os hom ens do m ar do Recôncavo e da cidade de Salvador que garantem, com
seus barcos, as trocas cotidianas. M arinheiros das ilhas, das praias e das enseadas,
marinheiros de inúmeros cursos d ’água que penetram nas terras, pescadores, transpor-
radores — eles conhecem as riquezas de sua baía, mas conhecem também as traições' •
sempre possíveis de suas águas e ventos. São irmãos do lavrador, que planta a mandio- i ( ,
ca de que sc alim entam ou o fumo que transportam, além do algodão e do café.
Na baía de Todos os Santos, águas e terras entremeadas guardavam, consertavam,
reabasteciam, carregavam e descarregavam mais de mil embarcações dc todo tipo.1*
Dcscrcvê-las todas seria impossível: barcos rudimentares, canoas c botes; barcos de
tamanhos variados, que sc lançavam corajosamente ao mar, tendo a bordo um, dois ou ,, ( t
tfes homens; saveiros para transporte ou pesca, barcaças, tabuas, balcões, tanoeiros, j y
lanchas, sumacas c, principalm ente, jangadas de quatro troncos. Aguas, salgadas c m. ■> *■
doces, eram os caminhos percorridos por homens e mercadorias.
No século XIX, as vias terrestres eram precárias c insuficientes, mas havia água por s ’ 1 - '
■* l II I I t l 1tMl Ü á
toda parte. Os velhos saveiros, hoje transformados cm barcos dc lazer, Icmnram-sc ^
ainda dovpériplos de amanho, dos peixes espalhados c escolhidos na areia, dos fardos
descarregados em ancoradouros ou diretamente na praia, Km meados do século, a ç ^
pequena cabotagem começou a enfrentar a concorrência oficial de companhias de ^
navegação com sede cm Londres, que se beneficiavam dc privilégios para organizar f ^
W ' ■ '-t
^ .> .. . ( í '■ '• Ai I ' -*a*-
v j .o ^ A ' - ' <■' A(i rl'i* . .‘
- V TT A
r c *. • ,U
50 B a h ia , S f.tm o XIX
v v -j > y* "
V "
■ ■\ : 1
l i n h a s r cgu lar cs , s e r v i n d o às p r i n c i p a i s c i d a d e s da bafa c a os o u t r o s po rto s <Ja P ro v ín ­
c i a . 13 E n t r e t a n t o , a p e s a r d a c o n c o r r ê n c i a e x e r c i d a p elo s g r a n d e s n a v io s a vapor da
\ C o m p a n h i a B a i a n a d e N avega ção * a c a b o t a g e m das m í l p e q u e n a s e m b a r c a ç õ e s que
t r a b a l h a v a m sob e n c o m e n d a c m to d a s as á g u a s d a b a í a c o n t i n u o u sc d e s e n v o lv e n d o
d e n s a e flexível, c a p a z dc sc a d a p t a r a t o d a s as n e c e s s i d a d e s c d e s li z a r so bre os c a m i ­
n h o s m a r í t i m o s c flu via is , a o sa b o r d a s b r is a s q u e os m a r i n h e i r o s d o Recô ncavo
c o n h e c i a m tã o b e m .
CAPÍTULO 3

O R ecôncavo

CT,}.'■*■
( CP Ac
A 'v , \ "
E sb o ç o de D e f in iç ã c t C - C ' : J’

Recôncavo significa fundo de baía. M as o Recôncavo baiano abrange todas as terras


adjacentes, ilhas e ilho tas, bem para além das praias, vales, várzeas e planaltos próxi­
mos ao m ar: u m a orla de quase trezentos quilôm etros torna bastante fácil a circulação,
ainda m ais porque num erosos rios se lançam na baía por am plos braços navegáveis.
Longas praias, cortadas às vezes por um cabo rochoso, um a enseada pantanosa ou até
algum as colinas de baixa altitu d e, oferecem , quando a m aré está baixa, um a espécie de
cam inho quase con tínuo, suave ao pisar do viajan te. C am inho de ronda que se insinua
em todas as enseadas, costeia todas as ilhas e perm ite arrastar um barco até um a praia
ao abrigo do vento.
O clím a e, por conseguinte, a vegetação dão unidade ao Recôncavo, tão próxim o.
do oceano. Longe da in fluên cia deste, o Sertão, im enso e severo, é árido ou semí-árido.
O mar e os ventos carregados de um idade penetram em todo o Recôncavo, mas hâ~^
nele numerosos m icroclím as, pois seu relevo é variado. Por toda parte, os ventos ■
alísios, vindos do m ar, depositam sua um idade em forma de chuva assim que encon- - v-ín-'*-
tram o obstáculo das colinas ou são esfriados pelo solo. Os vales são verdadeiros
corredores abertos às benéficas influências atlânticas. ,-,0 ° ^ ’ .
A capitai não pode ser dissociada da baía, da qual éciósa,guardiã, mas também não D ^
o pode ser de sua hin tcrlândia, esse Recôncavo celeiro dc açúcar e de farinha. O gado \
r* / y
pode vir dc longe, já que sc locomove, M ais que qualquer outra cidade, a da Bahia esta '■
ligada à sua im ediata hintcrlândia agrícola, pois é seu mercado e seu elo com o mundo
exterior. Não há uma só família da cidade que não tenha laços com uma família do
interior; não há tempestade na hafa que não faça subir as águas dos rios do Reconcavo, ^ ^
não há má colheita lá que não cause pobreza aqui. Ontem, cotno hoje, Salvador não R ^ ^
era somente um porto que sc estendia ao longo da Cidade Baixa. Era uma cidade em V -,
/ que os lim ites adm inistrativos quase não contavamÇ As paróquias urbanas nunca > -

51
52 B a h ia , S é c u l o XIX

esqueciam suas irmãs do interior, e a população hum ana permanecia densa até dezenas
de quilômetros longe do mar. É impossível compreender a Cidade da Bahia sem
compreender seu Recôncavo.
Surgem logo quesrões: além das condições econômicas do cultivo, as condições
climáticas e pedológicas também são necessárias ao estudo da produção agrícola dirigida
ao consumo ou à exportação nos séculos XVIII e XIX? Estudar os solos do século XX
eqüivale a estudar os do século XIX? Não foram esses solos transformados e gastos?
É verdade que o agricultor brasileiro, colono de outrora, produtor rural de hoje, nunca
teve, em relação à terra, um a m entalidade de usufrutuário zeloso: nunca foi o laboureur
do francês La Fontaine.2 Como se, apesar de seu apego ao solo da nova pátria, o
espírito de aventura dos primeiros colonizadores, vindos para ‘explorar o Novo M un­
do, nunca se houvesse transformado; como se o sentido de propriedade se tivesse
dissociado do empenho em cuidar da terra, conservando-a. Prevaleceram o desejo e a
necessidade de uma exploração im ediata, com uso e abuso das riquezas disponíveis,
como que ofertadas. Inconsciência, decerto; urgência, m uitas vezes; e também com
fiança, dada a imensidão das terras,por explorar. M as as dádivas da natureza foram
desperdiçadas.
É preciso que se fale aqui da ‘exploração m ineradora’ dos solos. Os solos do
Recôncavo foram — e ainda o são com freqüência — ‘m inas’ de cana-de-açúcar, de
fumo, de mandioca ou de batata-doce. Um a vez a m ina explorada, o solo fica quase
inutilizável, apenas capaz de produzir um a floresta pobre ou magras colheitas. Até
recentemente, o agricultor do Recôncavo recebia m al os vendedores de adubos que lhe
vinham dar conselhos. E, diante da transformação do solo pelo empobrecimento
, resultante de práticas culturais inconseqüentes, sempre preferiu desistir da luta. De-
7 correm daí as dificuldades encontradas pelo historiador, obrigado a im aginar para a
Bahia um meio geográfico que não é exatamente o de hoje, quando trata dos solos e
de suas possibilidades agrícolas. ^
~ Ora, quem pensa na Bahia dos séculos XVIII c XIX pensa imediatamente na
Bahia capital do açúcar, na opulenta cidade dos senhores de engenho e de seus escra­
vos, na cidade dos ricos negociantes. M aurice Le Lannou qualifica os plantadores de
cana do litoral nordeste de “sedentários em panturrados”.3 Ele assinala que o desgaste
i do solo nunca foi compensado, mas sua afirmação traz à baila um duplo problema:
por que o agricultor brasileiro tem essa mentalidade de ‘proprietário de m ina’? Não
. basta constatá-lo; é preciso compreender por que o massapê — essa rica rerra argilosa
| do Recôncavo, que cola nos sapatos de todos os baianos e é seu orgulho e sua riqueza
■ * Por que esse generoso massapê sc revelou tantas vezes terra cheia de armadilhas,
mal amada e mal explorada?
Poderíamos talvez encontrar respostas cm um cadastranicnto dos solos da região,
organizado pelo órgão de desenvolvimento agrícola do Recôncavo na década de 1970.3
Foram classificados mais dc sctcccntos mil hectares de rerras abertas sobre a imensa
baía de Todos os Santos. Os pedólogos dc hoje, ao explicarem as riquezas eas limitações
L rv R o I - O s D o n s e a s A r m a d il h a s d a N a t u r e z a 53

dos solos do Recôncavo expostos aos imponderáveis de um clim a tropical, ajudam a


c o m p r e e n d e r de que modo uma cidade como Salvador, com terras agrícolas tão ricas
em sua hinrerlândia. foi atingida pelos choques econômicos, pelas variações das con­
junturas políticas e pelos mil imprevistos trazidos pelos ventos e chuvas oceânicos.
/ —

■■- 7 r -r -C ^O*£

D a d o s E st á v e is da G e o g r a fia

A hinteriàndia de Salvador, o Recôncavo, é uma região essencialmente costeira, uma


espécie de retângulo na direção nordesce-sudeste. Situado entre os meridianos 37 e 39
a oeste de Greenwich e no lim ite dos paralelos 12 e 13 ao sul do Equador, o Recôncavo
baiano, com seus pouco mais de 10.000 km 2 de terras emersas, üm ita-se a leste com
0 Atlântico, ao sul com os m unicípios de São iMiguel das M atas, Laje e Valença, a oeste
com os m unicípios de A ntônio Cardoso, Santo Estêvão e Castro Alves e, enfim, ao
norte, com Eeira de Santana, Coração de M aria, Pedrão, Alagoínhas e Entre Rios.
Com exceção da região de Cruz das Almas, a oeste, as terras, ricas em água doce,
são de modo geral baixas e abertas para o mar. Em grande parte essa hinrerlândia é
composta de um a fossa, de um a ria e da m aior baía do litoral brasileiro, com seus
cerca de 1.000 km 2 de águas salgadas e trezentos quilômetros de costa. Uma baía
articulada, aberta para o oceano, barrada apenas pela ilha de Itaparica, longa e estrei­
ta, tão verdejante quanto o continente, do qual se separa a sudoeste por um pequeno
corredor m arinho, a barra falsa ou canal de Itaparica, que vai da Ponra do Garcez,
em terra firme, à ilh a de M atarandiba. Se, em sua m aior dimensão interior — sul-
norte — , a baía de Salvador atinge cinqüenta quilômetros, há menos de um quilô­
metro entre o continente e o ponto mais próximo da costa oeste de Itaparica. Nesse
corredor estreito e pouco profundo, a travessia é dura e perigosa, e a ela ninguém se
arrisca. A verdadeira entrada da baía, mais acolhedora, acha-se a nordeste, enrre o
Farol da Barra, na ponta extrema do promontório sobre o qual se encontra edificada
Salvador, e a costa leste de Itaparica. A li a barra é fácil de ser transposta. Entrada
'majestosa dc uma baía majestosa, tem quase dez quilôm etros de largura e pode ser
' vista desde o longínquo forte de Caixa-Pregos, na extremidade sul de Itaparica (no
falar popular do Brasil inteiro, “chegar de Caixa Prego” significa chegar do fim do
mundo). Transposta a barra, com Itaparica a bombordo, os navios deparam-se, a
„ estibordo, com a íngreme encosta recoberta da vegetação tropical que enfeita os mor­
ros sobre os quais sc ergueu a Cidade Alta. “
r Montserrat é um encantador fortim dc retaguarda, construído na ponra de uma
, harmoniosa curva da costa que abriga o porto da cidade. As linhas arquitetônicas
muito puras desse fortim todo branco destacam-se atualmente contra o fundo de uma r
1 delicada fileira de palmeiras-reais {Ortodoxa oleracea), hoje cão características da pai­
sagem de todo o Recôncavo. Como os coquciros-da-baía {Cocos nucifera ), elas datam
da época colonial. A palmeira nativa da vegetação baiana — palmeira-licuri {Syàgrus
54
B a h ia , S é c u l o XIX

coronata ) é fibrosa, c sua altura não ultrapassa a das outras árvores da m ata o rig in al
, Não é mais im ponente do que a vulgar bananeira (M usa paradisíaca).
^ j\ No interior da baía de Todos os Santos, inúm eras ilhas c ilhotas protegem três
baías menores: a prim eira entre a costa oeste de Itaparica e o continente, a segunda
" abrigada entre a península de Saubara-Iguapc e o arquipélago form ado pelas ilhas
L Bimbarras, das Fontes, de M aria G uarda, de M adre de Deus, das Vacas, de Bom Jesus
^ dos Passos, de Santo A ntônio e dos Frades, c a terceira, a m aior delas, entre essas ilhas,
Itaparica e Salvador. Esse m ar interio r de todas as ilhas, de todas as praias, é um
verdadeiro mundo colorido e variado. Suas fúrias são menos violentas que as do
oceano, mas são as de um im previsível m ar, cheio dc recifes. São relativam ente pouco
numerosos os abrigos efetivam ente capazes dc proteger as pequenas embarcações sur-
f preendidas pelos fortes ventos nordeste ou sudoeste a grande d istância dos ancoradou-
^ ros ou perto dem ais das em bocaduras dos rios. C om esses ventos, as praias são facil-
' ■ ( m ente invadidas pelas vagas tem pestuosas das grandes m arés.
No Recôncavo, até os rios estão sujeitos às marés: o m ajestoso Paraguaçu, navega-
7 do por embarcações leves até C achoeira, mas que não é bastante profundo para navios
^ u i ^ d e grande calado; o A çu (ou Açupe) e o Sergi do C onde, de m enor volum e d ’água; o
-^ ú j^ / jagu arip e, ao sul, que já não é considerado um rio da baía, assim com o, ao norte, o
* 1 -rrPojuca, o rio mais im portante da região, cuja bacia tem 3 .0 0 0 k m 2; e ainda os grandes
' . fornecedores de água para o abastecim ento de Salvador, o Joanes, que desemboca em
t Ch *
f! vV^hiar aberto ao norte da capital, e seu afluente, o Ipitanga, O Recôncavo é, assim, antes
^ de tudo, um a terra oceânica: suas áreas agrícolas encontram -se em estreita dependên­
cia das águas salgadas e dos rios m arinhos.
M as, da mesma forma que na cidade de Salvador, há água doce por toda parte,
em lençóis freáticos extrem am ente abundantes. As reservas ficam a m aior ou me­
nor distância da superfície: aprofundas, enriquecem o solo com seus sais minerais,
como no nordeste do Recôncavo; ysuperficiais, como na região de Dias d ’ÁviIa e de
C am açari, são filtradas por um solo argilo-arenoso que as empobrece. Às vezes,
fluando as areias funcionam como filtros naturais excessivamente eficazes, a água
^ doce é tão pobre em sais m inerais que não perm ite um a vegetação luxuriante; ou­
tras vezes, essa água se m istura de tal modo a águas salgadas que dá origem a
manguezais.
j! ^ paisagem do Recôncavo é sempre verde e m uito suave. V ariada, também. Terras
t f relativamente baixas junto às costas, onde elevações amenas se confundem com as do
| litoral, no qual os sedimentos do quaternário deixam aflorar algumas rochas mais
^antigas caulínizadas, produzindo solos vermelhos dominados pcia brancura de neve de
dunas que podem atingir até cinqüenta metros de altura. Terras mais altas, onde os
tabuleiros e as colinas ondulam suavemente numa altitude média de duzentos metros
com vales abruptos. Os rios, sempre muito ativos, cavaram suas margens, formando
terraços como ocorre, por exemplo, com o Paraguaçu e seus afluentes. As vilas, atuais
cidades, deCachcwira e dc São Félix^foram edificadas sobre altos terraços desse tipo.
L i\ n o 1- O s D o n s e a> A r m a d i l h a s d a N a t u r e z a 55

Essa saricdade de paisagens, o Recôncavo a deve a sua geologia; ao contraste entre o


embasamento cristalino — reverso de uma falha imensa, que corresponde a 4.300 km:
dos 10.400 km- da região como um todo, situado sobretudo a leste e a o este c as •X*'
áreas sedimentares do griibvu, que vão do sul da ilha de Itaparica ao norte de Entre VA*
Rios e dc Alagoinhas. Falha de Salvador a leste, falha de M aragojipe a oeste, sao esses
os limites dessas regiões argilosas ou argilo-arenosas.
Uma floresta fluvial, análoga àquela que ainda resiste no extremo sul do Estado da
Bahia, estendia-se, no século XVI, por todo o Recôncavo. Quatro séculos de explora- X
ção, avizinhando-se com freqüência do esbanjamento das dádivas da natureza, provo- '
caram transformações sucessivas e criaram novas paisagens, correspondentes aos dife- "c~
rentes produtos que foram, cada um por sua vez, esperança e desespero dos proprietários
de terras: m adeira, cana-de-açúcar, fumo, dendê e bananas.
A tualm ente inexiste no Recôncavo qualquer das espécies tropicais atlânticas origi­
nais. Com o regim e das chuvas e a ação hum ana atuando simultânea e sucessivamente
(um a vez desmatado, o solo torna-se cada vez mais sensível às influências climáticas),
três tipos fundam entais de vegetação se firmaram, caracterizados a um só tempo pela
distância a que se encontram do oceano e pela qualidade dos solos sobre os quais se ^
desenvolvem: a da M ata, a do Agreste e, única das três a corresponder a uma zona ; &e
contínua, a vegetação do Litoral. ~/ t X-
A M ata gosta das terras de argila profunda — massapês — e dos tabuleiros.
Nela predominavam outrora as palmeiras narivas já mencionadas (os ücuris, que for- L
necem cera e fibras para o artesanato), os cocos-vagem (cujo tronco é horizontal e
subrerrâneo, só deixando aparecer folhas na superfície) e as madeiras preciosas, como ' ^
o jacarandá, o cedro-rosa e o pau-m arfim , esplêndidas matérias-primas para a fabri­
cação de móveis austeros na época colonial e no século XIX, Essa floresta clara se
desenvolvia, nos prim eiros tempos da colonização, sobre uma zona extensa, mais ou
menos paralela à costa, passando pelos m unicípios de Conceição de jacuípe, São
Gonçalo dos Campos e Conceição da Feira. É a região onde a cana-de-açúcar pro­
duzida em plantation predominou depois, quase como monocultura (seria preciso
ver até quando e como). Os agricultores da segunda metade do século XIX ali tam­
bém cultivavam, em menor escala, o fumo, a mandioca, o dendê e o cacau. Hoje,
da mata am iga, restam rnríssimos exemplares.
/ O Agreste representa uma zona muito reduzida do Reconcavo, que vai de Concei­
ção dc Jacuípe até o sul dc Feira de Santana. Estcnde-se para o norte, sobretudo na q
direção do Itapicuru.'5 É uma zona de transição entre o litoral úmido e o sertão semi- .
árido. Dc sua primitiva flora, invadida por cactáccas c bromcliáceas — plantas xcrófilas J
relativamente altas c pouco densas — , subsistem apenas os juazeiros e os marmeleiros.
■- Enfim, o Litoral. Faixa dc terra dc aproximadamente dez quilômetros de pro- . .
fundidade, cie apresenta grande variedade de associações vegetais naturais, com um j
hábitat diferente para cada uma delas. Dois tipos principais de vegetação cobrem J
essa região: a vegetação sublitorânea — iqs rnanguczaQ— , que depende unicamente
^ B a h ia , S é c u l o XIX

do solo, e a vegetação do litoral arenoso, que depende do solo e, em bora em menor


proporção, do clim a.
Ç Associados a solos argilosos m uito salgados e hidrom orfos, originados dos
. sedimentos finos dos estuários e dos fundos de baía, os m anguezais encontram-se
sempre em zonas submetidas à influencia das marés. N a origem , essa formação se de-
L senvolve graças ao -{nangue, planta pioneira que cresce em am biente salino de solo
instável e pode ser reconhecida por suas numerosas raízes adventícias.6 N a medida
em que o solo se torna mais firm e, observam-se novas associações, em que prevale­
cem os mangues brancos ou os >.siriúbas* que podem atin gir até quinze metros de
altura. Esses solos só são cobertos pelas marés de equinócio. A li, as árvores têm de
cinco a oito metros de altura e constituem , ao longo das costas não arenosas, como
que um a coroa vegetal entre terra e m ar. O solo dos m anguezais fornecia toda a
argila necessária para as olarias e para purgar o açúcar nas fôrm as.7 O nde o litoral é
arenoso, a vegetação das dunas é de plantas rasteiras, arbustos e palm eiras, inclinados
para o interior, pois sofrem a ação constante dos ventos do m ar. De um modo geral
as palmeiras não ultrapassam cínco metros de altura. As m ais com uns são os coquei-
ros-da-baía — adventícios — , freqüentem ente agrupados em pequenos bosques mais
ou menos densos.

V en to s , C h u vas e S o lo s

Que trazem os ventos e as nuvens aos dados estáveis da geografia? No Recôncavo, as


variações clim áticas dependem essencialm ente de ventos e chuvas, vez que as tempe­
raturas são relativam ente estáveis. Os ventos — terror das embarcações demasiada­
mente leves que se aventuram longe de um abrigo — podem vir dos quatro pontos
cardeais ao mesmo tempo e, às vezes, lutam entre si para predom inar. Como em
torneios gigantescos, viram os ventos como vira a m aré, e nuvens negras galopam.
Das quatro massas de ar que disputam os céus.do Recôncavo, as duas que geral­
mente prevalecem são os ventos ^alísios de sudeste, vindos das altas pressões quentes e
úmidas do Atlântico Sul, e\ps de nordeste* que vêm do centro das baixas pressões
continentais em direção às altas pressões dos Açores. Pode ser o nordeste das tempes­
tades, mas pode ser o amigo que im pele as velas no rumo do porto, segundo seu humor
e sua força. Alísios de retorno nordeste e noroeste sopram também sobre o Recôncavo.
P A *
or m, o que mais se vc é brincarem , sobre a baía, ventos instáveis, que resultam de
movimentos ondulatórios e chegam sem prevenir, com a velocidade de um cavalo em
disparada. São a voz irada dc lem anjá, exigente amiga do povo do mar baiano. Nascem
quando a frente polar atlântica dc ar frio encontra o ar quente que vem das regiões do
norte equatorial. No Recôncavo, as máximas pluviométricas de abril a junho freqüen­
temente coincidem com essas frentes de instabilidade decorrentes da luta entre o
anticiclone atlântico e a massa equatorial continental.
L iv r o I - O s D o n s e as A rm a d ilh a s d a N a o jr e z a 57

TABELA 1
C huvas e T em peraturas M é d ia s n o R e c ô n c a v o B a ia n o , 1 9 4 5 -1 9 7 0
M édias M eses M eses M u s F.S M CHUVA
eses de T f.mpf.r a tu r a s
MFNSArS SECOS CHUVOSOS MUITO CHUVOSOS TORRENCIAI. m édias

mm/ano < 100 mm 100-200 mm 200-300 mm 300—600 mm


79 Setembro
23*8

84 Outubro
25*0
156 Novembro 25*9
117 Dezembro 26*4

85 Janeiro 26°7

185 Fevereiro

151 ■ M arço 26*6


235 Abril 25*8
339 Maio 24*5

191 Junho 23°5

189 Julho 22*9

123 Agosto 22*9

Fonter Estudos básicos pa ra o p ro jeto a grop ecu á rio d o R ecôncavo, p. 142.

D om inam , p o rtan to , ventos de sudeste: os bem -vindos alísios dos meses de julho
e agosto, enfrentados com m aio r ou m enor sucesso, em novem bro e dezem bro, pelos
ventos do nordeste. A estação fria, de ju n h o a setem bro, é a ünica na quaJ alguns
períodos de calm aria podem im p ed ir os veleiros de transportar sua carga das ilhas para
a baía, de porto a porto. M as ju n h o é tam bém o mès das m aiores tem pestades, aquelas
em que os ventos em lu ta zom bam dos veleiros im prudentes que ousam desafiar barras
e recifes. O c lim a no R ecôncavo é, p o rtan to , freqüentem ente im previsível.
D eixar-se-á a terra d o m esticar e explorar m ais facilm ente que as aguas pouco
confiáveis da baía? Para estudar os solos do Recôncavo e suas antigas culturas, temos
que partir do p rin cíp io de q ue o clim a de outrora era m ais ou menos idêntico, na
sua própria in stab ilid ad e, ao do século XX.8 Lem brem os tam bém a regra de ouro
dos agrônom os, segundo a qual todo solo contém certos elem entos mais importantes,
cujo lim iar de necessidade, u m a vez atin gid o , define o lim ite a partir do qual os
dem ais elem entos não reagem m ais.9 E ngenheiros-agrônom os que trabalharam na
Á frica habituaram -se a d istin g u ir três etapas de desgaste de solos semelhantes aos
dos tabuleiros h aian o t cujas substâncias nutritivas são devoradas por plantas exigentes
e pela falta de aAtthn** a p artir do segundo ano de uso, o rendim ento de um a terra
recém -plantada ifím in u i em 50% ; o patam ar seguinte situa-se no décim o segundo
ano, c o solo m o sn *-sc defin itivam ente em pobrecido depois de 3 0 a 3 2 anos de
cultivo.
58 B a h ia , S é c u l o X I X

T e rra d e c o le ta de m a d e ir a e d e p ro d u to s Ha flo re sta n a tu r a l n o s p rim e iro s anos


d e c o lo n iz aç ã o , o lito r a l b a ia n o , já v im o s , lo g o se tra n s fo rm o u e m te rra d e ‘ exp lo ra­
ção m in e r a d o ra ’ d a riq u e z a de seus so lo s. A m a n d io c a , p la n ta d é b il, sem som b ra,
q u e q u a se n ão p ro te g e a te rra d o d e sg a ste c a u s a d o p ela s c h u v a s, é e x a ta m e n te o
tip o d e c u ltu r a a q u e n e n h u m so lo re siste . A b a n a n e ir a , o c a c a u e so b retu d o a cana-
d e -a ç ú c a r — c u jo s re sto lh o s são r e u tiliz a d o s e m g r a n d e p a rte in loco , co b rin d o , por
assim d iz er, b em o so lo — são , e n tre as c u ltu r a s d a re g iã o , as p la n ta s q u e m ais
p ro te g e m o p recio so h ú m u s .
Q u a is são os so lo s d esse R e c ô n c a v o ? T o d a u m a lit e r a t u r a a p la u d iu , no d ecorrer
dos sécu lo s X V II, X V III, X IX e a té d o s é c u lo X X , a m a r a v ilh o s a fe r tilid a d e do
m assap ê d o R ecô n cav o . M a ss a p ê , p a la v r a m ila g r o s a , p a la v ra -c h a v e ! S o lo argilo so e
p esad o , m a is o u m en o s v e rm e lh o -e s c u ro e q u e c o la n o p é . D e e s tr u tu r a c rista lin a , é
q u im ic a m e n te rico . C o m p o sto d e u m a c a m a d a d e a lu m in a e n tre d u a s cam ad as de
s ilíc io , seus c rista is m o stra m -se fo rte m e n te e n tre la ç a d o s . Q u a n d o ú m id o , sofre forte
exp an são . S eco , re tra i-se . Isto p ro d u z u m so lo fo lh a d o e c o n sis te n te e m p erío d o seco
e e x tre m a m e n te p esad o e p lá stic o e m p e río d o s de c h u v a : a tra ç ã o a n im a l torn a-se
en tão im p o ssív el o u q u a se im p o s s ív e l.10 O s d iv e rso s g ra u s d e im p e rm e a b ilid a d e do
solo a c a rre ta m p ro b le m a s p a ra a c u ltu r a d a c a n a -d e -a ç ú c a r. P ro b le m a s ta n to m ais
graves q u a n to os so lo s d e m a ssa p ê e n c o n tra m -s e p r a tic a m e n te to d o s em regiõ es de
terras m ais a rg ilo -a re n o sa s d o q u e u n ic a m e n te a rg ilo s a s : os silõ es o u salões são ter­
ras q ue têm fre q ü e n te m e n te a m e s m a c o r v e m e lh a q u e o m a ssap ê , em b o ra sejam
m u ito p erm eáv eis. M a ssap ês e silõ es tê m , a m b o s, u m a b o a f e r tilid a d e q u ím ic a , mas
são as ch u vas, e só elas, q u e v ão d e te r m in a r a d ife re n ç a , re s u lta n d o u m a b o a ou m á
c o lh eita d e can a, seg u n d o os lo c a is e os a n o s, sem q u e os c u ltiv a d o re s d e a n tig a ­
m en te ten h am co n seg u id o se d a r c o n ta das razõ es d e su as v itó ria s e de suas derro­
tas. A liás, é co m u m v er cu ltiv ad o res — e a té geó grafo s — u tiliz arem o term o m assapê
p ara d esig n ar terras q u e são , n a re a lid a d e , s ilõ e s .11
. CAPÍTULO 4 ,

V ias d e C o m u n ic a ç ã o

C a m in h o s F l u v ia is: o R e c ô n c a v o e o L it o r a l

A história da cidade de Salvador está ligada à de sua hintcrlândia, à de suas terras


interiores, mais ou menos distantes. Desde a época colonial, os m arinheiros da Bahia
subiam os m uitos rios parcialm ente navegáveis. Foram os prim eiros a abrir caminhos,
logo seguidos por outros pioneiros, os condutores de boiadas. Alternativam ente, m a­
rinheiros e b oí a de iros, foram .o s._gran d es viajantes da Província. _
Mesmo nas regiões do Recôncavo mais próximas de Salvador, pontes e estradas
eram raras no século XIX. Antigos cam inhos partiam de Cachoeira para o norte, via
Jacobina, descendo em seguida na direção de M aracás, de Caetité e do rio das Velhas,
situado na Província de M inas Gerais. Esses caminhos da época colonial eram trilha­
dos por carros de bo i, por anim ais albardados e carregados e também por boiadas. A
criação de gado foi em purrada para o Sertão à m edida que se desenvolviam as culturas
de fumo e cana-de-açúcar, voltadas para exportação,
A prim eira estrada pavim entada pelo sistem a de M ac Adam data de 1851. Ela
saía de Santo Amaro e m edia 150 braças, aproxim adam ente 330 metros. No século
cavalos e burros eram indispensáveis aos transportes. Todos montavam a ca­
valo ou em dorso de mula para fazer uma visita a um amigo ou levar recados e
mercadorias, A prim eira linha ferroviária, que partia de Salvador em direção ao rio
Joanes, data de 1860 e, depois de seus 18,5 quilôm etros iniciais, foi interrompida
em Aratu, no fundo da baía. Esse novo meio de transporte suscitou muitas esperan­
ças, mas seu desenvolvimento não foi rápido, 1 Durante a maior parte do século XIX,
Salvador continuou a ligar-sc às vilas e arraiais de sua Província peios métodos tra­
dicionais, ou seja, as vias marítimas e fluviais e os animais de carga (o primeiro
plano para a construção de estradas de rodagem no Estado da Bahia data de 1917
lei n° 1.227 — c a primeira grande estrada construída ligou Salvador a Feira de
Santana).

59
B a h ia , S é c u l o X I X
60

O m aior dos rios do Recôncavo, o Paraguaçu, a oeste da baía, com um a extensão


de 664 quilôm etros, poderia ter sido um a via de com unicação ideal com o centro da
Província, caso seu curso não fosse interrom pido por grandes cachoeiras. M as ele é
navegável nos 33 quilôm etros que separam sua em bocadura e C achoeira, e por ali
transitaram o fumo e o açúcar produzidos nas cercanias. C achoeira era um a cidade tão
importante que foi a prim eira a m erecer um a ponte sobre seu rio, ponte esta tanto
mais útil quanto o Paraguaçu, já vim os, como m uitos rios do Recôncavo, corre entre
margens bastante escarpadas e íngrem es. Desde 1819, um vapor deixava Salvador,
atravessava a b a ía e subia o Paraguaçu, ligando a cap ital a C ach o eira.2 Era o Vapor de
Cachoeira, Com sua fabulosa m áquina inglesa, seus cobres rutilantes e sua fumaça
cinzenta, foi, durante m uito tem po, u m a das m aravilhas do Recôncavo, nutrindo em
torno de si um folclore bem sugestivo. Espécie de T orre Eíffel lon gín qu a, mas também
bicho-papão, para os vaqueiros-trovadores do Sertão que gostavam , nos momentos de>
descanso, de im provisar cantigas ao som da viola.
O Paraguaçu é o m ais im portante, mas não o único rio do Recôncavo. Numerosos
cursos d ’água, sempre orientados, m ais ou m enos, de oeste para leste, facilitam a
penetração para o interior. No fundo d a baía, a noroeste de Salvador, por exemplo, o
Sergi do Conde era, nos seus 26 quilôm etros, a via de com unicação predileta com
Santo Amaro, principal centro açucareiro da região: a p a rtir de 1847, percorriam-no,
todos os dias, barcos a vela e até pequenos navios a vapor. Se o Paraguaçu fez a fortuna
de Cachoeira e o Sergi do C onde a de Santo A m aro, o Jagu arip e, a sudoeste, com seus
72 quilôm etros de extensão, fez a de outras grandes povoações do Recôncavo, como
Nazaré e Jaguaripe. Embarcações de m édio porte podiam subi-lo e descê-lo, conti­
nuando até Salvador, e nele a navegação a vapor data de 1852/3
No lim ite do Recôncavo, naquilo que alguns cham am de Recôncavo Sul, corre um
belo rio, o U na, que banha V alença e se lan ça em um braço de m ar que separa a ilha
de 1 inharé e o continente. N a ilha está o m orro de São Paulo, aquele em que os
pilotos iam esperar os navios vindos do O riente para ajudá-los a transpor a barra. Por
esse braço, ao sul, chegava-se à vila de C airu , na m aré alta, até com embarcações de
grande tonelagem. C ontinuando na m esm a direção, alcançava-se T aperoá e o pequeno
arraia! dc Jequié, à margem do rio do mesmo nom e.
Enumerar os nomes das principais povoações do Recôncavo quase eqüivale a dizer
que rio navegável as fez nascer, sempre que não estejam situadas num fundo de baía
ou dc enseada. A ajuda mais preciosa para o desenvolvim ento de todos esses portos foi
trazida pela criação dc um imposto dito de transporte terrestre, imposto suplementar
sobre todas as caixas de açúcar transportadas por terra!'1 Assim, a mesma caixa vinda de
um engenho afastado dc Salvador, mas próximo a um porto de embarque, pagava
menos imposto que aquela transportada por terra, de m uito perto da cidade:s para o
açúcar, a via fluvial-m arítim a cra mais rápida e sempre mais econômica. Aliás, no
Recôncavo, quase todos os transportes de mercadorias pesadas se faziam por barco.
Os contemporâneos atribuem, em média, quatro embarcações a cada engenho. A partir
Lí\-ro 1 - Os D o n s i: a s A r m a d u r a s d a N a t u r e z a 61

do m om ento em que o local não em mais acessível por via fluvial e se fazia necessário
andar m uito para atin gi-lo , o hom em do Recôncavo sentia-se hom em do Sertão: o
Recôncavo era, antes de m ais nada, terra de navegação, onde cada um tinha seu barco
e onde nunca se estava a m ais de um dia de m archa de algum a via navegável ou da orla
m arítim a.
Ao sul do rio U na. a vila da Barra do Rio de C ontas deveu sua fundação ao rio que
tem o mesmo nom e. M as, com o esse longo rio só é navegável por dois quilôm etros e
em barcos de pequeno porte, B arra do Rio de C ontas não se tornou um a cidade
im portante. A inda m ais ao sul. Ilhéus existe graças ao rio C achoeira, que tem cinqüen­
ta quilôm etros navegáveis, mas só por em barcações leves. T am bém deveriam ser pe­
quenas as em barcações q ue desejassem subir ou descer o rio Pardo: de C anavieiras,
pode-se sub ir 112 de seus 6 6 0 q uilôm etro s na direção de M inas G erais; pelo canal de
Poassu, é possível passar do Pardo ao Jeq u itin h o n h a, na em bocadura do qual se
encontra a cid ad e de B elm onte. C o m 1 .0 8 2 quilôm etros, o Jeq u itin h o n h a era um a
boa via de co m u n icação en tre a B ah ia e M in as G erais, pois seus 135 quilôm etros
navegáveis atin g iam as duas provín cias. A d ian te, um a série de cursos d ’água, sempre
orientados no sentido oeste-leste, acolheram em suas em bocaduras alguns núcleos de
povoam ento: o B uranh ém , Porto Seguro; o Ju cu ru çu , Prado; o Itanhcntinga, Alcobaça;
o C aravelas, o porto do m esm o nom e; o Peruípe, V içosa; e, finalm ente, o M ucuri,
navegável por 99 q uilô m etro s a p artir do litoral, deu origem à V ila de São José de
Porto A legre.
A p artir de Salvado r, segu in d o a costa na direção sul, à procura dos principais
ancoradouros das em barcações de cabotagem , nasciam cidades e povoados sempre que
um rio navegável to rn ava possível transportes do e para o interio r e oferecia o abrigo
de sua foz para um porto. T o m an d o o sentido oposto e acom panhando a orla m arí­
tim a de Salvador rum o ao norte, chegam os à foz do Inham bupe, rio interm itente e
pouco profundo que desce da região de Serrinh a e banha a cidade de Entre Rios. M ais
adiante, o Itap icuru, o grande rio do Agreste baiano, nasce m uito no interior, na
chapada D iam an tin a, perto de C am po Formoso, e se lança no m ar na altura de
Conde, navegável apenas em sua parte baixa, perto do litoral, por pequenas embarca­
ções. M ais favorável à navegação e com um a extensão de 2 64 quilôm etros, o rto Real
tem sua nascente perto da cidade de C ícero D antas e chega ao mar em Abadia, no
lim íte entre Bahia e Sergipe. No século XIX, era percorrido por veleiros de médio
porte que transportavam viajantes e m ercadorias das duas províncias. Encontramos,
finalm ente, a foz do São Francisco, o rio mais im portante da Província {embora nasça
em M ínas G erais), com seus 2 ,7 1 2 quilôm etros e sua orientação inicialm ente sul-norte
e, depois de Rem anso, oeste-leste, banhando Juazeiro e Paulo Afonso. No século XIX,
1.270 quilôm etros do São Francisco eram navegáveis, dos quais 1.009 na Província da
Bahia. Seus principais portos eram C arinhanha, U rubu, Lapa, Barra, Remanso, Pilão
Arcado, Sento Sé e Juazeiro. A navegação era livre e fácil entre Pirapora, em M inas
Gerais, e C achoeira de Sobradinho, quase na fronteira de Pernambuco. A partir dali
62 B a h ia , S é c u l o X I X

as cachoeiras de Itaparica c Paulo Afonso tornavam o rio im praticável. Adiante, em


Piranhas, o rio, largo e profundo, volta a ser navegável até desem bocar no Atlântico,
entre Sergipe e Alagoas. O São Francisco só recebeu seu prim eiro vapor em 1870, o
famoso P residente Dantas, que percorria o rio entre Pirapora e Juazeiro.

C a m in h o s T e r r e st r e s: o A g r e st e e o S e r t ã o

Para os que não se puderam estabelecer perto de um curso d ’água ou no Recôncavo


banhado de influências m arinhas, restaram os grandes espaços do in terio r da Provín­
cia. Quem os percorria a cavalo, em dorso de m ula ou m esm o a pé, seguia forçosamen­
te os cam inhos abertos pelas boiadas que, duran te os séculos XVII c XVIII, embre­
nharam -se para o interior, cada vez m ais longe das costas, à procura de novos espaços.
A prim eira região encontrada pelos colonizadores e pelos boiadeiros foi um a zona
de tabuleiros cuja vegetação não é tão exuberante quanto a do Recôncavo, mas não
tem ainda a aridez do Sertão. O Agreste é essencialm ente um a zona de transição que
recebe entre setecentos e m il m ilím etro s de chuva por ano. M u ito reduzido na
hintcrlândia de Salvador, estende-se m ais am plam ente ao norte, na direção do São
Francisco e da Província de Sergipe. C orresponde a um a região menos seca que a dos
sertões interiores da Província, em bora menos ú m id a que as regiões costeiras. Sua
vegetação natural é form ada por árvores e arbustos densos e verdes. M ais ao suí, na
direção de Jequié, onde o clim a é seco, torna-se um a verdadeira savana onde, em certos
lugares, proliferam cupinzeiros, alguns com três m etros de altu ra e quatro de diâm e­
tro, separados uns dos outros por 20 a 25 m etros de d istân cia.7 O Agreste é um a região
de recursos tão variados como os solos de seus tabuleiros argílo-arenosos. Com altitude
em geral pouco elevada, entre cem e seiscentos m etros, eles freqüentem ente apresen­
tam em sua fronte um aspecto típico de cuesta. A um idade do Agreste é dada por sua
distância do mar e por precipitações pluviais suficientes. Nos numerosos vales que
cortam esses tabuleiros, a um idade e a acum ulação de sais m inerais conferem aos solos
boa fertilidade.
À conquista das regiões litorâneas seguiu-se a ocupação do Agreste por missíoná-
nos, criadores dc gado e lavradores. As concentrações populacionais fizeram-se primei­
ro cm torno dc aldcamcntos dc índios, criados por jesuítas e franciscanos. f al é a
origem das povoações de Itapícuru, Jcrcm oabo, Pombal, Sourc c Tucano. Os estabe­
lecimentos sedentários m ultiplicaram -se rapidam ente, c os rebanhos que subutiliza-
vam solos cultivávcis foram expulsos para o interior, para o vasto Sertão, que começa
onde acabam as terras dc fáceis acesso c cultivo. ■
O Sertão é diversificado, mas distante e seco. Onde começa? A dois ou três dias
de caminhada do mar? O nde chovc menos dc seiscentos milímetros por ano? Os
boiadeiros tocam o gado para o Sertão, atravessando taludes e colinas, vastas exten­
sões dc terras a centenas de metros de altitude, imensas superfícies andulantes, cs-
L iv r o I - Os D o n s e a s A r m a d il h a s d a N a t u r e z a 63

culpidas por ventos circulares e secos. Falar de sertão no N ordeste brasileiro eqüiva­
le a pensar em im ensas e con tin u as terras secas, com inúm eros arbustos espinhosos,
especialm ente cactáceas e brom eliáceas.
A palavra sertão tem um sign ificad o tão vago que os dicionários a definem como
um nom e dado a q u alq u er região afastada das terras cultivadas e das costas, coberta de
vegetação áspera. P arece q ue sua etim o lo g ia vem da palavra deserto, através do
aum entarivo ‘desertão ’. N ão vam os en trar aq u i nas controvérsias dos especialistas que
opõem sertão e caatin g a. Esta ú ltim a , ‘m ata b ran ca3 na lín g u a guaran i, teria um a
vegetação de m im o sáceas, cesalpin áceas, euforbiáceas e herbáceas que precisariam de
um pouco m aís de ág u a q u e as brom eliáceas do verdadeiro sertão. Prazer de classificar,
com o q u al, em todo caso, no século XIX, a sab edo ria po pular pouco se ocupava. Os
boiadeiros ch am am in d iferen tem en te de caatin g a ou de sertão todas as regiões áridas
cobertas de arbustos, cu ja a ltu ra não u ltrapassa sete m etros de altu ra e cujas folhas
espinhosas são p ro tegid as por u m a espécie de cera e orientadas de m aneira a d im in u ir
a in cid ên cia dos raios solares. M u itas vezes, as próprias folhas desses arbustos não
passam de um g ran d e esp in h o . A ssim , o m elho r é vestir-se de couro, das botas ao
chapéu, p ara p erco rrer o Sertão . E ntre os arbustos, brotam algum as m oitas com folhas
caducas que sobrevivem graças ao orvalho provocado pelas grandes diferenças de
tem peratura en tre o d ia e a no ite. H á um a p lan ta euforbiácea cham ada favela ou
faveleiro — C in id o scu lu sp h y lla cã n tu s — que, esfriando à n o ite m u ito m ais rapidam en­
te que o ar, provoca breves p recip itaçõ es de orvalho. Suas folhas, verdadeiras placas
incandescentes d u ran te o d ia , ao sol, q u eim am a m ão que as to ca.fi
U m a das poucas árvores que, às vezes, consegue crescer m ais um pouco é o
um buzeiro — S pon dias p u rp u r ea , d a fam ília das anacordiáceas — , árvore sagrada do
Sertão. Seu fruto, o u m b u , é co n su m id o cru ou cozido, peneirado e m isturado com
leite e açúcar, na fo rm a de u m a b eb ida cham ada u m b u z a d a ? Os pequenos bosques de
um buzeiros são as paradas preferidas dos boiadeiros, que, vasculhando raízes profun­
das, encontram boas reservas de água, econom izada duran te os períodos beneficos.
Seus galhos, bem curvos, parecem feitos de propósito para suspender as redes que
propiciam um sono reparador; seus frutos são deliciosos e os próprios anim ais cobiçam
a extrem idade acid u lad a de suas folhas.
D urante os oito mcscs de seca rotal, o solo entre as árvores e os arbustos do
Sertão fica in teiram en te despido de q ualqu er cobertura vegetal, o que dá à paisa­
gem um triste ar dc deserto, m onocrôm ico, acinzentado e desolado. Às vezes, a seca
dura o ano inteiro. M as, quando caem as raras chuvas de inverno, a paisagem se
transform a: em três dias, o im enso deserto m uda de cor, as árvores e os arbustos se
cobrem de folhas que têm todos os tons dc verde e o solo nu desaparece debaixo
das gram íneas rasteiras que florescem em cachos de todas as cores. M as são bem
raros esses períodos abençoados. Dc modo geral, os solos do Sertão permanecem
mal protegidos contra as chuvas, poucas e excessivamente violentas, e contra a grande
variação das tem peraturas diurna e noturna. A vegetação adaptou-sc aos rigores do
B a h ia , S é c u l o X I X
64

clim a e à laterizaçao dos solos superficiais. Assim, o Sertão fica duran te longos me­
ses, todos os anos, imerso em tonalidades cinza e rosa. V egetação acinzentada ou
prateada sobre o solo rosa ou averm elhado, sob um céu im piedoso, sempre azul: eis
a rude paisagem costum eira do Sertão.
Os geógrafos costum am descrever a Bahia com o um a sucessão de três paisagens
diferentes que. do Litoral, sobe para o Sertão, passando pelos tabuleiros do Agreste.
Na realidade, há tão pouca u nidad e efetiva no Sertão quanto no A greste. O clim a é o
único fator de unidade ou diferenciação. M as, n atu ralm en te, os m icroclim as não
faltam num a terra tão vasta e com relevos tão variados. Q uan to mais distante o
oceano, m aiores as áreas clim áticas, É a vegetação que caracteriza as paisagens. Além
disso, os vales dos rios são verdadeiros corredores abertos para o m ar. Eles tornam
possível que o clim a m ais úm ido das costas possa lu ta r, com m aio r ou m enor êxito,
contra a aridez do Sertão.
Essa “zona in grata” — na expressão de E uclides da C u n h a — , im ensa como o
mar, foi dom inada e dom esticada por hom ens austeros e sólidos, os vaqueiros, pastores
de grandes rebanhos itinerantes, sem pre à busca de pastos escassam ente distribuídos.
Essas boiadas abriram verdadeiras trilhas no Sertão. Seus condutores sabiam orientar-
se segundo as constelações ou a posição dos tab uleiro s. N em os rios conseguiam deter
a m archa sem fim. Para atravessar um rio, era só fazer a bo iada segu ir um hom em que
nadava à sua frente com um a carcaça de boi na cab eça. 10
Os cam inhos do Sertão eram tão p recário s11 que, até m eados do século XIX,
Salvador continuava a im portar, do N o rte ou do S u l, por via m arítim a, quase toda a
sua carne-seca e a exportar, tam bém por via m arítim a, rodos os produtos agrícolas
com erciais originários do Recôncavo. N a segunda m etade do século XIX, a Bahia
começou a romar consciência dos graves problem as colocados pelas suas comunicações
internas. A navegação fluvial já não aten d ia, havia m u ito tem po, todas as necessidades
dos centros agrícolas, criados e suscitados pelos vaqueiros e suas boiadas lá onde
tinham descoberto algum vale úm ido capaz de abrigar culturas fornecedoras de v iv e-'
res, de início para um consum o local e, depois, pouco a pouco, para a venda às regiões
costeiras mais populosas, cuja prioridade era o cultivo dc produtos de exportação:
açúcar, fumo, cacau, algodão e café.
Como transportar legum inosas e farinhas?12 Entre 1860 e 1923, fez-se um esforço
para desenvolver as ligações entre litoral e interior, já evocamos a navegação fluvial e
também a via férrea, recebida como o meio ideal c privilegiado para todos os tipos de
transporte. Mas ela permaneceu insuficicm e para cobrir os vastos espaços interiores. ^
Os discursos c relatórios dos presidentes da Província descrevem os graves problemas
que a administração não conseguia resolver c os belos projetos jam ais realizados. Em
1855, por exemplo, foi elaborado um m agnífico program a de rede ferroviária que
deveria ligar Salvador aos extremos sul e norte de sua Província.
O Recôncavo e o Agreste foram sempre mais bem-servidos de vias de com uni­
cação que o longínquo Sertão. Durante m uito tempo, os caminhos pioneiros, mar-
Li\ K o I - Os D o n s e a í A rm a d ilh a s d a N a tu r e z a 65

cados pelas trilhas das boiadas e das tropas de mulas, permaneceram as únicas vias
de ligação entre a cap ital e os sertões afastados dos rios. A febre do ouro e dos
diam antes, que levou exploradores à chapada D iam antina, durou pouco, mas pro­
vocou o surgim ento de cidades como A ndaraí ou Livram ento e tornou possível o
estabelecim ento de um a econom ia de subsistência no Sertão. As mercadorias, no
entanto, continuaram a ser carregadas em lombo de burro ou em carro de boi'; foi
preciso continuar a seguir as trilhas, a percorrer — matas, savanas ou caatingas aden­
tro os cam inhos abertos pelas boiadas. As paróquias que conseguiram fixar po­
pulações nos sertões nasceram da pecuária e do seu com ércio, da mineração e de
uma econom ia de subsistência cujos produtos circulavam nos mercados locais.
N ão há dúvidas de que os Sertões das boiadas é o lugar das contradições descritas
pelo escritor-poeta E uclides da C u n h a por volta de 1900: “barbaram ente estéreis,
m aravilhosam ente exuberantes (...), é um vale fértil, um pom ar vastíssimo sem dono”.14
' ■ ■ ■' js,

C a m in h o s M a r ít im o s : o S u l

O grande problem a que a B ah ia foi obrigada a enfrentar durante todo o século XIX,
principalm ente depois da década de 1 8 7 0 , foi o de seu desenvolvim ento agrícola, com
a im plantação de cu ltu ras diversificadas em regiões que, até então, tinham permane­
cido m arginalizadas, fosse porque os m eios de com unicação entre Salvador e sua
jh in terlân d ia eram de m á q u alid ad e, fosse porque a seca e as distâncias do Sertão
intim idaram d u ran te m u ito tem po os novos colonizadores, a não ser quando se tratava
de instalar currais para boiadas ou, entre 1840 e 1860, encontrar filões de ouro ou
diam antes. Restava o extrem o sul da Província, até o vale do M ucuri, um a espécie de
haste que faz fronteira com o E spírito Santo, estendendo-se ao longo do litoral, com
profundidade que não ultrapassa 150 quilôm etros. Rica em água e florestas, fértil,
ligada a Salvador por via m arítim a, testem unha, ainda hoje, a corrida às úteis terras
costeiras, característica dos prim órdios da colonização do Brasil. T ornar essa região
um novo Recôncavo parecia ser sonho possível. M as era preciso descobrir qual o
melhor produto a ser alí cultivado. Desde fins do século XVIII, Baltazar da Silva
Lisboa, ouvidor (cargo correspondente ao atual juiz de direito) da comarca de Ilhéus,
demonstrava incansavelm ente as possibilidades de exploração agrícola da região. Dois
notáveis da colônia, os irm ãos M anuel Ferreira da Câm ara Bittencourt e Sá e José de
Sá Bittencourt e A ccioli, publicaram trabalhos sobre seu desenvolvimento econômico.
A Coroa com partilhava o entusiasm o deles, sobretudo após a expulsão dos jesuítas,
principais senhores da região até 1 7 6 0 .1"’
Era necessário, entretanto, vencer inúmeros obstáculos. Depois da bacia do Ama­
zonas, a costa sul da Bahia é a região mais úm ida do Brasil. A umidade excessiva
dificultava o cultivo de cana-dc-açúcar. Ali teinava, endemica, a m alária. E, sobretu­
do, a costa estava isolada de suas terras interiores por um a vasta faixa de florestas
66 B a h ia , S é c u l o XIX
t: .'I c- (rõ

' # ^ v
% ^ \
tro p ic a is co m v ário s q u ilô m e tro s d e p r o fu n d id a d e , v e r d a d e ira se lv a , b a rre ira tão im ­
p e n e trá v e l q u e os novos p o v o a m e n to s d o in te rio r a n te s lig a v a m -se às c id a d e s lo n g ín ­
q u as d o S e rtã o d o n o rte, p re fe rin d o -a s a u m p o rto q u a lq u e r , m esm o m u ito m ais
p ró x im o . F oi esse o caso , p o r e x e m p lo , d e V itó r ia d a C o n q u is ta , q u e fazia p a rte da
c o m a rc a d e J a c o b in a , a p e sa r d e Ilh éu s e s ta r q u a tro v ezes m a is p e rto . O s reb an h o s do
rio d e C o n ta s d ir ig ia m -s e aos m a ta d o u ro s de S a lv a d o r, o q u e n ã o im p e d ia os h a b i­
tan te s d a co sta s u l d e se re m o b rig a d o s a im p o r ta r , p o r v ia m a r ítim a , a carn e-seca
p ro v e n ie n te d o lo n g ín q u o P ia u í. J á sab em o s q u e n ão era p o ssív el s u b ir os rios dessa
reg ião a lé m d a z o n a d e flo re sta d e n sa ; só o J e q u it in h o n h a , co m seu s cem q u ilô m e tro s
n av eg áv eis, p e r m itia a lc a n ç a r as reg iõ es in te rio re s d e v e g e ta ç ã o m e n o s c e rra d a , m as
su a foz e ra c h e ia de lo d o e p e rig o . A lé m d isso , n o m a r, c o rre m q u a se de fo rm a
c o n tín u a , p a r a le la m e n te à c o sta s u l d a P ro v ín c ia , recifes d e c o ra l p e rig o so s p ara
n av eg an tes in e x p e r ie n te s .16 T o d a s essas d ific u ld a d e s e a a u s ê n c ia q u a s e to ta l de co lo ­
nos tin h a m p e r m itid o a n u m e ro sa s trib o s in d íg e n a s — p a r tic u la r m e n te a fam osa
trib o dos A im o ré s o u B o to c u d o s — p re se rv a re m s u a in d e p e n d ê n c ia n as flo restas, o
q u e to rn av a a p e n e tra ç ã o p a r a o in te rio r a in d a m a is d if íc il.
P a ra d esen v o lv er a reg ião era, p o rta n to , n e c e ssá rio p a c ific a r os ín d io s e a p rim o rar
as co m u n ic a ç õ e s. M a s os p rim e iro s esfo rço s n esse s e n tid o fo ram lo g o p o sto s de lado.
U m a e strad a e n tre C a m a m u e o S e rtã o , m a l c o m e ç a d a , fo i a b a n d o n a d a . Pontes
p ro jetad as em 1 7 9 0 n u n c a fo ram c o n s tr u íd a s .17 T e m p e s ta d e s, recifes, em b o cad u ras de
rios ch eias d e lo d o , ao q u e p a re c e , n ão im p e d ir a m q u e as ro tas co steiras fossem
p referid as aos c a m in h o s terrestres. Jo ã o C a p is tr a n o d e A b re u c o n ta de q u e m o d o , em
1 8 0 8 , o d e sem b arg ad o r (ju iz d e tr ib u n a l d e se g u n d a in s tâ n c ia )18 T o m ás N avarro
v ia jo u por v ia terrestre e n tre a B a h ia e o R io d e J a n e ir o p a ra e s tu d a r u m a nova ro ta
para os C o rreio s: “Seu itin e rá rio a c o m p a n h o u sem p re a co sta, m en o s o n d e escarpas
m u ito ab ru p tas o o b rig av am a fazer d esvio s. O s rios — sem p o n tes e sem barqueiros
— eram sub id os até o p rim e iro v a u .”19 D o p o n to d e v is ta a g ríco la , o su l d a P ro víncia
só com eço u a desen vo lver-se rea lm e n te nos ú ltim o s anos do século XIX .
N a P ro vín cia d a B ah ia, a n atu rez a foi e x trem a m en te p ró d iga em suas dádivas.
Salvad o r, seu porto e sua h in te rlâ n d ia p ró x im a parecem ter sid o m ais bem aq u in h o a ­
dos. M as, desde o século XV III , os b aian o s m ais c lariv id en tes já co n h eciam as riquezas
inexp loradas d a P ro víncia. Por q ue não foram elas d ev id am en te ap roveitadas? F alta d e
cap itais e escassez de hom ens? F.m S alv ad o r e em seu R ecôncavo devem ser en co n tra­
das m u itas respostas a tais pergun tas.
LIVRO II

O P e so dos H omens
C A P Í T U L O 5

O P apel da H ist ó r ia

Q uais os hom ens ad equado s para povoar essa cap itan ia com tan tas regiões severas e
inóspitas? D ecerto hom ens fortes, d ecid id o s, dispostos a não m ed ir esforços, p rin ­
cipalm ente quando se estab eleciam a centen as, às vezes m ilhares, de quilôm etros da
costa bem m ais acolhedora, b an h ad a pelo oceano que aproxim a o em igrado da pátrla-
mãe e é prom essa constante de u m possível retorno. Instalado perto do litoral, se o
hom em se cansar de viver exilad o — seja p o rq ue o exílio não cu m p riu suas promessas,
seja porque, tendo prosperado, ele deseja acabar seus dias com a fam ília e em sua
aldeia, que m uitas vezes o viram u m a e o u tra p artir adolescente — o cam inho está lá,
ao seu alcance. M as o ho m em q ue se fixo u no A greste ou no Sertão interpôs entre ele
e os seus um a travessia su p lem en tar que, m u itas vezes, d ificu lta a realização do sonho
de um pronto retorno.
Q uantos foram esses hom ens in trép id o s que, d u ran te quase três séculos, ocupa­
ram e povoaram o vasto territó rio que form ava, no século XIX, a Província da Bahia?
A resposta a essa p ergun ta pressupõe o con hecim ento da evolução das formas de
ocupação da terra e a análise das precárias fontes disponíveis para o estudo das popu­
lações baianas. -
O atual Estado da B ahia nasceu paralelam ente à conquista do Brasil pelos portu­
gueses no século XVI. Os índios encontrados no lito ral eram T up is, que ali se haviam
estabelecido dois séculos antes, vindos, segundo se supõe, do A lto X ingu. Teriam
conseguido expulsar para o interio r as tribos Jês, conhecidas m ais tarde pelo nome de
1 apuias. Vivendo na faixa litorânea, os T up is — T upinam bás e T up iniqu ins — foram
os prim eiros a entrar em contato com os europeus, o que explica o fato de cies serem
mais bem conhecidos por nós do que os Jês ou os C ariris. Os T upis ocupavam as
regiões costeiras, os Jês o interior e os C ariris o Nordeste. '
Até 1534, os portugueses não sc interessaram por aquela terra recém-descober-
ta, pois estavam empenhados na consolidação de suas conquistas no Extremo Oriente.
Nessa perspectiva, o Brasil representava apenas um episódio em sua marcha para

69
70 B a h ia , S é c u lo X I X

o Leste- Desse prim eiro período, a história reteve o nom e de um cam ponês do
A lentejo, Diogo Álvares, dito o C aram u ru , 1 que chegou aproxim adam ente em 1511.
A dotado pelos indígenas, ele se tornou o p atriarca dc um a lon ga linhagem de
m am elucos, mestiços de branco e índio . Personagem m uito controvertido entre os
historiadores brasileiros — que, por vezes, o consideram um traidor da causa por­
tuguesa e, por outras, o prom otor das boas relações entre os europeus e os indí­
gen as no co m ércio do p a u -b ra sil e dos v ív eres in d isp e n sá v e is ao reab asteci­
m ento dos navios — , o fato é que D iogo Álvares ali estava, pronto a oferecer seus
serviços, quando, nos anos 1530, m udou a p o lítica portuguesa em relação ao Brasil.
A presença co n tín u a, na costa b ra sile ira , de navio s estran g eiro s — sobretudo
franceses — to rn ara-se u m a am eaça p alp áv el p ara a q u e la in acab ad a conquista
am ericana.
A fixação de povoadores dc origem européia em regiões em que a população
autóctone era pouco num erosa e nôm ade só se fez com a criação de núcleos urba­
nos. U m prim eiro passo dessa nova po lítica fora dado quando, em 1531, M artim
Afonso de Sousa fundou em São V icente, no atual Estado de São Paulo, um pri­
meiro núcleo de povoam ento estável. T rês anos depois, em 1534, dom João III de­
cidiu oficialm ente colonizar o Brasil, in stituin d o o sistem a de capitanias hereditá­
rias que tin h a dado bons resultados nas ilhas do A tlântico um século antes. Assim,
o Brasil foi dividido em quinze cap itan ias, cabendo a da B ah ia de Todos os Santos
a Francisco Pereira C outinho,
N ão temos o propósito de d iscu tir aqui as vicissitudes dessa breve tentativa de
colonização, destinada ao fracasso por causa da falta de hom ens e de capital, das
desavenças internas entre colonizadores ou entre estes e os indígenas, ou da escolha
de locais inadequados para as prim eiras povoações. O fracasso foi quase geral, pois
só as capitanias de Pernam buco e de São V icente conseguiram prosperar.2
D ecidida a instalação de um governo geral, em 1549 o capitão-m or Tomé de
Sousa desembarcou na baía de Todos os Santos para fundar a capital do Brasil, quase
cinqüenta anos dcpoís da passagem dc Am érico V espúcio pelo local. Encontrou ali
não mais do que os restos incendiados de um a pequena aldeia, que ficou conhecida
como V ila Velha, c uns cinqüenta habitantes de origem européia que viviam sob a
proteção dc Caram uru c seus fiéis am igos índios.^ Seguindo ordem expressa de dom
João III, I omé de Sousa escolheu um novo local, “mais para dentro da baía”, para
instalar os homens que o acompanhavam. No R egim ento que estabelecia direitos e
deveres do capitão-mor, o rcí determ inava fossem construídas “uma íortaleza e uma
povoação grande c forte, cm loca! conveniente, para. a partir dali, ajudar os outros
povoamentos e adm inistrar justiça”. Iim dois meses foram levantados os armazéns da
Cídade Baixa e, na Cidade Alta, o palácio do governador, a Câm ara M unicipal, o
bispado e uma primeira igreja, a dc Nossa Senhora da Ajuda. Tratava-se, evidente­
mente, dc frágeis construções dc taipa. Dois anos mais tarde as chuvas de inverno
destruíram uma parte da muralha que as cercava.
SSvíp>>,..
L iv r o II - O P e so d o s H o m e n s 71

O que im pressiona nessa B rasília do século XVI é seu traçado regular, apesar do
terreno acidentado que já conhecem os.4 Os habitantes c as autoridades tentaram
conservar esse mesmo traçado quando, no fim do século XVI, a cidade ultrapassou
seus lim ites prim itivos, espalhando-se sobre os morros e os vales das cercanias. No
recinto da cidade ton ificada, protegido por numerosas torres, o espaço era repartido
por sete ruas: quatro lon gitudinais em relação à costa c três transversais. Elas desem­
bocavam em duas praças: a da A juda, diante da igreja de Nossa Senhora da Ajuda, e
a do Palácio, cercada por edifícios adm inistrativos. T inha-se acesso à cidade por duas
portas: a de San ta Luzia, ao sul, que ligava Salvador ao prim itivo povoado de V ila
Velha e à sua paróquia de Nossa Senhora das V itórias; e a de Santa C atarina, que se
abria para o norte. A lgum as décadas m ais tarde, essas portas tom ariam o nome dos
conventos que foram construídos nas suas proxim idades: a do sul passou a ser cham a­
da porra de São Bento e a do norte, porta do C arm o.
É inútil tentar avaliar a população desse prim eiro núcleo urbano, que reunia
os hom ens chegados com o fu n d ad o r, in d íg en as utilizado s como m ão-de-obra,
alguns em igran tes p o rtugueses e um co n tin g en te de m arin h eiro s em trânsito.
Só sabemos que, já em 1552, duas paróquias — a da Sé, dentro do recinto fortifi­
cado, e a de Nossa Senhora das V itórias (V itória), na velha aldeia de Diogo Álvares
— repartiam entre si os fiéis da cidade, o que dem onstra que os sobreviventes da
prim eira tentativa de povoam ento não se haviam unido aos homens de Tomé de
Sousa dentro da área pro tegida.5 A existência de um a paróquia além -m uros prefigu-
rava a vocação din âm ica do prim itivo núcleo oficial. R apidam ente, a cidade ultra­
passou seus exíguos lim ites, estabelecendo-se um jogo perm anente entre uma sede
urbana que tinh a seus próprios pomares e hortas e o campo vizinho, urbanizado,
que se sentia parte da cidade-capital. A partir da década de 1560, as portas do re­
cinto fortificado p erm aneceram abertas, e a m u ralh a foi deixada praticam ente
destruída. '
A cidade e seus novos prolongam entos além -m uros, Palma e Desterro, temiam tão
pouco ataques inim igos que, sem efetiva proteção, foram conquistadas facilmente
pelos holandeses — é verdade que por pouco tempo — em 1624/’ Na época, âs
ladeiras da Conceição c da Preguiça — esta últim a assim chainada porque se podia
percorrê-la de carroça, cm pequenas carruagens ou em cadeirinhas de arruar , que
ligavam a C idade Alta à C idade Baixa, tinham sido acrescentados dois novos ca­
minhos, as ladeiras do Tabnao c da M isericórdia, que levavam, como as primeiras, a
cinco pontos de desembarque: o arsenal, o da pesca, o do desembargador Baltasar
berra/,, o das amarras e, finalm ente, o dos padres, que pertencia aos jesuítas. A Cidade
Baixa, qnc algumas décadas antes não passava de um depósito, transformara-se num
ativo mercado, local de troca entre as mercadorias vindas da Europa ou do Oriente e
os produtos da terra, trazidos pelos agricultores da região: produtos de subsistência
como farinha dc mandioca, feijão dc diversos tipos e milho — e também de exporta­
ção, como pau-brasi), algodão c açúcar, no século XVI; açúcar, algodão, fumo c pau-
72 B a h ia , S éc u lo XIX

brasil, no século XVII e, no século X V III, açúcar, fum o, algodão, m adeiras diversas,
couros, álcool de cana e ouro.
O açúcar foi o produto -rei, a verdadeira riq ueza de Salvado r du ran te todo esse
período.7 Fixou o negociante à b eira-m ar, perto dos arm azéns, e fez com que estabe­
lecesse ali seu d o m icílio . T an to assim que a estreita faixa de terra que acom panha o
lito ral e m orre ao pé da encosta em q ue ia sendo co n stru íd a a C id ad e A lta tornou-se
paróquia em 1623, sob a proteção de N ossa Sen h o ra da C o n ceição da Praia. As três
paróquias o rigin ais — a Sé, a V itó ria e a C o n ceição d a P raia — testem unham , cada
um a à sua m aneira, o en raizam en to de u m a colonização vito rio sa e d in âm ica. Com o
desenvolvim ento de Salvador, foram criadas sete novas paróquias: Santo Antônio
A lém do C arm o em 1638, S en h o ra de San fiA n a em 1 6 7 3 , São Pedro o V elho em
1676, S an tíssim o Sacram ento d a R u a do Paço em 1 7 1 8 , N ossa Senh ora de Brotas e
Nossa Senhora do P ilar em 1718 e, fin alm en te, N ossa Sen h o ra d a Penha em 1760.
A que crescim ento p o p u lacio n al correspo ndeu essa m u ltip licação de paróquias?
A que m u ltip licação de ho m ens, sem os q u ais nadjt p'ode ser feito e que, todos os
días, lu tam para sobreviver ou p ara en riq u ecer? N os lim ite s d e u m a dem ografia pou­
co conhecida, tentarem os elu cid ar esse-problem a no c ap ítu lo q ue se segue. Lembre­
mos, apenas, que o m ilh a r de "habitantes dos anos 1 55 0 estava m u ltip licado por
cinq üen ta no fim do período co lo n ial, sem levar em co n ta a h in terlân d ia vizinha,
nem a m ais afastada, onde se estabeleceram de bom grado povoadores novos ou
nativos d a cidade, con quistadores de u m espaço v irgem , m odelado à custa do pró­
prio suor. U m espaço de dim ensões h u m an as, q u an d o se trata do Recôncavo; mas
afastado, lo n gín qu o e severo, q u an d o se trata do A greste e do Sertão, que juntos têm
o tam anho da França.

A C o n q u is t a d o I n t e r io r

A ocupação do in terio r baiano realizou-se por um du plo processo: a conquista da terra


e seu posterior povoam ento. A ntes de colonizar, foi preciso vencer os obstáculos
naturais que já descrevem os, assim com o a resistência dos T up is, Jês e Cariris que
habitavam aquelas regiões. A população das 4 7 aldeias de índios exisrenres no Recôn­
cavo foi rapidam ente dizim ada, e a expansão dos colonos tom ou a direção da penín­
sula dc Iguape, dc Itapíra c do rio V erm elho. Foram verdadeiras guerras de extermínio,
durante os governos de T om é de Sousa (1 5 4 9 -1 5 5 3 ), D uarte da Costa (1 5 5 3 -1 5 5 7 )
e M em de Sá (1 5 5 8 -1 572). F,ste últim o com andou cm pessoa a expedição decisiva em
1559 e m andou construir na região de São Francisco do Conde um engenho, chamado
Sergipe do Conde, que — doado depois aos jesuítas — se tornou célebre, por ter sido
o unico a deixar docum entação escrita sobre sua exploração.8 Um a vez vencidos os
índios e destruída a vida tribal, os colonos chegavam para plantar algodão, mandioca
e, sobretudo, cana-de-açúcar. Esta era cultivada em grandes plantações (anexas a um
L tv ro 1 1 - 0 P eso d o s H om ens 73

engenho) ou por lavradores {livres ou 'obrigados' a moer sua cana em determ ina'
do engenho), Nos tempos que se seguiram , um a única am eaça pairou sobre os esta­
belecim entos agrícolas do Recôncavo: o risco dc um a invasão dos holandeses. Esres, já
vimos, estiveram na Bahia em U>24 e novam ente cru 1638, quando um a resistência
bem organizada frustrou seus objetivos e debelou o perigo.
Acom panhados por fam ílias, agregados, escravos negros e lavradores livres ou
'obrigados', os senhores de engenho fixaram -se no Recôncavo em grande número: São
Francisco da Barra do Rio de Sergipe do C onde foi o prim eiro dos vários núcleos
populacionais que então se form aram em torno de capelas pequenas, isoladas e hum il­
des. Em 1659, o povoado contava com 325 fogos e 2 .7 2 4 alm as, e catorze engenhos
tinham se desenvolvido nos seus arredores. São Francisco do C onde recebeu seu foro
em 1693, ju n to com a vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de C achoeira, que
prosperara na m argem esquerda do Paraguaçu, por onde passava o cam inho que ligava
Salvador ao Sertão do São Francisco e que servia com o centro com ercial para os
engenhos de açúcar do ígu ap e e para as plantações de fumo da região de São Gonçalo
dos Cam pos.
Duas novas vilas foram criadas no Recôncavo no século XVIII, ambas em 1724:
Santo Am aro de Nossa Senh ora da Purificação (no cenrro da região açucareira) e São
Bartolomeu de M arago jip e que, em 1759, tinha cerca de 4 .5 0 0 habitantes. M aragojipe,
Jaguaripe e Nazaré eram as principais regiões produtoras de farinha de m andioca no
Recôncavo. Assim , no fim desse século, a região contava com quatro vilas: São Fran­
cisco do C onde, C acho eira, Santo A m aro e M aragojipe, além de um a quantidade de
pequenos povoados surgidos em torno das capelas das propriedades agrícolas mais
im porrantes, com o nas já citadas regiões de Jagu arip e e Nazaré.
No século XIX, o Recôncavo estava repartido em oito m unicípios: Candeias,
■São Francisco do C onde, Sanro A m aro, C achoeira, M aragojipe, Jaguaripe, Nazaré
das Farinhas c A ratuípc. A h in teríân d ía próxim a dc Salvador havia sido conquista­
da, de m aneira rápida c estável, por um a população de agricultores que tentaremos
estimar com os poucos recursos que 110^ facultam ,os dados dem ográficos disponí­
veis, m uito im precisos, v. f
Mas nem todos os colonos se estabeleceram no Recôncavo, à distância de um ou
dois dias de marcha da costa. O vasto Sertão não tardou a atrair os mais pobres ou
mais corajosos. Já m encionam os como o avanço das boiadas para o interior deu vida
à região. Missões religiosas, que buscavam converter os índios, tam bém ocuparam o
Nordeste baiano. B ficaram conhecidas como Filtradas as expedições que partiam de
vários pontos do litoral, subindo os rios para conquistar novas terras, fazeriguerra^aos
índios Cariris, Anaiós, Caiapós, Acroiás c Poiás ou descobrir metais e pedras preciosas.
Foram estas as três maneiras dc tomar posse do Sertão baiano, c cada uma delas “
desempenhou um papel mais ou menos im portante, segundo as regiões. O rei conce- ^
dia aos chcfcs dessas expedições as sesmarias, propriedades grandes» ;\s vezes equivalen- o
tcs a vários m unicípios. Freqüentem ente, esses chefes pediam e obtinham as sesmarias
74 B a h ia , S é c u l o XIX

antes mesmo dc haverem empreendido a conquista: “Basta ter tinta e papel para fazer
as petições de concessões , dizia Capistrano de Abreu.
As principais missões religiosas, que pertenciam aos padres da Com panhia de
Jesus, aos frades capuchinhos e aos franciscanos, reuniam índios catequizados, com os
quais os religiosos construíam capelas e organizavam plantações e currais para o gado.
Os jesuítas fundaram as missões de Nossa Senhora do Socorro, C anabrava, Saco dos
Morcegos, Naruba e M anguinhos; os capuchinhos estabeleceram aideamentos em
*■Aramuru, Rodelas, Pambu, Poxim, P a c a r u b a j:n a ilha de U rucapé; os franciscanos
tinham missão na ilha dos Guanhãs. Essas missões foram violentam ente combatidas
pelos grandes sesmeiros, que quase sempre preferiam , ao convívio, m atar ou expulsar
os índios para tomar suas terras. D urante o século XVII, as duas grandes famílias de
sesmeiros — os Ávila da Casa da Torre e os Guedes de Brito da Casa da Ponte —
conseguiram expulsar de suas terras todas as missões religiosas.
De modo geral, o desenvolvimento das povoações sertanejas e das grandes pro­
priedades interioranas, tão afastadas da sede do governo, nao seguiu o modelo do
Recôncavo. No longínquo Sertão, os núcleos de povoam ento perm aneceram , durante
m uito tempo, verdadeiros mundos perdidos, isolados, com um a população rarefeita e
itinerante. Sabemos, por exemplo, que, íá pelo ano de 1759, Jerem oabo era um mi­
serável agrupam ento de 32 casebres e 252 habitantes, e que, num a região'que se esten­
dia por milhares de quilôm etros quadrados — a do Itapicuru e do Vaza-Barris —,
contavam-se, no mesmo ano, 4 .8 9 3 casas e 3 8 .5 1 4 habitantes, o que representa uma
densidade de menos de um habitante por quilôm etro quadrado. A descoberta de filões
auríferos na serra de Jacobina no início do século XVIII representara um incentivo
passageiro para o povoamento do Nordeste baiano. A busca de metais preciosos, de
diamantes ou de pedras semipreciosas não se distinguiu, como forma de ocupação das
terras sertanejas, da guerra m ovida contra os índios ou mesmo do ruído dos chocalhos
que retiniam nos pescoços do gado que cruzava o Sertão.
Vejamos alguns exemplos. A inda no século XVI o prim eiro dos grandes proprie­
tários de gado, Garcia d’Ávila, transferiu seus imensos rebanhos da península de
Itapajipe, ao norte da baía de Todos os Santos, para a ponta de ^Itapoã.» ninVhém
situada ao norte da cidade, mas à beira do A tlântico. A li, ele erigiu sua fortaleza — a
Casa da Torre,; e dali, combatendo os índios, avançando cada vez mais para o
interior, Garcia d’Ávila e seus descendentes conquistaram imensas terras do Sertão,
chegando ao São Francisco e ao M aranhão.
Em 1671, um bandeirante veio de São Paulo para lutar contra os índios Cariris c
Jes, sob as ordens dc Alexandre Sousa Freire, capitão-mor da Bahia. Ocupou o Alto
Paraguaçu e participou da destruição do famoso quilombo dos Palmares, desmantela­
do em 1675. Seu filho, Manuel Parente, estendeu as conquistas do pai até o rio São
Francisco, apossando-sc dc imensas sesmarias, que iam até a região de Itaberaba e a
serra do Cristal. Seu nome ficou ligado á abertura da estrada que permitiu a comuni­
cação entre Cachoeira e o São Francisco.
L iv r o II - O P e so d o s H o m e n s 75

Um rerceiro exemplo é demonstrativo de como a atividade mineradora podia abrir


uma região à colonização. Partindo de Salvador em 169 6 -16 97 , o baiano Pedro
Barbosa Leal explorou a serra dc Jacobina, ali encontrando salitrc e ametistas. Nomea­
do governador da fábrica de salitre em Curaçá, foi também o primeiro a explorar as
minas dc ouro descobertas pouco mais tarde na região. Já velho, financiou a constru­
ção, em Salvador, do convento das ursulinas (Mercês) . ' 1
A busca do ouro, da prata e de pedras preciosas, as expedições militares para
exterminar índios e a condução do gado em imensas boiadas que exigiam novas
pastagens, todas essas incursões foram, de algum modo, responsáveis pela ocupação do
inrerior baiano, No fim do século XVII, a C apitania da Bahia já tinha sido percorrida
em todos os sentidos. Era terra conhecida, mas pouco povoada. Sua ocupação efetiva
iria depender do dinam ism o da capital, a Cidade da Bahia.

U ma M etró po le C o l o n ia l ?

De certa maneira, Salvador caracterizou-se pelo fato de ter sido fundada ex-nibilo. As
populações indígenas encontradas pelos portugueses eram nômades ou seminômades,
dotadas de um a organização econôm ica que se lim itava a coleta, caça e pesca. As tribos
combatiam entre si. Segundo os critérios europeus da época, elas eram pouco ‘evoluí­
das’ do ponto de vista socioculturaí. 12 Não existia no Brasil nenhum a daquelas cultu- .
ras indígenas ‘adiantadas’, como as que os espanhóis encontraram no M éxico, Peru,
Bolívia e Guatemala. Não havia, por conseguinte, qualquer riqueza acum ulada que
pudesse ser conquistada. É certo que o precioso pau-brasil havia tornado rentáveis as
viagens entre o V elho M undo e o Brasil mas, a longo prazo, essa única fonte de lucros
não justificava um esforço verdadeiro de colonização e povoamento. M as a determ ina-^ ©
' ção dos portugueses criou, na C olônia, um centro produtor de açúcar, cuja expansão
exigiu a conquista de novas extensões de terra e o estabelecimento de bases financeiras A..:.-—
próprias. Ali, poderiam ser utilizadas as técnicas já experimentadas nas ilhas do A tlâ n -^ ^ J V* «
tico e a mão-de-obra negra disponível nas costas africanas. J l* ^
Na Europa, crescia cada vez mais o consumo de açúcar, que estava destinado a ser
a .principal riqueza do Brasil. Foi este produto que fixou os colonizadores, tornando
possível a ocupação permanente das terras conquistadas. Na Bahia, a experiência
colonizadora de Francisco Pereira Courinho resultou na implantação de canaviais e na
construção de três engenhos. Assim, aos imperativos polícico-administrativos que
motivaram a fundação da cidade dc Salvador em 1549, somou-se o imperativo econô­
mico. A colonização criou, na Bahia, uma economia agrícola de monocultura, comple­
mentar à economia portuguesa. A produção maciça de um único bem e a atrofia quase
total de manufaturas originaram , por sua vez, uma situação de dependência econômi­
ca. Excluídos os panos grosseiros feitos por tecelões locais e destinados a um consumo
restrito em engenhos e fazendas, a metrópole sempre aplicou com rigor uma legislação

\a- t" *
76 B ah ia , S éculo XIX

que im pedia qualquer rentativa de desenvolvimento do Brasil colonial. Este não foi o
caso, por exemplo, da América Espanhola; no M éxico, cidades como Puebla e Oaxaca
devem sua prosperidade no século XVII à instalação de m anufaturas de tecidos.
Salvador foi um a metrópole colonial? Até que ponto esse tipo de relação de domí­
nio entre Portugal e seus postos avançados no Novo M undo autoriza qualificar como
metrópole um a cidade colonial, mesmo quando ela preside os destinos de uma vasta
região? Que é uma metrópole? Pode-se falar de m etrópole colonial?
Há m uito tempo a definição de m etrópole não m ais se baseia no fato de uma
cidade ter pelo menos cem m il e no m áxim o setecentos m il habitantes. Atualmente
predominam critérios relativos ã função exercida: “É m etrópole qualquer cidade que
não dependa de outra cidade, que se situe no topo da organização urbana, podendo
assim colocar-se em pé de igualdade, sem qualquer dependência, com as outras cidades
que se encontram na mesma situação.”13 Para ser dign a desse nom e, um a metrópole
tem o dever de urbanizar as regiões que lhe são próxim as e de m oldar as atividades do
campo vizinho de acordo com suas próprias necessidades.
Essa definição se aplica m al, é claro, ao m odelo de m etrópole colonial, pois esta
deriva sua existência das necessidades e da vontade de outro centro, que exerce o
dom ínio, em geral situando-se geograficam ente m uito longe da colônia, como Lis­
boa, Londres, Am sterdã ou Sevilha. O riginariam ente, m etrópole é, por conseguinte,
“um Estado ou um a cidade considerada em relação a suas colônias, a seus territó­
rios exteriores”.14 É esta, certam ente, a definição prim eira. Só por extensão é que se
passou a usar esse termo para designar a cidade m ais im portante de uma região ou
de um país.
Pierre George define dois tipos de m etrópole. O prim eiro deve possuir “organis­
mos completos, característicos do conjunto dos m ecanism os econômicos do mundo
capitalista”. O segundo é representado por cidades fundadas com objetivos comerciais
por populações em igradas durante o período colonial, tendo som ente dois setores de
atividade: o setor prim ário regional e o setor terciário .15 Em geral, as metrópoles
coloniais correspondem a essa segunda categoria. Estava neste caso Salvador, cidade
portuária, em inentem ente com ercial e cuja atividade principal era, sem dúvida, o
encaminhamento, para o exterior, dos bens de consumo produzidos em sua hinrerlândia.
As metrópoles coloniais eram fortem ente marcadas pela influência do mundo
rural a que estavam ligadas. Como regra geral, não passavam de simples pontas-de-
lança do mundo voraz das nações colonizadoras e não podiam exercer o papel metro­
politano que, cm circunstâncias diferentes, sua massa e seu peso humano lhe poderiam
ter conferido. Por outro lado, as metrópoles coloniais crescem c prosperam em detri­
mento da região em que se situam . As pequenas cidades fundadas para estender sua
influência ao campo nunca conseguem seguir seu ritmo de crescimento e, muito
menos, superá-la em importância e vigor e c o n ô m ic o ,E sse crescimento macrocéfalo
das metrópoles herdadas dos tempos coloniais ainda pode ser constatado em quase
todos os países do Novo Mundo.
L iv ro II - O P eso d o s H om ens
77

Sabemos que a org^rfízação política, adm inistrativa e econômica instalada e m l


Salvador criou estruturás sociais que determ inaram todo o desenvolvimento da cidade. (
Entre 1534 e 1889/diferentes tipos de organização foram sucessivamente impostas àV
Bahia e sua hinteríândia. Descrevê-los, mesmo de m aneira breve, pode ajudar a com- \
preender como e por que alguns núcleos de povoamento se desenvolveram melhor do j
que outros. /
Nas prim eiras décadas do século XVI houve um a exploração muito grosseira dos
recursos naturais brasileiros, com pouca ou nenhum a preocupação de domínio efetivo
sobre as terras recém -descobertas, bem como total ausência de organização econômica
ou adm inistrativa. U m a segunda fase se iniciou com a necessidade de proteger a
conquista contra incursões de navios estrangeiros. Foi essa, como vimos, a época das
capitanias hereditárias: o Estado centralizador conferiu amplos direitos a particulares
que, em contrapartida, deviam organizar econom icam ente as imensas extensões de
terra que lhes eram atribuídas, estabelecendo nelas formas rudimentares de organiza­
ção m ilitar e ad m in istrativ a.1'' M esm o depoís de 1549 e da instauração de um governo
geral diretam ente ligado à Coroa portuguesa, o Estado perm aneceu ausente, deixando
aos particulares — senhores de engenho na m aior parte dos casos — grande parte dos
poderes políticos, da organização econôm ica e até da adm inistração. O Estado lim i­
tou-se a estim ular as iniciativas particulares ou a coordenar as estruturas militares e
adm inistrativas. Os senhores de engenho tinham em suas mãos o poder local nos"^1'*^ *
conselhos m unicipais, e sua política podia até opor-se à da metrópole colonizadora. 18
Tudo se passava relativam ente bem enquanto os objetivos do segmento dom inante da
população brasileira — a que produzia e com ercializava o açúcar — coincidiam com
os da m etrópole.
Em meados do século XVII, todavia, a adm inistração real m odificou sua postura
de tolerância benevolente para com os senhores de engenho, agindo assim sob influên­
cia de um a nova classe de m ercadores, geralm ente de origem portuguesa, que passou
a monopolizar a com ercialização da produção agrícola. Até então, as estruturas sociais
eram relativam ente pouco diferenciadas. 19 Pouco a pouco criaram-se, porém, grupos
interm ediários, quase todos ligados a atividades m ercantis, cujos objetivos coincidiam
com os de Portugal. Fortalecida pelo apoio que encontrava entre esses mercadores, a
metrópole m odificou sua política de urbanização, tendo em vista dom inar o espaço
agrícola, os serviços e a m anufatura, até porque a população urbana crescia sem cessar.
Esboçou então um plano de urbanização e passou a controlar a fundação de vijas e_
povoados.20 A nova política se m anteria por dois séculos, do fim do século XVII ao
fim do XIX. Representou a criação, pela adm inistração — real e, em seguida, imperial
— , de um controle efetivo sobre todas as populações do país.
Salvador, n o e n ta n t o , continuava como um caso particular. Desde sua funda
ção, a cidade fora objeto de atenções especiais, pois era cidade-capital, cidade real.
Nós a vimos, ainda nos seus primórdios, dotada de uma estrutura urbana herdada
de experiências adquiridas nas índias.21 Vimos, em seguida, nascerem novas vilas,
78 B a h ia , S é c u l o X I X

novas paróquias, novos povoados/Teria a criação desses núcleos contestado de al-


y -g u m modo a hegem onia excludentc exercida por Salvador sobre a imensa capitania
0' / baiana? Ainda não podemos responder. É certo que Salvador exercia um a domina-
^ A ção delegada por outro centro m aior, outra m etrópole, a distante Lisboa, que a con-
^ /trolava, im pondo-lhe ritmos segundo um a conjuntura que era, sem dúvida, mais
• ( européia do que brasileira. M as isso não im pediu que a C idade da Bahia fosse um
t centro a um só tempo exportador e im portador, verdadeira praça m ercantil de múl­
tiplas funções. ^ T-,

Salvador, M etró po le d o N ovo M u n d o

Porto de exportação de pau-brasil, açúcar, algodão e fum o, Salvador era também um


im portante porto de im portação, um em pório para os produtos m anufaturados vindos
de Portugal e do Extremo O riente22 e o m aior m ercado de escravos trazidos da África.
A partir do últim o quarto do século XVII, cresceram as trocas entre Salvador e os
vastos territórios que procurava povoar e desenvolver, A descoberta do ouro na vizinha
M inas Gerais provocou, nas três prim eiras décadas do século XVIII, um significativo
deslocam ento populacional para as terras interiores. Não se sabe qual foi a contribui­
ção da Bahia para esse m ovim ento, mas não resta dúvida de que os que iam em busca
de m etais preciosos dependiam , para alim en tar-se, da agricu ltu ra e da pecuária.
O principal alim ento era a carne bovina, e assim as fazendas de gado se m ultiplicaram
por toda a região do São Francisco. Os mascates que saíam de Salvador estabeleceram
correntes perm anentes de troca, que inclu íam produtos alim entícios, manufaturados
e escravos: tudo podia ser trocado pelo precioso ouro.23 Após inúm eros dias de marcha
pelo Sertão, seguindo as trilhas por onde o gado passava, chegava-se ao vale do São
Francisco, a grande via de com unicação entre o Nordeste e o Centro da Colônia, entre
as regiões de produção e im portação e as novas regiões de consumo. Era, poís, essencial
o papel de Salvador na distribuição de produtos m anufaturados, no reabastecimento
de gêneros alim entícios e no fornecim ento de m ão-de-obra escrava, sem a qua! ne­
nhum empreendimento se tornava viável. Através dessas práticas, Salvador dominava
os outros centros econômicos da C olônia.2^
O ouro descoberto no território da C apitania da Bahia em torno da vila de
Jacobina e na região dos tabuleiros, conhecida como chapada D iam antina, não corres­
pondeu à expectativa dos exploradores, mas incentivou o povoamento dessas regiões
e, conseqüentemente, a movimentação de pessoas e mercadorias, necessária à sua
sobrevivência. Salvador afirmou-se como praça mercantil, abastecendo-se a si própria
e a um vasto território que ia do Piauí, a noroeste, Sergipe e Pernambuco, ao norte,
Minas Gerais, a sudoeste, e São Paulo, ao sul, exportando açúcar, fumo, algodão e,
agora, Com isso, a Cidade da Bahia tornou-se uma metrópole, capitaneando
uma região muito mais vasta que sua hintcrlândia im ediata.25
L iv ro II - O P eso d o s H om ens
79

Os progressos de Salvador como m etrópole regional suscitaram ciúm es. N a déca­


da de 1720, foi proibida de negociar com M inas G erais, sobretudo para im pedir o
contrabando de enorm es q uantidades do precioso m etal. O poder real controlava com
m aior facilidade os cam inhos existentes entre M inas Gerais e as capitanias de São
Paulo e do Rio de Jan eiro . Pouco a pouco, aliás, M inas foi desenvolvendo áreas
agrícolas e aum en tan d o a pecuária, que fin alm en te lhe conferiram certa independência
em relação à B ahia, sua an tig a provedo ra.26 Em 1763, a sede do governo da C olônia
foi transferida para o R io de Jan eiro , e Salvador perdeu seu título de capital. Por essa
época, a queda d a produção au rífera em M in as G erais privou de sua principal riqueza
os m ineradores, que se v o ltaram para atividades agrícolas ou pecuárias, ou então,
aproveitando u m novo im pulso na produção açucareira, tom aram o cam inho de volta
e instaíaram -se perto do lito ral.
Salvador se ad ap to u sem m u ita d ificu ld ad e a essa nova situ ação .27 As vilas e
povoados do in terio r — que, em 1 8 0 0 , eram A brantes, B onfim , Santo A ntônio do
Pam bu, Itap icu ru , Ja co b in a, Jerem o ab o , N . S. do Livram ento do Rio de Janeiro,
M onte A lto , M o rro de C h ap éu , P ilão A rcado, Pom bal, Á gua Fria (m ais tarde, Purifi­
cação), San to A n tô n io das Q u eim ad as, Sento -Sé, Soure, T rancoso, T ucano e U rubu
— co n tin u aram a d esem p en h ar o papel de traço de união entre a ddade-p orto e o
m undo ru ral. U m a v aried ad e de lavouras de sub sistência e a criação de gado assegura­
vam a Salvado r u m a vasta zo n a de in flu ên cia n u m a região de econom ia quase fechada,
na qual lhe cab ia d istrib u ir as m ercadorias de além -m ar. Em m eados do século XIX,
conscientes d a im p o rtân cia regio n al do porto, os dirigentes políticos da Província e os
representantes dos com erciantes d a cap ital tentaram aprim orar as vias de com unica­
ção, co n stru in do ferrovias e m elho ran do as condições de navegabilidade dos rios.
P retendiam , com esse p lan o , criar sub-regiões capazes de dinam izar o interior. M as,
por um a série de razões de ordem geográfica, p o lítica ou adm inistrativa, as ambições
c os interesses econôm icos se con jugaram de tal m odo que todas essas tentativas de
im plantação de cap itais regionais au m en taram m ais ain d a a influência de Salvador no
meio rural: as capirais do in terio r lim itaram -se a centralizar a produção agrícola e
encam inhá-la para a C id ad e da B ah ia, que a consum ia ou vendia para o exterioiverru
um tipo de organização espacial que fortaleceu a dependência da im ensa hm tefíandia
com relação a Salvador. A ssim , a cidade acabou por concentrar os recunmsTinanceiros,
econôm icos, sociais e políticos de coda a Província. M acrocéfala, a urbe atraía popu­
lações rurais, dc tal forma que estas, sobretudo depois de 1850, habítuaram -se a refluir
em massa para a capital por ocasião das grandes secas que devastavam , e ainda devas­
tam , periodicam ente o Sertão.28
À prim eira vista, Salvador parecia um centro dinâm ico capaz de adaptar-se aos
im perativos ditados por um a conjuntura freqüentem ente m utável. Na realidade, atrás
dessa fachada escondia-sc um a fraqueza decisiva: o comércio, atividade essencialmente
interm ediária, im pediu o desenvolvim ento de um setor produtivo ligado a atividades
industriais que fossem independentes do setor açucareiro. Fraqueza que era ao mesmo
80 B a h ia , S éculo X I X

tempo conseqüência de uma estrutura econômica incompleta e produto de atitudes


mentais de dirigentes, em sua maioria incapazes de compreender a nova conjuntura
econômica.29 No meio do século XIX, alguns esforços no sentido de criar na Província
uma indústria têxtil não conseguiram criar um fluxo contínuo de investimento, pro­
dução e lucros. A Bahia, como aliás o resto do Brasil, continuou a consumir produtos
manufaturados no exterior, e assim a Salvador do século XIX nunca perdeu suas
caractcrísricas de metrópole colonial, de cidade interm ediária, de simples depósito de
mercadorias vindas do exterior ou, nas últim as décadas do século, do Sul do Brasil,
^ f onde Rio de Janeiro e São Paulo já experimentavam um desenvolvimento industrial.30
L Essa ausência de desenvolvimento industrial se refletia no baixo nível de vida da
^ ^ 7 população, ainda dedicada ao pequeno comércio ou ocupada em serviços temporários.
iaíT IL A administração pública, por sua vez, absorvia um excedente crônico de mão-de-obra.
■ A influência de Salvador como m etrópole colonial regional dim inuiu progressi­
vamente a partir do final do século XIX e, sobretudo, da terceira década do século
XX, quando a cidade entrou num a nova fase de refluxo econômico que restringiu
consideravelmente sua área de influência, que antes atin gia o comércio de toda a
Província e de grandes regiões das províncias vizinhas. Com o os dirigentes políticos e
as elites econômicas não foram capazes de desenvolver vias rápidas de comunica­
ção,31 pouco a pouco se foram tecendo laços com erciais entre os núcleos de povoa­
mento dos vastos tabuleiros do Oeste baiano e cidades de Goiás ou dc Minas. Para se
abastecer de gêneros alim entícios e produtos m anufaturados, a região do São Francis­
co estabeleceu vínculos diretos com cidades m ineiras, como Belo Horizonte, Pirapora,
Montes Claros ou Jan u ária.32 A única região da Bahia que experimentou um novo
dinamismo foi o Litoral Sul, no seu eixo Uhéus-Itabuna, que, graças à cultura do
cacau, sobrepujou o Recôncavo açucareiro, cujos métodos de produção eram quase
( idênticos àqueles utilizados no século XVI.33 Com o pólo dinâm ico da economia
•jvstí \ baiana se deslocando para a região do cacau, Salvador tornou-se entreposto e centro
í s v j r ara a comercialização e exportação da nova riqueza. M as essa cultura não produziu
uma acumulação de capital na cidade.3^ Grande parte dos capitais excedentes foi
reinvestida em outros lugares, sobretudo no Rio de Janeiro. Além disso, o Sul da
Bahia não se reabastecia mais em Salvador, mas diretam ente em V itória, no Rio dc
Janeiro ou em M inas Gerais. 4' ^ V ZX
Finalmente, é preciso m encionar que a influência de Salvador se exerceu com mais
facilidade na direção nordeste do que na direção sul. De fato, Juazeiro, principal
cidade do Médio São Francisco, prolongava a influência da capital baiana até Sergipe
e Pernambuco, apesar da concorrência do porto de Recife, capaz de fornecer alguns
produtos às populações do Agreste e do Sertão Norte e Noroeste, a preços mais
competitivos que aqueles dc Salvador.39
No entanto, neste século, durante mais de cinqüenta anos a cidade ainda conse­
guiu viver do brilho dc glórias passadas, graças ao seu antigo prestígio de metrópole
comercial e de centro administrativo e religioso. Quando ainda era a primeira, seus
L i v r o II - O P e s o d o s H o m e n s 81

sucessos haviam escondido de seus h ab itan tes as pesadas lim itaçõ es estruturais que
deveriam ter sido vencidas em tem po h ábil. A B ahia, que sem pre soubera adaptar-se
aos ritm os co n ju n tu rais da época co lo n ial, perdeu toda a sua capacidade de integração,
no m om ento preciso em que, com a In dep en dên cia, nova era se abria para o país.
T in h a chegado a hora dc ten tar investir em in d ú strias locais e de tirar partido de
riquezas não agríco las. Era o m o m ento de ten tar libertar-se do ju go e das influências
das cu ltu ras p o rtuguesa, francesa ou in glesa, para criar, com a experiência de dois
séculos de v id a co m u m de branco s, negros e ín d io s, u m a co m u n id ad e aberta e d in â ­
m ica. M as, em vez disso, os b aian os — orgulh osos de seus sucessos passados, que
desejavam preservar — recu saram crescen tem en te o que fora a sua força: um a ex­
traord inária facu ld ad e de a d ap tação à v id a do d ia-a -d ia, u m a flexib ilid ad e dian te de
constrangim entos de to d a espécie.
N ossa p rin cip al tarefa será, p recisam en te, a de propo r algum as explicações para
essa in ad ap tação de S alv ad o r d ia n te dos in ú m ero s desafios lançados pela Independên­
cia recém -p ro clam ad a a h o m en s q ue se ju lg av am preparados p ara recebê-la. M as, antes
de tentar co n h ecer a q u a lid a d e dos h o m en s q u e fizeram a B ah ia do século XIX,
precisam os co n h ecer o seu n ú m e ro , assim com o as e stm tu~ r '
ad m in istrativas q u e os en q u ad rav am .

Ta í (t i '
CAPÍTULO 6

P opulações da P r o v ín c ia da B a h ia
Pan o ram a G eral ( 1780- 1890)

As in fo rm açõ es d isp o n ív e is so b re e s tr u tu ra d e m o g rá fic a e ev o lu ção d a p o p u lação baiana


não são s a tis fa tó ria s .1 Só no sécu lo X V III c o m e ç a ra m a a p a re c e r n ú m ero s glo b ais, que
aliás d ev em ser u tiliz a d o s co m g ra n d e p r u d ê n c ia , p o is re su lta m de sim p les avaliações
o u d e ‘re c e n se a m e n to s’ n ão c o n tro lá v e is . O p r im e iro recen seam en to o ficial brasileiro
d a ta d e 1 8 7 2 . N o caso d a B a h ia , a d e s c o b e rta d e u m a série m ais ou m enos com pleta
d e registro s p a ro q u ia is do sé cu lo X IX p e r m itiu o in íc io de u m estu d o sobre a popula­
ção d e S a lv a d o r, m as seus re su lta d o s são a in d a m u ito g e ra is p a ra q u e se possa utilizá-
los d e m a n e ira v e rd a d e ira m e n te p r o v e ito s a .2 S e rá fo rço so , p o rta n to , trab alh ar com
o rd en s d e g ra n d e z a , q u e q u a se n ao n o s p e rm ite m c o n h e c e r a d in â m ic a in te rn a de um a
p o p u lação m a tiz a d a , fo rm a d a p o r b ra n c o s, n eg ro s, ín d io s e m estiço s.
O estu d o das p o p u laç õ e s d a B a h ia e n fr e n ta u m p r o b le m a su p lem en tar, já que os
lim ite s d a C a p ita n ia — q u e se to rn o u p ro v ín c ia e, m a is tard e, estad o — m udaram
m u ito no d e c o rre r d o te m p o , d ific u lta n d o as te n ta tiv a s de c o m p a ra ç ã o .3 A lém disso,
so b retu d o no sé cu lo X IX , as d iv isõ e s a d m in is tra tiv a s d a p ró p ria P ro v ín cia m odifica­
ram -se sem cessar, ta n to p o r d e sm e m b ra m e n to s q u a n to p o r efeito d a criação de novos
m u n ic íp io s. P or isso , v am o s p rim e iro a v a lía r a p o p u la ç ã o b a ia n a do ponto de vista
q u a n tita tiv o e em relação ao te rritó rio co m o u m to d o e n tre 1 7 8 0 e 1890. Depois
estu d arem o s a p o p u lação de S a lv a d o r.

Um S é c u l o d l A v a l ia ç õ e s I m p r e c is a s : 1780-1872

R ealizad o em 1759 a m an d o do 6 o C o n d e dos A rcos, vice-rei e cap itão -geral, o


p r im e ir o ‘ recen seam en to ' registro u , em to d a a C a p ita n ia , 2 5 0 .1 4 2 h a b ita n te s e 2 8 .6 1 2
fogos (ou lares), sem in c lu ir as crian ças dc m enos de sete anos de id ad e, os índios que
v iv iam em a ld e ia s a d m in istra d a s por padres e m issio n ário s, os m onges e outros

82
L i v r o II - O P e s o d o s H o m e n s 83

integrantes de ordens religiosas. A cidade de Salvador e seu Recôncavo concentravam


103.096 alm as (41.2% do total) em 15.097 fogos (5 2 ,8 % ).4 Em 1775, outro gover­
nador. M anuel da C unha Menezes, enviou a Lisboa os resultados de um novo ‘recen­
seamento', que abrangia “todas as freguesias que pertencem ao arcebispado da Bahia,
sujeitos os seus habiranres no tem poral ao governo da mesma B ahia”. Apontaram-se
então 2 21 .7 56 pessoas, repartidas por 3 1 .8 4 4 fogos.5
M as, apenas três anos depois, levantam ento enviado a Lisboa pelo arcebispo da
Bahia registrou 2 7 0 .3 5 6 habitantes na C apitania. Em instrução ao M arquês de Valença,
novo capitao-geral, o m inistro português M artinho de M elo e Castro ponderou, entre
espanrado e irônico: “esta grande diferença entre as relações, principalm ente as duas
últim as, não m edeando m ais que três anos de tem po entre um a e outra, mostra bem
a pouca exatidão com que foram tirad as”.6 T in h a razão o m inistro: os dados indica­
vam uma regressão po pulacional de cerca de 11,4% entre 1759 e 1775 e um brusco
aumento de 18% entre 1775 e 1778. N ada ju stificava essas variações. N enhum a epi­
demia ou situação de escassez aguda atin gira os baianos no prim eiro desses períodos;
tampouco houvera, no segundo, um fluxo de população de outras regiões do Brasil ou
de além -m ar em direção à B ahia.
Em seu recenseam ento de 1779 — freqüentem ente datado de 17807 — , o M ar­
quês de V alença elevou o núm ero dos habitantes da C ap itan ia para 2 77 .0 25 alm as,
muito próxim o do que fora proposto no ano anterior. O cabeçalho do M apa que
resume esse levantam ento traz um texto que suscita com entários: “M apa da enum e­
ração da gente e povo desta C ap itan ia da B ahia, pelas freguesias das suas comarcas
com a distinção em quatro classes das idades, pueril, ju ven il, varonil e avançada, em
cada sexo, com o núm ero dos velhos de m ais de noventa anos, dos nascidos, dos
mortos, dos fogos, conform e o perm itiram as listas que se tiraram do ano pretérito,
no que é de notar que aqu i se incluem onze freguesias das M inas e Sertão Sul que
passaram à jurisdição secular da B ah ia.” O bserve-se como é vago o critério de distin­
ção entre as quatro categorias de idades, tornando im possível um a boa análise. Aliás,
na transcrição que Braz do A m aral fez do docum ento, essa distinção sequer foi levada
em conta, c o mesmo ocorreu com o sexo e com o núm ero de pessoas de mais de
noventa anos. Em com pensação, a transcrição apresenta o núm ero de nascimentos e
de óbitos por comarca.
No que diz respeito á data da realização desse recenseamento, o documento é
claro: está escrito que as listas “se tiraram do ano pretérito”, ou seja, 1779 (o Mapa é
datado dc 5 de dezembro de 1780). Finalm ente, é preciso notar que faltam os dados
sobre as “onze freguesias das M inas c do Sertão S u l”, provavelmente paróquias surgidas
a partir de aldeam entos indígenas organizados pelos jesuítas e transferidos para a
administração civil depois da expulsão destes (1759). Q uanto aos dados sobre a C api­
tania do Espírito Santo — m ilitar mas não judicialm ente dependente da Bahia — , não
foi indicado com exatidão se eles eram relativos ao conjunto dessa C apitania ou apenas
se referiam à cidade de São M ateus que, na época, estava integrada à Baiiia.
84 B a h ia , S écu lo XIX

Esses com entários levam a pensar q u e o recenseam ento de 1 7 7 9 , ou o que dele nos
resta, não é m ais confiável que os outros, co n trarian d o a o p inião do historiador inglês
F .W .O . M orton, que afirm a tratar-se de “th e m ostdefensableX V IIIth cen tu ry popu lation
c o u n f .8 Dos 2 7 7 ,0 2 5 h abitantes recenseados em 8 7 paró q u ias, 5 7 ,3 % estavam na
com arca da B ahia (que in clu ía a cap ital, o R ecôncavo e parte do A greste), 8,7% na de
Jacobina, 6 , 1% na de Ilhéus, 3% na de Porto Segu ro , 1 9 ,4 % na de Sergipe dei Rei ç
5,5% na do E spírito Santo.

T A B E L A 2

C o m a r c a s, P o pulação e P a r ó q u ia s da C a p it a n ia da B a h ia , 1779
C om arcas P o p u l a ç Ao P a r ó q u ia s

Bahia 158.671 48

Jacobina 24.103 6

Ilhéus 16.313 7

Porto Seguro 8.333 11

Sergipe <iel Rei 54.005 11 ' .

Espírito Santo 15.600 4

Total 277.025 87
Fonte: Recenseamento de 1779. Adaptado de Ignácio de Cerqueira e Silva Accioli, M em ória s históricas
e p o lítica s da P rovín cia d a Bahia, v. 3, nota 12, p. 83.

Seja com o for, o recenseam ento de 1779 foi o ú ltim o do século, pois nas duas
décadas seguintes só foram feitas avaliações. Em 1781, José d a Silva Lisboa, futuro
V isconde de C airu , estim ou a p o pulação d a B ah ia em 2 4 0 m il alm as.9 Os números
fornecidos por V ilh cn a em 1800 tam bém não in sp iram gran de confiança, pois são
contraditórios — ora o auto r m en cio n a 2 1 0 m il, ora 3 4 7 m il alm as, para o conjunto
da C a p ita n ia 10 — , mas seus dados m erecem ser analisado s, p rin cip alm en te quando se
referem às paróquias urbanas e rurais de Salvado r e a outras paróquias da Capitania,
V erificam -se, portanto, disparidades, que podem ser explicadas de duas manei­
ras: ou os recenseam entos não passavam de sim ples estim ativas, ou então alguns de­
les não levavam em conta um a parte da população, sem que isso fosse explicitam en­
te indicado. M esm o assim , eles fornecem alg u m as ordens de grandeaa, para *
Província c para o país. O historiador norte-am ericano D auril A lden, que estudou
o recenseamento de 1776, estim ou que, na época, o Brasil abrigava 1,5 milhão de
pessoas, assim distribuídas: M inas Gerais, 2 0 ,5% ; Bahia, 18,5% ; Pernambuco, 15,4%;
Rio de Janeiro, 13,8% ; São Paulo, 7 ,5 % . Todas as outras capitanias tinham menos
de 4% da população.”
Em 1805, um recenseamento eclesiástico contou 3,1 m ilhões dc habitantes no
Brasil, 535 mil dos quais (17,2% ) na Bahia. C om parado ao de 1779, esse número
indica um crescim ento populacional dc 91,3% . Embora pareça exagerado, ele é coc-
L i v r o II - O P e so d o s H o m e n s 85

rente com o que teria ocorrido em todo o país, pois a população brasileira teria mais
do que dobrado nesse período (1 7 7 6 -1 8 0 5 ). A distribuição dos habitantes pelas capi­
tanias era sem elhante à apresentada acim a, com pequena perda relativa por parte das
mais povoadas. 12
Pesquisando os papéis do A rquivo da C idade de C achoeira, a historiadora norte-
am ericana C atherin e Lugar descobriu outro recenseam ento, que data de 1808 e apre­
senta um quadro m ais coerente: o côm puto da população foi efetuado por com arca, a
população livre foi separada da escrava e, em cada um a dessas categorias, os habitantes
foram indicados segundo a cor de sua pele, em bora sem distinções de sexo ou idade.
Das 411.141 pessoas recenseadas, 2 1,6% foram consideradas brancas, 1,4% índias,
43,0% negras e m ulatas livres e 3 3 ,9 % negras e m ulatas escravas. 13
Levando-se em conta esses núm eros, entre 1779 e 1808 teria havido um cresci­
mento po pulacional de 4 8 ,4 % . E lim in an do-se do recenseam ento de 1779 os dados
referentes à com arca de Sergip e dei R ei (5 4 .0 0 5 habitantes) e à C ap itan ia do Espí­
rito Santo (1 5 .6 0 0 h ab itan tes) e do censo de 1808 o$ dados relativos à C ap itan ia
de Sergipe dei R ei, obtém -se um a progressão da ordem de 6 2% para a população da
C ap itan ia da B ah ia p ro p ria m e n te d ita . É preciso não esquecer que, às perdas
de territórios que a B ahia sofreu na década de 1820 (Espírito Santo e Sergipe), acres­
centaram-se ganhos na região do São Francisco, até então subordinada a Pernambuco,
M as tudo in d ica que a perda em hom ens não foi com pensada, pois havia pouca
gente nas terras então incorporadas.
Entre 1814 e 1 8 1 7 , outro ‘recenseam en to’ (que serviu de base a um relatório
apresentado à C oroa por V eloso de O liv eira) avalio u a população baiana em 5 92.908
habitantes, o que parece exagerado. N este caso, provavelm ente foi aplicado um coefi­
ciente arbitrário de 2 5% sobre os dados do censo eclesiástico de 1 8 0 5 .14 M ais adiante
no século XIX, d u ran te m u ito s anos, só encontram os estim ativas: em 1824, Adrien
Balbi calculou a população da B ah ia (inclusive Sergipe) em 8 58 m il habitantes, mais
do dobro do total apontado pelo recenseam ento de dezesseis anos antes, com a seguin­
te distribuição: brancos, 2 2 ,2 % ; índios, 1,4% ; negros e m ulatos livres, 15,0% ; negros
e mulatos escravos, 6 1 ,4 % .13
Em 1845, M illet de Sain t A dolphe avaliou a população da Província em 650 m il
habitantes, núm ero m ais razoável, em bora relativam ente baixo, sobretudo se com pa­
rado ao do censo de 1872, que será analisado adiante. F inalm ente, na época da Guerra
do Paraguai (1 8 6 5 —1870), Sebastião Ferreira Soares estim ou que a Bahia tinha 1,45
milhão de habitantes, dos quais 1,17 m ilhão livres, 280 m il escravos e 20 m il índios
sem dom icílio fixo, mas já parcialm ente civilizados. Esses números parecem exagera­
dos, quando com parados aos do censo mais confiável, realizado em 1872 (1 .3 7 9 .6 1 6
habitantes).
Todas essas inform ações deixam a desejar, inclusive porque faltam estudos basea­
dos nos registros paroquiais. Não obstante, é possível fazer algum as observações de
ordem geral.
B ahla. S é c u lo X I X

- A população aum entou de forma constante e rápida, distribuindo-se porém dç


forma muito desigual. O peso dc Salvador e de sua hinrerlândia só aumentou.
A região abrigava 41% da população total em 1759; vinte anos depois, mais da
metade dessa população estava na com arca da capital, proporção que ultrapas­
sou os 60% em 1808.
- Livres ou escravos, negros e mulatos representavam mais de 2/3 da população
total. Todas as informações fixam o percentual dc brancos em cerca de 1/3 dos
habitantes no século XVIII. O recenseam ento de 1775 coincide, nesse aspecto,
com os do nosso próprio século, que estim am a existência de 36% brancos e
64% negros e m ulatos. Todavia, no início do século XIX o percentual de
brancos teria baixado para menos de 1/4 (21,6% em 1808 e 22,4% em 1824).
O numero de índios sempre foi reduzido; 1,4% em 1808 e 1,5% em 1824.
- No que diz respeito às relações entre população livre e escrava, a análise dos
dados de 1808 e de 1824 perm ite com entários interessantes. Em números
absolutos, a população total teria passado de 411 m il para 858 mil, com forte
aumento relativo na participação de escravos. Brancos e índios aumentaram de
272 mil para 334 m il, enquanto m ulatos e negros livres dim inuíam de 177 mil
para 129 m il, O núm ero de negros e m ulatos escravos teria aumentado de
139 m il para 524 m il. ,

T A B E 1.A 3

P o p u l a ç ã o d a B a h i a í-;m 1808* e 1824


P o pu l a ç ã o Livre P o pu l a ç ã o E sc r a v a T otal
G eral
B r a n co s Í n dios N egros f. M u lato s T o tal N eciros e M ulato s

18081 89.004 5.663 177.133 271.800 139.391 411.191

18241 192.000 13.000 129.000 334.000 524.000 858.000

variação (%) (116) 030) (-27,2) (23) (276) (108)


O) Inclui Sergipe dei Rei.
Frjnrcí: (1) Cadastra da população da Província da Bahia coordenada no an o d e 1808, Arquivo Municipal de Cachoeira; (2)
Aorícn lialbi, tirado por 1 lialcs dc Azevedo, P ovoam ento da cid a d e do Salvador.

Em 1.808 não se disnnguiram os mulatos e os negros (livres ou escravos). Entre as


duas datas, observa-sc que a porcentagem de escravos no conjunto quase dobrou,
enquanto a dos homens livres dim inuiu significativam ente. Apesar disso, o percentual
de brancos se manteve, o que certamente se explica pela chegada à Bahia dc uma leva
de novos imigrantes, oriundos principalmente do M inho e Douro, no Norte de Portu­
gal, O número desses imigrantes tornou-se maior quando a Corte portuguesa se insta­
lou no Brasil em 1808. Mas, segundo J.J. Reis, as estimativas dc Balbi são “muito
duvidosas quando ele avalía a participação das populações africanas (negros) e afro-
baianas (mulatos) no conjunto da população livre da C apitania”. 1C Com razão, esse
autor chama a atenção para o fato dc que todos os estudos feitos sobre o Brasil no
L ivro II - O P eso d o s H omens 37

século X IX mostram que a população de negros e m ulatos aum entou mais rapidam ente
que a população branca. M as, se Balbi subestim ou o peso dos negros e mulatos, em
compensação cie superestim ou consideravelm ente o núm ero de escravos existentes na
Bahia e em Sergtpc. Esta população aum entou m uito durante os trinta prim eiros anos
do século XIX, pois os africanos foram trazidos em grandes massas, geralm ente da África
O cidental — Sudão, às vezes A ngola — para acom panhar o verdadeiro boom açucarei-
ro do fim do século X V II1 e do Início do século X IX. 17 Se nos basearmos, porém, nos
números de 1808, maís seguros, e acrescentarm os um a m édia de sete m il escravos
importados por an o ,18 chegarem os a 2 5 1 .3 9 1 escravos — isto é, menos da metade do
número apresentado por Balbi — , o que nos dá um a participação de 4 3,54% de
escravos na população total da B ahia, percentual com parável ao de 1808 (33,9% ).
Em resumo, o que se pode dizer, analisando-se os dados anteriores ao censo de
1872, é que a população da B ahia sc caracterizou por um crescim ento contínuo e bem
marcado, por causa da im igração de populações brancas e da im portação de negros
africanos, cuja chegada acelerou-se no fim do século XVIII e no início do século XIX.
Não se conhece o peso do crescim ento vegetativo. C om o a taxa de reprodução dos
escravos era m uito baixa e a de m o rtalid ad e m uito elevada, 19 pode-se concluir que a
taxa de natalidade entre os brancos {e possivelm ente tam bém entre negros e mulatos
livres) era m uito m ais elevada.20 M as tais afirm ações, infelizm ente, não se baseiam em
estudos num éricos bem fundam entados.

Os R ecen seam en to s de 1872 e 1890 •

A contagem da população b rasileira entrou na era da estatística m oderna no últim o


quarto do século XIX. O prim eiro levantam ento devidam ente controlado, de I o de
agosto de 1872, baseou-se em critérios estabelecidos após um recenseamento experi­
mental em preendido em 1870 no M u n icíp io N eutro da C orte (cidade do^Rio de
Janeiro). Giorglo M orrara afirm ou que, dentro dos lim ites dos erros normais nesse
tjpo de investigação, o censo dc 1872 pode ser considerado como um dos melhores
que o país já teve.21 O Império do Brasil contava então com 10.11 2.00 0 habitantes,
e a Província da Bahia (que ocupa 6 ,6 % da superfície do país) com 1.379.616, ou seja,
13,6% da população total. Salvador e seu termo tinham 129.109 habitantes, dos quais
108.138 moravam nos lim ites das paróquias da cidade.
Esses números, no entanto, foram contestados. Em 1 898, Sá O liveira afirmou
que, nos distritos onde acom panhara os recenseamentos de 1872 e de 1890, a orga­
nização estatística foi das piores ’.22 Para os técnicos do Instituto Brasileiro de Geogra­
fia e Estatística (IBGE), o trabalho de 1872 foi realizado com m uito boa vontade “mas
com controles inadequados”.2‘* Aliás, esse censo traz muitos resultados parciais que
não concordam com os totais, evidenciando somas erradas. Não espanta que o presi­
dente interino da Bahia tenha apresentado, em seu relatório anual de 1876, o total de
B ahia , S éculo X IX

1,45 m ilhão de habitantes para a Província. V icente V iana, tam bém presidente da
Província, m encionou 1,38 m ilhão em sua M em ória sobre o Estado da Bahia , de 1893.
Apesar de todas essas restrições, consideram os m erecedor de crédito e relativamente
rigoroso o recenseamento de 1872. Q uanto ao de 1890, passa-se o contrário: seus
métodos e resultados são quase unanim em ente contestados, de modo que faremos um
uso apenas parcial dos dados que apresenta.24
De qualquer forma, pode-se afirm ar que só na segunda m etade do século XIX a
Bahia tomou posse de seu território. Por volta de 1800, a Província contava com 71
aglomerações — povoações, lugarejos, paróquias, arraiais ou vilas, algum as com deze­
nas de habitantes — , das quais 36 no Litoral ou nos dois recôncavos. Em dezesseis
casos, tratava-se de antigos aldeam entos indígenas, quase todos adm inistrados pelos
jesuítas até a expulsão destes em 1759. Em 1872, com prováveis 1 .3 79 .6 16 habitantes,
a ocupação do território continuava m uito dispersa, e os lim ites dos 72 m unicípios —
todos com sedes da adm inistração local e pontos de confluência dos m oradores, na sua
m aioria agricultores — eram extrem am ente vagos. M as em 1890 já havia 110 sedes de
m unicípio, das quais som ente 46 estavam no lito ral ou nos dois recôncavos. A criação
de novos m unicípios correspondia a um crescim ento dem ográfico ou a um a distribui­
ção diferente dos habitantes pelo território?

TABELA 4

R e p a r t iç ã o da P o p u l a ç ã o B a ia n a entre 1779 e 1890


C o m a rc a s 17791 18081 18723 1S901

B a h ia 1 5 8 .6 7 1 2 4 9 .3 1 4 7 6 7 .4 2 6 l . 0 5 2 .0 2 0

ja c o b in a 2 4 .1 0 3 5 3 -8 5 4 4 9 8 .9 6 7 7 2 8 .9 7 9

Ilh é u s 1 6 .3 1 3 2 3 .7 8 0 8 8 ,8 9 4 9 7 .5 3 2

Porto Seguro 8 .3 3 3 9 .1 2 4 2 4 .8 9 9 2 4 .9 1 1

Total 2 0 7 .4 2 0 3 3 6 .0 7 2 1 .3 8 0 .1 8 6 1 .9 0 3 .4 4 2

Fontes. (1) Recenseamento do Marquês dc Valença, in Ign íd o de C erqucira e Silva Accioli, M em órias históricas ep olítica s da
/ roLíncia íZj Bahia , v, 2, nota 12, p. 83; (2) Cadastro da população da P rovín cia da Bahia coordenado no ano d e iSOS, Arquivo
M uniripal de Cachoeira, (3) Bahia, Sergipe, ParanÁ, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (Livros Raros), p. 506-6! t; (4)
hynopse do recenseam ento d e 31 d e dezem bro de !8 lJO, p. 151-157.

Embora feita com restrições, a comparação dos números recolhidos em 1779,


1808, 1872 c 1890 permite que sc observe um a progressão demográfica constante,
com crescimento, entre o prim eiro c o últim o ano, de 819% (de 207.420 para
1 .9 0 3 .4 4 2 ) .O destaque ficou com a imensa comarca dc Jacobina, que compreen­
dia o Agreste c o Sertão, atravessando o rio São Francisco, A população local experi­
mentou crescimento dc 2.933% , enquanto na comarca da Bahia ele foi de 566%, na
dc Ilhéus de 506% e na dc Porto Seguro de 200% . Nao è possível que esse fenômeno
tenha decorrido apenas do crescimento natural da população de Jacobina. Por outro
lado, nada autoriza imaginar-se que, nessa comarca, as condições de vida tenham
L ivro II - O P eso d os H omens 89

sido m elhores do que nas proxim idades da capital ou no Litoral Sul, particularm ente
quando se levam em conta as severas variações clim áticas que castigaram as regiões
sem i-áridas, ora sob forma de seca, ora de um a pluviosidade excessiva, destruindo as
culturas de subsistência e trazendo duros períodos de fome (entre 1809 e 1889, in ­
term itentem ente, foram registrados 25 anos de secas e onze de pluviosidade excessi­
va) .26 É verdade que o Agreste e o Sertão não foram atingidos pela epidem ia de
cóíera-m orbo que devastou Salvador e seu Recôncavo em 1855, mas a grande seca
dos anos 1 8 5 7 -1 8 6 0 e a pluviosidade anorm al dos anos 1 8 6 1 -1 8 6 2 foram certam en­
te tão nefastas para as zonas sem i-áridas e áridas quanto o cólera-m orbo para Salva­
dor e seu Recôncavo.
Entre 1800 e 1890 o núm ero de paróquias na região de Jacobina passou de treze
para 56 (crescim ento de 3 3 0 % ). Isso é significativo, pois no século XIX as paróquias
eram a unidade de base ad m in istrativ a, já que o Estado m odelava suas estruturas pelas
da Igreja. No m esm o perío do, o núm ero de paróquias passou de sete para oito na
comarca de Porto Seguro, de catorze para 22 (57% ) na de Ilhéus e de 36 para 110
(205% ) na da B ahia, onde estavam Salvador e seus arredores.27
O forte crescim ento do in terio r da Província b aian a no século XIX é confirm ado
pelos núm eros, incom pletos e subestim ados, fornecidos para o ano de 1800 por Luiz
dos Santos V ilh e n a .2S Esse auto r — que se refere a apenas 177*787 habitantes em toda
a C ap itan ia — trab alh o u com u m docum ento eclesiástico em que só figuravam as
aglomerações co n stitu íd as em paróquias. No entanto , na época, existiam núcleos (às
vezes com forte densidade po pu lacio nal) a que não havia sido conferida essa condição,
Detendo o m onopólio das nom eações para os curatos e os benefícios, m as, em contra­
partida, sendo obrigado a prover sua subsistência, o rei de Portugal não tinha pressa
em criar novas p aró q u ias.2"1 A lém disso, as aldeias indígenas, mesmo depois de colo­
cadas sob adm inistração leiga, nao eram autom aticam en te transform adas em paróquias.
V ilhcna oferece o que ele m esm o cham a de “m apa de todas as freguesias que
pertencem ao arcebíspado da B ah ia”, seguido de outro que contém não vulgares
notícias de m uitas aldeias de índios que por ordem régia hoje são vilas . Das 36 aldeias
citadas, 27 pertenciam à C ap itan ia da B ahia. Elevadas à condição de vilas depois da
expulsão dos jesuítas, elas receberam vigários nom eados pela adm inistração real. Mas
os dezessete aldeam entos restantes ain d a eram adm inistrados por capuchinhos italia­
nos, franciscanos e frades da O rdem do C arm o (carm elitas).30 São vagas as inform a­
ções sobre a população dessas aldeias indígenas: o rccenseamenro era feito por lugare­
jos, mas ignoram os a com posição dos mesmos. Entretanto, apesar das restrições que
podem ser feitas aos núm eros fornecidos por V ilhcna, eles nos pareceram utilizáveis
para um a com paração dc ordens dc grandeza (nada, aliás, nos prova que os recensea
mentos oficiais de 1872 e 1890 tenham realm ente conseguido levantar a totalidade da
população baiana).
A comparação dos dados fornecidos por V ilhena com os dos recenseamentos de
1872 c de 1890 perm ite reforçar a idéia de que um a im ensa revolução se produziu
90 B a h ia , S éculo X IX

no povoamento da Bahia entre 1800 e 1890. Em 1800, viviam no interior apenas


2 0 ,6 % da população recenseada, mas em 1872 essa proporção já se elevara para
56% e em 1890 atin gia 58,2% . O u seja, m ais da m etade da população da Provín­
cia não se encontrava mais nas áreas de colonização antiga, situadas perto do litoral.
No interior, o núm ero de paróquias tam bém aum entou bastante, evoluindo de 20%
do total ein 1800 para quase a m etade (49 ,5 % ) em 1 8 9 0 . T odo esse crescimento se
produziu em detrim ento da população de Salvador e de sua hinterlândia, assim como
da do Litoral Sul: já em 1872, a cidade de Salvador e os arredores sob jurisdição
desta concentravam 35,7% da população da Província, e a população do Litoral Sul
— inclusive o Recôncavo Sul — estagnara.
Embora considerem os pouco provável que esse aum en to populacional se tenha
devido unicam ente ao crescim ento vegetativo, devem os reconhecer que faltam estudos
específicos, capazes de dem onstrar a ocorrência de fortes m ovim entos migratórios
internos. Pode-se, todavia, supor que certas oportunidades econôm icas criadas em
regiões do interior hajam provocado, entre 1800 c 1 8 7 2 , transferências de populações
oriundas de áreas ménos dinâm icas. Precisam os, portanto, tratar da situação econômi­
ca da C ap itan ia e depois Província da B ahia entre 1800 e 1872, período em que
ocorreu grande m utação na distribuição da população por regiões.
A análise segue o corte da B ahia em três grandes zonas. A prim eira (Zona A}
com preendia Salvador, a cidade e seu term o (ou seja, dezoito paróquias, das quais onze
eram urbanas e sete rurais), m ais quatro paróquias existentes desde o século XVI ao
norte e nordeste da cidade e, enfim , o Recôncavo. A li, o povoam ento era antigo. Os
492.732 habitantes recenseados em 1872 representavam 3 5,7% da população da Pro­
víncia, contra 71,4% em 1800. Apenas 15% eram escravos, tanto na cidade como no
Reconcavo, este essencialm ente voltado para a cu ltu ra da cana-de-açúcar.^1 Nesse ano,
estavam concentrados em Salvador 2 6,2% dos habitantes dessa prim eira zona (contra
40,2% em 1800).
Após 1808, a região perdeu mais de m etade de sua m ão-de-obra escrava, o que sc
deveu essencialmente a proibição da im portação de africanos, im posta aos brasileiros
por tratados celebrados com a Inglaterra em 1830, mas aplicados efetivamente a partir
de 1850. M encione-se que a econom ia açucareira esteve em crise desde a época da
Independência, quando a guerra (1 8 2 2 -1 8 2 3 ) contribuiu para desorganizar a produ­
ção baiana. Técnicas agrícolas e industriais não renovadas, assim como a concorrência
de outros produtores de açúcar, acarretaram uma decadência irrem ediável.32 Muitos
escravos foram vendidos para as plantações de café do Centro-Sul do Brasil. Só entre
1864 e 1874, a Bahia foi desfalcada de 5 5 , 1% de sua população escrava, enquanto as
províncias do Oeste, do Su! ou do Centro-Sul do Brasil registravam crescimentos que
variam entre 14,9% (Centro-Sul) e 48,2% (Oeste e Sul).33
A segunda zona (B) — parte sul do Recôncavo e do Litoral, áreas de povoamento
também muito antigo — se ligava à capital basicamente por via m arítim a. Por causa
da hostilidade da população indígena e da densa floresta que as recobria, durante o
L ivro II - O P eso dos H omens 91

TABELA 5
P opulação de S alvador e do R ecôncavo em 1872

PoruiAÇAo Livre PopuiaçAo Escrava T otal


Homens M ui.hekes Homens M ulheres

Salvador 5 9 .8 1 9 5 2 .8 2 2 8 .2 0 1 8 .2 6 7 1 2 9 .1 0 9

R ec ô n ca v o * 1 6 0 .6 7 8 1 4 4 .4 9 7 3 2 .5 0 6 2 5 .9 4 2 3 6 3 .6 2 3

Torai 2 2 0 .4 9 7 1 9 7 .3 1 9 4 0 ,7 0 7 3 4 .2 0 9 4 9 2 .7 3 2

(’ ) Corresponde aos municípios de Abrantes, Maca de São João, Conde, Abadia, Cachoeira, Maragojipe, Tapera, Santo
.Amaro. São Francisco, Nazaré, Jaguahpe e Itaparica,
Fonte: Adaptado do recenseamento de 1872.

período colonial essas regiões tiveram um desenvolvim ento m edíocre. Apesar disso,
durante m uito tem po as povoações e vilas que nasceram ali, nas em bocaduras dos rios
ou nas baías protegidas da força do m ar, íoram apreciáveis fornecedoras de víveres e de
m adeira para a capital, que solicitava farinb a de m andioca, arroz, m ilho, peixe salgado
e m adeira para os arsenais reais. D urante boa parte do século XIX, a estagnação dessa
que cham am os Zona B deveu-se à perda de sua posição de principal fornecedora de
alim entos à capital. A ab ertura de vías de com unicação fez com que o Agreste ocupasse
esse lugar.
Não faltaram , contudo, iniciativas para diversificar a produção agrícola e criar
novas oportunidades no sul do Recôncavo. Em C am am u e V alcnça, por exemplo, um
café considerado de excelente q u alid ad e34 foi cultivado na década de 1820, em bora
essa cultura não atingisse ali desenvolvim ento sem elhante ao que teve no Sudeste (no
Brasil, o café foi plantado pela p rim eira vez em V içosa, M in as G erais, no fim do século
XVIII). A produção de cacau perm aneceu insignificante. T am bém houve tentativas de
estabelecer m anufaturas têxteis, aproveitando a energia das quedas d ’água ali existen­
tes. A construção da terceira m anu fatu ra da Província da B ahia (as duas prim eiras
datam de 1834 e foram im plantadas na capital) teve início em 1844, fruto da associa­
ção de três grandes com erciantes da cidade de Salvador: A ntônio Francisco de Lacerda,
Antonio Pedroso de A lbuquerque e o norte-am ericano Jo hn Sm ith Gülmer. Eles
investiram a enorm e q uan tia de 200 m il contos de réis e contaram com a colaboração
do engenheiro norte-am ericano João M onteiro Carson, proprietário de um a fazenda
na região. Pretendiam aproveitar as quedas do U na e a m atéria-prim a produzida na
região do río das Contas para produzir panos grosseiros, próprios à confecção dos
sacos utilizados para os produtos agrícolas de exportação, das roupas dos escravos e das
pessoas pobres da Província.
Inaugurada em 1 847, a Todos os Santos enfrentou, desde o início, muitos proble­
mas: sua capacidade de produção cra pouco aproveitada — pois tinha enorme dificul­
dade para se abastecer da m atéria-prim a de que precisava, sendo obrigada a fazer vir o
algodão das províncias de Sergipe e de Alagoas — , sua rentabilidade era baixa e seu
mercado era lim itado. Em 1851, a sociedade foi dissolvida. Pedroso de Albuquerque
92 B a h ia , S é c u l o XIX

ficou sendo o único proprietário até 1876, ano em que a fábrica foi fechada, quando
em pregava 260 operários, recrutados entre a população livre, e trabalhava com 176
fiadeiras e 4 .1 6 0 fusos, produzindo 1,1 m ilhão de m etros de tecido por ano.
Nesse período, B ernardino de Sena M ad u reira havia fundado na região uma se­
gund a m anufatura, a N ossa Senhora do A m paro, que não teve destino mais feliz
V en d id a em 1869 à fam ília Lacerda, em 1887 passou às mãos d a V alença Indus­
trial, fundada pelos com erciantes Jo sé Pinto d a Silva M o reira e D om ingos Gonçal­
ves de O liveira, transform ada em sociedade an ô n im a em 1899, N a década de 1850
foram criadas um a fábrica de vidro (1 8 5 4 ), u m a fundição de ferro e bronze (1857)
e um a serralheria, mas todas m u ito pequenas. As experiências industriais da região
pararam por a í.35
Às m argens do rio P eruíbe, no m u n icíp io de C aravelas, no L ito ral Sul, desde 1818
o café era p lan tad o na colô nia su íço -alem a de L eo po ldina, a ú n ica a u tilizar mao-de-
obra escrava. Su a produção foi de 6 .6 1 0 sacos de sessenta quilos em 1836 e de 24.384
sacos em 1853. A co lô n ia com o ta l desapareceu em 1861, mas os colonos se estabele­
ceram no local à frente de prósperas fazendas de café. D epois da A bolição da Escrava­
tura, em 1888, os escravos foram em b o ra das plantações e a falta de mão-de-obra
arru in o u os proprietários, que tam bém d eix aram a região, ficando ao abandono a terra
exuberante, n a au sên cia de braços para colh er seus frutos,36
A h o stilid ad e do m eio físico e h u m an o e a fa lta de co n tin u id ad e das empresas
agrícolas e in d u striais explicam a estagnação dessa gran de zona, cujo ritm o de cresci­
m ento po p u lacio n al foi o m ais fraco d a P ro víncia: em 1872, ali se concentravam 8,3%
d a população, p ercen tual q ue caiu p ara 6 ,4 % em 1890. Só na ú ltim a década do século
se generalizou a cu ltu ra do cacau, q ue se to rn o u o p rin cip al produto de exportação do
Estado d a B ahia e co n trib u iu sign ificativ am en te para povoar Ilhéus, Canavieiras e
B elm onte, que receberam num erosos m igran tes, vindos sobretudo de Sergipe, do
Recôncavo e do sul de M in as G erais.37
A terceira zona (C ) englobava todo o resto d a Província, m as essas imensidões
podem ser divididas em três subzonas. A p rim eira delas é o Agreste, região situada ao
norte da cidade de Salvador (com lim ites entre A b adia e Jerem oabo) e que se estende,
a oeste, por todo um território em torno de F eira de Santana, im portante mercado
para o gado do Sertão. A li o povoam ento é antigo : várias das atuais sedes de m unicí­
pios nasceram de aldeias indígenas. A região produzia cana-de-açúcar, fumo e cereais
e sua pecuária era m uito desenvolvida, exceto nos m unicípios atingidos pelas secas,
como Santo A ntônio da G lória. O escoam ento da produção se fazia pelas precárias vias
tradicionais, fluviais c terrestres, mas, a partir de J 863, um a linha ferroviária ent^
A lagoinhas a Salvador tornou possível um transporte m ais rápido de mercadorias.
Em 1875 outros 48 quilôm etros de ferrovias estabeleceram um a ligação durável entre
Feira de Santana e C achoeira, no Recôncavo. Desta últim a cidade era possível chegar
a Salvador por via m arítim a num a viagem de sete horas. Assim , os habitantes de Fetra
passaram a fazer ida e volta em 24 horas, enquanto por terra eram necessários três dias
L m to II - O P eso d os H om en s 93

dc deslocam entos.39 Em 1SS6, a cidade tam bém foi ligada por ferrovia a São Gonçato
dos C am pos, im portante centro produtor de fumo, mas não conseguiu ligar-se nem às
regiões de M undo Novo e ju azeiro , nem a Salvador. A construção da ponte entre
C achoeira e São Félix, inaugurada em l 88*5, colocou Feira diretam ente em contato
com o C entro-O este da Província, especialm ente com a região da C hapada D iam antina,
que tinha ligação ferroviária com C ach o eira.40
A região do C en tro-O este é vasta: vai da cidade de Orobó, que fica no pé da
chapada D iam an tin a, até o Sudoeste, onde encontra M inas G erais. Deve um a certa
concentração populacional a suas m ú ltip las atividades agrícolas e m ineradoras, que
se desenvolveram sobretudo em meados do século XIX. Povoada a partir da década
de 1720, quando foram descobertos alguns filões de ouro, recebeu novo fluxo po­
pulacional depois de 1845, com a exploração das m inas de diam antes, conhecidas
desde o século XVIII e redescobertas em 1842. Elas atraíram grandes contingentes
que se foram estabelecer em Lençóis, A ndaraí e São João do Paraguaçu, no contex­
to de um lrush m in erad o r’ que não d u ro u m u ito , pois a partir de 1867 os diam an­
tes do Cabo (África do Sul) com eçaram a fazer concorrência aos diam antes baianos.41
A depressão na região foi grave, apesar das tentativas de desenvolvim ento das cultu­
ras de café, algodão, fum o, m an d io ca e cereais, que não podiam prosperar diante da
falta de m eios de com unicação com o lito ral.42 Apesar de todos esses problemas, a
população do C en tro-O este — que, segundo V ilh ena, era de 6 .2 3 3 habitantes em
1800 (núm ero, sem dúvida, subestim ado) — passou a 191-257 em 1872 e a 303.438
em 1890, evidenciando a atração que a aventura m ineradora ainda exercia. Nessa
região, estavam 12,8% do total de escravos da Província, em sua grande m aioria
empregados na m ineração.
Finalm ente, a terceira subzona do que cham am os Zona C com preendia as regiões
que sc estendem ao extrem o Sudoeste, ao extrem o O este, ao norte de Jacobina e mais
longe ainda, englobando o rio São Francisco. É ali que se atingem as profundezas da
Província da B ahia, com seus sertanejos que vivem na dependência dos caprichos do
clim a. As principais vilas tiveram sua origem nos currais — pontos de parada durante
as longas viagens das boiadas para o m ar ou para M inas Gerais — e também nas
atividades que foram surgindo pouco a pouco e se desenvolveram graças ao comércio
do gado bovino. Logo no início da segunda m etade do século XVIII, porém, a econo­
mia dessa região foi ferida m ortalm ente pela decadência das atividades mineradoras
cm M inas G erais, pelo estabelecim ento de novas áreas de pecuária nessa capitania e,
principalm ente, pela criação dc fazendas de gado mais próximas dc Salvador, sobretu­
do nas regiões do Agreste, Isolado, o vale do São Francisco começou a produzir apenas
para consumo próprio, cm um sistema dc econom ia fechada.
O São Francisco cra navegável cm boa parte do seu curso, mas a utilização dessa
via levava a mercados situados íora dos lim ites da Bahia, o que dificultava a integra­
ção, principalm ente com Salvador. O sertanejo não se deixava abater e procurava,
por todos os meios, estabelecer contatos com as províncias vizinhas. Casa Nova, por
94 B a h ia , S éculo X IX

exemplo, tornou-se no século XIX um a vila m uito dinâm ica, graças ao seu comércio
com o Piauí. O P residen te D antas , prim eiro navio colocado em serviço no São Fran­
cisco, começou a navegar em 1873, mas um verdadeiro serviço de comunicação flu­
vial só foi efetivado em 1886. A estrada de ferro só chegou a Juazeiro em 1896.
No entanto, de um modo geral a região m ostrou-se fértil, sempre que as condições
clim áticas o perm itiram : havia criação de gado, produção de cereais e plantação de
algodão, mas quase tudo era consum ido in loco. N a década de 1890, no extremo Sul
e extrem o Sudoeste, vilas com o M acaúbas, Brotas de M acaúbas e C arinhanha entra­
ram em decadência, apesar da pecuária. M as o m orador dessa vasta região se agarrava
à sua terra e ao seu horizonte lim itado . Estamos longe dos grandes êxodos de popula­
ções, m ais tarde atraídas pela perspectiva de um a vida m elhor nos estados do Centro-
Sul do Brasil. D urante todo o século XIX essa subzona parece ter conseguido reter sua
população, que, entre 1872 e 1890, evoluiu de 3 0 7 .7 1 0 para 425.541 habitantes.
Ao térm ino dessa longa análise, alguns com entários se im põem . A população da
B ahia aum entou durante todo o período estudado, experim entando um crescimento
particularm ente vigoroso nas regiões que apresentavam fraca densidade populacional.
Isso fica evidenciado pela criação de novas sedes de m unicípio s e paróquias, bem como
pela elevação de vilas à categoria de cidades, como foi o caso de Alagoinhas (1863),
Am argosa (18 91 ), A ndaraí (1 8 9 1 ), A ratuípe (1 8 9 1 ), A reia (1 8 9 1 ), C ondeuba (1889),
V itó ria da C onquista (1 8 9 1 ), Feira de San tan a (1 8 7 3 ), Lençóis (1864), Serrinha
(1891) e São João do Paraguaçu (1 8 9 0 ).43 Apesar disso, a atração exercida pela capi­
tal e sua hinrerlândia perm aneceu m uito grande. N ão surgiu nenhum a outra capital
regional, e Salvador conservou o privilégio de urbs prin ceps, em bora controlasse mal
sua im ensa hinterlândia.
O utra constatação im portante: a população livre aum entou consideravelmente em
comparação à escrava. A proporção entre escravos e nao-escravos, que em 1808 era de
6 6 % a 34% , em 1824 passou a ser de 39% a 6 1% , praticam ente se invertendo. Em
1872, nenhum a região possuía m ais de 15% de escravos, o que mostra que a Abolição
tão-som ente ratificou, em 1888, um processo que se iniciara havia m uito tempo.44
Finalm ente, essa população se fixou sobretudo em regiões que lhe ofereceram, em
certo momento, algum a oportunidade de enriquecim ento, embora em pouco tempo a
tenham desapontado. M as, agarrando-se aos novos h ib itats, os homens criaram am­
bientes que lhes perm itiram suprir as necessidades essenciais de sua existência.

F a ix a s E tA ria s e D is tr ib u iç ã o p o r S e x o n a P o p u la ç ã o B a ia n a

É possível conhecer a composição por idade, sexo, cor e origem da população baiana
de então? Só o recenseamento dc 1872 perm ite esse tipo dc desagregação, que mesmo
neste caso deve ser encarada com m uita desconfiança, por causa dos erros que apare­
cem nas tabelas originais. Mas, com cias, é possível chegar a algumas ordens de gran­
Ln,~Ro II - O P eso d o s H om ens 95

deza interessantes. O recenseamento dc 1890 dá informações referentes à repartição


por idade, mas não faculta distinções por sexo, cor e origem. Por isso, escolhi trabalhar
somente com o censo dc 1872.
Um a prim eira série de dados de 1872 diz respeito a repartição da população da
Bahia por idade, sexo e cor. Não são seguidos os critérios adotados atualm ente nos
estudos dem ográficos, de modo que aparecem discrim inadas faixas etárias mais num e­
rosas: rnuiro detalhadas durante os cinco prim eiros anos de vida, tornam-se qüinqüenais
a partir da idade de seis anos e decenais a partir de 31 anos, sem que se saiba como e
p o rq u e esses critérios foram adotados. Além disso, essa série não fornece informações
sobre os escravos de menos de onze meses, pois a Lei do V entre Livre, de 28 de
serembro de 1871, dera a liberdade a todas as crianças nascidas de escravas a partir
dessa data. De qualqu er modo, o grosso dos efetivos populacionais concentrava-se nas
faixas etárias que vão de seis a quarenta anos.
A dm itindo-se as hipóteses de que se com eça a trabalhar na idade de dez anos (em
certas cam adas sociais num ericam en te m ajoritárias) e de que a faixa dos sessenta anos
é a idade-Iim ite da v id a ativa m édia, m ais de 2/3 dos baianos integravam , em 1872,
uma população ativa capaz de sustentar seus jovens e velhos. Esses percentuais são de
64,8% para os hom ens livres, 6 4 ,7 % para as m ulheres livres, 69,5% para os homens
escravos e 7 0,2% para as m ulheres escravas. Por outro lado, a entrada no mundo do
trabalho em tenra idade não deve surpreender. Por exem plo, os filhos de escravos
começavam a trabalhar aos sete ou oito anos e não eram os únicos nessa situação.
Numerosos foram os portugueses que em igraram para a Bahía para trabalhar em casas
de comércio aos oito, nove ou dez anos. Entre 1852 e 1889, 34,6% dos portugueses
emigrados tính am entre sete e catorze anos.45
Q ual era a relação entre as populações de menos de dez anos e de mais de
sessenta anos? U tilizem os, para essa análise, a repartição por sexo, cor e condição
jurídica.
A população infantil eqüivalia a pouco m ais de 25% da população total, encon-
trando-sc o percentual mais elevado entre os brancos livres, seguidos dos mulatos (nos
dois casos as crianças chegavam perto de 30% do total). Entre os escravos negros se
encontrava o menor percentual dc crianças, o que é coerente com tudo o que se sabe
sobre a fraca taxa de reprodução desse grupo. M esmo assim, o percentual de crianças
escravas parece surpreendentem ente elevado. Fica a pergunta: até que ponto isso de­
corria do fato de os m ulatos serem, em geral, escravos nascidos no país? Esses mesmos
dados levam a um novo paradoxo: entre a população dc cor, livre ou cativa, encontra­
mos os percentuais mais elevados de pessoas idosas (6,9% a 9,6% ), enquanto os mais
baixos estavam entre a população branca (5,8% ), Mas isso talvez não seja espantoso,
pois evidentemente era m uito difícil saber a idade dos alforriados e dos escravos,
sobretudo daqueles que tinham sido importados da África, bem como a dos caboclos,
dos índios puros e dos mestiços.
Encontraremos esse mesmo perfil entre a população feminina?
96 B ahia , S éculo X I X

TABELA 6

P o p u la ç ã o M a s c u lin a d a B a h ia p o r C or, 1 8 7 2
H o m e n s L ivres H o m e n s E scravos

B ran co s M ulato s N egros C abo clo s M ulatos Negros

0 - 1 0 anos 52.689 83.233 36.015 7.427 9.345 10.073


(29.5) (29,0) (26,1) (27,5) (25,0) (19,5)

10-60 an o s 115.609 183.944 91.774 17.623 25.370 36.721


(64.7) (64,1) (66,7) (65,1) ( 6 8 ,0 ) (70,9)

+ 61 anos 10.307 19.954 9-785 1.993 2.582 5.003


(5,8) (6,9) (7,1) (7,4) (7,0) (9,6)

Total 178.605 287.131 137.57 427.043 37.297 51.797


Fonte: A d ap tad o do recen seam en to d e 1 8 7 2 .

TABELA 7

P opulação F f.minina da B ahia por C o r , 1 8 7 2

M ulh e res L ivres M u lh e res E scravas

B rancas M u latas N fg ras C a b o cla s M u latas N egras

0-10 anos 49.331 76.701 32.467 5,777 7.000 9.655


(32,3) (27,6) (25,5) (25,4) (24,9) (19,0)

10 -60 anos 94.939 180.879 85.161 15.694 19.055 37.092


(62,1) (65,0) (70,0) (68,7) (67,9) (73,2)

+ 61 anos 8.604 20.993 9.525 1.368 2.016 3.912


(5,6) (7,4) (7,5) (5,9) (7,2) (7,8)

Total 152.874 278.573 127.153 22.839 28.071 50.659


Fonte: Adaptado do recenseamento de 1872.

Em linhas gerais, o perfil fem inino era quase idêntico ao masculino, embora
com um percentual mais elevado para as m eninas de raça branca. Aqui, como na
tabela precedente, o maior núm ero de pessoas idosas se encontrava entre a popula­
ção de cor, fosse livre ou cativa. O percentual de mulheres caboclas idosas era prati­
camente igual ao de mulheres brancas. O número de pessoas idosas era, de modo
geral, elevado, sobretudo levando-se em conra o fato de que essas populações eram
mal nutridas, mal atendidas em termos de saúde e periodicamente atingidas por epi­
demias mortais. Apesar de todas as reservas enunciadas, parece mesmo assim pa*3'
doxal que entre os escravos, alquebrados pelo trabalho, houvesse maior número de
velhos que entre os homens livres. Isso talvez reforce a idéia de que homens livres
pobres às vezes vivessem em piores condições que os escravos.
O número de homens cra significativamente superior ao de mulheres, e essa
diferença era muito sensível no caso de pessoas brancas em idade de casar (entre
dezesseis e quarenta anos). Entre os negros e mulatos, ela era menor.
L ivro II - O P eso d os H om en s 97

TABEL A 8

H o m e n s e M u l h e r e s e m I d a d e de C a s a r . B a h ia , 1872
P u p u l a ç Ao L lvrf P o pu l a ç Ao E sc r a v a

B ran co s M ui a t o s N eg ro s C abo clo s M u ia t o s N ecros

Mulheres 4 9 .9 1 4 1 1 0 .5 2 8 4 5 .8 7 4 1 0 .3 6 0 1 2 .2 6 7 2 3 .5 0 9
(1 6 —4 0 a n o s )

Homens 7 0 .0 7 7 1 1 1 -7 3 6 5 9 .0 8 9 1 0 .7 7 0 15,302 2 2 .7 8 4
( 2 1 - 5 0 anos)

Fonte: Adaptado do ictcnscam enro de 1872.

M atizes R a c ia is e O r ig e n s da P o p u l a ç ã o B a ia n a .

A com paração da repartição por cor captada nos recenseam entos de 1808 e 1872 deve
levar em conta que o prim eiro d istin g u iu as categorias branco, índio, negro e m ulato,
enquanto o segundo trocou ‘ín d io ’ por ‘caboclo’, termos que não são equivalentes.
Caboclo designa o m estiço de índio e branco, que norm alm ente vive no interior, como
lavrador ou criador de gado. N a linguagem corrente, a expressão é usada tam bém com
o significado de ‘hom em rude, pouco civilizado’ . Não sabemos se os recenseadores
pretenderam designar dessa form a o índio puro ou o m estiço, ou se consideraram que
o índio só existia em 1872 sob form a de caboclo.

TABELA 9

D is t r ib u iç ã o da P o p u l a ç ã o B a ia n a po r C or

P o p u l a ç ã o L ív r e P o pu l a ç ã o E sc r a v a T otal
G er a l
B ran co s Ín d io s e N egros e T otal N egro s e
C abo clo s M ulato s M ulato s

18081 68.504 4.273 144.549 217.331 118.741 336.072

1872a 33 1.47 9 49,882 830.431 1.2 11,75 2 167.824 1.379.576

Fcwffv, (1) Rtccnscamcmo dc 1808, excluída a comarea de Sergipe dei Rei; (2) Àdapcado de População considerada cm
re la to às idade*", p. 514 do recenseamento de 1872.

A proporção da população branca pouco progrediu em relação aos caboclos (que


triplicaram sua participação relativa) e sobretudo em relação aos negros e mulatos
üvres, que passaram de 43 a 60,2% do total. O u seja: de modo geral, a população era
mestiça e o elemento branco, m inoritário.
O documento original do recenseamento de 1872 intitula-sc População em relação
à nacionalidade brasileira c só fornccc informações sobre as pessoas que nasceram no
Brasil. Aparece uma diferença, para menus, dc 23.417 pessoas, que poderiam ser de
origem européia ou africana. Note-se que houve um trabalho específico para apresen­
tar os dados de modo muiro completo: a população aparece repartida por sexo, con­
dição jurídica, estado civil, cor e, finalmente, pela província de origem. Nenhuma
98 B ah ia, S é c u lo XIX

rubrica “origem ignorada” figura no documento. Assim, graças aos dados referentes a0
estado civil, deveria ser possível descobrir a taxa de celibato dessa população, mas isto
não acontece. Para começar, o núm ero de escravos (homens e mulheres) é inferior em
11.250 ao fornecido pelas tabelas anteriores, e não sabemos sequer se essas pessoas
fazem parte do grupo dos 23.417 que faltam na serie sobre a origem . Esse não chega
a ser um grave problema; se somarmos o núm ero de homens e mulheres — livres e
escravos -—■que consram das quatro categorias referentes a cor, e se compararmos esses
dados com as rabelas anteriores, obtemos dados com pletam ente coerentes para a po­
pulação escrava.
A situação se com plica quando se observam os núm eros referentes à população
livre. Há contradições nas categorias de cor, sobretudo entre brancos, mulatos e ne­
gros. Só se retom a a coerência quando, depois de diversas comparações de tabelas, se
percebe que 9.989 negros, 56 caboclos e 1.347 brancos — todos livres — foram
‘reconvertidos’ à condição de m ulatos, o que, no prim eiro caso, num ericam ente mais
expressivo, representava sem duvida um a prom oção.
Os dados sobre as m ulheres causam um a surpresa im ediata. Elas não eram
‘reconvertidas’em m ulatas, mas ao contrário: 2 49 m ulheres passaram com sucesso no
crivo que lhes perm itiu sentirem -se brancas sem restrições. Em bora, nesse caso, as
contas não dêem resultados com pletam ente coerentes — fica faltando o destino de
4.654 mulheres — , pode-se perceber que as negras foram prom ovidas a mulatas nas
mesmas proporções que os negros. T alvez elas pudessem passar com mais facilidade
ainda pelas m alhas da triagem relativa à cor.
Seria possível fazer um estudo sobre o celibato? A parentem ente sim , mas nunca se
repetirá bastante o quanto é preciso ter cautela em relação aos dados com os quais se
trabalha. Tomemos um exemplo: no docum ento sobre a origem , 20,8% das mulatas
escravas e 17,0% das negras escravas figuram como casadas, mas isso contradiz todos
os estudos feitos até hoje com base em outros tipos de docum entos —- como, por
exemplo, os inventários p o st m ortem — que dem onstram que menos de 1% dos
escravos eram casados. Aliás, tam bém o percentual dos m ulatos e negros casados é
diferente: aqui, os m ulatos correspondem a 18,7% , enquanto os negros chegam a
23,5% ! Haveria m ulatas casadas com negros? Essa questão levanta problemas, pois as
práticas m atrim oniais na Bahia são relativam ente bem conhecidas, e um a das chaves
para o êxito social é o processo que leva a em branquecer a p ele.^ Pode ser que os
recenseadores dc 1872 tenham contabilizado na rubrica ‘casam ento’ as uniões livres,
que eram muito numerosas. Este exemplo dem onstra o quanto é aleatório e perigoso
apoiar-sc nessas informações para análises mais aprofundadas.
Supondo-se que os dados sobre a origem estivessem corretos, observamos que
eram de origem baiana 98% dessa população. As outras províncias não mandavam
Homens à Bahia, exceto as limítrofes ou muito próximas (Pernambuco, Alagoas, Sergipe
e M inas Gerais), das quais alguns mulatos livres, dos dois sexos, safam com facilidade.
O numero de mulatos que vinham de outros lugares ultrapassava o da população
L iv r o II - O P eso d o s H o m en s 99

branca que deixava a B ahia. Eram todos, na certa, gente pobre, que partia em busca
de fortuna. Os m ulatos vinham até de províncias longínquas, como Paraná, Santa
C atarina e Rio G rande do S u l. M as o núm ero de m ulatas que chegavam era inferior
ao das que partiam .
Alguns com entários se im põem ao térm ino dessa segunda análise. A população da
Província era jovem , vigorosa e m uito m iscigenada. O ligeiro desequilíbrio entre
homens e m ulheres não parece ter sido capaz dc desregular o processo de reprodução.
Essa população desigualm ente d istrib u íd a,47 concentrada sobretudo em Salvador e nas
terras interiores próxim as à cap ital, vivia em torno de centros agrícolas situados a
vários dias de m archa uns dos outros, ou em torno de centros de m ineração. Para o
habirante do Sertão, a cap ital tin h a um a existência quase m ítica. O sertanejo vivia tão
longe de tudo, tão isolado, que só de vez cm quando era atin gido pelas decisões de uma
metrópole, cujas m otivações desconhecia e cu ja opulência ingenuam ente superestimava.
Em 1872, a população b aian a eq ü iv alia a 13,9% da brasileira; em 1890, essa
percentagem caiu para 13,4% . Sua taxa de crescim ento nesse período era de 1,96% ao
ano, contra 1,83% para a população total do país. Ju n tam en te com a da Província de
M inas G erais, a população baiana era a que apresentava as m aiores concentrações
populacionais do Brasil. Sua densidade era a m aior do país: 3,2 em 1872 e 4,5 em
1890, contra 1,1 e 1,6 para a m édia geral. Com o se vê, a evidente perda dc poder
econômico não im p ediu que a Província da B ahia continuasse a ser um a das mais
dinâmicas do país. N ova contradição — e não è a últim a de um a província que
parece esbanjar m uitos de seus recursos, até mesmo o m ais precioso: sua riqueza em
homens. Será que o mesm o aconteceu em Salvador, sua cap ital?48
C A P Í T U L O 7

A C id a d e d e Salvador

É p reciso d iz er e re p e tir: S a lv a d o r e as á reas ru ra is de seu e n to rn o fo rm avam um todo.


O n d e, e n tão , a ca b a v a a c id a d e e c o m e ç a v a o cam p o ? F u n d a d a p o r decisão real, em
1 5 4 9 , p a ra to rn a r-se sed e do g o v e rn o d a n o v a C o lô n ia , S alv ad o r, com o todas as
p a ró q u ias e v ilas d o im p é rio p o rtu g u ê s , re c e b e u u m ‘ te rm o ’ (área sobre a qual se
e x erc ia a a u to rid a d e m u n ic ip a l) de a p ro x im a d a m e n te 3 6 k m 2 e u m ‘ro ssío ’ (área de
ex p an são , q u e ta m b é m se rv ia d e p a sto p a r a os a n im a is p erte n c e n te s aos habitantes
u rb an o s e g a ra n tia o fo rn e c im e n to de m a d e ir a , p r in c ip a l c o m b u stív e l dom éstico). A
T o m é d e S o u sa, o fu n d a d o r d a c id a d e , fo ra m d a d as in stru çõ e s m u ito claras, no que
d iz ia resp eito à d e m a rc aç ão d o T e rm o : “EI R e y he q u e a d ita p o vo ação seja tal como
atras fica d e c lara d o e y p o r b em q u e e la te n h a u m te rm o e lim ite seis íegoas para cada
p arte e sen d o caso q u e p o r a ílg u a p a rte n ã o a ja as d ita s seis Íegoas p o r não haver tanta
terra, c h eg ara o d ito te rm o a te o n d e c h e g a re m as terras d a d ita c a p ita n ia , o qual termo
m a n d a reis d e m a rq u a r d e m a n e ira q u e e m to d o tem p o se p o ssa sab er onde parte.711
T o d as as fo ntes in d ic a m q u e os lim ite s desse T e rm o , d e fin id o no século XVI, não
foram m o d ificad o s a té o sé cu lo X IX , te n d o in c lu íd o ao lo n g o d e todo esse tem po sete
p aró q u ias ru rais, h a b ita d a s b a s ic a m e n te p o r a g ric u lto re s d isp erso s: N ossa Senhora da
C o n ceição d e Itap o ã, S ão B a rto lo m e u d e P ira já , S ão M ig u e l de C o tejíp e, Nossa Se­
n h ora do ó de P arip e, N o ssa S e n h o ra d a P ie d a d e de M a tu im , S a n tA n n a da Ilha de
M aré e N ossa S en h o ra d a E n carn ação d e Passé, A estas sete p aró q u ias, m u ito próximas
d a cid ad e, deve-se acrescen tar, p o r u m lad o , as de S ão B en to do M o n te G ordo e do
D ivin o E spírito S an to (q u e fo rm aram , no fim do sécu lo X V III, o povoado de Abrantes)
e as de São Pedro do A çu d a T o rre e do S e n h o r do B o n fim da M a ta (que, na mesma
época, form aram o povoado da M a ta de São Jo ã o ). A té a época da Independencia,
esses dois povoados e suas p aró q u ias faziam p arte do T erm o de Salvador, e o mesmo
aco ntecia com as duas p aró q u ias d a ilh a de Itap arica: S an ta V era C ruz e Santo Amaro.
T estam entos e in v en tário s p o st m o rtem descrevem as casas m odestas — com duas ou
três peças, térreas, raram en te com p rim eiro an d ar, co n stru íd as com taip a m as freqüen­

100
L i\-ro II - O P eso d o s H omens 101

temente cobertas de telhas, abertas para um pequeno jardim com hortas plantadas —
que, aqui e ali, sempre em torno de igrejas, formavam os núcleos de povoação, despro­
vidos de estrutura adm in istrativa.2
A C âm ara M unicipal podia conceder, a particulares, terrenos e até pequenas
sesmarias, cobrando um a taxa (foro) perpétua sobre terrenos não construídos.3 T otal­
mente sem m uralhas desde o século XVII, Salvador era protegida por pequenos fortes
instalados na costa (Santo A ntônio da Barra, Santa M aria, São Diogo, São M arcelo,
M ontserrat) ou nos planaltos m ais elevados do horst {São Pedro, Santo A ntônio Além
do Carm o, Barbalho). Em fins do século XVIII já havia dez paróquias, o dobro do
número observado cem anos antes.4 No século XIX foi criada apenas um a nova paró­
quia, a de M ares, datada de 1871.
Em 1757, 1800 e 1829, fizeram -se três descrições m ais ou menos precisas das
paróquias ditas urbanas. A m ais an tiga dessas descrições é um a obra coletiva, feita
pelos nove párocos locais — eram então nove as paróquias, pois a da Penha foi criada
em 1760 — a pedido de Su a M ajestad e, que desejava inform ações sobre os habitantes
de cada jurisd ição eclesiástica. O pedido não foi acom panhado de nenhum a orienta­
ção precisa e, por isso, obteve respostas desiguais: alguns, como Gonçalo de Sousa
Falcão, vigário da Sé, deram o núm ero de fogos e de alm as de sua paróquia, estabele­
cendo até um a distinção entre “alm as de com unhão” (crianças com até sete anos) e
“almas de confissão” (pessoas com m ais de sete anos); outros deram informações bem
sucintas: “nesta p aró q u ia”, disse secam ente o vigário de Nossa Senhora da Conceição
da Praia, na C idade B aixa, “há quatro m il alm as de com unhão”.5 M as, de um a forma
ou outra, todos responderam ao questionário real.
C onsultando esse m aterial, m in h a atenção recaiu particularm ente sobre as res­
postas dos vigários de N ossa Senhora de Brotas, onde m oravam apenas 45 pessoas, e
de Nossa Senhora da V itó ria, onde m oravam 1.500. O correra nesta últim a o desem­
barque dos prim eiros colonizadores de Salvador e, em 1551, ela era um a das duas
paróquias da cidade (a título de com paração, a outra paróquia, a da Sé, a maís popu­
losa da cidade, tinha 8 .4 4 2 alm as e o Paço, a menos povoada, 2 .0 1 8 ). Produtoras de
mandioca e de frutas, N. S. de Brotas e N. S. da V itó ria eram verdadeiras roças quase
vazias, onde um a população rural tirava proveito das riquezas do solo e da abundân­
cia das águas. Na prim eira, alguns pescadores praticavam a pesca da baleia, pois seu
território incluía várias praias situadas no litoral norte da baía dc Salvador, onde se
encontravam dois abrigos para a pesca, ou armações: a Armação de Saraiva e a de
Grcgória. Não podiam ser qualificadas de centros urbanos, até porque inexistiam
serviços já im plantados nas outras paróquias (arm am ento, transportes, iluminação
norurna). Por que não eram consideradas ‘paróquias rurais ? Informações ulteriores
talvez respondam a essa pergunta, M as, desde já, fica claro que vinte anos depois do
censo de 3757, feiro pelos vigários, as paróquias de Brotas e da Vitória continuavam
muito pouco povoadas, guardando maís semelhança com as suburbanas que com as
demais paróquias urbanas. A paróquia da Penha, criada em 1760 como resultado de
um desm em bram ento da paróquia de Santo A ntônio Além do Carm o, tinha mai
alm as que Brotas.
M in h a segunda fonte de inform ação foram os textos escritos por volta de Isoq
por Luiz dos Santos V ilh en a, um professor de grego que provavelm ente utilizou os
dados do recenseam ento de I o de jan eiro de 1775, ordenado pelo governador Manuel
da C unh a M enezes com fins m ilitares.6 Ele tam bém d istin gu iu paróquias urbanas (Sé
C onceição da Praia, PÍIar, Sanro A ntôn io A lém do C arm o, Penha, S an t’Anna, Brotas
São Pedro, Passo e V itó ria), onde se encontrava um a m aio ria de negros e mulatos
cativos, e suburbanas (São B artolom eu de P irajá, N. S. do Ó de Paripc, São M iguel de
C otejipe, N . S. da Piedade do M ato im , Santo A m aro do Ipitana, São Pedro no Sauípe
da T orre, Senhor do Bonfim da M ata, San ta V era C ruz de Itaparica, Santo Amaro de
Itaparica e N. S. d a E ncarnação de Passé). O prim eiro grupo concentrava 7.080 fogos
e 4 0 .9 2 2 pessoas (entre as q uais, 1 .4 1 2 hom ens recrutáveis para o serviço m ilitar), e o
segundo 2.091 fogos e 1 6.093 pessoas (4 1 7 recrutáveis). É V ilh en a quem diz, sobre as
paróquias urbanas: “Das cinco partes de fogos encontradas, quatro são para os cléri­
gos, as viúvas, os negros e m ülatos alforriados etc. N a q u in ta parte restante de fogos,
a dos pais de fam ília, decid iu-se que, sem recorrer a m étodos opressivos, seria possível
recrutar 1.412 hom ens para o E xército. Os hom ens restantes serviriam nas m ilícias.”
M ais adiante, acrescenta: “H o je há m ais fogos e alm as, m as é impossível recrutar a
m etade desse n ú m ero .”
Paróquias urbanas? P aróquias rurais? A defin ição , im precisa nesse início do século
XIX, torna-se ain d a m ais co m p licad a q uando en tra em cena um inform ante de 1829.
T rata-se de D om ingos Jo sé A ntônio R ebello, que descreveu Salvador em sua Corografia
ou a b revia d a história g eo g rá fica d o Im p ério do Brasil. N este trabalho, duas paróquias
sem pre classificadas com o ‘u rbanas’ — N . S. de Brotas e N . S. da Penha de Itapajipe
— foram in clu ídas na lista das paróquias ‘sub urb an as’! Reinava, portanto, grande
confusão sobre os lim ites entre a cidade e o cam po. As próprias autoridades adminis­
trativas não sabiam m uito bem onde eles estavam . Em 1831, todas as portarias refe­
rentes à construção de prédios ou casas se aplicavam tanto à cidade quanto ao seu
rossio (a de n° 3 0, por exem plo, obrigava os m oradores de toda a cidade a limpar e
sanear pântanos e riachos, que po luíam sobretudo os subúrbios; a de n° 39 proibia
construir ou m odificar um a casa sem a perm issão da M unicipalidade, sob pena de dez
m il réis de m ulta ou cinco dias de prisão e da dem olição da construção).7 fiara os ve
readorcs do século XIX, a cidade e seu distrito formavam um todo. A vida nas paróquias
suburbanas era um prolongam ento da vida nas da cidade, e a Câm ara M unicipal na
via razão para d elim itar os contornos da urbe propriam ente dita. ^_
A n e c essid ad e d essa d e lim it a ç ã o s u rg iu de rep en te, em m aio d e 1857, quan ^
re g u la m e n ta d o m ais rig o ro sa m e n te o an tig o im p o sto , estab elecido em 1811, so
im óveis u rbanos. O go vern o n o m e o u e n tão dois peritos — Francisco Pereira de Agu
e n g e n h e iro in d ic a d o pelo go vern o d a P ro v ín cia, e Francisco A n tô n io Filgueira, vere
dor in d ic a d o p e la M u n ic ip a lid a d e — para fixar co m m aio r precisão os limites
L ivr o II - O P eso d o s H o m e n s 103

dos quais esse im posto seria cobrado. Eis o resultado do trabalho: “A com issão encar­
regada de fixar os lim ites da cidade para o im posto sobre os im óveis urbanos pôs-se de
acordo sobre a segu in te dem arcação para fixar os ditos lim ites. N a faixa litorânea, o
lim ite será d eterm in ad o pela lin h a desse m esm o lito ral, entre a co lin a do Farol da
Barra e a po nta de N. S. da Penha, co n tin u an d o sem interrupção pelo mesm o lito ral,
ultrapassando a baía d ita da R ib eira de Itap ajip e e atin gin d o o Forte de T ainh eiros até
o alam bique dos Fiaes, onde se term in ará o lim ite em lin h a reta para a E strada das
Boiadas. D a porta de en trad a do alam b iq u e de Fiaes, a lin h a lim ítro fe descerá para a
reserva de água da C o n ceição , de onde ela su b irá p ela m esm a estrada até a Praça da
Lapinha, de onde descerá n o vam ente p ara reu n ir-se à Fonte do Q ueim ado , de onde
subirá novam ente p ela E strada d a C ru z do C o sm e e, segu in d o -a até a Praça da Cruz,
descerá novam ente p ela la d e ira q ue passa d ian te do im óvel da Q u in ta dos Lázaros,
para em seguida sub ir de novo p ela R u a do V alia, chegando à Fonte das Pedras. Da
Fonte das Pedras, a lin h a passará p ela R u a do S an grad o u ro até chegar ao M atatu e, do
M atatu , ela c o n tin u ará nas im ed iaçõ es da p ropriedade de Jo aq u im Jo sé de O liveira e,
dessa propriedade, segu in d o a E strada de B rotas, a lin h a lim ítro fe irá até a casa d ita de
Boa V ista. D e Boa V ista, ela seg u irá a estrada q ue leva ao D iq u e, chegando em seguida
à grande casa do G arcia e, depois, segu irá pela estrada do rio de Sao Pedro até o bairro
da G raça. D a G raça, a lin h a de dem arcação passará d ian te d a igreja e convento do
mesmo nom e q u e p erten cem aos B en ed itin o s e, após passar d ian te da casa que perten­
ceu ao finado C h rista d ’O u ro , ch egará d ian te d a casa de F rédéric H o ldem an , situada
na colina da B arra, de on de ch egará ao Farol d a B arra q ue foi seu ponto de partida.
Serão sujeitos a im postos todos os im óveís com p reendido s nesses lim ite s...”8 .
Percebe-se a d ificu ld ad e dos con tem po rân eos q u an d o foram cham ados a d efin ir os
espaços c u ja d en sid ad e d e m o g rá fic a era b aixa. A área d e lim ita d a pelos peritos
correspondia, em p rin cíp io , à sup erfície o cu p ada pelas dez paróquias urbanas.9 M as
excluía boa parte d a p aró q u ia de N . S. de Brotas (terras que iam até a Pituba) e de
N. S. da V itó ria (o R io V erm elh o ). N estes casos, os lim ites da cidade não corres­
ponderam aos das paróquias d itas ‘u rb an as’. M as in clu íram a totalidade das terras que
pertenciam às paróquias realm en te urbanizadas.
Os habitantes das paróquias afastadas eram forçados a vir à cidade para todos os
atos oficiais, com o o registro de testam entos ou de certidões de com pra e venda e o
reconhecim ento de filhos ilegítim o s. O m esm o acontecia com num erosos habitantes
do Recôncavo, que escolhiam os tabeliães da cap ital para lavrar os registros de seus
docum entos, em bora todas as vilas do Recôncavo tivessem seus próprios tabeliães.
Assim, o T erm o acabava por englobar todo o Recôncavo, realizando um a simbiose
perfeitam ente natural entre a cidade e o cam po.
Em pleno século XIX o legislador não conseguia d elim itar a urbe com certeza e
precisão: usos, costum es, perícias e regulam entos nem sempre eram coerentes entre
si. Com o pode o historiador, obrigado a definir seu objeto, precisar então a parte do
território que deseja estudar? O prim eiro cam inho — porta estreita — considera
104 B ah ia , S éculo X IX

'urbano’ todo território coberto por um a rede de imóveis contínua e densa, onde já
estava instalada a rede dc serviços essenciais de um a cidade (ilum inação, água, esgo­
tos, saúde pública, transportes); ou a área cujos habitantes tinham acesso a setores
secundário e terciário bem desenvolvidos; ou ainda a área sistem aticam ente conside­
rada pelos habitantes c pelos viajantes estrangeiros como pertencente à cidade pro­
priam ente dita. O ra, a centena de viajantes que passaram por Salvador no século XIX
quase sempre só m encionaram as paróquias do C entro. V itória teve o privilégio de
figurar em várias descrições, mas foi porque, após a Independência, residiam ali mui­
tos estrangeiros.
O segundo cam inho — solução 'aberta* — passa pela adoção de critérios mais
hum anos e menos rígidos, que perm itam integrar à cidade um a área mais extensa. Em
vez de considerar o grau de urbanização, pode-se levar em conta a infinita complexi­
dade dos gestos cotidianos, das relações sociais fundam entais, da tram a da vida urbana
que estabelece ligações entre com unidades m ais ou menos próxim as. Esta solução__
que, como regra geral, adotei — perm ite com preender m elhor a razão da enorme
disparidade existente nos dados dem ográficos anteriores a 1872 e dim inui o peso dos
erros de avaliação com etidos pelos contem porâneos.
Independentem ente da solução escolhida, os dados dem ográficos disponíveis per­
m anecem m uito im precisos. T entarei analisá-los com o mesmo corte feito para o
conjunto da Província, distin guindo dois períodos: antes e depois de 1872.

A n t e s d e 1 8 7 2 : R e c e n s e a m e n t o s P a r c ia i s

Dou crédito lim itado a recenseam entos que não são dignos desse nome, a contagens
cujos m ecanism os não ficam claros, a avaliações que não passam de estimativas, às
vezes resultantes da sim ples aplicação de um coeficiente fantasioso sobre números
anteriores. T entei extrair delas o m áxim o de inform ações, mas estou consciente de que
fornecem apenas ordens de grandeza e não perm item com preender a real estrutura da
população de Salvador. 10
O prim eiro recenseamento de que se tem notícia data de 1706 e foi feito pela
Igreja. No ano seguinte, seguindo a legislação canônica em vígor em Portugal, o
sínodo do arcebispado da Bahia decidiu que uma vez por ano, entre os domingos da
Septuagésima e da Q üinquagésim a, os vigários deveriam recensear seus paroquianos e
os respectivos bens, indo dc casa em casa, anotando nomes, prenomes e endereços.
Deviam, além disso, indicar as pessoas que não tinham ainda atingido a puberdade
(catorze anos para o.s meninos c doze para as meninas) e os maiores de idade, obrigados
a confessar e comungar. É claro que, além de útil para a Igreja, esse recenseamento
podia servir aos interesses fiscais c m ilitares do Estado, Em 1708, o governador Luís
César de Menezes pediu aos padres que lhe fornecessem anualmente a lista dos chefes
dc família e dos filhos do sexo masculino (com as idades), bem como o número de
L iv r o II - O P eso d o s H o m e n s 105

fogos. 11 Não consegui encontrar nenhum desses censos. Só tenho os dados globais de
1706 (que apontam , para Salvado r, 21.601 habitantes repartidos em 4 .2 9 6 fogos) e de
três outros recenseam entos realizados até 1759.
Sem m encionar sua fonte, Afonso R uy afirm a que em 1718 a cidade contava com
3 9 .2 0 9 habitantes e 6 .6 1 7 fogos, restando ain d a 2 .6 7 6 pessoas nas paróquias rurais.
Rocha Pira escreveu em 1724 que antes dessa data havia em Salvador seis m il fogos,
com cerca de trin ta m il pessoas, d iv id id as entre a nobreza — leia-se ‘senhores de
engenho’ — , trabalhadores e escravos, “além daqueles que não são capazes dc receber
os sacram entos”. 12 O utras fontes põem em d ú vid a esses cálculos. Em relatório datado
de 1840, o arcebispo da B ah ia, dom R o m uald o de Seixas, dá inform ações sobre o ano
de 1755, m as tam bém não in d ic a sua fonte (seria esrabelecida a p artir das listas
nom inativas?). Segu ndo ele, S alvad o r tin h a então, em m eados do século, 3 7 .54 3
habitantes, d istrib uído s em 6 .7 1 9 fogos. O recenseam ento de 1757 indico u que as
nove paróquias d a cid ad e abrigavam 3 4 .4 2 2 h ab itan tes púberes e 4 .8 1 4 fogos, núm e­
ros m enores do que os indicados por A fonso R u y para m uitos anos antes. N ada
ocorreu na história da cidade q u e justificasse um a d im in u ição da população e, sobre­
tudo, da q u an tid ad e de fogos entre 1718 e 1757. M esm o ad m itin d o a hipótese de os
núm eros de 1718 in clu írem crian ças im púberes, perm anece inexplicável a queda no
núm ero de fogos. 13
O últim o recenseam ento desse período, realizado em 1759 por ordem do 7o
Conde dos Arcos (governador e cap itão -geral), foi m ais bem controlado. Nós o conhe­
cemos graças às instruções dadas pelo m in istro português M artin h o de M elo e Castro
ao M arquês de V alença (governador e cap itão -geral em 1779). C ontaram -se então, na
cidade, 6 .7 8 2 fogos e 4 0 .2 6 3 h ab itan tes, excluin do desse total crianças de menos de
sete anos, índios que viviam em aldeias adm inistradas por religiosos e membros ou
servidores das ordens religio sas.1^ M as os resultados dos recenseam entos de 1757 e de
1759 tam bém não são coerentes, pois, segundo eles, em dois anos a população da
cídade teria aum entado em 17% e os fogos em 4 0% , o que parece im possível. 15
No que diz respeito aos recenseam entos realizados no últim o quarto do século
XVIII, as opiniões sc dividem . T hales de Azevedo considera que eles produziram as
únicas estatísticas realm ente com pletas e detalhadas, pois classificaram a população
por grupos de idade, cor c estado civil, avaliando o núm ero de nascimentos e óbitos.
Sua opinião tão favorável se baseia num único desses censos, o de 20 de junho de
1775, que ele analisa sem todavia fornecer os dados básicos sobre os quais trabalhou,
f, completamente diferente a opinião do historiador inglês Russel-W ood, que se recu­
sa a tirar conclusões dc um levantam ento que considera malfeito e incompleto. 16
Inclino-me a concordar com este últim o. Vejamos do que sc trata exatamente.
Ocorreram dois recenseamentos no ano de 1775: além do de 20 de junho, men­
cionado por Thales de Azevedo, foi realizado outro, meses antes, em janeiro, por
ordem do governador M anuel da Cunha Menezes, que enviou a Lisboa um levanta­
mento dc “todas as pessoas que pertencem ao arcebispado da Bahia e cujos habitantes
B a h ia , S é c u l o XIX
106

são subordinados ao governo tem poral dessa m esm a B ahia, com distinção das comarcas
e vilas às quais pertencem , com o núm ero de fogos e alm as, para saber que pessoas
podem ser cham adas ao serviço de Sua M ajestad e sem que os povos sejam oprim idos.”
T ratava-se, portanto, de um recenseam ento para fins m ilitares e era bem conhecida
a falta de entusiasm o dos baianos em relação ao serviço m ilita r. V ilh en a percebeu isso:
“Fazer um m apa desta natureza neste país não é fácil com o talvez se sup un ha, porqUe
os pais de fam ílias, receosos de que lhes peçam os filhos para soldados, não só ocultam
m uitos, como nem dão os nom es nos róis da confissão, e o m esm o praticam com os
escravos, receosos de algum a cap itação ou trib u to s, segu n d o o n ú m ero de escravos que
constar possuem. ”17
Os recenseam entos apresentavam sub -registros de crian ças com menos de sete
anos de idade, de m odo que o m esm o pode ter ocorrido com a população adulta
m asculina. Esse censo de jan eiro de 1775 ap o n to u p ara a cid ad e de Salvador uma
população de 4 0 .9 2 2 alm as, repartidas em 7 .0 8 0 fogos, e para as p aróquias suburbanas
16.093 alm as e 2,091 fogos. C o m parado s aos núm ero s do recenseam ento de 1759, os
resultados parecem m edíocres: a po pulação d a cid ad e teria p erm an ecid o estacionária
durante 16 anos.
Essa constatação pessim ista perm ite duas hipóteses: pode ser que os números de
1759 tenham in clu íd o tam bém a população su b u rb an a, para a qual não disponho de
informações separadas, induzin do assim a u m a sup erestim ação dos habitantes da cida­
de propriam ente dita. Por outro lado, essa d im in u ição pode ter sido real, causada pelo
êxodo de hom ens para o Sertão baiano ou p ara o Rio de Jan eiro , on de se incorporavam
ao Exército que lutava contra a Espanha no Sul. M as, sem d ú v id a, a explicação do
padre A velino de Jesus da C o sta é a m ais con vin cente. Para ele, o trabalh o de Manuel
da C unh a M enezes u tilizara dados de u m recenseam ento in co m p leto , realizado em
1768, fornecendo por isso núm eros sub estim ados. 18
Q ue dizer dos núm eros do recenseam ento de ju n h o de 1775? M esm o conside­
rado como um dos m ais com pletos, apresentando “um a análise detalh ada da popu­
lação da cidade por sexo, idade e estado c iv il”, ele tam bém é passível de críticas.
Com efeito, o núm ero de fogos apontado por esse docum ento é ligeiram ente supe­
rior àquele de janeiro do mesmo ano (7-345 contra 7 .0 8 0 ), m as, contraditoriam en-
tc, a população é estim ada em 3 3 .6 3 5 , ou seja, sete m il habitantes a menos! Além
disso, como apontou T hales de Azevedo com m u ita acuidade, o núm ero de pessoas
casadas de um e outro sexo é exatam ente o mesmo para cada grupo étnico. Por
exemplo, para 1.697 homens brancos casados, há o mesmo núm ero de mulheres
brancas na mesma situação. Com o o mesmo se verifica com m ulatos e negros, fica
im plícita a mensagem dc que os casamentos só se efetuavam dentro do mesmo gru­
po de cor. Sabemos que isso é falso: casamentos inter-raciais ocorriam em todas as
camadas, Além disso, a soma dos subgrupos não corresponde ao total apresentado:
12.720 brancos, 4.207 m ulatos livres, 3 .6 3 0 negros livres e 14.696 negros e mula­
tos escravos, o que nos dá uma população de 3 6.253 pessoas e não as 33.635 pe*'
L tvro II - O P eso tx \s H o m e n s 10?

sois anunciadas. Portanto, é dihcil adm itir quç cssc ccnso seja mais seguro que
outros, anteriores ou contemporâneos.
Para term inar o secido \\ II1, (alta uma referência ao recenseamento dc 1779,
sobre o qual ja fiz com entários. Os resultados nele apresenrados provocam tanta
contusão quanto os dem ais. A tabela abaixo mostra que os números referentes à
população t O .JO 1) pessoas) e aos fogos (6.617) são idênticos àqueles fornecidos por
Afonso Ruy para o ano de 171S. Te ria este autor confundido as datas? É provável,
inclusoe porque não rcscla sua io n tt. Alias, não nve condtçoes de comprovar se—
quer a existência de um censo em 1718, de modo que fui levada a clim iná-lo de
minhas análises. Alem disso, enquanto o número de pessoas aum entou em relação
às indicações do ccnso de 1775, o contrário ocorreu com o número de fogos, ape­
sar dc não haver nenhum a m enção sobre m udança nos critérios utilizados para
uesisni-los nessa data.

TABELA 10 , .

P o p u la ç A o d e S a l v a d o r , s e g u n d o o s R e c e n s e a m e n t o s d e 1706 a 1807
Focos P fsso a s

ClOAO F. S c b C r b io s CtUADF. S u BCKRIOS

17061 4.296 - 21.601 -

I7IS- 6.617 - 39.209 2.676

1755J 6.719 - 37.543 -

1757+ 4.814 - 34.442 -

1759' 6.782 - 40.263 -

17756 7.080 2.091 40.922 16.093

17757 7.345 - 33.635 -

1779* 6.617 3.689 39.209 26.076

18051 - - 45.600 -

Í807lfl - - 51.112 -

f f 1 j A fq iiivrw t)n A rccb ísp ad o * rf/w i/Thíilçs d c A zeved o , P & voitnten to d a t i d ^ d t d o S a lva d or^ jv 1H5; (2) A fonso R u y
dc H t u 6r i 4 p f i í f t i c a f f i d m h ü i t t r t t i i w drf à d f t d t d o Sãh>iidor< p. 3 1 5 ; (3 ) D om R o m u d ld o Scj*d\h 1 Í4 0 , a p u d T h ales
dc A wv-dr/, o p f i t h p . 1R8; (4) Fira* do Ar/nrral. R r t r v r d t i ç ô n hiitòricm < p> 2 5 6 ; {*>) R c tc n s c a in c n to lo iro a n u n d ü J a C o n d e
d^>s A rcos, # p u d r h a lt s d r A /cvcdo, w/j. f i t . . p 19ÍJ: (iS) U rotíiisoaiH cm n fc ilo a m an d o do g o v ern ad o r M an n c i da
M rn r/ r* ^^r>^irr» dc 1 7 7 5 ), t f p f t d \ halos d r A/.ovcdn, np. r t l . Y p, 191 (7 ) Rcirttisoam rnrs* d e 20 de ju n h o t e
I 7 7 r/p t t p v d '1 h A\ri dc A /rvr<\<it np. ç i f ., p. 1 9 3 - 1 9 4 ; ÍK) R ct cn -sean u m o rc ali/ ad a d m an d o tio g o v ern ad o r M arqu es de
V a lrrv rj. * p H4 f h J c i dc A / c w d ij, ap. < tí.t p. 1 % 197; (9 ) ílcc c ru ca m c ritn a p u d T lia lc * de A w c d o , op.
P* 2 IA ; f|í> ) R frfn w ü m ^ n iú fo iío a m and o do C tm d e da P o m c i a p u d 3 halo* dc A iovcdo* (>/>. o / ,, p* 2 1 K

Tendo a considerar plausível o numero dc 59,209 habitantes para 1779, pois


continuavam o cxrido populacional cm direção ao Sertão c o envio dc homens para o
hxércúo que combatia no Sul, Além disso, excetuando-se curtos períodos de recupe­
ração, desde meados do século XVIII a cidade permanecia vitimada pelo marasmo. A
economia baiana só retomou seu dinamism o a partir de 17893° O recenseamento
108 Bahia, SEgito XDC

eclesiástico de 1805 apontou 4 5 .6 0 0 habitantes, núm ero que, dois anos depois, subiu
para 51-112, segundo novo censo, atribuído à iniciativa do Conde da Ponte Em
1855, M aurício W anderley, presidente da Província e futuro Barão de Cotejipe, orde
nou trabalho sem elhante, mas dele só pude encontrar resultados referentes a bairros de
algum as paróquias da cidade, Esse recenseam ento coincidiu com a epidem ia de cólera
morbo, o que explica seu caráter parcial. U tilizei largam ente seus resultados no Livro III
consagrado à fam ília, pois traz inform ações q u e, em bora fragm entárias, são dé
prim eiríssim a ordem .
Finalm ente, um últim o recenseam ento forneceu, para 1870, o número de 77 686
habitantes para a cidade e 3 6 .2 0 6 para sua área rural. U tilizei todos esses dados com
m uitas restrições, pois, além dos censos, possuo tam bém algum as avaliações de outro
tipo, cujo valor será discutido agora.

A n tes de 1 8 7 2 : A v a l ia ç õ e s

As prim eiras avaliações sobre a população de Salvador foram fornecidas no fim do


século XVI por portugueses em igrados para a nova colônia, a serviço da Igreja ou do
rei. Para inform ar seus contem porâneos, esses prim eiros historiadores do Brasil escre­
veram ‘tratados descritivos’ que louvavam as qualidades e as riquezas da terra, fazendo
assim um a propaganda útil à C o roa, que tenrava atrair colonos para povoar o territó­
rio. O prim eiro deles foi o jesu íta Fernão C ard im , que em 1584 avaliou em cerca de
catorze m il os habitantes de Salvador, assim distribuídos: três m il portugueses, oito
mil índios assim ilados e convertidos ao cristianism o e três m il a quarro m il escravos
oriundos da G u iné.21 T rês anos m ais tarde, G abriel Soares de Sousa escreveu que
Salvador contava com oitocentos fogos, mas não especificou se se referia apenas às
habitações da população branca ou se in clu ía nesse cálculo as da já numerosa popula­
ção mestiça. Seja com o for, se considerarm os um a m édia de cinco pessoas por mora­
dia, haveria apenas quatro m il habitantes, m uito menos do que os números fornecidos
pelo padre C ardim . T em os que ad m itir, portanto, que Gabriel Soares simplesmente
ignorou a população índia e negra da cidade.22
O últim o desses ‘tratados descritivos’ produzidos por portugueses no século XVII
é dc autoria do franciscano V icente do Salvador, chegado à Bahia na época da conquis­
ta holandesa. Porém, sua H istória do Brasil, 1 5 0 0 -1 6 2 7 não dá nenhuma informação
num érica sobre a população dc Salvador.2*1 A linha de tratados descritivos foi retoma
da por viajantes estrangeiros que passavam dias ou meses na Bahia. Curiosamente,
mesmo quando descreviam m inuciosam ente as riquezas da cidade, a opulência de suas
construções, a im portância dc seu comércio, os usos c costumes da multidão co on a
que ali habitava, não pareciam preocupados em avaliar o tamanho da população oca .
Foi este o caso, por exemplo, do francês Pyrard de Lavai, que passou dois meses na
Bahia depois de uma longa estadia cm Goa (ín dia), ou do aventureiro inglês William
L ivro II - O P eso dos H omens 109

Dampier, que, em 1699, lim itou-se a escrever que Salvador era "the m ost com iderab le
Toxvn in B razil w h eth tr in respect o f th e Beauty o f its Buildings, its Bulk, or its Trade a n d
R eventti' (“a cidade mais im portante do Brasil, seja no que diz respeito à beleza de suas
construções, ao seu tam anho ou ao seu com ércio e rendas”) . 24 Afora essas, não
conheço nenhum a descrição de viajantes do século XVIII sobre a Bahia c sua capital.
Enconrrei, no enranto, um a avaliação populacional — além das de V ilhena e dc Rocha
P ita — feita por José da Silva Lisboa, funcionário real e futuro Visconde de C airu, que
chegou à Bahia em 1 7 7 9 e no ano seguinte estim ou em cinqüenta m il habitantes a
população da cidade. C o nsciente de ter utilizado métodos ultrapassados para descrever
as paróquias da B ahia e sua população, V ilh ena estim ou em sessenta m il os moradores
de Salvador em 1 7 9 9 .
As avaliações feitas no século XIX foram fantasiosas. H avia tendência a superes­
timar o núm ero de habitantes, talvez porque os viajantes e cronistas visitassem sobre­
tudo os bairros m ais populosos de um a cidade barulhenta e anim ada, que dava impres­
são de forte dinam ism o. As densas zonas do porto e do C entro ofuscavam os bairros
inteira ou parcialm ente rurais, onde o povoam ento era m aís disperso. Entre 1800 e
1820, os estrangeiros registravam setenta m il a 115 m il habitantes, números que
correspondiam ao dobro dos fornecidos pelos censos de 1805 e de 1807!
As inform ações se tornaram m ais coerentes a partir do m eio do século. Os via­
jantes dessa época (1 8 5 0 a 1870) falavam em 140 m il a 185 m il habitantes, d im i­
nuindo assim a diferença entre as estim ativas m ais baixa e mais alta. M as ainda aí
havia superestim ação, resultante de im agens deform adas, m iragens produzidas por
uma cidade orgulhosa e arrogante que, do alto, dom inava um porto onde ancora­
vam mil navios e prosperavam m il com ércios. Os habitantes viviam m uito nas ruas,
onde fervilhava a presença de crianças ao lado de suas mães e de jovens que ofere­
ciam serviços.
Chegamos ao fim de um a longa, porém necessária, exposição. Precisamos agora
fazer uma escolha, com parando os núm eros dos recenseamentos e das avaliações,
todos igualm ente arbitrários. Precisamos ser cautelosos. Os dados não sustenram aná­
lises muito precisas, mas perm item deduzir ordens de grandeza. O número de 21.601
habitantes, fornecido cm 1706 para a cidade de Salvador, me parece plausível. Com
efeito, no começo do século XVIII a m aior parte da população da Capitania ocupava
as terras do Recôncavo, onde sc desenvolvia a cultura da cana-de-açúcar, principal
atividade econômica regional. A observação dc Sebastião da Rocha Pita segundo o
qual em 1724 o Recôncavo abrigava três vezes mais genre do que a capital pode
ser aplicada ao ano dc 1706. Penso também que o número de 37-543 habitantes para
o ano dc 1755 concorda bastante bem com as demais informações disponíveis sobre o
deslocamento de pessoas para n interior, sobretudo cm direção às minas de ouro de
Minas Gerais ou da própria Bahia, descobertas (estas últimas) em 1720. Para o ano
de 1775, considero, pelas razões já explicadas, os números do recenseamento de 1° de
janeiro (40.922 habitantes) mais razoáveis que os do de julho.
110 B a h ia , S éculo X I X

Dos censos do começo do século XIX, privilegio o de 1805, que apontou 45.600
habitantes. Q uanto às avaliações, os núm eros indicados são tão exorbitantes que re­
nuncio a utilizá-los. C aindo na arm ad ilh a de fazer m in h a própria estim ativa, inclino-
me a dizer — com prudência e ad m itin d o grande im precisão — que entre 1810 e
1870 a população de Salvador cresceu de cinq üen ta m il para cem m il habitantes, apenas
um pouco m ais do que tin h a, na época, o velho porto francês de N antes, por exemplo.

Dois R e c e n se a m e n t o s O f ic ia is: 1872 e 1890

Com ecem os pelos grandes núm eros. Em 1 8 7 2 , pelo censo, o B rasil tin h a 10.112.000
habitantes, dos quais 3 8 0 .1 8 6 m oradores na P rovíncia d a B ah ia e 1 08.138 nas onze
paróquias de Salvador. Em 1 8 9 0 , o país tin h a 1 4 .3 5 3 .9 1 5 h abitantes, a Província
1 .9 03 .4 42 e as onze p aróquias 1 4 4 .9 5 9 .
O censo de 1872 — o prim eiro com pleto — conservou as an tigas divisões ecle­
siásticas que repartiam a cidade em paróquias, o que, aliás, não deve causar surpresa:
as estruturas adm in istrativas do Estado se apoiavam nessas círcun scriçõ es.25 Como
m ostra a tabela 11, os resultados co n firm aram o que h avia sido sugerido pela tradição
e pelos recenseam entos feitos no século preceden te: as paróquias m ais povoadas eram
as do coração da C id ad e A lta — Sé, São Pedro, S an tW n n a e San to A ntônio Além do
C arm o — e a d a C o nceição da P raia (n a C id ad e B aixa, com preendendo o porto e
todas as instalações que dele d ep en dem ). Esta ú ltim a era o centro d a vida comercial e
financeira local no século X V III, ab rigan d o 2 1 ,9 % da população urbana, M as, em
1872, não passava de 5% . T o m an do com o referência o ano de 1755, a população das
paróquias sem i-rurais de Brotas e de V itó ria p ro gred iu rap idam en te, passando, respec­
tivam ente, de 1.063 para 5-900 e de 1.582 para 1 1 .6 6 6 pessoas. Esta últim a transfor­
m ou-se assim em um a das p aróquias m ais populosas da cidade, passando a abrigar
10,8 % dos habitantes.
A com posição da população por sexo in d icava um a lig eira vantagem dos homens,
mas não a ponto de apontar-se um d eseq u ilíb rio , levando-se em conta que se tratava
de um a cldadc cheia de im igrantes e organizada em torno de um a estrutura social
escravista. Infelizm ente, no que díz respeito a Salvador, não tenho a repartição por
faixa etária, que consegui obter para a Província. Os escravos concentravam-se sobretudo
nas paróquias com erciais, com o C onceição da Praia e Pilar, ou habitadas pela parte
maís abastada da população, com o Sé, São Pedro, V itó ria, Sanro A ntônio Além do
Carm o e Penha. Esta, aliás, era um a paróquia de vilegiatura ou de residências de verão.
O recenseamento de 1890, o prim eiro da R epública, não renovou a distinção
entre homens livres c escravos, pois dois anos antes íora abolida a escravidão. Em re
lação a 1872, a população total aum entou 34% , e a participação de cada paróquia
nesse total perm aneceu praticam ente a mesma, provavelm ente porque, depois da
Abolição, os escravos não m udaram seus dom icílios. Na relação entre sexos, no entanto,
L rv iio II - O P eso d o s H o m e n s lll

TABELA 11

P o pulação das Paró q u ias de S al v a d o r , 1 8 7 2

P a ró q u ias P ü p u i a ç Ao L iv r e P o p u l a ç Ao E sc r a v a T o tal

H omens M u lheres H omens M u lh e r e s

Sé 5.874 7.139 1.105 993 15.111


São P e d ro 5.989 6.408 1 .1 2 1 1.225 14.743
Sant'Anna 9.447 8.047 296 164 17.954
Conceição da Praia 3.330 1.010 415 735 5.490

Vitória 5.493 3.935 989 1,249 1 1 .6 6 6

Passo 1.602 1.596 210 228 3.636

Pilar 3.868 3.569 490 419 8.346

Santo Antônio Além do Carmo 7.257 8.246 515 595 16,613

Brotas 3.490 1.006 317 277 5.090

Mares 1.828 1,750 84 60 3.722

PeiiKa 2.341 2.412 543 471 5.767

Total 50.519 45.118 6.085 6.416 108.138


Fonte: Recenseamento de 1872, p. 508-514.

TABELA 12
P o pu l a ç ã o das P a r ó q u ias de S a l v a d o r , 1 8 9 0

P aró q u ias H omens M ulheres T otal

Sé 9.941 11.059 20.550

São Pedro 9.669 10.381 20.050

Sant’Anna 10.940 13.927 24.417

Conceição da Praia 4.262 3.204 7.466

Vitória 7.180 8.685 15.865

Passo 2.186 2.833 5,019

Pilar 5.927 5.423 11.350

Santo Antônio Além do Carmo 10.570 12.023 22.593

Brotai 2.841 3.126 5.967

Mares 2.055 2.208 4.263

Penha 3.167 4.252 , 7.149

Total 67.838 77.121 . ' 144,959

Fonte: Katia M. de Queirós M iuaio, Bahia: a cid ad e do Salvador t ttu m ercado rto i/cala XIX, p. 135, •
B a h ia * S écu lo X I X
112

apareceu um a m udança de tendência, para m im inexplicável: o núm ero de mulheres


passou a ser 12% superior ao de hom ens.
A análise do recenseam ento de 1890 dá m argem a algum as dúvidas. Em relação
aos números de 1872* o percentual de crescim ento populacional teria sido muito
desigual para quatro das onze paróquias da cidade: 38% em Passo, 24% na Penha
17,2% em Brotas e 14,5% em M ares. M as nas sete paróquias restan tes Sé, S j0
Pedro, S an fA n n a, C onceição da P raia, Pilar, Santo A ntôn io A lém do Carm o e Vitória
— , justam ente as m ais im po rtan tes, o aum ento relativo captado foi exatamente igüaJ
(3 6 % ), Proponho três hipóteses para explicar essa unifo rm idade: não foi realizado
recenseamento algum nessas sete paróquias, mas sim a m era aplicação de um percentual
ideal sobre núm eros já conhecidos; foi realizado um levantam ento ruim e inudlizáve!
levando os recenseadores a usar o expediente acim a apontado; ou não foram levados
em conta os lim ites de cada p aró q u ia, de m odo q u e o total encontrado teve que ser
repartido de form a propo rcion al entre cada um a, já que todas aparentavam ter o
mesmo ritm o de crescim ento.
V ê-se, m ais um a vez, que avaliações e recenseam entos de épocas distintas não
perm item u m a reconstituição isenta de dúvidas sobre a evolução dem ográfica de Sal­
vador. M esm o assim , usando esses dados im precisos, cenrei chegar a ordens de gran­
deza e eviden ciar adaptações que tornaram possível a convivência de pessoas com
origens e estatutos legais tão diferentes.

E n sa io d e A v a lia ç ã o pa ra o S é c u l o X I X

N um a prim eira etapa, tentei id en tificar o crescim ento anual da população de Salvador
entre 1805 e 1872 para, em seguida, form ular algum as hipóteses sobre o dinamismo
dessa população entre 1800 e 1890. Parti das seguintes prem issas: os dados u tiliz a d o s
estão corretos; o percentual de aum ento da população se m anteve estável; o impacto
das epidem ias, guerras e tum ultos sociais foi uniform e durante o período em questão.
Os números de habitantes de Salvador em 1805 (4 6 ,4 4 0 ) e em 1872 ( 108. 138)
foram, respectivam ente, meus pontos de partida e de chegada, que definiram um
crescimento dem ográfico total de 5 7 ,8 %, equivalente 3 pouco mais de 1% ao ano.
C.,omo vimos, as avaliações feitas no século XIX pelos visitantes estrangeiros se afasta­
vam muito desses números, oscilando, por exemplo, dc setenta mil a 115 mil habitan­
tes entre 1812 c 1820, quando não houve guerras, epidem ias ou tum ultos sociais. As
evidencias não referendam essas estim ativas, indicando que, na época, a população
local estava entre 49 mil c 55 mil habítatues.
Sabc-sc q u e n e n h u m c o n tin g e n te p o p u lacio n al cresce ou decresce de maneira
u niform e d u ran te um lo ngo período. O scilações de preços, guerras, pestes, secas,
condições sanitárias c outros fatores in flu en ciam a dem o grafia de u m a cidade, cuja
evolução é form ada de saltos, regressões e períodos de estabilização. Para aprofundar
L í\"ro II - O P eso d o s H omens 113

essa dinâm ica no lim ite dos dados disponíveis, parti dos números referentes à m orta­
lidade, registrados nas onze paróquias de Salvador ao longo de todo o século XIX.26
Calculei as m édias anuais de óbitos, por períodos de dez anos, a partir de três hipóte­
ses: os dados são corretos, o núm ero de óbitos é proporcional ao de habitantes, e o
efeito das endem ias e epidem ias não varia de um a para outra década.

T A B E I A l A

M é d ia s A n u a is de M o rte s em C ada D écada (E s t i m a t i v a s )

I8 00-1S 09 1.391 I8 3 ü - 1839 1.911 18 6 0 -18 6 9 2.484


1S K M S 19 1.775 1 8 4 0 -1 8 4 9 1.921 . 19 7 0 -18 7 9 2.650
IS 20-1S 29 1.778 1 8 5 0 -1 8 5 9 2.756 1 8 8 0 -1 8 8 9 2.664
fonte; Júhjldo Lopes de Athayde, La ville de Salvador au ATAr siicle, p, 363.

Note-se que nas dccadas de 1810 e 1850 o núm ero de óbitos aum entou brusca­
mente. Sugerim os duas possibilidades. A prim eira se refere a um possível aum ento
populacional, que traria consigo m ais mortes. N a década de 1810 teriam chegado
numerosos im igrantes europeus, sobretudo portugueses, depois que os exércitos fran­
ceses deixaram Portugal? Q uantos escravos africanos a mais ou a menos aportaram
então? T eria havido m igrações, para a cidade, de cam poneses cujas atividades agrícolas
estavam em crise, em função da con jun tura ou dc condições clim áticas desfavoráveis?27
Para a outra década, as m esm as explicações podem scr tentadas, com um a diferença.
Prevista e an u n ciada com antecedência, a abolição do tráfico em 1850 foi precedida de
forte im portação de escravos africanos.
Houve queda nas atividades agrícolas e deslocam ento de população para a capital,
seja pelo m arasmo da cu ltu ra açucareira, seja pela ocorrência de uma das mais longas
secas da história da Bahia entre 1857 e 1860. Essa não foi a única provação. A década
foi marcada tam bém por duas epidem ias difíceis de debelar: febre am arela em 1850
(trazida pelo brique Brasil, proveniente de Nova O rleans) e cólera-morbo em 1855
(trazido do Pará pelo navio Im peratriz). Na verdade, o prim eiro surto dc febre amarela
na Bahia m anifcstou-sc em 18d9. Debelado som ente no ano seguinte, ressurgiu com
força total cm 1856, ano cm que o cólcra-tnorbo tam bém grassou. A partir de 1858,
cia tornou-se endêm ica, com m anifestações que atingiam sobretudo os marinheiros
ern 1861, 1862, IH6 Ú, 1873, 1875 e 1 8 7 6 -1 8 7 9 . A epidem ia não sc lim itou à cidade
dc Salvador: sc alastrou por todo o Recôncavo e até uma parte do Agreste, pois
dizimou as populações dc (crcrnoabo c Feira dc Santana. Só foram poupadas as regiões
do Sertão c do Litoral S u l7 H
A segunda possibilidade para csplicar aquele aum ento da m ortalidade é a de que,
nesses dois períodos, as condições sanitárias tenham piorado muito, Não me parece o
caso, até porque, na época das epidem ias, houve mais precauções c esforços higteniza-
dores para prevenir os contágios.
B a.hia, S é c u l o X IX
114

P o n d o d e la d o essas d u a s v a ria ç õ e s b r u s c a s , n o p e r ío d o 1 8 2 0 - 1 8 4 0 o c o rre u um


d e c ré sc im o re la tiv o d a p o p u la ç ã o , c o m p a r a tiv a m e n te a o p e r ío d o 1 8 5 0 - 1 8 9 0 , no q ual,
ap e sar das d u a s e p id e m ia s m o rtíf e r a s , a p o p u la ç ã o se m a n te v e e s tá v e l e a té ex p e rim e n ­
to u le n ta p ro g re ssão . V ê -se , a s s im , c o m o a r e c o n s titu iç ã o lin e a r d e u m c o n tin g e n te
p o p u la c io n a l p o d e ser p e rig o s a q u a n d o os d a d o s n ã o são rig o ro so s. N esses casos, é
m e lh o r c o n te n ta r-s e co m a v a lia ç õ e s . C o n t in u a r e i s im p le s m e n te a e s tim a r q u e , entre
1 8 1 0 e 1 8 7 0 , a p o p u la ç ã o d a c id a d e o s c ilo u e n tr e c in q ü e n t a m il e c e m m il h ab itan tes.
A p esar d e su as e v id e n te s la c u n a s , os re c e n s e a m e n to s o f ic ia is d e 1 8 7 2 e 1 8 9 0 co n ti­
n u a m co m o m e u ú n ic o p o n to d e r e fe r ê n c ia p a r a a e v o lu ç ã o d a p o p u la ç ã o d e Salvad o r
n o ú ltim o terço d esse s é c u lo . E m 1 8 7 2 , a c id a d e te r ia c e r c a d e 1 0 8 .1 3 8 h a b ita n te s e,
em 1 8 9 0 , c erc a de 1 4 4 .9 5 9 . E m b o ra esse c r e s c im e n to n ã o te n h a s id o lin e a r — sofreu
as c o n se q ü ê n c ias d as c rises, d o e n ç a s , rig o re s c lim á tic o s — c o n t in u o u a e x istir, em
p a ra le lo ao a u m e n to p o p u la c io n a l d a p r ó p r ia P r o v ín c ia .
C A P Í T U L O 8

P o pu lação F lutuante
e P o p u l a ç ã o M e s t iç a

Resta saber que contingentes não eram registrados por essas contagens de população.
Quem eram , e qual seu número?
Em prim eiro lugar, cxcluíam -se os ‘ inocentes*, ‘párvulos* ou ‘ pagãos’, 011 seja,
crianças que ainda não tinham atin gido sete anos, a idade da confissão. Depois, os
‘agregados’ e suas fam ílias, que habitavam nos lares de seus senhores c, nas cidades,
eram muitas vezes assim ilados aos em pregados dom ésticos, em bora goíassem de um
status superior.' Por fim, os recenseam entos excluíam os m igrantes, que às vezes resi­
diam na cidade durante alguns meses, retornando cm seguida para a região de origem.
F.m com pensação, moradores de Salvador em viagem tam bém não eram levados cm
conta. F\is aí um problem a: não havia motivo para adm itir a p r io r i que os dois grupos
se compensassem num ericam ente.
íucio leva a crcr que a população flutuante cra m uito im portante. Chegava-sc à
capital por via m arítim a (a bordo dc navios ou de embarcações dc pequeno porte) ou
terrestre (a partir do Recôncavo, próxim o ou distante, e do Sertão). Funcionava cm
Salvador o maior mercado dc escravos do Nordeste brasileiro, c os negros para ali
trazidos, oficial ou clandestinam ente, às vcz.cs perm aneciam m uito tempo antes de
serem vendidos/ Podemos tentar avaliar uma parte dessas populações?
Os dados sobre m arinheiros e navegantes são escassos. Praticam ente todos os
registros do porto de Salvador no século XIX (oram destruídos, c os que restam não
são hom ogêneos,' I ambém nesse caso, meus melhores informantes foram os viajantes
estrangeiros, tojos relatos puderam , às vc/çs, scr confrontados com dados oficiais. No
inicio do século XIX o inglês Tliom as Lindlcg calculou que, por dia, oitoccnras em ­
barcações —oriundas desde Porrn Seguro, no Litoral Sul, até Rio Real, no Norte —
aportavam cm Salvador para vender produtos/ Seu testemunho coincide com o de
uma tentena dc outros viajantes, havendo aqueles que, mais para o fim do século,
estimaram cm mais dc mil o número dc embarcações de cabotagem que aportavam

115
116
B ah ia , S éculo XIX

todos os dias na cap ital.5 Se cada em barcação trouxesse dois ou três m arinheiros, cerca
de dois mil homens c h e g aria m todos os dias por essa via. Encontrei os seguintcs
números para as entradas e saídas de pequenas em barcações entre 1851 e 1854, que
resultam em médias anuais de 1.021 entradas de em barcações em Salvador, com 8.703
tripulantes.

TABF.I.A 14

N avegação de C abotagem

E n tradas e S a íd a s de Em barcaçõ es do P orto de S alvad o r (1 8 5 1 -1 8 5 4 )


A nos Entradas Tonelagem T ripulação Saídas T onelagem T ripulação
18 5 1-1 8 5 2 1.153 109.121 8.505 933 93.603 8.157

1852-1853 1.068 131-032 10 .120 986 104.355 9.347

18 53-1854 842 98.750 7.485 804 87.036 7.090


Fonte: A inserção da Bahia, na evolução nacional, p, 201, Para o período posterior a 1854 as entradas e saídas são dadas apenas
em tonelagem, impedindo avaliação semelhante. Cf. Livro VI.

Um a parte m uito significativa do tráfego provavelm ente ilu d ia a administração


portuária, de modo a escapar das taxas que incidiam sobre as m ercadorias transporta­
das. Além disso, a coleta desses dados não levava em conta a duração da estadia, nem
a distância do ponto de ancoragem ao porto. N a cidade ou em suas cercanias, era
muito fácil puxar um barco até a areia — m uitos pescadores o fazem até hoje — em
algtim ponto de praias, cabos e enseadas que somam dezenas de quilômetros.
Para a navegação de longo curso que ligava Salvador a outros portos, brasileiros ou
não, só obtive números referentes à tonelagem , com exceção dos relativos a 1868,
1869 e ao primeiro semestre de 1870, para os quais foi possível quantificar as embar­
cações que usavam bandeira estrangeira.6 Em 1868 e 1869, entraram no porto de
Salvador 464 navios, com 9.365 tripulantes, e saíram 4 3 0 navios, com 8.973 tripulan­
tes. Estamos longe dos números fornecidos pelo alm irante M ouchez, para quem 46.516
marinheiros teriam entrado em Salvador em 1873 e 1874.7
Creio que um a média de dois m il a 2.200 m arinheiros vinham diariamente a
Salvador trabalhar, buscar alimentos ou sim plesm ente passear, aproveitando a anima­
ção dessa cidade alegre, amada por Iemanjá, que oferecia rantas igrejas e capelas onde
se podia invocar a Virgem, protetora dos homens do m ar.8 Mas é preciso não esquecer
que o número c o tipo de embarcações variaram no decorrer do século, sobretudo no
tocante aos navios de longo curso. Eles traziam verdadeiras tropas de marinheiros e
oficiais que, às vezes, no caso dos grandes veleiros que dominaram os mares até 1860,
ali permaneciam durante semanas ou meses. Esse povo do mar se alimentava e fada
provisões no mercado local. Ademais, utilizava os serviços de saúde pública, sobretudo
durante epidemias, às vezes imroduzádas na cidade pelos próprios navios, que, além de
homens, traziam ratos, como aliás é dito com freqüência, e com todas as letras, nas
Falas anuais dos presidentes da Província perante as Assembléias Legislativas.9
L ivro II - O P eso d o s H omens 117

A lem dos m arinheiros, havia, os m igrantes que, vindos do interior, chegavam a


Salvador por terra. Coloca-se a m esm a questão: qual seu número? N a prim eira me­
tade do século, quando as vias de com unicação eram m ais precárias, poucos podiam
refugiar-se na capital durante períodos de secas prolongadas ou de chuvas excessi­
vas.10 Por isso, não são sequer m encionados na docum entação que possuo, essen­
cialm ente os relatórios anuais dos presidentes da Província enviados à Assembléia
Provincial, regularm ente publicados a partir de 1848- M as, a partir do fim da déca­
da de 1860, cada vez m ais os deserdados do Sertão tom aram o rumo da capital. Os
relatórios dos presidentes da Província fornecem inform ações abundantes sobre es­
ses retiran tes,11 que chegavam despossuídos e enfraquecidos, trazendo problemas a
Salvador. Q uando as secas atin giam regiões próxim as do lito ral — o Agreste e até
algum as partes do Recôncavo — , os agricultores não hesitavam em refugiar-se na
cidade, acolhidos por parentes, à espera de dias melhores. M as não só eles: em 1878,
por exem plo, 7 8 0 retirantes cearenses foram abrigados no Arsenal de M arinha. A
partir de então, as inform ações sobre esse fenôm eno se m u ltip licaram , mas os docu­
mentos oficiais deixaram de p u b licar dados precisos. Pode-se avaliar, mesmo assim,
que o núm ero desses refugiados nunca tenha ultrapassado algum as centenas num
mesmo ano, m as sua presença in flu ía na vida da cidade, inclusive no que dizia res­
peito ao preço dos alim entos.
Avaliem os agora outro grupo de hom ens e m ulheres que escapava totalm ente
dos recenseam entos: os ‘escravos de passagem ’, que em certos anos foram m uito nu­
merosos. Subalim entados nos navios negreiros, esses negros em trânsito, que ainda
não tinham senhor no B rasil, precisavam receber boa nutrição para que fossem co­
locados à venda com aparên cia ad eq u ad a.12 H avia ainda os em pregados domésticos
que acom panhavam o deslocam ento dos senhores de engenho quando estes vinham
até a cidade com prar novos escravos. Nos períodos em que a produção agrícola era
menos intensa, os rendeiros tam bém afluíam à capital, acom panhados de seus pou­
cos escravos, procurando então ocupar-se de pequenos ofícios lucrativos, como a
construção de im óveis. ■ '
O núm ero desses escravos de passagem , que vinham a Salvador trabalhar ou servir
a seus senhores, tam bém não passava de algum as centenas. M as o mercado local de
trabalho não cra m uito grande. Assim, essa m ão-de-obra concorria com a livre, cada
vez mais num erosa no século XIX. Além disso, os escravos continuaram chegando da
África cm grande núm ero até a abolição oficial do tráfico, em 1850, e mesmo depois
dela, cm desem barques clandestinos.1-1 lí impossível calcular com precisão o número
de escravos im portados para a Bahia ao longo do século XIX, mas é possível fazer
avaliações interessantes. Identifico três períodos. O primeiro é o do tráfico legal e
irrestrito (1 8 0 0 -1 8 1 5 ), para o qual temos dados — ás vezes anuais, às vezes mais
espaçados — que permitem construir m édias.14 Entre 1800 e 1810, por exemplo,
pode-se chegar a uma média anual de 7-500 a 7.700 escravos;15 entre 1811 e 1814,
essa média caiu para 5.577 a 5 .7 0 0 .16
118 B a h ia , S é c u l o X IX

N o segundo período (1 8 1 5 -1 8 3 0 ), o tráfico ain d a era legal, mas estava lim ita d o
ao sul do E quador. Para m o ntar a tabela abaixo, usei fontes diferentes, devidamente
d iscrim in adas.
As fontes que possuo se com pletam e se co n tro lam m u tuam en te. Segundo Goes
C alm on , nesse período a m édia an u al de im portação foi de 7 .0 2 3 africanos; segundo
Pierre V erger (que u tiliza dados coletados no Foreign O ffice de Londres, onde faltam
registros de cinco anos) foi de 6 .1 9 6 .17 Esses núm eros devem estar bem perto da
realidade. As im portações caíram entre 1823 e 1829 — anos de lu ta pela independên­
cia da B ahia, m arcados por tu m u lto s sociais e p ela desorganização do co m ércio mas
subiram m uito às vésperas das novas restrições im postas pelos ingleses a essa atividade.
N o terceiro período (1 8 3 1 -1 8 5 1 ) o tráfico foi sem iclan d estin o , isto é, autorizado
pelo Brasil mas p ro ib id o pelos ingleses e seus aliados. N ão tem os dados relativos à
década de 1830. P ierre V erger e Leslie B ethel estim am que ocorreu um lento (mas
constante) crescim ento das im po rtaçõ es no p rim eiro quarto do século XIX, seguido
por um a aceleração nos anos 1 8 2 7 -1 8 2 9 e u m a estabilização até 1835. Em seguida,
elas cresceram de form a n ítid a , até a tin g ir o ponto m áxim o en tre 1846 e 1849.
Se excluirm os os nove anos (1 8 3 1 -1 8 3 9 ) para os quais não encontram os nenhum
dado e utilizarm os para o período 1 8 0 1 -1 8 1 5 os núm eros já apresentados, registramos
a entrada de 2 7 7 .6 8 1 africanos no porto de Salvad o r d u ran te a p rim eira metade do
século XIX. C o m o vim os, eles nao eram postos à ven da im ediatam en te, pois sua
aparência e saúde tin h am m u ita im p o rtân cia na hora de regatear o preço. O cativo era
lavado, tratado e colocado em regim e de engorda, recebendo carne-seca, peixe seco,
farinha de m andioca, bananas e laran jas. A duração dessa etap a dependia da demanda
e das condições de saúde dos negros, m as era freq ü en te q ue eles passassem váríos meses
nos entrepostos construídos pelos com erciantes para esse fim .18 C onstituía-se assim

TABELA 15

N ú m e r o de A f r ic a n o s C hegados à Ba h ia , 1 8 1 5 -1 8 3 0
Ano (D (2) (3) A no (D (2J (3)

1815 6.907 6,750 _ 1823 2.302 2,672 2.744

1816 4.139 5.376 - 1824 2.994 7.137 2.44 9

1817 5.802 6.070 - 1825 4.259 3.840 __


1818 8.706 - - 1826 7.858 4.090

1819 7.033 - - 1827 10.186 2.941 ~ ___


1820 7.722 - - 1828 B.127 - ___ _____.
1821 6.689 - - 1829 12.808 14.623 _____
1822 8.418 7.656 8.825 1830 8.425 7.008 __
F om ei: (1 ) F ran c ilto Marques G oei Calmon, I _
£ publicado em I V com dado, eairafdr» de M1iguel i^urt Calmon du Fm Pin ec Almeida (M arques dc Arrarucs,1, cm aivs
(Marquís Kjníos
d r e (ú (a r, dc 1814. (2J e (3 ) Pierre Verger, H u x t t ftfíu x d tla tr a itr d n n it m tn tr * U g o lfi du B Itsin r r B ahia d t Iodas si
d u X V ir a u X IX ttá tle , p. 66 5 .
L ívro II - O P eso d o s H om en s 119

TABELA 16

N ú m e ro de A f r ic a n o s C hegados à B a h ia , 1 8 4 0 -1 8 5 0
Ano (Ú (2) A no (1) (2) A no ít) (2)
1840 1.675 1.413 1844 6.201 6.501 1848 7.393 7.299
1841 1.4 10 1.470 1845 5.582 5.582 1849 8.401 8.081
1842 2.360 2.520 1846 7.824 7.354 1850 9.102 9.451
1843 3.004 3 .1 1 1 1847 11.769 10.064 1851 785 -
Fontes: (1} Leslie Bethell, A a b oliçã o do trá fico d e escravos no Brasil, p. 369. (2 )Pierre Verger, Flux et refiux d e la traite des nigres
en tre le g o lfe d u B énin e t B ahia d e Todos os Santos d u XVIT au XIXI siicle, p. 666.

um a população m argin al, n u trid a pelo m ercado da cidade, com o as outras populações
de passagem : m arinheiro s, navegantes, refugiados e viajantes de todo tipo.

S a n g u e s M is t u r a d o s : M it o s e R e a l id a d e s

Em todas as cam adas sociais de Salvador encontram -se evidentes traços de m iscigena­
ção. No fim do século XVI, com o vim os, o jesu íta Fernao C ardim calculou a popu­
lação local em três m il portugueses, quatro m il negros e oito m il índios catequizados.
Não estim ou a população m estiça, form ada por m am elucos, m ulatos cafuzos e m ulatas
que lá viviam . N ão nos esqueçam os de que o 'glorioso antepassado’ Diogo Álvares, o
C aram uru, prim eiro h ab itan te português da B ahia, tivera um a prole m uito numerosa
de filhos m am elucos legítim o s e bastardos, form ada já em 1549, quando chegara o
prim eiro governador.19 A pedido do jesu íta M anoel da N óbrega, a Coroa fizera uma
tentativa para m oralizar a vida devassa que seus súditos levavam na Bahia, enviando
para Salvador dezoito jovens órfãs, protegidas d a rainha. M as a experiência terminara
em 1558.20 D urante todo o período colonial, a im igração portuguesa foi essencial­
mente m asculina, contribuindo para difundir a m iscigenação.
São escassos os dados que consegui coletar sobre a composição racial de Salvador
no século XIX. No que diz respeito à repartição por cor, é possível com parar os dados
do recenseamento dc 1808 com os de 1872.

TABELA 17
R e p a r t iç Ao d a P o p u la ç Ao B a ia n a po r C o r , 1808 t 1872 (%) _______ ^
P o p u ia ç Ao Livnti P o ia jla ç Ao E s c r a v a

B ran co s Í n d io s k C a b o c lo s N ec. ros f. M u l a t o s N egros e M u la to s

1808 20.4 1,3 4 3 . 0 ________________ 35,3________


1872 2 4 ,0 3,6 60,2 12,2_________
Fontes: ReceniumcntcM de 1808 < de 1872.
120 B ahla , S é c l l o XIX

Apesar dos esforços de ‘branqueam enro’ , o contingente branco progrediu pouco


em relação ao de caboclos (cujo núm ero triplico u) c, sobretudo, ao de negros e niula
tos livres, que passaram de 4 3% para 60% do total dc habitantes. A populaçã0 da
Província era m estiça, com presença m in o ritária do elem ento branco.
São escassos os dados disponíveis sobre a distrib uição racial dos habitantes de
Salvador. Por não ter encontrado o docum ento que apresenta os resultados da c h a m a ­
da Indagação do C onde da Ponte, não adotei seus núm eros — citados por diversos
historiadores — em m inhas análise. Segundo esse recenseam ento, encomendado em
1807 por João de Saldanh a d a G am a M ello e T orres, 6 o C onde da Ponte e nono
governador e capitão-geral da B ahia, havia ali 28% de m ulatos e 52% de negros em
um a população de 51-112 pessoas.21
O percentual de m ulatos me parece pequeno em relação àquele atribuído ao
conjunto da C ap itan ia em 1808 (43% , só entre os hom ens livres). A capital teria
menos m estiços? N ão é m uito verossím il, ain d a m ais que a cidade abrigava uma
grande concentração de população alforriada, com seus descendentes. Não houve
distinção entre livres e escravos, proporcionalm ente um pouco m ais numerosos na
cidade que no resto da C ap itan ia (2 0 ,4 % ). O recenseam ento de 1872 registrou uma
população de 108.138 habitantes, assim d ivid id a: 3 0 ,9 % de brancos, 43% de mulatos,
23,5% de negros e 2% de caboclos. Levando-se em conta apenas a população livre
(9 5 .6 3 7 habitantes), então os percentuais eram os seguintes: 35,2% de brancos, 44,4%
de m ulatos, 18,2% de negros e 2,2% de caboclos. Nos dois casos, os brancos represen­
tavam 1/3 da população da cidade. O iten ta e sete anos depois, em 1951, entre os
quatrocentos m il habitantes da cidade, 33% eram brancos, 47% mestiços e 20%
negros,22 apesar da im igração se ter tornado totalm ente branca.
J á vim os como essa população se repartia pelas onze paróquias locais. O percentual
de escravos era pequeno (1 1 ,6 % ). Embora fossem encontrados em toda parte —
inclusive num a paróquia com o a de M ares, recém -criada — , eles se concentravam nas
paróquias mais antigas, situadas no coração da cidade e m ais povoadas: Sé, São Pedro,
Sant’Anna e Santo A ntônio A lém do C arm o. H avia duas exceções: a paróquia da
Conceição da Praia, um a das mais antigas da cidade, mas de função eminentemente
com ercial; c a da V itória, dc povoamento m uito recente — subúrbio da cidade ate o
fim do século XVIII — , que sc tornara o bairro residencial das altas camadas da
sociedade c ocupava o quinto lugar entre as onze paróquias da cidade. Nota-se, em
qualquer caso, um certo equilíbrio entre os sexos, com os homens prevalecendo ligei­
ramente entre a população livre (52,8% ) e as mulheres entre os escravos (51,3%)*
Evidentemente, o equilíbrio global entre os dois sexos não im plica que essa relação
fosse a mesma cm iodas as faixas etárias.
A proporção típica encontrada entre os escravos nas plantações (dois homens para
cada mulher) não sc reproduzia na cidade, onde as escravas eram utilizadas para todo
tipo de serviço (inclusive como auxiliares nas construções), com exceção do de trans­
portes e de alguns ofícios artesanais. Havia preferência pelo trabalho da mulher, que
L iv r o II - O P eso d o s H o m e n s 121

podia fazer sem problemas serviços domésticos e serviços 'de ganhos’; os homens eram,
em geral, menos versáteis, incapazes dc alternar, por exemplo, um serviço rude como
o de transportes e um serviço dom éstico mais requintado. M as, além dessa explicação,
é preciso levar em conta que estava em curso um período de desm antelam ento da força
de trabalho escrava m asculina, pois eram preferencialm ente homens — e, entre eles,
preferencialmente os detentores de um ofício — os escravos colocados à venda para as
plantações de café do C entro-Sul do Brasil.
O recenseamento de 1872 fornece o núm ero de casas da cidade: 15.257, das quais
95,9% estavam habitadas e 4,1% não habitadas. Não sabemos se estas últim as eram
edifícios públicos ou residências fechadas/abandonadas, mas constatamos que os regis­
tros consideravam freqüentes os casos de residências parcialm ente arruinadas. As pos­
turas m unicipais determ inavam que “ninguém poderá ter, dentro da cidade, terreno
desocupado ou no qual haja casa não habitada, sem que estas sejam m antidas fechadas
e bem lim pas”.23 A análise que se segue leva em conta apenas as casas habitadas.

TABELA 18

R e p a r t iç ã o da P o pu lação de Salvad o r po r P a r ó q u ia s e R e s id ê n c ia s , 1 8 7 2

P aróquias T o t a l de R esid ê n c ia s H A R IT ANTES H abita n tes % E sc ravo s


RESIDÊNCIAS HABITADAS POR PAROQUIA ItíR CASA POR PARÓQUIA

Sé 2.112 2.048 15.II I 7,4 (16.8)

São Pedro 1.841 1.687 14.743 8,7 (18,8)

SanéAnna 2.445 2.366 17.954 7,6 (3,7)

Conceição da Praia 647 640 5.490 8.6 (9,2)

Vitória 1.181 1.174 11.666 9,9 (17,9)

Passo 799 734 3.636 4,9 (3,5)

Pilar 1.307 1.271 8.346 6,6 (7,3)

Santo Antônio Além do Carmo 2.512 2.487 16.613 6,7 (8,8)

Brotas 833 830 5.090 6,1 (4,7)

Mares 583 494 3.722 7,5 0 ,2 )

Penha 997 900 5.767 6,4 (8,1)

Total 15.257 14.631 108.138 7.4 -

Fonte: Rcccnscamcmo de 1872.

O número de casas era proporcional ao número de habitantes e à densidade


populacional de cada paróquia, com exceção da do Passo, onde aparentemente as
pessoas tinham maís espaço disponível (4,9 habitantes por casa). Nota-se, também,
que onde os escravos eram mais numerosos, a média dc habitantes em cada casa era
mais elevada. M as existiam exceções, como a da paróquia de Sant Anna, uma das mais
antigas e a mais populosa e densa, cujas casas apresentavam a quarta maíor taxa de
B ah ia , S é c lto XIX

ocupação da cidade, porém com pequeno percentual dc escravos. Residiam ali grupos
sociais mais modestos, lado a lado com vários quartéis m ilitares. Estava na mesma
situação a paróquia dc M ares, criada cm 1871 pelo desm em bram ento de três outras
(Pilar. Penha e Santo Antônio Além do C arm o ), igualm ente ocupada por população
hum ilde c por um quartel de cavalaria. Explica-se assim o fato de que, ali, o percentual
de escravos era o mais baixo da cidade: 1,2%.
Era elevado o índice de ocupação das casas, em geral sobrados com um ou dois
andares, cujo ramanho variava conform e os bairros. Os prédios dc vários andares eram
pouco numerosos e se concentravam sobretudo nas paróquias da Conceição da Praia
(com ercial), da Sé e de São Pedro (onde residiam cam adas de m aior poder aquisitivo),
além de alguns bairros localizados em Santo A ntônio A lem do C arm o e em Sant’Anna,
próximos do Centro. Na Penha e na V itó ria existiam grandes casas senhoriais. As
fontes que me perm itiram form ular essas com parações apresentam dados do recensea­
mento de 1855, referentes a dois bairros que podem os considerar significativos. Em
duas circuncrições da Sé foram encontradas taxas m édias de ocupação de 5,9 e 7,4 por
residência; em São Pedro, 7,2 e 4 ,9 ; em Santo A ntônio 9 ,9 ; e em Pilar, 10,7. É preciso,
pois, indagar se esses números — que dão um a m édia de 6,5 pessoas por residência —
estão corretos.
Essa m édia registrada em 1855 era bastante próxim a da que consta no recensea­
mento de 1872 (7 ,4 ). Este prim eiro recenseam ento de 1855 — menos abrangente,
mas maís detalhado que o segundo — clarifica um pouco as coisas. T rinta c sete das
quarenta casas da 11a circunscrição de São Pedro eram térreas, com três ou quatro
cômodos e de frente para as ruas. V iviam nelas 160 pessoas, o que dava uma média de
4,3 por casa. Nos três sobrados do bairro, que geralm ente tinham dois ou três andares,
viviam 37 pessoas (18,9% da população total), o que significa 12,3 pessoas por casa.
É possível que as casas vazias registradas no recenseam ento de 1872 estivessem real­
mente fechadas ou em ruínas. N a 10a circunscrição do Pilar (na C idade Baixa, vjzinha
da Conceição da Praia), a situação era inversa: existiam quinze sobrados (onde viviam
92% da população) e sete casas térreas, que abrigavam apenas dezenove habitantes. A
atividade comercial da cidade se concentrava nas paróquias de Pilar e de Conceição da
Praia, onde havia sobrados magníficos e espaçosos. N um deles, de dois andares além
do térreo, viviam 45 pessoas, distribuídas por duas famílias, seus escravos e um gniP°
no qual se misturavam africanos livres e agregados.
O recenseamento dc 1872 nos fornece um a idéia da repartição, por cor, dos
habitantes dc cada paróquia. Haveria áreas ‘mais negras’ que outras? Os mulatos eram
numerosos entre a população escrava? Onde sc encontrava maior número dc caboclos,
que a tradiçao geralmente relega para o interior das terras da Província? Para o estran­
geiro que andasse pelas ruas da Bahia nos idos dc 1872, a resposta seria evidente: havia
uma maioria negra. Mas, entre as pessoas de cor, era difícil distinguir trabalhadores
livres e escravos. Entre cslcs últimos, que incluíam crianças, o número de mulatos era
relativamente alto, apesar da constante renovação do estoque africano (pelo menos até
I-ARO lí - o PrsO [Xis Hd V í NS 123

ISH ) í. O» nativos na África representavam .Ux''% dc uma população escrava estimada


cm i 2->01 pessoas. Proporcionalmente, as mulatas (.W,5%) eram mais n u m e r o s a s que
os mulatos Í_AV~%1 entre os escravos. Esses pereetmiais. embora altos, estavam bastan­
te longe doN encontrados entre a populaçao livre.

n iu n i ■>
RvrxísUxÁt1 nv Poitiaçao Km uava ih; S alvador por C or , 1872
Miamnis T otw
\( ->•:!, Ntv.rsOs 1 oi U M t l.U A S Nf.CRAS T oTAI tiFAAl

2.0' : aOào (vlljts 2.S33 3.8HO 6.413 lí.Stl]


(51.3) (100.0)
Fo*:;. R.-.ff-tíjmentt? iic 1S~2.

A maior concentração de escravos m ulatos (homens) estava nas paróquias do Pilar,


de Mares e da Penha, todas na C idade Baixa, vizinhas entre si, nessa ordem. Não há
surpresa. M uitos ‘escravos de ganho’ viviam separados de seus senhores e moravam
nessas ireas, onde os aluguéis eram mais baixos (Pilar) ou havia terrenos baldios, aptos
a serem ocupados com casas dc taipa (M ares e Penha). Os mulatos também eram
numerosos nas paróquias da Sc, São Pedro, V itória e Passo, áreas em que residiam
camadas maís abastadas.
Pelas mesmas razões, as m ulatas se concentravam sobretudo nas paróquias do
Passo, V itória, São Pedro c Conceição da Praia, servindo de empregadas domésticas.
Mas sua presença também era significativa cm Pilar, Mares c Penha; ali, as ‘ganhadeiras’
faziam concorrência aos ‘ganhadores1. M orar longe da vista do senhor dava uma
impressão de liberdade, c nas regiões maís afastadas se podia planrar um a horta,
dim inuindo as despesas com a sobrevivência.
Não há dúvida de que, na cidade, a população de cor era maís numerosa que a
branca, com cxccção das paróquias da Conceição da Praia e de Brotas, Na primeira,
situada a beira-m ar e centro da vida com ercial da cidade, os homens brancos represen­
tavam quase 62% do total. A população branca como um todo correspondia a 57%
nessa área, onde negociantes atacadistas moravam e realizavam suas grandes transa­
ções. Na Vitória, bairro mais arejado, viviam sobretudo estrangeiros. Encontrava-se ali
o menor percentual de mulatos: 12,5% entre os homens e 22,8% entre as mulheres.
Apesar de sua natureza industrio.sa e empreendedora, marcada pelo forre desejo de
ascensão social, os mulatos não tinham conquistado espaço no âmbito do grande
comércio. A maioria dos balconistas c empregados das casas comerciais cra formada de
brancos, de origem portuguesa, que fa/.iam parte do lar do patrão c moravam no
próprio local de trabalho, mesmo quando o cliclc tinha emigrado para locais mais
agradáveis.
Em Brotas também se podia constatar uma elevada presença dc brancos (50,9%
do total), sobretudo homens (5/í,8% ), mas por outras razões: tratava-se de uma paró­
124 B a h ia , S éc u lo X IX

quia sem i-rural, com baixa densidade populacional, que abrigava, em 'sítios’ dispersos
4,7% da população da cidade. M u ito s desses sítios eram casas de campo dos ricos qU(!
arrendavam algum a terra a cultivadores livres ou alforriados, interessados em plantar
hortas ou criar gado leiteiro. A paróquia m aís ‘m u lata’ era a da Penha, situada na zona
rural, longe do coração da cidade. A li, os m ulatos representavam 52,5% e as mulatas
61,9% da população. Os m ulatos livres tam bém eram num erosos na densa e popular
paróquia de Santo A ntônio A lém do C arm o, onde constituíam 49,3% da população
livre, e na aristocrática paróquia da Sé (49 % ).
O relativo eq uilíb rio num érico que se observa entre hom ens e mulheres de cor
seja na população livre, seja na escrava, não se repete entre os brancos. Aparece um déficit
de m ulheres, que representavam apenas 4 1 ,8 % da população branca, vista como um
todo. Essa relação podia variar segundo as faixas etárias da população, fazendo apare­
cer alguns desequilíbrios não aparentes aqui. N o caso dos hom ens, esse déficit era
compensado pela p rática de casam entos ou uniões livres com m ulatas e negras. Com
raras exceções, as paróquias apresentavam alto ín dice de m iscigenação. Agrupando
todos os tipos m isturados e negros, e colocando-os em contraposição aos considerados
brancos, podem os ver, com m aior precisão, com o estes ficam ínfenorizados.
Os dados dispensam com entários. Pessoas de cor se infiltravam por toda parte e
viviam em sim biose com um a população branca q ue in clu ía europeus e ‘brancos da
terra3, cuja pele era apenas um pouco m ais clara que a de alguns m ulatos. Graças a
apoios de fam ília, eles conseguiam ultrapassar a barreira que separava homens livres e
escravos. O m ais em baraçoso não era ter pele escura, mas ter antepassados escravos,
N a paróquia sem i-rural de Brotas as caboclas chegaram a ser 20,6% da popula­
ção fem inina e os caboclos, 6 ,6 % da m asculina. D e onde teriam vindo? Descenden­
tes dos índios que outrora povoavam a região, gente o riu n d a das altas terras do Ser­
tão (fugitiva das secas), m oradores de antigas aldeias indígenas do Agreste — todas

TABELA 20

R epartição da P o pulação M asculina L ivre de S alvad o r por C or , 18 7 2


B ran co s M u lato s N eg ro s C abo clo s T otal

19.608 21.101 8.702 ■ 1.108 50.519


(38.8) (41,8) (17,2) (2,1) (100,0)
Fonte: Recemcímcruo de 1872.

TABELA 21
R e p a r t iç ã o da P o p u i a ç ã o F e m in in a L iv r e de S alvad o r por C or, 1872
B rancas M u ia t a s N egras C ah ix iías T otal

14.064 21.332 8.720 1.002 45.118


(31.2) (47,3) (19,3) (2,2) ( 1 0 0 ,0 ) ^ _ _ _
Fonte: Rccelutamcnto de 1872,
L i v r o II - O P e s o d o s H o m e n s

TABELA 22

R e p a r t iç ã o da P o p u ia ç ã o de S alvad o r entre B rancos e N ão B ra n c o s, 1872

P a r Oq c l u B ran co s n a o b ran co s

Sé 4.611 (30,5) 10.500 (69,5)


São Pedro 3.422 (25,2) 11.021 (74.8)
SantAnna 6.819 (38,0) 11.135 (62,0)
Conceição da Praia 2.470 (45,0) 3,020 (55,0)
Vitória 3.096 (26,5) 8.570 (73.5)
Passo 549 (15,0) 3.087 (85,0)
Pilar 2.916 (34,9) 5.430 (65,1)
Sinto Antônio Além do Carmo 4.494 (27,0) 12.119 (73,0)
Brotas 2.291 (45,0) 2.799 (55,0)

Mares 1.295 (34,8) 2.427 (65,2)

Penha 1.409 (24,4) 4.328 (75,6)

Total 33.672 (31,1) 74.466 (68,9)


Fonte: Recenseamento de 1872,

essas pessoas poderiam ter procurado trabalho nos sítios dos arredores da cidade.
M as não apenas elas. Em num erosos docum entos m encionam -se caboclos oriundos
das costas de Ilhéus, Porto Seguro e outras regiões do sul da Província, o que ajuda
a explicar sua concentração relativa nas paróquias da Conceição da Praia e de M a­
res, na C id ade B aixa. Seu peso na população da cidade ainda era insignificante por
volta de 1870.
T ais eram os com ponentes da população de Salvador, cidade colorida e m isturada
e, por isso, cheia de vida! O processo de ‘em branquecim ento’ favoreceu o elo obriga­
tório, representado pela população m estiça. N a Bahia, o ‘branco fino — ou seja, o
português branco — tornou-se cada vez m ais um a lem brança h istó rica;^ no im aginá­
rio o modelo perm aneceu europeu, mas a realidade foi m arcada por uma miscigenação
ainda mais forte do que a sugerida pelas estatísticas. Embora não haja dados precisos,
pode-sc concluir que a im igração européia para a Bahia foi m uito fraca durante o
século XIX, com parada à im portação de negros.
N ão possuo nenhum a fonte referente a essa im igração na prim eira metade do
século XIX. Para a segunda metade, existe uma série dc cem livros de registros de
passageiros estrangeiros que entraram c saíram da Bahia entre 1855 e 1864. Mas eles
têm sérias lacunas do ponto de vista cronológico. Além disso, os dados não são homo­
gêneos e sua triagem é m uito difícil. Uma sondagem apontou a entrada de 4.456
estrangeiros em nove anos. Mas ignoro totalmente se eles se estabeleceram em Salva­
dor ou no interior da Província, ou ainda se tornaram a partir. Esses quinhentos e
poucos — exatam ente 495, cm média, por ano — europeus que entravam todos os
B a h ia , S é c u l o X I X
126

anos em Salvador eram m u ito poucos em relaçao aos 6 .6 7 3 africanos que entraram no
porto cada ano du ran te os ú ltim o s anos do tráfico de escravos.25
Os especialistas em questões sociais da B ahia co n sideram brancas as pessoas que
apresentam características d o m in an tes dessa raça, m esm o q u e h aja m istura de sangue
negro ou índio. N ão im po rta a origem racial. A lém disso , q uem tiver certo prestígio
social será considerado branco, m esm o q ue seja m estiço claro ou m ulato escuro.
Segundo Pierson, na B ahia, ser negro é po ssuir “traços negróides m u ito s visíveis” ou
ter um a “situação social in ferio r”. P ara ele, os term os ‘ n eg ro ’ e ‘b ran co ’ são m uito mais
“categorias baseadas na ap arên cia física q u e na ra ç a ” e se referem à posição na socie­
dade, de m odo que a ascensão social pode ‘lib e rta r’ um in d iv íd u o de sua cor original.26
A ssim , a im ensa varied ad e de m estiços — p ara os q u ais os brasileiros inventaram
diversas palavras, com o m u lato s, cabras, pardos, sararás, cabos-verdes etc. — são
d etlarad o s ‘brancos’ se forem so cialm en te aceitos e ‘m u lato s’ em caso contrário.
Essa am b igü id ad e no uso atu al dos term os q u e se referem à origem racial e social
dos habitantes de Salvado r reforça a necessidade de q u estio n ar os historiadores do
século XIX. Q u al era, na época, o sig n ificad o exato desses m esm os termos? Que
m o bilidade a sociedade oferecia aos alfo rriad o s, q ue v iv iam a co n dição de escravos em
um passado m u ito próxim o? Seus descen den tes tin h am as m esm as chances que os
im igrantes brancos? A sociedade b aian a, escravista até 1 8 8 8 , freou a ascensão social
dos m ais h u m ildes, fossem livres o u escravos? O u, ao co n trário , foi m ais aberta, mas
perm issiva, após a A bolição?
U m a afirm ação m u ito repetida e pouco q u estio n ad a é a de q ue a sociedade baiana
estava d ivid id a, até 1888, em brancos senhores e negros escravos, passando em seguida
a dividir-se entre brancos ricos e negros pobres. N ão h averia a í u m a rejeição incons­
ciente à m iscigenação? N ão fica esquecido que o branco de hoje era o m ulato e o negro
de outrora? A supervalorizaçao desse m odelo branco, ao qual aspira a sociedade baiana,
não apagou valores sociais de outro tipo , já que todo um grupo social — os negros
foi inserido nela sem poder preservar sua p rópria cu ltu ra?27
M eu problem a fundam ental é o seguin te: a dicoto m ía ‘branco rico’ e negro
pobre é uma característica da ‘raça’ negra — reduzida à escravidão, espoliada, explo­
rada ou decorre da estrutura econôm ica escravocrata, d irigid a do exterior segundo
o tradicional esquem a da dependência? O term o escravo se refere a uma categoria
social, e não a uma raça, pois a cor da pele e a origem não passam de acidentes
históricos numa cidade de m estiços como Salvador. Já está, portanto, na hora de
percorrer as ruas c entrar nas casas para tentar com preender como se formou a estru­
tura fam iliar e como os homens e as m ulheres da Bahia aprenderam a viver juntos, no
meio dc m il antagonism os, m il contradições.
LIVRO

A F a m íl ia B a ia n a
C A P ÍT U L O 9

U m Pouco de H ist ó r ia

Os c o n q u ista d o res p o rtu g u e se s tiv e ra m as m ão s liv res p ara e d ific â r n o B rasil u m a v id a


eco n ô m ica b a se a d a em g ran d e s u n id a d e s de p ro d u çã o a g ríc o la e u m a v id a social
o rg an izad a em to rn o d a fa m ília . C o m o em to d as as so cied ad es, a fa m ília se torn ou,
tam b ém a q u i, a b ase d a o rg a n iz a ç ã o so c ia l. Q u e fa m ília?
C o m o e x te rm ín io p ro g ressiv o d o s povos in d íg e n a s, d u as c u ltu ra s — a branca
eu ro p éia e a n e g ra a fric a n a — in flu e n c ia ra m a e s tr u tu ra fa m ilia r b rasile ira . Por m o ti­
vos ev id en te s, à p r im e ir a c o u b e u m p a p e l p re p o n d e ra n te , m as de fo rm a a lg u m a ex clu ­
sivo. A c o n v iv ê n c ia co m escrav o s afric an o s n ão era u m a situ a çã o to ta lm e n te nova p ara
P o rtu gal, o n d e a e sc ra v id ã o fo ra in tr o d u z id a — o u re in tro d u z id a — d esd e a época das
p rim eiras c o n q u ista s c o lo n ia is .1 M a s , ao q u e p arece, o n ú m ero de escravos nu nca
u ltrap asso u 1 0% d a p o p u la ç ã o d a M e tró p o le .
N a B a h ia m e stiç a , o p eso d o siste m a escrav o crata era b em m aio r, m arcan d o a
so cied ad e lo c al e im p o n d o so lu çõ es n o vas ao m o d elo d e fa m ília d ^ é m - m a r . No
século XIX , os p ro b le m a s c o tid ia n o s a d v in h a m d e co n d içõ es v ariad as e o rigin ais, que
ex igiam g ran d e fle x ib ilid a d e p o r p a rte das estru tu ras fa m ilia is . E las se adap taram ,
preservando o c alo r h u m a n o e p ro te g e n d o as crian ças. P ara co n h ecer esse processo,
estu d arem os em p rim e iro lu g a r a m o ld u ra le g a l q u e cerco u a evo lução da in stitu ição
fam iliar de o rig em p o rtu g u e sa; p a rtin d o d essa a n álise , ten tarem o s estabelecer um a
tip o lo g ia d a fa m ília b a ia n a ; d isc u tire m o s d ep o is o q u ad ro e stru tu ral criad o por esses
novos tip o s d e fa m ília , cu jo s m em b ro s tin h am d iferen tes o rigen s, cores e estatutos
ju ríd ico s.
O E stado p o rtu g u ês sem p re esteve p reo cu p ad o em fo rm alizar as leis. No in icio do
século X V , dom A fonso IV en carrego u Jo ão M en d es, em in en te ju rista e m agistrado,
de re u n ir c o e ren tem en te as leis do reino. N asceu d aí o p rim eiro código português,
d en o m in ad o A lfo n sin o c p u b licad o em 1492. V in te e um anos m aís tarde, ele foi
su b stitu íd o pelo C ó d ig o M a n u e lin o , p u b licad o d u ran te o reinado de dom M an u el
m as d estin ad o a ter v id a cu rta. D om Sebastião, q u e reino u entre 1555 e 1571, in sti­

129
130 B a h ia , S é c u l o XIX

tuiu um terceiro código, incluindo, pela prim eira vez, as leis ditas extravagantes, qUe
até então não haviam sido codificadas, perm anecendo fora do corpus juris. Finalmente,
em 1603, durante o reinado de Filipe III da Espanha (1 5 9 8 -1 6 2 1 ), veio à lu2 Um
duradouro código, que serviria de base legal inclusive para a formação do Estado
brasileiro, vigindo aqui durante todo o prim eiro século posterior â Independência
(a parte civil das Ordenações Filipinas só foi sub stituída no Brasil em 1917).
As Ordenações estabelecem um a distinção clara e reiterada entre ‘ nobres’ c ‘peões'.
M as, em qualquer desses casos, a fam ília portuguesa ou brasileira foi definida como
nuclear, formada por um casal e seus filhos. Para traçar a evolução legal dessa família
entre 1800 e 1890, interessam os especialm ente o pen últim o dos cinco livros, qUe trata
do direito civil e com ercial.2 T entarem os, prim eiro , saber com o se estabeleciam os
direitos pessoais no âm bito das relações famiÜais stn cto e lato sensu. Depois, numa
segunda etapa, definirem os os direitos e deveres decorrentes dessas relações.

R e g im es M a t r im o n ia is

No Brasil, a grande m aioria dos casam entos era efetu ad a em regim e de comunhão de
bens, tam bém conhecido com o de ‘carta de m etad e’. Se os futuros nubentes quises­
sem assinar um pacto nupcial — situação pouco freq ü en te ■ — , deveriam ser maiores
de idade, livres de qualqu er em pecilh o e considerados capazes, do ponto de vista
civil. Até o século XIX, a m aio rid ad e legal era de catorze anos para os rapazes e de
doze anos para as moças, lim ites abaixo dos quais tornava-se necessário obrer autori­
zação paterna ou ju d ic ia l para casar. A lguns desses contratos m atrim oniais — na
verdade, raros — sim plesm ente exclu íam ou, ao co n trário , form alizavam a comu­
nhão legal.3 O utros tin h am objetivos d iferen tes, com o a d efin ição do regime dos
bens (próprios ou doados pelos pais) incorporados ao p atrim ô n io ou do montante
de doações feitas, no presente ou no fu tu ro , pelos nubentes entre si (poderiam ser
feitas inclusive depois da morre de um deles). A ssim , m arido ou m ulher podiam
oferecer dotes ao cônjuge. N a sociedade b aian a de então, viúvos abastados e com
descendência costum avam dar um dote ou u m a renda para o novo cônjuge ou as
filhas, como forma de lhes assegurar um p atrim ô n io próprio. T ratava-se, neste caso,
de um pacto dotal, que não deve ser confundido com um contrato dotal. O pacto
utilizado sobretudo por filhos de fam ílias nobres — destinava, à m ulher, rendas
próprias para suas pequenas despesas. Essa lei foi abolida em 8 de outubro de 1835,
junto com o m orgadio. Em caso de falecim ento, o dote ficava com o cônjuge viúvo,
enquanto o resto da herança era distrib uído entre os outros herdeiros legítimos-
N aturalm ente, os pactos que estabeleciam um a renda ou um dote anulavam o regi
me de comunhão legal de bens, como está registrado na série in titu lad a Livros de
Notas e Escrituras. O mesmo acontecia com o terceiro tipo de pacto, que estabelecia
a separação de bens entre os cônjuges.
L i v r o III - A F a m ília B a ia n a 131

Para que fossem válidos, esses três tipos de contratos deviam ser legalizados em
cartório, estipulando-se o nom e dos futuros cônjuges e de seus pais, bem como sua
nacionalidade, religião, data de batizado, idade, dom icílio e, se fosse o caso, grau de
p a r e n te s c o .S e o casam ento não fosse feito em com unhão legal, era indispensável
fornecer um a descrição detalh ad a dos bens de cada parte. Os contratos que encontrei
raramente obedeciam a essas regras. O m ais das vezes registravam apenas os nomes dos
futuros cônjuges, o local, a d ata e o m o n tan te do dote (só o dote da futura esposa era
estipulado). A lgum as vezes os nom es dos pais eram citados.
Eram, portan to, três os regim es m atrim o n iais em vigor no Brasil no século XIX:
com unhão legal, regim e de dote, e separação de bens. E studando testam entos e inven­
tários p o st m ortem p u d e v erificar que, n a B ah ia, 9 0% dos casam entos eram celebrados
segundo o ‘costum e do rein o ’, isto é, a com unh ão legal. D efinam os m elhor cada um a
dessas três form as de associação m atrim o n ial.

R e g im e s M a t r im o n ia is e R e g im e s de B en s

Os regim es de bens eram fu n d am en tais para d istin g u ir os regim es m atrim oniais entre
si. C onsiderava-se q ue h a v ia co m u n h ão legal em quatro casos: o contrato nupcial
definira esse regim e, os futuros côn juges haviam declarado que seus bens passavam a
ser com uns, o casam ento fora celebrado sem contrato específico ou o contrato (assina­
do antes do casam ento) fora con siderado nulo po r aten tar contra as leis da natureza,
do casam ento e dos bons co stu m es.5 A p aren tem en te, eram m u ito raras as contendas
entre cônjuges ou en tre herdeiro s em torno deste últim o caso. >
No B rasil, com o em todos os países regidos pelo d ireito rom ano, o casam ento em
regime de com unhão de bens era considerado u m a associação de tipo universal, na
qual o passivo e o ativo de cada côn juge, no presente e no futuro, pertenciam a ambos
em partes iguais. A co m u n h ão , que colocava os bens da fam ília sob adm inistração do
m arido, só era ad m itid a se o casam ento fosse celebrado “dian te da Igreja , se fosse
consum ado e sc nenhum dos cônjuges fosse escravo. O concubinato, por sua vez,
nunca deu d ireito à com unhão de bens pois, desde o C o n cilio de T rento (15 45 ­
1563), a coabitaçao era co n trária aos princípios m orais e religiosos. T am bém estavam
excluídos da com unhão os bens recebidos sob a form a de doação, antes ou depois do
casam ento, ou atribuídos por testam ento com cláusula expressa nesse sentido.
O regim e de com unhão com portava riscos — altos riscos, pode-se dizer , pois
tornava os esposos solidários entre si, no contexto de nm a sociedade cuja econom ia era
m uito especulativa. As fortunas se faziam e se desfaziam em uma mesma geração, o
que, aliás, explica o uso dos dois outros regim es m atrim oniais. A separação de bens era
adotada em diversas situações:
- quando havia opção explícita por este regim e; quando os futuros cônjuges
declaravam não querer contrair m atrim ônio segundo o ‘costum e do reino ;
132 B a h ia , S é c u l o XIX

- quando, no contrato, havia um a cláusula incom patível com o regim e de


comunhão (exemplo: a com unhão reduzia-se explicitam ente aos bens adquhj
dos, ou os cônjuges se declaravam solidários nas dívidas porventura contraí<jas
no futuro, ou se previa a reversão da fortuna às respectivas famílias em caso de
morte sem descendência);
- finalm ente, quando o m arido concedia, à m ulher, um dote, oferecendo-lhe
bens (ou seu usufruto) sob a forma de rendas ou sob qualquer outra denomi­
nação. O dote que o m arido dava a sua m ulher era um a espécie de seguro sobre
o dote que ele recebia dos pais de sua m ulher. Esse ato podia ser comparado às
doações p ro p ter nuptias dos romanos. As O rdenações estipulavam que as rendas
não podiam exceder o terço do dote, mas esse regim e era raro no Brasil.
O dote era constituído por todos os bens que a noiva trazia, ou por aqueles
prometidos pelo noivo em ato cartorial. T am bém faziam parte do dote todos os
bens que a m ulher adquiria depois do casam ento por doação, herança ou legado, se
esses bens não fossem gravados com um a cláusula que estipulasse que a mulher ti­
nha o direito de adm inistrá-los, gozando de seu usufruto exclusivo. A não ser que
existisse uma cláusula específica definindo outra m aneira, o regime de separação tam­
bém conferia ao m arido a adm inistração dos bens, inclusive dotes e rendas, se exis­
tissem .6 M as os imóveis só podiam ser vendidos ou hipotecados com o consenti­
mento dos dois cônjuges. Só bens móveis (exceto apólices da dívida pública) podiam
ser alienados pela esposa sem o consentim ento do m arido ou de um a autoridade
judiciária. As restrições eram m aiores nos casos em que a separação de bens se con­
jugava com a oferta de dotes: nem mesmo os dois cônjuges, agindo de comum acor­
do, podiam vender ou hipotecar seus próprios bens, dependendo para isso de auto­
rização ju d icial, concedida em casos ‘m u ito esp eciais’, com o dotar as crianças,
comprovar extrema pobreza, saldar dívidas contraídas pela esposa, consertar outro
imóvel dotal, sofrer expropriação pelo Estado ou com pensar afastamento do domi­
cílio conjugal.7
O regime de separação de bens era, portanto, m ais favorável à mulher do que o de
comunhão. Mas, nos dois casos, o m arido conservava o poder de administrar os bens
familiais. Além disso, com a com placência de um juiz pouco escrupuloso, os casos
especiais’ acima citados possibilitavam toda espécie de abusos. No caso de separaçao
simples (sem dotes), os maridos tinham a possibilidade de exercer todo tipo de pressão
para obrigar as mulheres a ‘aprovar’ as vendas por eles desejadas. A consulta a testa
mentos c inventários post m ortem mostra a freqüência desses falsos ‘consentimentos ,
extorquidos sobretudo quando havia separação legal entre os cônjuges, após um casa
mento rompido.
Vê-se que a legislação do século XIX colocava a mulher numa posição muito
dependente da vontade do marido. Mas é preciso tentar sab er até que ponto esse
quadro jurídico bastante estrito convivia, na prática, com diversos ‘jeitos que libera
vam muitas mulheres do estrito controle do esposo.
L iv ro III —A F a m ília B a ia n a

D iv ó r c io

O C ódigo C iv il brasileiro só ad m itiu o que atu alm en te se entende por d iv óircio


i_____
em
1977. Até então, obedecia-se ao d ireito canônico, que só adm ite a dissolução do
casam ento por sua an u lação d itad a pela Igreja cm casos de erro de pessoa, condição
legal d iferen te de um dos cônjuges (exem plo: um era escravo e o outro, livre), cogna-
çáo (n atu ral, esp iritu al ou legal), crim e, religião diferente, casam ento forçado, biga­
m ia, im p o tên cia, rapto, au sên cia de padre e de testem unh as, recebim ento de ordens
sacras pela esposa ou p ro stitu ição d esta.8 M as, no século XIX, cham ava-se ‘divórcio7 a
separação de corpos dos cô n juges, au to rizad a em quatro situações bem definidas: se,
nos doze prim eiro s m eses de v id a co m u m , os cônjuges optassem por entrar num
convento; se tivesse h avid o , por p arte de um dos cônjuges, “fornicação espiritual por
heresia e ap o stasia”; se ocorressem sevícias graves; enfim , sc fosse com provado adulté­
rio p raticad o por u m dos esposos (se os dois com etessem ad u ltério , a Igreja não
ad m itia a separação, p o is u m caso com pensava o o u tro ).9
N a sociedade b a ian a de então, o ad u ltério era p rática corriqueira. A ssim , sem que
o laço m atrim o n ial fosse ro m p id o , a separação dos cônjuges tin h a com o conseqüência
a separação de seus bens e a posterior reorganização d a v id a de cada um , em concubinato.
Conform e o caso, os d ivo rciad o s eram m ais ou m enos aceitos na sociedade, com
maiores facilidad es — com o sem pre, em casos de transgressão de norm as sociais —
para os hom ens. É v erd ad e q ue a m u lh er aban don ada por causa de adultério do
m arido recuperava sua au to n o m ia e sua in d ep en d ên cia m aterial, mas essa era, o m ais
das vezes, fictícia. G eralm en te, restava à m u lh er retornar à situação de dependência no
seio de sua fa m ília de o rigem , sobretudo nas cam adas m ais elevadas da sociedade.

F il ia ç ã o

O direito português — e, portan to, o brasileiro — reconhece três tipos de filiação:


legítim a, legitim ad a e natural. E prevê a filiação por adoção.
Além das crianças nascidas de casam entos celebrados pela Igreja, eram considera­
dos legítim os os filhos póstum os, ou seja, nascidos até dez meses depois da dissolução
de um desses casam entos, fosse por m orte do pai, losse por outras razões. O marido era
considerado pai dc todos os filhos gerados durante o casam ento, a menos que houvesse
julgam ento afirm ando o contrário. Portanto, para provar a ilegitim idade de um filho
adulterino, cra preciso recorrer à Justiça. M as a lei reconhecia como legítimos os filhos
cujos pais, falecidos, tivessem vivido publicam ente em estado m atrim onial. Abria se
assim o cam inho às uniões livres, forma dc associação conjugal m uito comum na
sociedade baiana, como veremos adiante.
Chefe da fam ília, o pai exercia o pátrio poder sobre os filhos menores de 21 anos
ou não em ancipados, cham ados ‘filhos-fam ília’. A emancipação podia ser feira a partir
154 B a h ia , S é c u l o X I X

dos dezoito anos, por ato cartorial, O casam ento tam bém em ancipava o filho m enor
mas a idade m ínim a legai para con traí-lo era de doze anos para as m eninas e de catorzé
para os m eninos. O pai devia prover alim en tação e educação para os filhos, recebendo
destes, em con trap artida, sem recom pensa, serviços correspondentes às suas idades. Se
o pai estivesse passando necessidades, os filhos deveriam sustentá-lo. Sancionava-se
assim, por lei, a solidariedade do núcleo fam iliar.
O pai ram bém tinha direitos e obrigações para com os bens dos filhos, que podiam
ser ‘bens ordin ário s’ (resultantes de herança recebida da m ãe que falecera ou de outros
legados, doações ou heranças, vindos de um parente ou de o u tra pessoa qualquer) ou
extraordinários’, cu ja lista era bastante longa. Eram extraordinários os bens herdados,
legados ou recebidos em doação m as cu ja ad m in istração fora con fiada a terceiros; os
bens adquiridos pelo trabalho do filh o -fam ília, m esm o q ue o cap ital tivesse sido em­
prestado pelo pai; os bens ad q u irid o s no serviço civ il, m ilita r ou eclesiástico, sob forma
de salários ou em olum entos; os bens ad q u irid o s fo rtu itam en te pelo jogo, apostas ou
formas afins; os bens herdados pela in cap acid ad e do pai em herdar. C om exceção de
situações que exigissem a ad m in istração por terceiros, o pai tin h a com petência para
gerir os bens de seus filhos. A lém disso, era sucessor de um filho falecido, a menos que
este tivesse deixado descendentes ou cô n ju g e viúvo. C aso co n trário , mesmo que hou­
vesse testam ento, o pai recebia pelo m enos 2/3 d a herança, desde que não tivesse sido
deserdado pelo filho por um m otivo previsto em lei.
M as havía lim itaçõ es ao poder paterno. Sem autorização do ju iz, o pai não podia
alienar, hipotecar ou trocar os bens de seus filhos; não podia com prar esses bens, nem
mesmo em leilões ou através de terceiros; não podia ob rigar um filho a servir de fiador;
não podia repartir ‘am igav elm en te’, sem a intervenção de um ju iz , a herança deixada,
para o filho, pela m ie ou por terceiros.
A mãe tam bém tin h a direitos e deveres para com os filhos, inclusive no que dizia
respeito aos bens destes. Em condições norm ais, d iv id ia o encargo de criá-los e educa-
los. Substituía o m arido ausente, não podendo dar um tutor aos filhos até que fosse
declarado o ‘óbito presuntivo’ do pai (podia, ela m esm a, exercer essa função). Em caso
de dissolução do casam ento, era obrigada a am am en tar as crianças até a idade de tres
anos ou dar-lhes am as-de-leíte, pelo m enos enquanto não contraísse novas núpcias.
Em seguida, devia zelar pela educação dos filhos, sobretudo se a fortuna do pai fosse
insuficiente.
Filhos naturais só podiam ser legitim ados depois do casam ento dos pais, adqui
rindo então os mesmos direitos c deveres dos filhos legítim os, como se tivesse ocorri
do um novo nascimento. M as os filhos nascidos de um casam ento anterior deviam
gozar do direito dc prim ogenitura, mesmo se tivessem nascido após o filho legitim a
do, e os filhos adultcrinos c aqueles cujos pais houvessem recebido ordens religi°saS
(chamados filhos sacrílegos) estavam excluídos d essa possibilidade.
Com exceção dos filhos nascidos desses ‘coitos danados’ (adultério, incesto ou
praticado por integrantes de ordens religiosas), qualquer criança nascida fora dos
L m t o III - A F amília B aian a 135

casamentos podia ser reconhecida pelo pai ou pela mãe, ou pelos dois conjuntam ente.
Desde que oferecessem prova de seu estado civil, viúvos dos dois sexos podiam reco­
nhecer um a criança, m esm o que já tivessem outros filhos legítim os, legitim ados, na­
turais, reconhecidos ou adotivos.
A idade dos filhos em vias de reconhecim ento não tinha im portância. Os dispo­
sitivos se aplicavam inclusive aos não-nascidos, apenas concebidos. Tam bém era pos­
sível reconhecer filhos naturais falecidos, sc estes tivessem deixado descendentes. Em­
bora isso fosse proibido por lei, os reconhecim entos de paternidade traziam quase
sempre o nom e do p arceiro .10 Isso pode ser explicado pelo fato de que, freqüentem en­
te, reconheciam -se, num m esm o ato, crianças nascidas de mães diferentes, de modo
que as inform ações sobre a m ãe provavelm ente eram ditadas por excesso de zelo em
m atéria de precisão!
O reconhecim ento de um filho n atu ral era feito em cartório, produzindo um tipo
de ato legal relativam en te num eroso nos livros dos tabeliães baianos e praticado por
todas as cam adas sociais d a população livre: ricos com erciantes portugueses, senhores
de engenho, advogados, m édicos ou sim ples africanos alforriados. A criança não podia
recusar a p atern idade ou m atern id ad e reconhecida. No entanto, mesmo depois de
validado, o ato carto rial podia ser contestado por declarações que demonstrassem sua
nulidade (por exem plo, pela com provação de que a paternidade ou m aternidade reco­
nhecida era im possível) ou pelo reconhecim ento, por parte da m ãe, de que o pai era
o u tro .11
D epois de reconhecidos, os filhos n aturais passavam a gozar dos mesmos direitos
e deveres dos filhos legítim o s, in clu siv e no que dizia respeito à herança. A liás, os filhos
naturais não reconhecidos por seus pais tam bém podiam herdar um a parcela da parte
disponível (terça). E xistia p o ssib ilidade inclusive de reconhecim ento ju d icial de um
filho que requeresse a sim ples o u to rga de alim en tos ou tivesse sido concebido por
estupro ou rapto de u m a m u lh er.

F il h o s A d o t iv o s

A adoção estava prevista em lei, podendo ser solicitada, cm princípio, por qualquer
pessoa que tivesse m enos de cin q üen ta anos e, no m ínim o , mais catorze anos que a
criança. Sc fosse casado, o so licitan te precisava obter o consentim ento do cônjuge, se
vivesse cm união livre, não podia sequer solicitar um a adoção. Os tutores só podiam
adotar seu pupilo quando tivessem liquidado as contas de tutela. Não podia ser ado
tada um a pessoa que já tivesse descendentes legítim os ou legitim ados, nascidos ou
apenas concebidos.
R egistrada em cartório, a adoção não podia ser revogada, garantindo à criança o
mesmo estatuto de um fiiho natural reconhecido. M as, na Bahia do século XIX, as
raras adoções — encontrei apenas dez casos em 42 livros de tabeliães, que cobrem o
136
B a h ia , S é c u l o X IX

período d e 1800 a 1891 — eram asadas com o artifício para reconhecer filhos naturais
T ratava-se de um a m en tira social co m p letam en te in ú til, pois, nesses casos, as leis e oj
costum es facilitavam o recon hecim en to. Sob esse aspecto, a sociedade baiana não era
com plexada, nem h ip ó crita. O co n cu b in ato estava tão enraizado que ninguém se
preocupava em escondê-lo, m esm o nas cam adas m ais abastadas. U m exemplo entre
m il: um dos senhores de engenh o m ais poderosos d a B ah ia, Francisco Sodré Pereira
Barão de A lago inh as, não h esito u em p ro clam ar sua o rigem b astard a (era filho natural
de um a grande dam a do R ecôncavo, M a ria n a R ita de M en ezes B ran dão , que teve esse
filho im ediatam en te após sua viuvez, assim com o , aliá s, outros filhos de pais diferen­
tes) ao p edir, em 1886, o títu lo de fid algo (que não lh e foi co n ced id o ), o único título
de nobreza tran sm itid o de form a h ered itária.
Os laços co n ju gais criav am , sem d ú v id a, ob rigaçõ es m ú tu as en tre os cônjuges e
entre estes e seus filhos, m as a legislação em v ig o r era to leran te p ara com as situações
m arginais. Procurava, sobretudo, p ro teger as crian ças, fossem legítim as, legitimadas,
naturais ou adotivas, todas elas q uase igu ais p eran te a lei. ,

D ir e it o s d e S u c e s s ã o e R e g i m e S u c e s s ó r i o

Até o in ício do século XIX, com o falecim en to do titu la r a p ro p ried ad e civil dos bens
passava aos herdeiros inscritos ou legitim ad o s, até o d écim o grau de parentesco. Se
fossem inco ndicio nais e dissessem respeito a u m a coisa in fu n g ív el, os legados podiam
ser transm itidos a q u alq u er categoria de le g a tá rio .12 O cô n ju g e sobrevivente guardava
a propriedade dos bens en q u an to a p a rtilh a não estivesse term in ad a, a menos que se
tratasse de bens próprios do falecido. Se não houvesse cô n juge ou se os bens fossem
incom unicáveis, a propriedade civil devia ser tra n sm itid a a pessoas “notoriamente
conhecidas com o irm ãos, irm ãs, tios, tios ou prim os do falecido, segundo o Alvará de
1754, Se a sucessão fosse de ordem testam en tária, essa propriedade poderia pertencer
ao cônjuge sobrevivente, ao descendente, ao ascendente ou ao executor testam entário
e herdeiro inscrito. Os legatários só entravam de posse de seus legados depois do ato
de partilha.
H avia um prazo de trin ta dias (contados a partir da abertura do processo sucessó­
rio) para que se apresentasse um a descrição detalhada de todos os bens deixados pel°
falecido, mas isso era pouco respeitado. N a m aioria dos casos, fazia-se apenas uma
descrição sum ária, que 'esquecia’ um a parte dos bens, sobretudo daqueles que estives­
sem fora da Província. Às vezes essa prática ocasionava processos. Geralmente, porém>
os herdeiros preferiam se entender e resolver am istosam ente as questões. O inventário
era redigido sob controle de um juiz com petente, que fazia com parecer os credores e
os legatários, para que seguissem o desenrolar do processo.13
N o século X ÍX eram m uito raros os que morriam em Salvador deixando bens
declarados, e ainda mais raros os que faziam um testam ento.1^ M as a lei reconhecia
Li\n.o III - A F a m ília B a ia n a 137

dois tipos dc sucessão: a testam cn tária e a a b in testa to (ou legítim a, que tratava dos
casos em que o falecido não d eixara testam en to ). N esse ú ltim o caso, o côn juge torn a­
va-se o h erdeiro , segu in d o -se os descen dentes, ascendentes e colaterais.
Previam -se diversos casos de pessoas con sideradas incapazes de suceder: os in te­
grantes dc ordens religio sas; os autores ou cú m p lices de crim es praticados contra o
falecido, in clu in d o -se a í os crim es co n tra a ho nra, v io lên cias e fraudes; o cônjuge
sobrevivente que, ten do filh os, não tivesse m an d ad o fazer um inventário em seguida
ao falecim ento ou q u e, em caso de lo u cu ra do falecido, não o tivesse ajudad o a
recuperar a razão; a ‘filh a -fa m ília ’ q u e se tivesse desonrado; e, até 1824, os estrangei­
ros, os brasileiros p riv ad o s d a n a c io n alid a d e , os proscritos, os heréticos, os apóstatas,
os escravos, os bastardos e os ‘ m ortos c iv is’. A C o n stitu içã o de 1824 (que, m odificada
pelo Ato A d icio n al em 1 8 3 4 , p erm an eceu em v ig o r até 1 88 9) m anteve essa interdição
no caso dos escravos, dos b astard o s e dos ‘m ortos c iv is’.
Se o casam ento tivesse sido feito em regim e de com unh ão de bens, o cônjuge
sobrevivente receb ia a m etad e da h eran ça to tal depois de feitos o inventário e a avalia­
ção. A ou tra m etad e cab ia aos d em ais herdeiro s. A ordem de sucessão da m etade
disponível era a segu in te: d escen d en tes, ascenden tes, cô n juge e, fin alm en te, o Estado,
Se não houvesse ascen d en tes, descen d en tes ou colaterais até o décim o grau, o cônjuge
sobrevivente era h erd eiro ú n ico , M as, nos séculos X V II e XVIII e no prim eiro terço do
século XIX, esse esq u em a p o d ia v ariar u m pouco q uando entravam em cena duas
interessantes in stitu içõ es — o m o rgad io e a c a p e la — que, abolidas em 1835, influen­
ciaram as transferências de bens e de propriedades de certas cam adas sociais na Bahia.
Bens de m orgadio ou de cap ela estavam sujeito s a lim itaçõ es no d ireito de propriedade
e deviam perm anecer p erp etu am en te com a m esm a fam ília, não podendo ser p artilh a­
dos ou alienados.
O m orgadio — q u e parece ter sido usado apenas u m a dezena de vezes na Bahia
durante o período colo nial — visava proteger as fortunas de fam ília, tendo sido ado­
tado sobretudo por portugueses de ascendên cia nobre. Podia in clu ir bens situados no
Brasil c em P o rtu g a l.15 Essa in stitu ição trazia consigo certas obrigações, pois os
adm inistradores (ou seja, os herdeiros) deveriam gastar com obras ‘piedosas’ mais ou
menos a centésim a parte das rendas das propriedades. A capela — mais comum era
uma instituição de caráter religioso, feita para expressar a piedade dc seus fundadores,
que destinavam as rendas de certa área territorial para a construção e conservação de
um tem plo. Nem sem pre essa prática correspondia às intenções proclamadas. Com
efeíto, através desse m ecanism o a propriedade em questão se tornava inalienável c não
podia ser hipotecada. Num país cm que as terras m udavam freqüentem ente de mãos
e nem mesmo poderosos senhores de engenho escapavam ao risco de empobrecimento
rápido, era tentador im pedir que os herdeiros alienassem ou hipotecassem certas pro­
priedades, m antendo aberta apenas a possibilidade de que fossem alugadas para saldar
dívidas eventuais.16 Assim, o proprietário original criava, para seus descendentes, um
escudo contra os reveses da fortuna.
B a h ia , S é c u l o XIX

A ordem de sucessão para m orgadios e capelas era a seguinte: como primeira


opção, era herdeiro o filho m ais velho. Se este m orresse sem descendência, era substi­
tuído pelo irm ão im ediato ou, cm u ltim o caso, pelos prim os, desde que do lado
paterno. A té 1770, se não houvesse irm ãos e prim os hom ens, as m ulheres entravam na
lin h a de transm issão. Em nenhum caso in clu íam -se os filhos ilegítim o s. Se o morgadio
fosse paterno, os irm ãos por parte de m ãe não podiam herdá-lo; m as, se fosse m ate rn o ,
irm ãos e prim os-irm ãos podiam can d id atar-se à sucessão, A reu n ião de dois morgadios
graças a um casam ento foi p ro ib id a em 1769. A ntes desse ano, para im pedir tal
concentração de p rivilégio , a lei obrigava a doar o m o rgad io m ais rico ao primogênito
e o outro ao segundo filho. Se tal divisão fosse im possível d u ran te duas gerações (caso
não houvesse herdeiro do sexo m ascu lin o ) um dos m o rgadio s desaparecia automatica­
m ente.
Segundo C lóvis B eviláq u a, p erm aneceram algun s vestígios do m orgadio mesmo
após sua abolição em 1835. Foi o caso, por exem plo , do arrendam ento vitalício
(ien fiteu se ), que durou até o fim do século. Ao en fiteu ta sucediam os descendentes
legítim os, ordenados por idade e sexo (os hom ens antes das m u lh eres). Se não houves­
se filhos legítim o s, apareciam os filhos n atu rais, os ascendentes e os colaterais até o
quarto grau.

H erd e iro s

No século XIX, havia, na B ahia, três categorias de descendentes: legítim os, legitim a­
dos e ilegítim os (naturais). Os direitos das duas prim eiras eram iguais, sem distinção
de sexo, leito ou idade (o costum e de favorecer o m ais velho ou o segundo dos filhos
hom ens nunca existiu em Portugal nem no B rasil). Se não houvesse filhos vivos, a
sucessão passava para os netos, e assim sucessivam ente, até a extinção da descendência.
Por direito de representação, os descendentes de um grau inferior podiam concorrer
com os de grau superior, recebendo um a parte equivalente da herança. Exemplo: se
um herdeiro morresse antes de seus pais, mas deixasse descendentes, estes recebiam a
herança, em pé de igualdade com seus tios e tias. Resultava disso tudo um grande
parcelam ento das propriedades, sobretudo agrícolas.
Embora os filhos ilegítim os tam bém fossem m uito protegidos pela lei, havia nesses
casos regras particulares (que, aliás, se aplicavam aos filhos adotivos). Segundo o
antigo direito português, os filhos naturais dos plebeus tinham direito à sucessão com
direitos iguais aos dos filhos legítim os. No Brasil, o decreto n° 4463, de 2 de outubro
de 1847, estendeu esse tratam ento aos filhos naturais das fam ílias nobres. Em qual­
quer caso, porém, era necessário o reconhecim ento cartorial ou testamentário da pa­
ternidade ou m aternidade. Um filho natural reconhecido por uma pessoa casada só
recebia a metade daquilo a que teria direito, caso fosse legítim o. Alé disso, os filhos
legítimos c legitim ados não pagavam nenhum direiro de sucessão. Até serem assimila-
L iv ro III - A F a m ília B a ia n a
139

dos aos filhos legítim o s (1 8 6 1 ), os filhos n atu rais reconhecidos pagavam um a taxa de
10% e os filhos recon hecido s d u ran te o casam ento pagavam 20% (decretos de 1809
e 1835 e regu lam en to s de 1861 c 1 877).
É fácil a v a lia r as co n seq üên cias sociais de um a legislação desse tipo na tolerante
Salvador: todos os filhos tin h am d ireito a u m a p arte das heranças, de modo que se
criavam fortunas — alg u m as delas, a in d a atu ais — a p artir de situações m arginais. Os
atos de reco n h ecim en to de p atern id ad e se to rn aram cada vez m ais num erosos no
correr do século X IX . C o n te i u m a dezen a desses atos por ano entre 1800 e 1820 mas
esse núm ero passou a cerca de trin ta po r ano no m eio do século.
C lóvis B ev iláq u a a firm a q u e o código filip in o “gu ard a um silêncio en igm ático ”
sobre os d ireito s sucessórios dos filh os adotivo s. É que, na época, se recorria ao direito
rom ano, in terp retad o pelo uso m o derno. A pessoa ad o tad a sucedia a seus pais adoti­
vos, sem perder seus d ireito s à sucessão dos bens de sua fam ília n atu ral. M as não tinha
direito a u m a parte le g a l, pois não era con siderado herdeiro necessário. Logo, sua
situação era m enos favo recid a do que a do filho n atu ral reconhecido, o que, aliás,
ajuda a ex p licar o p eq u en o n ú m ero de adoções enco ntradas na B ahia do século XIX.
Os bastardos — filh os a d u lterin o s ou incestuosos — não estavam afastados das
sucessões. N ão h erd avam d e suas m ães, m as estas não tin h am direitos à herança dos
próprios pais. P reo cu p ad a em não ex clu ir a crian ça, a legislação previa que se pulasse
um a geração, fazendo o b astard o h erd ar d iretam en te de seus avós. As crianças nascidas
de uniões ilíc ita s en tre m u lh eres so lteiras e hom ens casados entravam na lin h a de
sucessão pelo lado m atern o , m as não pelo paterno.

S u ce ssã o po r T e sta m e n to

A ordem de sucessão era a m esm a, tan to em casos testam entários com o em casos úb
intestato. M as a p o ssib ilid ad e de red ig ir um testam ento suavizava os rigores da Jei,
perm itindo que o testador dispusesse livrem en te da terça parte de sua fortuna a
terça’ — em favor de q uem escolhesse, ou ain d a em favor de um a instituição, religiosa
ou leiga. T odas as pessoas podiam fazer testam entos, corri exceção dos menores (de
catorze anos para os m eninos e de doze para as m eninas, como no caso dos casam en­
tos), dos ‘filhos-fam ília’, dos loucos, dos heréticos, dos apóstatas, dos religiosos professos,
dos condenados à m orte, dos surdos-m udos (que, na época, não aprendiam a ler e a
escrever) e dos escravos. M as, em toda a B ahia, havia poucas pessoas alfabetizadas,
capazes de redigir. Por isso, os testam entos podiam ser 'p ú b lic o s, ditos também
abertos’, ou privados.17
Em Salvador, os testam entos serviam freqüentem ente para reconhecer paternida­
de, alforriar ou favorecer escravos, esclarecer a m aneira como se desejava ser enterrado,
indicar a quantia que se desejava distribuir na forma de esmolas, solicitar a celebraçao
de missas, legar bens ou dinheiro para instituições. Por isso, os testamentos são uma
140 B ah ia , S é c u l o X IX

inesgotável fonte de inform ações sobre todas as cam adas sociais de Salvador. Nuj^
leito de m orte, a sinceridade torna-se praxe. Ricos e pobres m ostram então traç0s
m uito parecidos, entre os quais a vontade de sobreviver na lem brança dos seus.

U m a L e g isl a ç ã o B e m A d a p t a d a

A lguns traços o rigin ais aparecem nessa análise das bases legais da fam ília. A forma de
associação con jugal m ais com um era a com u nh ão legal de bens. Q ue podia significar
essa solidariedade, q uando os cônjuges nada possuíam ? M ais do que parece. Numa
sociedade em que a riq ueza era m u ito co n cen trada, o regim e m atrim onial era impor­
tante m esm o en tre os que nada possuíam , pois criav a um a solidariedade profunda
entre os dois parceiros. A liás, m esm o no caso de separação de bens, quase todos os
contratantes estabeleciam dotes ou rendas. A té on de pu de ver, todos os que optavam
pelo regim e de separação de bens p erten ciam às cam adas abastadas (comerciantes,
m em bros de profissões lib erais, m ilitares, fu n cio n ário s). N o período de 1801 a 1809,
encontrei tam bém sete contratos desse tip o feitos po r escravos alforriados, mas foram
exceção. O regim e da com unh ão p o d ia ser m o dificado no decorrer da vida conjugal,
por exem plo q uando um dos cônjuges recebesse u m a doação incom unicável.
A solidariedade era um dos traços d o m in an tes d a sociedade baiana no século XIX.
A adoção quase auto m ática da com u nh ão de bens nos casam entos reforçava legalmen­
te essas características n aturais, m u ito im po rtan tes para hom ens e m ulheres. As socie­
dades ocidentais eram , no m esm o perío do, m ais in div id u alistas que a baiana.18
O superpoder dos m aridos era baseado n u m regim e de bens que — com exceção
de casos excepcionais, previstos em contratos ou im p lícito s em determ inadas cláusulas
dos legados , heranças e doações recebidas no decorrer da vida conjugal — lhes atri­
buía a adm inistração dos bens do casal. A m u lher era dependente da vontade do
m arido, devendo pedir sua autorização até para certas despesas do dia-a-día. Se ela
quisesse exercer um a atividade com ercial separada do m arido, necessitava de uma
autorização especial deste últim o , registrada em cartó rio .19 Apesar disso, a separação
legal de corpos podia, em certos casos, afrouxar essa cadeia de dependência, sobretudo
nas classes m édias e nas menos favorecidas. Essa separação, bem como a separação de
bens, não era com um nas cam adas m ais abastadas, onde os desentendimentos conju
gais geralm ente term inavam com o afastam ento do m arido, que ia constituir ura*
fam ília m arginal. As mulheres dessa cam ada social raram ente transgrediam as inter ■
ções fundadas na moral religiosa.
O casal solidário — legal ou não —~ Linha direitos e deveres para com sua descen
dência. Através dc algum a das diversas fórmulas legais disponíveis, deveria reconhece
os filhos nascidos fora dos laços m atrim oniais, prática comum a todas as cama
sociais. É difícil avaliar com precisão a proporção de filhos ilegítimos r e c o n h e c i d o s ,
pois, em geral, isso não era feito por ocasião dos nascimentos, mas por testamento
L iv ro III - A F a m ília B a ia n a

O s p ró p rio s p ad res não h e sitav am em ap resen tar-se aos tab eliães para confessar,
co n trito s, o n ú m ero d e filh o s n ascid o s de su a “m iséria e frag ilid ad e h u m an as”.20
L e g ítim as ou le g itim a d a s , reco n h ecid as o u por recon hecer, adotivas ou (no pior
dos casos) n a tu ra is sem esp eran ças de reco n h ecim en to , todas as crian ças eram m u ito
pro tegid as p elo le g isla d o r, m as su b m e tid a s ao p o d er do pai ou, n a au sên cia deste, da
m ae ou d e u m tu to r, a té a m a io rid a d e . A sucessão n ão co m p o rtav a n en h u m d ireito de
p rim o g e n itu ra , m en o s nos casos, m u ito raros, de m o rg a d io ou de cap ela,21 restritos às
cam adas m ais a b astad a s. A le i c o n fe ria u m a ex istê n c ia real à fa m ília n atu ral. U m casal
q ue vivesse em u n iã o liv re era in c ita d o a c u m p rir seus deveres e a regu larizar sua
situ ação , n em q u e fosse no le ito de m o rte, d e m o d o a ev ita r co n trad ição flagrante com
a m oral cristã.
V ejam o s ag o ra co m o h o m en s e m u lh e re s de S alv ad o r co m p reen d iam essa m ensa­
gem e com o tira v a m p ro v e ito d e to d as as a b ertu ras, to d as as p o ssib ilid ad es oferecidas
por u m a le g isla ç ã o re la tiv a m e n te flex ív el.
C A P ÍT U L O 1 0

T ip o l o g ia d a F a m íl ia B a ia n a

D estacan d o ap en as a f a m ília em seu s e n tid o m a is a m p lo , d it a p a tria rc a l, a historio­


grafia b ra s ile ira n ão fo rn ece m u ito s d a d o s so b re os n ú c le o s fa m ilia re s q ue existiam
n a ép o ca c o lo n ia l e n o sé c u lo X IX . C o m p re e n d e -s e : as d e scriçõ es ressaltam a exis­
tê n c ia d e u m a so cie d ad e d iv id id a em d o is g ra n d e s g ru p o s , o dos senho res e o dos
escravos. O s en g en h o s d e a ç ú c a r u tiliz a v a m m ã o -d e -o b ra p ro v e n ie n te d a Á frica, en­
g en d ran d o p o rtan to , a p a rtir d a co r d a p ele, u m a p r im e ir a estratifica ção so c ial.1 Apli­
cado aos p rim eiro s e s ta b e le c im e n to s c o lo n ia is, esse m o d elo fo i esten d id o às estrutu­
ras o riu n d as de o u tras ex p eriên cias p ro d u tiv as — a m in e ra ç ã o , p o r exem p lo — , como
se n ad a tivesse m u d ad o ao lo n g o de sécu lo s. A lé m d isso , co n sid eran d o -se o Brasil
com o u m p aís e sse n c ia lm e n te a g ríc o la , e m g e ra l n e n h u m a d is tin ç ã o se fazia entre os
m eios u rb an o e ru ra l. A e s tru tu ra a g ríc o la e a g rá ria h e rd a d a d a C o lô n ia , fundada na
m o n o cu ltu ra, nos latifú n d io s e n a escrav id ão , c o n s titu ía “p rem issa fu n d am en tal” para
a análise d a so ciedade b ra sile ira do sécu lo X IX .2 A ssim , o g ru p o econ ôm ico era quase
co m p letam en te id e n tific a d o com o g ru p o d e p a re n te la , a m p lia d o p ela presença de
d epen dentes e escravos, cu jo c o n ju n to fo rm av a a im e n sa c lie n te la da fam ília pa­
triarcal. A “g ran d e fa m ília ”, h ip e rtro fia d a e m u ltifu n c io n a l, en g lo b av a todos numa
m esm a u n id ad e eco n ô m ica, “cen tro e n ú cleo d a v id a s o c ia l”, “força social que se
desdobrava em força p o lític a ”, v erd ad eira “a risto c ra c ia r u r a l”.3 Essa im agem era tal­
vez ad eq u ad a à fa m ília existen te nas p lan taçõ es de c an a-d e -a ç ú c a r ou de café. Mas.
que se passava nas regiões em q ue im p eravam as ativ id ad es de extração? O u naquela
em que se fazia um a a g ric u ltu ra de su b sistên cia, através do cu ltiv o de pedaços de
terra relativam en te pequenos?
N ao é só. A descrição acim a supõe q ue a fam ília p atriarcal — com seus aparenta
os, nem sem pre ligados entre si por laços dc san gu e — tenh a sido nucleada ape113
por casais brancos, nunca m estiços ou m isturados. Essa id éia não é correta, s o b r e t u 0
quando se trata do m eio urbano, helizm ente, algu n s (raros) trabalhos de demograf
istóríca propõem novos esquem as m etodológicos. É o caso, po r exem plo, do estu

• 142
L iv ro III - A F a m ília B a ia n a
143

pioneiro, de M a ria L uiza M a rc ílio , sobre a população de São Paulo entre 1750 e
1850/ que retom a a d efin ição clássica de fam ília e a estende aos numerosos pais e
mães celibatário s então ex isten tes/ A crescenta ain d a a noção de ‘d o m icílio ’,6 local
onde viviam co m u n id ad es co n stitu íd as p rin cip alm en te por mem bros de um a fam ília
— ascendentes, netos e outros parentes, além de em pregados c hóspedes — que
com partilhavam o m esm o teto do chefe. Pode-se associar esse conceito ao de ‘fogos’,
usado nos antigo s recenseam en tos brasileiros. D e acordo com a ausência ou a presença
de um ou m ais chefes de fam ília, M a ria Luiza M arcílio distin gu e, entre a população
livre, três tipos de d o m icílio s — com apenas um chefe, com vários chefes e sem chefes
— por sua vez su b d iv id id o s em diversos tipos de associações fam iliares.7
E studando o caso de V ila R ica (M in as G erais), Iraci dei N ero da C osta8 propôs
outra classificação, m u ito ú til, sobretudo q u an d o se trata de d eterm in ar o tam anho e
a estrutura dos grup os do m éstico s. Ela parte de duplo critério; o institucio nal {família
livre ou escrava) e o ligad o aos costum es (fam ília in d ep en d en te ou dependente). Neste
últim o caso ap areciam os agregad o s — parentes ou am igos pobres, ou então escravos
alforriados — que existiam em todas as regiões do B rasil, tanto no cam po como na
cidade. E m bora livres, m an tin h am laços dc d ep en d ên cia e subordinação em relação ao
chefe das fam ílias q ue os h aviam recebido . É eviden te q ue essa classificação é ú til para
determ inar o tam an h o e a estru tu ra dos grupos dom ésticos.
Seria interessante ten tar u m a classificação que pudesse servir para várias regiões
brasileiras, de m odo a p e rm itir com parações entre as estruturas fam ilíais. Além disso,
é essencial d istin g u ir fam ílias form adas por pessoas livres, alforriadas ou escravas, para
que se possam cap tar as m o b ilid ad es sociais e afastar a idéia de um a sociedade bloquea­
da, dual, que o p u n h a, sem nuances, senhores brancos e escravos negros.
A dotei um m étodo d iferen te, q ue m e pareceu útil para estudar prim eiro a fam í­
lia nuclear, elem entar, b io ló gica, base de toda associação fam iliaf/ No Brasil, essa
fam ília era legítim a {ou seja, abençoada pela Igreja) ou natural. Sobre esta ultim a
— que podia scr form ada por um chefe m asculino, um a m ulher agregada e seus
filhos, se existissem — há poucos docum entos. A crescentei ainda os casais sem fi­
lhos (que criam problem as dc classificação, pois dizem respeito a três casos diferen­
tes: casal constituído cm idade tardia, casal sem filhos sobreviventes, e casal que
ainda não teve filhos) c as mães ou pais solteiros (não necessariamente a procriação
exigia coahitação prolongada; os atos cartoriais dc reconhecim ento de filhos natu­
rais mostram que era com um que homens c mulheres tivessem vários filhos com
pessoas diferentes). , _
Para encontrar todos os tipos de a sso c ia ç õ e s que não fossem do tipo da família
simples, enfoquei depois os grupos domésticos, ou seja, conjuntos de pessoas que
compartilham o mesmo espaço dc v id a".111 M eu csrudo, que cobre o período 1800—
1890, se baseia essencialm ente cm duas séries de documentos; o recenseamento reali­
zado cm 1855 na cidade de Salvador e 1.101 inventários p ost m ortem ( 7 15 de homens
c 386 dc m ulheres), feitos por pessoas, livres ou alforriadas, de todas as camadas sociais
144 B a h ia . S é c u l o XIX

d e Salvador. Aparecem tam bém inform ações sobre as fam ílias dos escravos q Ue pert
ctam aos tesradores.
Q uase rodos os docum entos do ccnso dc 1835 foram destruídos ou dçsaparec
ram . Restaram dados sobre cinco quarteirões, localizados cm quarro das onze par^_
quias da cidade: Sé, San to A ntônio A lém do C arm o , São Pedro e P ilar.11 Trabalh ‘
com apenas três delas — 21-* e 2 2 a da Sé c 10a do P ilar, q ue abrigavam ao todo \\\
fa m ílias— pois só nesses casos pude estabelecer os graus de parentesco dos integrantes
dos grupos dom ésticos. Para o estudo sobre a fam ília alfo rriada, utilizei uma terceira
série, form ada por 482 testam entos de escravos alforriados na Bahia no século XIX

F a m íl ia L egal e C o n s e n s u a l l

Jo h ild o Lopes de A thayde escreveu um pio n eiro estudo dem ográfico sobre a cidade de
Salvador no século XIX, recenseando as três grandes variáveis — batism os, casamentos
e óbitos. M as não prosseguiu em direção a u m a an álise aprofun dada da família baiana.
N ão obstante, encontrei nesse trabalh o inform ações m u ito úteis, como a média anual
de casam entos em períodos de dez anos. Enrre 1800 e 1839 essa m édia oscilou entre
198,7 e 2 0 4 ,7 ; na década de 1840, caiu para 182 ,5 ; entre 1850 e 1889 houve progres­
são contínua: 2 7 1 ,3 (1 8 5 0 -1 8 5 9 ), 2 9 2 ,7 (1 8 6 0 -1 8 6 9 ), 3 5 8 ,7 (1 8 7 0 -1 8 7 9 ) e 401,6
(1 8 8 0 —1 8 8 9 ).12 O forte aum en to observado na passagem da década de 1840-1849
para a de 1 8 5 0 -1 8 5 9 (4 8 ,6 ) perm ite duas explicações, com plem entares entre si: as
epidem ias de febre am arela e de cólera tornaram m ais forte o medo da morte, levando
m aior núm ero de casais a regularizar suas situações, ou a Igreja aum entou sua influen­
cia, tornando-se m ais rom ana e, portanto, m ais severa em m atéria de moral. Seja como
for, o núm ero de casam entos dobrou ao longo o século XIX.
C om o disse, para estudar a situação ju ríd ica da fam ília baiana, recorri a informa­
ções dos 1.101 inventários p o st m ortem já m encionados e do recenseamento de 1855-
Os prim eiros possibilitaram a identificação de 772 fam ílias e o segundo de 11L entre
146 grupos dom ésticos.
N o u n iv erso re tratad o nas d u a s séries d e d o c u m e n to s , a so m a dos casais e das
pessoas viúvas q u e tin h a m filhos vivos ch e g av a a 8 2 % do total. P recisam os tentar saber
se os 18% restantes tin h a m filhos falecido s, N o re c e n se a m e n to nad a se diz sobre is>n.
em b ora apareça a id ade dos dois parceiros; nos in ven tário s o c o n trário se dá: fornecem -
se a idade e o n ú m ero dc filhos falecidos, m as ra ram e n te sc diz a idade dos cônjuges.
I rês dos cinco casais sem filhos citados no recen seam ento dc 1855 haviam ultra
passado a idade dc procriação. C asa m e n to s tardios e ram então bastante freqüentes,
fosse para legalizar an tig as u n iõ es livres, fosse para u n ir u m a pessoa viúva a outra.
Doações feitas a um dos esposos m uitas vezes explicitavam a situação, hntre 1806®
1 861 , por exem plo, foram celebrados 8 2 2 casam entos na paróquia do Paço, vizín a
à da Sé, localizada no centro d a C id a d e Alta; 2 1 ,6 % dos ho m ens e 11,9% das
U v ro III - A F a m ília B a ia n a
145

m u lh eres n eles en v o lv id o s tin h a m m ais d e q u a re n ta a n o s .13 N a m a io ria desses ca­


sos, tratav a-se d e pessoas a lfo rria d a s, o q u e não i estran h o : a alfo rria era m ais fre­
qüen tem en te co n seg u id a em id a d e relativ am en te avançada. H avia tam bém portugueses
pobres q u e se casavam tard e p o rq u e , d u ra n te m u ito tem p o , v iv iam a exp ectativa de
fezer fo rtu n a e re to rn a r à p á tria . Em q u a lq u e r caso, os casais recém -legalizado s eram
m uiro aco lh ed o res em re laç ã o aos filh o s n a tu rais já existen tes. D os 58 viúvos ou
viúvas reg istrad o s em nosso q u a d ro , n o ve tiveram filh o s que faleceram sem d eixar
d escen d ên cia e nove e ra m e stra n g e iro s (q u a tro african o s alfo rriad o s, três p o rtu g u e­
ses, um e sp an h o l e u m fran c ê s).

TABELA 23

F a m ília s L e g a is (1 8 0 0 -1 8 8 9 )

F a m Ilia L e g a l R ecen seam ento de 1855 I n v e n t Aíu o s T otal

Casais com filhos 31 (5 0 ,0 ) 464 (60 ,0) 495 (59,5)

Casais sem filhos 5 (8,3 ) 85 (10 ,9 ) 90 (10 ,8)

Viúvos com filhos 5 (8,3 ) 94 (12 ,2 ) 100 (12 ,0 )

Viúvas com filhos 19 (3 1,6 ) 71 (9,2 ) 90 (10 ,8 )

Viúvos sem filhos I (1,7 ) 16 (2,0 ) 17 (2,0)

Viúvas sem filhos 1 (1 .7 ) 42 (5,4 ) 43 (5 .D

Toral 62 (10 0 ,0 ) 772 (100 ,0) 835 (100,0)

Entre as 6 2 fa m ília s leg a is recen seadas em 1 8 5 5 , q u aren ta eram brancas, dezesseis


m ulatas e so m en te seis n egras, d istrib u iç ã o q u e não co rresp o n dia de jeiro nenhum ao
peso de cad a e tn ia n a p o p u lação b a ian a, fo rm ad a por cerca de 5 0% de negros, 20% de
m estiços e 3 0 % de b ranco s. A ssim , pode-se d izer que, em p rim eiro lugar, as pessoas
livres e, depo is, os b ran co s eram p ro p o rcio n alm en te os q u e m ais se apresentavam para
obter a bênção m a trim o n ia l. M as, q u an d o repartim os os chefes de fam ília por cor e
profissão, v erificam o s q ue o casam en to legal representava um a espécie de ascensão
social para o casal m estiço ou negro, q ue dessa form a assim ilava os valores do grupo
branco d o m in an te. U m a u n ião legal con feria, a um negro ou m estiço, a respeitabili­
dade necessária a um a assim ilação , que facilitava a conquista de um a posição social
m e lh o r p a ra os filh o s .
Só encontrei q u atro casam entos legais envolvendo pessoas brancas e de cor. Em
dois deles, hom ens m ulatos — professores, profissão m uito prestigiada se casaram
com m ulheres brancas; no outro, não aparece a profissão do m arido (tam bém m ulato),
que, no entanto, possuindo três escravos, com certeza tinha uma situação financeira
aceitável. N o q uarto caso, um português, dono de arm azém , casou-se com um a m ulata.
Com que idade as pessoas sc casavam na Bahia? Os números apresentados por
Johiido A thayde para as paróquias do Paço (1 8 0 6 -1 8 6 1 ) e da Conceição da Praia
146 B a h ia , S é c u l o XIX

(1 8 5 5 -1 8 6 5 ) perm item algum as co n clusõ es.14 A p rim eira, como vimos fí


C id ad e A lta, perto da C ated ral, em pleno coração do d istrito residencial, enquan ^
segunda estava na C id ad e B aixa, no d istrito com ercial da cidade. Nas duas paró ° a
a m édia de idade dos hom ens ao casar (29 anos) era sensivelm ente superior
m ulheres (24). A m aio ria destas se casava entre 15 e 24 anos e os homens, entre 20
34 anos. Ignoro com o essas m édias se repartiam dentro das diversas camadas socia ?
especialm ente no que d izia respeito a pessoas livres, alforriadas e escravas.

TABELA 24

C o r e S ituação P ro fissio n a l dos C hefes d e F amília


segundo o R ecen seam ento df. 1855

P r o f issã o B ranco M u lãto N egro

Magistrado I - -

Escrivão 3 ■ - ■ -

Procurador de Justiça I - -

Escrevente - 1 -

Servidor público 8 I -

Advogado 1 - . -
Médico 1 - - _
Mestre - I -

Proprietário 1 - -

Comerciante 5 - -

Empregado no comércio 2 - -

Marítimo 1 - -

Ourives - - I

Correeiro 1 - -

Artista 1 -

Pedreiro - 1 I

Marceneiro - 1 -

Pintor dc paredes - 2 -

Chapeleiro - 1 -

Tanceiro - - 3

Euniiciro - I -

Açougueiro _ 1 1

Sem profissão 2 3 1

Total 28 13 5
__ ____ _________ L iv ro III - A Família B aiana 14 7

h'. •
$:= ■ ■

. TABF.LA 2 5

. R e pa r t iç ão d o s C a sa m e n t o s s e g u n d o a Idade
n a s P a r ó q u i a s d o P a ç o ( 1 8 0 6 - 1 8 6 1 ) e C o n c e i ç ã o d a P raia ( 1 8 5 5 - 1 8 6 5 )

C o n c eiçã o lia P raia

I dade ao C asar H omens M ulh eres H o m fn s M l’[ HERE5


até 15 anos - . - 12 (2.9) - - 11 (4,6)
de 15 a 19 21 15,1) 126 (30,7) 7 (2,9) 70 (29,1)
de 20 a 24 88 (21,4) 94 (22,9) 53 (22,2) 62 (25.8)
de 25 a 29 115 (27,9) 65 (15,9) 61 (25,5) 30 (12.5)
de 30 a 34 60 (14,6) 40 (9,8) 37 (15,5) 15 (6,3)
de 35 a 39 39 (9,4) 24 (5,9) 19 (7,9) 11 (4.6)

de 40 a 44 43 (10,4) 30 (7,3) 22 (9,2) 17 (7,1)

de 45 a 49 11 (2,7) 7 (1.7) 10 (4,2) 8 (3,3)

50 ou mais 53 (8,5) 12 (2.9) 30 (12,6) 16 (6.7)


410 (100,0) O
O
O
Total 430* (100,0) 239 240 (100,0)
(*} Este total é falso. Com efeito, se somarmos o número de cônjuges da paróquia do Taço, apresentado pelo próprio autor
na tabela publicada na p. 323 de seu trabalho, encontramos 822, ou seja, 411 pessoas de cada sexo. O mesmo pode ser
constatado para o caso da paróquia de Conceição da Praia.
Fonte; Johildo Lopes de Athavde, La Ville d e S alvador au À7AT sih le. Aspects dim ogretpbitpiei UVaprh lei registres paroustJtLx),
p. 325 e 329. '

O tam anho das fam ílias legais tam bém é um dado que perm anece vago quando se
consultam inventários e o recenseam ento de 1855. Nos melhores casos, obtêm-se fo­
tografias’, que captam um instante preciso- A busca de uma sucessão de imagens da
mesma fam ília constrói o m ais das vezes um a história irregular e hesitante. Na tabela
abaixo, incluí casais ou pessoas viúvas com filhos; depois, contei todas as crianças, mesmo
as falecidas, deixando de fora só os filhos naturais que náo moravam com os pais.

TABELA 2 6
T amanho da Fa m í l i a L e g a l , 1 8 0 0 - 1 8 9 0

T otai de TO I AI DE
N ° DF. HLHOS R l CRNSFAMENTO I n v e n t á r io s
PAMll IAS FILHOS
Dl. 1 8 5 5 po st SiORlPM

126 ( 1 8 ,5 ) 126 (5 ,0 )
1 14 112
127 ( 1 8 .6 ) 254 (1 0 ,2 )
2 13 114

11 8 ( 1 7 .3 ) 354 (| 4 ,2 )
3 11 107

11 2 ( 1 6 ,4 ) 448 ( 1 8 ,0 )
4 5 107

63 (9 ,2 ) 315 ( U ,6)
5 4 59
54 ( 7 .9 ) 324 ( 1 3 ,0 )
6 3 51
81 (1 1 ,9 ) 669 (2 6 ,8 )
7 o u m ais 2 79
681 ( 100, 0) 2 ,4 9 0 (1 0 0 ,0 )
T o ta l 52 629
B a h ia , S é c u l o X IX
148

Fica claro que a fam ília legal na S alvad o r do século X I X era de tam anho m édi0-
70% delas tinham entre um e quatro filhos, e apenas 12% podiam ser consideradas
num erosas. Estas concentravam -se entre as cam adas m ais abastadas, pois, em 90% d0s
casos, tinh am com o chefe um profissional lib eral, um alto funcionário ou um grancje
com erciante. Para o con jun to da cidade, a m éd ia era de 3 ,7 filhos por família.
A tabela seguinte leva em conta, de um lado, casais casados e pessoas viúvas sem
filhos; de outro, casais e viúvos com filhos vivos, d e m enos de 20 anos e que viviam
com os pais. O recenseam ento fornece a id ad e dos cônjuges e de seus filhos, mas os
inventários, nem sem pre. N eles, com o v im o s, o m itia-se a p ró p ria idade do falecido.
Para um a m aior aproxim ação com a realid ad e, u tiliz ei apenas os inventários que
forneciam as idades dos filhos. D eve-se registrar, porém , que, em Salvador, os estudos
de reconstituição de fam ília sao esp ecialm en te d ifíceis, pois o costum e perm itia que,
depois de casadas, as m ulheres conservassem o no m e de so lteira. M u itas vezes, elas
utilizavam apenas o prenom e ou davam aos filhos (do m esm o p ai) nomes de outra
fam ília. Os filhos de sexo m ascu lin o p o d iam receber o nom e da fa m ília de um parente
ou am igo que se desejava h o m en agear.

TABELA 27

Fam ílias sem F ilh o s e c o m F ilh o s V iv o s de M enos de 20 A nos

N° DE FILHOS R e ce n sea m e n to I n v e n t á r io s T otal de


de 1855 POSTMORTEM FILHOS

0 7 (17,0) 155 (36,8) - -

I 10 (24,3) 66 (15,7) 76 (8,5)

2 6 (14,6) 65 (15,4) 142 (15,9)

3 7 (17,0) 50 (11.8) 171 (19,1)

4 2 (4,9) 36 (8,5) 152 (17,0)

5 5 (12,2) 23 (5.6) 140 (15.7)

6 2 (4,9) 11 (2,6) 78 (8,7)

7 ou maís 2 (4,9) 15 (3,6) 134 (15,0)

Total 41 (100,0) 421 (100.0) 893 (100,0)

Tanto no recenseam ento com o nos inventários, era grande a presença de casais e
dc pessoas viúvas sem filhos: 3 6 ,8 % , em m édia, percentual m aior do que aquele
relativo aos casam entos tardios. Seriam casais 'velhos’? Não me parece. Em S a lv a d o r,
a morte atingia jovens dc todas as ídades e condições sociais. Não se pode considerar
certo que os viúvos acim a citados nunca tenham tido filhos, pois estes podeni ter
morrido antes dos próprios país. Por outro lado, a repartição de filhos por família é a
mesma que a da tabela precedente, mas houve um a dim inuição im portante das farní'
lias numerosas, em clara correspondência com os elevados índices de mortalidade do
século XIX, repleto dc epidem ias. São, aliás, abundantes as informações sobre os luto*
L iv r o III - A F am ília B aian a
149

nas fam ílias baianas, 60% das quais perdiam a m etade de seus filhos antes da m orte de
um dos pais. U m exem plo entre m il: Francisco Adães V ilas Boas, rico com erciante
português falecido em 1885, declarou em seu testam ento ter tido doze filhos, dos
quais seis m ortos em tenra idade. ’
As fam ílias de Salvador tinh am , em m édia, 1,9 filho (núm ero que subiria para três
se excluíssemos os casais e as pessoas viúvas sem filhos). Eram, portanto, pouco num e­
rosas, por causa da gran de m o rtalidade in fan til e ju ven il, da idade relativam ente
avançada dos nubentes e dos segundos casam entos (note-se que a m édia encontrada
em São Paulo por M a ria Luiza M arcílio está m uito próxim a da m inha: 1,8 filho por
fam ília em 1 7 6 5 ).15 C o m o explicar então o aum ento da população da cidade e seus
grandes índices de crescim ento? A resposta se encontra na proporção, m uito elevada,
de filhos ilegítim o s nascidos em Salvador. À fam ília legal, acrescentava-se a consensual,
que vamos analisar agora. /

A F a m íl ia C o n se n su a l . ’

Fundada apenas no con sen tim ento m útuo dos parceiros, a fam ília consensual não era
reconhecida nem pela Igreja nem pelas leis, mas era encarada sem maiores problemas
pela sociedade baiana desde o in ício da colonização. Influenciados por essa forte cor­
rente de tolerância e preocupados em proteger as crianças, os legisladores contribuí­
ram para dar a essas uniões algum a existência legal, graças ao estatuto oferecido aos
filhos reconhecidos.
Johildo A thayde m ostrou que, entre 1856 e 1865, na paróquia da Sé, 45,7% dos
homens e 51,5% das m ulheres — portanto, quase a m etade da população — perma­
neciam definitivam ente celib atário s.16 O estado civil dos nossos recenseados confirma
esses dados?

TABELA 28

E sta d o C iv il d o s C h efes de F a m íl ia , se u s C ô n ju g e s e s e u s A gregados

E stauo C r vh . R e c e n se a m e n to de 1855 I n v e n t á r io s r o s r m o u te m T o tal G eral

MlJt.Hf.llES H o m f .ns M ulheres H omens

121 203 488 ( 3 5 .9 )


CcliLatírio* 110 54

Casados 148 40 1 62 1 (4 5 .7 )
36 36

Viúvos 113 110 249 (1 8 .3 )


6 20
Total 3B 2 714 1 .3 5 8 (1 0 0 ,0 )
152 110

Baseada no recenseamento dc 1855, esta tabela inclui os solteiros adultos que não
viviam em concubinato c não tinham filhos. Quase 36% dos recenseados estavam
nessa condição! Se fossem utilizados apenas os dados fornecidos pelos inventários post
B a h ia , Sécu lo X IX

m ortem , o percentual cairia para 2 9 ,6 % , m uito m enor que o obtido por Johildo
A thayde (que não distin gu e escravos e livres). iMas os inventários só diziam respeito a
um núm ero restrito de baianos, ou seja, aqueles que legavam heranças. Tomemos
como exem plo a década dc 1850, para a qual apurei p raticam en te todos os inventários
p o st m ortem . Segundo o estudo de A thayde, nessa época a m éd ia anual de óbitos em
Salvador — cidade com cerca de o iten ta m il h ab itan tes — era de 2.755,5 pessoa
considerando-se todas as condições ju ríd icas. Era um período de epidem ias, e o ín­
dice bruto de m o rtalidade atin g ia 3 4 ,4 % (Jo h ild o A thayde fornece, para 1805, um
índice de m ortalidade de 3 0 ,2 % . Para 1872, de 2 4 ,7 % ). H avia na cidade aproxima­
dam ente 1 0.870 escravos, um ‘esto qu e’ que, o ficialm en te, parara de se renovar desde
a abolição do tráfico, em 1 8 5 0 .17 Pode-se ad m itir que o ín d ice de m ortalidade dos
escravos era, pelo m enos, o dobro do existente entre a população livre; afinal, mal
nutridos, m al tratados, fazendo econom ias para poder com prar sua liberdade, eles
enfrentavam condições de v id a m u ito du ras, apesar de serem m ais independentes que
os escravos rurais. A m o rtalidade in fan til representava cerca de 30% dos óbitos. Res­
tam então, para os adultos livres, cerca de 6 4 2 ,3 óbitos an u ais em m édia. Ora, traba­
lhando apenas com falecim entos ocorridos na década de 1850, disponho de uma
m édia de 3 1,4 inventários por ano, feitos entre u m a cam ad a social que representava
apenas 4 ,9 % da população ad u lta. É pouco,
D isponho de outro recurso para m in h a pesquisa sobre os celibatários definitivos:
as raras listas eleitorais ain d a existentes. T om em os, por exem plo, a lista feita em 1857
na paróquia de São Pedro, situada na C id ad e A lta e v izin h a da Sé. Com o esta, era uma
paróquia residencial, habitada sobretudo por funcionários, pessoas que exerciam pro­
fissões liberais ou ofícios artesanais. Entre os 2 0 6 eleitores que já haviam ultrapassado
os cinqüenta anos, 1 5 2 eram viúvos ou casados ( 7 3 , 8 % ) e 5 4 eram solteiros ( 2 ó ,2 % ),
São números mais próximos do resultado de m inhas contas do que daquele apresen­
tado por Johildo A thayde. Não há dúvida de que as listas eleitorais privilegiavam
certas classes, pois o sistem a era censítário. M as o patam ar de rendas solicitado era tão
baixo (200.000 réis anuais) que figuram nesses docum entos pessoas humildes, como
pescadores, remadores e vendedores. É provável que um percentual situado entre os
4 5 % de Athayde e os meus 3 0 % corresponda à realidade baiana. Em qualquer caso,
fica claro que o celibato era um fenômeno im portante em Salvador.

U n i õ e s L iv r e s

C onvicção, escolha ou coação in d uziam as pessoas ao celibato ? Q u e relação tinha esse


fenômeno com a form ação de fam ílias consensuais? Seria tudo isso um traço caract£
rístico das sociedades escravocratas?
C o m um núm ero bem m enor de escravos, tanto em term os relativos como abso
lutos, Portugal experim en tara u m a verdadeira “crise de po p u lação ”, agravada p d 3
L ivr o III - A F amília B aiana 151

expansão colonial, a ponto de a Igreja e o Estado passarem a adm itir uniões extralegaisJ^
U m a sim ples declaração de vida com um resolvia a questão, exim indo-se os mais
hum ildes da grande despesa representada pela convocação de um padre. O casamento
religioso só se tornara obrigatório em Portugal no scculo XVI, o que, evidentem ente,
não im pedira a existência dos am ores clandestinos que resultavam em ‘casamentos a
furto’ e ‘casam entos de p ú b lica fam a’ .
Essas práticas foram acentuadas no B rasil, com o afluxo de homens e a falta de
m ulheres de raça b ranca. U m a trad ição de celibatos e de form ação de fam ílias
consensuais nasceu e crio u profundas raízes na sociedade baiana. T an to os hum ildes,
às vezes pobres dem ais para assum ir as despesas de um a cerim ônia religiosa, quanto os
mais abastados recuavam d ian te das im posições do casam ento legal, como por exem­
plo a educação dos filhos e a obrigação de sustentá-los. A tabela abaixo ajuda a avaliar
a proporção de fam ílias consensuais na Salvador do século XIX.

TABELA 29

F a m íl ja L e g a l e F a m íl ia C o n se n su a l n a B a h ia

F a m íl ia L e g a l F a m íl ia C o n s e n s u a l

R e c . de I n v e n t á r io s T otal R ec. de I n v e n t á r io s T o ta l
1855 (1800-1899) 1855 (180 0-18 89 )

Casai com filho 35 464 499 17 - 17

Casal sem filho 5 85 90 18 - 18

Viúvo com filho 5 94 99 - - -

Viúva com filho 19 71 90 - - -

Viúvo sem filho 1 16 17 - - -

Viúva sem filho 1 42 43 _ - -

Mãe celibatária - - - 32 41 73

Pai celibatário* - - - 3 312 315

Total 66 772 838 70 153 223

C) Excluídos os celibatários sem filhos.

Segundo o recenseam ento de 1855, 52,2% dos casais viviam em união livre. Mas,
segundo os inventários p o st m ortem , esse índice seria de apenas 16,5% . A grande
diferença se explica: esta últim a fonte não inform a com precisão sobre a eventual
coabitação de um a pessoa solteira com alguém do sexo oposto, O recenseamento
parece tratar a questão de form a mais precisa, de modo que se pode dizer que a fam ília
consensual era, na B ahia, m ais dissem inada que a legal.
Casais com filhos e pais ou mães solteiros eram , por sua vez, m uito mais freqüen­
tes do que rasais sem filhos. N a série dos inventários, os homens representavam 73,2%
das pessoas celibatárias com filhos; no recenseamento a relação se invertia: eram m u­
lheres 89,2% dos solrciros com filhos. Podemos resolver essa contradição atentando
152 B a h ia , S éc u lo XIX

para a p ró p ria natureza dos dois docum entos. Às vésperas da m orte, os pais r e c o n h
ciam seus filhos, para que estes pudessem herdar; até então, na m aior parte das veze
a prole ficava in teiram en te aos encargos da m ãe. ’
N a década de 1850, os inventários p o st m ortem registraram 121 mulheres e 203
hom ens celib atário s. N o recenseam ento de 1855 só apareceram 110 homens e 54
m ulheres nessa condição. N en h u m desses hom ens era português ou alforriado e só
um a m u lher figurava com o alfo rriada. M as a form a de elaboração do recenseamento
não perm ite u m a resposta precisa ao problem a que m e interessa aqui. Raramente os
inventários indicavam a id ad e e a cor do falecido, a não ser quando ele fosse filho
natural ou escravo alfo rriad o . E ntre as q u aren ta m ães celib atárias cujo testamento
consultei, cinco eram african as alfo rriadas e seis eram filhas naturais. Não se deve
esquecer que, na Á frica, o casam ento não era celebrado segundo as mesmas regras do
Brasil ‘lu sitan izad o ’ e católico, A gran d e m aio ria das m ulheres celibatárias era, sem
dú vid a, b aian a. Os hom ens, não; eram de o rigem européia 3 0 % e africana (alforria­
dos) 12% dos 112 celib atário s cujos in ven tário s co n su ltei. A ssim , os recém-chegados
perpetuavam , em Salvado r, o costum e da u n ião livre.
Seria possível d efin ir a cor e o estatuto profissional desses pais e mães desacom­
panhados de cônjuge? O recenseam ento de 1855 forneceu inform ações úteis, mas
o m itiu as profissões das m ães de fam ília. Sabem os, no en tan to , que quase todas as
integrantes de cam adas urbanas m enos favorecidas exerciam ofícios variados. Vendedoras
am bulantes, lavadeiras, costureiras, passadeiras, am as-d e-leite, bordadeiras e rendeiras
form avam um a população d ilig en te e ativa, que percorria as ruas de Salvador, freqüen­
tem ente acom panhada d a filh arada b aru lh en ta e alegre, que anim ava uma cidade
atravancada, ativa e tagarela.

TABELA 30

O r ig e m d e P a is e M A e s C e l i b a t á r i o s ,
s e g u n d o I n v e n tá r io s , 1 8 0 0 -1 8 9 9

B r a sil e ir o s E u ro peus A p r ic a n o s

Pais 57 43 12

Mães 37 - 4

Q u ase se m p re os in v e n tá rio s p o s t m o r tem d iz ia m resp eito a pessoas que deixavam


bens. Por isso, fo rnecem m u ito s d ad o s sobre o e statu to profissional dc homens e
m u lh e re s cujos bens estavam sen d o in v en tariad o s, m as — a não ser q u a n d o se tratava
d c estrangeiros ou d e africano s alforriad os — não m e n c io n am a cor ou o país de
origem do falecido. A d m iti q u e , nesses casos, tratava-se dc brasileiros, que totalizaram
94 dos 153 casos estu d ados. C h a m a a aten ção o faro d e q u e 3 9 % das rendas das 37
m ães celibatárias p ro vin h am da locação dc escravos, u m a fonte d e renda m uito impor
tante até a d écad a de 1 8 6 0 , sobretudo para as cam adas sociais mais humildes da
L eyro III - A F amília B aiana 153

sociedade baiana. O utra fonte, que contribuía com 34,1% das rendas das mães celiba­
tárias, eram os aluguéis de casas próprias ou tidas em usufruto, de ações bancárias, de
apólices da dívida pública e de em préstim os concedidos a terceiros.19
Q uantas mães celibatárias não tinham recursos para educar os filhos sem ajuda?
No levantam ento que realizei, apareceram sete mulheres m uito pobres, para as quais

TABELA 31
S i t u a ç ã o P r o f i s s i o n a l e P a í s d e O r i g e m d e P a is e M ã e s S o l t e i r a s ,
s e g u n d o I n v e n t á r i o s p o s t m o r t e m , 1 8 8 0 -1 8 8 9 ’
P r o fu são P ais S o l t e ir o s M ães S o lt e ir a s T o tal

B r a sile iro s E uro pfajs A f r ic a n o s BHASILErRAS EUROPÉIAS AFRICANAS

Senhor de engenho 1 - - - - - 1
Negociante - 4 - - - . - 4
Proprietário - 2 - - - - 2

Padre 7 - - - - - 7

Mestre 1 - - - - - 1
Funcionário público I - - - - - 1

Comerciário 1 22 - - - 3
Militar 5 2 - - - - 7

Dono de barco 1 2 I - - - 4

Comerciante 4 20 - - - 2 26

Rentisu 12 4 2 14 - - 32

Alugador de escravos 7 2 2 1 4 - 2 27

Fazendeiro 2 - - - - - 2

Agricultor 4 2 - 2 - - 3

Músico - - 1 - - - 1

Barbeiro - - 4 - - - 4

f sneeiro I - - - - - I

Sapateiro 1 - - - - - 1

Caldeirei ro - - 1 - - - I

Carpinteiro 1 _ - - 2
I -

Funileiro - - - - 1
I -

Padeiro - - ‘ 2
1 t -

Pescador - _ _ - 1
1 -

- _ - - 1
Chapeleiro 1 -

7 - “ 13
Nío declarada 4 2 -

Total 12 37 - 4 153
57 43
B a h ia , S é c u lo XIX

houve inventário, mas não o q ue in v en tariar; ao m orrer, deixaram enum erados vesti
dos surrados, baús, cadeiras, cam as c mesas. Q u an to aos hom ens, seis eram pratica
m ente indigentes. Q uase todos exerciam u m a profissão q u e lhes perm itia suprir as
necessidades, e a m aior parte dos 9 ,8 % q ue “v iviam de suas rendas" eram antigos
com erciantes de pequeno porte, artesãos ou Iocadores de escravos. A grande maioria
dos pais celibatário s trabalhava no pequeno com ércio , na produção de artesanato ou
no cultivo de terra alh eia; 3 8 ,4 % deles eram de origem européia.
As uniões livres eram pois p raticadas sobretudo nas cam adas sociais inferiores e
entre im igrantes europeus. Os dados do recenseam en to de 1855, relativos ao estatuto
profissional das pessoas pesquisadas, co n firm am o q ue consta nos inventários post
m ortem : os pais celibatário s e os chefes de ‘fa m ília co n sen su al’ exerciam ofícios ou
em pregos que os situavam nas cam adas inferiores d a população urbana; 70,2% eram
hom ens de cor, o q u e corresponde à com posição racial d a cidade. Os mesmos dados
sugerem que as uniões extralegais eram p raticad as tan to entre negros como entre
brancos e m ulatos, e q u e os pais celib atário s eram raros nas cam adas sociais mais
abastadas. Essa d u p la afirm ação m e parece coerente com o que sabem os sobre a vida
e os costum es dos baianos. E ntre as 3 2 m ães solteiras registradas no recenseamento de
1855, havia quin ze m u latas, q uatro negras e treze brancas. Este ú ltim o número não
deve espantar: tratava-se de m ulheres h u m ild es, pois apenas quatro delas possuíam
escravos (duas das m ulatas tam bém os p o ssuíam ). V iviam sós ou, algum as vezes, com
a mãe ou um a agregada.
Casais de todas as cores de pele viviam livrem en te unidos, m as em geral os dois
parceiros tinham a m esm a cor. M esm o assim , as uniões livres entre pessoas de cores
diferentes eram m ais freqüentes que os casam entos nessas m esm as condições. Só encon­
trei três casam entos mistos no recenseam ento de 1855. Eis o levantam ento completo
dos casais concubinos, com a referência d a cor dos dois parceiros; sete brancos com
brancas; três brancos com m ulatas; dois brancos com negras; oito m ulatos com mula­
tas; dois m ulatos com brancas; quatro m ulatos com negras; nove negros com negras;
nenhum negro com m ulata ou branca. Entre os nove ‘casais’ negros, seis eram de
parceiros africanos. Dos três restantes, um era form ado por duas pessoas negras nasci­
das no Brasil e dois outros por negros brasileiros unidos a africanas. Em contrapartida,
os brancos c m ulatos que viviam com negras as escolhiam entre as nascidas no B ra s il.
Voltaremos a essa questão quando tentarm os com preender como, na Bahia, ocorriam
a ascensão social c o processo dc ‘em branquccim enco’, ou seja, a passagem da categoria
de ‘m ulata’ para 'branca’.
P artin d o do re cen seam en to de 1 8 5 5 , a tabela 3 2 nos fornccc o n ú m ero de filhos
vívos nas fam ílias legais e nas co n sensuais. ,
O percentual dc casats sem filhos era mais elevado no caso d; ts fam ílias consensuais,
o que nad a tem de espantoso: 1/3 dos casais d c co n cu b in o s sem filhos era íorm ado p ° r
africanos alforriados com m aís dc q u a re n ta anos; outra terça parte também havi
ultrapassado a m esm a faixa etária. Pode-se c o n c lu ir q u e as u n iõ es livres se formavrlt1
L ^ -r o III - A F a m íl ia B a ia n a

t a b e l a 32
C o r e S itu a ç ã o P r o f i s s i o n a l d o s C h e f e s d e F a m ília
C o n s e n s u a l s e g u n d o o R e c e n se a m e n t o de 1 8 5 5 *

S i t u a ç Ao P r o f i s s io n a l R rancos M ulato s N FOROS T otal

Escrivão 1 - -
1
C opista 1 I - 2
Policial - 1 - 1
C om erciante 3 - - 3

C om erciârio 1 - - 1
G a n h ad o r" - - 6 6
M arinheiro ’ - 1 - 1

Pescador 1 - - 1

A çougueiro - - 1 I

C arp in teiro - 1 - 1

Sapateiro - 2 - 2

M arceneiro 1 1 - 2

Pedreiro - - 1 1

T aneeiro 1 - - 1

Funileiro 1 1 - 2

T in tureíro 1 - - 1

A lfaiate - 3 - 3

M úsico - I - 1

Sem profissão - 4 2 6

T otal 11 16 10 37

(*) Não estão computadas as mães solteiras. (**) Termo empregado para carregadores de ca­
deiras, vendedores ambulantes c assemelhados.

tardiam ente ou evitavam resultar em filhos? T alvez, Pelos testam entos e os atos cartoriais
que registravam doações, vc-se q ue vários desses casais se form avam em idade mais
avançada, m ovidos m ais po r busca de co m p an h eirism o e fuga à solidão do que pe
expectativa de form ar u m a fam ília.
A fa m ília co n sen su al era responsável por 4 9 .0 % do total de f.lhos, apesar de
r e p r e s e n ta r 6 2 , 7 % d o c o n j u n t o d a s fa m ília s . M e s m o as sim , a c o n ta r pe a m u n a
filh o s ile g ít im o s , p o d c - s c j u l g a r q u e a m a io r ia d os h a b ita n te s d e S a lv a d o r não estava
m u it o p r e o c u p a d a e m l i m i t a r o u e v ita r n a s c im e n to s . C r ia n ç a s , n a B a h ia , sem p re o
ram c o n s id e r a d a s c o m o d á d iv a s d e D eu s.
As famílias legais tinham , em média, 2,5 filhos e as consensuars 1,4 (a drferença
em relação ao núm ero de 1,9 que apresentei anteriormente se deve à nao-meorpora-
m B a h ia , S é c u l o X I X

TABELA 33

F am ílias L egais e C o n sen su ais sem F ilhos


o u c o m F ilhos V ivo s de M enos de 2 0 an o s

N° F il h o s F a m íl ia T o t a l de F a m Ilia
de T o ta l de
L egal F l LHOS C o n se n su a l Filhos

0 7 (1 7 ,1 ) - 18 (2 6 ,1 )

1 10 ( 2 4 ,4 ) 10 22 (3 1 ,9 ) 2Z ~ ’ ~

2 6 ( 1 4 ,6 ) 12 16 (2 3 ,2 ) 32

3 7 ( 1 7 ,0 ) 21 7 ( 10 , 1 ) 21

4 2 ( 4 , 9) 8 6 ( 8 ,7 ) 24
-
5 5 ( 12 , 2 ) 25 - -

6 2 ( 4 ,9 ) 12 - - -

7 o u m a is 2 ( 4 ,9 ) 15 - - - . ■
T o ta J 41 ( 1 0 0 ,0 ) 103 69 ( 100 , 0 ) 99

ção dos inventários p o s t m ortem ). Fato curioso: n en h u m a destas últim as tinha mais
de quatro filhos e 1/3 delas tin h a apenas um . C o m o o m aio r núm ero de casais estava
nessa situação, m ais u m a vez aparece o p ro b lem a dos nascim en tos ilegítim os — estu­
dados por Jo h ild o A thayde — , q ue tan to preo cup ava os parlam en tares brasileiros de
então. A tribuía-se à escravidão o gran de n ú m ero de crian ças nessa situação, e havia
tolerância em relação a elas: “N o B rasil, as crian ças ilegítim as são m ais numerosas
que em todas as nações européias. T rata-se de um a con seqüên cia inevitável do siste­
m a escravocrata estabelecido entre nós, co n seq üên cia ló gica de u m a situação em que
um a raça é proprietária de ou tra raça, com o se esta fosse um a coisa e não uma pes­
soa. 20 Não era raro que u m a viú va m isturasse, aos seus próprios filhos, os filhos
naturais do falecido m arido. M as o destin o social dessas crianças dependia, antes de
m ais nada, de que fossem reconhecidas pelo p ai ou p ela m ãe, ou então colocadas, pot
laços de apadrinham ento, sob a proteção de u m a fam ília in flu en te.21
Q u a l era o ín d ic e d e n a s c im e n t o s ile g ít im o s e m re la ç ã o ao c o n ju n to d e nascimen­
tos em S alvador? O e stu d o d e J o h il d o A t h a y d e c o b r e os 1 4 .9 8 2 registros de batismo
feitos n a p a ró q u ia d a S é no p e río d o d e 1 8 3 0 a 1 8 7 4 . A p ro p o rçã o encontrada foi
e n o rm e : 7 3 ,3 % dos registro s d iz ia m resp eito a c ria n ç a s ile g ítim a s , sen d o 12,5% enjei
tadas (a M ise ric ó rd ia , in s titu iç ã o q u e a c o lh ia c ria n ç a s a b a n d o n a d a s em roda Salvador,
en contrava-se n a p a ró q u ia d a S é ) .22
Pensei en c o n trar ín d ices dc ile g itim id a d e m u ito elevados en tre a população escrava,
m as constatei q u e 2/3 das c rian ç as livres nasciam fo r a d e laços legais de m atrim ô n io -
Eis aí um traço c aracterístico da so cied a d e b aian a, ch eio d c im plicações. Entre
destaca-se a au sê n c ia do pai, o que, p ara T h ale s de A zevedo, teria privado as crianças
baianas de u m ideal in te rio r” c de ag re ssiv id a d e.21 S u b m e tid a s à tu tela d a mãe, da av
ou d a m a d rin h a , elas teriam desen vo lvid o traços de caráter que aju d am a explicar 0
L ivr o III - A F amília B aiana 157

chamado enigma baiano1, ou seja, a incapacidade de a cidade produzir os frutos


prom etidos.
Entre a população livre, qual era a relação entre a cor das crianças e a proporção
de ilegitim idade?

T AB E LA 3 4 '

L e g it im id a d e e I l e g it im id a d e s e g u n d o a C o r das C r ia n ç a s
P a r ó q u i a d a Sé, 1 8 3 0 -1 8 7 4 *

C o n d iç Ao B ran co s M ulato s N egros


Legítimos 2 .3 0 6 ( 6 6 ,5 ) 677 ( 1 8 ,7 ) 200 ( 1 3 ,7 )
Ilegítimos 1 .1 6 3 (3 3 ,5 ) 2 .9 4 9 ( 8 1 ,3 ) 1.261 ( 8 6 ,3 )

Total 3 .4 6 9 ( 1 0 0 ,0 ) 3 .6 2 6 ( 1 0 0 ,0 ) 1 .4 6 1 (1 0 0 ,0 )
{*) E jcclu sivãm en te e n tre a p o p u la ç ã o liv re .

U m terço das crianças brancas e 4/5 das m ulatas e negras eram ilegítim as. Assim,
os registros de batism o con firm am os dados do recenseam ento de 1855 e dos inven­
tários p o st m ortem d a década de 1850. Sobretudo nas cam adas populares, as pessoas se
casavam pouco, porque a cerim ô n ia custava caro e não havia reprovação grave em
relação às uniões livres. E ntre 1850 e 1875, só 12,3% dos casamentos celebrados na
paróquia da Só envolviam cônjuges de cor.2^ Nas certidões de batismo era m uito co­
mum aparecer apenas o nom e da mae.
Os pais de filhos naturais não gostavam de dar o próprio nome no dia do batizado
da criança, pois isso poderia ser utilizado para um reconhecim ento de paternidade
exigido pela m ãe ou, m ais tarde, pelo próprio filho ou sua descendência. Apenas a mãe
— nunca o hom em ou o casal — declarava na pia batism al um filho que nascera
escravo.25
As autoridades m unicipais sem pre intervieram para salvar crianças abandonadas,
ditas ‘expostas’ , custeando sua educação, durante três anos, no seio de famílias que as
recebiam. Não se sabe o que acontecia com as crianças que completavam três anos,
aliás idade-lim ite da am am entação obrigatória pela própria mãe ou por uma ama-de-
lehe por cia contratada. Com o crescim ento da cidade, o número de crianças abando­
nadas aum entou de tal m aneira que a Câm ara M unicipal acatando uma proposta
real — passou a confiá-las a um instituto especializado, a M isericórdia, que obteve
para esse fim, em 1734, um subsídio de 4 0 0 .0 0 0 réis. M as, rapidam ente, a capacidade
de absorção sc revelou insuficiente, de modo que a M unicipalidade voltou a colocar as
crianças abandonadas em casas dc particulares, para evitar que servissem de pasto aos
anim ais domésticos que circulavam livremente pela cidade.-6 Apesar de existirem pes­
soas de boa vontade, todo esse sistema funcionava mal: no fim do século XVIIT, Luiz
dos Santos V ilhena denunciou o abandono em que se encontrava o asilo da Misericórdia,
que funcionava mais como hospital.27 Numa única e imensa sala ficavam amontoados
doentes, am as-de-leite e crianças. A decisão de separar os primeiros só foi tomada em
1$8 B a h ia , S écu lo XIX

1844, q uando se con stru iu um anexo para as crianças. M al ventilada, sombria


ú m id a, com alcovas e berços com p rim idos uns aos ourros, a nova sala term inou por 5 ^
um verdadeiro tú m ulo para os rccém -nascidos que lá esperariam um a mãe de criação
Era enorm e, estarreccdora, a m o rtalid ad e das crian ças abandonadas! Dois terço
delas m orriam em tenra idade. Em 1862, con tan do com a generosidade de seus
m em bros, a Irm andade da M isericó rd ia com prou um bonito prédio situado cm
SandA nna, paróquia v izin h a, para onde transferiu o asilo dessas crianças. Houve — {
certo — considerável m elh o ria nas instalações, m as a m o rtalidade continuou muito
a lta .28 O m esm o, aliás, ocorria com as frágeis crian ças confiadas a mães de criação, qUe
às vezes não utilizavam com elas o d in h eiro que recebiam ou não cuidavam delas de
m aneira ap ro p riad a.29
A tabela 3 6 apresenta in d icaçõ es sobre a proporção de batism os de crianças aban­
donadas, em relação ao total de batism os. A m éd ia se situ a em 2 ,5 % . Os dois anos que
ultrapassam este ín d ice (1 8 5 4 e 1 8 5 5 ) correspondem ao ápice das epidem ias de febre
am arela e de cólera-m orbo. T rata-se de aproxim ações, já que o universo do abandono
não se restringia às crian ças resgatadas p ela M isericó rd ia, incapaz de salvá-las todasTJ
N a série dos testam ento s, en co n trei algum as confissões q ue revelam a variedade de
origens sociais das crian ças ab an d o n ad as. U m a m oça o riu n d a de um a fam ília abastada,
por exem plo, confessou q ue sua h erd eira era a m en in in h a que havia sido 'exposta’ na
porta de sua p rópria casa e criad a com o crian ça ab an d o n ad a, em circunstâncias que da
descreveu com p recisão.31 É u m a estó ria q u e con corda perfeitam en te com a tradição
oral, segundo a q u al m u itas fam ílias, legalm en te co n stitu íd as porém em dificuldades,
abandonavam as crian ças q u e se sen tiam incapazes de educar. Assim , segundo seu

TABELA 35

T axa de M o r t a l id a d e d e C r ia n ç a s A b a n d o n a d a s
na C id a d e d e S a l v a d o r , 1 8 0 5 -1 8 5 4

P eríodos C rianças A bandonadas M ortes de C rianças A b ando nadas

1805-1809 481 301 (62 ,6) __ _

1810-1814 476 295 (62,0)

1815-1819 528 368 (69,7) ______


1820-1824 414 317 (76.6) _ ___ _
1825-1829 454 269 (59.3)

1830-1834 363 230 (63.4) _ _ _ _ _ _

1835-1839 357 283 (79.3) _____


1840-1844 442 267 (60,4) _ _ _ _ _ _

1845-1849 313 176 (56,2) _ _ _ _

1850-1854 350 237 (67,7) _ _ _ _ _


Total 4.178 2.743 (65.7)
L iv ro III - A F a m I lia B a i a n a 159

TABELA 36

B atism o s de C rianças A bandonadas na C idade de S alvador ,, 1 8 5 2 - 1 8 6 1


A nos T otal de Batismos Batismos of. C rianças A bandonadas
1852 1.907 52 (2,7)
1853 1.937 44 (2,3)
1854 2.107 76 (3,6)
1855 2.338 73 (3,1)
1856 2.207 54 (2,4)
1857 2.035 51 (2,5)
1858 2,038 48 (2,3)
1859 1.901 41 (2,1)
1860 2.049 22 (1,1)
1861 2.135 48 (2,2)
Total 20.654 509 (2,5)

TABELA 37

C o r das C ria n ças A bandonadas em S alvado r , 1 8 3 0 - 1 8 5 9


B ranca M e s t iç a N egra T otal

805 909 88 1.802

(44,7) (50,4) (4,9) (100,0)

ponto de vista, davam a elas um a oportunidade de sobrevivência. As certidões de


batismo nos inform am sobre a cor dessas crianças abandonadas.32
Parece e sp a n to so q u e 4 4 , 7 % dessas c ria n ç a s fossem brancas, m as a in fo rm ação é
coerente c o m as e v id ê n c ia s do re c e n s e a m e n to d e 18 5 5 ) q u e reg istro u , n a m esm a
situação, treze m ã e s b ra n c a s , q u in z e m u la ta s e q u a tro negras. R esta ex p licar a a m p li­
tude do fe n ô m e n o . Q u e razões le v a v a m ta n ta s m u lh e re s brancas a m a n te r esse tipo de
relação ilíc ita n u m a so c ie d a d e e m q u e — d iz e m — a cor d a pele d esem p en h av a um
papel tão im p o rta n te nas h ie r a rq u ia s so ciais? O desespero c a m iséria, com o afirm o u
o m éd ico F ran cisco A lves d c L im a F ilh o ?33 A te n ta tiv a d e salvar a h o n ra fam iliar,
ab an d o n an d o o fruto d e u m a sed u ção? Q u a n ta s fam ílias assu m iam m aternidad es sol­
teiras e co n c u b in a to s? T ra ta v a -sc , talvez, de m u lh e re s brancas ‘d a v id a ’? N este caso, o
percentual seria estarre ce d o r, so b re tu d u sc levarm os em conra q u e a tolerância d a
sociedade cm relação âs u n iõ es cx tralcg ais tin h a com o c o n trap a rtid a u m a forte in to le­
rância em relação à p ro stitu iç ão . Penso q u e se tratava de pessoas (de todas as cam adas
sociais e d c todas as etn ias) q u e viviam livrem ente sua sexualid ade e nao se deixavam
influenciar por p reconceitos m orais rigorosos.3'1 Por isso, vou em p reen der um segun­
do estudo tip o ló g ico d a fa m ília b aian a, através d a condição legal de seus m em bros.
B a h ia , S é c u l o X I X

A F a m íl ia S e g u n d o o E st a t u t o L eg a l d e S e u s M e m b r o s

Até a q u i, esta parte de m eu estudo esteve cen trad a nas fam íiias oriundas da populaCg0
livre de Salvador. P ara que nos aproxim em os m ais d a realid ad e b aian a, é indispensável
id en tificar as sem elh an ças e d iferen ças q u e existiam en tre fam ílias formadas por pes„
soas livres, alforriadas e escravas.
As prim eiras eram as m ais num ero sas e as m ais diversas, com o constatamos ante­
riorm ente. A p artir de que critério s elas p o d em ser co m p aradas com as duas outras5
C om o co n seq üên cia de u m ín d ice de celib ato q u e ch egava a 4 0% (m aior entre as
m ulheres), a fa m ília con sen su al rep resen tava 5 3% das u niões livres. A m ulher pobre
tin h a m u ita d ificu ld ad e em a rran jar casam en to , co n statação con firm ada pelo grande
num ero de agregadas aos grupos do m éstico s. R aras m u lh eres solteiras sem filhos che­
fiavam um desses grup os. O celib ato ap arecia m ais com o co n seq üên cia da pobreza do
q u e com o resultado de u m a escolha.
A fam ília con sen su al era m ais freq ü en te e n tre pessoas de cor, mas estava em
toda parte. As pessoas v iv iam ju n ta s, de p referên cia com gen te da mesma cor da
pele. Desejosas de ascensão so cial, m u lh eres brancas e m u íaras optavam por filhos
aín d a m ais claros, d escartan do u n iõ es com h o m en s de cor m ais escura. O ‘negro’
lem brava a Á frica e a escravidão. O ‘e m b ran q u ecim en tcf dos baianos se fez através
das m ulheres.
R ecordem os algu m as inform ações. Esses casais tin h a m , em m édia, 1,4 a 2,5 filhos,
e quase n u n ca ultrap assavam q u atro filh os; 6 2 ,3 % das crian ças batizadas eram ilegíti­
mas e 20% dessas eram b ran cas. E xam in an d o os m esm os dados sob outro ângulo:
33,5% dos batism os de crian ças brancas en vo lviam filhos ilegítim o s. Em 85,9% dos
casos, eram as mães que levavam seus filhos à p ia batism al; logo, eram elas as declarantes,
cabendo-lhes a resp o n sab ilidade legal p ela criação d a prole. Só 2 ,5 % desses filhos ile­
gítim os eram abandonados, percen tagem m ais elevada q ue a de abandonos de filhos
por mães solteiras (casais legais tam bém abandonavam filhos). Q uase a metade (44,7 A)
das crianças abandonadas eram brancas, m as isso se explica: as m ulheres brancas eram
m ais freqüentem ente forçadas por seu m eio social a ‘salvar a h o n ra’ da respectiva
fam ília, abrindo mão dc seu papel de m ãe. A lgum as grandes fam ílias guardavam na
lem brança verdadeiras tragédias: a filha de um senhor de engenho das m argens
Paraguaçu, altiva c bela, am ava com ternura um não m enos altivo e belo rtlU^ t^
escravo da plantação, Para evitar a fuga e o escândalo, a m ocinha grávida foi tranc.
em seu quarto, onde deu à luz um m enino, atirado nas águas do rio. O fitn da esto
foi o suicídio da moça, que cortou as veias com cacos dc vidro. ,. .
N e m todos os am o res ileg ais te rm in a v a m tr a g ic a m e n te . Ao contrário.
, , . ^ , c A l£ te ja
dad e e b astard ia e ra m traços característico s d a B a h ia d c I odos os Santos. ^
te n ta v a m o raliz ar os co stu m es, m as não o b tin h a êxito, até po rq ue ela mesma nao ^
o ex em p lo . E ntre 1801 e 1850, d e clara ra m ter filhos 18% dos padres baianos fale
em Salvador. Entre 1851 e 1 8 8 7 essa p ro p o rção su b iu para 5 1 % - ^
L iv r o III - A F am ília B aian a 161

Em Salvado r, era sobretudo a população livre (de todas as cores, mas com nítida
predom inância branca) que co n stitu ía fam ílias legais (6 4 ,5 % ). Som ente 9 ,7 % dos
negros se casavam dessa form a. O m atrim ô n io era privilégio dos brancos, m inoritários
mas detentores do prestígio social. O s baianos sc casavam pouco e relativam ente tarde,
esperando ate o m om ento em que consideravam ter os m eios m ateriais para criar e
educar as crian ças. Nesses casos, a m iscigenação era rara (8 ,4 % dos casos) e nunca
envolvia negros, com os quais as pessoas brancas viviam apenas uniões livres.
Na cidade, p raticam en te não existiam fam ílias num erosas, encontrando-se, em
m édia, de dois a três filhos em cada caso. As exceções ficavam por conta das cam adas
mais altas, nas quais reap areciam as características das fam ílias de senhores de enge­
nho, tão freqüentem ente descritas. M esm o q uando tin h am m ais de vinte anos e esta-
vam inseridos no m ercado de trab alh o , os filhos viviam na casa paterna, às vezes sendo
sustentados, às vezes co lab o ran d o nas despesas.
A fam ília legal e a con sen su al dialo gavam entre si através de suas diferenças e,
sobretudo, de suas sem elh an ças, T in h a m , antes de m ais nada, forte em penho em
educar seus filhos e desejavam aju d á-lo s a su b ir na escala social. V ejam os agora se esse
esquem a d uplo se rep ro d u zia nas fam ílias alforriadas e escravas.

F a m íl ia d e L ib e r t o s

Até a A bolição, a alfo rria era u m a etap a o b rigató ria para q u alq u er escravo cuja descen­
dência viesse a sc in teg rar às cam adas livres da população. D uran te toda a sua vida, o
antigo escravo co n tin u av a a ser um ‘alfo rriad o ’. O uto rgad a com m u ita largueza desde
as prim eiras décadas de fu n cio n am en to do sistem a escravocrata, a m edida não bene­
ficiava apenas ao escravo.37 Em m ais de 2/3 dos casos, as cartas eram vendidas aos
escravos, por q u an tias geralm en te id ên ticas às que haviam sido gastas para comprá-los.
Para os senhores, que haviam explorado o trabalh o do negro por m uito tem po, trata­
va-se de um a fonte su p lem en tar de ganhos; para os escravos, um passo no sentido da
liberdade perdida, sonh ada, ardorosam ente desejada. N a época da Independência
(1819), todos os anos cerca de 2 ,7 5 % da população escrava de Salvador recebia sua
carta de alforria. Em 1 8 3 9 -1 8 4 0 , essa proporção já chegara a 4,04% , subindo depois
para 6,62% em 1 8 6 9 -1 8 7 0 . A aceleração do ritm o de alforrias decorreu, ao mesmo
tempo, da situação econôm ica da Bahia e da desintegração do sistema escravocrata.
Q ue escravos conseguiam a carta de alforria? A resposta é sim ples: os que podiam
pagar, sem distinção entre africanos, m ulatos ou negros nascidos no Brasil. Os prim ei­
ros, aliás, eram m ais num erosos na cidade que os nascidos aqui. Um escravo, na
cidade, podia ju n tar um pequeno pecülío.
Perm anentem ente im portados para assegurar a renovação do contingente, os afri­
canos — cm sua m aioria, homens — representavam cerca de 2/3 da mão-de-obra
escrava. As m ulheres e crianças capturadas pelos negociantes internacionais eram ven-
162 B a h ia , S éculo X I X

TABELA 38
O rigem e S exo d a PoruLAÇÁo E sc rava de S a lv ad o r (1 8 1 1 -1 8 6 0 )

O rigem H omens M u lh e r e s T otal % H omens % O rigem

Brasil 1.237 1.339 2.576 (31,8) (37 2)

África 2.657 1.669 4.356 (68,2) (tT T T

Toral 3.S94 3.008 6.932 (100,0) 7lÕÕ,o7"


Fonte: J.J- Reis, SUi‘* R ebellion in B razil: The A jrican M ustim U pruing in B ahia. J835, p. 10.

didas preferencialm ente na própria Á frica, onde valiam m ais do que os homens.39 Na
Bahia, a m aior parte das m ulheres escravas devia executar o mesmo trabalho dos
hom ens, sobretudo nas plantações de can a-de-açúcar, onde havia a média de uma
escrava para dois escravos.
Das 1.141 cartas outorgadas em Salvado r entre 1869 e 1870, 6 40 fornecem indi­
cações sobre a idade e o sexo dos negros beneficiados, m ostrando que as mulheres
eram m ais alforriadas que os hom ens.

TABF.IA 39

Idade e S exo dos A l f o r r ia d o s (1 8 6 9 -1 8 7 0 )


I dade M ulheres H omens % de M ulheres T otal

0 a 11 anos 136 107 (56,0) 243 (38,0)

12 a 35 anos 129 61 (67,9) 190 (29,6)

35 a 50 anos 91 46 (66,4) 137 (21,4)

51 a 60 anos 27 18 (60,0) 45 (7,0)

mais de 60 anos 13 12 (52,0) 25 (3.9)

Total 396 244 (61,9) 640 {100.0}

Fonte: Katia M. dc Queirós Mattoso, “A Carta dc Alforria como fonte complementar pata o estudo da rentabilidade da mio
de-obra «crava urbana (1819-1888)", p. 159-160,

N a faixa etária em que ocorrem as uniões entre os sexos, as mulheres alforriadas


representavam o dobro do núm ero de hom ens, fazendo crer que m uitas delas tivessem
dificuldade em conseguir, entre estes, um m arido ou com panheiro. Quando isso
acontecia, quais eram as características da fam ília resultante? Os testamentos e imtm
táríos post m ortem perm item um a prim eira análise. Para m elhorar a amostra, elimine
os testam entos para os quais dispunha de inventário, o que me deixou 482 testamento
e 47 inventários para o período dc 1 880—1890. E, para facilitar a análise, montei o
períodos: 1 8 0 0 -1 8 5 0 c 1 8 5 1 -1 8 9 0 . , ?
P rim e ira p e rg u n ta: q ual a o rigem é tn ic a dos testadores c dos inventariados baian
A o c o n trá rio d o q u e se p o d eria pensar, a a s s im ila ç ã o dos negros a lfo r r ia d o s n a sc
no B rasil n ão parece ter sido m ais fácil q u e a dos negros o riginário s da África,
negros brasileiro s só re p resen tav am 1 5 % d os testadores e inventariados do prim
L iv r o III - A F a m Ilia B a ian a 163

período (1 8 0 0 * 1 8 5 0 ) e 2,4% do segundo (1 8 5 1 * 1 8 9 0 ), percentagens que subiriam


para 19,7% e 7 ,7 /o se incluíssem os nessa categoria todos aqueles considerados de
origem desconhecida’. Os dem ais eram africanos, aliás, como vim os, m ajoritários
entre a população escrava da cidade. Só há um a explicação para isso: considerados
estrangeiros, os africanos tinh am m aior cuidado em proteger os direitos de suas com ­
panheiras e de seus descendentes, tendendo a redigir testam entos com mais freqüên­
cia. Essa hipótese é fortalecida pela declaração do chefe de Polícia de Salvador em
1835: os africanos alforriados eram “estrangeiros indesejáveis (...). N enhum deles goza
dos direitos de cidadão ou dos direitos do estran geiro ”. Isso contrariava a fórm ula que
figura em todas as cartas de alfo rria: “a p artir desta data e para sempre [o alforriado]
será respeitado e gozará dos m esm os direitos dos que nasceram livres, como se ele
próprio tivesse nascido liv re”.40
De onde vin h am esses africanos? As inform ações fornecidas pelos testam entos e
inventários eram m u ito gerais e im precisas: ‘costa da Á frica’ ou ‘costa do Leste’, por
exemplo. M as não h á d ú v id a de que, na B ahia, eram m ais numerosos os africanos
capturados ao n o rte do E quador do q ue os provenientes da C osta S u l, que hoje
corresponde ao C o n go e a A ngo la. H av ia m ais ‘sudaneses’ , e os ‘bantos’ representavam
apenas cerca de 1/4 d a p o pulação escrava.41
A etn ia de origem desem penh ava im p o rtan te papel na v id a social, religiosa e
mesmo p o lítica dos africanos trazidos para a B ah ia no século XIX. Os trabalhadores —
libertos ou escravos — se agru p avam em certas esquinas da cidade, conform e o ofício
que exerciam e a etn ia a q ue p erten ciam . D e certa form a, esses agrupam entos regula­
vam o m ercado de trab alh o , pois neles as tarefas eram d istrib uíd as e repartidas, e as
pessoas conversavam e se aju d avam m u tu am en te. A etn ia tam bém estava presente
quando os escravos se organizavam nas ‘ju n tas de alfo rria’, tendo em vista conseguir a
liberdade. Nesse con texto, era n atu ral que o m esm o fator influenciasse a escolha dos
parceiros e parceiras, m esm o porque, na relação m ais ín tim a, o africano tentava recriar
em terra alheia um am b ien te sem elhante ao d a sua terra naral. Não por acaso, os
africanos cham avam de ‘parentes’ as pessoas do m esm o grupo étnico, estabelecendo
com elas um a vin culação essencial à redefinição das solidariedades de linhagem e das
normas que com andam as relações sociais.
U tilizei até aqu i um conceito ocidental para definir a fam ília. M as é preciso
lembrar que essa fam ília nuclear, m esm o extensiva, não correspondia à experiência
dos africanos, oriundos dc culturas polígam as, fratrílineares e parrilocais. Nelas, la­
ços fam iliares m uito distendidos eram parte essencial da organização social, cujas
regras não podiam ter sido fielm ente reproduzidas na Bahia. Ao contrário. Houve
transform ações bem conhecidas. A m ulher africana, por exem plo, conquistou na
Bahia um a independência c um a precm m cncia que não possuía no âm bito do pa-
triarcado tradicional existente em sua terra natal. Sendo m inoritária no Brasil, ela
ocupava posição privilegiada na sociedade escrava de então, desem penhando, na
Bahía, im portante papel. Sozinha na criação dos filhos, sem fam ília consangüínea,
B a h ia , S é c u l o XIX

ccrcada por gente de várias etnias c forçada a viver segundo um código social Vjçj
d en ta!’, a m u lher africana procurou — c achou — em sua etnia novos laços (jc ^
dariedade. T al hipótese é corroborada pela m aneira com o essa solidariedade inflUcn
ciou a estrutu ra da fam ília dos alforriados.

T A li J-; I. A 4 0

Es t a d o C ivil de T e stad o re s e I n ve n tariad o s

E stado Crvit. 1 8 0 1 - -1850 18 5 1--18 9 0

H omkns M ur. HF.RFS H omf .ns Muj. ■HWA

C as a d o s 64 (5 2 ,5 ) 36 (22,5) 40 (28,2) 28 (26,6)

V iúvos 25 (20,5) 56 (35.0) 18 (12 ,7 ) 18 (17.5)

C d i b a t i ri os 33 (27 ,0) 62 (38 ,8) 84 (59 ,1) 51 (48,6 i

N ão dedarado - - ■ 6 (3,7 ) ■ - - 8 (7,6)


Total 122 (10 0 ,0 ) 160 ÍIOO.O) 142 (100,0) 105 (1 0 0 ,0 ;

Fonte: M .l. CArtcs Oliveira, O lib erto: a seu m u n d o e os ou tros (S alvador, 17 9 0 -1 8 9 0 ), p. 12f>-127. A autora com para os Tes­
tamentos da população masculina livre e os testamentos dos alforriados nos mesmos períodos.

O celibato, característica d a so ciedade b aian a do século XIX, era com um entre os


alforriados, sobretudo en tre os ho m ens e n a seg u n d a m etad e do século. Entre a popu­
lação livre, o núm ero de celib atário s passo u de 3 6 ,7 % a 4 5 % . Entre os libertos, de
27% a 59,1% .
N a m edida em que o século passava, os alfo rriad o s experim en tavam uma mutação
de ordem cu ltu ral. A ssim ilavam o m odelo eu ro p eu ‘liv re ’ e rejeitavam o paradigma
m atrim onial im posto pelo m esm o m o delo eu ropeu cristão. A ntes de 1850, nenhum
pai solteiro declarava v iv er com u m a co n cu b in a. M as, na segunda m etade do século,
38 deles, num total de 5 1, m en cio n aram o nom e da p arceira. Africanos unidos a
africanas som aram 27 casos; sete não declararam as características da parceira; apenas
dois viviam com u m a negra n ascid a no B rasil. Era, p o rtan to , incontestável a predomi­
nância de uniões livres entre os africanos, q u e não adotavam o casam ento legal como
modo de vida, A desagregação do sistem a escravocrata provocou o surgim ento de uma
atitu d e nova, ao m esm o tem po reação contra a cu ltu ra dom inante e tentatòa de
afirm ação dc um a id en tid ad e cu ltu ral própria, diferen te do m odelo branco: os culto
de orígem africana se m u ltip licaram e as confrarias cristãs, criadas para monitorar ess
novos cristãos, atraíram cada vez m enos a d e s õ e s ,T o r n o u - s e m uito difundid
prática da endogam ía entre esses ‘estrangeiros’ que não eram nem compIetarncn
brasileiros, nem com pletam ente africanos. Em ambos os períodos, eram majoritá
as uniões entre dois parceiros de mesma origem . „ _
úis claro
í . . • - i ■
que o term o genérico ‘africano’ esconde uniões inreretnicas,_ qu nu*- ficafl1
* _ r
mais explícitas quando se estuda o recenseam ento de 1855, Nesse período, Joaoj-
pôde identificar a origem étnica dc dezesseis uniões: treze delas ocorreram dentr0
L iv r o ÍII — A F a m Ilia B aian a 165

TABELA 41
C a sa m e n t o s e U n iõ e s s e g u n d o a O r ig e m d o s P a r c e ir o s

M ulheres H om ens ~ H omens '

A N M T ~ ^ T A N~~ M B ND "
Africana 62 2 2 2 43 88 ' - "" i T~ 1

Negra brasileira 3 3 - 2 6 2 - - I "

Mul a» _ _ _ _ _

Branca _ _ _ _

Náo declarada .2 9 12 - — _ 21 2 — _ _

A * africano; N = Negro brasileiro; M = mulato; B = branco; ND = náo declarado ~

mesmo grup o , sendo nove en tre os nagôs, dois entre jejes, u m entre haussás e um entre
bornus; as uniões m istas aco n teceram en tre nagôs e nujes e en tre haussás e bornus.43
Apesar de pouco a b ran g en te, este exem plo co n firm a os dados que aparecem nas tabe­
las precedentes. R a ram e n te os african os se u n iam a negras brasileiras ou a m ulatas. As
rivalidades en tre as diferen tes nações d a Á frica foram devidam ente exportadas para o
Brasil, onde os b ranco s se esm eravam em a lim en tá-las, tendo em vista d ificu ltar revol­
tas de escravos.44 A e n d o g a m ia e a u n ião livre eram m u ito freqüentes entre os africanos
libertos, sobretudo após 185 0.
Apenas cerca de 1/3 das pessoas viúvas tin h am filhos: com o vim os, freqüentem en­
te os casam entos tard io s eram m ais voltados para a construção de um a vida com um do
que para a form ação de u m a prole. N a p rim eira m etade do século, em m édia, os casais
legais tin h am apenas 1,7 filh o (m u ito s pais tiveram filhos antes de casar ou depois de
enviuvar). Em com p ensação, fam ílias co n stitu íd as por pessoas solteiras parecem ter
sido m aís num erosas, com u m a m éd ia de 2 ,3 filhos.
A m édia de filhos se elevo u um pouco nas fam ílias legais do período 1851—1890,
atingindo 2 ,1 . M as os pais solteiros to rn aram -se cada vez m ais num erosos, am pliando-
se o costum e de dar, à crian ça, tam bém o nom e da com panheira. O ra, essas famílias
tinham , em m édia, 2,5 filhos, enquanro as mães solteiras tinham 1,9. Assim, a famíha
consensual não parcial parece su p lan tar a parcial (chefiada por um a m ulher sozinha)
na segunda m etade do século X IX . M u lh er nenhum a dava o n o m e de seu concubino.
Dc qualqu er m aneira, o m odelo fam iliar no grupo dos alforriados era duplo, assim
como entre os livres: fam ília legal e fam ília consensual. M as, a partir da segunda
metade do século, a fam ília nuclear dc tipo consensual passou a suplantar a fam ília
legal entre os alforriados de Salvador. O significativo índice de endogam ia que ca ^
teriza esse grupo perm ite pensar que o fim do tráfico negreiro, o aum ento na quantt
dade de cartas de alforria, a depressão econôm ica — enfun, todos os sinais qiue pire­
nunciavam a irrem ediável desarticulação do sistema escrav o crata-- ajudaram a redefinir
os valores próprios desse grupo de antigos escravos. A fam ília, célula e motor da nova
estrutura, desem penhou nessa evolução um papel predom inante.
B a h ia , S éc u lo XIX
166

TABELA 42

N úm ero e C o n d iç ã o d a s C r ia n ç a s s e g u n d o o E st a d o C iv il e o S exo dos P^,is

N úmero de Filhos
1801-1850
IN IL 2N 2L 3N 3L 4N 4L 5N 5L +5N +5L
Homens casados 7 10 1 4 I 1 - l> - l2 - 7

Mulheres casadas 2 3 - 33 1 - - - - - -

Homens viúvos 2 2 I 1 - 1 - - - -

Mulheres viúvas - 5 3 2* 1 - - - - -

Homens celibatários 4 - 3 - 3 - - - - - -

Mulheres celibatárias 9 - 6 - 6 - 5 _ - - - i

1851-1890 NCmf.ro de Filhos

IN 1L 2N 2L 3N 3L 4N 4L 5N 5L +5N +5L
Homens casados 3 2 - 2 1 3 - - - 2 - -

Mulheres casadas 2 3 1 1 1 - - 1 - _
- -
Homens viúvos 1 2 3 I 1 - - 1 - - - -
Mulheres viúvas 1 3 1 - 1 - - - - - 1 -
Homens celibatários 17 - 13 - 9 - 7 - 1 - 4 -
Mulheres celibatárias 7 - 5 - 2 - I - 1 - - -
(1) 1 natural e 3 legítimos; (2) 2 naturais e 3 legítimos; (3) e (4) uma testadora tem 1 filho legítimo e 1 natural,

A F a m íl ia E s c r a v a

Fam ília escrava eqüivale a dizer, essencialm ente, fam ília parcial. Os inventários post
m ortem nada revelam sobre o estado civil dos escravos recenseados, embora sejam
prolixos em outros dados, como a descrição de suas aptidões, de seus eventuais defeitos
físicos, de sua idade aproxim ada e de seu país de origem . Casam entos entre escravos
existiam , mas eram tão raros que escaparam a toda docum entação que pude consultar
Os 323 inventários p ost m ortem da década de 1850 relacionam ao todo 1-759 escravos,
sendo 983 homens e 776 mulheres, 109 das quais eram mães solteiras. A origem étnica
desses escravos é interessante.
À prim eira vista, a tabela 43 cria um problem a: por que a m aioria desses escravos
era de origem brasileira? As mulheres nascidas no Brasil eram 59,8% ! M as a expüc^í^0
é fácil. Os dados foram coletados depois da abolição do tráfico, num período em £Jue
era intenso o comércio interprovincial de escravos, com o envío de muitos africanas
para o Sul do país. Além disso, a maior parte dos recenseados, sobretudo as mulheres,
trabalhava no serviço doméstico,46 situação em que os escravos nascidos no Brasi
L ivro III - A F a m ília B aian a 167

TABELA 43

S exo e O r ig e m dos E s c r a v o s I n v e n t a r ia d o s , 1 8 5 1 -1 8 6 0
O rigem ________ H om ens M u lh e r e s T o ta l

Negros brasileiros 379 (38,5) 367 (47,3) 746 (42,4)


Mulatos 70 (7,1) 97 (12.5) 167 (9,5)
‘Africanos’ 289 (29,4) 151 (19.4) 440 (25,0)
Nagô 172 (17,5) 114 (14,7) 286 (16,3)
Haussá 15 (1,5) 1 (0,1) 16 (0,9)
Mina 7 (0,7) 5 (0,6) 12 (0,7)
Benim 4 (0,4) 1 (0,1) 5 (0,3)
Gege (Ewe) 8 (0,8) 15 (1,9) 23 (1,3)
Mondubi 1 (0,1) 1 (0,1) 2 (0,1)
Catocori 1 (0,1) - - 1 (0,05)
Bornu 2 (0,2) - - 2 (0,1)
Barba 2 (0,2) - - 2 (0,1)
Tapa 5 (0,5) 3 (0,3) 8 (0,4)

Calabar 3 (0,3) - - 3 (0,1)

Congo 2 (0,2) 3 (0,3) 5 (0,3)

Cabinda 5 (0,5) 2 (0,2) 7 (0,4)

Angola 16 (1,6) 14 (1.8) 30 (L 7)

São Tomé I (0,1) - - 1 (0,05)

Moçambique 1 (0,1) 2 (0,2) 3 (0,1)

Total 983 (100,0) 776 (100,0) 1,759 (100,0)

eram preferidos. N ão esqueçam os, ain d a, q ue a cólera e a febre am arela matavam m ais
recém-chegados que filhos da terra, m ais bem protegidos.
O fim do tráfico desencorajava a com pra de escravos e a m ão-de-obra livre, forma­
da por alforriados e im igrantes pobres chegados da Europa, era cada vez m ais abun­
dante. Os que viviam do alu gu el de escravos foram obrigados a buscar outras fontes de
lucro, investindo por exem plo em ações bancárias ou em apólices do Estado.
N a tabela 43 aparecem 4 8 % de africanos — dos quais os nagôs eram os mais
numerosos — , entre os quais sc encontrava a m aior parte dos jovens chegados depois
da abolição oficial do tráfico, quando os navios negreiros tinham que fugir do controle
exercido, no m ar, por ingleses c franceses. Só para as crianças os inventários forneciam
idades precisas. As faixas etárias apareciam da seguinte forma: moleque , moço ,
‘ainda m oço’ e velh o'. M as havia exceções. Alguns inventários e cartas de alforria
davam, sim ultaneam ente, as duas informações, o que tornou possível traduzir em
números quatro categorias: m oleque (até 13 anos), moço (de 14 a 39 anos), ainda
B a h ia , S éculo X IX
168

moço (de 40 a 50 anos) e velho (50 anos e m ais). C in q ü en ta e seis por cento d0s
escravos tinham entre 14 e 50 anos e 4 4 ,4 % tinh am entre 14 e 35 anos. As crianças
representavam 2 2,1% .
Poucos escravos eram originários das costas sul ou leste da África, e o número de
m ulatos não era negligenciável. Entre negros e m ulatos brasileiros, havia 97 homens
para cada cem m ulheres, proporção coerente com a de outras análises. M as, para 0s
africanos, essa proporção se desequilib rava: para 171 hom ens, só havia cem mulheres
Entre as mães solteiras, 6 4 ,2 % tin h am apenas um filho e 3 8 ,5 % haviam nascido tio
Brasil. A etnia m ais bem representada, a dos nagôs, tin h a o m aior núm ero de crianças
pois 1/3 das 114 m ulheres tiveram filhos. Lem brem os: em m édia, na Bahia as mães
solteiras alforriadas tinh am 1,9 filho, en q u an to as mães solteiras livres tinham 1,7
Q uanto às m ulheres nagôs, sua m éd ia era de 1,6 filho. As brasileiras e as africanas
tinham , respectivam ente, 1 e 1,5. N ão há d ú v id a de q ue os escravos brasileiros se
reproduziam pouco.
Vim os que, no co n ju n to da população b aian a (in clu in d o libertos e brancos das
cam adas superiores), era forte a en d o gam ia lig a d a à etn ia ou à cor dos parceiros. Que
se passava, a esse respeito, entre os escravos? Q u e grau de m estiçagem podemos detec­
tar entre eles? A m u lher escrava esco lhia seu próprio parceiro ou se encontrava exposta
ao arbítrio do senhor e a relações fo rtuitas q u e engendravam m estiços?
N a m aio ria dos casos, as m ães solteiras escravas tin h am filhos d a sua própria cor,
especialm ente as negras — logo, as african as. Só 10% delas tinham relações com
hom ens de pele m ais clara, não necessariam ente senhores brancos (disponho de exem­
plos de m ulatos que tam bém eram escravos). Em com pensação, 3 0 % das negras bra­
sileiras tin h am filhos m estiços. Eram m ais abertas, m ais preparadas para a miscigena­
ção, que suas irm ãs africanas.
Assim , reencontram os aqu i o esquem a endo gâm ico já observado entre os libertos.
M esm o que não encontrasse um com p an heiro de sua etn ia, um a escrava podia preser­
var sua origem africana buscando outro negro para ser o pai de seus filhos. Mais do
que a negra brasileira, a m u lher african a resistia ao processo de ‘em branquecim ento,
em bora este representasse um cam inho de assim ilação m aís seguro do que a alforria e
a liberdade.
Alguns traços sobressaem nessa segunda análise tipológica da fam ília nuclear sim'
pies na Salvador do século XIX. Em prim eiro lu gar, as uniões livres eram mais fte
qüentes que as legais, e as causas desse traço particularm ente característico da socieda­
de baiana devem ser procuradas em razões de ordem institucional, econômica ou
psicológica, que tentam os descobrir com m aior precisão. Um segundo traço caracte­
rístico dessa sociedade era sua forte endogam ia, quase perfeita nos dois extremos da
estrutura social. Os brancos — dom inadores e freqüentem ente afortunados, exerceu
do o poder e os meios de controle da sociedade que eles próprios haviam organizado
reagiam exatam ente da mesma m aneira que seus escravos dom inados e oprimidos-
Eram dois mundos separados em tudo, mas com as mesmas reações de autodefesa.
L ivro III - A F amília B aiana
169

Entre esses dois extremos da escala social havia um a numerosa população livre
parcialm ente m estiça, form ada por um a m ultidão de homens e mulheres de comporta­
mento m uito menos ríg.do. Elos interm ediários dessa corrente, eles humanizavam as
relações sociais, aproxim ando os extremos e tornando os costumes mais flexíveis
Exerciam um difícil papel interm ediário, que exigia sacrifícios e concessões, a fim de
manter equilíbrios precários entre essas duas estruturas — branca e negra — opostas
em tudo. Essas cam adas interm ediárias da população baiana faziam os brancos se
desprender de algum as de suas tradições européias e, ao mesmo tempo, tornavam
menos africana a estrutura social negra. Graças a um terceiro estudo tipológico — o
dos grupos dom ésticos, bem m ais extensos que as fam ílias de tipo nuclear, das alianças
matrim oniais c dos sistemas de parentesco — poderemos verificar com maior precisão o
importante papel desem penhado pelas camadas intermediárias da população de Salvador.

G r u p o s D o m é s t i c o s : T e r c e ir o E s t u d o T i p o l ó g ic o

A análise dos grupos dom ésticos de Salvador no século XIX é dificultada por dois
fatores: a grande diversidade de situações que induziam as pessoas a com partilhar do
mesmo teto e a presença de escravos e agregados, categorias ausentes da Europa Oci­
dental. Com ecem os pelo ú ltim o fator.
‘Ser escravo’ era m ais am bíguo do que parece. Sabe-se o que isso representava do
ponto de vista ju ríd ico . M as, qual o lugar ocupado pelo escravo no lar do senhor? Que
diferenças havia, a esse respeito, nos m eios urbano e rural? Em Salvador, o escravo era,
antes de m ais nada, um em pregado dom éstico, que cum pria — melhor — o papel dos
seus numerosos congêneres existentes nas sociedades ocidentais no século XIX.47 Nos
148 grupos dom ésticos que pesquisei, apenas quatro libertas apareceram citadas como
criadas, trabalhando da m esm a m aneira como o faziam quando eram escravas. Como
regra, o escravo era um servidor não assalariado e um a fonte de renda para seu proprie­
tário, que o alugava a terceiros para fazer serviços externos, freqüentemente muito
penosos. M as tam bém havia os que dom inavam um ou mais ofícios (artesão, barbeiro,
músico, alfaiate, sapateiro, pedreiro ou pintor). O uso dessas aptidões era flexível e se
adaptava às dem andas m om entâneas do mercado de trabalho, tornando difícil distin
guir, numa mesma casa, qual escravo era exclusivamente doméstico e qual era ganha
dor . O escravo só perm anecia continuam ente no mesmo trabalho se fosse a única
fonte de renda de seu senhor — o que era um a situação freqüente. ^
Tendo sob sua responsabilidade manter a família do senhor e a sua própria,
escravo era o verdadeiro esteio da organização familiar. Criavam-se, assim, aços e
interdependência entre ‘dom inador’ c ‘dom inado’, abrindo a possibilidade de que a
dependência revertesse em favor do escravo.4ft
E o papel dos agregados nos grupos domésticos? Diversas realidades se escondiam
atrás da palavra ‘agregado’, que designava genericamente os que viviam com a família
170 B a h ia , S e cu lo X I X

com o pessoa da casa”.49 N o m eio urbano, eram pessoas que não tinh am conseguido
outro lu gar, por falta de m eios, ou tinham sido convidadas por parente ou amigo a
alu gar um côm odo na residência deste. Entre os exem plos de que disponho, o de
A ntôn io José de Souza M atto s é típico. B ranco, 51 anos, gu ard a na alfândega, casado
com dona M aria V itó ria de Souza M atto s (30 anos, tam bém branca), era pai de cinco
filhos, cujas idades variavam de um mês a onze anos. T odos viviam agregados à fam ília
de G erm ano M endes B arreto, branco, 61 anos, escrivão do T rib u n al, casado com
dona T eresa (branca, 55 anos), com quem tin h a dois filhos. Ignoro se havia parentesco
entre os dois casais (as duas esposas po deriam ter adotado o nom e dos m aridos,50 ou
então com partilhavam o teto paterno ). O grupo dom éstico contava ain d a com duas
velhas m ulatas e um m u lato de quin ze anos, além de três escravos africanos: Gustavo
(60 anos), Esperança (50 anos) e E ugênia (35 anos). C o n sid erad a com o agregada, a
fam ília Souza M atto s d ep en d ia d a o u tra, em bo ra os dois chefes fossem funcionários e
exercessem cargos p raticam en te eq uivalen tes, tan to do ponto de vista do salário como
do prestígio social. Logo, o agregado p o d ia pertencer à m esm a categoria social do
chefe do grupo dom éstico.
Irm ãos e irm as, afilhados, parentes afastados, viúvas, m ães solteiras e seus filhos
eram cham ados, com freq ü ên cia, de agregados. V iviam à custa do chefe da fam ília, a
quem prestavam serviços, ou então d isp u n h am de fo rtun a pessoal, participando nesses
casos das depesas da casa. T am b ém podiam estar nessa condição os filhos de um antigo
escravo alforriado que tivesse perm anecido na casa de seu ex-senhor. Se a fam ília não
possuísse escravos, esses negros ou m ulatos tornavam -se em pregados; caso contrário,
ocupavam um a posição in term ed iária, com andando e v igian d o a criadagem . De qual­
quer m aneira, o agregado era m uito considerado no grupo. As crianças o tratavam com
respeito, cham avam -no afetuosam ente por um d im in u tivo e o escolhiam como padri­
nho ou m adrinha de crism a.51 Freqüentem ente o agregado desem penhava o papel que,
no teatro clássico, cabe ao confidente, p rin cip alm en te dos jovens e dos senhores. Em
caso de necessidade, ele podia se encarregar de cu id ar da casa, fazendo guloseim as e
transform ando-se em vendedor am bulante.
Em todas as cam adas sociais da população livre — fosse ela branca, m ulata ou
negra — encontravam -se agregados, cu ja dependência em relação à fam ília da casa era,
às vezes, apenas aparente. Além disso, quando essa subordinação existia, não era obri­
gatoriam ente dc um negro ou um m estiço em relação a um branco. Encontrei, por
exem plo, o caso cm que um a negra liberta (M aria Jo aq uin a dos Passos), nascida no
Brasil, solteira, dc 36 anos, tinha, como agregada, uma branca (D. Senhorinha M elânia
de C erquelra), mãe solteira dc dois filhos pequenos, com 34 anos dc idade.52 Viviam
com as crianças, mas sem escravos. Com o tinham praticam ente a mesma idade, inferi
que haviam crescido juntas; a 'Senhorinha' dera um 'm au passo’ c fora expulsa de casa,
recebendo dos país, no entanto, uma com panheira na pessoa da alforriada. Esta ‘irmã
crioula’ , provavelmente um pouco scrviçal, em todo o caso fiel e responsável, não seria
o chefe da família?
L iv r o III - A F a m ília B aian a 171

Os escravos e os agregados desem penhavam papéis variados nos grupos dom ésti­
cos a que p erten ciam . Seria necessário m u ltip licar exem plos para que se tivesse um a
im agem m ais n ítid a dos laços que existiam entre esses dependentes e os chefes dos
respectivos grup os. A té as m ulheres que viviam com um hom em eram cham adas de
agregadas — n u n ca de con cub inas — e, se tivessem filhos, o pai não era citado.
R ecolhi dados sobre 147 grupos dom ésticos, que representavam um contingente
de 7 4 2 pessoas, no q u al se m istu ravam , de form a exuberante, livres, libertos e escra­
v o s . A frente das fam ílias m aiores, encontravam -se em geral viúvos, viúvas ou casais,
m ajo ritariam en te brancos. O s casais casados tin h am , em m édia, um a fam ília de dez
pessoas, ao passo que as fam ílias dos solteiros tin h am , tam bém em m édia, 3,2 pessoas.
O tam anh o das fam ílias dos casais casados brancos (1 1 ,7 pessoas) era bem m aior que
aquelas dos casais casados de cor (seis pessoas). Os solitários e os grupos sem estruturas
fam iliais não tin h am escravos e, entre os 41 grupos dessas duas categorias — m ajori-
tariam ente form ados por liberto s e por m estiços — só cinco possuíam agregados.
Desses grupos dom ésticos, 2 8 ,6 % possuíam escravos, m as, em compensação, 35,3%
tinh am agregados e 5 ,5 % (oito, no total) tin h am agregados m as não escravos. D eve­
mos con cluir que os agregados eram anexados a grupos dom ésticos que unham os
meios m ateriais para sustentá-los? Seriam eles adicionados aos escravos, com o sím bolo
da riqueza de u m a fam ília?
Em 4 2 ,2 % dos casos os grupos dom ésricos eram chefiados po r m ulheres, 71% das
quais eram solteiras, m u itas com filhos. A pesar da aparência m asculina da sociedade,
em todas as cam adas de Salvado r era freqüente que a m u lh er assum isse sozinha o seu
destino e o dos seus filhos, desem penhando assim um papel im portante. A m édia de
idade dessas m ulheres era de 40 anos, o que não im pediu que eu encontrasse dois
grupos chefiados, respectivam ente, por m ulatas — um a de 19, outra de 90 anos —
com pletam ente fora dessa faixa etária. A jovem m ulata de 19 anos era mãe de um
filho. Sua pouca idade dem onstra o quanto é ilusório utilizar critérios inspirados pelas
sociedades ocidentais para analisar um a sociedade na qual as uniões livres são mais
numerosas que os casam entos. No que dizia respeito aos homens, a média era a
mesma, mas o mais novo chefe de fam ília tinha 25 anos e o m ais velho era um
português de 77 anos.
O s gru p o s d o m é stic o s sim p le s c sem e stru tu ra s fa m ilia is (in c lu in d o neles os 'soli­
tário s’) representavam 8 5 ,1 % do to tal, o q u e m e leva a receber com p ru d ê n c ia a
afirm ação dc q u e g ru p o s ‘ex ten siv o s’ ou co m plexos eram caraccerísticos da o rgan iz a­
ção fam iliar dos baia mis. Eles ex istiam , m as co m o exceção. O m odelo patriarcal,
característico d a vida rural b rasileira, foi su b stitu íd o aq u i por form as de organização
fam ilial m ais sim p les, m ais flexíveis, m ais adap tad as i c id ad e. M as, co m o m ostra a
presença dos agregados, não sc ro m p e assim com práticas sociais herdadas da fam ília
de tipo patriarcal... Fssa fam ília baian a apresentava traços ‘m o d e rn o s’ em suas estru ­
turas e ‘arcaicos’ em seus fu n d am en to s e atitud es. É o q u e tentarei d efinir agora m ais
claram en te.
CAPÍTULO 11

S is t e m a s d e P a r e n t e s c o
e A l i a n ç a s M a t r im o n ia is

V im o s q u e as f a m ília s le g ít im a e c o n s e n s u a l c o m p a r t ilh a v a m , n a B a h ia , os m esm os


tra ç o s f u n d a m e n ta is . A m b a s e r a m e s s e n c ia is p a r a a c o e s ã o d a s o c ie d a d e lo c a i no sécu­
lo X IX , A f a m ília c o n s e n s u a l e r a a c e ita e n t r e as c la sse s h u m ild e s e la b o rio sa s d a p o p u ­
la ç ã o e n ã o to ta lm e n te r e je it a d a p e la s m a is f a v o r e c id a s . N ã o ra ro , a liá s , o m esm o
h o m e m s u s te n ta v a d u a s f a m ília s a o m e s m o te m p o . ■
E m S a lv a d o r , as re la ç õ e s s o c ia is d e s c o n h e c ia m q u a lq u e r fo r m a lis m o . Em algun s
caso s, o p a r e n te s c o a b r ia e s p a ç o s p a r a q u e p e sso a s n a s c id a s p o b re s fo ssem in tegrad as
e m c a m a d a s m a is a b a s ta d a s . F ilh o s n a tu r a is — b r a n c o s , m u la to s o u n eg ro s — podiam
n u t r ir e s p e ra n ç a d e a sc e n s ã o s o c ia l, É esse o s is te m a t r a d ic io n a lm e n t e q u a lific a d o de
‘ p a t r ia r c a l’ . A s o c ie d a d e n a q u a l se in s e r ia , le g a lm e n t e d iv id id a e m ‘s e n h o re s’ e ‘escra­
v o s’ , se c o m p o rta v a c o m o se as d iv is õ e s s o c ia is p u d e s s e m se r u ltra p a s s a d a s co m fa c ili­
d a d e , P o r trás d e u m a r ig id e z a p a r e n te , s is te m a s d e p a re n te s c o e de a lia n ç a eram
v e íc u lo s p a ra to d o tip o d e p r o m o ç ã o , g ra ç a s a s o lid a r ie d a d e s o r ig in a is q u e , esco ndidas
a trá s d e a p a r ê n c ia s e n g a n a d o r a s , p r e c is a m se r d e te c ta d a s . O p e q u e n o m u n d o de S al­
v a d o r , fle x ív e l e c h e io d e v id a , s o lid á r io e c h e io d e im a g in a ç ã o , a in d a não con hecia
rig id e z e im o b ilis m o .

S is t e m a s de P a r e n t e sc o

E xpressões co m o ‘ p a re n te ’ , ‘ p a re n te s c o ’, nos re m e te m a laço s b io ló g ico s q u e unem ,


n u m a fa m ília , u m h o m em e u m a m u lh e r a seus filh o s, e estes en tre si. Segundo
M a rtin e S egafen , a asso ciação h o m e m -m u lh e r já é u m a ‘asso ciação so cial , pois, em
p rin c íp io , líg a d u as pessoas o riu n d a s de fa m ília s d iferen tes. P o rtan to , o parentesco é
fu n d ad o , ao m esm o tem p o , cm laços b io ló g ico s e so ciais, d esig n a n d o ranto as pessoas
q u e são efetiv am en te p aren tes — p elo san g u e o u p o r a lia n ç a — q u an to lim a das

172
L i v r o 111 - A F a m í l i a B a i a n a

instituições que regem o fu n cio n am en to da v id a social nos setores econôm ico, político
e relig io so .1
M as, em certas sociedades, com o a brasileira, a noção de parentesco ultrapassa
m uito esses lim ites, graças a associações baseadas em laços esp irituais ou vin culad as a
um a etnia. N o tecido social de Salvado r, esses tipos eram tão im portantes quanto o
parentesco de tipo clássico, o que, aliás, fica claro na própria term ino logia de uso
com um . É háb ito , por exem plo , frisar a d iferen ça que existe entre os tios e tias ‘de
sangue' e os ‘por a lia n ç a ’; pai e m ãe não são term os usados apenas para designar os pais
biológicos, mas tam b ém sogra e sogro. T odos m erecem o tratam ento de ‘senhor’ ou
‘senhora’, m as se o sogro tiver um d ip lo m a é cham ado de ‘d o u to r’ (todos os diplom ados
por escolas superiores sao do u to res; m as a m u lh er, m esm o que seja ‘do u to ra’, con tinu a
a ser tratad a por ‘d o n a ’ por seus genros e no ras). Para os filhos do prim eiro leito, o
segundo m arid o d a m ãe é ‘p ad rasto ’. A liás, ‘p ad rasto ’ e ‘sogro’ são term os que trazem
em si um a tênue id éia de exclusão, de fro n teira en tre parentes n aturais e parentes por
alian ça.2 Os antepassados tam b ém recebem defin ições precisas, com o, por exem plo,
‘tio-avô’ e ‘tia-a v ó ’. Ao m u ltip lic a r os avós, m u ltip licam -se tam bém as responsabilida­
des e consolida-se a m em ó ria fam iliar.
A term in o lo g ia do parentesco se a rtic u la no B rasil sobretudo em torno dos m o­
dos de filiação e de alian ça, p rin cíp io s essenciais do tecido parental. A filiação, que
estudam os no p rim eiro cap ítu lo , é d efin id a segundo seus aspectos ju ríd ico s: trata-se
do reconhecim ento dos laços de u n ião entre in d iv íd u o s que descendem biologica­
m ente uns dos outros — ‘d escen d en tes’, p ara a filiação de cim a para baixo, ou ‘as­
cendentes’ , para aq u ela q ue vai d e baixo para cim a. Em q u alq u er situação, a filiação
pode existir em lin h a d ireta ou co lateral. Em po rtuguês, cada caso tem um a designa­
ção própria, e neste ponto as gen ealo gias fam iliais s lo precisas. Existe, pois, um a
m em ória gen ealó gica m u ito p ro fu n d a nessa sociedade de em igrados, que faz questão
de rem ontar a antepassados de duas, três ou m ais gerações, sobretudo quando se trata
de afirm ar a ascendência de um co lateral prestigioso, cu ja atuação confere brilho à
fam ília cm questão, T odos os ram os da fam ília C alm o n du Pin e A lm eida, por exem ­
plo, reivindicam até hoje, com o antepassado, um hom em de Estado do início do
século XIX, o M arquês de A brantes, que não teve filhos. Essa corrida ao ascendente
ilustre não é, aliás, um a característica exclusiva dos descendentes de portugueses.
Reencontramos a m esm a preocupação entre os africanos, que conservaram , por tradi­
ção oral, os nomes de antepassados livres e de sangue real. Eles desem penham papel
particularm ente im portante no seio dc um a população que descende de antigos es­
cravos; o dado social, aqui, é mais im portante que o dado propriam ente biológico.
Ainda hoje, certas fam ílias negras que têm um m em bro em funções elevadas na hie­
rarquia religiosa dos candom blés dizem que podem rem ontar a um a ascendência real
de um a etnia africana qualquer.
As filiações na fam ília baiana são indiferenciadas ou cognáticas. Nao é através de
um dos sexos que se define se um a pessoa pertence a um grupo de parentesco. Todos
174 B a h ia , S t e c i o \ L \

os descendentes dc um in divíduo fazem parte de seu grupo de parentesco. Por sua ve2
o indivíduo é m em bro de tantas linh agens quantos ascendentes for capaz de identifi­
car. O filho guarda o nom e do pai c da m ãe, form ando assim uni novo patroním ico
que indica, claram ente, sua dupla origem fam ilial. Q uando casa, a m ulher substitui o
patroním ico m aterno pelo de seu m arido, sem que isso in d iq ue um sistema dc filiação
patrilinear. O esposo conserva seu patron ím ico duplo original. G eralm ente, os filhos
naturais têm um único p atro n ím ico , do pai ou da mãe. Q uan to aos escravos, após a
alforria conservavam geralm en te o nom e da fam ília de seu antigo senhor.

P a ren tesco po r E sc o lh a

Existe ou tra m aneira de expressar um parentesco ou um a filiação na B ahia. Os termos


pai, mãe, irm ão, irm ã, prim o , tia e tio são utilizado s para designar pessoas com as quais
não exíste nenhum laço con sangüín eo ou de alian ça, mas apenas de escolha, tão forte
e tão sólido quanto os prim eiros. Se alguém é escolhido para desem penhar o papel de
paí ou m ãe, tio ou tia , irm ão ou irm ã, é im possível escapar. C riam -se assim novas
relações, que se tornam tão fortes q u an to as de parentesco consangüíneo. É o que os
baianos cham am de ‘parentesco por consideração’ , que não deve ser confundido com
o parentesco por alian ça. Um parente por consideração é parente na acepção plena da
palavra, com tudo o que essa noção im plica dc m ais estrito e profundo. Assim , cada
qual pode escolher tios e tias, m u ltip licad o s sem lim itações. T am bém é freqüente que
esse tipo de adoção salte um a geração: um neto pode decidir ‘ad o tar’ sua avó como
‘ mãe’ , transferindo para ela seu am or filial e deixando a mãe biológica à distância.
A liás, esse papel m aternal pode ser desem penhado por qualquer outro membro da
fam ília (tia, irm ã m ais velha, prim a etc.), caso em que a m ãe verdadeira passará para
o mesmo plano do filho, que com eça a cham á-la pelo prenom e e a considerá-la como
um a irm ã m ais velha. Prom ovida a ‘m ãe’, a avó ou tia será tratada como tal por todos
os que a cercam .
N um a sociedade em que predom inavam a aliança natural do casal parental e a
ilegitim idade dos nascim entos, não devem causar surpresa essas transferências, essas
escolhas de novas fam ílias. M as é fácil constatar o grande im pacto afetivo dessas
situações, bem como sua influência sobre as organizações fam iliares. A relativa anomia
da sociedade baiana seria reforçada por tais fatores ou, ao contrário, eles atenuariam os
choques em uma sociedade mareada pela escravidão?
A todos esses parentes 'po r e sc o lh a’ , é preciso acrescentar o ‘ parentesco espiritu al .
Ele existe em outros lugares mas, na B ahia, sua im p o rtân cia é ta m a n h a que e! preciso
colocá-lo no inesm o nível do parentesco c o n sa n g ü ín e o . Existem três tipos d c p a d ri­
nhos espirituais: o de batism o, o q u e consagra a criança a Nossa Senhora e o de crisma.
O prim eiro é o m ais im p o rtan te (nem os negros africanos conseguiam evitá-lo, para si
e seus filhos). C a d a criança tem , o b rig ato riam en te, um p ad rin h o e u m a m ad rin h a de
L i v r o III - A F a m ília B a ia n a 175

batism o . N a zona ru ral, on de freq ü en tem en te a co m u n id ad e tem m ais hom ens que
m ulheres, as vezes esta ú ltim a é su b stitu íd a pela própria N ossa Senhora. De q ualqu er
m an eira, o b atism o n u n ca e celebrado logo após o n ascim en to , sendo freqüente batizar
crianças q u e já co m eçaram a an d ar. A cerim ô n ia é segu id a da consagração da crian ça
a N ossa S en h o ra.
Em g eral, p ad rin h o s e m ad rin h as p erten ciam à m esm a catego ria social dos pais da
criança. N o e n ta n to , raram en te um escravo era escolhido para esse papel, e nas cam a­
das sociais in ferio res — escravos e lib erto s — a preferên cia recaía sobre pessoas que
gozavam d e certo p restíg io na co m u n id a d e, m enos pela fo rtu n a e m ais pela persona­
lid ad e e as relações estab elecid as. N u m a so ciedade em q ue as posições depen diam da
ajud a de terceiro s, a esco lh a de p a d rin h o e m a d rin h a bem -relacio n ado s integrava um a
estratégia de ascensão so cial o u , pelo m enos, de preservação de u m a condição já
alcançada. A ssim , co n so lid av am -se e esten d iam -se os laços de so lid aried ad e. Pais abas­
tados esco lh iam com freq ü ên cia um m em b ro de fa m ília -ir m ã — ■um irm ão, tio ou avô
— , o que reforçava as ten d ên cias en d ó gam as das fam ílias baian as m ais im portantes.
Ao co n trário do q ue se passa ho je, no século X IX a respon sabilidade assum ida por
padrinhos e m a d rin h a s não se lim ita v a ao q ue estava escrito na certidão. Eles podiam
ser encarregados d a ed u cação , d a o rien tação pro fissio n al e do em prego do afilhado,
m esm o q u e os p ais deste fossem vivos. E, se falhassem , h avia a ‘reserva’, representada
pelo p ad rin h o ou m a d rin h a de crism a ou de consagração a Nossa Senhora, A ssim ,
desde o n ascim en to a crian ça era cercada por u m a rede protetora, m u ito im portante
num a sociedade em q u e a o rgan ização fa m iliar era instável, h avia grande num ero de
nascim entos ileg ítim o s e “crian ças, hom ens e m ulheres circulavam , construindo e
destruindo in can sav elm en te, ao lon go de u m a m esm a vida, formas dom ésticas precá­
rias”.3 A im p o rtân cia do a p ad rin h am en to era tão gran d e que, com o nos casos das
ligações de parentesco, tam b ém h av ia p adrin h o s e m ad rin h as ‘de consideração’. Até
hoje, aliás, são tratadas assim as pessoas que, ao longo da vida, ajudam alguém .
E xistia u m t e r c e ir o e im p o r t a n t e m o d o d e f ilia ç ã o n ã o b io ló g ic a : a filiação étn ica,
e n c o n tr a d a s o b r e tu d o e n tr e os a f r ic a n o s e seus d e s c e n d e n te s . E m S a lv a d o r, escravos e
libertos d a m e s m a e t n ia se e n c o n t r a v a m c o m m a is f a c ilid a d e q u e nas p lan ta çõ es de
c a n a -d c -a ç ú c a r, o n d e os se n h o re s se e m p e n h a v a m em m is tu r a r african o s de todas as
origens, a fim d e e v ita r c o n ju r a ç õ e s e re v o ltas.4 N a c id a d e rein ava u m a relativa lib e r­
d ade de m o v im e n to , po is a p r ó p r ia n a tu re z a das tarefas ex ig ia o c o n ta to c o n tín u o dos
trabalhadores e n tr e si. L ivres para g a n h a r a v id a c o m o q u isessem (c o n ta n to q u e d iv i­
dissem os lucros c o m os se n h o re s, dos q u a is e ra m m u ita s vezes a ü n ic a fonte de ren d a),
era raro que os escravo s sc ap resen tassem in d iv id u a lm e n te no m erca d o de trabalho.
C ad a etn ia tin h a seus p o n to s fixos de e n c o n tro , em e n c ru z ilh ad as c h am ad a s de cantos .
A in d a por vo lta d e 1 8 9 8 , cerca de q u in h e n to s velhos africano s d a B ahia co n tin u av a m
a form ar esses ‘c a n to s ’ , p refe rin d o con viver c o m os co m p atrio ta s — g u ru n ces, haussas,
nagôs, jejes e a lg u n s m in a s — , m esm o q u e estes fossem po uco estim ad o s pelos negros
nascidos no B rasil.5 N essa época, os tapas, bo rnu s, congos e angolas já h aviam desa-
17 6 B ah ia , S éculo XIX

parecido.6 C ada ‘canto’ tinha seu ‘capitão’, prestigiado por seus cam aradas e respon­
sável pelo grupo diante das autoridades da cidade.
A associação de natureza étnica não era utilizada som ente para a organização do
trabalho. Escravos e libertos se encontravam por etnia tam bém nas ‘juntas de alforria
(associações que angariavam fundos para pagar cartas de alforria) e, sobretudo, nas
confrarias religiosas instaladas na B ahia desde o fim do século XVII. Já expliquei como
o fato de pertencer a um a etnia podia influen ciar até a escolha de um parceiro sexual.
Não era, portanto, casual que a m aior parte dos africanos alforriados escolhesse seus
próprios escravos — quando conseguiam com prá-los — dentro da sua etnia. Esses
escravos eram freqüentem ente libertados, sem pagam ento, por ocasião da morte do
senhor; às vezes, herdavam os bens do senhor que não tivesse herdeiros legítim os.
Com preende-se por que a palavra parente podia designar qualquer pessoa que
pertencesse à m esm a etnia, criando-se assim m ais um tipo de filiação capaz de conso­
lidar laços tão necessários aos baianos m ais pobres. Os candom blés da B ahia são, ainda
hoje, herdeiros desse sistem a de filiação: seus m em bros afirm am pertencer à mesma
fam ília, um a ‘fam ília de san to ’, que ocupa o lu gar da lin h agem desaparecida. Fator de
redefinição dos valores africanos, a filiação étn ica faz referência a um antepassado
comum e desem penha um papel tão im p o rtan te quanto a filiação bio lógica.7

P a re n te la

N um grupo de pessoas aparentadas, todos se situ am em relação a um ou vários ante­


passados com uns. Em com pensação, a p arentela coloca o in divíduo (seja ele quem for)
no centro e reconhece seus parentes, pelo sangue ou por aliança, até exaurir os laços
genealógicos que a m em ória possa alcan çar.8 Se o indivíduo assim o decidir, chegam-
se a incluir ascendentes e descendentes cujo parentesco é apenas espiritual.
Nessa sociedade em que os filhos naturais eram tão num erosos, existia um a vasta
parentela ilegítim a. Ao contrário do que se passava com a parte legítim a e reconhecida
da fam ília, os chamados ‘parentes de mão torta’ (gerados por uniões livres) podiam ser
reconhecidos ou não. A ú ltim a hipótese ocorria sobretudo entre as cam adas superiores
da sociedade, especialm ente quando se tratava de parentes de cor. Às vezes não se
reconheciam sequer os descendentes de um casam ento desigual, mesmo que legitimo
do ponto de vista jurídico .9 E,sses parentes, freqüentem ente escamoteados, só apare­
ciam nas únicas cerim ônias fam iliares realm ente abertas: os enterros. A morte era
publica e sagrada, e as pessoas tinham o dever de prestar a últim a homenagem ao
defunto. M as, term inada a cerim ônia fúnebre, todos se separavam novamente.
A parentela era, pois, uma associação de solidariedade fam iliar m uito flexível e
m ultifuncional. Como o apadrinham ento, era uma via de m ultiplicação das solida­
riedades, um fator de coesão do grupo, um motor para todas as promoções. Verda­
deira clientela, freqüentemenre constituída de afilhados, filhos de afilhados, agrega-
L i v r o III - A F a m ília B a ia n a 177

dos, alforriados e parentes distan tes, a parentela podia, inclusive, ter um aspecto
u n ilateral: u m a pessoa podia considerar-se parente de outra, mesmo que esta negasse.
O recon hecim en to da condição de parente im plicava a aceitação de deveres c obriga­
ções recíprocos. Q u an to m ais prestigio sa fosse a posição ocupada por alguém , m aio­
res eram suas respon sabilidades d ian te de um parente de sangue, de aliança ou espiri­
tual. Essa respon sabilidade era, aliás, tran sm itid a de geração a geração, mesmo quando
novas parentelas e clien telas fossem acrescentadas às já existentes.
A ssim , nas velh as fam ílias baian as, a sustentação das posiçoes dos antepassados
não exigia apenas a cap acid ad e de m an ter c educar a p rópria fam ília, mas tam bém de
ocupar-se de toda u m a h eran ça dc fiéis clientes, que acreditavam firm em ente no poder
do parente p rotetor, m esm o q u an d o esse poder não existia m ais. T ratava-se, às ve7.es,
de herança b astan te p esada, sobretudo q uando a p arentela e a clientela eram pobres ou
m iseráveis. A té a d écad a de 1 9 6 0 , nu nca se recusava esse tipo de proteção, que repre­
sentava a força e a fraqueza dessa sociedade fraterna, em que os laços criados pela ajuda
m útua p o d iam tran sfo rm ar-se em nós górdios. As estratégias estabelecidas em torno de'
alianças m atrim o n iais co m p letav am e tornavam m ais com plicados esses sistemas.

A l ia n ç a s M a t r im o n ia is : E x o g a m ia e E n d o g a m ia

Estabelecidas em dois níveis e dotadas de duplo aspecto, a exogam ia e a endogam ia


coexistiam em Salvad o r no século X IX , m as a p rim eira era m uito m ais difundida que
a segunda. C om o já se v iu , a ten d ên cia à en d o gam ia se concentrava nas duas situações
sociais extrem as: fam ílias dos senhores de engenho e dos africanos alforriados.
O corre exogam ia q uando a alian ça m atrim o n ial é praticada fora do grupo domés­
tico, E m m anuel T o d d afirm a, em um texto am bíguo, que se trata de um a escolha
m atrim onial liv re ,10 mas essa definição nao parece adequada para situações em que os
pais impõem sua própria escolha aos filhos. A palavra exogam ia tam bém tem outro
sentido: corresponde a um “tipo de casam ento fora do grupo social de origem que
perm ite estabelecer relação com outros grupos de filiação. Essa definição am pla tem a
vantagem dc evidenciar as m obilidades sociais. A regra exogâm ica, obviam ente, proíbe
o incesto.
A endogam ia, ao contrário, im põe às pessoas a obrigação de contrair m am m onio
dentro do grupo dom éstico a que pertencem . Os casamentos preferenciais entre pn-
mos-irmãos, por exem plo, expressam um a espécie de hipertrofia do sentimento de
fraternidade.1- Na Bahia, esse gcncro de casamento era encorajado, mas não obrigató­
rio, coexistindo com os casam entos exógamos.
O termo endogam ia’ pode ser utilizado com um sentido mais amplo, de modo a
definir uma estratégia m atrim onial dentro do grupo social de origem. Usei essa acepçao
quando tratei do com portam ento sexual dos africanos e dos alforriados baianos, um-
dos por fazerem parte da mesma etnia. Sem dúvida, o conceito de etnia é muiro mais
17» B a h ia , S é c u l o X I X

am plo que o de grupo dom éstico. Por isso, é m elhor caracterizar esse tipo de endogamia,
unicam en te, por um a espécie de interdição, extensiva aos dois sexos, mas não de forma
absoluta: o cônjuge não pode ser escolhido fora do grupo dc origem , seja ele social ou
étnico. O ra, na B ahia, o m odelo social era essencialm ente branco, pois a riqueza era o
critério fundam ental para q u alq u er ascensão. A ssim , a m aioria dos baianos tendeu a
p raticar a exogam ia, sobretudo porque as estruturas da sociedade só eram rígidas na
aparência. N a realidade, os com portam entos não se deixavam tolher pelas regras.
j á m encionei o papel regu lado r que brancos e africanos desem penhavam nos dois
extrem os da sociedade, im po ndo lim ites firm es porém incapazes de enquadrar total­
m ente a vida social. A cor, o d in h eiro e as restrições d a Igreja em m atéria de afinidade
espiritual ou de co n san güin id ad e não eram suficientes para im p ed ir algum as relações
sexuais e até casam entos. Os estupros e raptos dem on stram a força das paixões dos
que, com ou sem êxito, nao acatavam as regras im postas pela Igreja e as fam ílias. Só
um a análise q ue contabilizasse dispensas de casam ento po r razão de consangüinidade,
associada a um estudo d iferen cial dos casam entos, p erm itiria d eterm in ar a influência
desses com portam entos d iv erg en tes.13 E ntretan to, é possível in d icar com exatidão
algum as estratégias m atrim o n iais de dois grupos sociais bem diferentes: os 113 baianos
que, no século XIX, receberam títu lo s de nobreza e os escravos alforriados de Salvador.
Q uanto aos estupros e raptos, descobri alg u m a coisa em relatórios policiais e discursos
que solicitavam a criação de casas para m oças abandonadas ou expostas a esses perigos.

E st r a t é g ia s M a t r im o n ia is d o s B a ia n o s N o b il it a d o s

Foi m uito recente a form ação de u m a nobreza brasileira. D urante o período colo­
n ial, os portugueses (e seus descendentes) que se tornassem poderosos senhores de
engenho no Brasil podiam p ed ir ao rei a condição h ered itária de fidalgo. Depois da
Independência, a jovem M o n arq u ia brasileira criou título s de nobreza para recom­
pensar os que prestavam serviços ao país. Os dez conselheiros de Estado do im pera­
dor dom Pedro I, que elaboraram a C o n stituição de 1824, foram os prim eiros: re­
conhecidos como viscondes e depois elevados a m arqueses. Num erosos participantes
das lutas pela Independência na B ahia tam bém receberam esses títulos. Durante o
reinado de dom Pedro II, eles foram outorgados aos que gozavam de grande prestí­
gio político e econ ôm ico ,1'* Entre as 986 pessoas tornadas nobres pelo Império, 113
nasceram na Bahia.
M as a nobreza brasileira cra dc ordem pessoal, isto é, não se transm itia aos descen­
dentes. Só o título de 'fid algo ’ continuou hereditário, como no tempo da monarquia
portuguesa. Aliás, nem rodos os nobres eram fidalgos, e estes não recebiam forçosa­
mente um título de nobreza, como mostra o caso de Francisco Pereira Sodre. Tornado
Barão de A lagoinhas em 1879, solicitou por duas vezes, a dom Pedro II, a condição de
fidalgo, hereditária em sua fam ília havia duas gerações. Em vão. Explica-se: ele tivera
L i v r o III - A F am ília B a ia n a 179

a infelicidade de nascer bastardo. O insistente apoio de seu m eio-irm ão Jerônim o,


solteiro, e de suas duas m cio-irm ãs não foi suficiente para sensibilizar o im perador. Em
com pensação, em outra fam ília, João José de A lm eida C outo, fidalgo e Barão de
Desterro, obteve a m esm a condição de fidalgo para seu genro — que não era n o b re__
alegando sim plesm ente que não tinha herdeiro do sexo m asculino em sua própria
fam ília. Se um filho de pai tornado nobre quisesse ser nobre tam bém , teria que provar
o seu valor antes de fazer a solicitação.
Os baianos nobilitados form aram dois grandes grupos: os que seguiram carreira e
fizeram suas alianças m atrim oniais fora da Província e os que perm aneceram nela até
morrer. C ham arei de ‘cariocas’ os 39 (dc um total de 113) que se fixaram no Rio de
Janeiro, capital do Im p ério .15 Só dois deles contraíram casam entos endógamos. O
prim eiro foi José C arlos de A lm eid a T orres (1 7 7 9 -1 8 5 6 ), V isconde de M acaé, alto
m agistrado, deputado, senador, m inistro e prim eiro-m inistro. Era filho de José Carlos
Pereira, juiz do T rib u n al de R elação de Salvador, c de A na R ita Zeferina de A lm eida
Torres. Aos 25 anos, quando era ouvidor da com arca de Porto Seguro, José Carlos
Júnior se casou com sua p rim a-irm ã, M aria Eudóxia E ngracia B ernardina de Alm eida
Torres, filha de seu tio m aterno B ernardino M arques de A lm eida Torres, senhor de
engenho, e de Jo an a A ngélica de M enezes D oria, tam bém oriunda de um a distinta
fam ília do Recôncavo.
O outro ‘carioca’ endogâm ico foi Carlos C arneiro de Cam pos (1 8 0 5 -1 8 7 8 ), V is­
conde de Caravelas, m em bro da poderosa fam ília política dos Carneiro de Campos.
Era sobrinho do M arquês de Caravelas (17 70 —1836), alto funcionário do prim eiro
Im pério, principal redator da C onstituição dc 1824, senador, várias vezes ministro,
membro do Conselho da R egência entre 1835 e 1836. O utro tio seu era Francisco
Carneiro de Cam pos (1 7 7 6 -1 8 4 2 ), m agistrado de nível m uito elevado, senador e
m inistro de dom Pedro I. A esses dois tios, que perm aneceram solteiros, Carlos Car­
neiro de Campos deveu sua carreira de alto funcionário, deputado, presidente de
província e m inistro. Casou-se, em prim eiras núpcias, aos dezoito anos, antes de
term inar seu curso de direito em Paris, com Fabrícia Ferreira França, que tínha quinze
anos c cra filha dc seu tio m aterno, o doutor Antônio Ferreira França, e de dona Ana
da Costa Barradas, que morreu cm 1848. Q uinze anos depois, tendo enviuvado e se
tornado presidente da Província dc M inas Gerais, contraiu novas nüpcias com uma
moça da terra, Barbara G aldina, 25 anos mais moça que ele, nascida no poderosíssimo
clã dos O liveira. Mas, nessa época, ele já era um homem de posição muito elevada. Era
doutor em direito pela Universidade clc Paris, o que, na época, era bastante raro. Os
jovens baianos, nascidos no fim do século XVI11 ou nos primeiros anos do século XIX,
continuavam fazer estudos superiores cm C oim bra.lf>
Esses dois baianos que se casaram dentro das respectivas famílias tiveram sólidos
apoios familiares desde o início de suas vidas. O Visconde de Macaé começou sua
. carreira seguindo a trajetória dc seu pai, desembargador do Tribunal da Relação da
Bahia. Mas é interessante notar que cie adotou o nome — mais prestigioso — de sua
180 B ah ia , S éculo X I X

£
rt.■
'' '
|
$ mãe, que era filha e irmã de senhores de engenho do Recôncavo. Sua integração à
i■ fam ília m aterna foi de tal ordem, que ele acabou casando com a filha do irmão de sua
mãe, fazendo desaparecer de seu nome todo e qualquer vestígio do patroním ico Pereira.
O prestígio do proprietário de terras suplantava o do m agistrado, por m ais elevado que
fosse o grau atingido na m agistratura.
No que diz respeito a Carlos C arneiro de C am pos, as coisas são mais simples
ainda: aqui, o lado paterno era m ais im portante, graças aos dois tios solteiros, que
haviam feito carreiras brilhantes. É possível que o casam ento tão precoce com sua
prim a-irm ã tenha sido conseqüência de um desses ‘acidentes’ tão freqüentes, numa
época em que era comum a coabitação de prim os sob o mesmo teto. Seja como for, ao
casar Carlos somou as endogam ias fam iliar e de classe.
Essa endogam ia de classe caracterizava os outros 37 ‘cariocas’, exógamos do ponto
de vista fam iliar. Entre eles, só um utilizo u sua alian ça m atrim onial para reforçar uma
posição conquistada por m érito próprio. Foi A ngelo M oniz da Silva Ferraz, Barão de
U ruguaiana, filho de um proprietário rural do sul do Recôncavo, detentor de poucas
posses. Em prim eiras núpcias, A ngelo se casou com M aria Rosa de O liveira Junqueira,
que pertencia a um a grande fam ília de senhores de engenho e de altos m agistrados do
Recôncavo, T endo enviuvado duas vezes, o Barão de U ru gu aian a, deputado, senador,
presidente de província, m inistro e presidente do C onselho dos M inistros, casou-se
: sucessivamente com duas m oças, originárias do Rio de Janeiro.
A tabela 44 in d ica claram ente que a escolha m atrim o n ial dos ‘cariocas’ recaía
sobre moças do seu nível social. M as os pais recenseados não exerciam um a única

TABELA 44

A t iv i d a d e d o s P a is d e N o b r e s B a ia n o s F ix a d o s
no Rio de J a n e ir o e d o s P a i s d e s u a s M u l h e r e s *

A t iv id a d e P ai dos M a r id o s P ai d as M u lh e r e s

Senhor de engenho 8 7

Proprietário rural 3 2
Comerciante 4 -
Desembargador 2 4

Alto funcionário - 1
Militar 6 3

M&lico 1 -
Advogado 2 3

Outras 2 I
Sem informarão 8 15

Total 36 36

(*} Considcrima, apenat a principal atividade de cada um. Não foram incluídos trés nobres
que permaneceram solteiros.
L ivro III - A F amília B aiana 181

atividade principal; magistrados e médicos podiam ser também senhores de engenho


ou comerciantes. Além disso, não se deve esquecer que as mães do marido e da mulher
também desempenhavam um papel essencial nessa avaliação social que tento fazer.
Treze ‘cariocas’ casaram com baianas, catorze com brasileiras não baianas, seis
com portuguesas, um com alem ã e um com francesa. Em um caso ignoro a origem da
esposa. Portanto, 2/3 casaram com mulheres não baianas. Em geral, eles começaram
suas carreiras na m agistratura ou eram funcionários que haviam iniciado suas ativida­
des fora da Província da Bahia. As seis portuguesas casaram-se com baianos que
estudaram direito em C oim bra e obtiveram em Portugal, antes da Independência do
Brasil, suas prim eiras nomeações. A liás, 29 detentores de títulos de nobreza morreram
no Rio, sem retornar à Bahia. Seus descendentes seguiram carreira na capital do
Império. Os baianos que, tornados nobres, perm aneceram na província natal repre­
sentam a m aioria do grupo de 113: foram 74 pessoas, das quais dez permaneceram
solteiros. A tabela 45 tam bém é um belo exemplo da endogam ia de classe.

T A B E LA 4 5

A t iv id a d e d o s P a is d e N o b r e s B a ia n o s F ix a d o s
n a B a h ia e d o s P a is d e s u a s M u l h e r e s *

A t iv id a d e P a i d o s M a r id o s P a i das M u lh e r e s

Senhor de engenho 37 38

Proprietário rural 11 10

Comerciante 1 5

Alto magistrado 2 1

Alto funcionário 5 -

Militar 2 2

Médico - 1

Advogado I -

Outras -

Sem informação 5 7

Total 64 64

(#) C^cíhsulcraíTiojf npena.5 a principal atividade de cada um. Nao foram incluídos dez nobres
que permaneceram solteiros.

A m aioria, com efeito, era formada por filhos de proprietários de terras ou


pelos próprios — que se casaram com filhas de proprietários de terras. Sua estratégia
matrimonial tinha como objetivo conservar e aumentar os bens que possuíam. A
legislação referente à herança favorecia por igual os filhos dos dois sexos. Produzia,
portanto, a partilha das propriedades, mas essa tendência era corrigida pela endogamia
de classe. Com efeito, numa exploração de tipo agroindustrial, como a da cana-de-
açúcar, é difícil repartir em partes iguais as terras de cultivo, as matas, os pastos, as
182 B a h ia , S é c u lo X I X

terras nao cu ltiv ad as e até a m ão -d e-o b ra escrava, sem com p rom eter o funcionam ento
d a em presa lig ad a ao engenh o. C o m p rar as partes dos outros herdeiros era quase
im possível, sobretudo po rq ue, no século XIX, o engenh o de açúcar era quase sempre
d eficitário , fazendo com q ue os senhores estivessem freq ü en tem en te en d iv id ad o s,17 Só
restavam d u as soluções: v en der a p ro p ried ad e e rep artir o d in h eiro , ou perm anecer
num sistem a q ue garan tisse a produção u n itária. A p rim eira solução nao era atraente:
desfazer-se da terra sign ificav a u m a im e d iata perda de prestígio e um a inevitável
decad ên cia so cial; além disso, h avia poucas p o ssib ilid ad es de in vestim en to interessan­
tes. A in d ívisão era a m elh o r so lu ção . Para con servar p restígio e fo rtu n a, era preciso,
além disso, ter várias p ro p ried ad es. E n ten d e-se, assim , que cinco dos detentores de
títu lo s d e nobreza q ue fig u ram n a tab ela 45 ten h am casado com filhas de grandes
com erciantes, que d o m in av am a v id a eco n ô m ica d a cíd ad e. Essa determ inação de
conservar na m esm a classe social o p atrim ô n io te rrito ria l torn a-se ain d a m ais evidente
q u an d o se an alisam os v in te casam entos en dó gam o s, en tre os 6 4 recenseados aqui. Um
bom terço dos b aian os en o b recido s esco lh eu , com o esposas, p rim as-irm ãs, prim as
‘cruzadas’ e, em q u atro casos, so b rin h as.
A an álise das estratégias m a trim o n ia is de duas gran d es fam ílias do Recôncavo, os
A raújo G óis e os C o sta P in to , p erm ite co m p reen d er m elh o r esse sistem a enraizado nas
m en talid ad es b aian as. A fa m ília A raú jo G óis era u m a das m ais an tigas d a província. O
fu nd ad or p o rtuguês, G aspar de A raú jo , o rig in á rio d a v ila de Arcos de V al-de-V az, no
M in h o , e sua m u lh er, d o n a C a ta rin a de G óis, o rig in á ria d a v ila de A len q u er, perto de
Lisboa, chegaram em 1561 a São Jo rg e dos Ilhéu s, sede do d istrito d a nova C apitania
de Porto Segu ro . Esse casal p o rtuguês teve seis filhos nascido s no B ra sil.18 D epois da
m orte de sua m u lh er, G aspar se in stalo u em Salv ad o r, sendo recebido com o irmão
leigo num convento jesu íta, onde veio a m o rrer.
Desses seis filhos, dois deixaram nu m ero sa descendência: a filha m ais velha, Anrônia
de P ádua de A raújo G óis, casada com D o m ingos d a Fonseca Saraiva, português nas­
cido em V iseu (B eira A lta) e estabelecido em C a iru (B ah ia), e seu irm ão Sim eão de
A raújo Góis, que se casou com a filh a de um a de suas irm ãs e se tornou senhor de
engenho no Recôncavo.
A descendência dc A n tô n ia de P ádua foi in terro m p id a no fim do século XVII,
após quatro gerações em lin h a direta, ao passo q ue a de Sim eão chegou a nossos dias.
N a prim eira década do século XIX, os descendentes de am bos ingressaram na vida
política e econôm ica dc Salvador e do Recôncavo. Por isso, foram objeto de estudos
genealógicos m ais precisos, que incluíram tam bém a genealogia dos ramos familiares
aliados.17 Interessam -m e aqui quatro dessas genealogias: a de A ntônia de Pádua de
Araújo Góis (1561 —1700?). a dc Sim eão de A raújo Góis (1 563?—18 6 7 ), a de Inocêndo
M arques de Araújo Góis, Barão de A raújo Góis (1 8 0 9 -1 8 7 8 ), e a de A ntônio Calmon
de Araújo Góis, Barão de C am açari (1 8 2 8 - 1 9 12).20
Apesar do cuidado e da exatidão típicos dos genealogistas, freqüentem ente faltam
dados sobre os anos de nascim ento e as idades na época dos casamentos. Isso vale tanto
L ivr o III - A F am ília B aiana
183

para os períodos recentes quanto para os antigos. A lém disso, m uitas crianças natim ortas
ou que m orreram em tenra idade nem foram assinaladas. Enfim, por causa da enorme
liberdade — que já assinalei — em u tilizar patroním icos diferentes no seio da mesma
fam ília, nem todos os casam entos endogâm icos puderam ser registrados. Entre 1561
e os prim eiros trin ta anos do século XX, os descendentes conhecidos de Gaspar de
A raújo e de C atarin a de G óis, em nove gerações, form avam um grupo de 375 pessoas;
entre elas, 2 1 7 se casaram , m as, segundo essas genealogias, som ente 93 deixaram
descendentes. O u seja: 124 desses 2 1 7 casam entos não teriam gerado herdeiros.21
Por outro lado , 6 0 hom ens e 43 m ulheres, integrantes desse universo de 375
descendentes, m orreram ad ulto s, m as na condição de celibatários. T om ando como
exem plo a lin h ag em de Sim eão de A raú jo G óis, que é a m ais longa e mais bem
docum entada, é possível co n statar que a p rática do celibato variou segundo o sexo e
o período. E ntre 1561 c 1800, o celibato dos hom ens (5 2 ,8 % do total) foi mais
freqüente q u e o das m ulheres (2 4 ,1 % ), ao passo que entre 1801 e 1920 a situação se
inverteu: 2 9 ,7 % dos ho m ens e 4 4 ,8 % das m ulheres perm aneceram nessa situação. H á
um a explicação p lausível. P o deria ser m ais fácil casar as m oças no período em que era
m aior a im igração de jovens portugueses que chegavam ao N ovo M u n do em busca de
fortuna, co n seguiam en riq u ecer no com ércio e, em seguida, tentavam receber a con­
sagração social casando com u m a b aian a, filh a de senhor de engenho.
Por outro lado , com o já foi m en cio n ad o , 4 4 dos 2 1 7 casam entos celebrados
perm aneceram estéreis. Se acrescentarm os essas 4 4 pessoas às 2 3 que ficaram celiba­
tárias, o p ercen tual de pessoas adultas sem descendência passa para 4 5,0% (48 das
375 pessoas recenseadas eram crianças que m orreram em ten ra idade). O ra, 88,5%
dos 193 casam entos dessa fa m ília foram exógam os, repartidos de m aneira bastante
igual ao longo dos três séculos e m eio. N ão há dúvida de que os casamentos entre
prim os lon gín qu o s eram freqüentes (ain d a hoje, os descendentes dessas fam ílias se
tratam de ‘p rim o ’ e ‘p rim a ’), m as esses parentescos devem ser considerados laços
m uito m ais de classe que de sangue. D e m odo geral, o antepassado comum se perde
na noite dos tem pos. As fam ílias do Recôncavo se m isturaram diversas vezes, mas na
m aior parte do tem po os laços sangüíneos foram bastante constantes. 5ó há registros
de doze segundos casam entos, oito dos quais contraídos por homens.
T am bém na fam ília A raújo Góis aparecia o m odelo endógam o de toda a nobreza
baiana, apresentando inclusive um a certa anom ia: todas as combinações eram possí­
veis, exceto o casam ento entre irmãos e irm ãs. No decorrer do século XIX, entre os
descendentes de Inocèncio M arques de Araújo Góis (17 84 —1860), que se casou em
1803 com M aria jo a n a C alm on de Aragão, houve 52 casamentos e segundos casamen­
tos, dos quais só dez foram endógam os.
V oltarem os a esses tipos de uniões após analisar os casamentos endógamos dos
C osta Pinto, outra dessas grandes famílias baianas.22 Ao contrário da fam ília Araújo
Góis, fundada no século XVI, o iniciador dos Costa Pinto chegou a Salvador no fim
do século XVIII. C o nstituiu, pois, uma fam ília brasileira recente, mas de ascensão
184 B a h ia , S éculo X I X

social m uiro rápida: já no m eio do século XIX, seu prestígio era igual ao dos Araújo
Góis, chegando a ultrapassá-lo no fim do século. Em 1880, os Costa Pinto fundaram a
usina de Bom Jard im , prim eira usina central de açúcar da B ahia e a segunda do Brasil,
e foram pioneiros na introdução de técnicas agrícolas m odernas. Os A raújo Góis, por
sua vez, eram típicos representantes dos senhores dc engenho com m entalidade arcaica.
O trem endo poder político e econôm ico dos C o sta Pinto tornava desnecessário
buscar origens m íticas para tentar enaltecer a fam ília. S u a gen ealo gia era extrem am en­
te sim ples: A ntônio da C osta P into, o fundador, era o rigin ário da Província d’ Entre-
Douro e M inho. C om o m uitos com patriotas, chegou à B ahia para fazer com ércio e,
depois, se estabeleceu no Recôncavo com o proprietário rural. Em 1799, já possuía
várias propriedades em Santo A m aro, C ach o eira e Á gua Fria. Foi o ú ltim o adm inistra­
dor da ‘capela in stitu íd a em 1726 por B ento Sim ões. S u a esposa, M arian a Joaquina
de Jesus, a ‘lá G rande’, descendia dos Lopes e dos F erreira de M o ura, duas fam ílias
im portantes do Recôncavo. Graças a esse casam ento, que gerou catorze filhos (sete dos
quais mortos na p rim eira in fân cia), A ntônio ingressou na fechada casta dos senhores
de engenho.
Os dados genealógicos de que disponho cobrem três gerações dessa fam ília. Cinco
filhos de A ntônio casaram -se e tiveram filhos, um casou-se m as não teve filhos, e
Francisco, apelidado ‘X ix i’, perm aneceu celib atário , tendo no entanto vários filhos
naturais, entre os quais o célebre engenheiro, geógrafo e historiador Theodoro Sam paio,
que nunca foi oficialm ente reconhecido pelo pai. N essa p rim eira geração, apenas
M anuel Lopes da C osta P into, V isconde de A ram aré, foi tão prolífico quanto seus
pais, tendo catorze filhos legítim os (com u m a sobrinha) e outros tantos naturais! Só
quatro filhos sobreviveram até o casam ento. D ois, casados com prim os-irm ãos, não
tiveram descendentes legítim os: Elias (1 8 6 6 —1905) só teve filhos naturais; sua irmã
Jú lía (dita Ju lin h a) da C osta Pinto (1 8 7 1 -1 9 3 5 ) casou duas vezes (com dois irmãos)
c morreu sem descendência, mas um dos seus m aridos tinha tido filhos naturais.
Assim, só dois filhos do V isconde de A ram aré tiveram prole legítim a.
M esm o deixando de lado quatro casam entos que uniram prim os longínquos, 12
dos 26 casamentos dos descendentes diretos dos Costa Pinto foram endógamos, se­
guindo o mesmo m odelo presente na fam ília A raújo Góis: nao havia regra, mas se
notava uma pequena preferência por uniões entre prim os cruzados, em vez de primos
paralelos. Esse sistema encorajava o casam ento de uni homem com a filha de sua
própria irmã, o que não im plicava de modo algum a existência dc um modelo de
aliança assimétrica. Percebo, antes, um modelo nuclear desregrado, o da fam ília anômica,
decorrente da coabitação entre pais c filh o s,^ EIc predom inou num a estrutura social
muito ílexível, sobretudo no que dizia respeito âs famílias.
Esse tipo de solução não era expressamente procurado, mas era aceito. Os senho­
res dc engenho, que em suas terras possuíam apenas uma casa digna de ser habitada
por gente de sua classe, acabavam por formar grupos domésticos extensos, vivendo em
ambientes propícios a essas uniões endógamas. M as, quando uma fam ília era dona dc
L iv r o III - A F am ília B a ian a 185

mais de um engenho, os recém-casados tinham para onde ir. Em nome da integridade


das propriedades, quem tivesse escolhido sua m ulher no seio da própria fam ília era
encarregado de explorar as terras vizinhas à nova residência.- :
A trajetória da fam ília Costa Pinto se enquadra perfeitam ente nesse modelo. Em
meío a casamentos endógam os, o tabu do incesto se atenuava logo na prim eira gera­
ção, contada a partir do fundador. Com efeito, entre os seis filhos que sobreviveram
e se casaram, só um se uniu a um a m ulher não aparentada aos Costa Pinto! Os
outros cinco — três rapazes e duas moças — casaram com primos ou primas em
prim eiro grau, ou então com sobrinhas. Tratava-se, naturalm ente, de consolidar os
bens adquiridos por um pai que, tendo casado com a filha de um proprietário de
terras, deixara o com ércio e fora cu idar de bois e escravos.24 No início do século XIX
esse tipo de troca já não era tão lucrativo como fora no fim do século XVIII.25 Mas
nao im porta: tratava-se de conservar as terras na própria fam ília, se possível aum en­
tando a área territorial.
Dois exemplos ilustram claram ente essa tática: M aria Luiza da Costa Pinto casou-
se com seu prím o A ntônio Jo aq uim de M o ura em 1826 ou 1827; dois de seus oito
filhos m orreram em tenra idade, dois outros se casaram fora da fam ília (com filhas de
senhores de engenho dos arredores) e quatro se casaram com parentes (três com
prim os-irm ãos e a outra com um tio m aterno). A irm ã de M aria Luiza, M aria Rita
Ermelina, casou-se com seu prim o-irm ao, João Ferreira Lopes; sua filha única fez a
mesma coisa, casando-se m ais tarde com o filho do irm ão de sua mãe.
As mesmas práticas poderiam ser descritas para a geração seguinte, dos bisnetos do
fundador. As tendências endógam as dos Costa Pinto atingiram 46,2% dos integrantes
da fam ília, proporção m uito m aior que os 19,2% registrados entre os Araújo Góis,
m uito mais antigos no Recôncavo. Dez dos 52 casamentos ou segundos casamentos
celebrados na fam ília A raújo Góis no século XIX foram endógamos (o número 52 só
representa 26,7% do conjunto dos casam entos celebrados na fam ília desde o século
XVI). O utra diferença im portante: os filhos homens dos Costa Pinto e quase todos os
seus genros trabalhavam na agricultura, enquanto os filhos dos Araújo Góis estudavam
direito ou m edicina, seguindo carreira na m agistratura, no serviço público e na polí­
tica. Seria porque estes tinham menos propriedades rurais que aqueles? É possível.
Graças aos casamentos endógamos, o clã Costa Pinto manteve o controle sobre onze
engenhos (Jacu, Europa, Bento Simões, Regalo, Gameleira, Gravatá, Bonsucesso,
Canabrava, O iteiro, M ato Limpo e Aramaré), todos situados nas ricas terras de massapê
dos distritos de Santo Amaro, Cachoeira e Água Fria. Em 1880, eles instalaram uma
moderna usina, logo famosa, para o refino do açúcar.
Esses dois modelos, tão contrastantes, se reproduziam em outras famílias do
Recôncavo baiano? Para dcscobri-lo, fiz um estudo mais geral, que abrangeu quatro
outras famílias baianas. Duas, muito importantes, estavam em pé de igualdade com os
Araújo Góis. Trata-se das famílias Bulcão e Sodré, cujos antepassados chegaram à
Bahia em meados do século XVII.
186 B a h ia , S éculo X IX

Gaspar de Faria Bulcão se estabeleceu nas terras da paróquia de Nossa Senhora do


M onte do Recôncavo, fundada cm 1603, fazendo parte do famoso distrito açucareiro
de São Francisco da Barra de Sergi do Conde. O genealogista dessa fam ília — da qual,
aliás, ele mesmo descendia — afirm ou que Gaspar com prou nessa região uma grande
extensão de terras, em que instalou a capela de São José e os engenhos Cravaçu,
Q uicengue, São José, Novo, de Baixo, G uaíba, Cassarangongo, Pitinga, Queronte,
A cutinga e G uabinha, este últim o situado na península de Iguape, distrito de Cachoei­
ra. Ele e sua m ulher, G uiom ar, filha do capitão Balthazar da Costa, grande proprietá­
rio de engenhos na mesma paróquia, deram início a um a rica linhagem , que se desta­
cou nos séculos XVIII e XIX .26 Esse Gaspar de Faria Bulcão teria trazido dos Açores
o capital que valorizou nas terras férteis da Bahia? O historiador não esclarece. Mas é
verossím il, dada a rápida instalação de Gaspar como proprietário de terras e fundador
de engenhos.
Os Araújo Góis diziam ser de origem bretã, os Bulcão flam enga e os Sodré inglesa.
Estes consideravam -se descendentes de Fradique Sodré, que fora para Portugal duran­
te o reinado de Afonso V (1 4 3 2 —1481) e se tornara o prim eiro senhor de Águas Belas
em Ribam ar, distrito do bispado de Lisboa. M em bros da fam ília se destacaram, servin­
do ao Estado português: José Pereira Sodré foi governador da ilha de São Tomé, e
D uarte Sodré P ereira, cap itão -d e-m ar-e-g u erra e go vern ado r da C ap itan ia de
Pernambuco entre 1727 e 1737. O ramo baiano dessa fam ília teve início com o mestre
de campo Jerônim o Sodré Pereira (1 6 3 1 -1 7 1 1 ), q u e c h e g o u à Bahia por volta de 1660
e se casou com Francisca de Aragão, filha de um a das fam ílias maís poderosas do
Recôncavo.27
Vários membros da fam ília continuaram a servir ao Estado. Um dos netos de
Jerônim o Sodré Pereira foi m estre-de-cam po auxiliar e integrou o Conselho M unicipal
da cidade de Salvador. No século XVIII, alguns bisnetos — Jerônim o Sodré Pereira
(1 7 1 9 -1 7 9 0 ), João Sodré Pereira (1 7 4 5 -1 7 9 0 ), José Álvaro Pereira Sodré (1746­
1773), Jerônim o Sodré Pereira (1754—1808), Francisco Sodré Pereira (1758—?) c dc
Rodrigo Sodré Pereira (1 7 5 9 -1 7 9 3 ) — exerceram as funções de mestre-de-campo
auxiliar, de sargento-mor da cavalaria e de coronel da M ilícia.
As outras duas famílias escolhidas, Bittencourt (ou Bethencourt) e Berenguer,
tinham raízes profundas no Recôncavo, onde eram proprietárias rurais, mas sua im­
portância social era menor. Essa não é, evidentemente, a opinião dos seus genealogistas,
que lhes atribuem papel tão prestigioso quanto aquele dos Araújo Góis, dos Bulcão e
dos Sodré.28
f elix de Bittencourt c Sá, cavaleiro fidalgo da Casa Real, cavaleiro da Ordem de
Cristo c familiar do Santo Ofício, chegou â Bahia por volta de 1685, por razões
desconhecidas. Em 1688, casou com Catarina de Aragão Ayaia, viúva de Jorge de
Britto, que morava na paróquia dc São 1’cdro du Rio Fundo, no distrito açucareiro de
Santo Amaro. Os Bittencourt, que tiveram numerosos descendentes, instalaram-se em
outras áreas do próprio Recôncavo, como São Gonçalo, São Sebastião do Passé,
L t v r o III - A F a m í l i a B a i a n a 187

Sant A nna do C atu e ate mesmo Salvador, C ontudo, não há menção de que algum
engenho de porre tenha pertencido a essa fam ília. Pode-se especular que eles fossem
proprietários agrícolas de m edio porte, pois nenhum membro da fam ília recebeu título
de nobreza no século XIX. Alem disso, os B ittencourt não desem penharam papel
político im portante nas assem bléias Provincial e N acio n al.29
A fam ília B erenguer apresentava o m esm o perfil. Português de Funchal, com
ascendência espanhola, D iogo A ntônio de B itten co u rt Berenguer Cesar chegou à
Bahia na segunda m etade do século XVITI, tam bém sem que se saiba a razão de sua
vinda. Em 1760, casou-se na parp q u ia de Nossa Senhora do M onte do Recôncavo
com A na M aria Borges de Barros, filh a de A lexandre V az da Costa e de Josefa M aria
do Socorro Barros. Os dois m orreram em Salvador, Josefa em 1791 e Diogo cm 1805.
Seus descendentes residiram no Recôncavo e possuíram terras nas paróquias de Nossa
Senhora da P urificação, São Pedro do Rio Fundo, São G onçalo e Bom Jardim , todas
situadas no d istrito de San to A m aro , estendendo suas glebas para m ais longe, até
A lagoinhas (A greste d a B ah ia), São M ateu s (C ap itan ia do Espírito Santo) e Aracaju,
capital da C a p ita n ia de Sergipe. N enhum títu lo de nobreza foi atribuído à fam ília, que
só teve um representante na A ssem bléia Provincial, A ntonio B ittencourt Berenguer
Cesar, eleito d eputado em 1835 e 1 8 3 9 .30 Pelo jogo das alianças m atrim oniais, essas
duas fam ílias acabaram se torn an d o parentes das grandes fam ílias dos senhores de
engenho, com o Borges de Barros, A rgolo M enezes, Lopes V illas-B oas, Pires de Carva­
lho e A lbuquerque, A ragão, M o reira Pinho etc.
Q uais eram as práticas m atrim o n iais dessas quatro fam ílias? Aproxim avam -se do
modelo dos C o sta P into ou do dos A raújo Góis? A endogam ia de fia sse era tão
pronunciada aqu i q u an to nas outras fam ílias im portantes da B ahia: as pessoas se
casavam dentro d a m esm a categoria social. M as, e a endogam ia fam iliar? O caso da
fam ília C osta Pinto parece ser u m a exceção à regra. No que tange a cinco dessas seis
fam ílias, o percentual de endo gam ia fam iliar era relativam ente baixo (9% , em mé­
d ia).31 N ota-se tam bém que, para três dessas seis fam ílias, a endogam ia fam iliar esteve
ausente nas prim eiras gerações. Os casam entos entre prím os-irm ãos e entre sobrinhas
e tios sc m ultip licaram sobretudo no século XIX.
As fam ílias Bulcão, Sodré e B ittencourt, que apresentavam o mais fraco percentual
dc endogam ia, chegaram à Bahia mais ou menos ao mesmo tempo, isto é, na segunda
metade do século XVII. Duas delas, Bulcão e B ittencourt, se insralaram em terras
ainda pouco exploradas no século XVII, situadas na paróquia de Nossa Senhora do
M onte do Recôncavo, de onde foi desm em brada, no século XVIII, a paróquia de São
Pedro do Rio Fundo. A instalação dessas fam ílias na Bahia aconteceu num período de
depressão da econom ia açucareira. Isso não se deu no caso das fam ílias Berenguer e
Costa Pinto, que chegaram cin um período de nova expansão da cultura de cana-de-
açúcar. Além disso, as fam ílias qUe se instalaram na Bahia na segunda metade do
século XVII encontraram terras disponíveis no Recôncavo. As que chegaram no hm
do século XVIII se estabeleceram num Recôncavo dotado de grande densidade
10 B a h ia . S é c lto XIX

p o p u lacio n al, em que cada m etro q uadrado dc terreno tinh a que ser disputado. Nessas
circu n stân cias, a endo gam ia era o único m eio dc conservar os hens de um a família.
A exogam ia — não de classe, mas fam iliar — representaria um a estratégia m atrim o­
n ial q u e, m ais q ue a con servação dc bens, p o ssib ilita ria a aq u isição de bens ç
corresponderia a um a etapa dc co n qu ista, num m om ento em que os laços fam iliais
ain d a náo estavam so lid am en te estabelecidos.
A endo gam ia sc m anifestou na fam ília A raújo G óis — um a das m ais antigas da
B ahia — logo nas prim eiras gerações, m as no in ício essa tendên cia foi relativam ente
fraca, com parada ao que ocorreu nas três gerações q u e atravessaram o século XIX. No
início da colonização da B ah ia, q u an d o a in d a era p eq u en a a população de origem
européia, a en d o gam ia era quase indisp en sável. A pesar disso, no século XIX a incidên­
cia dessa p rática foi m aís acen tu ad a em rodas as fam ílias, pois nesse período a quan­
tidade de terras dispon íveis d im in u iu e a con dição de p ro p rietário agrícola passou a
conferir título s de nobreza aos q u e asp iravam por eles. A dem ais, a ativ id ad e açucareira
era econ om icam ente p restigiad a, ap esar da gran d e depressão por que passou esse setor,
sobretudo na segunda m etade do século.
O estudo gen ealó gico dessas seis fam ílias do R ecôncavo tam bém torna possível
avaliar, m esm o de form a ap ro x im ativ a, o p ercen tu al de celib ato e de m ortalidade
in fan til. Im pressiona, nesse caso, o alto p ercen tual de celib atário s em todas as fam ílias
estudadas, inclusive a C o sta P into, o q ue ev id en cia a p rática d a endogam ia. Na gera­
ção dos netos se en co n trava o m aio r p ercen tual de celib ato , exceto nas fam ílias Sodré
e C osta P into . E xcep cion alm en te, esse p ercen tu al podia a tin g ir até 90% da população
ad ulta. M as, com o o núm ero de gerações por fam ília sem pre foi m uito variável,
tentem os com parar apenas as três ú ltim as gerações que, de m odo geral, corresponderam
ao século XIX. , ? . . ■ ■
Foram celibatário s 4 2 ,0 % dos m em bros d a fa m ília A raújo G óis, 3 0 ,2 % da Bulcão,
3 3,3% da Sodré, 4 3 ,6 % da B itten co u rt, 4 1 ,8 % da B eren gu er e 2 5 ,7 % da Costa Pinto.
A m édia ficou em torno de 3 6 ,0 % , o que, aliás, co in cid e com os percentuais de
celibato encontrados para a p o pulação de Salvad o r. T an to nas zonas rurais quanto na
cidade, um pouco m aís de 1/3 dos adulto s perm aneciam solteiros.
Com exceção dos A raújo G óis e dos B ulcão, esse percentual era ainda mais acen­
tuado nas fam ílias menos endogám icas. T entarei explicar mais adiante essa discordância,
associando outros dados. A ntes dc m aís nada, com parem os o percentual dc endogam ia
e o dc celibato nas seis fam ílias estudadas,

t a n r. I. a o .

E n d o g a m ia n C kí .ih ato n a s S kis F a m í l i a s E s t u d a d a s ( % )

A raújo Gots B uicA o Sciiir C Ui [trn co u rt B kriínuúur C osta Pin io

Kndngami* 15,4 5.8 12,5 12.0 9,8 46,2____


C«l>b«o 42,0 30,2 33.3 43.6 41.8 25,7
L ivro III - A F amília B aiana 189

A endogam ia fam ílíar im pedia que o percentual de celibato fosse mais elevado?
O celibato era praticado por um ou pelos dois sexos? Vejamos.

TABELA 47

C a s a m e n t o e C e l ib a t o e n t r e H o m e n s e M u l h e r e s d a s S e i s F a m í l i a s E s t u d a d a s

A ra ú jo G ó is B u i.cA o SodrE B it t e n c o u r t B çrengijer C o s t a P into


C a s. C el . C a s. C el . C a s. C el . C a s. C el . C a s. C el , C a s. C el .
H om ens 29 12 68 28 19 11 11 12 41 35 16 8
M u lh e r e s 20 22 64 29 25 11 16 9 44 26 13 2
T o ta l 49 34 132 57 44 22 27 21 85 61 29 10

À prim eira vista, os resultados perm item afirm ar que os dois sexos praticavam o
celibato. M as um a análise m aís profunda, fam ília por fam ília, esclarece diferenças
relativam ente im portantes. Entre os A raújo Góis, por exemplo, 52,4% das mulheres
e só 29,4% dos hom ens perm aneceram solteiros; entre os Costa Pinto o celibato
m asculino era m aior, com 3 3,3% , contra 13,3% das mulheres. Essas duas famílias
apresentavam o m aior percentual de endogam ia fam iliar. Como explicar comporta­
mentos tão diferentes?
Em prim eiro lugar, em bora fixados no Recôncavo, tudo indica que no século XIX
os Araújo Góis não viviam apenas de atividades agrícolas. Desde a prim eira metade do
século, cerca de 38% dos homens dessa fam ília haviam efetuado estudos superiores,
iniciando carreiras como advogados, médicos, m ilitares ou altos funcionários. Entre os
Costa Pinto, em bora 9 dos 25 filhos tenham feito estudos superiores, nenhum deles
exerceu um a profissão liberal, nem seguiu carreira na m agistratura. A principal ativi­
dade continuou sendo a exploração agrícola. Aliás, dos nove filhos que fizeram estudos
superiores, três se tornaram engenheiros, especializados em agronomia, topografia ou
mecânica, profissões que podiam interessar ao bom funcionam ento da usina de açúcar
instalada em suas terras em 1880. Com o a atividade agrícola ficara em segundo plano
entre os Araújo Góis, o dote de suas filhas tornou-se mais difícil. Esta pode ter sido a
causa do número considerável de m ulheres dessa fam ília que permaneceram celibatá­
rias (é interessante notar que o genealogista da fam ília — o mesmo da fam ília Bulcão
— não citou nenhum nom e de engenho que tenha pertencido aos Araújo Góis; o cia
dos Costa Pinto, m arcado por casamentos endógamos, tinha, como vimos, onze enge­
nhos, todos situados em ricas terras de massapê nos distritos de Santo Amaro, Ca­
choeira e Água Fria). t
Essa hipótese é corroborada pela análise das razões que levaram o imperador a
conceder títulos de nobreza a alguns membros dessas famílias. Somente dois Araújo
Góis receberam esses títulos: Inocêncio M arques, Barão de Araújo Góis, magistrado
e político, e seu irm ão maís moço, Antônio Calm on, que preferiu permanecer em
suas terras para fazè-las frutificar e se tornou Barão de Camaçari. A fam ília Costa
190 B a h ia , S éculo XIX

Pinto recebeu três títulos de nobreza, todos como recom pensa à sua im portante ati­
vidade agroindustrial. A ntônio da C osta Pinto se tornou V isconde (e depois Con­
de) de Sergim irim , seu Pilho A ntônio (d ito T otôn io) da C osta Pinto recebeu o títu­
lo de V isconde de O liveira e seu irm ão, M anoel da C o sta Pinto, foi feito Visconde
de Aram aré, nome do engenho que possuía. Além disso, Cícero D antas M artins,
um dos genros dos C osta Pinto, associado a seu sogro e a seu cunhado na instala­
ção da usina central de Bom ja rd im , recebeu o títu lo de Barão de jerem oabo, nome
de um a localidade do Agreste baiano, cm que os D antas possuíam m uita terra.
As fam ílias cujos filhos faziam estudos superiores — com o A raújo Góis, Bulcão e
Sodré — desem penhavam o principal papel no plano po lítico, com representantes nas
assem bléias Provincial e N acional, no E xecutivo e n a m agistrarura. Assim , ao lado do
forte percentual de celibato, havia igu alm en te um forte percentual de jovens que
abandonavam as atividades agrícolas pelas do setor terciário.
Q uanto à m o rtalidade in fan til, a irregu larid ad e dos registros fam iliais dificulta a
interpretação. Exceto para as fam ílias A raújo G óis e C osta Pinto, os percentuais muito
baixos de m ortalidade in fan til registrados alhures levam a crer que houve sub-regis-
tros. D urante todo o século XIX, a m o rtalidade infan til beirava 30% a 35% , o que
coincide com os resultados obtidos em m inhas análises precedentes. O utros 35%
m orriam celibatários. O grande núm ero destes leva a pensar que os casamentos
endógamos talvez fossem uniões forçadas, T eria realm ente sido o caso?
A autoridade paterna reduzia as m ulheres ao estado de eternas menores, condena­
das a passar da subm issão ao pai à subm issão ao m arido, sem conseguir um a autono­
m ia real. Excluídas da vida social, dos banquetes e das conversas oficiais, as mulheres
ou donzelas de boa fam ília raram ente saíam de casa, e nunca o faziam sozinhas.
Acompanhadas, iam à Igreja e ao baile. Com o as donzelas tinham m uito poucas
ocasiões de encontrar pessoas, a escolha do m arido acabava por se restringir ao círculo
fam iliar, pois seu contato com o m undo se resum ia a primos e tios. Nesse contexto,
estabeleciam-se fortes laços afetivos tntraíam iliares, fazendo com que, m uitas vezes, os
desejos dos filhos coincidissem com os dos pais.
Para as moças, a situação de celibatária era penosa. Ficavam, nesses casos, ao
encargo de um irmão ou irmã, educando os filhos dos outros, num a sociedade que
prestigiava fortemente a m aternidade, a criação dos próprios filhos e a boa adm inistra­
ção de um lar. Os homens eram , quase sempre, economicamente independentes. Um
homem celibatário podia ter o prazer de ser pai, procriando fora de qualquer laço
familiar. Por exemplo, entre oito celibatários da fam ília Costa Pinto, dois deixaram
filhos naturais, c seis dos dezesseis homens casados deixaram uma descendência ilegí­
tima; entre estes, três-casaram com primas-irmãs e não tiveram filhos.32
Nessa época, aliás, a maior parre dos filhos era dócil, e o apoio familiar era
necessário durante toda a vida. Privar-se dele eqüivalia, no caso dos homens, a privar-
se de todas as relações sociais necessárias a uma carreira; no das mulheres, a abdicar de
uma vida honrosa. Para elas, o celibato só podia ser encarado como um sacrifício de
L i v r o 111 - A F v v a i \ B a i a n a 191

moça sem dote. M anter boas relações com a família era fundam ental para preservar
sua pane da herança fam iliar.
A endogamia fam iliar desses enobrecidos baianos sc ligava, portanto. a im perati­
vos econômicos, l/ma verdadeira endogam ia de classe estreitava os laços que já exis­
tiam naturalm ente entre os membros das cam adas dom inantes da sociedade. Graças a
essa coesão sem falhas', os proprietários de terras conservavam seus privilégios, fazen­
do com que sc impusesse à adm iração dos baianos a imagem dos ‘barões do açúcar’
todo-poderosos — uma imagem que tinha várias facetas pois, já o disse antes, nos
séculos XVIII e XIX um com erciante bem -sucedido podia tornar-se senhor dc enge­
nho, com prando terras ou se aliando, pelo casam ento, às grandes famílias da região.
Assim, sangue novo e dinheiro renovavam constantem ente uma classe social cujas
atividades estavam sujeitas a flutuações econôm icas im previsíveis. No decorrer do
século XIX esse mecanismo perdeu eficácia, no que diz respeito à renovação dos
senhores de engenho, que passaram a fortalecer os laços de solidariedade no próprio
interior do grupo. '
Existiram três razões para essa situação. A prim eira: desde a Independência, m ui­
tos portugueses retornaram ao seu país. para fugir da hostilidade dos brasileiros, que
os consideravam açam barcadores e aproveitadores. Foi inevitável adm itir que a vida
econômica de Salvador e do Recôncavo sofreu m uiro com a evasão dc capitais, relacio­
nada a esse processo. O governo im perial expulsou numerosos comerciantes portugue­
ses mas, cm seguida, os senhores de engenho consentiram em que eles retornassem,
para lutar contra o monopólio inglês c para proreger sua fome dc abastccimenro de
escravos africanos, cujo tráfico estava ameaçado pela ação da Inglaterra. O retorno dos
portugueses ao Brasil — agora como estrangeiros — recomeçou por volta dos anos
1 83 5-1 84 0, mas a maior parte deles não escondia o desejo de enriquecer e regressar
à pátria quando chegasse a velhice. Por isso, freqüentem ente esses novos imigrantes
permaneciam celibatários. Por outro lado, os ingleses tiraram o maior proveito da
abertura dos portos aos comeciantcs estrangeiros, decretada cm 1808. Importação,
exportação e navegação passaram a partir daí, pouco a pouco, das mãos dos portugue­
ses à dos estrangeiros, sem contar com os brasileiros, igualm ente tentados pelo comér­
cio de varejo. Em 1854, 83,6% dos comerciantes eram portugueses. Em 1873, eles
não passavam dc I 1,1%/*3
A esse primeiro problema acrescentou-se um segundo, em 1850, com a abolição
definitiva do tráfico. Portugueses e brasileiros tinham sido muito atuantes nesse ramo,
trocado por atividades comerciais mais modestas, como a distribuição de mercadorias
importadas por firmas estrangeiras.*4 Tornaram-se intermediários dc um comércio
controlado por estrangeiros e passaram a emprestar dinheiro aos pequenos varejistas
da capital ou do interior, tornando-se indispensáveis a seus clientes. O comércio
intcrprovincial dc alimentos permitiu que mantivessem laços estreitos com os senhores
de engenho, levando ao mercado a produção destes c abastcccndo-os coin toda especie
de produtos. Continuaram , enfim, a desenvolver atividades típicas de um capitalismo
192 B a h ia , S écu lo X I X

com ercial arcaico e especulativo, mas sem o brilho de outrora. Alguns se achavam à
frente de em presas que tentavam m odcrrtizar-sc, como certas indústrias têxteis ou
bancos. M as tam bém aí a especulação era m ais forte: os fundadores da fábrica de
tecidos se desinteressaram por ela e os banqueiros retiraram os capitais de seus bancos
por acharem suficientes os lucros, sem que houvesse preocupação com o provável
desm oronam ento do trabalho executado nos anos anteriores.35
U m a terceira explicação pode ser enco ntrada na perm anente crise açucareira, que
não incitava m ais à com pra de engenhos. T ornou-se m u ito m aís interessante investir
na com pra de bens im o b iliário s urbanos ou de apólices d a d ívid a pública, que tinham
m aior liqu id ez. Os raros portugueses que se casaram no Brasil escolheram filhas de
com erciantes ou de patrões q u e podiam ajudá-lo s em suas carreiras,36 De qualquer
m aneira, tom ados estrangeiros no B rasil, os portugueses passaram a ter que se natura­
lizar para poder receber título s de nobreza. N a m aio r parte dos casos eles se contenta­
ram , desde então, em receber condecorações liso njeiras.
A Bahia co n tin u o u a assistir à alian ça dos grandes negociantes e dos senhores de
engenho. M as o co n tigen te p o rtuguês não se renovava m ais entre a população local, e
eram grandes os sacrifícios im postos pela necessidade de conservar o prestígio social
que advinha da popriedade de terras açucareiras. A p artir dos últim o s trinta anos do
século XIX, os filhos e filhas dessa velh a aristocracia ru ral com eçaram a se casar com
filhos de profissionais liberais, funcio nários ou m agistrados não são necessariamente
aparentados com as grandes fam ílias do R ecôncavo. A sociedade m udou em proveito
desses recém -chegados. A B ah ia assistiu baianos oriundos do in terio r, ou até mesmo
de outras províncias, assum irem o controle da boa sociedade de Salvador, outrora
com andada pelos orgulhosos senhores de engenho do Recôncavo.

E st r a t é g ia s M a t r im o n ia is d o s B a ia n o s A l f o r r ia d o s

No outro extrem o da escala social, os alforriados form avam um grupo cada vez mais
numeroso, pois o núm ero de alforrias aum entou consideravelm enre no decorrer do
século XIX. Já descrevi as fortes tendências à endogam ia étnica desse grupo, estratégia
m atrim onial evidente, tanto para as uniões livres quanto para os casamentos legais.
M as, além da evidente preocupação em preservar a originalidade do grupo, que causas
incitavam antigos escravos, habituados ao celibato, a se unir quando reencontravam a
liberdade? O desejo dc constituir fam ília é um a explicação insuficiente, pois já de
monstrei que os casais alforriados tinham poucos filhos. D e v e haver outras razoes
talvez um desejo de ajuda m útua e dc solidariedade num am biente manifestamente
hostil a esses estrangeiros. Algumas estórias individuais, curtas mas sugestivas, ajudam
a aprofundar melhor esse universo.
O antropólogo Luiz M ott encontrou recen tem ente na Bahia um documento muito
revelador, q u e atesta a in flu en cia do grupo étnico na escolha de um parceiro. Trata
L m t o III - A F amília B alana 193

se de um a queixa feita ao arcebispo-prim az por um negro alforriado, nascido no Brasil,


que tinha concluído as negociações necessárias para casar-se com a filha de uma
africana nagô. Esta últim a o acusava de ainda ser escravo e, além disso, casado; o
queixoso afirm ava que essas alegações eram falsas. Ele explicava que vivia na casa da
futura sogra e já m antinha relações sexuais com sua prom etida m ulher, que desejava
casar-se com ele: mas, por influência da com unidade, a ‘sogra’ desejava que a ‘donzela’
se casasse com um nagò. _
Neste caso, é evidente a interferência da fam ília étnica, que pretendia impor sua
própria estratégia m atrim onial até a jovens negros brasileiros. Q uando se tratava de
africanos adultos, esse tipo de problem a não era colocado da mesma m aneira. M as é
facil perceber qual era a escolha livrem ente consentida na m aior parte desses grupos.
O perfil do parceiro procurado em cada caso pode ser elucidado por algum as estórias
de negros que fizeram testam entos na Salvador do século XIX.
M aria de A raújo R ibeiro, por exem plo, ‘m ulher negra’, originária da Costa da
M ina, chegou ao Brasil criança, sendo vendida como escrava. Por volta dos cinqüenta
anos, conseguiu libertar-se e se casou com Silvestre de Araújo Ribeiro, africano tam ­
bém alforriado. Em testam ento redigido após sua viuvez, ela declarou ter tido dois
filhos quando ain d a era celibatária. Ambos haviam falecido, mas um deles deixara um a
filha, A na F lo rên d a de A ndrade, casada com Luiz Gonzaga de Barros, sargento-mor
das ‘entradas e assaltos’.38 Esse jovem casal foi designado como legatário universal de
M aria. Nesse testam ento, A na F lo rên da foí cham ada de ‘dona’, tratam ento habitual­
mente reservado àquelas cujo m arido ou paí ocupavam um a posição social reconheci­
da. O m arido de A na F lo rên d a fora com andante de um grupam ento param ilitar cuja
função principal era capturar escravos fugitivos. Esses chefes de patrulha eram geral­
m ente recrutados entre os m ulatos.
Ana M aria da Silva Rosa, africana do “povo d a G uiné”, declarou em testamento
ter se separado do m arido, M athias de Souza, que nada tinha trazido à com unidade
conjugal na ocasião do casam ento e que tinha desperdiçado os bens da m ulher com
concubinas. ^
Rafael C ordeiro, africano da Costa da M ina, se casou com Josefa do Rego, africa­
na jeje, mas não tiveram filhos. Em seu testam ento, Rafael declarou que todos os bens
do casal haviam sido adquiridos por sua m ulher antes do casam ento.40 No ano seguin­
te, quando morreu seu m arido, Ana Josefa ditou um testamento, concedendo liberda­
de a seus quatro escravos c escolhendo como herdeira sua antiga escrava Felicidade,
agora alforriada, jeje como cia.41
Joaquim M onteiro dc Santa Ana. negro nascido no Brasil, cego. casado com
Brigida de Santa Rita Soares, negra também brasileira, declarou viver da esmola dos
fiéis e dos bens dc sua mulher ("ele nada tem que lhe pertença”).42 Nove anos mais
tarde, Brigida redigiu seu próprio testamento, no qual declarou ser proprietária de
duas casas, situadas em ruas importantes da cidade, a da Ajuda, na paróquia da Sé, e
a do T angui, na paróquia dc Sant'Anna. Além disso, deixou numerosas jóias de ouro
194 B ah ia , S éculo X I X

e prata. Seu legatário universal foi V icente Ferreira, filho de sua escrava M aria, que
Brigida tinha educado e libertado gratu itam ente.43
M ariana Jo aquina da Silva Pereira, africana da C osta da M ina, casou-se com José
Antônio de Etra, africano da m esm a região. Em 1810, ela o instituiu legatário univer­
sal de seus bens, que haviam sido "adquiridos por ele e a ela doados por causa do amor,
da fidelidade e do zelo que ele sempre me dispensou e do bom casal que formávamos”,
diz ela.44 Tendo enviuvado, o m arido fez red igir seu testam ento em 1826, após ter
sido obrigado a vender um a grande parte de seus bens duran te as guerras da Indepen­
dência, para poder nutrir os 22 escravos que possuía. Legou a eles a pouca fortuna que
lhe restava.45
Esses cinco exemplos poderiam ser m u ltip licad o s, mas acho que são bastante
reveladores das razoes que levavam esses alforriados a se casar. O casam ento era um
acordo de entendim ento e ajuda m útua, visando a m elhorar a q ualidade de vida dos
dois parceiros. A partir do m om ento em que os dois cônjuges encontrassem vantagens
e garantias na vida com um , não im portava que os bens estivessem repartidos de
m aneira desigual: a m ulher buscava o apoio de um a presença m asculina, tão necessária
nessa sociedade em que o verbo ‘poder' se con jugava no m asculino; o homem, fre­
qüentem ente desprovido de bens, trocava, sem problem as, esse apoio por sustento.
O casamento dos africanos entre si, num am biente profundam ente hostil, estreitava os
laços de solidariedade e ajudava a sobrevivência do grupo e dos indivíduos.
Os objetivos das alianças m atrim oniais aparecem aqui tão concretos, tão bem
adaptados à condição social desses alforriados, quanto apareciam no caso das altas
camadas da sociedade baiana. C o incidên cia de objetivos, coincidência dos métodos
adotados para alcançar esses objetivos. O que im portava era a confiança e a ajuda
m útua, que tornariam possível a sobrevivência m aterial e cultural do grupo. Dois
grupos tão opostos (de um lado, aristocratas aparentados a senhores de engenho e, de
outro, ex-escravos) defendiam valores quase idênticos, com meios bem adaptados:
para os alforriados, o essencial era, sem dúvida, a sobrevivência m aterial, sem a qual
nada maís era possível. Precisam ente deste ponto de vista, as confissões que aparece­
ram no testamento de Ana M aria da Silva Rosa foram m uito claras: o marido não
ajudou a aum entar ou preservar os bens do casal. M ais grave: ele colocou em perigo a
associação conjugal, dilapidando com concubinas os bens adquiridos com dificuldades
por sua mulher. Um perigo duplo, que aviltava o casam ento, única instituição do
mundo branco que perm itia, ao alforriado, inserir-se na sociedade, conquistando um
lugar reconhecido.
Existia, e n tretan to , u m a fonte de novas tensões: os filhos desses alforriados, que
representavam para seus pais um verd ad eiro in v estim en to social. Os filhos dos africa­
nos náo eram m ais estrangeiros; os filhos d e negros alforriados já nasciam livres e não
tin h am mais a tara o rig in al d a escravidão. A d em ais, eles p o d iam tornar-se para seus
pais, já velhos, u m a fonte de renda, trab alh an d o e trazendo seu salário p ara o grupo
fam iliar. M as, esses filhos q u e já nasciam livres eram um elem ento q u e d ilu ía a coesão
L ivr o III - A F a m ü ia B aian a 195

dos grupos étnicos. T ão coerentes no início do século, tão chegados às etnias de


origem , esses grupos não sc renovaram c acabaram desaparecendo. Foram substituídos
por grupos negros dc etnias m isturadas, que, para ascender, precisaram recusar essas
tradições, outrora bem protegidas. A herança africana só sobreviveu no candom blé,
relativam ente pouco freqüentado ate a explosão de formas alternativas dc religiosidade
a partir da década de 1960. Na segunda m etade do século XIX, a m aioria dos baianos
descendia de alforriados, tendo recebido duas heranças: a tran sm itida pelos antigos
escravos e a copiada do m odelo im posto pelos senhores dc engenho. As m ulheres,
através desses dois m odelos, co n tin u aram a desem penhar seu papel. A coesão dos
grupos e a m o b ilid ad e social sem pre resultaram de alianças m atrim o n iais, com suas
estratégias tão flexíveis q u an to obstinadas. A fam ília, com o o Estado e a Igreja, con­
tinuou a d eterm in ar a vida dos b aian os, p ara o m elho r e o pior.

R a pt o s e E s t u p r o s ( o u C o m o T e n t a r se L ib e r t a r
de R e g r a s I m p o s t a s pe la I g r e ja e a F a m íl ia )

Havia, porém , im p ed im en to s para a realização de casam entos, m esm o quando deseja­


dos pelos dois parceiros. A Igreja p o d ia proibir, ou u m a das fam ílias podia im pedir que
seu filho ou filha entrasse num grup o fam iliar considerado socialm en te inferior. A liás,
a prim eira razão p o d ia d issim u lar a segu n d a, e vice-versa.
A Igreja tin h a u m a série de m otivos para p ro ib ir casam entos, entre os quais
aqueles ligados à cognação.^6 Para a Igreja, existiam três tipos de cognação: natural,
quando os futuros cônjuges eram parentes consangüíneos até o quarto grau; espiritual,
quando havia laços entre os futuros cônjuges, fosse pela aproxim ação de suas fam ílias,
fosse pelos sacram entos do batism o e da crism a; legal, quando, por exem plo, um filho
adotivo preten dia se casar com um filho da fam ília que o adotara. Esses dois últim os
tipos de cognação criavam laços tão fortes quanto a con sangüin idade real, como o
mostra o valor atrib uíd o a padrinhos c m adrinhas.
O utra situação suscitava a interdição da Igreja — a afinidade. C om efeito, pelo
casamento o hom em e a m ulher contraíam afinidades com todos os parentes consan-
güíncos de ambos, até o quarto grau. Para poder casar com um a prim a-irm ã, uma
afilhada do pai ou um a irmfi adotiva, era necessário obter a perm issão da Igreja. Esta
proibia casam entos consecutivos a um rapto {aliás, as constituições prim eiras do
arcebispado de Salvador não faziam diferença entre rapto e estupro); para reparar a
falta com etida, era preciso pedir perm issão.
É fácil im aginar o quanto essas proibições deviam causar embaraços na sociedade
baiana, em que as alianças m atrim oniais c os apadrinham entos eram a chave do êxito
social. Em todos os meios sociais, essas estratégias de alianças produziam im ensa
dim inuição do núm ero dc pessoas (jovens ou mais idosas) não ‘im pedidas’, com os
quais não havia problem as dc afinidade ou cognação.
196 B a h ia , S éculo X I X

Na segunda metade do séxulo XIX, o tabu do incesto começou a se propagar: os


casamentos entre primos próximos (prim os-irm ãos, primos de prim eiro grau, primos
‘carnais’, segundo as definições canônicas e civis) e entre tios e sobrinhas suscitavam
m uito medo: ‘taras de fam ília’, debilidade m ental, inclinações para desvios de conduta
ou infidelidades fem ininas. D aí surgiu o ditado de que “m ulher e cachorro se escolhe
pela raça”. Idéias como esta contribuíam para que as pessoas aceitassem mais facilmen­
te as proibições impostas pela Igreja. M as elas continuavam a ser desrespeitadas; só na
paróquia de São Pedro, 145 dispensas por consangüinidade e vinte dispensas por
afinidade foram outorgadas entre 1815 e 1890. Aliás, como já vim os para as classes
sociais elevadas, o tabu do incesto nao acabou com as práticas endogâm icas; os inte­
resses m ateriais eram m uito fortes para que considerações de ordem m oral e até de
saúde pudessem sobrepujá-los. De qualquer m aneira, quando havia rapto ou estupro,
as vítim as eram as m ulheres, sobre quem recaía a falta. -
A moça que, apesar das proibições, tivesse “pecado”, era trancada num conven­
to ou num a casa dc correção, sempre dirigidos por religiosas que se dedicavam à
regeneração das “perdidas ou extraviadas”.47 O prim eiro convento fem inino, Santa
Clara de Nossa Senhora do Desterro, data de 1677, fundado pelos senhores de en­
genho para suas filhas. M as, 23 anos m ais tarde, João de M attos A guiar deixou à
M isericórdia um capital de 8 0.00 0 cruzados, que devia servir à construção e ao sus­
tento de uma Casa de R ecolhim ento colocada sob a proteção do Santíssim o Nome
de Jesus. Inaugurada em 1716, acolhia moças de fam ílias da classe m édia, em idade
de casar e cuja honra estivesse am eaçada pela m orte de um ou dos dois progenito-
res. Essas moças recebiam um dote ao casar. H avia um segundo grupo de mulheres,
constituído por aquelas cujos m aridos deviam se ausentar durante m uito tempo. ‘Re­
colhendo’ suas mulheres, os m aridos garantiam sua fidelidade.48 Em 1739, as religio­
sas ursulinas fundaram a Casa de Recolhim ento de Nossa Senhora da Soledade, para
prostitutas arrependidas e para jovens extraviadas. F inalm ente, em 1753, o sargen-
to-mor Raimundo M aciel Soares fundou a Casa de Recolhim ento de São Raimundo,
que acolhia mocinhas pobres e desam paradas. Segundo o ínstituidor dessa funda­
ção, a Casa de Recolhim ento recebia “não som ente as jovens que, vítim as da sedu­
ção do mundo, reassumem seus nobres sentim entos da virtude buscando volunta­
riamente este pio asilo, mas, tam bém, órfãs e moças cuja pobreza as expõe aos perigos
da corrupção”.49
D urante o século XIX, essas in stitu içõ es ex istiram e até floresceram em Salvador,
d esem penhando um d u p lo papel: eram , ao m esm o tem po, instituições ‘preventivas
(que acolhiam m oças órfãs ou sem parentes, por d e m ais expostas ás tentações) e
educativas . Em um dos colégios m ais famosos, o do Sagrad o C oração d e Jesus,
fundado pelo padre hrancisco G om es em 1827, as m oças reclusas ap ren d iam “a reli­
gião, a moral, a leitura, a escrita, as línguas portuguesa e francesa, todas as prendas
domésticas, trabalhos d e ag u lh a e outros próprios a seu sexo e de sua condição de
pobreza, até m esm o os de lavar, passar e cozánhar”. Q u a n d o sua educação se com ple­
L iv r o III - A F a m ília B aiana 19 *

tava. eram colocadas com o em pregadas dom ésticas em casas de fam ílias honestas.
Q uando se casavam , recebiam um enxoval m odesto e um dote de 3 0 0 ,0 0 0 réis.50
H avia um esforço para separar as Casas dc R ecolhim ento — como as de São Raim undo,
Nossa S en h o ra dos Perdões e N ossa Senh ora dos H u m ildes — , freqüentem ente
dedicadas a receber m ulheres perdidas, e os asilos ou colégios que recebiam , como
internas, tan to m oças pobres, geralm en te órfãs, q uan to moças de fam ílias da classe
m édia, que ali eram educadas. E sperava-se, assim , afastar os perigos que poderiam
advir de um a p ro m iscu id ad e entre m ulheres da v id a e jovens inocentes.
Todas as casas de reco lh im en to e colégios eram d irigid o s por freiras. As casas de
São R aim u n d o , dos Perdões e dos H u m ild es estavam sub m etidas à autoridade do
arcebispado da B ahia. A d a S an ta C asa da M isericó rd ia desapareceu em 1866 (após
um século e m eio de serviços) por falta de recursos. Os asiios-colégios do Coração de
Jesus, a C asa da P ro vid ên cia e a de N ossa Senh ora dos A njos (esta ú ltim a só funcionou
entre 1855 e 1 860) foram ad m in istrad o s pelas religiosas de São V icente de Paula,
chegadas à B ah ia em 1 8 5 3 . O C o lég io de N ossa Sen h o ra da Salete, por sua vez, foi
adm inistrado pelas religio sas po rtuguesas da O rdem d a A ssunção. A Igreja, por con­
seguinte, estava presente em toda p arte. M as, ao passo que para a m u lher só existiam
perspectivas de p u n ição ou de segregação, para os hom ens suspeitos de terem com eti­
do estupro havia duas p o ssib ilid ad es: a de um casam ento forçado com a vítim a e a de
um casam ento ráp id o , com o u tra m u lh er, antes de o escândalo vir à rona. Nessas
circunstâncias não era raro que o cu lp ad o fosse ob rigado, por sentença ju d icial, a pagar
um dote à m u lh er u ltrajad a , con fo rm e previsto nas O rdenações F ilipin as; podia tam ­
bém acontecer que, m ais tarde, com a ‘h o n ra restau rad a’ pelo casam ento forçado, o
hom em repudiasse sua m u lh er, sob o pretexto de q ue desconfiava de sua honestidade.
A m ulher p o d ia ser rep u d iad a pela p rópria fam ília, o que talvez explique o caso das
m ulheres celib atárias brancas, com filhos, vivendo sozinhas, que descobri ao estudar a
estrutura dos casais em Salvado r. O dote p o d ia servir, even tualm ente, para que a moça
se casasse novam ente.
O rapto e o deflo ram en to eram utilizados pelos próprios nam orados, para forçar
o consentim ento de pais rccalcitrantes. C o m o isso se passava na Salvador do séctilo
XIX? Consegui enco ntrar um com eço de resposta a essa questão ao exam inar as dis­
pensas para casam entos, pedidas â Igreja pelos habitantes da paróquia de São Pedro
entre 1815 c 185K),51 As dispensas eram solicitadas prin cipalm ente nos casos dc im pe­
dim ento causado por um a afinidade espiritual entre os futuros cônjuges (por exemplo,
padrinhos de batism o com uns) ou cm casos dc consangüinidade. A dispensa da Igreja
era necessária, tam bém , em caso de estupro ou de rapto.
N a prim eira m etade do século XIX, essas dispensas por rapto ou estupro foram
inexistentes, ou raras, mas, a partir dc 1854, começaram a sc m ultiplicar. Como
explicá-lo? N um erosas hipóteses poderiam ser formuladas, mas os exemplos de que
disponho são por dem ais lim itados para gerar um a explicação convincente. A hipótese
mais plausível parece ser a seguinte: durante a prim eira metade do século XIX, os
198 B a h ia , S é c u l o XIX

TABELA 48

P e d id o s de D is p e n s a d e C a sa m e n to na P a r ó q u ia de S ao P edro
1 8 1 5 -1 8 5 4 e 1 8 7 1 -1 8 9 0
Períodos C onsangüinidade AUNIUADP. Rapto Estupro
1815-1824 10 4 - -

1825-1834 12 1 3 -

1835-1844 27 5 2

1845-1854 24 - 2 6 1

1871-1880 34 2 13 10

ÍSSI-1890 38 6 9 13

raptos e estupros teriam sido sub -registrados. O crescim ento verificado por volta do
fim do século talvez tenh a deco rrid o de um m aio r rigo r por parte da Igreja, menos
in clin ad a a perdoar atos con trário s à sua m oral: ela passou a im por longos processos,
cu ja conclusão era im previsível, tan to para os futuros cônjuges quanto para suas fam í­
lias. A dotando essa atitu d e, a Igreja criou, ao m esm o tem po, a possibilidade de regu­
larizar situações que talvez tivessem red u n d ad o em uniões livres, pois o núm ero de pais
celibatários au m en to u d u ran te a segu n d a m etade do século.
Q ue pessoas com etiam esses atos de rapto e estupro? Infelizm ente, os pedidos de
dispensa não revelam gran d e coisa. Eles geralm en te in clu íam os nom es dos requeren­
tes, sua filiação (leg ítim a ou n a tu ral), raram en te sua idade, sua religião, seu estaturo
ju ríd ico (escravos ou alforriados), às vezes sua cor e o nom e dos pais.
D urante todo o período coberto pelos dados (1 8 1 5 —1854 e 1871—1890), raptos e
estupros parecem ter ocorrido apenas entre a população livre, que provavelmente
inclu ía os libertos. Esbarram os novam ente num caso de sub-registro, pois é difícil
ad m itir que a população escrava nao praticasse estupros. M as o escravo era como
era”. Seus atos nao podiam envolver hom ens livres, nem prejudicar o conjunto da
sociedade. Com o o casam ento não era a norm a para as associações conjugais entre
escravos, o poder eclesiástico nao dava im portância ao fato de que tivesse ou não
havido estupro.
Só as pessoas livres tinham o privilégio de preocupar a Igreja! A grande maioria
dos casos em que a cor dos peticionários foi registrada referia-se a homens não bran­
cos, com nítida predom inância de m ulatos: três raptos envolveram parceiros brancos,
. i c /
só um envolveu negros (que, aliás, eram nascidos no Brasil) e cinco eram mulatos, oo
um estupro dizia respeito a brancos, dois a negros nascidos no Brasil, nove a mulatos
e um envolvia um m ulato e unia negra. Os atos devassos eram cometidos contra
pessoas da mesma cor. Não há registro de caso de m ulher branca vítim a de um homem
de cor (lembremos que entre a população de cor se encontrava o m aior n u m e r o de
famílias consensuais). Tratar-se-ia dc um modelo de comportamento? Não se deve
generalizar, diante de um número de exemplos tão reduzido. Uma resposta conclu-
L i v r o III - A Fam ília. B a ia n a
199

dente só poderia advir de um estudo sobre o conjunto das dispensas outorgadas no


sécuio XIX em Salvador. ■
Esses atos eram praticados por hom ens e m ulheres oriundos de fam ílias legalm en­
te constituídas ou naturais. Os registros tratam de quatro rapazes de filiação legítim a
que seqüestraram m ocinhas, filhas naturais, talvez com intenção de forçar os pais a
aceitar, na fam ília, um a jovem de condição social inferior, ou cuja pele fosse mais
escura. Q uanto aos estupros, parece ser o contrário: rapazes de filiação natural estupra­
vam moças de filiação legítim a. M as os dados de que disponho sobre essa questão não
são mais num erosos, em relação às m ulheres, que aqueles que dizem respeito aos
raptos. Nao pude, por isso, satisfazer m in h a curiosidade.
A idade dos requerentes foi fornecida cm quatro dos nove raptos registrados no
período de 1 8 8 1 -1 8 9 0 : a m édia de idade era de 2 0,5 anos para os homens e 19 anos
para as moças, m uito inferior à idade m édia com que os baianos se casavam (respec­
tivam ente, 28 e 24 anos). Isso fortalece a idéia de que os raptos eram cometidos para
forçar as fam ílias a aceitar os casam entos, mas esta é um a conclusão não demonstrada,
dado o pequeno núm ero de casos conhecidos. N otem os ainda que em dois desses
raptos (para os quais a idade dos parceiros não foi fornecida) os docum entos declaram
que houve im pedim en to: um por afinidade ilícita de prim eiro grau em linha transver­
sal; outro por co n san güin idade de segundo grau em prim eira lin h a lateral igual.
De q ualqu er m aneira, raptos e estupros eram práticas correntes em Salvador,
sobretudo entre a população de cor, m ajoritária. M as, infelizm ente, os documentos
não indicam a q u alid ad e dos requerentes — sobretudo no que diz respeito aos rapazes
— e de seus pais, o que teria p erm itid o saber em que cam adas da população de cor rais
atos eram com etidos. Q uando um rapto ou um estupro ocorria envolvendo dois
jovens, a m oça era enclausurada num asilo ou o casam ento era precipitado, para
‘restaurar a honra da fam ília’ o m ais rapidam ente possível.
Assim se casavam os baianos: todas as estratégias, doces ou violentas, que acabo de
estudar eram o preço cotidiano que as fam ílias pagavam por viver num a terra em que o
sangue é quente, mas em que os individualism os e os lim ites impostos pelas mentalidades
acabavam por criar um a sociedade relativam ente harm oniosa. Nela, celibatos forçados,
casamentos (arranjados ou livrem ente consentidos), divórcios (às vezes extorquidos),
eram freqüentem ente efetuados à revelia das m ulheres, mas a m aioria dos casais sabia
construir um a vida equilibrada e educar da m elhor m aneira possível filhos que amavam.
M as, em que am biente viviam essas fam ílias com estruturas tão originais? Como
organizavam sua vida cotidiana? Dc que m aneira e a que preço nasciam as relações
sociais que m antinham a coesão c a paz num a sociedade aparentem ente sujeita a graves
tensões, mas habilidosa em evitar confrontos dolorosos? Que gênero de concessões
deviam ser aceitas para galgar a escala social? São perguntas para as quais não é fácil
encontrar respostas. Espero que elas me permitam evidenciar alguns traços dessas
m entalidades coletivas, em torno das quais se organizava um a sociedade dotada de
componentes tão ricos e tão diversos. ■ . ! .
C A P Í T U L O 12

A F a m í l i a B a i a n a e a s R e l a ç õ e s S o c ia is

O p a p e l q u e as f a m ília s d e s e m p e n h a v a m n a e d u c a ç ã o n ã o p o d e ser e s q u e c id o . A té a
I n d e p e n d ê n c ia , as in s t it u iç õ e s r e lig io s a s p r a t i c a m e n t e m o n o p o liz a v a m a instrução,
s o b r e tu d o n o n ív e l s e c u n d á r io , O p r im e i r o I m p é r io c r io u , a q u i e a li, cátedras de
g r a m á t ic a , la t im , g r e g o e fr a n c ê s . M a s só n o s e g u n d o I m p é r io , e m 1 8 3 4 , o A to A d i­
c io n a l a u t o r iz o u as a s s e m b lé ia s le g is la t iv a s d as p r o v ín c ia s a e la b o r a r leis co n cernen tes
ao e n s in o d e n ív e l p r im á r io e s e c u n d á r i o . 1 E m 2 2 d e a b r il d e 1 8 6 2 , ap ó s d o is anos de
d iscu ssõ es, foi r e g u l a m e n t a d a u m a le i o r g â n ic a d e 1 8 6 0 , d e f in in d o a e s tr u tu ra escolar.
F o r a m c r ia d a s d u a s esco las n o r m a is : u m a p a r a m o ç o s , o u t r a p a r a m o ça s , c o m profes­
sores d o m e s m o sex o q u e os a lu n o s . A s c lasses e r a m n u m e r o s a s . Só c o n s e g u ia m vagas
os filh os d e f a m ília s a b a s ta d a s , q u e se d e s t in a v a m a o c u r s o s u p e r io r d e d ireito , após o
q u e se t o r n a r ia m f u n c io n á r io s . O acesso d e escrav o s e filh o s d e escrav o s aos estabele­
c im e n to s de e n s in o e r a o f ic ia lm e n t e v e d a d o .
E m 1 8 7 3 , t e n to u - s e a c r e s c e n ta r às d is c ip lin a s t r a d ic io n a lm e n t e m in is tra d a s no
en s in o e le m e n t a r — lín g u a s , g e o g r a fia , h is t ó r ia , c a t e c is m o e a r itm é t ic a — a de traba­
lho s m a n u a is . N o m e s m o e s p ír ito , f u n d o u - s e o L ic e u d e A rte s e O fíc io s, d estin ad o a
e d u c a r filh o s d e o p e rá rio s e artesão s. E m 1 8 8 1 , a to d o p r e s id e n te d a P ro v ín c ia pro m o ­
v e u g r a n d e re fo rm a d o e n s in o . C r ia r a m - s e c u rso s d e p e d a g o g ia e in s titu iu -s e o jard im -
de-ÍnfâncÍa. O c u r r íc u lo d o cu rso p r im á r io p a s s o u a c o m p r e e n d e r : le itu ra , escrita,
g r a m á tic a p o r tu g u e s a , a r itm é t ic a , d e s e n h o , c iê n c ia s n a tu r a is , re lig iã o , ed u cação cívica
e artes d e c o ra tiv a s.2 M a s o acesso às esco las p ú b lic a s e p riv ad a s c o n tin u a v a restrito,
co m o o d e m o n s tr a m os d a d o s d o r e c e n s e a m e n to de 1 8 7 2 .
É in teressan te n o tar q u e , e m b o r a os escravos n ã o p u d e sse m freq ü e n tar a escola, 63
deles, e n tre os 1 6 7 -8 2 4 recen sead o s em 1 8 7 2 n a P ro v ín c ia d a B ah ia, sab iam ler e
escrever. Só três desses p r iv ile g ia d o s , p o ré m , v iv ia m e m S alv ad o r. A p o p u lação escrava
m a sc u lin a era de 9 8 .0 9 4 pessoas, das q u a is 4 7 s a b ia m ler e escrever, assim distribuídos,
q u a tro em C a m a m u , d o is em C a ra v e la s , u m e m V iço sa, d o is e m E ntre Rios, um em
P u rificação , u m e m I ta p ic u ru , u m e m P o m b a l, u m em S a n ta Isabel do P araguaçu, três

200
L iv r o III - A F am ília B aiana

em C aetílé, dois em M onte Alto, um cm Rio de Éguas, um em X iquexique, três na


paróquia do P iiar (Salvado r), um no d istrito de C achoeira, três no de Santo Am aro,
sete no de T ap era c treze no dc N azaré. H avia ainda 7 8 .7 3 0 escravas m ulheres, das
quais quinze sabiam ler e escrever: um a em Itapicuru , duas cm X iquexique e doze no
distrito de Nazaré. Neste ú ltim o , situado no Recôncavo Sul — onde a cu ltu ra da
m andioca parecia sup lan tar a do açúcar , se concentravam portanto esses escravos
le tra d o s ’: treze hom ens e doze m ulheres, cujo aprendizado se fazia na casa do senhor.
Os dados do censo relativos ao co n jun to da população de Salvador foram os seguintes:

TABELA 49

H omens e M u lh eres A l f a b e t iz a d o s , 1872


ParOqcias Homlns M uLHLR£5
S im Nao T otal S im Náo T otal
Sc 2.629 3.245 5.874 2.922 4.237 7.139
São Pedrú 1.923 4.068 5.989 642 5.766 6.408

SanéAnna 3.427 6.020 9.447 2.820 5.227 8,047

Conceição da Praia 2.630 700 3.330 651 359 1.010

Vitória 2.041 3.452 5.493 1.843 2.092 3.935

Paço 525 1,077 1,602 137 1.459 1.596

Pilar 1.627 2.241 3.868 722 2.847 3.569

S.mto Antônio Além do Carmo 2.529 4.728 7.257 2.119 6.127 8.246

Brotas 3.090 400 3.490 806 200 1.006

Mares 500 1.328 1.828 224 1.526 1.750

Penha 842 1.499 2.341 604 1.808 2.412

Total 21.761 28.758 50.519 13.490 31.628 45.118

Esses núm eros sugerem que 37% dos habitantes da capital eram alfabetizados, o
que me parece m u ito para a época (talvez fossem considerados assim os que apenas
assinavam o próprio nom e). C om o era de esperar, o núm ero de mulheres que sabiam
ler c escrever era m enor que o dc hom ens (30 e 4 3% , respectivam ente). O percentual
referente ao conjunto da população revela que nem todos os alfabetizados eram brancos,
pois apenas 31% da população eram declarados de cor branca e muitos dos imigrantes
europeus — com íorte presença portuguesa — eram analfabetos. Entre 1852 e 1889,
7.815 portugueses de sexo m asculino estabclecem -sc na Bahia. Sabemos a idade que
3.1 55 deles tinham ao aportar: 34,5% escavam entre oito e catorze anos eram quase
crianças — e chegavam corno aprendizes do comercio junto a negociantes portugueses.
É legítim o pensar que m uitos não eram alfabetizados, tendo aprendido a ler na Bahia.
É interessante com parar dados das várias paróquias sobre a distribuição por cor da
população livre e o percentual dos que sabiam ler e escrever:
202 B a h ia , S é c u l o X I X

1 A R r ]. A 5 0

T ax a de A lfabetização k C o r d a P ele d a P o pu l aç ão L ivre , 1 8 7 2 (% )

P arôqlias H omfns MUI HERF-S

B rancos NA o - B r . A i.farf.t . B rancas NAo -B r . A lfapft .

Sé 3 6 ,3 6 3,7 4 4 ,8 3 4 ,7 65,3 40,9

Sáo Pedro 3 5 .6 6 4 ,4 3 2 ,0 2 4 ,8 7 5 .2 10 ,0

Siiru’A nna 4 0 ,5 59,5 36,3 3 7 ,1 62,9 35,0

Conoriçâo da Prata 6 1 ,7 3 8 ,3 7 9 ,0 4 1 ,0 5 9 ,0 64,4

Virôria 3 5 ,6 64 ,4 3 7,1 2 8 ,9 7 1 .1 4 6 ,8

Paço 23,4 7 6 ,6 3 3 ,0 10,9 89,1 8 ,6

Pilar 41,5 5 8,5 4 2 ,0 38,3 6 1 ,7 20,2

Santo Antônio Além do Carm o 3 1 ,0 69,0 34,8 27 ,2 7 2 ,8 25,7

Brotas 54,8 4 5 ,2 8 8 ,5 3 7 ,6 62,4 80,1

Mares 36,1 63 ,9 2 7 ,3 3 6 ,3 63,7 12,8

Penha 3 3 ,6 66 ,4 3 6 ,0 26,8 73.2 25,0

No geral, os dados sugerem q ue h av ia m aio r n ú m ero de alfabetizados nas paró­


quias em que predom inavam os brancos. A an álise por sexo, contudo, introduz nuances.
No tocante aos hom ens, a p aró q u ia de B rotas su rp reen d e: 8 8 ,5 % de seus habitantes
m asculinos sab iam ler e escrever. T in h a u m a forte co n cen tração de brancos — é a
segunda, desse ponto de vista — m as isto não é su ficien te para explicar índice tão
elevado, q uando se sabe q u e se tratav a de u m a p aró q u ia sem i-urb an a. Já os índices
referentes às p aróquias com erciais d a C o n ceição da P raia e do P ilar (79% e 42% ,
respectivam ente) não surp reen dem . T am b ém nao espan ta en co n trar 4 4 ,8 % de ho­
mens alfabetizados na p aró q u ia da Sé — terceiro lu g ar — , q ue concentrava profissio-
naís liberais e funcio nários. N as dem ais p aró q u ias o p ercen tual se m an tin h a acim a de
3 0% , exceto na de M ares, onde caía para 2 7 ,3 % .
T am bém no tocante às m ulheres a p aró q u ia de Brotas surpreende: 8 0,1% eram
alfabetizadas, um dos m ais altos percentuais en tre as paróquias da cidade, quando as
brancas não passavam de 3 7 ,6 % (percen tual baixo em relação ao de alfabetizadas,
mas um dos m aiores entre as várias paróquias). Percentuais bastante elevados de
m ulheres alfabetizadas — m ais de 4 0% — foram registrados nas paróquias burguesas
e com erciais da Sé, da C onceição da Praia e d a V itória. Nas de São Pedro e de
M ares, baixavam a 10% e 12,8% , rcspectívam enre. Na do Paço, só 8,6% das m ulhe­
res sabiam ler e escrever, mas é preciso considerar que ali só eram brancos 10,9% da
população fem inina.
Em suma, quer sc tratasse de homens ou dc m ulheres, o percentual de alfabetizados
era proporcional ao com ponente branco na população livre das paróquias. Aliás, o
mesmo censo revelou o núm ero de crianças que sabiam ler e escrever, por paróquia.
L ivro III - A F amília B aiana

Só 1/3 dos meninos e pouco mais que 1/4 das meninas entre seis e quinze anos
freqüentavam a escola em Saivador. O percentual de alfabetização entre as crianças
(27,9% ) era dez pontos percentuais menor que o referente à população adulta (37% ).
A paróquia de Brotas mais um a vez aparece à frente: 82,8% dos meninos e 80,9% das
meninas freqüentavam a escola: na Conceição da Praia o percentual referente aos
meninos caía para 73% , ntas o das m eninas, 89% , era o mais alto de todos. Nas
dem ais, menos de 30% das m eninas iam à escola, com exceção da de V itória, com
67,7% , e de Santo A ntônio A lém do C arm o, com 40,6% . Surpreende o percentual
registrado em S an t’A nna: só 8,8% das m eninas iam à escola nessa paróquia habitada
por cam adas m édias da sociedade. A situação dos meninos era bastante parecida com
a das m eninas: a paróquia de S an t’A nna registrava o m ais baixo índice de escolaridade
(14,6% ), seguida pela da V itó ria (18,% ) e de M ares (24 ,9 % ). Nas outras paróquias o
índice ficava acim a de 35% ,
Seja como for, são percentuais m uito baixos: a grande m aioria das crianças baianas
não aprendiam a ler e escrever.4 Em 1873, tom ou-se a decisão de generalizar a alfabe­
tização, criando escolas prim árias noturnas para adultos nas paróquias da Sé, da Con­
ceição da Praia, de Santo A ntonio A lém do C arm o, da Penha, do Passo e da Vitória.
No prim eiro ano de sua criação, as aulas eram freqüentadas por 648 alunos, mas nos
anos seguintes este núm ero dim in u iu progressivam ente, com algum as oscilações, até
atingir 64 em 1883. No ano seguinte, foram suprim idos os cursos prim ários noturnos.
É preciso dizer, porém , que as crianças ausentes da escola não estavam, de todo,
privadas de educação: recebiam afeto, cuidados e a instrução possível de familiares,

TABELA 5 1

C r i a n ç a s d e S e is a Q u i n z e A n o s E s c o l a r i z a d a s , 1872
P a r ó q u ia s M e n in o s M e n in a s

T otal % E sc o l a r iz a d o s T otal % E sc o l a r iz a d a s

Sé 1.453 40,2 1.420 27,7

São Pedro 818 43,0 915 24,0

SancAnna 2,701 14,6 2.283 8,8

Conceição da Praia 167 73.0 120 89,0

Vitória 1,658 18,3 715 67,7

Paço 222 74,8 221 16,3

Pitai 1.561 42,0 1.499 19.0

Samo Antônio Além do Carmo 1.823 66,0 1.979 40,6

Btotas 290 82,8 157 80,9

Mares 607 24,9 538 21,1

Penha 380 36,7 380 19,5


204 B ah ia , S éculo X I X

padrinhos c amigos. A história insiste em talar nos vagabundos, esquecendo que, na


intim idade dos lares pobres baianos, a criança reinava. Nos mais hum ildes casebres
eram treinados artesãos c o m p e te n te s , operários habilidosos, Era isto que perm itia que,
na ausência dc associações de classe ou de escolas técnicas, se fabricassem na Salvador
do século XIX produtos de excelente qualidade para uso cotidiano, para não falar das
obras de arte para o culto de Deus e de rodos os santos. Mas a educação doméstica
nunca substitui a instrução pública.
A vida universitária era reduzida. A Faculdade de M edicina da Bahia, a primeira
do Brasil, fundada em 1808, foi a única instituição de ensino superior da Província até
1877. Nesse ano foram fundadas a Escola Superior de A gricultura e a Academia de
Belas -Artes; foi preciso, porém, esperar a República para que fossem criadas a Facul­
dade de Direito (1891) e a Escola Politécnica (1 8 95 )-5 Q uerendo estudar direito, os
jovens baianos iam para O linda, em Pernam buco, ou para São Paulo, que contavam
com essas faculdades a partir de 1827. Inútil dizer que só filhos dos ricos podiam se
dar a esse luxo. Entre eles, era com um , até a Independência, fazer o curso superior em
Portugal, mas a partir de então a França e a A lem anha ganharam a preferência.
A vida cultural era tipicam ente provinciana. Por volta de 1863, existiam várias
associações de caráter literário, recreativo, artístico, a cuja frente estavam quase sempre
as mesmas pessoas, em geral médicos, advogados, eclesiásticos, magistrados, funcioná­
rios. A mais prestigiosa, em bora recente, era o Instituto H istórico da Bahia, fundado
em 1858 sob a égide de dom Pedro 11, am ante das ciências, letras e artes. Reunindo
os expoentes da cultura baiana, o instituto dava o tom da vida cultural. Atividades
musicais e literárias eram fomentadas por diversas entidades, como a Associação Euterpe
(que reunia músicos oriundos das cam adas populares) e a Associação Filarm ônica da
Bahia. As agremiações recreativas eram m uito numerosas e quase sempre ocupavam-
se de obras de caridade, como a Associação Italiana ou a Associação Portuguesa. As
outras associações agrupavam funcionários, artesãos e empregados do comércio. Não
raro, desavenças entre os membros davam lugar a cisões, como ocorreu com a Socie­
dade Recreio Literário da M ocidade, fundada em 1860 num a cisão da Sociedade
Recreio Literário, que existia desde 1845.
Era na arte d ram ática, porém , q u e os b aian o s m ais se esm eravam : nada m enos que
três associações c o m p etiam cm 1860 para atrair os jovens talentos. O Conservatório
D ram ático, o C lu b e D ram ático e o Instituto D ram átic o d isp u tavam tam bém os palcos
dos dois teatros da cid ade, o dc São Pedro dc A lcân tara e o de São Jo ão, este o mais
célebre. Inaugurado em 1812, d u ran te o governo tio condc dos Arcos, subsrituiu o
velho teatro, conhecido com o de C u a d a lu p c ou C asa dc Ó pera Velha, que desapare­
ceu em 1837, q u an d o o prédio foi com prad o pela C â m a ra M u n ic ip a l, pelo módico
preço dc 8 0 0 réis!6
Os testem unhos dos viajantes são variados. A vé-Lallem ant fala de um publico
seleto e d istinto”,7 mas zom ba dos atores ou cantores. W etherelt observa: embora as
peças representadas sejam ou péssimas traduções de obras francesas ou estúpidos
L ivro III - A F amília B aiana 203

dram alhões portugueses, e que os cenários e o vestuário dos atores sejam dos mais
pobres, os teatros estão quase sempre repletos".8 Por volta de 1820, os ‘m istérios’,
como o de Santa C ecília — a que assistiu L. F. T ollcnare9 — , e espetáculos mais
populares tinham a preferência do público. Os enredos eram inspirados no cotidiano
das fam ílias; contavam , por exem plo, os amores grotescos entre um velho negro ciu­
mento e uina velha negra provocante, ou mostravam um inglês bêhado tentando falar
português, ou ainda cenas de em pregados dom ésticos pokrões. Representavam-se tam ­
bém tragédias, como um a baseada em M aom ê, de V oltaire, ou o dram a Duas filh a s do
conde de Bragança, do autor português A ntônio Pereira da C unha. Não faltavam
farsas, como A vila fid a lga , nem obras de Scribe e Alexandre Dumas, além da indefectível
H ernani de V ictor H ugo, Ó peras líricas eram encenadas por com panhias italianas,
como D ilúvio u n iv ersa l e L ucia d e L a m erm oor(à e D onízetti) e T em plário (de N ícolai),
Foi tam bém nos teatros que, na segunda m etade do século XIX, começaram a se
realizar bailes de máscaras que antecipavam os clubes carnavalescos do fim do século,
A julgar pelo que se lê no D iário d a B ahia dc jan eiro de 1863, esses bailes favoreciam
os encontros extraconjugais, pois um anúncio assinado por um certo Cavaleiro Ver­
melho com eçava por um alegre “viva a m ascarada” e declarava: “estou te esperando
hoje no teatro... E ntendeu, bela dam a?” O utro anúncio, escrito num cíaudicantc
francês, dizia: “M adam e F... Estou te esperando hoje no baile de máscaras para dançar
contigo e beber cham panhe. Pierrô E scarlate.”10 Os baianos cultos — ou os que,
pertencendo à boa sociedade, queriam parecê-lo ■ — ■prom oviam os chamados saraus,
que tinham lugar à noite, em geral nas casas das fam ílias, ensejos para brilhantes
duelos de retórica, fundados sobretudo na capacidade m nem ônica dos contendores.
T udo era pretexto para festas n a B ahia, sobretudo em lugares abertos, na rua.
Festas cívicas — com destaque para as datas de expulsão das tropas portuguesas da
Bahia (2 de julho) e de Independência do Brasil (7 de setembro) — e religiosas se
sucediam num ritm o frenético. Só no calendário religioso havia dezenove grandes
ciclos de festas, sem contar as inúm eras procissões prom ovidas pelas ordens terceiras
e as confrarias religiosas, além das festas das com unidades africanas, que não eram
poucas, Estas com unidades adotaram o calendário religioso católico, para passar desa­
percebidas da vigilância exercida pelo poder. Em dezembro, as festas do calendário
litúrgico eram Santa Bárbara (dia 4 ), Nossa Senhora da Conceição (dia 8), Santa Luzia
(dia 13) e Natal (dia 25). Em janeiro, Ano-Novo (dia Io), acompanhado da procissão
m arítim a dedicada a Nosso Senhor dos Navegantes (festa instituída pelos capitães e
pilotos que praticavam o tráfico negreiro), Epifania (dia 6), Nosso Senhor do Bonfim
(segundo dom ingo do mês) c o Entrudo. Em fevereiro ou março, a Quaresma, com a
procissão dc Nosso Senhor dos Passos. Em março, a festa de São Josc (dia 19). Em
março, abril e maio, Domingo dc Ramos, Q uinta-Feira Santa, Sexta-Feira Santa,
Sábado de Aleluia, D omingo de Quasfmodo, Ascensão, Pentecostes, festa do Divino
(acompanhada da festa do Imperador) e Corpus Christi. Em junho, a festa de Santo
Antônio de Pádua (dia 13), de São João (dia 24), de São Pedro e São Paulo (dia 29).
B a h ia , S é c u l o X IX

Em agosto. Assunção de Nossa Senhora (dia 15), que fechava o c ic lo .11 Celebrações,
tanto da cultura popular quanto da cu ltu ra das elites, têm até hoje grande peso no
cotidiano dos baianos.
Tam bém se lia na B ahia. M as quem lia? E o quê? Em 1811, no governo do Conde
dos Arcos, foi fundada a B iblioteca Rública. As autoridades portuguesas, porém , não
mostraram grande em penho cm dotá-la do m aterial necessário ao seu funcionam ento.
De fato, tudo ficou na dependência da in iciativa privada, e m uitos foram os baianos
que doaram seus livros à in stituição . Doações dos irm ãos Pedro e A lexandre Gomes
Ferrão Castello Branco e de Francisco A gostinho Gomes con stituíram o primeiro
acervo dessa b ib lio teca.12 Em 1819, ela contava cinco m il volum es, jornais em várias
línguas e panfletos em in g lês.13 Em 1863, o suíço T sh u d i avaliou seu acervo em
dezesseis m il volum es, especificando que eram quase todos escritos em lín gua estran­
geira, o que naturalm ente lim itav a o núm ero leito res.14 U m inventário datado de
1887 recenseia cerca de vinte m il volum es, m apas incluídos.
D a leitura dos relatórios anuais dos seus diretores, depreende-se que a biblioteca
não podia crescer rapidam ente, porque o governo não liberava as verbas necessárias.
Em 1873, por exem plo, o diretor A ntônio Ferrão M o n iz assinalava que um a bibliote­
ca, para ser ú til, deveria possuir obras de base em cada ram o das ciências teóricas e
aplicadas, um a coleção com pleta das obras clássicas de todas as literaturas, ou ao
menos das principais, além de jorn ais, revistas e obras novas. Q ueixava-se de que a
instituição não contava com dicionários, gram áticas, quase nada de filosofia com para­
da e da escassez das obras em inglês, quando “atu alm en te o m ovim ento intelectual na
Inglaterra talvez seja superior ao da França e quase equivalente ao da A lem anha”. 15 De
fato, obras de autores franceses ou publicadas em francês existiam em núm ero consi­
derável na biblioteca, como já o observara cm 1817 o francês T o llen are.16 Infelizm en­
te, não foi possível encontrar um inventário dos acervos dessa biblioteca no século
XIX, mas entre as aquisições feitas em 1870 encontram -se: H o m m ep rim itifi de Eiguier,
obras de C laude Bernard, de N iem eyer, u m a H istoire d e F rance de H enri M artin, a
H istoire U ntverselle de Paradel, um a V/e d e Jésu s C hrist do padre D upanloup e a V iede
la Vierge M arie do abade O rsini. A biblioteca tin h a a assinatura da R evue des Deux
M ondes , do Jou rn a l d ’A griculture , do J o u r n a l des Savants, do J o u rn a l des E conomistes e
da revista JIlustration.
Encontra-sc o m esm o p re d o m ín io da lín g u a e d a lite ra tu ra francesas nas coleções
privadas, em b ora m e p are ça arriscad o ju lg a r o gosto dos leitores baian os por aquele
dos proprietários d e b ib lio tecas. Estas, a lém de refletirem gostos pessoais, eram em
sua m aior parte especializadas, p erten cen d o a m édico s, advogados, m agistrados ou
religiosos. A ju lgar pelos in ven tários m u ito su m ário s de dois livreiros falecidos em
1 880 , os leitores davam g ran d e preferência aos rom ances c obras históricas, em detri­
m ento das obras filosóficas o u científicas. Em francês, liam -se sobretudo obras de
autores do próprio século XIX, com o M ad n m c d e Staêl, C h a te a u b ria n d , Lam artine,
Lam m enais, Balzac, V icto r H u g o , T o cq u evillc, G uizot, M ic h e le t e M in g u e t, que.
L iv r o 1 II - A F amil ia B ai sn a ; o~

por volta do m eio do século, destronaram os grandes clássicos do século XVIII. C u ­


riosam ente. a obra de A uguste C om tc estava ausente das bibliotecas particulares,
apesar do grande sucesso que lhe é atrib uíd o no Brasil. As literaturas portuguesa e
brasileira estavam m uito bem representadas pelos grandes nomes da época: Alexan­
dre H erculano. Jú lio D iniz, C astello Branco, G arreit, José dc A lencar, M achado de
Assis c outros.
A falta de interesse pelas obras científicas é um a constante nos relatórios dos
diretores da B iblioteca P ública, que tam bém sc queixavam de seu alto custo.17 A
biblioteca era freqüentada por um a clien tela restrita, form ada sobretudo pela popula­
ção estudantil — sem inaristas, alunos do curso secundário, das escolas normais e da
Faculdade de M ed icin a — e por adultos que lá iam ler jornais e revistas.
A população b aian a d ispunha ain d a de outras fontes de inform ação. A imprensa
— tribuna ideal para o espírito crítico dos habitantes de Salvador — era m uito
desenvolvida. O prim eiro jo rn al da cid ad e, Id a d e d e O uro do Brasil\ com eçou a circular
em 14 de m aio de 1811. O C on stitu cion a l surgiu no período da Independência e foi
publicado até depois de 1850. M as os grandes jornais baianos do século XIX foram o
D iário da B ahia (1 8 3 3 -1 9 5 8 } e o J o r n a l d e N oticias { 1 8 8 3 -1 9 1 7 ). Em 1880, Salvador
tinha sete diários, alin hados com o liberais ou conservadores ( D iário d e N otícias, D iário
da Bahia , O M on itor , Gazeta d a B ahia , J o r n a l d e N otícias , A labam a e Gazeta da
Tarde), e cinco periódicos ( G azeta M éd ica , Escola , Voz do C om ércio , B aiano e O Balão).
Era bastante para u m a cid ad e em que só 1/3 da população era alfabetizada. Embora
lessem m uitos jorn ais e se im pregnassem da literatura francesa, os homens cultos da
Bahia escreviam pouco. O século XIX só pode se orgulh ar de um grande poera, Castro
Alves, c de um grande ro m an cista, X avier M arq u es.18
N um a avaliação glo bal, im põe-se reconhecer que a educação, pública ou privada,
fez notáveis progressos no século XIX. Excelentes escolas leigas privadas se m ultip lica­
ram. As fam ílias abastadas continuavam a m atricular as filhas nas U rsulinas das M er­
cês, mas os m eninos freqüentavam cada vez m enos as escolas religiosas. Depois do
advento da R epública, jesuítas e m aristas passaram a desem penhar im portante papel
na educação prim ária e secundária dos jovens baianos.

F am ília, E ixo d a s R elações S o cia is

Ao longo de todo o século XIX o local em que se formavam inteligências e mentali-


dades foi, na Bahia, a fam ília, fosse legítim a, abençoada pela Igreja, ou consensual,
chefiada m uitas vezes por um a m ulher, situação aceita sem grande dificuldade pela
sociedade. Scr filho natural não acarretava, ao que parece, grandes problemas de
inserção ou mesmo de ascensão social, pelo menos no âmbito das classes médias e
inferiores da sociedade. E, quando sc era rico, origens hum ildes ou naturais eram
rapidamente esquecidas.
20* B ah ia , Sfcm o XIX

A famí! ía natural, criacía pela mera vontade dos parceiros, era tão com um na Bahia
quanto a sacram entada pela Igreja C atólica. A liás, por ra7.õcs de ordem institucional,
econômica c dc m entalidades, as uniões livres eram mais numerosas que as legais. Do
ponto de vista institucional, a sociedade se com punha dc indivíduos cujos estatutos
legais e sociais eram diversos — os livres, os alforriados e os escravos — e, com muita
freqüência, as uniões consensuais se davam entre pessoas de condições diferentes. Era
comum que homens livres (brancos ou de cor) escolhessem concubina entre alforriadas
ou escravas. Várias situações podiam ocorrer.
A união legal com um a escrava — mesmo m ulata ou quase branca — era proibida
por lei. A união com um a alforriada era legalm ente viável, mas tendia a permanecer
consensual, pois o casam ento com um a m ulher de nível inferior podia ocasionar a
decadência social do hom em , privando-o ain d a da possibilidade de vir a se unir for­
m alm ente com outra m ulher, que pudesse auxiliá-lo a ascender. Por outro lado, a vida
em comum com uma m ulher branca podia indicar que ela já era casada ou vinha de
um meio social inferior. Era tam bém freqüente que, tendo em vista a preservação de
bens, viúvas preferissem m anter um a relação oficiosa, renunciando a novo casamento,
mesmo quando se dispunham a ter filhos dessa relação ile g ítim a .19
As motivações de um hom em livre e de cor para viver no concubinato eram muito
semelhantes às do homem branco, sobretudo em se tratando de alguém que fizera
fortuna c que podia se valer disso para obter as graças de um a m ulher de condição
social superior à sua. Nos dois casos, o concubinato podia ser brevem ente interrom ­
pido, mas não raro se eternizava, como ocorreu com os portugueses que chegaram ao
Brasil após a Independência,
Essas situações só eram com uns nas cam adas m édias da população livre. Nas
camadas superiores, os homens, quer ficassem solteiros ou se casassem, tendiam a
m ultiplicar suas aventuras sexuais, m antendo ligações sucessivas ou sim ultâneas com
várias mulheres. Foi aliás o com portam ento desses homens que deu origem à idéia,
muito difundida na época, de que reinava a devassidão, idéia reforçada pelo combate
intransigente da Igreja aos que transgrediam as leis civis e religiosas.
H om ens livres, por um la d o , e escravos e alfo rriad o s, p o r o u tro , não eram ju lg a ­
dos pelos mesmos padrões. Razões de o rd em in stitu c io n a l e e co n ô m ic a atu av am , mas
o econôm ico pesava m ais. O liberto, com o o h o m e m livre, só po dia se casar com
u m a escrava sc a libertasse, o q u e p ressup un h a g ran d e d is p o n ib ilid a d e m aterial. H a­
via casos em q u e isso era possível, m as dc m odo geral os alforriados viviam em
concubinato com alforriadas ou escravas. Em 1 8 5 3 , por ex em p lo , o alforriado nagô
Luiz V ieira, carregador dc cad eirín h a dc arru ar, alu gava um quarto por 8 0 0 réis
mensais no imóvel n" 61 da rua D ireita, on de m orava com Felicidade, tam bém de
origem nagó, escrava de outro alforriado, U m segu nd o q u arto no m esm o imóvel
estava alugado ao alforriado Jacin to e a sua am ig a F irm ina, am bos de m esm a origem.
Segundo o estudo d e J.J, Reis, o con cu b in ato de alforriados ou alforriadas com escra­
vos era coisa rara, os alforriados preferindo um parceiro q u e tivesse o m esm o estatuto
L iv r o III - A F a m íl ia B a ian a 209

ju rídico .20 Aliás, as uniões livres, em geral contraídas em idades mais avançadas — o
que tam bém aco ntecia com os casam entos — , co n stitu íam acordos de entendim ento
e aju d a m útuos para m elho rar a vida dos dois parceiros, assim com o uma tentativa
dc perpetuar origens étnicas c o m u n s ,21
Q u an to aos escravos, com o já in d iq u e i, não se casavam , fato a que os senhores não
davam m u ita im p o rtân cia. T a m p o u c o en co n trei, nas m inhas pesquisas, registro de um
caso sequer de escravos v iv en d o em co n cu b in ato . Ao que tudo indica, as uniões livres
eram privilégio dos q u e gozavam do estatu to de cidadão livre ou de alforriado.22
É fácil im a g in a r a aflição dos escravos, privados de todo tipo de vida familiar.
Mas cabe p erg u n tar se essa privação era im po sta u n icam en te do exterior, pela pró­
pria natureza da so cied ad e escravocrata. Até certo ponto, ela pode ter refletido uma
escolha do próprio escravo. C o m efeiro, a q u a lid ad e de pessoa lhe era recusada. T i­
nha u m a existên cia de coisa, q u e se c o m p ra e vende. T o rn ar-se pessoa im plicava a
compra d a alforria, e esta era m u ito cara. O ra, a v id a em co m u m envolve obriga­
ções m ú tuas e ten de a m elh o rar a situ ação dos parceiros do ponto de vista material.
Os escravos, rurais ou urbanos, q ue v iv iam na casa do seu senhor, tinham a sobre­
vivência assegurad a. D a u n ião , c asam en to ou co n cu b in ato , resultam fllhos, cuja
existên cia c ria o b rig a ç õ e s ta m b é m de o rd em m o ral. A ssu m ir responsabilidades
parentais afastava para sem p re a p o ssib ilid ad e da alforria, pois resgatar a liberdade
de u m a fam ília seria caríssim o. M e lh o r era, portanto, evitar a união e suas conse­
qüências. N o caso dos escravos de gan h o , ter um cônjuge e filhos era igualm ente
um obstáculo para a consecução da gran de m eta, a alforria. A causa principal para a
ausência de casam entos e co n cu b in ato s entre escravos era, ao q ue parece, um a forte
coação m aterial.
Em co n trap artid a, a associação en tre escravos do m esm o sexo, vivendo sob o
mesmo teto, era, com o v im o s, p rática corrente. É preciso não esquecer que a Igreja,
que censurava a v id a devassa da po pu lação Hvre e lib erta, condenando o concubinato,
nao dem onstrava gran d e interesse pela v id a que levavam os escravos, cujos desvios de
conduta sem pre d escu lp av a.2'1 F req üen tem en te, as m ulheres trabalhavam c seus com ­
panheiros m asculinos ajudavam a to m ar conta das crianças. Na época do processo
contra os p articip an tes da R evo lta dos M alês, de 1835, A jadi, por exem plo, declarou
que ficava em casa tom ando conta de seus três filhos, enquanto a mãe das crianças
estava na rua vendendo m ercadorias. E Tgnácio Santana declarou que sua vida de
homem idoso o reduzira a educar seus dois filhos m ais velhos, dos quais um ia à escola
e o outro aprendia o ofício dc carpinteiro , e a criar m ais duas crianças, ainda m uito
pequenas. Q uan do G aspar da Silva C unh a foi preso, as autoridades o encontraram
preparando um m ingau para sua am iga I crcsa que estava d o en te...
Essa relativa anornia da sociedade baiana, em que as uniões livres eram m aioiia,
não parece ter tido influencia negativa sobre os com portam entos de ordem fam iliar.
Filhos oriundos dc laços m atrim oniais ou consensuais gozavam da mesma proteção e
estavam subm etidos ao poder paterno, m aterno ou ao de um tutor. Desde que reco-
210 B a h ia , S é c u l o X I X

nhecidos, esses ú ltim o s tin h am tam bém o m esm o d ireito à herança paterna, numa
atitu d e perm issiva do legislad o r, q ue era ao m esm o tem po causa e efeito do grande
núm ero de uniões livres p raticad o nessa so ciedade. N ão era, aliás, m era conseqüência
da situ ação escravocrata e co lo n ial do B rasil, pois vigorava em P o rtu gal, onde as uniões
livres e os n ascim en to s ileg ítim o s eram tam bém freq ü en tes.25 No m áxim o, pode-se
a d m itir q ue aqui o fenôm eno se a m p lio u , em d eco rrên cia da m aio r d esiguald ad e entre
hom ens e m ulheres e po rq ue se tratava de u m a so cied ad e em q ue o casam ento era visto
com o m eio de ascensão so cial: era preciso p en sar duas vezes anres de se unir oficial­
m ente a alg u ém p ara fu n d ar u m a fa m ília . .
R econhecendo as u niões livres e os d ire ito s dos filhos ileg ítim o s, a sociedade
b rasileira se afigu rav a m u ito ‘a v a n ç a d a ’ p a ra a ép o ca, crian d o u m a realidade que
teve en o rm e in flu ê n c ia sobre co m p o rtam en to s e relaçõ es so ciais. Estes tenderam a
ser m enos fo rm ais, to rn an d o po ssível a In tegração , nas cam adas sup eriores, de toda
u m a m assa o riu n d a de castas m en o s favo recid as. G raças a laços de parentesco indis­
cu tív eis, um m u lato — e às vezes u m n egro — p o d ia su b ir n a h ierarq u ia social,
protegido por um sistem a ao m esm o tem p o ríg id o e flex ív el, freq ü en tem en te frouxo
e to leran te. . ■
Eis um p rim eiro traço carac te rístic o dessa so cied ad e, q u e dava m argem a com por­
tam en to s sociais q ue tra n sg red iam os estatu to s legais q u e a d iv id ia m entre brancos e
negros, senhores e escravos. Foi assim q ue a in s titu iç ã o fa m iliar to rn o u -se um m eio de
prom oção social. J á o d em o n strei ao a n alisar as estratégias m a trim o n ia is que me
revelaram a a m p litu d e dessa ev o lu ção . Em to rn o d a fa m ília devem ser buscados os
elem entos para se co m p reen d er as co m p lexas h ie ra rq u ia s so ciais, pois a fam ília era o
eixo a cuja volta g irav am as relações so ciais, com base nas q u ais as h ierarq u ias se faziam
ou se desfaziam . R eu n in d o p aren tes, agregados e vizin h o s de ru a ou de bairro, os
casam entos, n ascim en to s, enterro s e o u tro s aco n tecim en to s fam iliares eram atos pú­
blicos e, com o tais, criavam situ açõ es p riv ile g ia d as p ara ap reen d er a tram a tecida pelos
laços sociais.
A escolha do cô n juge se realizava em pelo m enos du as etapas: o nam oro e o
noivado. E,sta sucessão de fases não era a rb itrária , obedecendo a preceitos definidos
pela fam ília c a sociedade. O nam oro era u m a form a de relação q ue se estruturara no
início do século XIX, a partir da crise do casam ento de conveniência, im posto pelos
pais, vencido pela força do am or ro m ân tico . No tem po cm que o casam ento era
decidido pelos pais, havia noivado — geralm en te longo — mas não nam oro. Antes do
com prom isso, os futuros cônjuges não tin h am nenhum contato entre si.
O nam oro com eçava com u m a troca de olhares e gestos expressivos. A iniciativa
geralm ente partia do rapaz. Os avanços exploratórios eram discretos. Um antigo
M anual dos n am orados recom endava ao rapaz m u ita prudência ao se d irigir à moça
cujo am or pretendia conquistar. Um tom brusco e ousado podia ter resultados desas­
trosos,26 Se a prim eira tentativa fosse bem -sucedida, se podia arriscar um passo um
pouco m ais ousado. ,
L i v r o III - A F am Ilia B a ia n a 211

Entre os rapazes, a idade do namoro com eçava por volta dos dezoito aos dezenove
anos; entre as m oças, um pouco m ais cedo, entre catorze e quinze anos. Apesar da
reclusão em que viviam as m ulheres, as oportunidades para um prim eiro encontro
eram m uitas: missas, novenas e outros atos litúrgicos, assim como as festas fam iliares.
É preciso dizer, porém , que esses m ovim entos eram secretos e assim perm aneciam
durante a m aior parte do nam oro. F reqüentem ente, mães, irm ãs mais velhas ou tias se
tornavam confidentes da jovem apaixonada. U m dos papéis tipicam ente reservados às
tias solteironas, que viviam na depen dência de um irm ão ou cunhado, era o de servir
de ‘pau-de-cabeleira’, ou seja, v ig iar de perto o desenvolvim ento do namoro ou pro­
mover seu térm ino, se o rapaz não fosse do agrado da fam ília. Assim , conforme o caso,
a tia celibatária tornava-se cú m p lice ou espiã.
D urante a segunda etap a, que pressupunha a aquiescência do futuro parceiro,
estabelecia-se entre os nam orados u m a relação am bígua, que só podia ser legitim ada
pelo noivado. Os dois co n tin u avam a se encontrar em lugares públicos, mas — fre­
qüentem ente graças à cu m p licid ad e de um m em bro da fam ília — tornavam-se possí­
veis rápidos encontros, no portão da casa da m oça, ou ju n to a um a janela térrea, quando
havia, Seja com o for, esses encontros deviam ser públicos, à vista dc todos: encontros
em lugares escuros e escondidos, sobretudo à noite, eram sinônim o de m á conduta e
expunham a m oça ao escândalo. O pai era o ú ltim o a saber do nam oro de sua filha ou
de seu filho e só ele tin h a o poder de criticar, recusar ou aprovar a escolha.27
A função do nam oro era preparar a união dé ‘igu ais’ em estatuto social, maneiras
e tipo físico. No fundo, o casam ento era um problem a de fam ília, cujo sucesso depen­
dia do acaso, já q ue “casam ento e m ortalha, no céu se talh a”. M as era preciso a
m áxim a atenção para prevenir certos desacertos. Por isso, deviam ser levadas em conta
noções como “somos o que é nossa fa m ília ”, ou “as fam ílias devem se parecer m uito”,
repetidas por um conselheiro fam iliar da épo ca.28
V encida esta segunda etapa, o nam oro cam inhava para o ‘compromisso : juras de
fidelidade entre os jovens nam orados, que os encorajavam a revelar suas relações às
respectivas fam ílias. Nessa nova etapa, o rapaz conquistava o direito de freqüentar a
casa da sua eleita alguns dias por sem ana, sempre sob a vigilância direta dos pais ou de
outros m embros da fam ília. F inalm ente, quando a união era decidida e o rapaz estava
em condições dc ‘pensar em casam ento’, era feito o pedido oficiai ao pai da moça.
Celcbrava-se então o noivado, um a etapa de m aior aproxim ação entre as duas famílias.
Enquanto isso, os jovens continuavam a s e ver, sempre sob vigilância. A virgindade era
o bem mais precioso da m oça.2''1
O namoro não era exclusivo da burguesia: também as classes médias da sociedade
baiana o praticavam . Aliás, segundo a tradição, era até mais comum nestas últimas,
pois na classe alta continuava freqüente a escolha do cônjuge pelos pais. O elevado
percentual de mulheres celibatárias que encontrei entre as famílias burguesas estuda
das é um indício de que as fam ílias preferiam que as filhas ficassem solteiras a vê-las
‘desclassificadas’ pelo casamento com um rapaz de condição inferior.^
212 B a h ia , S écu lo X I X

E videntem ente, esse era o paradigm a do nam oro e do casam ento, o modelo ideal
form al, ritualizado e hierarquizado , a que a realidade nem sem pre se ajustava com
perfeição, Podia haver desvios m aiores ou m enores, segundo as circunstâncias. Havia
por exem plo, nam oro e casam ento do rapaz ‘pobre e bo m ’ com a m oça rica, de família
respeitada; havia tam bém casam ento de rapaz de cor com m oça branca. Eram ‘arran­
j o s ’ — que sem pre funcionaram bem n a sociedade brasileira — à m argem da endogamia
ou da isogam ia das classes, que com pensavam a falta de can didato s m ais bem qualifi­
cados e perm itiam a incorporação de in d iv íd u o s com dotes intelectuais ou políticos
em fam ílias de com erciantes, p ro p rietário s agríco las, senhores de engenho, homens de
governo, sem que isso prejudicasse a m u lh e r.31
A ssim , nem sem pre o casam ento u n ia os ‘so cialm en te igu ais’, Os portugueses, por
exem plo, casavam -se facilm en te com m u latas ricas, e não raro um a branca sem dote
casava-se com um m u lato talen toso ou rico. Isso aco n tecia sobretudo nas categorias
interm ed iárias, aqu ela dos q u e tin h am pressa e q u eriam cortar cam inho até o topo da
h ierarq uia social.
Por outro lado , as relações entre n am orados e até en tre noivos nao eram tão puras,
com o já dem on strei ao an alisar os raptos e estupros. F req üen tem en te ocorria que a
m oça fosse d esvirgin ad a — po rtan to, co m p ro m etid a — pelo nam orado ou aquele a
quem tin h a sído p ro m etid a. C o m raras exceções, a m u lh er q u e p erdera a virgindade,
se nao con seguia gu ard ar o fato em segredo, evitando assim q uaisq uer problemas,
tin h a três escolhas: a p ro s titu iç ã o — d eclarad a, se fosse pobre, discreta se tivesse alguns
recursos — , o celib ato ou um casam ento de co n v en iên cia.32
Q uan d o o nam oro co n d u zia ao com prom isso e ao pedido de casam ento, celebra­
va-se o noivado, em cerim ô n ia p resen ciad a por parentes, am igos, vizinhos e empre­
gados. Por vezes, com o vim os, n lo era precedido de nam oro, pois tratava-se de esco­
lha dos pais. Era com um fazer, no d ia do n o ivado, u m a exposição do enxoval da
noiva, em gerai adm irado com estardalh aço na presença da noiva e de seus familiares
e com frequência acerbam ente criticad o m al se cruzava o portão, na saída. Bebia-se,
com ia-se, contavam -se m il e u m m exericos e se fazia u m a provisão de futricas para as
semanas vindouras.
Para o casam ento, os dias preferidos eram as quin tas-feiras e os sábados. Sexta-
feira, jam ais: era d ia aziago. Em geral a cerim ô n ia era celebrada na presença das
fam ílias e dos am igos, na igreja da paróquia de um dos noivos, por um numero de
padres correspondente às posses das fam ílias. Os filhos dos grandes proprietários rurais
e senhores de engenho casavam -sc m uitas vezes nas casas dos pais. Até o advento da
República, o casam ento era um ato exclusivam ente religioso, pois não existia casamen­
to civil. Era necessária a presença de duas testem unhas, mas este número podia ser
m ultiplicado quando havia m uitos am igos a hom enagear. Era com um que entre esses
am igos fosse in clu ída um a pessoa de condição social inferior, que podia ser um bom
artesão, um am igo de cor ou um em pregado cujas qualidades fossem especialmente
apreciadas. Por tradição, a esposa podia conservar seu sobrenome, e alguns dos filhos
L iv r o III - A F am ília B aiana
213

m u la s vezes o herdavam , ou o de algum parente que tivesse posição social de desta­


q u e, costum e que acarreta não poucos problem as para o historiador que renta
recon stituir a h istó ria das fam ílias baianas.
V iagem de lu a-de-m el ain da não etustia. F inda a cerim ônia e as comemorações
h ab itu ais, os noivos iam para sua nova casa, ou para a dos pais de um deles Era
com um , em sin al de alegria, lib ertar escravos em d ia de casam ento. Segundo Thales de
Azevedo, no século X IX o dote a in d a era um a condição im prescindível ao casamento
e era assegurado pelo pai ou pelos irm ãos afortunados,33
N ascim entos eram tam b ém ocasião para grandes festas fam iliares, preparadas com
esm ero ao lon go d a gestação. N esse período, a m ulher era subm etida a um sem-
núm ero de in terd içõ es e ritos: gráv id a não p o d ia passar em baixo de um a corda, pois
isso p o d ia “atar o seu v en tre ” e d ific u lta r o parto; se enjoasse, devia tom ar chá com
canela; p ara ter um m en in o , o casal devia m atar u m a galin h a e deixar seu coração
inteiro ; para ter u m a m en in a, d evia cortar o coração da galin h a em dois; barriga
redonda era m en in a; b arriga p o n tu d a, m enin o na certa.
C h egad a a h o ra, a p a rteira e as indispensáveis vizinhas experientes acorriam . Ser­
viam à p artu rien te ovos q u en tes, café e vin h o do Porto, D epois do nascim ento, a
p arteira se o cu p ava p rim eiro d a m ãe, pois, segundo a tradição “se um recém-nascido
m orrer, está m o rto : é u m anjo a m ais ju n to de D eus”. D epois do parto vinha o
resguardo, e a m u lh e r d ev ia seg u ir u m a d ieta estrita: o prato recom endado era galinha,
e até as escravas q u e d avam à lu z segu iam esse preceito. As com idas proibidas forma­
vam u m a lista in te rm in áv e l: couve, abóbora, m axixe, fruta-pão, m elão, abacaxi, cozido
de carne, feijão , carn e de po rco, b an an a... Se o recém -nascido sobrevivia, os que dele
cuidavam n u n ca se esq u eciam de lhe p in gar nos olhos um as gotas de lim ão, providen­
ciar para q ue fosse m o rd id o por u m a pessoa de belos dentes, e, por fim , pôr uma
m oeda gran d e na á g u a do p rim eiro banh o, para que fosse rico. A criança recebia
tam bém u m a m ed alh a d a V irgem M a ria, aco m panh ada de um a figa.
E sperava-se q u e a crian ça crescesse um pouco para batizá-la, o que dava ensejo a
nova festança para a fa m ília e os am igos. G eralm ente os padrinhos eram escolhidos
pelos pais, Esses laços ficavam registrados nos docum entos oficiais: raros são os testa­
m entos e in v en tário s p o st m ortem que não m encionam os afilhados do finado. Parece
tam bém m u ito claro q ue os pais procuravam escolher os padrinhos de seus filhos
num a cam ada social m ais elevada que a sua; no caso dos que já eram das camadas
superiores a escolha recaía sobre pessoas de especial prestígio e influência. Era uma
escolha d ecisiva, porque os laços de apadrinham ento não diziam respeito apenas ao
afilhado; eram , sim u ltan eam en te, laços de com padrio, que podiam ser proveitosos
para toda a fam ília. Assim se reforçavam solidariedades sociais, para além do contexto
fam iliar, prolongando as relações. Podia ser mais interessante ter um padrinho in­
fluente que um pai rico; quando se tratava de alguém que pertencia a uma cama
superior da sociedade, era um a relação que valia ouro. Nem todos, porém, po iam ter
padrinhos entre os m ais influentes, e isto se aplica em especial ao hum ildes, alforriados
214 B a h ia , S éculo XIX

ou escravos: para eles, tratava-se de escolher alguém que tivesse algun s bens e gozasse
de prestígio m oral na sua própria categoria so cial.34 Ao q u e tudo in dica, o apadri­
nham ento com o m eio de ascensão social só desem penh ava papel im po rtan te entre a
população livre e branca, ou en tre a de cor, q u an d o já so lid am en te estabelecida na
sociedade. ' ■ " " ■■■■■' ■. 1
N um outro ato, que se segu ia im ed iatam en te ao b atism o , podia-se apelar para
alguém m ais h u m ild e. T ratava-se da ‘ap resen tação a N ossa S en h o ra’ , em que a criança
era posta sob a proteção da V irgem M a ria. A ssim , além dos p adrinh os de batism o,
havia a ‘m ad rin h a de ap resen tação ’, q ue p o d ia ser esco lh id a até entre os agregados,
escravos alforriados, u m a v izin h a so lícita ou um p aren te pobre. Era um a prova de
am izade e consideração q ue p e rm itia co n q u istar a d ed icação de pessoas, alargando o
círculo fam iliar. Por ocasião do crism a, ch egad a à id ad e da razão, p ad rin h o s ou m adri­
nhas podiam ser escolhidos en tre os m ais h u m ild e s. ■: . .
A niversários e fo rm aturas eram tam b ém ocasiões de festas nas fam ílias abastadas,
que a im pren sa da época não d eixava de rep o rtar. O s pobres, q ue nao festejavam seus
próprios aniversários, eram co n vid ad o s p ara esses festejos, q u an d o tin h am algum laço
com u m a fa m ília de posses. D ip lo m ar-se n u m a esco la su p erio r era, para o jovem
baiano, aco n tecim en to tão im p o rtan te q u an to casar-se. M u ito s escravos foram liber­
tados no século XIX em h o m en agem ao su rg im en to de m ais um ‘d o u to r’ .
Q uan to à m o rte, todos a tem iam nessa c id ad e em q ue as condições de higiene
eram precárias e as en d em ias e ep id em ias grassavam . O ín d ice de m o rtalid ad e infantil,
já o constatam os, era catastró fico . Ign o ro a ex p ectativ a de v id a d a po pu lação adulta,
talvez entre 45 e 50 anos. U m a co isa é certa: a m o rte aterro rizav a e estava sempre
presente. T odos usavam figas, a m u leto q u e, segu n d o se acred itav a, co n jurava essa
fatalidade. Os padres, em suas orações e h o m ilías, não se can savam de tran sm itir aos
baianos a im agem de um D eus v in gativ o e cioso, em d etrim en to daquele Todo-
M isericordioso do N ovo T estam en to . M u ito cedo, o b aian o era prep arado para en­
frentar a m orte, q ue o poria face a face com o C riad o r. Essa prep aração envolvia duas
etapas: prim eiro, o ingresso n u m a das num erosas irm an d ad es, o que dava a segurança
de ter um enterro decente; depois, a redação do testam en to , expressão das últimas
vontades, cm que as preocupações de ordem religio sa superavam de m u ito as de ordem
fam iliar.
Eram m uitos, dc fato, os baianos que red igiam seu testam ento “no gozo dc ótim a
saúde, com a m esm a m ente sadia que Deus [lhej deu, ign orando a hora que Deus
Nosso Senhor haveria por bem c h a n iá -[lo J”. Frases desse gênero eram geralm ente
seguidas por toda um a séríc dc invocações, tais com o: “R ecom endo m in h ’alm a ao
T odo-Poderoso, que a criou, c a Jesus C risto seu Pilho Ú nico, meu Senhor, que a
resgatou com seu precioso sangue, à V irgem M aria, Nossa Senhora m uito santa, a meu
santo padroeiro, a meu anjo da guarda c peço a todos os outros santos que intercedam
por mim agora e na hora de m inha m o rte.” O u ainda: “Recom endo m in h alm a à
Santíssim a T rin d ad e, que a ctio u , rogando à santíssim a M ãe de D eus, a meu anjo da
L iv r o III - A F a m íl ia B a ian a 215

guard a e san to p ad ro eiro e a todos os santos e santas da corte celestial que intercedam
por m im agora e q u an d o m in h a ím a d eixar m eu corpo, para que, com o um verdadeiro
cristão, eu possa esperar ser salvo graças aos m éritos desse m esm o Filho Ú n ico de
D eus1’. Em segu id a, o testam en to listava as irm an dades religiosas a que pertencia o
testador, pois em todas as classes sociais — in clu siv e as cam adas m ais hum ildes, com o
a dos alfo rriad o s — era co m u m o ingresso de u m a pessoa em várias delas. Descobri
algum as q ue p erten ciam a o ito .
A té 1 8 6 0 , era raro q ue se deixassem à fa m ília as decisões sobre o enterro , e m ais
raro ain d a desejar-se u m en terro sim p les, sem po m p a; para o período de 1 7 9 0 -1 8 2 6 ,
entre cem testad o res ex-escravos só 2 1 % dos ho m ens e 2 4% das m ulheres deixaram
suas fam ílias d e c id ir sobre seu se p u lta m e n to . M a s, se fizerm os o cálcu lo para o período
de 1 8 6 3 -1 8 9 0 , en tre cem testad o res, sem p re ex-escravos, 6 8 % dos hom ens e 64% das
m ulheres nao m e n c io n a ram a m a n e ira com o desejavam ser sepultados ou deixaram
isso a critério d a fa m ília .35 N os testam en to s dos pobres, boa parte dos parcos bens que
possuíam era d e stin a d a ao p ag a m en to das m u itas m issas a serem rezadas nos meses ou
anos sub seq üen tes à m o rte. A té os african o s recém -saído s da escravidão q ueriam um
enterro ap aratoso.
U m exem p lo é D a m ia n a V ie ira , african a d a C o sta da M in a , gan h ad eira, que
com p rara sua a lfo rria p o r cem m il réis.. Em 1 80 5 fez seu testam en to , onde aparecem
as sete irm an d ad es a q u e p e rte n c ia: N o ssa S en h o ra do R osário das Portas do C arm o,
Bom Jesus das N ecessid ad es e d a R ed en ção , Sao B en ed ito de São Francisco, Santa
Ifigênia d e São F ran cisco , N o ssa S en h o ra do R osário de S an tan a, N ossa Senhora do
Rosário d a C o n ceição d a P ra ia e B om Jesu s dos M a rtírio s .36 P ed ia q ue seu corpo fosse
enterrado com o h á b ito do seráfico São F rancisco e o féretro aco m panh ado pelo
reverendíssim o pároco , seu sacristão e m ais o ito padres. Seu corpo deveria ser trans­
portado no caixão d a Irm a n d a d e de N ossa S en h o ra do R osário das Portas do C arm elo
e seguido por todas as irm an d ad es a q ue p erten cia. D eixou tam bém u m a esm ola de 12
réis para cad a u m dos 12 pobres q u e d eviam tran sp o rtar o corpo até a Igreja do
Rosário dc N ossa S en h o ra das portas do C arm o , on de q u eria ser enterrada. O rdenava
que fossem rezadas seis m issas de corp o presente p ela alm a de seu finado m arido, seis
pela de sua filh a, tam b ém falecid a, e q u atro por todas as pessoas com q ue lidara seja
para com p rar, seja p ara ven d er". C o m o ú n ico bem , deixou um a escrava avaliada em
5 0 .0 0 0 réis e m óveis sin gelo s, declarados de pouco valor.
Jo aq u im de São Jo sé escreveu seu testam ento em 1857. Era um africano de mais
de sessenta anos, cx-cscravo dc Serafim G onçalves, viúvo em prim eiras núpcias de
Rosa B árbara — african a que cie liberto u para des posar — e casado em segundas
núpcias com M aria do B onfim , tam bém african a, libertada pela filha do próprio
Jo aq u im , do p rim eiro casam ento. No testam ento, declarou ser irm ão das Confrarias
de São B enedito e de São V icen te Fcrrer, am bas ligadas ao convento dos franciscanos.
Pediu que lhe fizessem o enterro uo m ais decente possível e encom endou 24 missas
cantadas por sua alm a, m ais 24 pela alm a da p rim eira m ulher. À filha, deixou um a casa
2 )6 B a h ia , S éculo X I X

na rua de Baixo e “quatro filh inh as” — que sua segunda m ulher tivera antes do ca*
sarnento — que deveriam ser “batizadas e educadas da m aneira mais apropriada pela
d ita filha V eríssim a”. Assim , as filhas que M aria do Bonfim tivera quando ainda
escrava, fora dos laços m atrim oniais, não foram libertadas, mas dadas à filha legítima
para servi-la.37
Em 1846, o norte-am ericano T hom as E w bank escrevia: “O corpo [do defunto]
fica sem pre exposto na peça prin cipal da casa; raram ente é velado por mais de 36
horas e, m uitas vezes, menos que as 24 im postas pela lei. Se o finado for casado, um
pano preto ornado com fios dourados é pendurado na porta de entrada; se for celiba­
tário, as cores são lilás e dourado; se for criança, azul e dourado. Os casados tinham
sempre caixões pretos, a m enos que fossem jovens, caso em que eram azul e verme­
lho. Os religiosos eram levados à sep u ltu ra num caixão que ostentava um a grande
cruz, o que não era perm itido aos leigos (...). A m antes de belos trajes, os brasileiros
eram sem pre enterrados com suas m elhores roupas, exceto quando algum hábito ou
roupa especial era preferido por razões religiosas. As m ulheres casadas eram envoltas
em lençóis negros e tin h am os braços cruzados, cada m ão pousando no braço oposto.
As solteiras eram envoltas em lençóis brancos, enfeitados de gu irlan das de flores bran­
cas, as mãos ju n tas em posição de oração. H om ens e rapazes tinham as mãos cruza­
das no peito. Os ocupantes de cargos oficiais eram enterrados com suas vestimentas
de função, os padres com suas b atinas, os soldados com farda, os membros das con­
frarias com as in d u m en tárias próprias. C rian ças de até dez ou doze anos eram vesti­
das com hábitos religiosos ou com o santas, com o an jin h o s ou com o m adonas. M eni­
nos pequenos, por exem plo, eram vestidos de São Jo ão , com um a plum a e um livro
nas mãos, ou de São José, segurando um pequeno bastão guarnecido de flores. M eni­
no cham ado Francisco ou A ntôn io em geral era enterrado com roupa de monge. Se o
nome era M igu el, vestiria um saiote e um a tú n ica, teria um capacete dourado e uma
das mãos em punhando u m a espada. As crianças eram consideradas anjos, e as mães
se alegravam de vê-las sub ir aos céus, preservadas das tentações e pecados que encon­
trariam na T erra.”38
N a visita que fez à B ahia em 1860, M axim ilian o , príncipe do Império Ausrro-
H úngaro — c futuro im perador do M éxico — , ao passar dian te do cem itério do
Cam po Santo viu um cortejo fúnebre no qual havia “um a carreta dourada, atrelada a
quatro cavalos pretos, com um dossel de veludo cheio dc franjas douradas e plumas de
avestruz pretas. Na rica boléia estava sentado, enfeitado como um macaco, uni negro
velho em libré espanhola. No carro triunfal havia um a cobertura preta e dourada que,
visivelm ente, nada cobria. Atrás seguia tnn corso de coches. Dessa vez tinham despa­
chado um ricaço, e os herdeiros voltavam a galope para casa, para o banquete alegre,
para a boa sesta, feliz c despreocupada,”39
O espetáculo e o esplendor do cerim onial que cercava os enterros eram muitas
vezes iguais para ricos c pobres, brancos ou negros, alforriados ou livres. M as se tais
exibições dc fausto e pom pa eram solicitadas por gente que muitas vezes só escrevia
L iv r o III - A F a m Ilia B a ian a 21 7

testam ento para con signar esses desejos, havia tam bém pobrcs-coitados, cujos cor­
pos eram conduzidos fu rtivam en te à sua ú ltim a m orada, graças à caridade pública.
O rom ancista X avier M arqu es deixou um a boa descrição do enterro de um desses
infelizes: “Da rua B aixa surge o cortejo fúnebre de um enterro de braço, composto
de um a confraria de negros envoltos em capas da cor dc ju n q uilh o s e de negras que
levam na cabeça, gu arn ecido s de flores, os tabuleiros com que vendem frutas e le­
gum es na rua, um a delas segurando até um b an q u in h o em que se podia pousar o
caixão para d escansar".40
O fato é que a ‘boa m o rte5 estava no centro das preocupações de todos os baianos.
‘M orrer b em 5 era o ú ltim o dever so cial do ho m em . O corpo era velado pela fam ília, os
parentes, os vizinh os. Q u an d o era levado para igreja de p aró q u ia, o dono da casa em
que fora velado jo g av a um copo d ’ág u a na d ireção do cortejo, dizendo: “Eu te conjuro,
que Deus te receb a!” D epo is, toda a casa era lim p a, para q ue o defunto não voltasse.
Após o enterro, a fa m ília oferecia, em h o m en agem ao finado, um lauto banquete a
todos os presen tes.41

A Q u a l id a d e d a s R e l a ç õ e s S o c ia is

C asam entos, n ascim en to s, an iversário s, fo rm aturas e enterros eram portanto, na Bahia,


acontecim entos q u e u ltrap assavam os lim ite s d a v id a fam iliar. T ornavam -se públicos,
com partilhados por todos os am igos e vizinh os. N a aleg ria e n a tristeza, os laços de
am izade se estreitavam , as so lid aried ad es se con so lidavam . Parentes e clientes estavam
sem pre presentes, por h u m ild es q u e fossem eles próprios ou a fam ília que ria ou
chorava,
Essa rede de apoio m ú tu o am en izava o peso das responsabilidades. N ão raro um
chefe de fam ília en tregav a a ed u cação de filhos m enores a escravos de sua confiança,
libertados por cláu su la testam en tária. D e protegido , o escravo passava a protetor — e
até a provedor — da fa m ília q ue o ed u cara e, m uitas vezes, o fizera aprender um ofício.
Uma co n tín u a troca de serviços e respon sabilidades, num espírito de solidariedade que
respeitava ten u em en te barreiras sociais im postas por lei, m an tin h a aberta e flexível essa
sociedade. Era relativam en te fácil passar dc escravo a hom em livre, ‘assim ilar-se ,
adquirir nova posição, tornar-se hom em ou m u lh er na plen a acepção da palavra,
assum indo todas as responsabilidades de chefe de fam ília.
A sociedade b aían a ab ria um sem -núm ero de cam inhos para a assim ilação e tinha
a capacidade dc apagar certas diferenças raciais e até sociais, dois planos em que a
população m estiçada devia ‘assim Ílar-sc’ para alcançar a com plera integração. Um tipo
de assim ilação podia preceder o outro. A assim ilação social era obtida por vezes em
etapas, via ‘branqueam ento*, pelo casam ento ou coabitação com parceiro de cor mais
clara. H avia tam bém assim ilações rápidas e com pletas num a única geração: um grande
íucesso m aterial perm itia galgar a escala social sem passar pelo branqueam ento . Mas
B a h ia , S éc u lo X I X

era ocorrência rara. O grande salto para a ascensão social era a alforria, e o ex-escravo
podia passar m uito tem po m arcando passo na cam ada inferior da hierarquia social.42
Já na segunda geração, e sobretudo na terceira, se tivesse havido m estiçagem , se os
traços da raça negra tivessem sido aten uados e se o sucesso m aterial e social fosse
notório, origens negras podiam ser co m p letam en te esqu ecid as.43 A liás, quanto maior
o êxito econôm ico e social, m enos lem bradas eram as origens.
É evidente que esse processo estava sujeito a norm as ditadas ‘de c im a , isto é,
fundadas num m odelo branco q u e envolvia relações de tipo p atriarcal, com tensões
enrre dom inadores e do m in ado s, protetores e protegido s. R elações dc dependência
perm eavam toda a escala social. O co m erciário que quisesse p ro gred ir em seu ramo
punha-se sob a proteção do patrão ; o fu n cio n ário , para ascender no serviço público,
depen d ia dos favores de alguém de posição m ais elevad a, q ue retrib u ía com sua fide­
lid ad e; o artesão que trab alh av a p ara u m em p reiteiro cu id av a de fazer um bom traba­
lho, que lhe granjeasse a co n fian ça do patrão ; o senhor de engenh o dependia do
negociante que, ao ven der sua p ro d u ção , aju d av a-o a m an ter sua posição social; o
po lítico q ue dava as cartas no seu d istrito sen tia-se m u ito m ais com prom etido com
outros po líticos — os q ue p articip av am das tom adas de d e c islo , na cap ital — que com
seu eleitorado. São co m p o rtam en to s que, em ú ltim a an álise, geravam laços dc solida­
riedade que in terlig av am os h ab itan tes d a cid ad e p a ra além dos lim ites tacanhos im­
postos pela catego ria social de o rig em , a cor o u o estatuto ju ríd ico .
O grande engan o d a m aio r p arte dos h isto riad o res sobre a q u alid ad e das relações
sociais em Salvad o r provém de suas fontes, larg am en te baseadas nas descrições feitas
por viajan tes estrangeiros, N ao p erten cen d o ao m eio, eles em geral n ad a m ais viam
que a espum a das ondas q u e agitav am m ais p ro fu n d am en te as relações sociais, deixan­
do-se ilu d ir por u m a aparen te in tegração racial e, sob retu do , social. C ito alguns de­
poim entos, tanto do in ício com o do fim do p erío d o q ue estudo.
Por volta de 1800, o inglês L in d le y confessou sua surpresa ao con statar a insensa­
tez das hierarq uias sociais b aian as: “A F rança, em sua fase de m ais com pleta revolução
e igualdade dos cidadãos, jam ais a excederia a esse respeito. V ê-se, aqu i, o empregado
branco conversar com o patrão em term os d a m aio r igu ald ad e e co rdialidade, discutir-
lhe as ordens e questionar a seu respeito, se são contrárias à op inião que ju lgue mais
fundada. E o superior o recebe de boa cara, con cordando freqüentem ente com ele. O
sistem a não fica nisso, mas estende-se aos m ulatos e até m esm o aos negros (..-)•
A tribuo essa prom iscuidade à ign orância geral que im pregna o país, pois nenhum
povo tem pretensões c m ais h a u teu r 011 reserva do q ue o brasileiro, ao passo que, na
realidade, menos a possui cm sua própria so ciedade.”44
É um com entário curiosam ente con traditó rio. Parece que L indley tenta opor o
com portam ento coletivo aos com portam entos in d ivid uais: a sociedade seria em geral
igu alitária e cordial, ao passo que as reações dos indivíduos seriam m arcadas pela
altivez e a reserva. O ra, L in dley dá precisam ente um exem plo de relação pessoa a
pessoa. Q uando e quem dava mostras da altivez e da reserva que ele postula como
LrvRo III - A F am Ilia B a ia n a

tragos do povo baiano? Estariam reservadas aos estrangeiros? O u tratar-sc-ia de uma


duplicidade de com portam ento: cordial e igualitário enquanto as normas sociais sc
m antinham , altivo e reservado quando estavam ameaçadas? Só urna análise dos meca­
nism os de controle das relações sociais p erm itiria elucidar estas questões.
V inte anos depois, os alem ães Spix e M artius escreveram : “N otam -se, sobretudo,
mesmo nas cam adas superiores da sociedade, feições que fazem lem brar a m istura
com índios e negros, c ral aconrece p rin cipalm ente em algum as das mais antigas
fam ílias da burguesia q ue se o rgu lh am , com razão, de sua origem , considerando-se
brasileiros naturalizados (...). N ão obstante, nota-se o preconceito contra essa origem
m estiça, pelo fato que m uitos procuram declarar, mesmo com docum entos legais,
como, por exem plo, nos registros de batism o , a cor de sua fam ília, de um a tonalida­
de que d ificilm en te lhes poderá reconhecer o ju lgam en to im parcial do estrangeiro.
A dem ais, as to n alid ad es m ais leves d a cor não fazem perder o prestígio na sociedade;
há pessoas de cor d istin tam en te m ista, sem que isso cause estranheza, e som ente para
o estatístico será d ifícil d eterm in ar o lim ite entre os de cor e os brancos legítim os, e
contar-lhes o n ú m ero ,”^5
A integração racial, m ais q ue a so cial, a traiu a atenção desses viajantes, embora
fossem fenôm enos tão in terd ep en d en tes. De fato, a descrição põe cm prim eiro plano
o com plexo racial daqu eles b aian os q u e tinh am conseguido ascender e tentavam ,
desesperadam ente, passar por brancos, o u , pelo m enos, por descendentes de índios.
Era m otivo de o rgu lh o ser b rasileiro , sem d ú vid a, mas desde que se pudesse provar que
não se tin h a traços do pecado o rig in al da escravidão. T riste a situação dos que tenta­
vam a todo preço passar po r brancos, de san gue pu ram en te europeu. T alvez fosse essa
a origem da am b ig ü id ad e q ue m arcava as relações sociais, ora abertas, ora rígidas, ao
sabor das circu n stân cias. M o strar altivez e reserva — as características notadas por
L indley — com os estrangeiros não seria reflexo do desejo de m ostrar que se era igual
ou mesmo sup erior a eles?
A inda sobre a sociedade b aian a, W eth erel escreveu: N ão existem altas classes
fechadas de sociedade — q u alq u er q ue seja o lu gar onde se vai, nota-se que todos os
tipos de pessoas são aceitos no m esm o pé de ‘cam aradas m uito bem . Nas recepções
encontram -se, entre algum as das m elhores pessoas, visitas que, na Inglaterra, seriam
corridas da sociedade resp eitáv el.”^ Q uem seriam essas pessoas de todos os tipos .
Gcntc pobre ou gente cu ja pclc escura a riqueza fazia esquecer?
Já no fim do século XIX, outro alem ão, D etm er, deu o seguinte depoim ento:
“M ais que tudo im pressiona que no B rasil, apesar da sensível diferença quanto à
propriedade, não existe praticam en te nenhum preconceito social. Ricos e pobres,
instruídos e não instruído s, rclacionam-.sc uns com os outros do modo mais cordial.
Freqüentem ente, o que sobressai de m aneira m ais louvável é o relacionam enro pura­
m ente hum ano; nenhum orgulho de um lado, c, do outro, nenhum a desagradável
m anifestação de servilism o.”^ D etm er chega a acrescentar que os alem ães, deste ponto
dc vista, deviam tom ar os brasileiros como modelo!
B a h ia , S é c u l o XIX
Í20

A s m u i t a s festas — f a m i li a r e s , p r o f a n a s , r e lig io s a s — t o n i f i c a v a m as relações


s o c ia is . R u a s e m e r c a d o s e r a m lo c a is d e e n c o n t r o s c o t i d i a n o s . N i n g u é m v iv ia e n c la u ­
s u r a d o . A c o m u n i c a ç ã o liv r e , n a t u r a l , n o s e io d a s f a m í l i a s , t e c ia a t r a m a d e laços
s ó lid o s e e fe tiv o s . E ra e m g r a n d e p a r t e g r a ç a s à f a m í l i a — n o s e n t id o m a is a m p lo do
t e r m o _ _ q u e o b a i a n o lu t a v a p e l a v i d a e t e n t a v a c o n t o r n a r s e g r e g a ç õ e s e p rec o n c e ito s.
E ra c o m s e u a p o i o q u e b u s c a v a p r o g r e d i r n a v i d a e e n f r e n t a r a m o r t e . A s fam ílias
p o d ia m p o r v e z e s ser s u f o c a n t e s , m a s s e m p r e r e p r e s e n t a v a m u m a m p a r o . E ram previ­
d e n t e s e, e m g e r a l, m a i s c o n c i l i a d o r a s d o q u e p a r e c i a m . C o m o P r o t e u , m u d a v a m de
f o r m a s e g u n d o as c i r c u n s t â n c i a s : p a r a m e l h o r a j u d a r o s a d u l t o s o u p r o t e g e r as c ria n ­
ças, r e p a r a r f r a q u e z a s h u m a n a s o u a d a p t a r - s e a o s p r o b l e m a s c r ia d o s p o r u m a so cied a­
d e e m q u e a e x t r e m a d i v e r s i d a d e d a s c o r e s d e p e l e , d a s f o r t u n a s e d a s cap ac id a d e s
p o d ia e n g e n d r a r t e n s õ e s c a t a s t r ó f ic a s .
LI VRO IV

O E s t a d o : O r g a n iz a ç ã o
e E x e r c íc io d o s P oderes
CAPÍTULO 1.5 ■

A H eran ça: O r g a n iz a ç ã o d o E st a d o
no F im do P e r ío d o C o l o n ia l

Pelo m eno s n a a p a rê n c ia , a a d m in istra ç ã o c o lo n ia l p o rtu g u esa era m ais cen tralizad o ra


q ue a e sp an h o la. N o in íc io d o sécu lo X IX , as co lô n ia s esp an h o las se d iv id iam em
q u atro v ic e -re in ad o s e q u a tro c a p ita n ia s g e ra is, q u e , em c in q ü e n ta anos, se transfor­
m aram em d ezessete p aíses in d e p e n d e n te s, N a m esm a ép o ca, o B rasil estava d ivid id o
em d ezo ito c a p ita n ia s g erais q u e p erm an ecera m u n id a s d ep o is d a In d ep en d ên cia. O
cap itão -g eral d e c a d a c a p ita n ia era n o m ead o d ire ta m e n te p ela C o ro a po rtuguesa e
tin h a q u e p restar co n tas a e la p elo q u e a co n tecia no territó rio q u e ad m in istrav a. N o
fim do sécu lo X V III, o v ic e -re i estava estab elecid o no R io de Ja n e iro , m as só exercia
sua a u to rid a d e sobre as c a p ita n ia s d o R io d e Ja n e iro , São P aulo e S an ta C a tarin a e a
co lô n ia do S ac ra m e n to . M esm o após .a ch eg ad a d a fa m ília real ao B rasil, em 1808, o
P ará e o M a ra n h ã o c o n tin u a ra m a tra ta r co m L isb o a, o q ue ex p lica a resistên cia que
opuseram à In d e p e n d ê n c ia do B rasil. ■
Essa situ ação foi d escrita p o r S a in t-H ila ire , q u e v isito u o p aís no fim desse período:
“C ad a c a p ita n ia p o ssu ía seu p eq u en o teso uro ; a co m u n icação en tre elas era d ifícil e
freq ü en tem en te elas até ign o rav am recip ro cam en te sua existên cia. N ão havia um centro
com um no B rasil: ex istia um c írc u lo im en so , cujos raios con vergiam para m u ito longe
da circu n ferên cia.”’ C o n seq ü ên cia: cada capitão -go vern ado r-geral parecia ser um senhor
cm sua casa, exercen d o p len a au to rid ad e sobre a Ju sriça , as F inanças e o Exército.

J u s t iç a e F in a n ç a s

O m agistrad o m ais im p o rtan te era o o u vid o r-geral, residente na cap ital de cada cap i­
tan ia e sup erior h ierárq u ico de ouvidores civis e crim in ais {m agistrados superiores, ou
desem bargadores, q ue deliberavam no T rib u n al de R elação, de segunda in stân cia), de
ouvidores de com arcas e distrito s (que tam bém exerciam o ofício de corregedores em

223
224 B a h ia , S é c u l o X I X

causas civis e crim inais) e de numerosos juizes, entre os quais os ‘juizes de fora’, qUe
geralm ente presidiam as câmaras m unicipais e eram provedores da Rea! Fazenda (en­
carregados dos testam entos, dos bens dos defuntos, dos ausentes e dos órfãos),2
Até a declaração de Independência, só a B ahia, o Rio de Janeiro e o Maranhão
tinham T ribunais de Relação, presididos pelo capitão-govcrnador-geral.3 Por volta de
1800, a Bahia tinha cerca de 85 juizes de prim eira e segunda instâncias, residentes em
Salvador, alguns dos quais pagavam à C oroa pelo direito de exercer o cargo. Segundo
V ilhena, os desem bargadores pagavam esses direitos ain d a em Lisboa, antes de partir
para o Brasil.'*
No início da colonização, havia um a estrita separação entre as adm inistrações finan­
ceira — confiada ao provedor da Fazenda — e p o lítica. M as, no governo do Marquês
de Pombal (1 7 5 5 -1 7 7 7 ), criou-se a Ju n ta de A rrecadação da Real Fazenda, verdadeiro
conselho de Finanças, presidida pelo governador-geral e integrada por altos magistra­
dos e altos funcionários, N a B ahia, por exem plo, faziam parte desse conselho, entre
outros, o chanceler do T rib u n al de R elação, o procurador da C oroa, o intendente da
M arinha e o oficiaí-m or da Secretaria.5 O utros serviços com pletavam a organização
financeira da C ap itan ia: a Ju n ta de A rrecadação do Subsídio V oluntário , a Secretaria
de Estado e Governo, a Intendêncía G eral do O uro, a C asa da M oeda, a M esa de
Inspeção (encarregada de controlar a q u alid ad e dos produtos exportados peia Bahia),
a Intendênçia da M arin h a e A rm azéns Reais e a A lfândega.
N a Bahia, o único cargo hereditário era o de secretário de Estado e de Governo
que, desde meados do século XVIII, estava nas mãos da fam ília Pires de Carvalho e
A lbuquerque. T am bém neste caso, só titulares de cargos subalternos deviam pagar
direitos ao serem nomeados. E xistiam 123 funcionários na área financeira da Capita­
nia no século XVTII. Som ados aos 85 juizes ou oficiais de Ju stiça, chegavam , portanto,
a 208 as pessoas envolvidas nessas áreas de governo. A ltos m agistrados e altos funcio­
nários eram escolhidos em Portugal, pois os brasileiros nao tinh am o direito de ocupar
os postos adm inistrativos m ais elevados, nem podiam ter esperanças de obter promo­
ções. M as havia um a exceção, raram ente efetivada antes de 1808: eram os cargos de
juizes de fora — juizes ordinários, geralm ente form ados em C oim bra, que lideravam
o Poder Judiciário nos 33 Term os da C ap itan ia da B ahia.6

O E x é r c it o

C o m seu peso n u m é ric o , com as h ie rarq u ia s sociais q u e a c e n tu a v a e revelava, com as


solidariedades q u e suscitava ou recusava, o Exército pesava de m a n e ira original nas
estruturas d e u m Estado q u e sem p re m an ifestara, d ia n te dos m ilitares, sentim entos
am bíguos, m esclados de a d m iraç ão e co nfiança, receio e ciúm es.
As forças arm a d as e ram com postas p o r reg im en to s de p rim e ira lin h a (ou ‘tropa
paga ) e por m ilíc ia s e ‘ tropas d e o rd en an ç a’.7 N o in ício do século XIX, a guarnição
L iv r o I\ Q E s t a d o : O r g a n iz a ç ã o e E xf.r c (c io d o s P oderes

m ilita r cia cap ital b aian a co m p reen d ia três regim entos (dois de infantaria e um de
a rtilh aria ) e u m a co m p an h ia de in fan taria, esta encarregada de guardar a fortaleza do
M o rro de Sao P aulo, q u e co n tro lav a a b arra do sul e a en trad a da baía. Ao Exército real
só cab ia p ro teger a cid ad e de Salvad o r e suas im ediações.
Em tese, as tropas de p rim eira lin h a deveriam contar com 3 .2 0 0 oficiais e solda­
dos, m as esses efetivos n u n ca estavam com pletos. A pesar do serviço m ilitar obrigató­
rio, o E xercito tin h a d ific u ld ad e em atrair o pessoal de que necessitava, pois os salários
eram m u ito baixos, m esm o q u an d o se lev a em con ta a com plem entação representada
por rações (feitas de fa rin h a de m an d io ca, carne-seca, saí e toucinh o) e pelo forneci­
m ento de v e stu á rio .V ilh e n a a v a lia em dois m il hom ens o efetivo das tropas por volta
de 1S00, q u an d o o salário m en sal de u m soldado d e in fan taria era de 1.410 réis (para
efeito d e co m p aração , registre-se q ue u m artesão recebia u m a d iária de cerca de 320
réis). A p a rtir do m o m en to em q ue a lg u é m se alistav a no E xército, tornava-se soldado
para o resto d a v id a , su b m etid o u n ic am e n te à Ju stiç a M ilita r, que tin h a um a reputação
de rigo r p ara co m os so ld ad o s rasos e dc clem ên cia para com os o ficiais.8 Q ualquer
hom em e n tre dezesseis e q u a re n ta anos p o d ia ser recru tad o , sobretudo se fosse solteiro;
m as eram p rin c ip a lm e n te os m u lato s livres q u e se apresen tavam com o voluntários para
o a listam en to . E ram isen to s do serviço o b rig ató rio os cu ltivado res de m andioca, os
escravos, os q u e p erte n c iam ao S an to O fício , os detentores dos m onopólios de sal,
v in agre, azeite de o liv e ira e, e n tre o u tro s, até os q ue d etin h am concessões para explorar
jogos de cartas!
Por cau sa d essa fa lta de v o lu n tário s, o E stado se v ia obrigado a recorrer ao recruta­
m ento fo rçad o , q u e m a n tin h a a cid ad e e seus arredores em con stante estado de alerta.
V ilh en a co n ta d e ta lh a d a m e n te os p ro ced im en to s “rep u gn an tes” do E xército, que es­
palhava u m reg im en to in te iro p ela cid ad e, com ordem de p ren d er todos os brancos,
sem exceção, p ara tran cá-lo s na prisão . S o m en te u m a dessas operações perm itiu que
“445 pessoas de diversas q u a lid a d e s” fossem levadas, entre as quais havia até dois
padres! R ecru tam en to s desse tip o tam b ém eram organizados no Recôncavo e nos
cam pos vizin h o s, em q ue cap itães “m enos pios que um N ero davam livre curso a suas
paixões e cap rich o s. V ilh e n a acrescen ta que, assim q u e com eçavam essas cam panhas de
recrutam ento , a fom e torn ava-se fatal pois os “agriculto res, tanto pais como filhos,
receosos d e os p ren d erem , se m etem ao m ato ”, deixando de cu ltivar os alim entos
indispensáveis à so b revivên cia de populações que estavam sem pre à mercê da fome,
Esse sistem a acarretav a gran d e problem a p ata as tropas: a deserção. Em 1808, 20 ^ dos
efetivos da gu arn ição de Salvad o r fugiram , em geral para o Sertão, em cujo povoamen­
to os desertores acabaram por desem penhar im portante papel. No regim ento de
filh aria, que n o rm alm en te contava com 1.200 hom ens, houve 71 desertores em 1813.
O núm ero de o ficiais nao guardava proporcionalidade com o das tropas, porque
a carreira daqu eles co n tin u av a a ter certo prestígio social. Os regim entos tm am
oficiais extras em todas as patentes, que eram cham ados agregados . E es e
qüen tem ente recrutados em P ortugal e, m uitas vezes, antes de chegar a Salvador
226 B a h ia , S é c u o XIX

tinham servido em outras partes do Reino. Trarava-se essencialm ente de oficiais de


alta patente, já que nessa época o com ando m ilitar estava nas mãos dos ‘reinóis', ou
seja, os oriundos da M etrópole. N a B ahia, os oficiais subalternos eram recrutados de
outra forma: 90% dos sargentos, alferes e cadetes eram gente do lugar. Os primeiros
eram recrutados na tropa, em geral entre pessoas de cor, e tinham pouca possibilidade
de chegar a tenente (ou alferes). M as, para entrar no Exército como cadete, era preciso
pertencer a um a fam ília de m ilitares ou ser parente de detentor do título de fidalgo
No fim do período colo nial, a corporação m ilitar havia se tornado numa casta
relativam ente fechada. O m ais das vezes, as patentes eram concedidas aos descenden­
tes dos oficiais m ais antigo s, m esm o entre vivos. M as, da m esm a forma que no servi­
ço civil, não havia com pra de cargos: tratava-se de recom pensar os que serviam ao
rei, e a recom pensa podia ser a trib u íd a até a colaterais bastante afastados. Numerosas
fam ílias de senhores de engenho (por exem plo, os M eneses, os D ória, os Argolo, os
M uniz Barreto) deram oficiais às forças arm adas. H avia tam bém fam ílias de militares
portugueses (como os B althazar da S ilveira, os M atto s T elles, os M enezes ou os Sou­
za Portugal) que tinh am criado raízes na B ah ia e, para obter prom oções, dependiam
da vontade do governador. M o rton cita o caso do m ajor Pedro A lexandrino de Souza
P ortugal, filho e neto de m ilitares, que requereu duas vezes, sem êxito, o grau de
tenente-coronel, ao qual considerava ter direito : n a p rim eira vez, um oficial portu­
guês obteve o posto; na segunda, foi a vez de um oficial o riginário da C apitania de
M inas G erais.11
D urante o período co lo n ial, os postos de com ando perm aneceram , em geral, nas
m ãos dos portugueses, mas os brasileiros form avam a m aior parte dos efetivos das
forças arm adas. As tropas portuguesas só chegaram ao Brasil depois de 1808 e, sobre­
tudo, de 1817, concentrando-se especialm ente nas capitanias da Bahia e do Rio de
Janeiro. A m aioria desses soldados brasileiros era form ada por m ulatos oriundos das
classes menos favorecidas da população. M u lato s e brancos form avam a oficialidade
média e subalterna, de m odo que, às rivalidades que opunham brasileiros e portugue­
ses, acrescentaram -se as que opunham brancos e m estiços. Elas se tornaram explosivas
durante as guerras pela Independência da B ahia e tiveram grande peso nas revoltas de
1824 e 1837.
A defesa dos territórios baianos tam bém era assegurada por corpos auxíiiares,
como os regimentos dc m ilícias e de ordenanças, colocados, com o beneplácito do
Estado, sob o comando direto das classes privilegiadas, que deviam prover seu susten­
to. As m ilícias, criadas no século XVII, formavam na Bahia doze regimentos, dos quais
quatro com sede em Salvador e quatro no Recôncavo. Com exceção dos majores c
sargentos (pagos pelas respectivas m unicipalidades), a oficialidade desses corpos auxi-
líares não seguia neles um a carreira, nem era remunerada, pois as funções que exer
ciam, consideradas honoríficas, eram m uito cobiçadas, além de compatíveis com o
exercício de outros ofícios. Ser oficial das m ilícias representava freqüentemente o
primeiro passo para conseguir o enobrecimento e abria cam inho para que os filhos
L d ro IV O E s t a d o : O r g xn izaç ao e Exercício d o s P o d e r f x
227

serv issem c o m o c ad e tes n a s forças a r m a d a s reg u lares. O p restígio tam b ém d e c o rn a do


fato d e q u e a n o m e a ç ã o d e p e n d ia de u m a p a te n te real e d a fo rtu n a necessária ao
e x e rc íc io d o c a rg o . P ata c h e g a r a c o m a n d a n t e d e u m re g im e n to d e m ilícia, eta preciso
ter servido em um regim ento de prim eira lin h a .12
Para a C ap itan ia da B ahia, o critério de organização dos regimentos era geográfi­
co. M as, em Salvado r, esse critério era dc ordem profissional e racial. A li, faziam
parte das m iticias todos os hom ens adultos e livres que não servissem nas tropas de
prim eira lin h a ou nas ordenanças. O 1° R egim ento de Salvador era todo branco
constituído po r com erciantes e seus em pregados; o 2 - Regim ento também era consti­
tuído por brancos; m as o 3 0 eo4<> eram form ados por pessoas de cor. Os negros do
3 o R egim ento eram cham ados ‘h en riq u es’, cm hom enagem a H enrique Dias, negro
livre que o rgan izara a resistên cia contra os holandeses no século XVII. No início do
século XIX, o coronel desse regim ento era branco, mas todos os outros oficiais eram
negros, com o Jo aq u im Félix de San fiA nn a, um ex-escravo, nascido no Brasil, que se
tornara b a rb eiro ;13 o 4 o R egim en to — o dos m ulatos — era com andado por um
sargento-m ajor m u la to .14
T eo ricam en te, os efetivos desses quatro regim entos auxilíares eram os mesmos que
os dos regim en tos de p rim eira lin h a: 3 .2 0 0 hom ens. M as eles tam bém viviam incom ­
pletos (2 7 % de ho m ens a m enos, por volta de 1800). A lém disso, eram considerados
m al p rep arad o s15 e in e fic ie n te s.16 T o d avia, foi graças às m ilícias que o poder real
conseguiu associar as po pu laçõ es da C ap itan ia para m anter a ordem pública (aum en­
tando a in flu ên cia das form ações p aram ilitares) e, ao mesmo tempo, pela distribuição
de patentes e funções, in cen tivar o gosto dos brasileiros por cargos honoríficos.
O s o rd en an ças tam bém eram corpos auxilíares, organizados segundo o ‘Terço1
Ibérico, com q u atro p aten tes de oficiais, em vez de seis, como nos outros regim entos.17
M as não tin h am o p restígio das m ilícias. A s pequenas com unidades do interior da
C ap itan ia só d isp u n h am de com panhias de ordenanças. Em Salvador, no início do
século XIX, o T erço d a C av alaria tin h a quatro soldados e ... quarenta oficiais!
T am b ém custeadas por p articulares, essas com panhias exerciam , sobretudo, fun­
ções po liciais, com o a proreção dos gêneros alim entícios que cruzavam as estradas com
destino às cidades. C a b ia ao governador da C ap itan ia, e não ao rei, conceder as
patentes, que não contavam para efeito de enobrecim ento. Apenas o capitão mor
gozava de estatuto social sem elhante ao dos oficiais da m ilícia. M as, como no caso as
m ilícias, cabia aos oficiais prover as arm as, as roupas e a manutenção das tropas.
N as com unidades do interior, os capitães-m ores escolhidos a part
tríplice — eram encarregados de m anter a ordem, lazer respeitar a lei, recrutar so
dos para o Exército e vigiar os escravos, exercendo comando inclusive sobre os capi-
taes-do-m ato, especializados na captura de escravos fugitivos. Eram esco i
fam ílias ricas de cada localidade: grandes cultivadores de m andioca e outros produtos
básicos no Litoral S u l, proprietários de gado bovino no Sertão e importantes senhores
I Q
d e engenho no Recôncavo.
B a h ia , S éc u lo XIX

Era a um a elite prestigiosa que a Coroa confiava os encargos policiais e, contanto


que a paz fosse m antida, não se preocupava em saber quais os m étodos empregados
pelos representantes de sua autoridade. Para ela, esses corpos auxilíares proporciona­
vam vantagens evidentes; com pletavam os efetivos do Exército regular, de recrutam en­
to difícil, pois aos brasileiros desagradava a idéia de serem soldados a vida toda;
perm itiam ao Estado dispor de forças m ilitares ou param ilitares que não lhe custavam
nada; satisfaziam os desejos de poder dos chefes locais e os associavam à defesa do país
e da ordem ; enquadravam a população livre, boa parte com posta de alforriados ou
descendentes destes. M elhor ain d a, essas form ações arm adas reforçavam laços de soli­
dariedade estabelecidos por parentescos de ordem bio lógica ou esp iritual, que já des­
crevemos. As hierarquias desses corpos p aram ilitares reproduziam e perpetuavam exa­
tam ente as hierarquias sociais,1*1 e não me consta que se tenham revoltado algum a vez
contra o poder real.

O G overno L o cal ' ■.v- . -

As estruturas básicas do governo íocal eram tão anrigas quanto as do governo geral;
havia dois juizes ordinários, três vereadores escolhidos an u alm en te, um escrivão, um
procurador e dois ‘alm otacés’ (encarregados de controlar a q u alid ad e dos produtos
vendidos nos mercados locais, os pesos e m edidas e as condições de higiene e limpeza).
Juntos, eles form avam a C asa de V ereação, ou C onselho de V ereação, tam bém cham a­
do em Salvador, desde 1646, de Senado da C âm ara. N o in ício do século XIX, este
órgão conservava a m esm a estrutura de 1696, mas o núm ero de funcionários que ali
deliberavam aum entara bastante, atin gin do 3 2, com funções bem específicas.20
Tratava-se de conselhos sem nenhum a atrib uição legislativa, mas nem por isso
desprovidos de im portância na vida local. Ao contrário. Cabía-Ihes tratar de pequenos
roubos, agressões ou in jú rias, cuidar das vias públicas, fixar taxas urbanas (pagas por
com erciantes e artesãos) e assim por d ian te.21 Juizes e vereadores eram escolhidos entre
os homens bons’, reconhecidos por sua riqueza e seu estatuto social elevado e chama­
dos a compor esses conselhos m unicipais que, se não tinham atribuição legislativa, até
o fim do século XVIÍ desem penharam um papel político im portante, defendendo,
junto ar> poder central, os interesses dos produtores estabelecidos em Salvador e no
Recôncavo. A tal ponto que, em 1696, a presidência do Conselho M unicipal de
Salvador foi confiada a um juiz de fora, nomeado pela Coroa. D aí em dianre, em tese,
os membros do conselho m unicipal passaram a ser nomeados pelo governador; na
prática, porém, continuaram a scr escolhidos por seus pares.22
No século XVIU, o papel político da Câm ara M unicipal de Salvador dim inuiu, ao
passo que aumentou o das câmaras das vilas do Recôncavo c do interior. Ali, os juizes
de fora nomeados pela Coroa nunca tiveram bastante autoridade para oferecer resis­
tência à atuação dos poderosos locais. Alguns votos dos vereadores conseguiam anular
L ivro I V - O Es t a d o : O r g a n iz a ç ã o e E xercício d o s P oderes 229

decisões dos m agistrados que, depois de certo tempo, acabavam por adotar os pontos
de vista do patriarcado rural local. Os ofícios m ais im portantes eram vitalícios,23 e os
seus beneficiários estavam isentos de alguns im postos.24
Os analistas definem o Estado português como patrim onial. O reí organizava o
poder político de m aneira patriarcal, com a estreita colaboração de seus súditos, que
dele esperavam favores e funções. ‘O rdem p ú b lica1 e ‘ordem privada’ operavam ju n ­
t a s , n u m sistem a de difícil gerência: era m ister que o rei lim itasse o crescim ento da
aristocracia local, a duração dos cargos concedidos e a influência das relações fam iliais
e, sobretudo, tomasse conta de todos os níveis adm inistrativos, tornando com petitivos
os diversos setores políticos, para q ue exercessem vigilân cia uns sobre os outros.26 Esse
Estado patrim on ial corresponde perfeitam ente às descrições que fizemos. No Brasil,
em todos os níveis, ordem pública e ordem privada colaboravam estreitam ente. Falta
saber qual a natureza dessas relações, e, sobre este ponto, as opiniões divergem .
O baiano N estor D uarte representa um a posição extrem a. A nalisando o sistema
político do Brasil C o lô n ia, enfatiza o poder da aristocracia rural dos senhores de
engenho e dos criadores de gado, poder baseado na ocupação e povoam ento das terras
por esses m esmos proprietários, sem intervenção da Coroa. D estarte, os proprietários
eram livres para ‘go vernar’ suas terras como achassem m elhor. T ornando-se centrífu­
go, esse poder m udou de natureza, deixando de ser um a função pública para transfor­
mar-se num a função privada. D uarte assegura que as aristocracias rurais governavam,
prom ulgavam leis, faziam ju stiça, com batiam tribos indígenas. Nos estabelecim entos
rurais ele vê verdadeiros castelos feudais. Esse m odelo se teria perpetuado ao longo de
todo o século XIX: “A grande paz do Im pério e seu equilíbrio encontravam apoio
junto a esses senhores territoriais que forjavam a força econôm ica e o poder m aterial
do Estado. Ela representava tam bém a única parcela ‘p o lítica’ da população brasilei­
ra.”27 Os senhores da terra teriam , pois, tom ado o poder, atributo do Estado, e o
teriam conservado m esm o depois da Independência.
Raim undo Faoro diz exatam ente o contrário. Para ele, a conquista da terra e a
colonização foram obra do poder real, que soube orientá-las nos m ínim os detalhes.
A iniciativa privada agia sob a proteção e a tutela do rei e de seus vigilantes agentes.
O F.stado português seria, por natureza, centralizador e patrim onial; possuiria um
vasto m ecanismo dc controle sobre a vida econôm ica e a ação política da aristocracia
agrária, Faoro adm ite a existência dc tendências centrífugas e descentralizadoras, mas
afirma que, tanto na época colonial quanto no século XIX, o poder central soube
como com batê-las, com m aior ou menor sucesso. Segundo este autor, uma grande
parte da história política do Brasil gira em torno dos temas da centralização e da
descentralização.2*1
O que separa os dois autores não é uma divergência quanto à natureza do poder.
Os dois admitem a dualidade ‘poder público’ e ‘poder privado’. Divergem sobre os
procedimentos adotados pela aristocracia rural para exercer uma parte do poder do
Estado e sobre os lim ites desse poder, Para Duarte, a aristocracia, usurpadora do
230 B a h ia , S é c u l o XIX

p o d er, era cap az d e d it a r su a lei ao E sta d o , ao passo q u e , p a r a F ao ro , ela gozava tão


s o m e n te d e u m p o d e r d e le g a d o p o r u m E sta d o q u e c o n tr o la v a p e rfe ita m e n te a situa
ção . A m b a s as teses tê m s id o revistas. F e r n a n d o U r ic o e c h e a , po r ex e m p lo , a d m ite qu e
a e m p r e s a c o lo n ia l e c o m e r c ia l foi c o n d u z id a e e s t im u la d a p e la C o ro a , m as frisa a
im p o r tâ n c ia da in ic ia t iv a p r iv a d a nos seto res d a p r o d u ç ã o c a n a v ie ir a , em q ue o enge­
n h o fu n c io n o u c o m o u m a in s t it u iç ã o d e f r o n t e ir a .29
N a r e a lid a d e , o m o d e lo b r a s ile iro é m u it o c o m p le x o . T u d o se passa co m o se, no
fim d a é p o c a c o lo n ia l, o E sta d o b r a s ile ir o fosse a c o m b in a ç ã o d e u m p o d er altam ente
c e n tra liz a d o , d ir ig id o p elo m o n a r c a e s u a a d m in is t r a ç ã o , e d e u m p o d e r descentraliza­
d o , m o n o p o liz a d o p elo s s e n h o r e s d a te rr a . O s s e n h o re s d e te rra , a liá s, receberam o
p o d e r p o r d e le g a ç ã o d a a u t o r id a d e c e n t r a l. 30 H o je , os h is to ria d o re s b u s c a m o m o m en­
to e m q u e o E sta d o a s s u m iu a p l e n i t u d e d o p o d e r q u e c o m p a r t ilh a r a com a ‘ordem
p r iv a d a ’ e te n ta m d e f in ir os m e io s q u e e le u s o u p a r a isso, O p e r ío d o im p e ria l parece
te r sido u m a e n c r u z ilh a d a p a r a essa m u t a ç ã o p r o f u n d a , e s tr u t u r a l, q u e tran sfo rm o u o
E stado p a tr im o n ia l e m E sta d o b u r o c r á t ic o . A I n d e p e n d ê n c ia c r io u as co n d içõ es neces­
sárias p a ra o d e s e n v o lv im e n to d e u m a v id a p o lít ic a m a is a m p la , O s u rg im e n to de
novas in s titu iç õ e s p e r m it iu q u e os b r a s ile ir o s e n f r e n ta s s e m d ir e t a m e n t e o governo e
d e u , a este ú ltim o , c o n d iç õ e s p a r a e x e r c e r u m c o n t r o le m a ís rig o ro so sobre seus tute­
lad o s. O e stu d o dessas n o v as in s t it u iç õ e s a c e n t u a c o m v ig o r as m u ta ç õ e s q u e surgiram
no d eco rrer do sécu lo X I X e no s p e r m it e c o m p r e e n d e r o q u e m u d o u e o q ue perm a­
n eceu está tic o n a re la ç ã o d e fo rças e n tr e as d iv ersa s c a te g o r ia s sociais cham adas a
p a rtic ip a r desses n o vo s p o d e re s. P o is, e m ú lt im a a n á lis e , o q u e im p o r ta é saber se a
a n tig a o r d e m p r iv a d a c o n s e r v o u to d as as suas p r e r r o g a tiv a s o u se foi o b rig a d a a dividi-
la com a g en tes o r iu n d o s de n o v as c a m a d a s so ciais.
■ ;. - ' CAPÍ TULO 14 ..

O R e g im e M o n á r q u ic o B r a sil e ir o
1822-1889

O Brasil n u n ca foi co n sid erad o pelos portugueses com o u m a colônia, mas como um a
‘terra de a lé m -m ar'. A p a rtir de 1 8 0 8 -1 8 1 0 , a In d ep en d ên cia b rasileira am adureceu
grad ativam en te, com a ch egad a da fa m ília real ao R io de Jan eiro , a abertura dos portos
às nações am igas, a a ssin a tu ra d e um tratad o de com ércio com a Inglaterra, e, sobre­
tudo, em 1 8 1 5 , com a elevação do B rasil à con dição de reino, ain d a unido a Portugal.
Foi necessário eclo d ir, em P o rtu gal, a R evo lução C o n stitu d o n a lista de 1820 para que
o rei dom Jo ão VI tom asse a decisão de d eixar o B rasil e regressar a Lisboa, entregando
a regência do E stado a seu filho Pedro. M as as cortes portuguesas se recusaram a
reconhecer que o B rasil tivesse os d ireito s po líticos e econôm icos de um Estado sobe­
rano, provocando assim , nos b rasileiro s, sentim ento s de revolta em tudo sem elhantes
aos que co n d u ziram as ou tras regiões da A m érica L atin a à indep endên cia. A m aioria
dos brasileiros enviados às cortes po rtuguesas preveniu essa assem bléia de que a união
entre os dois países ficaria am eaçad a se o antigo estatuto fosse restabelecido e Lisboa
insistisse em no m ear os governadores das províncias, in d icar os com andantes m ilita­
res, exigir a volta do p rín cip e regente e se opor à criação de um parlam ento e de uma
universidade no B rasil.
Os grupos d o m in an tes da sociedade brasileira se dividiam em três tendências,
que freqüentem ente sc opunham com vio lência. Os ‘tradicio n alistas’ eram portu­
gueses, ou brasileiros descendentes de portugueses, m uitos dos quais haviam feiro
na M etrópole o eurso universitário . N egociantes, funcionários, oficiais ou membros
da alta hierarquia eclesiástica, só depositavam confiança em instiruições já estabele­
cidas. Os ‘realistas’ — fortes entre os proprietários de rerras e os altos funcionários
brasileiros — com p arrilh avam as idéias dos trad icio n alistas, na m edida em que
desejavam preservar a sociedade tradicio nal. Reconheciam , entretanto, a necessidade
de reformas. Por fim , os ‘exaltados’, m ais num erosos, queriam m udanças sócio-

231
2^2 B a h ia , S é c u i.o X IX

políticas m ais profundas. Pequenos c médios proprietários, pequenos comerciantes


membros das profissões liberais, pequenos funcionários, quadros médios do Exército
e m embros do baixo clero integravam essa tendência, que dispunha de oradores in­
flam ados, capazes de galvanizar os deserdados, os brancos pobres, os homens de cor
e até os escravos.
Essas três tendências com eçaram a se form ar no fim do século XVIII, quando um
vento de liberdade soprou em roda a A m érica L atina. No Brasil, duas tentativas
revolucionárias tiveram lu gar nessa época: a Inco nfidência M in eira, liderada por
T iradentes (1 7 89 ), e a R evolução dos A lfaiates (1 7 9 8 ).1 O rom pim ento do pacto
colonial, a in dep en dên cia dos Estados U nidos, a Revolução Francesa e a crise das
nações ibéricas nos prim eiros anos do século XIX prepararam o terreno para as revoltas
que, entre 1807 e 1823, desestruturaram , na A m érica, o im pério espanhol.2
O Brasil ficou praticam en te à m argem dessas agitações (em 1 8 1 7 a C apitania de
Pernam buco e suas vizinhas — P araíba, Rio G rande do N orte e C eará — foram
sacudidas por um m ovim ento revolucionário, m as fot exceção, rapidam ente debelada
pelas forças da o rd em ).3 H á tendên cia em explicar esse paradoxo pela flexibilidade do
aparelho do Estado que, in tro duzin do reform as econôm icas, teria conseguido evitar a
explosão por alguns anos: o m onopólio português do com ércio exterior foi quebrado
pela presença de com erciantes de outros países europeus e da A m érica do Norte; as
restrições às atividades in d u striais foram abolidas em 1808; novas oportunidades apa­
receram para os investidores brasileiros. M as a transferência, para o Brasil, do centro
das decisões em todos os setores tam bém deu, aos brasileiros, esperanças de maior
participação nos negócios do país. '
A partir d a decisão de tornar-se país soberano, o Brasil conquistou total indepen­
dência num período extrem am ente curto, se com parado aos quinze anos de cruéis
guerras civis ocorridas nas colônias espanholas. A independência brasileira não fez
tantas vítim as -— ou m ártires — quanto a dos países de lín g u a espanhola, mas isso não
im pediu que certas capitanias do N orte e do N ordeste (M aranhão, Piauí, Pernambuco
e, sobretudo, Bahia)^ tivessem que recorrer à lu ta arm ada para conquistá-la. Os com­
bates opuseram as três tendências políticas rivais, deixando feridas dolorosas durante
mais de vinte anos.
Nesse contexto, construir o Estado brasileiro e preservar a unidade territorial do
país foram tarefas árduas e laboriosas. O sucesso foi garantido pelo triunfo das tendên
cias conservadoras, que souberam unir as elites políticas de todos os matizes, alíceiçando
as novas estruturas dc um Estado poderoso. O mérito ainda é maior, se considerarmos
que os problemas internos eram acom panhados de graves problem as de política exter
na; além dc se fortalecer econom icam ente, o novo Estado brasileiro devia afirmar se
internacionalm ente e lutar para preservar suas fronteiras num a região em que as anti
gas metrópoles ibéricas, deliberadam ente, tinham mantido incertezas e indefinições
geográficas. Antes da Independência, os portugueses chegaram a lutar com a França,
em Caiena, que conquistaram em 1808 e restituíram em 1817. E, desde o fim o
L i v r o IV - O E s ta d o : O r g a n i z a ç ã o e E x e r c íc io dos P o d e re s 233

scculo X\ II, Portugal e Espanha se defrontavam , sobretudo na região lim ítrofe do


Prata, que o prim eiro tentou ocupar sucessivam ente em 1811, 1816 c 1820. O con­
flito term inou em 1828 com a criação de um ‘estado tam pão’, o U ruguai, onde era a
antiga Província C isp latin a, não sem antes quase provocar um a guerra entre o Brasil
e as Províncias U nidas do Rio da Prata.
Não tenho a intenção de traçar um a análise m inuciosa e circunstanciada das lutas
do Brasil com as nações estrangeiras e da construção do Estado brasileiro na época da
M onarquia. Proponho apenas, com grandes pinceladas, um quadro cronológico, dis­
tinguindo três períodos entre 1822 e 1889: o da construção (até 1850), o da consoli­
dação (de 1851 a 1870) e o da degradação do sistem a de governo m onárquico e cons­
titucional (até 1889). • ■

A C o n s tr u ç ã o d o E s ta d o ( 1 8 2 2 - 1 8 5 0 )

Dom Pedro I, regente do B rasil depois da p artida de seu pai em 1821 foi coroado
im perador um mês após a proclam ação da Independência, ocorrida em setembro do
ano seguinte. N um erosas cap itan ias (que, então, se tornaram províncias) ainda esta­
vam em fase de pacificação. D iv id id a, a B ah ia lutava penosam ente contra os corpos
expedicionários portugueses, en q u an to o Pará proclam ava seu apego à M etrópole e
Pernam buco p ro p u n h a um sistem a de governo descentralizado e federativo. Em 1824
a pacificação estava feita, m as as tensões po líticas cresceram — especialm ente em
Bahia, São Paulo e M in as — depois do fecham ento da A ssem bléia C onstituinte e a
outorga, pelo m onarca, d a p rim eira C arta C o n stitu cio n al do novo país, discutida
pelos seis m inistros e as q uatro personalidades (todos brasileiros) que integravam o
Conselho de Estado.
N a prim eira A ssem bléia L egislativa (1 8 2 6 —1829), os deputados liberais eram mais
numerosos que os fiéis a dom Pedro I. Por outro lado, a situação econôm ica do país
não era brilhante. N as regiões tradicio n ais do açúcar, a Independência, com suas lutas,
revoltas populares e sedições m ilitares, foi responsável por baixas na produção e na
exportação. Já não havia m aís o recurso ao crédito dos com erciantes portugueses. A
fabricação dc falsa m oeda de cobre provocou um a inflação'que o Banco do Brasil não
pôde controlar, indo à falência em 1829. A situação de beligerância contra as Provín­
cias Unidas do Rio da Prata absorvia recursos, aum entava a dívida pública e desvalo­
rizava o real (m oeda nacional de então). Os deputados queriam participar de fato das
decisões do Estado. Não ficaram satisfeitos nem com a abolição do tráfico, nem com
alguns privilégios de ordem com ercial, que gostariam de ver concedidos a todas as
nações am igas, e não só à França e à Inglaterra, como ocorreu.
A partir de 1826, entre a M onarquia e as forças políticas do país instalou-se um
conflito, atiçado por um a im prensa espalhafatosa e^virylenta. Dom Pedro I teve que
abdicar em favor de seu filho menor. Não obstante esse quadro, a Constituição e a
234 B a h ia , Sfeuu» X IX

organização do novo Estado puderam scr votadas, perm anecendo cm vigor durante
todo o período m onárquico, sem grande m odificação.
A Regência, que durou dc 1831 a 1840, teve que enfrentar desorganização das
produções tradicionais (açúcar, tabaco, algodão, especiarias), sedições e lutas políticas
Enquanto os m ovim entos revolucionários im pediam o desenvolvim ento da agricultu­
ra no cam po, lutava-se na C orte para d ecidir se o poder devia ser confiado a um grupo
dc homens (Regência T rín a, 1 8 3 1 -1 8 3 5 ) ou a um só (Feijó, 1 8 3 5 -1 8 3 7 , e Araújo
Lima, 1 8 3 7 -1 8 4 0 ). No cam po da p o lítica exterior, nesse período o Brasil se opôs à
Santa Sé (a respeito do Padroado, de que tratarem os depois), à França e à Inglaterra
(a respeito de suas fronteiras com uns nas G uianas) e ao U ruguai (a respeito das
fronteiras fixadas em 1771 pelo T ratado dc Santo Ildefonso). Esta últim a era questão
m elindrosa, pois o Rio G rande do Sul estava em plena sedição desde 1835-
A inda não havia verdadeiros partidos políticos, mas os deputados se agrupavam
cm torno dc três form ações: a dos ‘caram u ru s’, tendcn cia conservadora que conspirava
para restaurar o poder dc dom Pedro I; a dos ‘exaltados’, que queriam m aior autono­
m ia para as províncias; e a dos m oderados ‘cham an go s’, nos quais se apoiava o gover­
no, que tínha m uita d ificu ldade para m an ter a unidade do Estado. Entre 1831 e 1845,
foram j^ecenseadas trin ta revoltas arm adas no J5ras|L No N orte e Nordeste, as^duas
províncias m ais atin gid as por esses m ovim entos foram a B ahia e o Pará, que se loca­
lizavam longe da sede do governo e eram centros exportadores de algodão, especiarias,
tabaco e, sobretudo, no caso da B ahia, açúcar.
Apesar das revoltas, do d éficit da balança com ercial (pois as exportações dos
produtos tradicionais ficaram no mesmo nível de antes da Independência, mas as
im portações progrediram a partir de 1 830), da falta de créditos e da inflação ascenden­
te, a Regência conseguiu com pletar a obra legislativa do período anterior.5 Em 1840,
com quinze anos de idade, dom Pedro II foi coroado. Sua m aioridade antecipada tinha
sido exigida por grande parte das forças políticas do país. Jovem dem ais para governar
sozinho, ora buscou o apoio dos liberais, ora dos conservadores, mas conseguiu paci­
ficar as províncias ainda revoltosas (Pernam buco em 1848, Rio G rande do Sul em
1849). A prom ulgação, cm 1847, da nova lei eleitoral e a criação do cargo de primeiro-
m inistro, responsável pelo governo dian te do Parlam ento, contribuíram para que se
estabelecesse certo equilíbrio entre liberais e conservadores, inicíando-se uma alternância
no exercício do poder, que contrastava com as eleições truncadas e os movimentos
scdicíosos do período anterior. Os rratados de com ércio foram renegociados e o gover­
no, após 1844, instaurou uma política protecionista que favoreceu um relativo pro­
gresso industrial c melhorou as finanças do Estado/1 O tráfico de escravos foi abolido
por Eusébio de Queirós C outinho M attoso da Câm ara em 1850. Liberaram-se, assim,
capitais até então consagrados a esse comércio, estim ulou-sc a emigração estrangeira e
os esforços do Estado foram rcorientados para a m elhoria dos transportes.7
Entre 1843 e 1 8 5 1 , a guerra c o n tin u o u nas fronteiras do R io G rande do Sul,
c o n stan tem en te p ilh a d as por incursões das tr o p a s d o u ru g u a io M a n u e l O ribe, O
Ln.no IV - O E s t a d o : O r g a n i z a ç à o e E x e r c í c i o d o s P o d e r e s 235

r a a [■: l A S 1

7
00
ir \
R ev o lt as A rm adas n o B r a sil , 1831

PFRNAMfllVO P ara B ahia M aranh Ao R. G . i x ) Sut T otal

1831 2 - 3 - - 5

1832 1 - - - - 1

1S33 - - 1 - - 1

1834 - ~ - - - 0

1835 - l - - I 2

1836 - 1 - - 1 2

!2 2 Z - 1 1 - l 3

im - 1 1 1 l 4

1939 - 1 - 1 1 3

1840 - 1 - 1 1 3

1841 - - - 1 l 2

1842 _ - - - 1 1

1843 - - - - 1 1

1844 - - - - l 1

1845 - - - - ' ' 1 - 1

Total 3 6 6 4 11 30

Fome: Simon Schwarizman, São P au lo e o k ítado N áitonal, p. 76.

Colorado. Os brasileiros afirm avam ter perdido oítocentas m il cabeças de gado nessas
regiões entre 1843 e 1851, mas esse argu m en to d issim u lava pretensões expansionisras
do Brasil, que apoiava o chefe dos Blancos, Fortunado Rivera, em sua lu ta contra
O ríbe. No outro extrem o, o Brasil não conseguiu resolver com a França o litígio em
torno do território do A m apá. M esm o assim , o balanço do período é relativam ente
positivo: o país conservou sua dim ensão territorial e os poderes do Estado foram
reforçados por um sistem a parlam en tar estável. Só os resultados econômicos não
estiveram à altu ra das am bições do jovem Estado independente, apesar da crescente
im portância da cu ltu ra do café. ■ .

A C o n so l id a ç ã o (1 8 5 0 -1 8 7 0 ) .

O apogeu do Im pério brasileiro ocorreu entre 1851 c 1864, período em que os dois
partidos principais se entenderam no Parlam ento, alternando-se no poder sob a égide
do marques de Paraná. Novas leis eleitorais foram votadas em 1855 e 1860. M as, na
econom ia, nem tudo ia bem. As tarifas alfandegárias eram constantemente modificadas
2 » B a h ia . S é c u l o XIX

(em 1 8 5 6 -1 S S -7 pelo B arão dc C o te jip e . cm 1 8 5 8 -1 8 5 9 por B ernardo de Souza


Franco c cm 1S60 pelo B aráo dc U ru g u aia n a ). A inflação persistia, as finanças públicas
eram d eficitárias, as despesas m ilitares pesavam d em ais no orçam ento do Estado (eram
reiterados os conflitos com a A rgen tin a e p rin cip alm en te o U ru g u ai, com o qual o
Brasil estava em p erm an en te estado de gu erra). M as. a p artir dc 1 8 6 4 , os conflitos que
opunham brasileiros, u ru gu aio s e argen tin o s ao p aragu aio So lan o Eópcz arrastaram o
Brasil a um a gu erra q ue d u ro u ate 1 8 7 0 . Ela provocou o desco n ten tam en to em alguns
m eios sociais, po litizo u o E xército e favoreceu o ap arecim en to de um m ovim ento
republicano.

A D esagregação (1870-1889)

Em 1870, com o fim da G uerra do P arag u ai, co m eço u um novo período de crise
perm anen te. D iversas ten d ên cias p o líticas passaram a sc en fren tar por causa da Abo­
lição da escravatura e de co n flito s en tre M o n a rq u ia , Igreja e E xército. A lguns — entre
os q u ais m u ito s m ilitares — ad eriram a id éias p o sitivistas ou rep u b lican as, outros
perm aneceram fiéis a u m a m o n arq u ia m ais ou m enos lib eral. N o d ia 15 de novembro
de 1889, a R ep ú b lica foi p ro clam ad a, após v in te anos de lu tas p o líticas c discursos
fratricidas. A pesar do ap arecim en to de um in c ip ie n te setor in d u stria l, o Brasil conti­
nuava a ser um país a g ríc o la ,8 dotado dc d istrib u içã o d e renda m u ito desigual. Os
‘barões do café’ se torn aram con corren tes dos barões do a çú car’ e acabaram por
sup lantá-los; com erciantes, em pregado s e fu n cio n ário s dos grandes centros tinham
rendas confortáveis; os cam poneses eram m u ito pobres.
Pouco a pouco o centro de grav id ad e eco n ô m ica se deslocava do N ordeste para o
C en tro -S u l, m as era im ensa a d isp arid ad e entre as rendas regionais. C om o o setor
exportador cra o m ais d in âm ico d a eco n o m ia, é possível calcu lar a repartição regional
da renda a partir das exportações efetuadas: por volta de 1880, o café produzido nas
províncias de São Paulo, Rio de Jan eiro e M in as G erais cobria m aís de 55% do total
da.s exportações. Sc acrescentarm os o açúcar, o algodão, as peles, os couros e outros
produtos, as exportações do C en tro -S u l e do Su l passam a representar 6 5% , ou seja,
18% a 20% da renda global. A dm itin do-se que os 8 0 % restantes se repartissem dc
m aneira proporcional â população, pode-se calcu lar que as províncias situadas entre
M inas G erais c Rio G rande do Sul (com a m etade da população do país) respondiam
por 60% da renda in tern a.,J Em 1872, 6 3 ,7 % dos escravos estavam concentrados nas
províncias do S u l.f(>A falta dc inovações no setor agrícola tradicional (açúcar c produ­
tos dc subsistência) c a in su ficiên cia dos transportes aum entaram ainda mais o
distanciam ento entre o Nordeste c o Sul, O cacau, que acabava dc surgir, não conse­
guiu m odificar o desem penho econôm ico negativo da B ah ia.11
A Independência trouxera mais problem as que soluções. Seria o Brasil um a vítima
de estruturas arcaicas, herdadas do período colonial? É evidente o peso dessa herança,
LiMto IN' - O E s t a d o : O r g a n i z a d o e E x e r c íc io d o s P o d e r e s 237

mas as respostas tam bém devem ser buscadas no com portam ento dos homens, em sua
capacidade de assim ilar c ad ap tar novas idéias. Sob todos os pontos de vista, no que
range à form ação do novo Estado, o papel de Salvador e das clires baianas foi exem ­
plar. A B ahia teve um a p articip ação decisiva nos setores econôm ico, religioso e polí­
tico. A dem ais, a an álise dos fracassos e dos êxitos baianos torna possível com preender
m elhor o co m p o rtam en to dc todas as elites brasileiras nesse novo universo vigente
entre IS 2 2 c 1889. A pesar de certos insucessos, o Im pério do Brasil soube se im por
valentem ente no contexto in tern acio n al. A ntes de estudar o com portam ento das elites
baianas, é bom traçar um esboço do quadro in stitu cio n al {nacional e local) no qual os
baianos trab alh aram ao lon go de todo o século XIX, con tribuindo com um a ação
constante, dos m ais h u m ild es aos m aiores entre cies, para a form ação do Estado.

Os P o d e re s C e n tr a is (1 8 2 2 - 1 8 8 9 )

N a p rim eira m etad e do século X IX (esp ecialm en te du ran te as regências), quando se


faziam sen tir as m aiores pressões dos m ovim entos federalistas ou republicanos, a m aio­
ria dos brasileiro s o p to u por um governo m o nárquico, chefiado e encarnado pelo
Príncipe. Ele c o n trib u íra pessoalm en te para a Indep endên cia, unindo em rorno de si
a m aior parre das forças p o líticas do país. T odavia, perm aneceu sendo visto como um
m onarca p o rtu gu ês, ligad o à a n tig a situação. A lém disso, optou por governar com seus
conselheiros, q ue eram fiéis à m o n arq u ia portuguesa. Não aceitou que suas prerroga­
tivas fossem lim itad a s por um texto co n stitu cio n al dem asiadam ente liberal. Entrou,
assim , em rota de colisão com os m em bros d a A ssem bléia C onstituin te, reunida pela
prim eira vez em 17 de ab ril de 1823-
A C âm ara era co n stitu íd a por noventa deputados, dos quaís 26 formados em
direito, 2 2 m agistrados, 19 padres, 7 oficiais e 16 m édicos, proprietários rurais ou
funcionários. Estavam representadas catorze das dezenove províncias, faltando Sergipe,
Piauí, M aran hão, G rão-P ará e Província C isp la tin a .12 O projeto constitucional apre­
sentado pelo deputado pau lista A ntônio C arlos de A ndrada e Silva fora inspirado nas
idéias do suíço B cnjam in C o n sta n t,13 que preconizava um Poder Executivo forte e
um regim e eleitoral ccnsitário, baseado em níveis dc renda. Para participar do pro­
cesso de escolha em âm bito paroquial, provincial ou nacional (neste caso, de deputa­
do ou senador), era necessário ter um a renda líquida anual concspondente, respecti
vãmente, ao valor de 1 50, 250, 500 ou 1.000 alqueires de farinha — exigência estranha
e pitoresca, que inspirou o hum or do povo c fez surgir a expressão constituição da
m andioca1. 14 , . .
Dos 278 artigos apresentados, só 24 foram debatidos pois, desde o início, surgiu
um desacordo fundam ental: as leis votadas pelo Parlamento deveriam ou não ser
sancionadas pelo im perador? Não tendo sido encontrada solução, a Assembléia foi
dissolvida em 12 de novembro de 1823- A redação da Carca Constitucional foi então
B a h ia , S écm .o \IX

confiada a um a com issão de dez m em bros, erigid a em C onselho de Esrado. Cinco


m em bros eram baianos: C lem en te Ferreira França, M arquês de N azaré e m inistro da
ju stiç a ; Luiz José de C arvalh o e M elo , V iscon de de C ach o eira e m inistro das Relações
Exteriores; Jo sé F gidio Alvares de A lm eida, M arqu ês de Santo A m aro; e Antônio
Jo aq u im C arn eiro de C am po s, M arqu ês de C a ra v elas.1'’ Em 25 de março de 1824, foi
outorgada um a C arta C o n stitu cio n al avan çada para a época e considerada obra dos
irmãos C arn eiro de C am po s, ju ristas da B ahia.

A In sta la çã o de P o d e r e s N o v o s ■

Em bora in sp irad a por d o u trin as e experiên cias que vigoravam na Europa, a redação
d a C arta C o n stitu cio n a l b rasileira tam b ém levou em con ta a tradição ju ríd ica luso-
brasileira, caracterizad a por u m a gran d e flex ib ilid ad e, de m odo a p erm itir a adição
posterio r de em en d as p ara v árias leis fu n d am en tais. R esu lto u u m a C onstituição
unitária, com um Poder E xecutivo fortem ente centralizado, capacitado a m anter com
firm eza a união en tre as pro vín cias b rasileiras. O im p erad o r, assistido pelo Conse­
lho de Estado e p ela A ssem b léia G eral, passou a co n tro lar um governo que recebeu
am plas atrib uiçõ es.
O Poder L egislativo era exercido pela A ssem bléia G eral, q u e com preendia dois
corpos, o Sen ad o (cujos m em bros eram eleitos por sufrágio censitário e nom eados de
m aneira v ita líc ia pelo im p erad o r, que os esco lhia em lisras tríp lices) e a C âm ara dos
D eputados (cujos m em bros eram eleitos por períodos d e q u atro anos e que podia ser
dissolvida pelo im p erad o r). O Poder Ju d ic iá rio só foi d efin id o em linhas gerais. M as
a C o n stitu ição de 1824 in tro d u z iu u m a gran de novidade: o Poder M oderador, exclu­
sivam ente reservado ao chefe de E stado, isto é, o im p erad o r, “a chave de toda a
organização p o lítica", destin ado a zelar “pela m an u ten ção da Independência, eq uilí­
brio c harm o nia dos dem ais poderes”.
Através do Poder M o derador, cab ia ao im p erado r nom ear os senadores, convocar
a A ssem bléia G eral, sancionar os decretos e resoluções desta, aprovar ou suspender as
resoluções dos conselhos provinciais (que, a partir do Ato A dicional de 1834, se tornaram
assem bléias legislativas), prolongar o m andato ou ad iar a A ssem bléia G era!, dissolver a
C âm ara dos D eputados, nornear e d em itir livrem ente os m inistros, suspender magis­
trados, perdoar c m oderar penas c conceder anistia. O Poder Executivo também
deveria scr exercido pelo im perador, por interm édio dos m inistros de Estado, mas na
verdade ele nunca exerceu ambos o,s poderes cm sua plenitude. Mesmo durante o período
maís crítico da crisc dc 1830/1831, nunca dissolveu a C âm ara, nem adiou suas reuniões.
Q uando, c m 7 de abril de 1831, dom Pedro I abdicou, deixando o Im p é rio para
d o m Pedro d e A lcântara, então com cinco anos dc idade, t o r n o u - s e e v id e n te que o
Poder M oderador, exercido por r e g e n te s , não tinha condições d e ser tão forte q u a n t o
o exercido pelo próprio im perador, A Lei de 1.831, s o b r e o e x e r c íc io da R e g ê n c ia ,
L f tu o I \ - O E s ta d o : O r c lx n iz a ç x o e E x e r c íc io d o s P o d e re s 239

m odificou esse Poder. Os regentes perderam o direito de dissolver a C âm ara dos


D eputados, bem com o a prerrogativa real de conceder títulos de nobreza e condeco­
rações. Os regentes Eeijó (1 8 3 5 -1 8 3 7 ) e A raújo Lim a (1 8 3 7 -1 8 4 0 ) tiveram que se
inclinar à C âm ara e abandonar o cargo antes do fim de seus m andatos.
Em 1S3^ a oposição liberal (m ajo ritária) conseguiu que se votasse um Ato A dicio­
nal que estabeleceu um a regência ú n ica por quatro anos c representou o triunfo do
federalism o. As assem bléias legislarivas provinciais sub stituíram os antigos conselhos
gerais das províncias, cujo papel era puram ente consultivo. Passaram então a legislar
sobre a organização civil, ju d iciária e eclesiástica de suas circunscriçõcs, sobre a instru­
ção pública, as exportações, a P olícia, os negócios econôm icos dos m unicípios, as
despesas e os im postos, os transportes e as obras públicas.
M as, considerando algum as dessas atribuições m uito liberais, a Lei Interpretativa
de 1840 reduziu a au to n o m ia dos m u n icíp io s e devolveu ao poder central a faculdade
de decidir certas nom eações para a função pública e a m agistratu ra.16 Assim , os prin­
cípios centralizadores acabaram por sup lan tar o federalism o, num a época em que o
Estado brasileiro já con so lidara suas bases. O m onarca passou a governar ora com os
liberais, ora com os conservadores, com o apoio do C onselho de Estado e do Senado,
cujos m em bros eram nom eados por ele. Os titulares dos sete m inistérios (Império,
Justiça, N egócios E strangeiros, G uerra, M arin h a, A gricultura, Com ércio e Indústria e
Finanças) eram escolhidos peio im p erado r entre membros dos dois partidos (Liberal e
Conservador) que se form aram no fim do período das Regências. Os presidentes de
províncias se relacionavam d iretam en te com o m inistro da Ju stiça, depois do Interior,
que foi, nesse período, o m in istério m ais im portante. Os poderes locais, como vere­
mos, tinham m argem m u ito pequena de autonom ia.
Em 1847, dom Pedro II d ecid iu não m ais escolher seus m inistros, mas nomear um
presidente do C o nselho que form aria, ele m esmo, um a equipe m inisterial. Estabeleceu
assim um regim e em que os m inistros passavam a ser responsáveis diante do Parlam en­
to, detendo necessariam ente a confiança tanto do im perador quanto da Cam ara, que
cm tjtia.se cin q üen ta anos de reinado de dom Pedro II só foi dissolvida cm 1846, 1848,
1862, 1872, 1870 e 1885. Eoi notável c inesperada a estabilidade alcançada por um
país sem experiência cm governos desse tipo. A bem da verdade, d a dceoireu, de um
lado, da pouca diferença entre os projetos liberal e conservador de governo c, de outro,
do fato de que os políticos eram sempre recrutados não só nas mesmas categorias
sociais, mas quase sempre nas mesmas famílias.
O Poder leg islativ o , como vim os, era exercido pela A s se m b lé ia C.eral, composta
pelo Senado (onde os cargos eram v ita líc io s ) c a C â m a r a dos D e p u t a d o s . O n ú m ero
dc senadores cra igual à m etade do n ú m e r o dc deputados de cada província. 1 ara
figurar entre os três nomes s u b m e t id o s ao im p e r a d o r , era pieciso sei b rasileiro , ter
mais d e 40 anos, scr culto, ter prestado serviços â su a p á tr ia e.., auferir tendas anuais
de mais dc 8 0 0 . 0 0 0 réis.17 U m senador t in h a g r a n d e chance de se tornar ministro e
conselheiro de E sta d o .
240 B a h ia , S é c u lo X IX

Os deputados da C âm ara do Im pério eram eleitos pelo sufrágio censitário de dois


graus. No prim eiro, as eleições se realizavam no âm bito da paróquia, computando-se
os votos de todos os cidadãos ativos — ou seja, homens casados, maiores de idade, quc
não fossem em pregados dom ésticos nem m em bros de ordens monásticas ■ — de mais
de 25 anos e que tivessem um a renda anual de pelo menos 100.000 réis. Para se tornar
grande eleitor e votar para a eleição dos senadores, dos deputados e dos membros do
Conselho da Província, era preciso ter renda superior a 2 0 0 .0 0 0 réis, não ser alforriado
e ter uma folha corrida com pletam ente lim p a .18
N ão há dúvida de que esse m odo de eleição favorecia as classes abastadas. Mas, no
caso da Bahia, o direito de voto era exercido por grande parte da população livre.
Entre os cidadãos ativos, existiam num erosos representantes de todos os p e q u e n o s
ofícios da época: pescadores, rem adores, pequenos com erciantes e pequenos f u n c i o n á ­
rios, lavradores, alfaiates e barbeiros. N aturalm ente, apenas os notáveis — ricos pro­
prietários, religiosos, juizes, oficiais de P olícia — elaboravam as listas dos cidadãos
ativos das paróquias, o que dava m argem a todo tipo de abusos: as leis eleitorais de
1842, 1846, 1855 e 1875 foram eloqüentes a este resp eito .19 A partir de 1875, a
Justiça foi encarregada de zelar pela aplicação correta da lei eleitoral e cada eleitor
recebeu um a carteira pessoal de identificação.
O princípio da eleição direta foi fin alm en te consagrado pela Lei Saraiva, de 1881,
que m ajorou de 100.000 para 2 0 0 .0 0 0 réis a renda anual m ín im a exigida para ser
eleitor. A mesma lei estabeleceu a renda m ín im a de 8 0 0 .0 0 0 réis para os deputados e
de 1.000.000 de réis para os senadores.20 Foi preciso esperar a Proclam ação da Repú­
blica para que se generalizasse o sufrágio m asculino a todos os cidadãos brasileiros no
gozo de seus direitos civis e políticos que soubessem ler e escrever, que fossem maiores
de 21 anos e não fossem m endigos, praças de pré e religiosos de ordens monásticas.21
A C onstituição de 1824 só d efin iu as linhas gerais do Poder Judiciário, que foi
organizado de m aneira relativam ente sim ples: no topo da hierarquia judiciária, se
encontrava o Suprem o T rib u n al de Justiça, cujos m em bros tinham o statiis de minis­
tro. Seu presidente era o m agistrado m ais antigo na função. Nas províncias, a instância
mais im portante perm aneceu sendo, como na época da C olônia, o Tribunal de Rela­
ção, cujos juizes tinham o título de desem bargadores e julgavam tanto questões civis
quanto penais. C ada distrito judiciário tinha juizes m unicipais, juízes de órfãos e
promotores nomeados pelo governo, e cada paróquia elegia seu juiz de paz. Com a
eleição destes — até 1841, feita junco com a eleição dos conselheiros municipais t
a Justiça ficava entregue, cm larga escala, a magistrados oriundos da escolha popular.
A justiça togada’ se lim itava a fornecer um a ‘assistência pericial’.
E ntre o u tra s a tr ib u iç õ e s, p revistas pelo C ó d ig o d e Processo C r i m i n a l d e 1832, os
ju ízes dc paz d e v ia m zelar peta o rd e m p ú b lic a , c o n tr o la r o tr ib u n a l d e ju ra d o s eleitos
e p ro p o r à C â m a r a M u n ic ip a l a n o m e a ç ã o d e escrivães e d e inspetores de quarteirão.
S eu p o d e r era m a io r q u e o dos co n se lh e iro s m u n ic ip a is . Por isso, eles eram cooptados
en tre os n o táv e is, q u e d esta fo r m a g a r a n tia m o c o n tro le sobre um aparato d e justiça
L i v r o IV - O E s t a d o : O rganí Za ç á o e E x e r c í c i o d o s P oderes 2 41

que, apesar das aparências, era organizado para reforçar os potentados locais em detri­
mento da adm inistração central.~~
Houve reação. A Lei Interpretativa (de 12 de m aio de 1840) e a reforma do código
crim inal (de 3 de dezem bro de 1841) retiraram a m aior parte das funções dos juízes
de paz, inclusive as de caráter policial (pois a eles cabia a nomeação dos chefes de
Polícia c de seus s u b o rd in a d o s ),re d u z in d o -o s a um papel quase que de tabeliães. O
Estado passou a nom ear os juízes m unicipais e os juízes de carreira, que passaram a
tutelar tribunais do júri, de m odo que todas as instância ju diciárias ficaram subordi­
nadas à m agistratura de toga. .
Nao se deve esquecer, aliás, que os m em bros da m agistratura desem penharam um
papel político em inen te. A te 1855, eles po diam , inclusive, exercer m andatos eletivos,
tornando-se deputados, senadores, conselheiros de Estado e m inistros. M esm o após a
proibição da acum ulação de cargos, o papel dos m agistrados continuou a ser muito
im portante. Eles faziam e desfaziam carreiras po líticas, por influência ou por ação
política direta. . ■

Os P oderes d o E x é rc ito

O Im pério nao fez grandes m odificações na organização m ilitar herdada da época


colonial (regim entos de p rim eira lin h a, m ilícias e ordenanças), mas apoiou-se num a
estrutura d upla: além do E xército, havia tam bém a G uarda N acional, um a m ilícia de
cidadãos-soldados. . .
Depois da Indep endên cia, a h o stilid ad e dos brasileiros contra o Exército regular
— força repressiva do governo co lo n ial — ganhou nova dim ensão. Os oficiais supe­
riores eram quase todos portugueses e, para a elite po lítica, o Exército se identificava
com o prim eiro im perador, considerado apenas um 'brasileiro de adoção . Era quase
uma guarda pretoriana, fiel a um m onarca centralizador, absoluto, quase despótico.
A abdicação de dom Pedro I em 1831 não logrou m odificar a opinião generalizada de
que, quando dem asiado forte, o aparato m ilitar con stituía um a am eaça à hberdade, à
dem ocracia e á prosperidade econôm ica.2^ Os políticos — liberais à frente esforça­
ram-se por m arginalizar o Exército, desconfiando de um a lorça m ilitar disciplinada,
perm anente, nacional. Preferiam um a m ilícia civil, constituída por cidadãos-soldados,
sob a autoridade de um com ando regional. Os discursos dos parlam entares são muito
esclarecedores a esse respeito. Em 1823, o deputado H enrique dc Rezende declarava
na Assem bléia C o n stituin te: “Desde que as nações tiveram forças m ilitares regulares e
disciplinadas, elas foram reduzidas à escravidão, porque as corporações que vivem sob
leis tão duras e despóticas, como são os regulam entos m ilitares, não podem adm itir
que outros cidadãos possam gozar de uma legislação mais suave e mais fácil (.--).
O bem nunca chegando ao alcance do soldado, este não tem interesse em que exista...
Cinco anos m ais tarde, o deputado baiano Ltno Coucinho afirmava mais ou menos a
r
242 B a h ia , S é c u l o X I X

m esm a coisa: segundo ele, o E xército e a M a rin h a de G uerra eram “bocas que devoram
ileg a lm e n te, todos os anos, os recursos d a n ação ”. U m ano depois, ele acrescentava que
“o Im p ério do B rasil não é o Im pério francês ( sk ), em q ue um com andante m ilitar
representa tu d o n u m a v ila ”. Para q ue serve, p ergun tav a ele, um m ilitar chamado de
co m an d an te? E ele lev an tav a a q uestão de saber se não acab ariam todos sob o “domí
n io d e ferro ” dos m ilitares se não fosse posto um fim ao “sistem a m ilita r”.25

TABELA 53

E v o l u ç ã o do E fetivo L egal do E x é r c it o

An o F.FfcTIVO V ariação A no E fetivo V a r ia ç ã o

1830 3 0 .0 0 0 1 0 0 ,0 1871 1 9 .0 0 0 6 3 ,3

1831 1 4 .3 4 2 47 ,8 1880 1 5 .0 0 0 50,0

1841 2 0 .9 2 5 6 9 ,7 1889 13 .0 0 0 4 3 ,3

1848 16 .0 0 0 5 3 ,3 1892 2 7 .0 1 3 9 0,0

1855 2 0 .0 0 0 66 ,6 1907 3 0 .0 6 6 100,2

1863 16.000 5 3 ,3 1920 45 .4 0 5 1 5 1 ,3

1865 3 5 .6 8 9 118,9

C ) 1 8 3 0 = 1 0 0 ,0 .
Fome: Relatórios do Ministério da Guerra, citados por E. Campos Coelho, Em bu sca d a id en tid a d e: o tx íreito e a p o lícia na
so cied a d e b rasileira, p. 40.

A ab d icação de do m P edro I no co n texto de u m a revo lta m ilita r criou a oportu­


n id a d e id eal p ara red u zir os efetivos do E xército , acu sado de in d iscip lin a, e criar a
G u a r d a N a c io n a l, d e m o n s tr a n d o a fo rç a e a in f lu ê n c ia d a c o rren te p o lític a
a n tim ilita ris ta . Se desco ntarm os a ép o ca d a G u erra do P arag u ai, os efetivos do Exér­
cito só reto rn aram ao nível de 1 8 3 0 d ep o is d a P ro clam ação da R epública. Não se
estav a d ian te de um p reco n ceito en raizad o ap en as en tre os po lítico s. Nos m eios popu­
lares, o serviço m ilita r tin h a criad o estereó tip o s n egativo s. A s razões eram m últiplas:
recru tam en to forçado, jovens m al tratad o s, serviços m u ito longos, soldo insuficiente e
sem pre pago com atraso. O serviço na G u ard a N acio n al, ao con trario , gozava de
gran d e prestígio social. N em a gu erra co n tra o P araguai logrou m elho rar a im agem do
E xército, pois to d a a gló ria dos com b ates foi atrib u íd a aos corpos de voluntários,
recrutados especialm en te nessa ocasião. A carreira de oficial só atraía os que nao
podiam ingressar em profissões lib erais e os filhos de fam ílias em q ue já exisria tradição j
m ilita r. O D u qu e de C ax ias (filh o e neto de oficiais superiores, que se tornou m inistro j
e depois p rim eiro -m in istro ), D eodoro d a Fonseca e outros oficiais que, no sécu o > ^
se d istin g u iram na v id a social do país ficaram m ais conhecidos com o políticos. Quan
do desejavam ser aceitos pela sociedade civ il, eles tiravam o uniform e.
Essa m argin alização do E xército correspondia, aliás, a um a certa reserva^, a u ^
gran d e discrição das tropas q u e viv iam na ro tin a das casernas e das g u a r n i ç õ e
L iv ro IV — O E s t a d o : O r g a n i z a ç ã o e E x e r c íc io n o s P o d e r e s JMà

gínquas. Os oficiais eram freqüentem ente transferidos e os com andantes eram con­
trolados pelos presidentes das províncias — pelo m enos até 1884, quando explodiu
a questão m ilita r’, que teve um peso decisivo na queda da M o n arqu ia. A Procla­
mação da R ep ú b lica pode ser con siderada com o o artifício usado pelo Exército para
não perecer.2
A parrir da G uerra do P araguai, m udou a m en talid ad e dos m ilitares, que conside­
raram m al reconhecidos e m al recom pensados os serviços por eles prestados. Por outro
lado, a guerra m ostrou aos jovens o ficiais as graves im perfeições do Exercito. Na
época, o Estado consagrou 5 0 % de seu orçam ento ao con flito , mas esse m ontante foi
drasticam ente redu zido , ch egan d o a 8% em 1 8 7 8 -1 8 7 9 , o m ais baixo nível de toda a
história do Im pério. U m real m al-estar se in stalo u nas fileiras e foi expresso em vários
artigos publicados na R evista d o Exército B rasileiro (1 8 2 2 ), um a revista profissional,
que p reten d ia ser a p o lític a , m as q ue m ostrava bem a m u d an ça de m entalidades, já que
em alguns artigos tra n sp arecia o desco n ten tam en to dos jovens oficiais. A m orte do
D uque dc C ax ias, em 1880, foi o cho qu e q ue restitu iu a lib erd ad e aos oficiais. A forte
personalidade de C ax ias co n stitu íra um ob stáculo à liq u id ação do Exército, cuja coe­
são fora m an tid a por seu carism a. Ele era p ai e p rotetor, mas to talm en te dedicado à
Coroa. Sua m o rte lib ero u o corpo de o ficiais de u m a tu tela rigorosa, p erm itin d o o
aparecim ento dc novos chefes e o fim dos co n fo rm ism o s.23
D urante o Im p ério , o E xército era m u ito h etero gên eo . Aos oficiais recrutados em
suas próprias fileiras — os m ais num ero so s — se o p un h am os que saíam das academ ias
m ilitares. A m ais célebre delas era a da P raia V erm elh a, no R io de Jan eiro , onde
pontificava o jo v em B en jam in C o n stan t, adep to das idéias de A uguste C om te. Os
prim eiros preferiam te n ta r restabelecer a h o nra de sua corporação, ao passo que os
'cien tífico s’, form ados nas escolas, reiv in d icav am para os m ilitares o d ireito à livre
expressão e à c rític a ao governo. Essas duas ten dên cias acabaram por se unir, transfor­
m ando a ‘questão m ilita r’ n u m dos grandes problem as do país entre 1883 e 1885-
N ada há de su rp reen d en te, p o rtan to , na con statação de que as reivindicações do
Exercito, im b u íd as dc idéias po sitivistas de o rd em ep r o g r es so e apoiadas pelos repu bli­
canos civis, tenham desem penh ado um papel prep on deran te na instauração do regim e
republicano em 1 8 8 9 .29

O rg an ização das F orças P ara m ilita res: a G uarda N a c io n a l e a P o lícia

No contexto da década de 1830, despertou naturalm ente a idéía de formar corpos


param ilitares, sob a autoridade direta do governo civil. Este tinha um objetivo duplo:
dispor de um contrapeso a um Exército cuja fidelidade cra duvidosa e associar os civis
às tarefas de po liciam en to c defesa de um Estado ainda pouco burocratizado. Excelen­
te m aneira de exercer, sobre a nação in teira, um controle contínuo e discreto. ,
A lei de 18 de agosro de 1831 extin guiu os corpos de m ilícias e ordenanças,
244 B a h ia , S é c u l o XIX

heranças do período colonial e subordinados ao M inistério da Guerra, e criou a


G uarda N acional,30 colocada sob autoridade ju d iciária e concebida como um instru­
m ento de luta contra os que se opunham à nova ordem legal.51 C abia-lhe defender a
C onstituição, a independência, a integridade do Im pério, as leis e a tranqüilidade
pública, além de ajudar o Exército no controle de fronteiras e costas.
A organização perm anente da G uarda N acional foi confiada ao poder civil: juízes
de paz, juízes de prim eira instância, presidentes das províncias e M inistério da justiça.
Para afirm ar o caráter apolítico da nova organização arm ada, a lei estipulava que toda
deliberação tom ada por cia em m atéria de assuntos civis seria “considerada como um
atentado contra a liberdade e um delito contra a C o nstituição”, garantindo-se, ao
governo, poder para dissolver a G uarda, se julgasse necessário. O artigo 7 da lei que
criava a G uarda N acional proibia os integrantes da corporação de tom arem as armas
sem ordem expressa de seus com andantes que, por sua vez, deviam tê-la recebido da
autoridade civil à qual estavam subordinados.
O recrutam ento para a G uarda N acional a tin g ia “todos os bons cidadãos” livres
que tivessem m ais de dezoito anos e menos de sessenta, cujas rendas fossem superiores
a 2 00 .0 00 réis anuais para as províncias do Rio, B ahia, Pernam buco e M aranhão, e de
100.000 réis para as outras províncias. A ssim , só os ‘cidadãos ativos’ serviam como
guardas nacionais, em anando daí o caráter elitista e conservador desse corpo. Podiam
servir na reserva aqueles para quem o ‘serviço o rd in ário ’ exercido dentro do m unicípio
fosse considerado m uito oneroso. Segundo o artigo 18 da lei que criou a Guarda Na­
cional, faziam parte da reserva os funcionários públicos, advogados, médicos, cirurgiões,
farmacêuticos (que obtinham dispensa), estudantes, em pregados dos arsenais e de ofi­
cinas de cerâm ica. Por outro lado, a organização do serviço era considerada como ‘or­
dinária’ quando os guardas nacionais exerciam suas responsabilidades dentro do m uni­
cípio. Havia, a mais, os serviços prestados em auxílio ao Exército em caso de força maior.
N a infantaria e na artilharia, a unidade de base era uma com panhia de 100 a 140
homens, com andada por um capitão e dividida em seções. Q uatro a oito companhias
formavam um batalhão, sob o comando de um tenente-coronel. A unidade de base da
cavalaria era o esquadrão de três com panhias, cada um a com 140 a 200 homens. Dois
a quatro esquadrões formavam um corpo. Onde havia mais de m il homens, a Guarda
Nacional formava uma legião. Salvador tinha duas legiões.
Entre 1831 e 1834, os oficiais e suboficiais eram eleitos pelas tropas (ao governo,
cabia nomear apenas os majores-instrutores e os comandantes de legião), mas esse
sistema foi modificado pouco a pouco, até desaparecer com a lei de 1850. A partir
dela, só os oficiais subalternos continuaram sendo eleitos pela iropa. O comandante
superior da Guarda c todos os integrantes de seu estado-maior, nomeados pelo gover­
no central, passaram a submeter, aos presidentes das províncias, indicações para os
comandos locais e os oficiais dc companhia.
Os guardas nacionais forneciam seus próprios uniformes, armas e munições, o que
era muito vantajoso para o Estado. Fica claro, portanto, que essa instituição cstabele-
f V - O E s t a d o : O r g a n iz a ç ã o e E x e r c íc io d o s P o deres 245

cia um nos o m odelo de relação entre o poder (ain da p atrim o n ial) e a sociedade civil,
tornando-se a artífice da co n so lidação do novo E stado, pois reproduzia fielm ente
todas as esrruturas da so ciedade b rasileira. A exclusão dos escravos conservava e acen­
tuava a clivagem essencial da sociedad e. A escolha de oficiais de todas as patentes entre
as cam adas sociais livres c abastadas in d icav a u m a segu n d a clivagem . T o d a a po pula­
ção livre se associava, n u m a espécie de serviço litú rg ico prestado ao Estado. O ofício
exercido por um in d iv íd u o era um crirério m ais im p o rtan te para sua adm issão no
corpo de oficiais do q u e o m o n tan te de suas rendas. Em p rin cíp io , os artesãos e os
pequenos com erciantes não p o diam se to rn ar o ficiais (as raras exceções a essa regra
estavam expostas à perda de p a te n te ), o q ue tam b ém c o n trib u ía para consolidar as
hierarquias sociais ex isten tes.32 ■ .
A té 1873, o governo reco rreu à G u ard a N acio n al para todos os serviços policiais
do território — preservação d a o rd em , cap tu ra e g u ard a dos crim ino so s, repressão a
revoltas arm ad as, esco lta de fundos p ú b lico s e de gêneros a lim en tício s, caça aos escra­
vos fugitivos e d estru ição de seus esco n d erijo s, repressão ao tráfico etc. — e para
serviços hono rífico s, com o a p a rticip ação nas procissões, paradas e revistas, tão fre­
qüentes em S alv ad o r. N as so len id ad es m ilitare s, a G u ard a tin h a precedência sobre o
Exército. N esse ano foi p ro m u lg ad a a lei q ue retiro u as funções p o liciais da G uarda,
baixou o lim ite de id ad e p ara q u a re n ta anos e su p rim iu as patentes honoríficas de
oficial. A p artir d a í, e so b retu d o d ep o is de 1 8 8 0 , ela grad ativ am en te se tornou um a
espécie de corporação fo rm ad a exclu siv am en te p o r seus oficiais. D eixou de interessar
ao poder, cujas estru tu ras a d m in istra tiv a s já estavam estabelecidas. N a B ah ia, a criação
de um a v erd ad eira P o lícia , sep arad a d a G u ard a N acio n al, serve com o exem plo dos
problem as en co n trad o s pelo jo vem E stado in d ep en d en te para o rgan izar a defesa das
instituições e a proteção d a paz civil.
O p rim eiro corpo de P o líc ia d a cid ad e de Salvad o r foi criad o por decreto im pe­
rial em 17 de fevereiro de 1 8 2 5 , com posto por um estado-m aior e duas com panhias,
cada um a com ] 16 ho m ens, en tre o ficiais e soldados, recrutados entre os integrantes
das tropas regularcs. Eles tin h am a m issão de zelar pela preservação da ordem e a
aplicação das p o rtarias do C o n selh o M u n ic ip a l. Esse prim eiro corpo dc Polícia pres­
tou serviços apreciáveis na B ahia, então tu m u ltu ad a pelas revoltas de escravos, dos
levantam entos civis e dos m otins an tip o rtugueses, que duraram até 1831- Mas sua
participação nos tu m ulto s que seguiram a abdicaçao de dom Pedro I levou o piesi-
dente da Província a dissolvc-lo, sub stitu in d o -o pela G uarda M u n icip al, criada em 5
de junho dc 1831. T ratava-sc dc um corpo de m ilicianos rem unerados, recrutados
entre as pessoas fiéis ao governo da R egência, diretam en te subordinados aos juízes de
paz e destinados p rin cip alm en te a aju d ar a Ju stiça c preservar a ordem pública.
Essas guardas m u n icip ais não foram um privilegio concedido a Salvador, sendo
criadas cm todos os distrito s da Província, M as, com o advento da G uarda N acional,
apenas a cap ital m anteve um corpo m unicipal perm anente, criado em fevereiro de
1832 c form ado por um estado-m aior, um a com panhia de cavalaria e duas de infanta­
246 B a h ia , S éculo XIX

ria. A com panhia suplem entar de perm anentes de infan taria, encarregada a partir de
1833 da segurança de roda a Província, nem sem pre interveio de forma im parcial nas
disputas de poder travadas entre clãs fam iliares, com o ficou patente no caso da disputa
que opôs dots poderosos clãs fam iliais, os Passos e os S in tra, na vila de Nosso Senhor
do Bonfim , entre 1831 c 1 83 2.33
O Aro A dicional de 1834, que su b stitu iu os conselhos m unicipais por um a Assem­
bléia Legislativa, delegou a esta ú ltim a o poder de o rgan izar a P olícia da Província. Em
jan eiro de 1835, o co m an dan te do E xército na B ah ia criou um corpo de Polícia
provisório para sub stitu ir o 3 o B atalhão, q ue cu m p rira até então essa função, mas que
fora dissolvido depois de um m o tim . Esse novo corpo era form ado por destacamentos
dos batalhões da guarnição da cid ad e. Para evitar novos m otins, cada destacamento
assum ia, altern adam ente, suas funções p o liciais d u ran te um m ês, ficando sob o co­
m ando de um m ajor. A in d a em 1 8 3 5 , u m a gu ard a foi acrescentada ao corpo m unici­
pal dos perm anentes, sob o com ando de um chefe de P o lícia d iretam en te subordinado
ao presidente d a Província. A no vidade: cada d istrito teria doravante um corpo de
guarda, com andado por um delegado responsável perante o chefe da Polícia.
O recrutam ento dos guardas revelou-se tão d ifícil quanto o dos soldados: não
havia vocações e os salários eram m u ito baixos. E ntre 1838 e 1849, os efetivos da
corporação variaram de q u in h en to s a seiscentos hom ens, apesar da fusão com os
guardas m u n icip ais.34 Era pouco, para um territó rio de m ais de 5 0 0 .0 0 0 km 2! Na
capital, para tentar su p rir a essa in su ficiên cia (que perm aneceria crônica ao longo de
todo o século XIX) criou-se u m a ‘gu ard a de pedestres’, in icialm en te com duzentos
hom ens, efetivo que foi dobrado em 1851-
A epidem ia de cólera de 1 8 5 5 -1 8 5 6 desorganizou a v id a da cidade e suscitou
providências tam bém na área de segurança. Em 1859, os efetivos do corpo da Polícia
chegavam a 859 hom ens, sem in clu ir a guarda urbana, que nesse ano contava com 155
homens. Em 1870, os efetivos atin giram 9 0 0 hom ens; em 1872, um a nova companhia
de guardas urbanos de 117 hom ens foi criada. M as os salários continuam a ser ridicu­
lam ente baixos, apesar da m obilidade exigida para esse corpo, que devia vigiar toda a
Província. U m a guarda urbana, de cem hom ens, foí criada para ajudar o corpo de
Polícia. D urante a G uerra do P araguai, cerca de m etade dos efetivos policiais (477
homens) partiu voluntariam ente para a frente de com bate, de onde só 77 voltariam.
Os dem ais foram colocados sob o com ando de um capitão da G uarda Nacional,
corporação a que o governo provincial freqüentem ente recorria para preservar n ordem
nas partes mais longínquas do território. Em 1873, com a perda das funções policiais
- pela G uarda N acional, a situação ficou caótica. No ínrerior, os chefes locais (quase
sempre proprietários de terras) c sua clientela continuaram a ditar leis por conta
própria. Consolidou-se a influencia dos todo-poderosos ‘coronéis’, que durante muito
tempo marcaram a política regional.33
Se a Guarda N acional criou um a espécie de m ilitarizaçao da sociedade brasileira,
foi em prol do Estado e dos chefes locais. O controle exercido pelos presidentes de
L a n o IV Q E s t a d o : O r g a n i z a ç ã o e E x e r c íc io d o s P o d e r e s

p ro v ín c ia e ra m u ito re la tiv o , p o r c a u sa d o n ú m e ro re d u z id o dos efetivo s e a im e n sid ão


d e u m te r r itó rio s e rv id o p o r p re c á ria s red es d e c o m u n ic a ç ã o . A os b rasile iro s restav a
u m a d u p la su b m issão : ao E stad o , em p rim e iro lu g a r, q u e os tran sfo rm av a em m ilic ia n o s,
e d ep o is ao s ch efes lo c a is , q u e m o n o p o liz a v a m o c o m a n d o dessas m ilíc ia s .
M e s m o a ss im , é p r e c is o re c o n h e c e r q u e , co m o fim d o p erío d o c o lo n ia l, novas
estru tu ras, c o rre s p o n d e n te s a u m E stad o m o d e rn o , fo ram criad as. O p ap el cen tralizad o r
do g o v ern o im p e r ia l — a ju d a d o p e la e fic iê n c ia d o s p o d eres lo ca is no en q u a d ra m e n to
das p o p u la ç õ e s — p e r m it iu q u e o B ra s il co n serv asse su a u n id a d e . D ep o is d e 1 8 5 0 ,
p ra tic a m e n te n ã o h o u v e m a is re v o lta s d e c a r á te r re g io n a l.
C A P í T U I. O 15

Os P o d e r e s L o c a is

A té a I n d e p e n d ê n c ia , os g o v e rn o s lo c a is e ra m fo r m a d o s p o r u m a ú n ic a in s titu iç ã o , as
c â m a ra s m u n ic ip a is . A le i d e 2 3 d e o u tu b r o d e 1 8 2 3 , q u e tra n s fo rm o u as an tigas
c a p ita n ia s e m p r o v ín c ia s , c r io u a fu n ç ã o d e p r e s id e n te d e p r o v ín c ia , co n serv an d o o
m u n ic íp io c o m o b ase d a a d m in is tr a ç ã o . D e m o d o g e ra l, a fu n ç ã o de p re sid e n te de
p ro v ín c ia p o d ia se r a s s im ila d a à d e g o v e r n a d o r d e C a p it a n ia n a é p o c a c o lo n ia l, pois
em am b o s os caso s as n o m e a ç õ e s e m a n a v a m d e u m p o d e r c e n tr a l. M a s h a v ia u m a
im p o rta n te d ife re n ç a : o g o v e r n a d o r c o n c e n tr a v a to d o s os p o d e re s, ao passo q ue o
p re sid e n te d e p r o v ín c ia a d m in is tr a v a a p o ia d o n a s d e c isõ e s d e u m a A ss e m b lé ia P ro vin ­
c ial e n ão tin h a sob se u c o m a n d o os p o d e re s ju d ic iá r io e m ilita r .
A o lo n g o d o s 6 7 a n o s d e g o v e rn o im p e r ia l, as in s tâ n c ia s m u n ic ip a is e p ro v in ciais
tiv eram d e stin o s d iv e rso s, A e v o lu ç ã o p o lític a e a d m in is tr a tiv a r e fle tiu a d e te rm in a ç ão
com q u e o E stad o d e s e ja v a c o n tr o la r to d a s as a tiv id a d e s d a v id a p ú b lic a b rasileira.
M a n ip u lo u -s e a in s titu iç ã o d o g o v e rn o p r o v in c ia l p a ra r e s tr in g ir o p o d e r m u n ic ip a l —
tarefa á rd u a , c o n te sta d a co m m a is o u m e n o s su cesso , o q u e p ro v o c o u u m e n c a m in h a ­
m e n to p o r e tap as, c u jo s re s u lta d o s n e m se m p re c o rre s p o n d e ra m ao q u e as partes
en v o lv id as d e s e ja ra m .
*

A In s t it u iç ã o do G overno P r o v in c ia l

N u m a p rim e ira e tap a ( 1 8 2 3 —1 8 3 4 ), os g o v ern o s p ro v in c ia is se a p o ia ra m nos p resid en ­


tes, n o m ead o s pelo im p e ra d o r, q u e co n tav am com a co lab o ração de u m conselho
co n su ltivo d c seis m em b ro s, ele ito s d a m esm a fo rm a q u e os d e p u tad o s à A ssem bléia
G eral. Eles d eviam ter pelo m en o s trin ta anos de id ad e e seis de resid ên cia na provín­
cia. Em caso de v acân cia d a fu n ção p re sid e n c ia l, o P o d er E xecu tivo passava ao vice-
p resid en te, posto o cu p ad o pelo c o n selh eiro q u e tivesse o b tid o o m a io r n u m ero de

24 8

•3
:JÍ
L iv r o ] \ O E s ia d o : O rga n iza çã o e. E x e r c íc io d o s P o d eres

votos na eleição precedente. Se não houvesse suplente ou conselheiro disponíveis, o


sucessor seria o presidente da Câm ara M unicipal da capital.
Essas substituições foram m uito freqüentes na Bahia, mas os conselheiros eleitos
entre 1824 e 1829 eram , sem exceção, homens com idéias conservadoras, fiéis ao
imperador, alheios às tendências separatistas ou federalisras que abalavam o Brasil.1 O
primeiro Conselho foi formado por dois alros magistrados, dois senhores de engenho
que haviam com andado tropas durante a guerra pela Independência, um cônego e um
coronel que já integrara o Conseiho M unicipal de Salvador.
A lei de 182o perm itia aos autoctones aconselhar presidentes que, freqüentemen­
te, vinham de outras províncias. Nas legislaturas entre 1825 e 1835, todos os membros
dos conselhos provinciais eram habitantes de Salvador e do Recôncavo.2 Além de
pouco num erosos, esses conselheiros quase não se renovavam, mantendo inalterada a
influência das classes dom inantes locais. .
O Ato A dicional de 1834 acabou transform ando essa organização. O Conselho de
Província foi sub stituído por um a A ssem bléia Provincial Legislativa. Houve uma ten­
tativa de descentralização, nociva porém à autonom ia das câmaras m unicipais, pois
todo o com ando dos negócios da Província foi colocado nas mãos da oligarquia
política, oriunda das classes dom inantes, A Assem bléia tornou-se um a instituição
poderosa. C ontrolava, ao mesmo tem po, as câm aras m unicipais e o presidente e podia
legislar sobre assuntos que, nas m onarquias unitárias da Europa O cidental, eram
reservados ao poder central. Ela podia criar novas paróquias e termos, com todo o
aparato ju diciário , eclesiástico e escolar correspondente, decidia sobre desapropria­
ções, elaborava o orçam ento da Província, sup rim ia impostos, criava ou extinguia
postos de funcionários provinciais (estipulando seus salários), organizava a Polícia e
assim por diante. A A ssem bléia Provincial controlava, pois, estreitam ente, as Câmaras
M unicipais, transform adas em sim ples órgãos executivos, ao mesmo tempo que tam ­
bém controlava o presidente.3 , .

O P o d e r M u n ic ip a l

Na época da Independência, quando a autoridade dos capitães-gerais e dos represen


tantes dc Portugal fora contestada em todo o país, criando-se vacâncias de poder em
toda parte, as m unicipalidades assum iram a direção dos negócios políticos e desempe­
nharam o papel dc verdadeiros representantes da nação, ajudando dom Pedro a procla
mar a Independência e legitim ando o novo regim e.4 O decreto de 3 de junho de 1822
encarregou essas mesmas m unicipalidades de organizar a eleição para a Assemb éia
C onstituinte de 1823. D urante todo o período im perial, elas conservaram sua influen­
cia e poder sobre as eleições de deputados, contando sempre com a ajuda da Igreja.
A Carta Constitucional de 1824 estipulou os grandes princípios da nova adm inis­
tração m unicipal, mas um a organização mais precisa só foi empreendida após a pro-
m uigação da lei de I o de outubro de 1828. De modo geral, a legislação adotada foi
centralizadora. C ada cidade passou a contar com nove vereadores (ou sete, nas cidades
m enores), eleitos por períodos de quatro anos.
O artigo 24 da C arta de 1824 especificava que o poder das Câm aras Municipais
era de natureza exclusivam enre adm inistrativa. T odas as posturas m u n ic ip a is quc
em geral traravam da preservação da ordem e da saúde pública — deviam ser aprova­
das pelos Conselhos G erais das províncias, que podiam revogá-las ou modificá-las. Em
períodos eleitorais, isto é, de vacância dos Conselhos, essas portarias eram submetidas
à aprovação do presidente da Província. Q u alq uer ato p o lítico ’ era expressamente
proibido. Para vender, alugar ou perm utar os bens im óveis do m unicípio, por exem­
plo, as Câm aras dependiam da autorização do presidente. Q ualquer contrato de ioca-
ção devia ser subm etido ao referendo do C onselho G eral. T ratava-se, por conseguinte,
de um regim e centralizador, que sub m etia a m u n icip alid ad e à autoridade provincial.
A bem da verdade, essa tu tela era co n trária a alguns artigos da C onstituição de 1824,
que definiam a separação de atribuições e com petências entre os poderes e definiam a
independência econôm ica das m u n icip alid ad es. O artigo 78 da Lei de 1828 também
era inconstitucional, ao lem brar indevidam en te que as câm aras m unicipais estavam
“subordinadas aos presidentes das províncias, seus prim eiros adm inistradores”. Esse
artigo proibia até a reunião das câm aras, se a p auta fosse considerada ‘contrária à lei’.3
Embora tenha sido considerada abusivam ente centralizadora, por não deixar ne­
nhum a autonom ia econôm ica às m u n icip alid ad es, essa lei p erm itia algum a margem de
manobra política e concedia, às C âm aras M u n icip ais, atribuições apreciáveis. Os elei­
tos souberam tirar proveito dessa situação, sobretudo quando se tratava de manter o
dom ínio sobre seus concidadãos. V im os que o C ódigo de Processo C rim inal conferira
diversas prerrogativas às m u n icip alidades, como a de apresentar, aos presidentes das
províncias, sugestões para a nom eação de todos os funcionários do Poder Judiciário e
da Polícia locais, recolher as m ultas, in flu ir na eleição dos inspetores de quarteirão e
dos juízes de paz, indicar pretendentes à G uarda N acional e até compor a lista dos
eleitores do prim eiro e do segundo graus.
Todos esses privilégios criaram , aliás, numerosos conflitos entre os notáveis locais
e o Conselho da Província,^ a ponto de obrigar a Regência a rever essas leis.' Resul­
tante de paixões políticas — como é com um na história do Brasil — , o Ato Adicional
de 1834 reforçou os poderes provinciais em detrim ento da autonom ia municipal,
aumentando os poderes da Assembléia Provincial em rodos os setores que, previamen­
te, eram de competência m unicipal. As Câmaras M unicipais perderam todo poder de
decisão, conservando apenas atribuições adm inistrativas, especialmente nos setores
viário e de higiene e saúde. Passaram à alçada da Assembléia Provincial decisões sobre
desapropriações, repartição dc impostos m unicipais e provinciais, nomeação de fun­
cionários municipais, determinação de setis salários, criação ou supressão de cargos e
indicação de chefes c delegados de Polícia em cada localidade, desde o Sertão até o
Litoral. O único contrapoder às pretensões centralizadoras do Estado passou a ser o
L tvro IV - O E sta d o : O r g a n iz a ç ã o e E x e r c íc io dos Poderes 251

dos juizes dc paz eleitos, mas isso, como vimos, não durou muito. Os próprios liberais,
arquitetos do Ato A dicional, não tardaram a perceber seus deleitos. Tavares Bastos
demonstrou que o Aro não precisou o que cra o ‘poder m unicipal’. Outro liberal, o
Visconde de U ruguai, demonstrou como o poder local ficara reduzido ao papel de
simples adm inistrador.s Q uanto aos conservadores, suas críticas não foram menos
enérgicas, como era dc se esperar.9
Finalmene, a Lei Interpretativa dc 12 de maio dc 1840 retirou o que restava de
poder às m unicipalidades, pois os juízes de paz (magistrados eleitos que tinham tanto
íunções judiciárias como policiais) foram substituídos por magistrados de carreira que,
nomeados pelo governo central, acum ularam as funções de delegados de Polícia, pas­
sando a chefiar os subdelegados. Assim, conferindo m aior autonom ia aparente ao
poder local, o Estado reforçou a centralização.
Durante todo o período im perial, as m unicipalidades tentaram recuperar sua
independência, mas nenhum projeto teve êxito, apesar dos esforços de deputados
como o M arquês de O lin da e o V isconde de U ruguai. O Império brasileiro tornou-se
um Estado autoritário e centralizador, com um a população legalm ente dividida em
homens livres, alforriados e escravos. As instituições refletiam a hierarquia das classes
sociais, fortem ente enraizada no sentim ento de toda gente. Os privilégios dos que
possuíam bens ficavam m uito claros na escolha dos guardas nacionais, dos m agistra­
dos, dos conselheiros m unicipais e dos conselheiros provinciais.
Mas falta entender os m ecanism os que perm itiam a esses homens açambarcar o
poder e os lim ites que havia para o exercício desse poder, tantas vezes qualificado de
absoluto, Todos os analistas da vida política brasileira do século XIX estão de acordo
sobre o papel desem penhado pelas províncias do Nordeste na formação do Estado
Nacional. Q ual foi o papel da B ahia, especialm ente de suas elites? Sugiro uma realida­
de mais ‘quente’ e bastante diferente desta, por demais fria e formal, que acabo de
expor. Na verdade, a m inuciosa descrição que fizemos era necessária para que possa­
mos captar agora se esse grilhão adm inistrativo podia adaptar-se ou não — e como
poderia fazê-lo — à ação das forças que se enfrentavam. Poderes, interesses e forças
locaís e nacionais não eram o reflexo exato da organização adm inistrativa, mas sabiam
tirar proveito dessa organização. É preciso que se veja como isso sc passava, sem
esquecer, aliás, que os interesses freqüentemente convergiam, quando se tratava de
controlar, enquadrar e vigiar. Nem todos os brasileiros — mesmo entre os que tinham
certos direitos de voto — participavam , verdadeiram ente, da vida política.
C A P Í T U L O 16

A E lite B a ia n a e a F o r m a ç ã o
d o E st a d o N a c io n a l

E lite é a p rim e ira p a la v ra a ser d e fin id a n este c a p ítu lo . S e g u n d o o d icio n ário , ela é o
q u e há d e m elh o r em u m g ru p o . L o go , as pessoas q u e o c u p a m os p rim eiro s lugares em
u m a so cied ad e fazem p a rte d a e lite . M a s , a b em d a v erd ad e, tais critério s são abstratos:
só se p o d e ser ‘o m e lh o r’ em u m g ru p o d o ta d o de c e rta h o m o g en eid a d e.
O ra, n ad a m en o s h o m o g ên eo d o q u e a so c ie d ad e b a ia n a , fo rm ad a por homens
livres e escravos, rico s e p o b res, lib e rto s e filh o s d e lib e rto s. C a d a g ru p o teria os seus
m elh o res, a su a elite? O escravo q u e se to rn a v a o p o rta-v o z d e seus com panheiros
ju n to ao sen h o r era rec o n h e c id o p o r to d o s — escravos e sen h o res — com o mem bro
de u m a elite. Se fosse n ecessário , o a lu fá , ch efe re lig io so m u ç u lm a n o , era escolhido
com o in te rlo c u to r p elas a u to rid a d e s civ is e ju d ic iá r ia s .1 L o go , existiam elites fora do
âm b ito dos p riv ileg iad o s p ela fo rtu n a e o p o d er. O s h o m en s livres tin h am suas hierar­
q u ias, os cativos tam b é m .
E lites d esco n h ecid as saem do a n o n im a to e m situ açõ es de crise, revelando brusca­
m ente poderes até en tão secreto s o u , p elo m en o s, m al co n h ecid o s e m al apreciados. O
poder p o lítico fo rm al é p erceb id o com m ais fa c ilid a d e , fazendo com que aqueles que
o exercem em q u a lq u e r n ív el p areçam in te g ra r a e lite . C o n sid erad a , porém , com o um
todo, com o esta elite vive e se m o v im en ta d en tro d a m assa? T en tarem o s com preender
com o um in d iv íd u o — ou grup o de in d iv íd u o s — co n segue p en etrar na elite reconhe­
cid a, aceita por todos os in terlo cu to res,
N u m a p rim eira etap a, o ‘ m elh o r’ é d esig n ad o por um consenso social, segundo
critérios de co m p o rtam en to , berço, edu cação e riqueza. M as é indispensável que esse
reconhecim ento se torne p ú b lico , alcan çan d o as instituiçõ es e o poder oficial. Na
B ah ia, um com erciante, por m ais rico, por m ais respeitado e por m ais instruído que
fosse, tin h a sem pre um poder lim itad o e um prestígio pu ram en te local-
D urante todo o período im p erial, os com erciantes baianos ocuparam posições
secundárias na cena p o lítica, ofuscados pelos proprietários de terras, sem pre em evi-

252
L iv r o f\ - O L s , w : O r& w z a ç Ao e E x e r c i o o w í P o p f k e s
Í5 3

dcncia c derentores dos prim e,ro, papéis no plano nacional. Nem todo mundo era ...
senhor dc engenho ou idhu dc senhor dc engenho, mas só eles tinham prestigio
mesmo que houvesse homens mais ricos, Embora muito reccmc — a família Costa
Pinto, por exemplo, cuja genealogia já analisei, passou a ocupar lugares proeminentes
em apenas duas gerações — a propriedade da terra era a certidão necessária e suficiente
para ingressar no grupo dos privilegiados oficiais, reconhecidos como integrantes da
elite do país.
O nascimento e a propriedade da terra eram passaportes i n d i s p e n s á v e i s para in­
gressar no restrito circulo da elite de Salvador. Mas não eram os únicos. Existiam
funções U m agistratura e algum as elevadas funções do Estado, por exemplo) ou con­
dições ídipiom a de direito ou de m edicina, por exemplo) que abriam vias de acesso a
essa posição social.
A distinção entre elite graças à riqueza e ao berço e elite graças ao cargo não
deve nos iludir. Todos esses homens pertenciam ao mesmo meio social, que era o
núcleo onde se formavam as elites baianas e se confirmavam os atributos do peque­
no círculo de proprietários de terras. Apenas indivíduos excepcionais, vindos de ou­
tros meios sociais ou de outras com unidades, conseguiam penetrar nesse pequeno
mundo fechado.
A elite baiana a que estou me referindo agora não é a dos verdadeiros líderes —
raros, mas mais numerosos do que se pensa — que surgiram em meio a crises sociais
ou políticas e cuja força só foi reconhecida por autoridades (privadas ou públicas) que
buscavam interlocutores capazes de aplainar dificuldades.momentâneas. A elite baiana
que queremos definir c aquela que desempenhou um papel oficial na formação do
Estado nacional e que era, na verdade, a eiite de uma elite. Algumas centenas de
afortunados homens que — por laços familiares, alianças, riqueza, estudos e tempera­
mento — souberam e quiseram servir a seu país, ajudando o imperador a organizar e
fortalecer a.s estruturas dc um Estado ainda jovem c mal estabelecido 110 contexto
internacional.
O Estado brasileiro nao nasceu ex nihiío. Foi mais transformado que criado. À
gestão patrim onial portuguesa, o Estado monárquico brasileiro tomou emprestada a
colaboração do poder privado, nascido das próprias circunstâncias do processo coloni­
zador. Foi o que garantiu seu sucesso. Este poder — que ora foi sentido no Brasil
corno usurpador, ora como detentor dc uma delegação do Estado centralizador
conseguiu sobreviver graças ao ritmo muito lento da evolução das estruturas sociais c
econômicas c das mentalidades. O 'novo Estado brasileiro’, que se construiu sem
confrontos graves mas im plantou um sistema de governo centtalizador c auroritátto,
manteve a união nacional contra ventos e marés. Mas, na segunda metade do século,
embalado por seus primeiros sucessos, ele nao soube ampliar suas bases políticas: em
18H9, no fim do período imperial, só 10% da população tinham direito a voto, e a
escravidão tinha sido rccém-aboliila. O monarca compartilhava cada vez menos o seu
Fodcr Moderador.
A principal preocupação do poder central no século XIX foi transform ar as insti­
tuições locais, regionais e até nacionais em cargos dc alta fiscalização. A organização
ju d iciária, policial e política dos m unicípios e das províncias foi, aliás, um excelente
instrum ento para um poder central exigente, controlador, às vezes esm iuçador. A
colaboração das elites locais era, sem d ú vid a, desejada, mas pouco a pouco se criou um
corpo paralelo de funcionários e de m agistrados, dedicados ao governo im perial c não
subordinados aos representantes da ordem privada. V erem os, por exem plo, como
agiam os altos m agistrados, que colocavam o interesse nacional antes do de suas
províncias ou m unicípios de origem . N a ap arên cia, eram potentados locais; na reali­
dade, eram eficazes agentes da integração n acio n al.2 As forças centrípetas venceram as
centrífugas. Após 1850, o núm ero de ações contestadoras deixou de ser significativo,
firm ando-se o controle do Estado.
O debate entre centralização e descen tralização é um falso debate. Talvez fosse
m elhor levar cm conta as diferenças entre, de um lado, um sistem a político suposta­
mente representativo e inspirad o nos m odelos europeus e, de outro, o autoritarism o
patrim onial e hierárquico do Poder E xecutivo central. F in alm en te, o universo político
só comportava poucos eleitores e m uito poucos políticos. Isso não significa que ínexistisse
certo tipo de representação p o lítica.5 A té a década de 1870, o sistem a era, ao mesmo
tempo, oligárquico e representativo de algum as cam adas sociais.
Só após 1870 — e, m esm o assim , em grandes cidades como Salvador — é que
um a nova classe social, um a ‘classe m éd ia’ ed u cad a, com eçou a afirm ar sua capacidade
de governar. O governo im perial m ostrou-se incapaz de aceitar e integrar essas forças
políticas locais e regionais, cada vez m aís ativas. T eve in ício um processo de desinte­
gração, particularm ente nítido nesse m agnífico posto de observação que é a Bahia.
Para com preender o peso desse m ovim ento, basta estudar, em rodo o decorrer do
século, essas elites regionais e seu papel nacional.

A E l it e P o l í t i c a B a ia n a

Não disponho de nenhum a análise geral das elites políticas da Bahia no século XIX.
Só tenho in fo rm açõ es sobre alguns vultos que fizeram carreiras excepcionais.4 A lém
disso, este estudo sobre a sociedade baiana me leva a colocar algum as questões de
an tem ão .
O m tandn com membros eleitos, o novo Poder Legislativo — definido pela Consti-
tuiçãode 1824, completada pela Lei O rgânica dos M unicípios ( 1828), o Ato Adicional
de 1834 c diversas leis eleitorais — ,sc manifestava em todos os níveis da administração
pública, municipal, provincial c nacional. O Poder Judiciário oferecia alguns cargos
aos cidadãos ativos: juízes dc paz eleitos (mais tarde, nomeados), delegados e subde-
legados de polícia nomeados. A Guarda N acional, m ilícia de cidadãos-soldados, era
comandada, em diversos níveis, por oficiais oriundos da sociedade civil. Os titulares de
Liv r a IV O F p,x^RCÍC10 DOS Poüi RE4 2 tt

todos esses cargos rtnham a oportunidade dc exercer legalmente uma parcela dc poder,
inserida no esforço dc construção de um Kstadn nacional, independente e unitário. Os
homens investidos dessas responsabilidades pertenciam, em sua grande maioria, à elite
da sociedade baiana, Eram os notáveis, relativam ente numerosos sc levarmos em conta
a quantidade dc funcionários das m unicipalidades c dc membros das Assembléias
Provinciais. Ê im pressionante constatar o grande número dc deputados que, nascidos
cm famílias de Salvador ou de sua hintcrlândia, sc tornaram representantes dos distritos
mais longínquos do Sertão, sobretudo nos vinte primeiros anos da vida parlamentar.
Achei interessante tentar acom panhar, na medida do possível, a evolução desse papei
preponderante de Salvador ou do Recôncavo na vida política dc toda a Província. Nessa
perspectiva, surgiu um a série de pergunras: cm que ‘camadas superiores’ da hierarquia
social se elegiam os membros das câm aras m unicipais, e das assembléias Provincial e
Nacional? Q ual era o grau de instrução e a profissão desses eleitos? A quem representam
e por que o faziam? Em que m om ento Salvador e sua hintcrlândia deixaram de desempe­
nhar um papel preponderante e as elites locais assum iram , nos parlamentos, a repre­
sentação de seus distritos? Eram diferentes as carreiras dos homens políticos nascidos
na capital ou no Recôncavo e as daqueles que nasciam nos m unicípios do interior?
Como um político baiano adq u iria envergadura nacional, habilitando-se a se tornar
ministro, senador, conselheiro dc Estado ou presidente do Conselho? A carreira políti­
ca ajudava a ocupação posterior de cargos adm inistrativos ou judiciários? E, inversa­
mente, um a carreira com eçada na adm inistração ou na m agistratura podia desdobrar-
se na política? Q ue m ecanism os faziam a articulação entre o poder local exercido pela
organização m unicipal e o poder provincial? Até que ponto o prim eiro permanecia
subordinado ao segundo? Existiam eios de ligação entre o poder m unicipal e o poder
central, ou essa ligação passava necessariam ente pelo poder provincial? Depois de
conquistar poderes im portantes, os políticos baianos lutavam pelos interesses da Pro­
víncia que os elegera ou se identificavam com o interesse nacional, mesmo quando os
dois se opunham ? A ‘carreira’ obrigava os políticos a subir todos os degraus m unici­
pal, província! e nacional — da representação ou era possível queim ar etapas?
Se pudermos responder a essas dez perguntas, ou pelo menos propor hipóteses de
trabalho sobre elas, teremos uma boa visão geral sobre a atuação da elite baiana c sua
participação na formação do Estado nacional. Com eçarei pela últim a, que coloca o
problema das etapas de um a carreira política, pois ela perm ite que sc conheça uma
instituição eletiva de base, a m unicipalidade de Salvador.

A MUNiaPAUDADP im S a l v a d o r H SKUS CoNSLLHLIKOS

Como vimos, a Câm ara do Senado cra uma instituição antiga, cuja estrutura foi
simplificada depois da Independência c da promulgação da lei orgânica de 1828 {que
mudou a denom inação do órgão para Câm ara M unicipal). Segundo o Almanaque t e
1862, assim sc distrib uíam os m em bros c funcionários da in stituição : nove vereadores,
nove suplentes, secretário, advogado, oficial m aior, secundo oficial, dois amanuenses,
contador, procurador, agem e, tesoureiro, porteiro, aju d an te de porteiro, engenheiro,
adm inistrador dc obras, escrivão das vistorias e alin h am en to s, adm inistrador dos cur­
rais, escrivão dos ditos, porteiro do cu rral, ad m in istrad o r da cam p in h a, rccebedor da
balança grande, m édico, escrivão do jú ri, fiscal gerai e doze fiscais parciais.
Entre 1800 e 1829, os vereadores eram sub stitu íd o s an u aím en re, mas podiam ser
reeleitos. Por exem plo, E clísbcrto C a ld e ira B randt Pontes, coronel do Exército, foi
vereador em 1806, 1812 c 1813; M an u el Inácio da C u n h a M enezes, fururo Visconde
do Rio V erm elho e presidente in terin o da P ro víncia cm três ocasiões, foi vereador cm
1812, 1813 c 1823. Era freq ü en te q u e fam ílias im p o rtan tes — com o os Pires de
Carvalho e A lb u qu erqu e, os G alvão e os B randão — estivessem representadas no
Conselho M u n icip al por um de seus m em bros. A liás, entre 1800 e 1823 a eleição
estabelecia apenas u m a lista prévia de nom es, sub m etid o s à escolha do governador da
C apitania. '
A partir de 1829 c até 1 8 4 0 , os vereadores foram eleitos por dois anos, entre 1841
e 1848 por três anos e, en fim , entre 1848 e 1 8 8 9 , por q u atro anos. O núm ero de
vereadores aum en to u regu larm en te — eram nove em 1829 e q u in ze em 1886 — para
acom panhar o crescim ento dem ográfico de Salvador. .
Q ual a origem social e q u ais as profissões dos vereadores? A pesar de meus esforços,
n lo consegui obter docum entação sobre as fam ílias dessas pessoas, além de listas
incom pletas. Em com pensação, consegui inform ação farta sobre suas profissões e car­
reiras políticas. Dos 44 vereadores eleitos entre 1 84 0 e 1872, id en tifiq u ei profissional­
m ente 3 4: havia dez m édicos, oito advogados, sete fu n cio n ário s, q uatro proprietários,
três com erciantes, um padre e um o ficial. E ntre os dez não identificados, dois eram
vagam ente qualificados de ‘doutores’. Se in clu irm o s estes últim o s, vinte conselheiros
(quase a m etade) tinh am profissões liberais. T am b ém era sign ificativa a presença de
funcionários, mas não havía tantos representantes das atividades econôm icas da cidade.
Nao se deve, porém , atrib u ir a esses núm eros um a significação que eles não têm.
Em geral, essas pessoas exerciam várias atividades sim ultâneas, superpondo funções.
Assim, um advogado ou m édico podia ser ao mesmo tem po alto funcionário; um
proprietário dc terras, engenheiro ou até com erciante. José A ugusto Pereira de Mattos,
por exemplo, era advogado e tesoureiro d a alfândega da B ahia. Aliás, todos os verea­
dores pertenciam a fam ílias em que se recrutavam funcionários im portantes, como os
Alm eida Galvão, os Alm eida C outo, os M onteiro, os M enezes c outras.
É interessante frisar que sõ um desses vereadores cra dc origem nobre: José Félix
da Cunha Menezes (1813-1 870 ), cujo paí, M anuel Inácio da C unha Menezes (1779­
1850), desempenhara um papel im portantíssim o na época das guerras da Independên­
cia. Nascido no ano cm que seu pai voltou a Portugal, M anuel Inácio era filho de
M anuel da C unha Mcnczcs, governador e capítão-geral da Bahia (1774—1780) e
terceiro Conde de Lum iares, e de Perpétua Gertrudcs de M enezes Sarmento. O jovem
L iv r o IV - O E s t a d o : O rg a n iz a ç Aq e E xer cíc io d o s P oderes

M anuel acom panhou seu tio. Francisco da C unh a Menezes, quando este últim o
retornou a Portugal cm 1805, depois de cum prir um m andato de três anos como
govcrnador-geral da Bahia (1 8 0 2 -1 8 0 5 ). Seu Biógrafo conta com o, apesar do fausto e
dos divertim entos da vida lisboeta, M anuel Inácio preferiu voltar à Bahia, renuncian­
do à herança deixada por seu tutor, o m arechal José Rodrigues Pinheiro. Não foi,
registre-se, um a atitu d e dc com pleto desprendim ento. Nosso M anuel Inácio fizera
uma das m aiores fortunas de Salvador, graças — ainda segundo o biógrafo __ ao
monopólio de óleo de baleia (esse m onopólio foi abolido em 1820 e M anuel Inácio só
voltou à Bahia em 1 8 1 0 !).5 N ada disso im pediu que ele se tornasse um dos vultos
importantes desse período: vereador em 1812, 1813 e 1823, m em bro da Ju n ta de
Governo Provisório em 1823, negociador nos conflitos entre Portugal e dom Pedro,
membro do C o nselho da P rovíncia, senador, com andante-em -chefe da G uarda N acio­
nal, seu cu rsus h o n o ru m era exem plar. Q uando de sua m orte, em 1850, seu filho
herdou tanto a fortuna m aterial q u an to a fortuna p o lítica do pai, mas teve uma
carreira relativam en te m edíocre, pois só conseguiu ser vereador e com andante-cm -
chefe da G uarda N acio nal. R ecebeu, m esm o assim , várias distinções honoríficas do
imperador: fidalgo cavaleiro d a C asa Im perial, oficial da O rdem da Rosa e com endador
das ordens de C risto , Im perial do C ruzeiro e M ilitar de Aviz. Em 1854, dom Pedro II
só lhe concedeu o títu lo de barão, apesar de ele pleitear o de visconde, como seu pai,
A falta de outros representantes da nobreza ju n to ao Conselho M unicipal de
Salvador duran te todo esse período pode ser explicada facilm ente: a m aioria dos no­
bres morava no Recôncavo, e não na cid ad e propriam ente dita. Entre os 44 vereadores
dé minha lista, doze acrescentaram , à carreira m unicipal, outra de deputado às assem­
bléias Provincial ou G eral. A penas cinco — três m édicos e dois bacharéis em direito
— foram representar sua província no Rio. Não era indispensável ter sido vereador
para tornar-se deputado provincial ou geral, pois não havia hierarquias ou sucessões
obrigatórias nesses m andatos.
O advogado Leonel Estelita Fernandes Neto, por exemplo, tornou-se deputado
provincial em ) 8 50 , aos 24 anos, e continuou nesse posto até 1861. Só então foi eleito
vereador, m andato que exerceu até 1866.ú O médico Antônio Garcia Pacheco Brandão,
por sua vez, só com eçou sua carreira política aos 35 anos, como vereador (1861­
1866), tornando-sc em seguida deputado provincial entre 1868 e 1875.
Podia até haver coincidência de m andatos provinciais e m unicipais. Foi o caso de
Fernando A m onio Filgucirns, que acum ulou mandatos e funções: de 1844 a 1852 foi
vereador; dc 1848 a 1855 c de 1860 a 1861. foi deputado provincial, chegando a ser
vice-presidente da Assembléia. Em 1845 ele fora capitão da G uarda Nacional e, segun­
do o Almanaque , contador da O rn a ra M unicipal. Em 1862, Francisco José foi major
do 3o Batalhão de Reserva da Guarda Nacional, posto que, tradicionalmente, era
ocupado por oficiais de carreira especializados na instrução m ilitar.
Acum ular mandatos entre os deputados cra quase praxe. Cito um ún.co exemplo:
« médico F ran cisco d e A z ev ed o M o n t e ir o tornou-se vereador pela p rim eira vCz aos
258 B a h ia , S e x x t o XIX

q u aren ta anos, em 1849; serviu no vam ente em 1 8 5 2 ; de 1858 a 1877, foi deputado
provin cial quase sem in terru p ção (as exceções foram as legislatu ras de 1864 e 1868),
cargo que acu m u lo u por du as vezes, em 1867 e 1 8 7 0 , com o de vereador. Como
tam bém foi eleito duas vezes (1 8 7 3 c 1877) para a A ssem bléia G eral, acum ulou
seguid am ente m andatos de d ep u tad o p ro v in cial, vereador e d ep u tad o geral.
Eram raros os hom ens capazes de exercer esses cargos. Faltavam pessoas instruídas
entre o pequeno núm ero de cid ad ão s ativ o s’ , o que facilitav a o d o m ín ío da oiigarquia
ç0 bre o co n ju n to d a p o p u lação livre. O m a an álise d etalh ad a dos políticos que repre­
sentavam a P ro víncia nas assem bléias P ro vin cial e G erai p erm ite que se avalie o peso
relativo dos fatores in stru ção e fo rtun a pessoal nessas carreiras.

A A ss e m b l é ia P r o v in c ia l : P r e s id e n t e e V ic e - P r e s id e n t e

Os deputados p ro vin ciais ficavam n a B ah ia e assessoravam o p residen te da Província,


nom eado pelo poder cen trai e co n sid erad o ‘o olh o do m o n arca ’. O s deputados da
A ssem bléia G eral trab alh av am no R io de Ja n e iro e, ao co n trário dos prim eiros, toma­
vam decisões de âm b ito n acio n al, tam b ém co lab o ran d o com o E xecutivo. N a prática,
nenhum a contestação grave opós v erd ad eiram en te os 'rep resen tan tes do povo’ ao
Poder E xecutivo, em n en h u m dos do is níveis.
Em 65 anos, a B ah ia teve 4 7 p resid en tes, o q u e d á u m a m éd ia de u m ano e quatro
meses para cad a m an d ato . A lto s fu n cio n ário s fiéís ao im p erad o r, nem sem pre eles eram
originários d a p ro vín cia q u e governavam . P o d iam , in clu siv e, ser sucessivam ente no­
m eados para p resid ir diversas p ro vín cias, bem diferen tes um as das outras. Tratava-se,
com o se vê, de um sistem a que estim u lav a fo rtem ente a centralização , reforçada pela
rotação dos presidentes, q u e freqüentem ente não criavam raízes. D esfrutavam de grande
liberdade de ação, m as, sendo funcio nários essencialm ente passageiros, não tinham
condições de co n stru ir u m a v id a p o lítica con seqüen te, o q u e im plicava cerra ineficácia.
Essa falta de co n tin u id ad e evitava q u alq u er in gerên cia m ais profunda dos presi­
dentes na vida econôm ica e social de cada região. A ssím , os políticos tinham a impres­
são de que ainda gozavam de grande liberdade, com o na época colonial ou das capi­
tanias gerais. Os contatos en tre as províncias eram raros. A partir do m om ento cm que
um presidente — e até um deputado — saía dos lim ites de sua região para servir ao
Estado, deixava de lado toda e qualqu er reivindicação de ordem local.9
Era comum os presidentes começarem suas carreiras como magistrados, inscreven­
do-se em seguida num dos dois partidos que se alternavam no poder. Depois dc
nomeados para a chefia do Executivo local, sua principal missão era fazer seu partido
ganhar as eleições.10 Acima de tudo, o Estado não queria que se estabelecessem laços
duradouros entre os chefes de partidos locais e seus representantes nas províncias. Daí
essa contínua rotação de pessoal. Towney cita o exemplo do desembargador Freitas
Henriques, que sucedeu ao doutor Joaquim Pires Machado Porteila, em Io de julho
— -1'' ^ — í M s m ; h í , U t v a M a ç v ) í: KxvRt li 10t i o s P o o rrp x 259

llc l i , . . t « c a c.,b ,v , dc vk-tx.tr presidênciu d., Prtivfncia do Pari, onde havia


passado alguns meses depens dc ter sido presidente tle M inas Gerais, tatnhítn durante
alguns meses. De / de ,aneiro de 1871 a 1« dc julltt, de 1872, passara pela presidência
de três prov.nc.as. João A ntonio dc Araújo Freiras só ficou na presidência da Bahia
durante o,to meses, e M achado Portella lam hên, não ocupo., o cargo durante muito
tempo, pois cm novembro desse mesmo ano dc 1872 foi novamente transferido'
Entre a partida de um presidente c a chegada dc seu sucessor podia decorrer um
lapso de tempo bastante grande. Os negócios da província eram então entregues a
um presidente interino, escolhido entre os seis vice-prcsidentes, também nomeados
pelo im perador e integrantes da elite local dc homens públicos. Entre 1824 e 1889, a
Bahia teve mais vice-prcsidentes do que presidentes no exercício do governo. C ha­
mados cinqüenta vezes, aqueles responderam , ao todo, por onze anos e meio dc
governo! A lguns desses presidentes interinos exerceram suas funções ao longo de seis,
sete e até oito m eses.12
Se, a esses tempos de intennidade, acrescentarmos a soma dos 21 mandatos cum­
pridos por dezessete presidentes de origem baiana {alguns estiveram no cargo mais
de uma vez), veremos que o m ais alto posto da adm inistração provincial esteve nas
mãos dos baianos duran te 41 dos 65 anos considerados. Os governos mais longos
foram exercidos por baianos. Jo aq uim José Pinheiro de Vasconcellos, futuro V is­
conde de M ontserrat, por exem plo, governou a Bahia três vezes (de junho de 1832
a dezembro de 1834; de ju n h o de 1841 a agosto de 1844 e de maio de 1848 a
setembro do mesmo ano), som ando cinco anos e oito meses no cargo. João M aurí­
cio W anderley, Barão de C otejipe, e A ntônio de Araújo Bulcão, terceiro Barão de
São Francisco, tam bém governaram durante m uito tempo sua província natal. O
primeiro foi presidente entre setem bro de 1852 e maio de 1855 e o segundo entre
novembro de 1878 e m arço de 1881.
Todos esses baianos perm aneceram fiéis ao poder central que os escolheu e no­
meou. Excepcionalm ente, certos candidatos que se julgavam incapazes de exercer a
função de form a im parcial não hesitaram em recusar a nomeação: em 1835, por
exemplo, M iguel C alm on du Pin e A lm eida, M arquês de Abrantes, alegou que “nas­
cido nesta Província e pertencendo a um a fam ília numerosa, entrelaçada com muitas
outras, não me julgo habilitado para desem penhar, com o acerto e a imparcialidade
necessária, o lugar de seu adm inistrador
Dezesseis dos dezessete presidentes da Província de origem baiana estudaram
direito c o últim o cra m édico. Todos pertenciam a famílias abastadas que detinham o
poder econômico e político cm Salvador e seu Recôncavo. Só João Maurício Wanderley,
Barão de Cotejipe, e Manoel Pinto de Souza Dantas eram oriundos do interior; o
primeiro nasceu às margens do São Francisco, em Vila da Barra, e o segundo em
Itapicuru, regiões cm que suas famílias possuíam m uita rerra. Estudos de direito em
Coimbra (Portugal) ou em O linda (Pernambuco) lhes abriram os caminhos da magis­
tratura, onde eram recrutadas as altas personalidades da administração pública. Nove
200 Bahia, Sfcui.o X IX

dos dezessete presidentes dc origem b aian a tam bém p resid iram os destinos dc outras
provín cias brasileiras e q uase todos foram d ep u tad o s às assem bléias Provincial c Na­
cion al. T rês foram senado res, m in istro s c p rim eiro -m in istro s do governo central. Vê-
se q ue a função de p resid en te de P ro vín cia era u m a etap a n u m a carreira po lítica, assim
com o a m ag istratu ra ou um m an d ato p a rlam en tar. ,
V am os a algu n s exem plos b aian o s ilu stra tiv o s das carreiras p o líticas do Império
brasileiro . Francisco V icen te V ian a, p rim eiro B arão dc Rio das C o n tas e primeiro
p resid en te da P ro víncia da B ah ia, era o rig in á rio de S alv ad o r, on de nascera em 1754,
filho de Francisco V icen te V ian a , um co m e rc ia n te p o rtu g u ês q ue chegara à Bahia em
1725, com catorze anos de id ad e, e q u e se to rn ara sen h o r d e en gen h o no distrito de
Sao Francisco do C o n d e , no R e c ô n c a v o .14 U m a im en sa fo rtu n a e várias plantações
de cana to rn aram -n o ra p id a m e n te u m a p erso n alid a d e em in e n te d a elite baiana. Foi
m em bro do Senado M u n ic ip a l e do S an to O fício . Seus três filhos — F rancisco Vicente,
Fructuoso V icen te e Jo ão V icen te — estu d a ram d ire ito em C o im b ra e voltaram ao
Brasil para in gressar na m a g is tra tu ra (os dois m ais velh o s) e no clero (o m ais moço).
Aos 21 anos, F ran cisco V ic e n te foi n o m ead o ju iz dos órfãos da cid ad e de Salvador.
Em 1 7 8 7 , foi p ro m o v id o a o u v id o r-g e ra l e p ro ved o r d a co m arca d a cap ital, passando
a ser personagem de g ran d e d e sta q u e n a c id ad e . C asan d o -se com C a etan a do Sacra­
m ento B an d eira, se a lio u a u m a p o d ero sa fa m ília de co m ercian tes e senhores de
engenho p o rtu gu eses, os R o d rig u es B an d eira. A p esar de suas origen s portuguesas e
de sua ed u cação em C o im b ra , d u ra n te as g u erras p ela In d ep en d ên cia (1 8 2 2 -1 8 2 3 )
Francisco V ic e n te lu to u p ela cau sa b rasileira, ch eg an d o a p resid ir a J u n ta Provisória de
G overno d a B ah ia. S u a rep u tação de h o m em m o d erad o e sua fid elid ad e à causa
b rasileira levaram a q ue fosse n o m ead o p ara a ch efia do E xecutivo baian o em 1824,
posto que ocu p o u com relativ o sucesso d u ra n te dezenove m eses. Foi recom pensado
com o títu lo de B arão de R io das C o n tas, co n ced id o p elo im p erad o r dom Pedro I em
o u tu bro de 1 82 5.
H o n o rato jo sé de Barros Paim (1 7 9 2 —1855) tam bém estudou d ireito em Coim bra,
antes dc segu ir u m a carreira típ ica de m a g is tra d o .1^ D u ran te as guerras pela Indepen­
d ên cia, foi au d ito r do E xército L ib ertad o r d a B ah ia, estabelecendo sólidos laços com
a elite local, que ficou in co n d icio n alm en te ao lad o de dom Pedro I. T ornou-se, em
seguida, ju iz de fora dos distrito s de Ja g u arip e c de M arag o jip e, no Recôncavo, inte­
grou o I ribunai C iv il dc Salvado r c, por volta dc 1830, tornou-se desem bargador do
Tribunal dc Relação da B ahia. T eve, por co n seguin te, um a carreira m uito rápida,
galgando em poucos anos todos os degraus da h ierarq u ia ju d iciária. Entre 1828 e
1831, foi m em bro do C onselho da Província. Eleito duas vezes (1 8 3 0 -1 8 3 3 e 1834­
1837) à Assem bléia C era! do Im pério, tornou-sc tam bém deputado provincial em
1835, sucessivam ente reeleito até 1843, tendo presidido a m esa da A ssem bléia Provin­
cial em 1837, 1838 e 1 8 4 l. F’ xerceu a presidência d a Província entre junho de 1831
e junho de 1832 ç, depois, interin am en te, em novem bro de 1837. Foi vice-presidente
dc 1835 a 1849. Eleito pelo Partido Conservador ou nom eado pelo governo, Honoraro
e E xercício d o s P oderes 261

José acumulou vanas lunqoes entre 18 3 5 c 1 8 4 3. Teve, inclusive, uma breve incursão
na cena nac.or.al, p o r ocas.ão de seu m anda,o de depurado à Assembléia Geral Ma­
gistrado onisciente e onipresente, apto a exercer lodos os mandatos, sua carreira -
rnui,o parecida com a dos demais ocupantes de cargos provinciais - exemplifica a
necessidade. |á citada, de recrutar sempre os mesmos homens num mundo polírico
restrito, cm que os |t,ristas eram intercambiáveis assim que adquiriam experiência nos
negócios. D esconheço detalhes sobre sua fam ília, mas sei que morreu solteiro em
1855. sem d eixar herdeiros.
A carreira desse conservador pode ser com parada com a de um liberai, José Luiz
de A lm eida C o uto ( 1 8 3 8 - 1 8 9 5 ), ú ltim o presidente da Província da Bahia e o único
que não era m agistrad o . F ilho d c Jo ão C aetan o de A lm eida C outo e de Luiza Benvinda
Dorea C o u to , m edico, eleito aos 24 anos para a A ssem bléia Provincial, onde exerceu
três m andatos sucessivos en tre 1862 e 1869, ele foi igualm en te vereador (1867/1869),
deputado à A ssem bléia G eral (1878/81) e professor da Faculdade de M edicina da
Bahia, antes de ser n o m eado por algu n s meses presidente da Província de São P aulo.16
Depois, foi duas vezes p resid en te da B ahia, por três meses em 1885 e por cinco meses
em 1889. S u a carreira foi b rilh an te , m as, com exceção do pequeno episódio paulista,
não ultrapasso u os lim ites de sua p ro vín cia natal, assim com o ocorreu com as carreiras
de Francisco V icen te V ia n a e H o norato Jo sé de Barros Paim .
O cursus h o n o r u m de Jo ão M au rício W an d erley, ilustre B arlo de C o tejip e,17 foi
com pletam ente d iferen te. Filho de um proprietário rural, nasceu em V íla da Barra, na
m argem esqu erd a do rio Sao F rancisco, em região então pertencente a Pernambuco,
anexada à B ah ia em 1827. D iz a tradição q u e W an d erley era descendente de um
holandês que viera com M a u ríc io de N assau no século XVII e que se chamava Gaspar
Van der Lay. O bisavô de Jo ão M au rício teria dilap idado a fortuna da fam ília, obri­
gando seu filh o a em igrar para o in terio r da cap itan ia, num a bem -sucedida busca de
riqueza. A fo rtun a p erd id a teria sído refeita em duas gerações. O pai de João M aurício
era contador d a d íz im a, possuía grandes propriedades rurais e se ocupava de numero­
sos e im portantes negócios, in tegran d o o grupo de notáveis da região. Na época das
guerras pela Indep endên cia, apoiou a causa dos brasileiros, o que lhe valeu a Ordem
do C ruzeiro do Sul em 1825.
Km que época os W an d erley misturaram seu sangue àquele de uma descendente
dc africanos anônim os? A história, que canta loas às origens européias da fiimfl.a, nao
O revela. Seja com o for. a tez escura e o nariz achatado de João Maurício, nascido em
1 8 1 5 . não foram um obstáculo a uma brilham e carreira política no Partido Conseiva-
dor. encerrada apenas com sua morte, ocorrida cm 1889. F.le cursou a escola secunda­
ria cm Salvador e estudou direito em O linda, onde desde 18 2 7 funcionava uma das
duas únicas faculdades brasileiras dessa especialidade (a outra estava em Sao Pau o).
Iniciou sua carreira pública como juiz municipal e de árfàos em Barra e Xiquexique,
longínquas cidades do Sertão baiano. Foram os eleitores da reg ião d o S ao Francisco
que o levaram à Assembléia Provincial, primeiro como suplente em 18 4 0 e em seguida
262 LVm ua , S fi u o X IX

como deputado ate 1852. Ao mesmo tem po, ele se aproxim ou de Salvador, sendo
nom eado, cm 18-14 , juiz dc d ireito cm Santo A m aro, no Recôncavo. De 1848 a 1852
foi várias vezes chefe dc Polícia de Salvador, fundão que acum ulou com mandatos
parlam entares (foi deputado provincial até 1853 c deputado à Assembléia Gera) de
1843 a 1856).
Nesse m esm o ano de 1852 foi nom eado, sim ultan eam en te, juiz do Tribunal de
Relação da B ahia (cargo que ocupou até 1857) e presidente da Província. Em 1855
deixou a presidência pelo M in istério da M arin h a, in ician d o um a carreira de âmbito
nacional. Foi escolhido senador cm 1856. No ano segu in te, casou-sc com Antônia
T ereza de Sá P ita e A rgolo, filha de A ntôn io B ernardino da Rocha Pita e Argolo,
C o nde de Passe, rico senhor de engenho do R ecô n cav o .1* V árias vezes ministro ç
m em bro do P artido C o nservador, Jo ão M au rício foi um dos principais negociadores
do tratado com o P araguai em 1871 e só teve um período de relativo ostracismo
duran te o governo lib eral do baiano José M aria da Silva Paranhos, V isconde de Rio
Branco (1 8 7 1 -1 8 7 5 ). N essa época, resid iu em Salvado r, num curto ‘exílio ’ político,
m arcado pelo esforço em m o dernizar o engenho Jacaracan g a, que com prara. Voltou à
p o lítica — e ao poder — em 1875, com o m in istro das F inanças, na equipe do Duque
de C axias (1 8 7 5 -1 8 7 8 ). F in alm en te, tornou-se presidente do C onselho dos Ministros
de 1885 a 1888 e, depois, presidente do B anco do B rasil, cargo que ocupou até a
m orte. Seu biógrafo e neto, Jo sé W a n d erley de A raú jo Pinho, afirm a que o avô morreu
pobre e que sua casa do R io de Ja n eiro teve q u e ser leilo ad a para que suas dívidas
pudessem ser p agas.19
Ao contrário do Barão de C o tejip e, o V iscon de de R io B ranco era um liberal.
José M aria — ‘J u c a ’ para os íntim o s — da S ilva Paranhos (1 8 1 9 -1 8 8 0 ) era quatro
anos m ais moço que João M a u rício W an d e rle y , m as m orreu nove anos antes dele.
Filho do português A gostinho da S ilva Paranhos e de Josefa Em erenciana Gomes
Barreiros, ele nasceu em Salvador, n u m a fam ília de grandes com erciantes, arruinada
na época da Independência. C om o desaparecim ento da fortuna fam iliar, o jovem
José M aria teve que prosseguir seus estudos às custas do Estado, como cadete da
F.scoia N aval do Rio de Jan eiro (1 8 3 6 -1 8 4 0 ), de onde saiu aspirante com o posto de
guarda-m arinha. Q u atro anos depois, obteve o dip lo m a de bacharel em matemáticas
e ciências físicas. M u ito apreciado por seus dotes intelectuais c sua inteligência, tor­
nou-se professor catedrático da Escola M ilita r em 1848. Em 1860, era professor na
Escola C en tral, reorganizada em 1874 com a denom inação de Escola Politécnica.
Em paralelo, trabalhou no jornal liberal O Novo Tempo e no J o r n a l do Commercio,
obtendo destaque. O futuro V isconde de Rio Branco era considerado um conserva­
dor moderado, o que mostra com o era im precisa a linha divisória entre conservado­
res e liberais da época, A passagem de um partido para o outro se fazia segundo os
interesses do m om ento. Foi deputado provincial na legislatura de 1844—1845 e de­
putado geral nas legislaturas de 1848, 1 8 5 3 -1 8 5 6 e 1 8 5 7 -1 8 6 0 (pelo Rio de Janeiro)
e na de 1861—1863 (por Sergipe).
o E s ta d o : O r g a n iz a ç ã o e E x e r c í c i o d o s P o d e r e s

Sua carreira de político e homem de Estado começou na década de 1840. Em


1851, foi secretário da missão diplom ática que negociou na região do Rio da Prata e
em seguida ocupou o posto de m inistro plcnipotenciário para ajustar com os represen­
tantes da A rgentina, Paraguai e U ruguai o tratado definitivo de paz (1858) Foi
senador pela Província do M ato Grosso cm 1862 e enviado especial às Republicas
Orientais em 1863. Fez carreira na diplom acia quase cm paralelo ao exercício de
cargos m inisteriais: foi m inistro de Negócios Estrangeiros em 1 855-1857 e 1858­
1859; tta M arinha em 1853—1855 e 1856—1857; da Fazenda em 1861, 1862 e 187L
e, finalm ente, presidente do Conselho entre 1871 e 1875. Teve neste último cargo ó
apogeu de sua carreira. No G abinete sob sua presidência, foi sancionada a Lei n° 2040,
de 28 de setem bro de 1871, dita Leí do V entre Livre, que declarava livres os filhos de
mães escravas. T ornando-se grão-m estre da M açonaria em 1871, participou intensa­
mente da cham ada ‘questão religiosa’.20
Ao contrário do Barão de C o tejipe, o V isconde de Rio Branco se integrou menos
nos meios baianos. Era fdho de um com erciante português, odiado, como os demais,
pelos brasileiros. Além disso, seu pai tin h a ido à falência. A perda da fortuna somava-
se à perda do prestígio social. Em segundo lugar, a carreira de Rio Branco se fez longe
da Província, de m odo que ele foi menos envolvido que Cotejipe por compromissos
ou promessas. M as, sobretudo, ele não estudara direito. Não pertencia à casta fechada
dos m agistrados. Os apoios que C otejipe podia encontrar junto à elite baiana ou a
colegas profissionais, Río Branco era obrigado a ir buscar alhures, talvez junto aos
membros dessas lojas m açônicas em que se faziam e desfaziam solidariedades próprias
às pessoas desprovidas de raízes sólidas.21
As carreiras que acabo de evocar indicam claram ente como se imbricavam os
poderes Executivo, Legislativo e Ju diciário . Voltemos a um ponto: a grande maioria
dos vice-presidentes que ocuparam interinam ente a presidência da Província era formada
por m agistrados. O ra, os vice-presidentes foram freqüentem ente chamados ao exercí­
cio do governo, sem pre segundo a ordem definida pelo imperador. Nos dois primeiros
lugares de sua Üsta, este colocava quase sempre membros do corpo judiciário, deixan­
do os quatro seguintes a personalidades de reconhecido peso social e econômico.
M uito honrados ao receberem o título, os nomeados ficavam freqüentemente infelizes
quando tinham que assum ir um governo interino. M uitos deles recorreram a pretextos
de saúde para nao ter que receber o cargo maior. Em 1857, por exemplo, o presid
da Província, Cansação de Sinim bu, originário das Alagoas, pedíu uma licença p
tratamento de saúde, em seguida a um ataque de febre amarela. Cinco de seus vice-
presidentes recusaram -* a aceitar a presidência.2-1 O sexto, Joaquim Torquato Carnei­
ro de Campos, teria aceito com prazer, mas sua indicação nao agradou à equipe
ministerial do Rio de Janeiro. Eoi preciso modificar a lista, para que um magistrado
pudesse assumir a direção dos negócios baianos. _
Como vimos, eram numerosas as ocasiões em que interinos assumiam. Havia
presidentes que. quando eram nomeados, estavam em outra província; pres.demcs
264 B a h ia , S écu lo X IX

p arlam en tares, ocupados em sessões b i-an u ais; presidentes senadores, cm reuniões no


R io; doenças e m ortes co m p letav am as m u itas ocasiões em q ue era preciso apelar para
um sub stitu to , T odos esses m agistrados, q u an d o a serviço do E xecutivo, deviam deixar
de exercer sua função na m ag istratu ra. M as p erm an eciam m em bros do Ju d iciário , para
o qual regressavam assim que term in av a sua m issão. Suspensos provisoriam ente, m an­
tin h am todos os seus elos com sua corp oração de o rigem .
A faixa etária dos presidentes ou v ice-p resid en tes de p ro vín cia era de cerca de 46
anos. T ratava-se de ho m ens m ad uro s, dotados de lo n g a experiên cia parlam entar ou
ju d ic iá ria. O s estudos sup erio res e o ingresso no Ju d ic iá rio ab riam ao jovem baiano as
portas de u m a carreira ao m esm o tem p o ju ríd ic a , le g islativ a e a d m in istrativ a, de modo
que as funções do E stado ficavam nas m ãos de po ucas pessoas, o q ue p erm itia ao poder
cen tral exercer um co n tro le sobre servidores m u ito fiéis. É fácil enten d er por que
houve tão po uca co n testação a u m a m o n a rq u ia q ue soube co n so lid ar seu poder e
u n ificar as ten d ên cias cen trífu g as das p ro v ín cias. A liás, receben do títu lo s honoríficos
e condecorações, ou co n seg u in d o ráp id as prom oçõ es em suas carreiras, esses mesmos
hom ens se lig av am a in d a m ais ao p o d er c o n stitu íd o . T o d o s os presidentes de província
de origem b aian a foram co n d eco rad o s com as ordens do C risto , de A viz, do Cruzeiro
ou d a Rosa, e seis en tre eles receb eram títu lo s de nobreza.

Os D eputad o s à A s s e m b l é ia P r o v i n c i a l

O s p arlam en tares b aian o s, p ro v in ciais ou gerais, eram p o uco num erosos, sobretudo
porque a reeleição era regra e p o rq u e vários d ep u tad o s exerciam os dois mandatos
sim ultan eam en te. O arcebispo d a B ah ia, do m R o m u ald o A. de Seixas, por exemplo,
foi eleito d ep u tado geral na terceira leg islatu ra (1 8 3 4 -1 8 3 7 ) e d ep u tad o provincial na
p rim eira (1 8 3 5 -1 8 3 7 ). O co rreu o m esm o com dez outros deputados à Assembléia
G eral. Dos dezoito deputado s gerais dessa leg islatu ra, onze tin h am , por conseguinte,
m andato d uplo. T rcs dos q u in ze in tegran tes baianos d a A ssem bléia Geral (legislatura
de 1 8 6 9 -1 8 7 2 ) tam bém eram deputado s provin ciais. F in alm en te, na ú ltim a legislatura
da Assem bléia G eral (1 8 8 6 -1 8 8 9 ), os dois m andatos (pro vin cial e geral) não coinci­
diam m ais. E ntretanto, onze dos dezesseis deputados gerais já haviam exercido um
m andato provincial,
A criação dc unia assem bléia que exercia o Poder Legislativo ocorreu em 1835,
pois, antes dela, o C onselho G eral da Província tin h a caráter unicam ente consultivo.
A duração de um a legislatura provincial era de dois anos. Entre 1835 e 1889, houve
27 legislaturas, com 509 deputados, entre titulares e suplentes.2^
Os funcionários do parlam ento provincial pareciam renovar-se constantemente.
C ada legislatura trazia novos elem entos, em núm ero que podia ir do quarto à metade
do total de deputados. Poder-se-ia então pensar num processo de cont/nua renovação
de políticos, graças à contribuição desses novos elem entos. V árias evidências podem
L iv ro IV - O E s t a d o : O r g a n i z a ç ã o e E x e r c I c io d o s P o d e r e s 265

T A B E L A 54

P e r c e n t a g e m d e N o v o s D e p u t a d o s n a A ss e m b l é ia P r o v in c ia l , 1 8 3 5 -1 8 8 9
Anos % Anos % Anos %
1 8 3 5 -1 8 3 7 - 1 8 5 4 -1 8 5 5 2 6 ,8 1 8 7 2 -1 8 7 3 3 5 ,7

I 8 3 8 -1 S39 5 1 ,0 1 8 5 6 -1 8 5 7 2 8 ,8 1 8 7 4 -1 8 7 5 3 4 ,1

1 8 4 0 -1 8 4 1 2 6 ,0 1 8 5 8 -1 8 5 9 4 9 ,0 1 8 7 6 -1 8 7 7 3 0 ,2

1 8 4 2 -1 8 4 3 3 7 ,0 1860-1861 4 1 ,0 1 8 7 8 -1 8 7 9 3 4 ,1

1 8 4 4 -1 8 4 5 3 1 ,5 1 8 6 2 -1 8 6 3 4 0 ,0 1 8 8 0 -1 8 8 1 5 3 ,5

1 8 4 0 -1 8 4 7 3 0 ,8 1 8 6 4 -1 8 6 5 4 2 ,8 1 8 8 2 -1 8 8 3 6 1 ,9

1 8 4 8 -1 8 4 9 3 4 ,0 1 8 6 6 -1 8 6 7 3 0 ,8 1 8 8 4 -1 8 8 5 3 0 ,8

1 8 5 0 -1 8 5 1 3 2 ,5 1 8 6 8 -1 8 6 9 4 5 ,2 1 8 8 6 -1 8 8 7 3 7 ,5

1 8 5 2 -1 8 5 3 3 3 ,3 1 8 7 0 -1 8 7 1 5 8 ,1 1 8 8 8 -1 8 8 9 3 7 ,5

dem onstrar o co n trário . A p rim eira delas é fornecida pelo núm ero de deputados,
titulares ou su p len tes, que rep artiram as 1.232 cadeiras di: sponíveis. 26 Foram 509.
Logo, cada d ep u tad o foi cham ado a ocupar, cm m édia, 2 ,4 2 cadeiras. Em outras
palavras, cada eleito c u m p riu quase duas legislatu ras e m eia. Pode-se m uito bem
retorquir que cinco anos de m an d ato representam um a m éd ia norm al, que perm ite
renovar o grupo dos eleitos. M as u m a análise m ais fin a da duração dos m andatos
dem onstra o q u an to essa m éd ia de 2 ,4 2 cadeiras por deputado é enganadora:
Entre os 509 dep u tad o s provin ciais, 4 0 6 (7 9 ,8 % ) foram eleitos por, no m áxim o,
três legislaturas, o que correspo ndia a um m andato de seis anos. Por outro lado, 44,6%
desses 509 deputados foram eleitos apenas um a vez, desaparecendo em seguida da
cena po lítica, pelo m enos no que diz respeito à representação provincial. Um grupo
relativam ente restrito de hom ens (2 0 ,1 % ) foi eleito constantem ente, concentrando
em torno de si a v id a p o lítica da Província.
T enho inform ações m ais ou m enos detalhadas sobre 77 dos 103 deputados que
serviram duran te m ais de tres sessões legislativas. Foram dezessete advogados, onze
m édicos, dois engenheiros do Exército e da M arinha, . 21 m agistrados, onze altos
funcionários provinciais, quatro padres e um jorn alista. H ouve ainda dois ‘doutores
não especificados, um com erciante e sete pessoas sim plesm ente qualificadas como
‘proprietários’.27
Havia, portanto, dois tipos de parlam entares. Aqueles cuja carreira alcançava um
nível nacional c que eram is vezes cham ados a assum ir as mais altas responsabilidades
e aqueles cuja carreira, em bora circunscrita nos estreitos lim ites de suas províncias, não
deixava de ser prestigiosa. O prim eiro grupo era representado por 33 parlam entares
que exerceram m andatos no nível provincial e nacional. Deles, só dezessete continua­
ram como sim ples representantes de seus eleitores. Os outros dezesseis tornaram-se
senadores e m inistros (três), vice-presidentes da Província da Bahia (cinco), presidentes
B a h ia . S êcti.o XIX

T A P f. I A S S

N u m i r o n r Lr.casi .ATURAS n r C a p a
D i t p t a p o P r o v i n c i a l ísa R a i u a , 183 5 -1 8 8 8
—— —

Lk .imaturas N" 111- D MATADOS

Urna 227 (44,6)

[tuas 110 (21,6)

Très - 69 (13,6)

Q uatro 36 (7,0)

Cinto 31 (6,0)

Seis 19 (3,7)

Sete 5 (1,0)

O ito 7 (3,4)

Nove 2 (0,4)

Dez 2 (0,4)

Onze - -

Doze 1 (0,2)

Tocai 509 (100,0)

de província (três), m inistro (u m ), m inistro e presidente de província (um ) e ainda


houve três parlam entares que se tornaram presidentes da A ssem bléia Provincial, mi­
nistros do Suprem o T rib u n al e, respectivam ente, presidente da Província, senador,
m inistro e presidente do Conselho.
O segundo grupo de parlam entares — aqueles que fizeram carreiras tipicamente
provinciais — foi form ado por pessoas que exerceram um a influência permanente
sobre a vida política, pois seus m andatos foram constantem ente renovados. Quase
sempre integraram a M esa da A ssem bléia Provincial, onde exerceram funções de secre­
tário, vice-presidente ou presidente. Por outro lado, grande núm ero desses parlamen­
tares provinciais tam bém foram m agistrados ou altos funcionários do poder central, o
que Ibes perm itia controlar a fundo a vida p o lítica provincial.
Vamos a alguns exemplos. José de Barros Reis (1 7 9 9 -1 8 8 1 ) nasceu na paróquia
de Santo Antônio Além do Carm o. Seu pai e hom ônim o, rico proprietário, casara-se
com um a moça do cia dos Araújo C ó Ís , de nome Teodora. Rico proprietário que vivia
de suas rendas, cm 1818 o nosso José contraiu prim eiras núpcias com Berenice da
Silva, filha do cirurgião m ilitar Cristóvão Pessoa da Silva e irm ã do contador da
Tesouraria Ccral, Cristóvão Pessoa da Silva Pilho, deputado durante sete legislaturas,
entre 1835 c 1851. Com a morre da prim eira esposa, casou-se com Ana Geralda
M arrino Vallasqucs, filha legitim ada de M anuel dos Santos M artins Vallasques (1792—
1862), magistrado, m inistro do Supremo T ribunal de Justiça (a partir de 1855) e
senador pela Província da Bahia (18 3 6 -1 8 6 2 ), Contando com sólidas alianças familiais,
E E x e r c íc io d o s P o d e r e s 267

José foi v e re ad o r e d e p u ta d o p ro v in c ia l 1 •,
, j * •, * 7 m cial d l™ t e oito legislaturas, enrre 1835 e 1853
cheçando a vicc-presidente da Assembléia An ™ j • .
dois filhos naturais e um a fortuna de 1 7 8 .8 6 5 .7 9 4 ^ ^ legm m os’
m o s c sabe quem foram « pais do m édico Fiel josé de Carvalho e Oliverra, nem
a data d e sen aicein ie,n o . Nasceu provavelm ente em 1827 e, aos 25 anos, foi depu­
tado a A ssem bléia ProvrncraL C asou-se em data ignorada com Ftancisca Dantas, irmã
de Cícero D am as M artm s, Barão de Jercm oabo, integrante da poderosa fitmilia dos
Dantas, do Agreste ba,ano, e casado com um a filha de A ntônio da Costa Pinto Conde
de S ergin n n m . Através de sua sogra, em aliado da fttmília Lopes, de importantes
senhores de engenho do R ecôncavo. Os dois tiveram carreiras bem diferentes' Fiel José
foi deputado provin cial de 1852 a 1861, secretário e vice-presidente da mesma Assem­
bléia e responsável pela conservação da biblioteca da Faculdade de M edicina. Lídet do
Partido C onservador, o Barão de Jerem oabo foi deputado à Assembléia Geral durante
quatro legislatu ras (1 8 6 9 a 1889), duas vezes deputado provincial (18 60 -61 e 1870­
71) e co n tin u o u sua carreira po lítica depois da Proclam ação da República. Reencon­
tram o-lo, com efeito, com o senador na A ssem bléia C onstituinte da Bahia, que veio a
presidir em 1891, exercendo o m andato até 1896.29
F inalm ente, Jo aq u im d a C o sta Pinto (1 8 4 1 -1 8 7 9 ), filho de Antônio da Costa
Pinto, C onde de S ergim irim e cunhado do Barão de Jerem oabo, acim a citado. Eleito
deputado provin cial aos 2 9 anos, ele foi constantem ente reeleito até sua morte em
1879. O cupo u em 1877 a função de vice-presidente da Assembléia Provincial.30
M anoel d a S ilv a B araún a (1 7 9 9 —1876), Jo aquim T ibúrcio Ferreira Gomes e
Bernardo do C an to Brum tam bém sao bons exemplos. Não consegui muitas informa­
ções sobre a fam ília do prim eiro, que era sobrinho de um célebre pregador, o franciscano
Xavier da Silva Bastos, d ito ‘irm ão Bastos B araúna’. Casou-se com Delfma M aria, da
qual se ignora o sobrenom e, e teve sete filhos, cinco dos quais meninas. O mais velho
dos m eninos seguiu a carreira do p ai, tornando-se funcionário e deputado provincial.
Em 1845, M anoel chefiou a Secretaria de Governo da Província e em 1862 foi secre-
tário-geral do Instituto B aíano de A gricultura. Na época do recenseamento de 1855,
M anoel estava á frente de um a grande fam ília. Com ele viviam sua sogra, sua cunhada
e duas dc suas cinco filhas, M aria H ildetrudes, solteira de 24 anos, e Amélia Augusta,
viuva aos 23 anos e mãe dc três filhos: M anuel Augusto Carigé Baraúna (sete anos),
Emilia A u g u sta C arigé Baraúna (cinco anos) e Eduardo Augusto Carigé Baraúna (dois
anos). M anocí criava mais sete netos, filhos de Gustavo de Sá e Menezes e de sua filha
Celestina C ân dida. Ainda Faziam parte do grupo fam iliar doze escravos adultos sendo
seis mulheres c seis homens. Alto F u n cio n ário , gozando de grande prestígio, a
era considerado ‘ figura dc relevo’, tendo sido sucessivamente eleito deputado entre
1842 e 1861. Tornando-se oficial da Ordem da Rosa em 1862, foi elevado ao grau e
comendador aleuns anos depois.- * 31 ,
Sobre Joaquim Tibúrcio Ferreira Gomes tenho poucas mformaçoes. Era filho do
Padre Vicente Ferreira Gomes, vigário da paróquia de Sao Gonçalo (situada no
■centro
:6 8 B ah ia , S écu lo X IX

da região produtora de tabaco) e rico p ro p rietário , detento r do prestigioso título de


cônego honorário de Salvador. A partir de 1848, foi eleito d ep u tado provincial em seis
legislaturas, tendo chegado a prim eiro-sccrerário da A ssem bléia cm 1854 e a juiz de
p r i m e i r a instân cia da com arca de C aravelas em 1 8 6 2 .32 '
Bernardo do C anto Brum nasceu em 1811 ou 1812, em Salvador, num a família
sobre a qual não tenho n en h u m a referencia. Em 1862, ain d a era solteiro e exercia o
cargo de contador do T esouro G eral, alta função que exigia reputação de honestidade,
à qual Bernardo parece ter feito ju s, pois se to rn o u o ficial da O rdem da Rosa quando
da passagem de S u a M ajestad e p ela B ah ia em 1859. C o m eçou sua carreira política
relativam ente tarde, aos 59 ou 6 0 anos, o que era excepcional, pois geralm ente isso
ocorria na casa dos trin ta. E leito pela p rim eira vez em 1870, foi reeleito até 1882,
tendo presidido a A ssem bléia na ú ltim a leg islatu ra de que fez p arte.33
N ascido em 1793, o padre Jo aq u im de A lm eid a parece ter sido um homem do
século XVIII. Seu nom e não con stava m ais entre as autoridades eclesiásticas que
recepcionaram dom Pedro II, em v isita à B ahia. Sobre esse padre secular, tenho
pouquíssim as inform ações, pois ignoro sua filiação e tam bém não sei qual foi o papel
político que desem penhou. V ig ário d a p aró q u ia de N ossa Senhora da V itória, em
1845 ele era m em bro do T rib u n a l E clesiástico, o q u e dem onstra que integrava a elite
do A rcebispado local, do q u al foi, aliás, um dos oradores sacros m ais célebres. Foi
eleito deputado provin cial em 1835 e co n tin u o u a ser reeleito até 1 8 5 4 -1 8 5 5 . Exer­
ceu, por conseguinte, v in te anos de m andato , tendo sido freqüentem ente secretário da
M esa da A ssem bléia P ro vin cial.34
O advogado R om ualdo A ntôn io de Seixas era sobrinho do arcebispo da Bahia, seu
hom ônim o, figura de relevo do epíscopado brasileiro e um dos prim eiros reformadores
da Igreja C ató lica b rasileira. Em 1862, R om ualdo foi eleito pela prim eira vez à Assem­
bléia Provincial, quando ocupava o cargo de inspetor do governo junto à Caixa Eco­
nôm ica de Salvador. Era diretor do C lu b e D ram ático, um a das duas associações tea­
trais que existiam na época em Salvador. Ignoro se ele co n stitu iu um a família. Foi
eleito deputado durante sete legislaturas, entre 1862 e 1872, tendo sido duas vezes
secretário e vice-presidente da Assem bléia Provincial. A fam ília Seixas teve ainda cinco
outros membros eleitos para a Assem bléia Provincial: dom Rom ualdo Antônio dc
Seixas, já citado, arcebispo da Bahia de 1827 a 1860, Eustáquio Primo de Seixas, o
médico Domingos Rodrigues Seixas, o advogado Arsênío Rodrigues Seixas e o padre
Romualdo M aria de Seixas Barroso. Não há dúvida de que a carreira do arcebispo
facilitou as carreiras dos seus fam iliares pois, naquela época, os Seixas estavam longe
de ser uma das famílias mais importantes do Recôncavo.33
O advogado João dos Reis dc Souza Dantas nos conduz de volta à poderosa
família dos Dantas, ricos proprietários de terras na rcgíão do Jeremoabo, Rio Real e
Itapicuru, no Agreste baiano. João era filho de M aurício José de Souza e de Carolína
Francisca Dantas, tilha dc João d ’Antas dos Imperiais Itapicuru e de Francisca Xavier
de Souza Lette, e irmã dc José Dantas Itapicuru (1798—1862), primeiro Barão de Rio
I j" RQ ^ ---- £ ) j ^ DO: O R G ANIZAÇÃO E EXEkCÍCIO DOS PoDERES
269

Real. A vida ad u lta de dois dos filhos desse Barão é conhecida: em 1866, o m ais velho
^ u aíb ert° D antas ( I 8 2 J - 1 8 8 8 ) , tornou-se o segundo Barão de Rio Real, confi­
gurando um caso bastante raro em que o filho recebeu o mesmo título nobiliárquico
do par (a nobreza nao cra h ered itária). Jo ão G ualbetto foi deputado às assembléias
Provincial e G eral, drretor da C a.x a E conôm ica de Salvador, com andante-em -chefe da
G uarda N acio n al na região de Itap icu ru e m em bro em inente do Partido Liberal. Sua
irm a, A na F erreira de Jesus D antas, casou-se com um prim o-irm ão pelo lado materno,
João dos R eis de Souza D antas, acim a citado. Dois parentes deste tiveram carreiras
políticas prestigio sas. Em p rim eiro lu g ar seu irm ão, M an o el Pinto de Souza Dantas
(1 S 3 1 -1 8 9 4 ), m agistrad o que foi sucessivam ente ju iz dos órfãos (1853), deputado
provincial ( 1 8 5 2 - 1 8 5 7 ), p ro cu rad o r (1 8 5 7 -1 8 5 8 ), deputado geral (1 8 5 7 -1 8 8 1 ), pre­
sidente da P ro vín cia das A lagoas (1 8 5 9 -1 8 6 0 ), presidente da Província da Bahia
(1 8 6 5 -1 8 6 6 ), m in istro d a A g ricu ltu ra , do C om ércio e de O bras Públicas (1866),
senador ( 1 8 7 9 - 1 8 8 9 ), m in istro d a ju s t iç a e d o Im pério (1 8 8 0 ) e, enfim , presidente do
C onselho em 1 8 8 4 . C h efe p restigio so do P artido L ib eral, ele foi um fervoroso
abolicionista e fez v o tar a L ei dos Sexagenários, que libertava todos os escravos que
tinham m ais de sessenta anos.
O outro ho m em im p o rtan te d a fam ília D antas foi C ícero D antas M artins, Barão
de Jerem oabo (1 8 3 8 - 1 9 0 3 ), filho de Jo ão D antas dos Reis, irm ão do prim eiro Barão de
Rio Real, p rim o -irm ão pelo lad o m aterno de Jo ão dos Reis e de seu irm ão M anoel
Pinto. J á m en cio n ei o B arão de Jerem o ab o que, graças a seu casam ento, aliou-se à
fam ília C o sta P in to . L em bro que o B arão foi um dos líderes do Partido Conservador
na B ahia, rep resen tan do , com o tal, a região na A ssem bléia Provincial (1860—1861 e
1870—1871) e na A ssem b léia G eral (1 8 6 9 —1886). João dos Reis de Souza Dantas
estava m uito bem cercado pelos m em bros de sua fam ília, que evoluíam com sucesso no
plano n acio n al. E leito d ep u tad o pela p rim eira vez em 1854, esteve presente na cena
política da p ro vín cia até 1 8 8 9 , com o deputado e presidente da Assem bleia Provincial
(1 8 6 8 -1 8 8 1 , 1 8 8 4 -1 8 8 5 e 1 8 8 8 -1 8 8 9 ), ou com o vice-presidente nomeado pelo im ­
perador em 1878, 1879, 1882 e 1885. C hegou a exercer interinam ente a presidência
da Província entre 5 de jan eiro e 29 de m arço de 1882.36
O ú ltim o exem plo é o de A ntôn io O lavo C alm on de Araújo Góis (1 8 4 7 -1 9 1 9 ).
Por seu pai, ele era aparentado ao poderoso clã dos A raújo Góis, a cujas práticas
m atrim oniais já nos referim os. Por sua m ãe, era aliado à fam ília Calm on du Pin e
Alm eida. A liás, ele estreitou os laços com essa fam ília ao se casar, em 1873,
prim a C lara M aria C alm o n du Pin c A lm eida. Antônio Olavo foi o oitavo filho de
Inocêncio M arques de A raújo Góis, Barão de Araújo Góis, e de sua prim eira mulher,
M aria Francisca C alm on dc Abreu. Seu pai fez carreira na magistratura e terminou
como m inistro do S u p re m o T r ib u n a l d e Ju s tiç a ( 1 8 8 0 - 1 8 8 6 ) . d ep o .s de rer s.do
deputado p ro v in c ia l d u ra n te v ir ia s le g islatu ra s (1837 a 1 8 5 9 ) « d ep u ado g e r i de
1857 a 1860 C o m o se u irm ão m ais velh o , Inocéncro M arq u es de A rau jo Gors J r .
(1 8 3 9 -1 9 0 5 ), ele estudou direito na Faculdade de Olinda. Aquele, no entanto, segu.u
B a h ia , S é c u l o XIX

c a r r e ir a co m o d e p u ta d o n a s d u a s a ss e m b lé ia s , to rn a n d o -s e a té p re s id e n te d a P ro víncia
d e P e r n a m b u c o em 1 8 8 9 , e n q u a n to A n tô n io O la v o lim it o u s u a a ça o à B a h ia . Isso não
im p e d iu q u e d e s e m p e n h a s s e u m p a p e l e m in e n te , p o is, te n d o s id o e le ito p ela p rim eira
vez e m 1 8 7 2 , foi re e le ito a té 1 8 8 6 , o c u p a n d o o s p o sto s de s e c r e tá r io (1 8 7 2 ) , vice-
p r e s id e n te ( 1 8 7 9 e 1 8 8 2 ) e p r e s id e n te d a A s s e m b lé ia P r o v in c ia l ( 1 8 8 6 ) .37
C A P I T U L O 17

O s B a ia n o s n o G o v e r n o C en tral:
O r ig e m S o c ia l e F o r m a ç ã o

V im os q ue u m gru p o de 2 0 % dos p arlam en tares d irig iam a A ssem bléia Provincial.


Cerca de m erad e do g ru p o sobre o q u al ob tive inform ações fez carreira gravitando em
torno do p o d er c en rra l, através de m an d ato s de deputados gerais, presidentes de
províncias, m in istro s c até p resid en tes do C o n selh o , Q u al foi a proporção de deputa­
dos p ro vin ciais q u e ex erceram um d u p lo m an d ato (p ro vin cial e geral) e quais, entre
eles, assu m iram altas fu nçõ es no E xecutivo nacion al?
Os d ep u tad o s b aian o s o cu p avam cato rze cadeiras na A ssem bléia G eral, que reve
vinte leg islatu ras de q u a tro anos en tre 1826 e 1886/1889. Por conseguinte, foram 280
as cadeiras o cu p ad as p o r eles, eleito s com o titu lares ou sup len tes, ao longo de sessenta
anos. H o u v e su p le n te s e n tre a p rim e ira ( 1 8 2 6 - 1 8 2 9 ) e a d écim a (1 8 5 7 -1 8 6 0 )
legislaturas e, d ep o is, ap en as n a 17a le g isla tu ra (1 8 7 8 -1 8 8 1 ). O ra, apenas 135 pessoas
ocupam efetiv am en te esses lu g ares, o q u e nos faz reenco ntrar a m édia de duas cadeiras,
ou legislatu ras, p o r d ep u tad o , M as, tam b ém aq u i, a realidade foi outra, dada a fre­
qüência de reeleições: 54 d ep u tad o s ocuparam seu posto apenas um a vez, e 3 1, duas
vezes. A ssim , cerca de 7 3 % dos dep u tad o s foram eleitos no m áxim o duas vezes,
enquanto 2 7 ,0 % estiv eram na A ssem bléia G eral por m ais de duas legislaturas.
T em os aq u i o m esm o esq u em a verificado na A ssem bléia Provincial, com a dife­
rença de q ue a leg islatu ra geral du rava m ais. Pode-se objetar que som ente um acom­
panham ento dc m u itas legislatu ras p erm itiria um a análise concreta. M as, ao fazer esse
esm iuçam enro, verifica-se q ue as reeleições se sucediam . Eram pouco freqüentes os
casos em q ue um a pessoa deixava de ser reeleita por m ais de um a legislatura. Resultava
daí um a classe p o lítica m u ito pequena, p rin cipalm ente se considerarm os que apenas
32 desses 135 dep u tad o s não cu m p riram m andatos provinciais. Quem eram eles e o
que representavam ?
O s catorze deputados gerais das legislaturas de 1826 e 18 3 0 nSo poderiam ter
participado da Assem bléia Provincial, que ainda nSo existia. Todos eram muiro co-

271
B a h ia , S é c u l o X IX

nhecidos nos m eíos políticos baianos, pois tin h am atu ad o com destaque nas guerras
pela Independência, tinh am sido eleitos para o C o nselho G eral da Província em 18261
ou, já instalados na cap ital do Im pério, tinh am exercido altas funções no aparelho de
Estado. Era esse o caso, entre outros, de José da C osta de C arvalho (M arquês de
M o n te A legre), Francisco de A caiab a M o n tezu m a (V isconde de Jeq uitin h o n h a) e do
m édico José Lino C o utin h o .
Os 32 deputados que nunca exerceram m an d ato provin cial eram hom ens nascidos
na B ahia, que tinh am fam ílias a li, m as q u e v iviam na cap ital do Im pério, como o
m édico Francisco B onifácio de A b reu , Barão d a V ila da B arra,2 Rodolfo Epifânio de
Souza D antas (cujo pai, M an o el P in to de Souza D antas, foi m in istro e presidente do
C onselho) e Luís A ccio li Pereira Franco (filh o do B arão de P ereira Franco, m agistra­
do, presidente d a P ro víncia e várias vezes m in istro ). T ratava-se, pois, de baianos que
tiraram proveito de alian ças fam iliais ou de relações pessoais para conseguir uma
cadeira de deputado por sua p ro vín cia de o rigem .
O ritm o de renovação dos deputado s à A ssem bléia G eral não foi diferente do
observado para a A ssem bléia P ro vin cial. N o te-se, p o rém , que essa renovação podia
chegar a até 7 0% dos efetivos.

TABELA 56

A s s e m b l é ia G eral: P ercentual de N ovos D epu tad o s em C ada L e g is l a t u r a


1 8 2 6 -1 8 8 9
A nos % A nos % A nos %

1826-1829 - 1850-1852 ' 15,0 1873-1875 33,3

1830-1833 66,7 1853-1856 25,0 1876-1877 21,4

1834-1837 55,5 1857-1860 70,0 1878-1881 62,5

1838-1841 53,3 1861-1863 28,6 1882-1884 42,8

1842-1844 66,7 1864-1866 33,3 1885-1885 14,3

1843-1847 25,0 1867-1868 23,0 1886-1889 37,5

1848-1849 28,3 1869-1872 46,7

Todos os deputados levados a desem penhar um papel dc âm bito nacional ou


provincial tinham a mesma origem e a m esm a form ação e, na m aior parte das vezes,
exerciam sim ultaneam ente as duas funções, nas assem bléias Provincial e Geral. Filhos
dc senhores de engenho, grandes proprietários de terras no Sertão, com erciantes ricos,
oficiais, altos m agistrados ou m em bros dc profissões liberais, eram recrutados nas
mesmas camadas sociais abastadas de onde saíam os presidentes e vice-presidentes de
província. Filhos dc senhores de engenho e dc outros proprietários rurais somavam
66,5% dos 161 deputados cujas origens sociais pude verificar. Cabe perguntar, no
entanto, se, nas informações, não havia super-representação destas categorias sociais,
que eram mencionadas com evidente satisfação.
ÍJV R O I V ~ ° e ™ o^ Q r g a n iz a ç ã o E E x e r c íc i o d o s P o d e r e s

TAREI . A 57

O r ig e m S o c ia l dos D epu tad o s

P r o f i s s ã o d o P ai D u p u t a p o s P r o v in c ia is D e p u t a d o s G e r a is
D ep . co m M an d ato D uplo
S e n h o r cie e n g e n h o
3 21
P ro p r ie tá rio rural 20 4
12
C o m e r c ia n te 7 3 5
Oficia! 6 _
2
Magistrado 5 3 4
Airo funcionário 3 _
5
P ro fissio n a l liberal 5 _ 2
Outros 3 l ~

Sem informação 310 18 32


Total 406 32 103

Talvez os três deputados de origens m odestas possam ser considerados representa­


tivos, pois nao devem ter sido de m odo algum os únicos políticos oriundos de meios
sociais relativam ente sim ples que conseguiram construir um a bela carreira. Vejamos
primeiro o exem plo de Francisco Gomes Brandão (1 7 9 4 -1 8 7 0 ), que nasceu em Sal­
vador. Seu pai, M an o el G om es B randão, capitão de um brigue que praticava o tráfico
de negros na Á frica, casara-se com um a certa N arcisa T ereza de Jesus Barreto, ambos
baianos. De quem o jovem Francisco herdara sua cor e seus traços m ulatos, pouco
importa. O certo é que passou a m aior parte da infância em Penedo, pequena cidade
de Alagoas, então parte da C ap itan ia de Pernam buco. Dos 14 aos 21 anos, fez o curso
secundário na Escola dos Franciscanos de Salvador, pois seus país o haviam destinado
à vida sacerdotal. M as, sem vocação religiosa, decidiu estudar m edicina, que também
não concluiu. Após um a breve experiência como cirurgião a bordo de navios negreiros
portugueses, desem barcou em Lisboa e seguiu para C oim bra, onde cursou direito e
filosofia, ganhando b rilh an te reputação nos estudos e péssima nos costumes.
De volta à B ahia em í 8 21 , lançou-se im ediatam ente na vida política, como reda­
tor do jornal O Diário Constitucional, onde impós um estilo cheio de veemência e
energia. Adepto incondicional da Independência, em 1822 Francisco Gomes Brandão
foi emissário do governo provisório baiano junto a dom Pedro I, que o acolheu
calorosamente e o condecorou com a O rdem do Cruzeiro, que acabara de fundar. De
volta a Bahia em 1823, Francisco criou um novo jornal político, o In d e p e n d e n t e
Constitucional, ferozm ente antilusitano, e trocou seu nome dc batismo tão po
guês — pelo de Ge Acaiaba de M ontezum a, estranha mistura de três nomes ameríndios:
Gê é um vocábulo tapuia, Acaiaba é tupi e M ontezum a foi um ilustre príncipe asteca.
Deputado à Assem bléia C onstituinte de 1823, M ontezuma foi notado por suas
posições m uito firm es, consideradas liberais demais pelo imperador. Depois da disso-
274 B a h ia , S é c u l o X I X

]uçao da C o n stitu in te, ele e outros deputados foram ‘depo rtado s’ para a França, onde
perm aneceu exilado duran te oito anos. Sob o regim e de prisão d o m iciliar em Orleans,
estudou d ireito francês, co n tin u an d o seus estudos, depois, em Londres, na Bélgica e
na H olanda.
Em 1831, após a abdicação de dom Pedro I, pôde voltar ao B rasil, sendo im edia­
tam en te eleito sup len te à segu n d a leg islatu ra d a A ssem bléia G eral (1 8 3 1 -1 8 3 3 ). Para­
doxalm ente, se aproxim ou dos conservadores, os fam osos caram u ru s’, que pediam a
volta de dom Pedro. C h ego u a se p ro n u n ciar co n tra a reform a constitucional, defen­
deu a m anuten ção dos títu lo s de nobreza e das ordens honoríficas e se manifestou
contra o exílio do im p erad o r que, en tretan to , o tin h a exilad o dez anos antes. Publicou
vários panfletos em defesa dos “p rin cíp io s fed eralistas” e contra a “liberdade dos
rep u b lican o s” e, oficiosam en te, d irig iu dois im p o rtan tes jo rn ais que faziam oposição
ao governo d a R egência: o Ipiranga (1 8 3 1 / 1 8 3 2 ) e o Catão (1 8 32 / 18 33 ). Todavia,
quando o padre D iogo A n tô n io Feijó assu m iu a R egên cia em 1835, M ontezum a
com eçou a se afastar do P artid o C o n servad o r, recusando-se a aju d ar as numerosas
forças po líticas unidas co n tra o novo regente. Em recon hecim en to de sua atitude
m oderada, foi nom eado m in istro d a Ju stiç a e dos N egócios E strangeiros entre maio e
setem bro de 1837, d u ran te os ú ltim o s m eses d a R egên cia de Feijó.
S u a v ersatilid ad e p o lític a im p e d iu que fosse reeleito d eputado à A ssem bléia na
legislatu ra de 1 8 3 4 -1 8 3 7 , m as nao na segu in te, co n sid erad a a m ais im portante da
história p arlam en tar b rasileira. T en d o apoiado a decisão de d ecretar a m aioridade de
dom Pedro II antes de este a tin g ir a id ad e leg al, foi nom eado m inistro plenipotencíá-
rio em Londres, onde fico u de setem bro d e 1840 a agosto de 1841. Intransigente,
acabou por se d esen ten d er com o m in istro dos N egócios E strangeiros e foi obrigado
a regressar ao B rasil, onde d ecid iu fazer carreira de advogado (foi fundador da Ordem
dos A dvogados do B rasil em 1 8 4 3 ), sem to d avia ab an d o n ar suas atividades políticas.
De 1847 a 1850, foi deputado à A ssem bléia P rovincial F lum inense. T entou duas
vezes, sem êxito, en trar no Senado com o representante da Província do Rio de Janeiro,
realizando seu desejo quando, na terceira ten tativa, em 1851, apresentou-se como
candidato pela B ahia. Su a reputação de advogado já era tão grandiosa que, desde
1850, fora nom eado conselheiro extraordinário do C onselho de Estado. Em 1854, o
senador M ontezum a obteve de dom Pedro II o títu lo de V isconde de Jequitinhonha
(todos os conselheiros do im perador foram enobrecidos nesse mesmo ano). Até sua
morte em 1 870, m anteve um a ação p o lítica independente e apresentou vários projetos
de reformas, que incluíam um a extinção gradual da escravidão. A discussão dessa
proposta foi prejudicada pelo início da G uerra do Paraguai. Este é o resumo da carreira
de um m ulato baiano, de origem m odesta, mas am bicioso, com bativo e versátil. Para
abrir seu cam inho e chegar aos prim eiros postos da vida política brasileira, ele soube
tirar proveito das circunstâncias favoráveis e das perturbações de um período agitado.
Tam bém loi exem plar a carreira de A ngelo M uniz da Silva Ferraz ( 1 8 1 2 —1 8 6 7 ),
originário da região Sul do Recôncavo, filho de um modesto proprietário rural da
E E x e r c íc io d o s P o d f r f s 2" ^

região de Va Ie n ça. Es 1 11 do u direito ent O linda (Pernambuco) « começou sua carreira


como prom otor publico do distrito dc Salvador. Em 1835, casou sc com Maria Rosa
de O lu eira Junquetr., trmã de João J„ sé de Oliveira Junqueira, desembargador do
Tribunal de Rclaçao de Salvador e deputado às assembléias Provincial c Geral Entre
18 3 7 e 18 4 3 to, ,u,r. eu, Jacobina, que o elegeu para a Assembléia Provincial, onde
esteve entre 18 3 8 e 18 4 5 . A aliança matrimonial c as excepcionais qualidades do
jovem Angelo M u n iz estiveram presentes, sem dúvida, na construção dc uma rápida
carreira, in iciad a com a nom eação para o cargo de desem bargador junto ao Tribunal
de Relação, que ocupou ate a p o se n ta sse em 1857. De 1843 a 1848 e de 1853 a 1856,
foi deputado à A ssem bléia G eral. No R io, trabalhou no M inistério das Finanças como
inspetor-gerai da A lfân d ega de 1848 a 1853 (uma tarifa alfandegária recebeu seu
nom e), integrou o C onselho de Estado e foi senador, presidente do Conselho de 1859
a 1861 e m in istro d a G uerra de 1865 a 1866. Dom Pedro II o recompensou com o
títuio de Barão dc U ru g u aian a, quin ze meses antes de sua inesperada morte, ocorrida
em janeiro de 1867. Em pouco anos, esse filho de m odestíssim os proprietários rurais
se tornara um a fig u ra de projeção: era G rande do Im pério, com endador da Ordem de
Cristo, d ign itário da O rdem da Rosa, detentor da G rã-C ruz da Real O rdem de Nosso
Senhor Jesus C risto , de P o rtu gal, e tinha o título do Conselho de Sua M ajestade.4
B ellarm ino Sylvestre T orres (1 8 2 9 -1 8 9 6 ) talvez tenha sido um homem público
menos im p o rtan te q ue o Barão de U ru gu aian a, já que o brilho de suas funções não
ultrapassou os lim ites da provín cia baiana. M as, nascido em Nazaré (Recôncavo), filho
de um h u m ild e fogueteiro, sua carreira tam bém foi exem plar. Após brilhantes estudos
no Sem inário D iocesano de Salvado r, B ellarm ino foi ordenado padre em 1852 e
nomeado ch an tre-ad ju n to da catedral de Salvador. U m a ligação sentim ental com a
viúva U m b clin a E m ília dos Santos acabou com sua carreira sacerdotal em 1857,
quando foí enviado para um a espécie de exílio no longínquo sertão da região de
C actitc, onde se tornou vigário da paróquia do Santíssim o Sacram ento de Santo
Antônio da Barra, m ais tarde cidade de C ondeúba. Segundo seu biógrafo, o homem
“tinha tem peram ento” e, m uito bonito com seus ares de “pastor anglicano , mexia
com os corações fem ininos. Sua união com U m belina, viúva de José Rodrigues Coe­
lho, foi declarada escandalosa. Nessa época, a alta hierarquia da Igreja consagrava toda
a sua energia á tentativa de m oralizar um clero repleto de chefes dc fam ília, que parecia
tnuito mais fiel ao conceito bíblico dc “crescei e m ultiplicai-vos que ao voto e
castid ad e e x ig id o p ela Igreja R o m a n a .5 <
Umbclina Emília dos Santos, lilha natural dc Umiliana dos Santos, deu seis filhos
naturais a seu eelesiástico contubino, que teve mais quatro filhos com outra mu er,
Francisca Benta dc São José. Só nasceu 0 1 1 Salvador o mais velho desses dea filhos (sete
meninos e três meninas), jo io Ncpomuceno Torres. Eles despertaram contra seu pa.
as fúrias da hierarquia e provocaram o exílio 110 interior. É tnceressante notar que todos
»s filhos de Umbclina tiveram carreiras aceitáveis, até brilhantes, para cr.anças narura.s:
João Ncpomuceno e Tranquilino L eo vigild o rornaram-se altos mag.strados, Amenco
276 B a h ia , S é c u l o XIX

A taulfo foi m édico e E lgidio B en ign o teve sucesso com o c o m ercian te.6 Isso se deveu a0
fato de q u e nosso v ig ário se to rn ara u m chefe p o lítico im p o rtan te na sua região, comis­
sário de ensino público en tre 1857 e 1 8 7 5 , fundador do In stitu to G eográfico e Histórico
da B ahia, m em bro do P artid o L ib eral e duas vezes d ep u tad o à A ssem b léia Provincial
(em 1882 e 1 8 8 6 ). A P ro clam ação da R e p ú b lica afetou sua carreira p o lítica, fazendo
com q u e B ellarm in o fosse m o rrer na cid ad e de C o n d e ú b a , on de passou a m aior parte
de sua v id a com o m in istro do S en h o r, chefe lo cal e bom pai de prole num erosa. No
seu caso, tudo se passou co m o se o sacerd ó cio , a lia d o a u m a só lid a in stru ção e a muitos
dons pessoais, tivesse ap agado m odestas origens sociais e costum es pouco recomendáveis.
Essas carreiras nao devem o b scu recer o fato de q u e a g ran d e m aio ria dos parla­
m entares p erten cia às classes ab astad as d a so cied ad e b a ian a. Era excep cio n al que um
filh o de fa m ília m ais m o d esta tivesse acesso aos escalões sup eriores das carreiras que
levavam ao po der p o lítico . Isso fica a in d a m ais claro q u an d o , à an álise das origens
sociais, agregam os a das o rig en s geo gráficas dos h o m en s p ú b lico s baianos. Salvador e
suas elites co n tro laram as a tiv id ad es eco n ô m icas a cen a p o lític a d a P ro vín cia ao longo
de todo o século X IX . P ara p o d er so n h ar com u m a b rilh a n te carreira de homem
público ou p ara in g ressar no P a rlam en to , nao era su ficien te nascer n u m a família
prestigiosa e receber u m a in stru ção su p erio r. Era p reciso nascer na cap ital ou em seu
R ecôncavo. Dos 1 .2 3 2 d ep u tad o s q ue p assaram p ela A ssem b léia P ro vin cial entre 1835
e 1889, tenho in fo rm açõ es sobre a o rig em de 7 8 0 . D estes, 5 5 0 eram de Salvador, 116
do R ecôncavo e 114 do in te rio r.
São escassas, com o se vê, as in fo rm açõ es sobre g ran d e n ú m ero de deputados.
M esm o assim , não há d ú v id a de que, até a d écad a de 1 8 7 0 , o n ú m ero de deputados
origin ário s d a cap ital e de seu R ecôn cavo era su p erio r ao dos q u e vin h am do resto da
P rovíncia, o que co m p ro va a in flu ê n c ia da m etró p o le sobre o in terio r longínquo. Essa
p red o m in ân cia torna-se evid en te q u an d o se co n stata a origem dos 91 deputados que
representaram a B ah ia na A ssem bléia G eral en tre 1826 e 1889. C onsegui estabelecer
o local de nascim en to de 8 4 deles e co n statei q ue 5 4 nasceram em Salvador e 24 no
Recôncavo. O ra, assim com o os dep u tad o s provin ciais, os deputados à Assembléia
Geral teoricam ente representavam todas as zonas eleito rais da Província.
S e m d ú v id a , a c a p ita l d o m in a v a a c e n a p o lític a . M a s n ã o d e v em o s c o n c lu ir m uito
ra p id a m e n te q u e os d e p u ta d o s re p re se n ta sse m os in teresse s d as o lig a rq u ia s d e Salvad o r
e d e seu s arre d o re s. As te rra s lo n g ín q u a s só se in te g ra ra m ta rd ia m e n te à eco n o m ia
b a ia n a . Em a lg u n s caso s, re g iõ e s c o n se g u ira m se lib e r ta r do d o m ín io d e Salvad o r,
a u m e n ta n d o os in te rc â m b io s co m o u tra s p ro v ín c ia s. N o S u l d a B a h ía , p o r exem p lo , a
nova ex p an são do c u ltiv o do c ac au ap ó s 1 8 7 0 le v o u as o lig a rq u ia s lo cais a buscar
ap oio s em M in a s G erais, E sp írito S a n to e R ío d e Ja n e iro , c u jo s cen tro s eco nôm icos
eram até m ais acessíveis do q u e S a lv a d o r.7 O m esm o fe n ô m en o o co rreu nas regiões do
A lto e do M é d io São F ran cisco , c u jas c id ad e s rib e irin h a s so u b eram u sar o g ran d e rio
p ara d esen v o lv er in te rc â m b io s com as p ro v ín c ia s v iz in h a s d e P ern am b u co e M in as
G erais. A p erd a d e in flu ê n c ia d a c a p ita l b a ia n a se a c e n tu o u d ep o is d e 1 8 7 0 , e tu d o leva
Ldeo IV - O E s t a d o : O r g a n i z a ç a o e E x e r c íc io d o s P o d e r e s

a c rc r q u e d e c o rre u d e a titu d e s re la p sa s d o s p o lític o s d a c a p ita l. M in h a s d ific u ld a d e s


p ara e n c o n tra r a o r .g e m d o s d e p u ta d o s p ro v in c ia is d e p o is d e 1 8 7 5 m o stram q u e alg o
m u d o u n a re p re s e n ta ç ã o à A sse m b lé ia P ro v in c ia l.

tabula S8
L ocal de O rioem d o s D e p u ta d o s à A s s e m b lé ia P r o v i n c i a l , 1 8 3 5 —1 8 8 9 *

L rc ij.iA U B .v i__________S.MVAPOR RfcO N CAV O P r o v ín c ia Sfm im f o r m a ç Ao T o ta l

18J?- 1837 39 9 3 Ü
183S-1839 33 3 \ ‘ 12 49
1840-1841 33
46
1842-1843 37 22 62

I844-18 45 39 54
1846-1847 27 39
1848-1849 31 3 2 8 44

1850-1851 26 5 4 5 40
1852-1853 27 4 6 8 45

1854-1855 24 4 6 7 41

1856-1857 25 4 9 14 52

1858-1859 20 2 8 21 51

1860-1861 25 8 13 22 68

1862-1863 18 5 7 12 42

1864-1865 16 7 5 14 42

1866-1867 10 8 4 17 39

1868-1869 14 6 7 15 42

1870-1871 20 2 4 17 43

1872-1873 17 20 42

1874-1875 18 17 41

21 43
1876-1877 15

1878-1879 11
21 41
1 8 8 0 -1 8 8 1 1 (>
25 43
2 8 _________42
1882-1883
30 39
1884-1885
32 40
1886-1887
29 40
1888-1889
114 452 1-232
Toul 550 116 ^
n O* númerot a>rr«*ponden> i* cadei™ iw íf
n ip ic n ta f n m i r i m com m ulta freqüência p o r c a u » uc “ “ r ' 11' ■ . v.. ■t ; ;;
1

B a h ia , S éc u lo X I X

Os novos eleitos seriam oriundos das regiões que representavam e teriam interes­
ses opostos aos dos hom ens políticos da capital? N ão pretendo elucidar essas questões
aqui, em bora não tenha dúvida de que há um a dolorosa lacuna nas pesquisas sobre a
vida política da Bahia no fim do scculo passado.

TABELA S9

O r ig e m d o s N o bre s, S enadores e M in is t r o s B a ia n o s

Regiões Nobres Senadores Ministros

Salvador 46 15 15

Recôncavo 43 4 9

Recôncavo Sul 5 2 2

Agreste 7 2 2

Sertão 9 2 1

Sem informações 2 1 2

Total 112 26 31

Esta tab ela d isp en sa com entários. N ão há d ú v id a de q u e a m aior parte dos enobre­
cidos (7 9 ,5 % ), dos senadores (7 3 ,0 % ) e dos m inistros (7 7 ,4 % ) saíam das classes
superiores de Salvado r e de seu Recôncavo. H á u m a enorm e diferença entre as carrei­
ras dos hom ens po líticos nascidos nessa região e as daqu eles que nasceram no interior
d a P rovíncia. Eram sobretudo os prim eiro s que chegavam aos cargos m ais elevados. As
origens fam iliares, o local de n ascim en to, o m eio social e a instrução formavam um
con jun to articu lad o de circun stân cias que in flu en ciav am a carreira política de cada
u m , com o fica p articu larm en te evidente q u an d o se ten ta saber as origens de alguns
deputados provin ciais que exerceram funções ad m in istrativas e ju d iciárias em outras
províncias do país. Os oito deputados que serviram com o dip lo m ata (u m ), presidentes
de província (dois), m agistrados ju n to aos T rib u n ais d a R elação da Província ou ao
Suprem o T rib u n al de Ju stiça (dois) e com o oficiais superiores (três) eram membros de
grandes fam ílias baianas enobrecidas ou Integrantes da alta m agistratura: Aragão Bulcão,
V icente de A lm eida, Pinto G arcez, Pessoa da Silva, C alm o n du Pin e A lm eida, Moniz
Ferrão de Aragão. Instrução superior era absolutam ente necessária para perm itir que
am biciosos, oriundos de um m eio social m odesto, tivessem acesso ao poder.
Apesar de relativam ente escassas, as inform ações que possuo sobre o grau de
instrução dos parlam entares baianos m ostram que só 225 dos 554 deputados recensea­
dos fizeram cursos universitários, N a m edida em que nos adiantam os no século, os
dados se tornam cada vez mais raros, pois as fontes se tornam mais imprecisas e os
arquivos da Assembléia Legislativa baiana têm pouquíssim a inform ação. De qualquer
maneira, sobretudo para os deputados do interior, uma boa instrução — que pressu
punha algum recurso fam iliar — era um a garantia de êxito. Às vezes, ela podia atenuar
as lim itações de um a origem relativam ente m odesta.
U v W l I V - O & T A D O : ORCAN.ZAÇA0 F. E x ERUOC OOS P ^ rfs
279

A , pessoas pobres o r o rm bam a m enor possibilidade de oferecer esrudos a seus


filhos. O ensino p n m ar.o era gera m enre m in ,strad 0 por padres e vigários, por profes­
sores form ados na E scola N o rm al (fundada em . 837) c por leigos, ou seja, autodidatas
alfabetizados- M u itas vezes, o nível de instrução t *-
, . j r • + r aesses leigos perm itia apenas uma
leitura d eficien te e u m a o rto grafia aproxim ativa. A prendia-se, com eles, alguns rudi­
m entos de a ritm étic a e o recon hecim en to d a , letras, suficiente para que o aluno
pudesse assinar seu n o m e. Os filhos das fam ílias abastadas continuavam seus estudos
em colégios privado s, num ero so s em Salvador, que funcionavam em regim e de inter­
nato e recebiam alu n o s o riu n d o s das grandes fam ílias do Recôncavo. N a prim eira
m etade do sécu lo , fo ram fu n d ad o s um liceu provin cial, um sem inário menor e um
sem inário m aior.
Parece-m e q u e a m aio r parte dos deputado s baianos fez, peío menos, estudos
secundários em S alv ad o r. O s q ue q u eriam em preender estudos universitários só en­
contravam na B ah ia u m a esco la de m ed icin a, fundada em 1808. Para estudar direito,
era preciso ir p ara O lin d a (P ern am b u co ) ou São Paulo. A passagem pelo liceu ou por
um a faculd ade criav a sólidos laços entre os estudantes. A lgum as carreiras foram feitas
graças às am izad es q u e n asceram nos bancos escolares, com plem entando as solidarie­
dades de classe soc Íal.

TABELA 60

E st u d o s S uperiores do s •
D e p u t a d o s P r o v in c ia is , 1 8 3 5 - 1 8 8 9

D ireita 152

M edicina 42

Sacerdócio 19

Outros* 9

T otal 222

(*) Três engenheiros e seis ‘doutores’ genericam ente referidos.

H á u m a forte p red o m in â n cia de bacharéis em direito, que correspondiam a 68,5%


dos deputados po rtado res de d ip lo m as universitários. Freqüentem ente, a iá ,
sc de m agistrado s e altos fu ncio nários — poucos se consagravam unicam ente à p ^
são de advogado — , de m odo que, por seu interm édio , o Estado tin a,
parlam en tar, bases sólidas e aliados preciosos. A eles devem-se acrescentar todos os
outros que tam bém exerciam funções póbltcas, com o. por exemplo, os sacerdotes q ^ ,
graças ao P adroado, eram funcio nários do Esrado. nom eados <: recrutados po,r e^ .
O p e rfil p rofissio nal dos p a rla m e n ta re s .
nao causa surpresa: m agtstrados, fu n c ,o n í" “ ’ ^ cerca dc , 860 (a sicuaçío pode
maLor parce dos grup os parlam entares, pelo ^ ^ informaçôcs á o esCas-
ter perm anecido in alterad a nos anos seguintes, ^ concidadaos, quc
sas). Q uem esses p arlam en tares r e p r e s e n ta v a
B a h ia , S écu lo X IX

lhes co n fiavam o m an d ato , ou o p róprio E stado, ao q u al já deviam tantos favores*


É u m a p erg u n ta im p o rtan te, para a q u al a in d a não tenh o resposta. M as parece que
h avia u m a cisão bem n ítid a entre os interesses das co letiv id ad es locais e os do Estado
e q u e os p arlam en tares rep resen tavam , de p referen cia, os interesses deste ú ltim o , e não
os de seus eleito res. E u m a h ip ó tese q ue pode ser v erificad a de form a mais clara
q u an d o sc passa a a n alisar os rep resen tan tes b aian o s ju n to às au to rid ad es nacionais
T eo ric am en te, os d ep u tad o s p ro v in c ia is d ev eriam rep resen tar os interesses das regiões
pelas q u ais foram eleito s, e n q u a n to aos d ep u tad o s gerais co rresp o n d eria a defesa dos
interesses d a P ro v ín cia com o u m to d o , no p la n o n acio n al.
N u m sistem a de su frág io c e n sitá rio , os e leito res p erte n c iam em gran de m aioria às
catego rias ab astadas d a so cied ad e, q u e se co n g reg av am em grup o s de interesses, ou de
pressão, e p ro cu rav am in te rlo c u to re s no p lan o n a c io n al, po r in term éd io dos parla­
m en tares. N o caso d a B ah ia , d o is gru p o s de p ressão eram p a rticu la rm en te nítidos; o
dos p ro d u to res de a çú c ar, a g ru p a d o s a p a rtir de 1 8 5 9 em to rn o do Im p erial Instituto
B aian o de A g ric u ltu ra , e o dos c o m e rc ia n te s, filiad o s à A ssociação C o m ercial da Bahia,
fu n d a d a em 1 8 4 0 , D e m o d o g e ra l, os eleito s para a A ssem b léia G eral tin h am o mesmo
perfil dos q u e iam p a ra a A sse m b lé ia P ro v in c ia l. N a v erd ad e, en tre os deputados gerais
era a in d a m aio r (6 3 % ) a p ercen tag em de m em b ro s de fam ílias o rig in árias do Recôncavo
e d e S alv ad o r, em geral p ro p rie tá ria s de en g en h o s o u ch efiad as po r alto s funcionários.
Só en co n trei o lo cal de n a scim e n to d e 9 4 dos 135 d e p u tad o s: 55 deles nasceram em
S alv ad o r, 26 no R ecô n cav o , 4 no R ecô n cav o S u l, 6 no A greste e 3 no Sertão. O peso
dos fo rm ados em d ire ito tam b ém se m a n tin h a nesse caso.

T A B E L A 61

C u r s o s S u p e r io r e s d o s
D e p u ta d o s G e r a is , 1 8 2 6 —1 8 8 9
Direito 70

M edicina 12

Sacerdócio* 4

Outros 3

Total 89
(•) Só encontrei parlamentares que pertenciam ao clero nai trís
primeiras legislaturas.

C o m o sc vê, os parlam en tos eram m u ito hom ogêneos. As carreiras dos deputados
dependiam da fid elid ad e ao poder c de so lid aried ad es nascidas na escola e, em seguida,
no próprio parlam ento. H ab itu alm en te, entre eles eram escolhidos os m inistros, os
presidentes do C o nselho , os senadores e os conselheiros de Esrado. T er nascido no
Recôncavo ou na cap ita! ou ter ingressado, pelo casam ento, num a poderosa fam ília de
senhores de engenho eram trunfos suplem entares para fazer um a carreira de ambito
nacional.
L iv r o I V - O Em ^ do ^ cam zaçào e E xercício dos P oderes
281

Os S en ad o res

Para com pletar os dados sobre os parlam entares baianos, precisamos mencionar uma
casta ainda m a.s fechada: a dos senadores. Para um político brasileiro do período
imperial, a nom eação v italícia para o Senado era a suprem a recompensa. Por um lado,
implicava uma presença perm anente — e sem ônus eleitoral — na cena política do
país: por outro, era o cam in ho que conduzia à cooptação pata funções m inisteriais. A
nomeação era feira a partir de um a lista tríplice, elaborada por consenso nos meios
políticos da P rovíncia e su b m etid a pelo presidente ao im perador.
Todos os senadores eram ‘m in isteriáveis’, e o próprio recrutam ento senatorial —
recompensa para expen encias ad m im stiativ as anteriores — era feito com essa perspec­
tiva. U m a nom eação para o Senado libertava o político de qualquer laço com os meios
políticos provinciais. Os escolhidos gostavam de usar o título ‘senador da nação’,
rejeitando assim , m u ito n itid am en te, a ideia de que permanecessem vinculados a uma
província de o rigem .9 A liás, era possível tornar-se senador por uma província sem ser
originário dela. '
No caso da B ah ia, no en tan to , n u n ca houve senador de fora. Entre 1826 e 1889,
quando se deram as nom eações para o Senado, houve 26 senadores pela Província,
todos baianos (houve, isso sím , baianos nom eados para representar outras províncias).
E, com um a exceção, todos os nom eados eram verdadeiros notáveis, oriundos das
famílias maís abastadas, com um a instrução superior ad qu irid a em Coim bra (mais de
metade) ou em escolas superiores brasileiras. Só Inácio M anuel da C unha Menezes,
Visconde de R io V erm elh o (1 7 7 9 -1 8 5 0 ) nao tin h a curso superior, mas era filho de
um antigo governador e cap itão -geral da B ahia, M an u el da C unh a Menezes, terceiro
Conde de L um iares, e tin h a sido personagem m uito im portante nas guerras pela
Independência.10
Os quinze senadores que estudaram em C oim bra pertenciam ao pessoal adm inis­
trativo e político do A ntigo R egim e. H aviam servido ao Estado português, sobretudo
como m agistrados e, em seguida, a dom Pedro I, que os brasileiros sempre considera
ram como um m onarca p o rtu gu ês.11 Depois da Independência, a m aior parte deles
integrou o círculo de altos funcionários que assum iram responsabilidades m inisteriais
no novo Estado. ,
M anoel V ieira T osta, M arquês de M u ritib a, foi o últim o senador do cia os
co ím b ran o s’, c o n se rv a n d o s u a c a d e ira até 1 8 8 9 . C o im b ran o s ou form ados no
dezesseis sen ad o res b a ian o s a d e rira m ao P artid o C o n serv ad o r e dez ao i era tr
desses dez lib e ra is fo ram c o n se rv ad o res em alg u m m o m en to ). Isso re orça
que o Sen ad o sem p re foi u m b a lu a rte d o co n serv ad o rism o . O s lib erais representavam
3 1 ,2 % dos sen ad o res n o m e ad o s an tes de 1 8 5 6 e 5 0 ,0 % dos no m eados depois. Isso
in d ica, d e u m la d o , q u e o m o n a rc a d esejav a m aio r e q u ilíb rio , ao prom over, m esm o de
form a im p e rfe ita , a a lte rn â n c ia ; d e o u tro , in d ic a q u e entre os hom ens p o lín co s d a
B ahia en c o n trav am -se e sp írito s ab erto s às id éias novas. , .
B a h ia , S écu lo XIX

M as, de m odo geral, os po líticos d a B ahia eram m ais conservadores que liberais
denom inações que precisam ser m ais bem precisadas nos planos d o u trin ário e ideoló­
gico. A form ação de partidos políticos aco nteceu na época das Regências (1831—
1 84 0), sobretudo na ú ltim a delas, exercida por A raújo L im a (1 8 3 7 ). Con$tituíram -se
então os dois partidos, C o nservador e L ib erai, q ue passaram a governar o país por
altern ân cia. Essa altern ân cia no governo teve duas exceções: d u ran te o período dito de
C o n ciliação , em q ue conservadores e lib erais go vern aram ju n to s (1 8 5 3 -1 8 5 7 ), e du­
rante a existência da L iga Progressista, que go vern o u de 1862 a 1866.
O Partido C o nservador nasceu de u m a coalizão entre antigos m oderados e anti­
gos conservadores, estab elecid a por u m a n tig o lib eral, B ernardo Pereira de Vascon-
cellos, com o propósito de refo rm ar as leis, ju lg ad as descen tralizado ras, impostas
pelo A to A d icio n al de 1 8 3 4 . O s defensores dessas leis organ izaram -se então no Par­
tido Liberal. Essa b ip o larid ad e d a v id a p o lític a b rasileira teve, do ponto de vista
form al, duas m odificações im p o rtan tes, com a form ação do efêm ero Partido Pro­
gressista, nascido d a L ig a P ro gressista em torno de 1 8 6 4 , e do P artido Republicano.
C om postos de liberais e conservadores d issid en tes, am bos resultaram do movimento
de con ciliação realizad o em 1853 sob a égid e dos conservadores. C onduzido por
N abuco de A raújo e Z acarias de G óis e V asconcelos (este ú ltim o , baian o), o Partido
Progressista ficou no governo de 1 86 2 a 1 8 6 6 , q u an d o foi dissolvido por causa de
dissensÕes intern as. A lgu n s de seus m em bros fo rm aram o novo P artido Liberal, ou­
tros entraram no P artid o R ep u b lican o , fu n d ad o em 1 8 7 0 .13 A té o fim do Império,
o sistem a p erm an eceu trip a rtite , com o P artid o R ep u b lican o se opondo aos dois
partidos m o narquístas q ue se altern av am no poder. M as, incapazes de unificar suas
ações e sua d o u trin a, os rep u b lican o s n u n ca estiveram no poder, pelo menos até a
queda do Im p é rio .14
Q ue diferenças existiam entre os dois p artido s q ue d o m in aram a vida política
brasileira entre 1840 e 1889? E ntre os especialistas, três posições se destacam .
P rim eiram ente há aqueles q u e afirm am q ue a bipolarização conservadores-liberais
foi um a ficção, pois, nas questões fu n d am en tais, nada separava esses dois partidos.15
A vinculação a um ou a outro resultava m ais de com binações que estabeleciam perio­
dicam ente a relação de força entre partido no governo e partido na oposição, que de
convicções ligadas a um a teoria p o lítica qualqu er. Conservadores e liberais tentavam
reforçar as oligarquias políticas que governavam o país, sem apresentar projeros de
sociedade c de governo capazes de m udar o curso dos aco ntecim en tos.16
A se g u n d a te n d ê n c ia a firm a q u e esses d o is p a rtid o s n ão re c ru tav a m seus m em bros
nas m esm as classes so ciais. M a s os três au ro res d essa tese d iv erg e m en tre si. R aym u n d o
F aoro c o n sid era o P artid o C o n se rv a d o r c o m o o p a rtid o dos co rp o s b u ro crático s do
Im p é rio , e n q u a n to os lib e ra is re p resen tav am os in teresses a g rá rio s, co n trário s ao m o­
v im e n to c e n tra liz a d o r ap o ia d o p e la b u r o c r a c ia .17 A zevedo A m a ra l, p o r su a vez, consi­
d era o P a rtid o C o n se rv ad o r c o m o o re p re se n tan te d o s in teresses ru ra is e o P artido
L ib eral co m o a voz d o s g ru p o s in te le c tu a is e d e o u tro s g ru p o s m a rg in a is em relação ao
U vao I\ O E s ta d o : Q » G M a ^ ' E E x e r c ic o d o s P o d e re s

processo produr.vo A fonso A rm os considera os liberais como representantes da


burguesia urb an a, dos contcrc,antes, dos intelectuais e dos m agistrados. Segundo ele,
o Partido C o nservador apotava os interesses agrários, sobretudo do setor cafeeiro do
Rio de J a n e ir o .
Fernando de Avevedo e Jo ão C am ilo de O liveira Torres - representantes da
terceira tendencui — estabelecem u m a diferença dc tipo rural-urbano entre os dois
grandes partidos no poder. Os dois sustentam a tese de que o Partido Liberal repre­
sentava grupos u rbanos e o C onservador, grupos rurais. Segundo Fernando de Aze­
vedo, os grupos urbanos seriam form ados por hom ens formados em direito, intelec­
tuais, p eq u en o -b u rgu eses, in teg ran tes do clero, m ilitares e mestiços (sic!). Não deixa
de ser cu rio sa essa categ o ria, assim isolada, m as deve-se registrar que numerosos
diplom ados em d ire ito e o u tro s in telectu ais eram m estiços que com punham a pe­
quena b u rgu esia, pelo m enos n a B ah ia. No que diz respeito à ideologia, esses gru­
pos urbanos se caracterizariam por um pen sam ento alien ado , im portado do exterior
e de tipo u tó p ico , ao passo q u e os grupos conservadores rurais seriam dotados de
um p en sam en to m ais ad ap tad o e flex ív el.20 A grande burguesia urbana seria aliada
aos grupos ru rais. ,
As d iv erg ên cias en tre essas três posições não são tão grandes quanto afirm am seus
autores. A pesar de lig eira s n u an ces, todos eles opõem o m undo rural ao urbano, como
se a lin h a d iv isó ria passasse entre essas duas grandes categorias que perm anecem , aliás,
mal d efin id as. O p o r, por exem p lo , os pro p rietário s de terras escravocratas (a burguesia
reacio nária, co n serv ad o ra) à b u rg u esia do com ércio e d a fin an ça, como faz C aio Prado
Jú n io r, é o m itir o fato de q u e as duas eram p roprietárias e escravocratas, já que a
propriedade de escravos e x istia em todas as cam adas da sociedade e nao caracterizava
un icam en te os senho res agrário s. Por ou tro lado , afirm ar que os conservadores repre­
sentavam o corpo b u ro crático , ao passo que os liberais faziam o mesmo com os
interesses agrário s, com o faz Faoro, é não levar em conta o fato de que os dois partidos
arregim entavam seus m em b ros nas m esm as cam adas sociais e até no mesmo grupo, o
da m agistratu ra. .
A questão só p o d eria ser reso lvida através de um estudo sistem ático da ideologia
dos partidos, b asead a n a an álise dos discursos ou dos escritos dos hom ens que a eles
pertenceram . N ão ten h o este propósito. P arece-m e, entretanto, que os dois p .
representavam sim u lta n eam en te os interesses, quase sem pre com uns, as urguesias
agrária e u rb an a. . . _ „
Entre os 2 6 senadores baianos, os nascidos cm Salvador e nos dois Reconcavos
eram a grande m aio ria (8 0 ,8 % ). C om duas exceções — o V isconde e Jeq u itm on a
e o Barão dc Uruguaiana todos pertenciam a famílias qualificadas como pre -
nentes’, sobretudo pela origem ancestral e a profissão do pai, a origem aml iar J*
e a fortuna dos d o is ” A o morrer, todos os senadores integravam o grupo £ s pe*oas
ficas do país. A igu n s .e v a v a m ~ " “ t
como é o caso d e F erreira França, C alm on du
284 B a h ia . S é c u l o XIX

Souza D antas, en tre outros. C riaram -se, assim , verdadeiras d in astias que dominaram
a v id a p o lítica das provín cias. Isso d em o n stra, m ais u m a vez, o quanto o recrutamento
dos hom ens p o lítico s ficava restrito a algu m as fam ílias. Eram as seguintes as funções
exercidas pelos senadores antes de sua no m eação, tom ando com o referência o grupo
profissional no qual cada um com eço u sua carreira: v in te m agistrados, um funcioná­
rio, dois d ip lo m atas, um professor, um advogado e um p ro p rietário .
P o rtan to , a enorm e m aio ria dos senado res com eçou na v id a profissional como
m agistrado. M u ito s foram , em seg u id a , alto s fu n cio n ário s do M in istério das Finanças,
presidentes dc p ro vín cia ou m em b ro s do S u p rem o T rib u n a l de Ju stiça. Zacarias Góis
e V asconcelos, por exem p lo , foi p resid en te do C o n selh o em 1 8 6 2 , antes de entrar para
o Senado em 1 8 6 4 . A p resid ên cia do C o n selh o dc M in istro s foi criada em 1847. Até
1889, oito dos 2 6 senadores b aian o s o cu p aram esse cargo, eq u iv alen te ao de primeiro-
m in istro , d irig in d o onze dos trin ta m in istério s q ue se suced eram . D ois baianos presi­
d iram os m in istério s q u e d u rara m m ais tem p o : Jo sé M a ria d a S ilv a Paranhos, Vis­
con d e de R io B ranco, en tre 1871 e 1 8 7 5 , e Jo ão M a u ríc io W an d e rle y , Barão de
C o tejip e, en tre 1885 e 1 8 8 8 . R io B ran co , registre-se, era sen ad o r por M ato Grosso, e
não pela B ahia. O ito dos v in te m agistrad o s-sen ad o res eram filhos de proprietários
ru rais, em bo ra nem todos fossem senhores de en gen h o . A lgu n s eram m ais modestos,
com o, por exem p lo , A n gelo M u n iz d a S ilv a Ferraz, Barão de U ru g u aian a, cujo pai,
com o foi d ito , era a g ric u lto r d a região de V alen ça, no R ecôncavo.
Q u e etap as d ev iam ser perco rrid as en tre a m a g istratu ra e o acesso ao Senado?
P ergu n ta d ifíc il, se to m arm o s o gru p o de senado res com o um todo. A resposta fica
m ais fácil se separarm o s os ‘co im b ran o s’, n o m eado s antes de 1 8 5 6 , dos outros, nomea­
dos depois dessa d ata. C o m o dissem os, esses ho m ens do A n tigo R egim e começaram
sua carreira d u ran te o p erío d o co lo n ial. Q u ato rze deles nasceram antes do ultimo
quarto do século X V III e só dois' nos p rim eiro s anos do século XIX. Entraram no
Senado por terem servido à C orre com d istin ção . V am o s segu ir a carreira de alguns
deles, cheias de lições.
T om em o s, por exem plo, os dois irm ãos C arn eiro de C am po s. Seu pai era portu­
guês, o rigin ário do M in h o , “p ro p rietário ru ral", segundo os biógrafos.22 José Joa­
q u im , o filh o m ais velho, nasceu em 1768. D estin ado ao serviço da Igreja, recebeu o
hábito da O rdem de São B ento — com o nom e de irm ão José de São Joaquim
8 dc dezem bro de 1782, d ia em q ue os baianos festejam com fausto e fervor a
Im aculada C onceição de M aria. M as sua vocação não era firm e, pois em 1797, após
ter estudado m atem ática, teologia e d ireito em C o im b ra, se tornou preceptor dos
filhos de dom R odrigo dc Souza C o u tin h o , hom em de Estado português. Essepresti
gloso patrocinador abriu os cam inhos para que José Jo aq uim fizesse um a típica car
reira de funcionário, prim eiro no Porto, no M in istério das Finanças, e em seguida, a
partir de 1815, no Brasil, no M in istério dos N egócios Estrangeiros, D urante o reina
do de dom Pedro I (1 8 2 2 -1 8 3 1 ), José Jo aq uim foi, sucessivam ente, membro do
Conselho de Estado, m inistro dos N egócios Estrangeiros e do Império (1823), prin
cipal redator da C arta C o n stitu cio n al de lR 7 á . .
(„ o cmque , r r fe. n o m c a ; 0 r dr = : ; : ; ; 0 :
C aravelas, e m .m stro d a Jr.srrça ern ,8 2 9 . Ele foi um dos rrês m em bros da R egênd
Provisoria que governou o B ras.l depois da abdicação de dom Pedro I. Em 1832
votou a rv o r u q u e o cargo de senador (osse vitalício e, depois, a favor do Ato
A dicional a C arta C o n stitu cio n al. Km 1834 dois i r « a ,
. . . . . ao is ano:> an tes dc m orrer (com 68
anos, sem dentar d escen den tes), vorou pela destitutção dc José Bonifácio de A ndrada
e Silva, rutor do jovem dom Pedro II.
Francisco, seu irm ão m ais m oço (1 7 7 6 -1 8 4 2 ), estudou direito em C oim bra
Chegou ao B rasil com o o im d o r-g e ra l d a com arca de Porto Seguro, onde foi juiz dos
órfãos entre 1815 e 1 8 2 1 . Em segu id a, foi nom eado, em Salvador, ju iz do T ribunal de
Relação e in ten d en te do ou ro . D u ran te a guerra de Independência da Bahia (1 8 2 2 ­
1823), foi secretário da J u n ta do G overno Provisório e, em 1825, tendo sido nomeado
juiz no R io, d eixo u d e fin itiv a m e n te sua p ro vín cia natal. A posição do irm ão, oito anos
mais velho, teve, sem d ú v id a, g ran d e in flu ên cia em sua carreira. A liás, Francisco foi
considerado o v erd ad eiro red ato r da C a rta de 1824, atrib u íd a oficialm ente a José
Joaquim . A m bos fo ram n o m eado s senadores em 1826. Em 1830, Francisco assum iu
a chefia do M in isté rio dos N egócios E strangeiros e, em 1831, tornou-se juiz do
Suprem o T rib u n a l de Ju stiç a . E m bora fosse q u alificad o de ‘conservador', tom ou po­
sições m u ito p ró xim as às do ‘lib e ra l’ Jo sé Jo aq u im , votando, por exem plo, a favor do
Senado v ita líc io e d a d estitu iç ão de José B onifácio com o tutor de dom Pedro II. Os
dois irm ãos tam b ém fo ram a favor d a Lei In terp retativ a do Ato A dicional de 1834,
votada em 1 8 4 0 . M as, co n trariam en te a seu irm ão, Francisco quis a m aioridade de
dom Pedro II em 1 8 4 0 . M o rre u coberto de honrarias em 1 8 4 2 .23
A trajetó ria de D o m in go s B orges de B arros foi bem diferente da dos irmãos
Carneiro de C am p o s. N ascid o em 1 7 7 ?, na paró q u ia de São Pedro do Rio Fundo, no
distrito açu careiro d e S an to A m aro do R ecôncavo, filho do coronel Francisco de
Barros, riq u íssim o sen h o r de en gen h o , e de L uiza C lara de Santa Rita, Domingos
estudou filo so fia em C o im b ra. O no m e de sua m ãe me leva a pensar que o sangue
africano tenh a v in d o por esse lad o (os Borges de Barros da geração de Dom ingos eram
T rancos da terra'). B acharel, ele v o lto u a Salvador em 1804, tornando-se diretor do
Passeio P úblico da cid ad e e, depois, professor de agricultura. Em 1814, aos 35 anos,
casou-se com u m a riq u íssim a v iú v a, M aria do C arm o G ouveia Portugal, nascida em
1795, filha de Pedro A lexan drin o de Souza Portugal. Deste casam ento nasceu, em
1816, Luiza M arg arid a P o rtu gal Borges de Barros, que se casou, em 1837, com Jean
Horace jo sep h E ugène, C onde de B arrai, M arquês de M ontferrat, p a rq u e s de a
Batie d'A rvillars, que conheceu d u ran te um a longa estadia na França A Condessa de
Barrai foi um a personagem m uito im portante na C orte de dom Pedro II, à qual se
in teg ro u em 1854 com o prcceptora das princesas reais Isabel e ^ o p o ld m a . U nida ao
• , , • > fin íss im a e dotada de inteligência
im perador por um a ‘am izade am orosa , essa mu
notável deixou u m a correspondência fascinante.
286 B a h ia , S é c u l o XIX

M as voltem os a seu pai que, de 1815 a 1821, fora eleito e reeleito vereador. Nesse
ano, foi enviado às C ortes de Lisboa, entre os representantes da C ap itan ia da Bahia
Ao v o ltar ao B rasil, elegeu-se para a C o n stitu in te de 1823. Suas posições cheias de
p rud ên cia foram recom pensadas por dom Pedro I, que o nom eou enviado extraordi­
nário e m in istro p len ip o tcn ciário na F rança, onde perm aneceu de 1823 a 1828, quan­
do se tornou senador, já com o títu lo (recebido cm 1825) de Barão da Pedra Branca.
M o rreu cm 1855- deixan d o , a sua filh a e a u m filho bastardo, vários engenhos.
C oberto de título s e de ho nras, D o m ingo s era fig u ra de destaque no Im pério, dign i­
tário da O rdem da Rosa, G rã-C ru z da O rd em de C risto e V ead o r da C asa Imperial.
Ele foi um dos raros da velha g u a rd a ‘co im b ran a ’ q ue en fren taram em 1826 o sufrágio
de seus concidadãos, m as não exerceu o m an d ato por ter sido escolhido senador
(1 8 2 9 ).24 O s outros senadores eleito s foram M an o el dos San tos, M artin s Vallasques
(pelo M aran h ão ), C assian o E sp irid ião de M ello M atto s, M an o el A lves B ranco, José
C arlos de A lm eid a T orres, M an o el A n to n io G alvão, Gê A caiab a de M ontezum a,
Francisco G onçalves M a rtin s e M a n o e l V ie ira T o sta.
Q uan to aos senadores n o m ead o s en tre 1856 e 1889, todos estu d aram no Brasil e
todos eram bacharéis em d ire ito . C o m exceção de Z acarias de G óis e Vasconcelos,
professor da F acu ld ad e de D ireito de O lin d a, e de Pedro Leão, advogado e jornalista,
os senadores co m eçaram n a m a g istratu ra e in icia ram suas carreiras po líticas como
deputados às assem bléias P ro v in cial e G eral.
M an o el P in to de So u za D antas, cham ado C o n selh eiro D an tas, nasceu em 1831,
em Itap icu ru , no rico A greste b aian o . Seu p ai, M a u ríc io Jo sé de Souza, proprietário
rural abastado, era sobretudo o m arid o de C a ro lin a F rancisca de Souza D antas, filha
de um a poderosíssim a fa m ília d a região. Em 1 8 5 1 , M an o el se casou com A na A m ália
Josefm a B arata, de R ecife, on de o jovem estu dava d ireito . U m a vez bacharel, voltou a
Salvador onde foi, sucessivam ente, procurador de finanças, ju iz dos órfãos e promotor
ju n to ao procurador-geral. N ão passou pela A ssem bléia P ro vin cial, pois, em 1857, foi
eleito deputado à A ssem bléia G eral, onde p erm an eceu até 1881, a m enos dos anos
entre 1871 e 1877. Foi m in istro d a A gricu ltu ra, do C o m ércio e das O bras Públicas cm
1866, m inistro da Ju stiça e do Im pério em 1 8 8 0 , presidente do C onselho e chefe do
Partido Liberal em 1884. Fervoroso ab o licio n ista n u m a época em que o problem a da
escravidão exacerbava as paixões p o líticas, o conselheiro D antas esbarrou m inta opo­
sição cada vez m ais forte, sendo obrigado a ceder seu lu gar a outro baiano, o Barão de
C otejipe, que liderava a ala conservadora. Ele m orreu cinco anos após a Proclamação
da R epública, cercado pelo respeito dc todos, que o consideravam figura proemiente
dessa alta classe política baiana, tão característica da ép o ca.^
O últim o senador baiano nom eado pelo im perador, em 1888, foi Luiz Antônio
Pereira franco , Barão dc Pereira Franco, nascido cm Salvador em 1826, filho de um
rico com erciante, cujas atividades, no entanto, deixavam a desejar. M as ele soube
casar-se, cm 1849, com Leonor Fclisbcrta A ccioli de Vasconcelos, cujo pai, também
m agistrado, juiz do T ribunal dc Relação da Bahia, m em bro de um a excelente fam ília
L[\'RO IV — o ESTA.no- O u r n - i v i , . - i­
-------—~— - ' ___>: * E E xercício d o s P o d e r e s 287

batana. cuidou da carreira do genro. Foi uma carreira clássica. O jovem Luiz Antônio
toi, sucessivamente, ju iz municipal em Irará ( 1 8 4 8 - 1 850) e em Nazaré (1 8 5 0 - 1 8 5 5 )
depois juiz de direito em Feira de Santana ( 1 8 5 5 - 1 8 7 1 ) . De 18 48 a 18 6 3 foi suces
sivamente ele.to suplente de deputado provincial e deputado ptovincial De 18 5 7 a

1*7’ d' P « d° fa^ 7 btóiaGf a1' que"5o ° ’nterrom peu sua carreira de m a g t
trado; dc 1875 a 1877 foi )m z de d ireito em N iterói (RJ) e de 1887 a 1888
desem bargador da R elação da C orte. Foi m inistro da M arin h a duas vezes ( 1 8 7 0 - 1 8 7 1
e I S 7 5 - 1 8 7 8 ) , e m in istro da G uerra in terin o em 1 8 7 6 , O cargo senatorial, outorgado
em 1 8 8 8 , recom pensou suas atividades no cam po jurídico e no político, que não
foram intero m pidas pelo regim e republicano. A té sua morte ( 1 0 0 2 ) foi ministro do
Suprem o T rib u n al fed eral.26
Para o Im perador, as nom eações recom pensavam bons e leais serviços e conquis­
tavam am igos nas adm in istraçõ es. A pequen a tab ela que segue dem onstra bem essa
estratégia.

TABELA 62

C argos O c u pa d o s pelo s S e n a d o r e s B a ia n o s , 1 8 2 6 -1 8 8 9
Cargos 1826-1840 1840-1889
Presidente do Conselho - 8

M inistro 3 15

Conselheiro de Estado 3 10

Deputado Gera! 1 16

Conselheiro do Conselho Geral da Província 1 -

Deputado provincial - 11

Conselheiro municipal - 4

O período de 1 8 2 6 -1 8 4 0 in clu i os senadores falecidos antes desse últim o ano. Foi


uma época d ifícil para a M o n arq u ia brasileira, pois correspondeu à criação das estru­
turas do novo Estado, Os senadores eram escolhidos entre os ministros e antigos
m inistros de dom Pedro I, entre homens que haviam deixado a Bahia m uito tempo
antes. Depois dc 1840, freqüentem ente os senadores integravam também as assem­
bléias Provincial e G eral, ou então ocupavam altas funções, como a de presidente da
Província. Pedro I.cão V ellozo, por exem plo, foi sucessivamente presidente das pro­
víncias do C eará, Espírito Santo, Pará, M aranhão, Rio Grande do Norte e Alagoas; e
M anoel A m onin Galvão foi presidente das províncias de Alagoas, Espírito Santo,
M inas Gerais c Rio G rande do Sul. .
Essas nomeações refletiam o brilhantismo dos políticos baianos no plano nacional.
A Bahia tinha enorme peso nos' negõeios públicos, como i fácil perceber quando se
analisa o papel desempenhado pelos baianos à frente dos ministérios encarregados de
conduzir o Estado brasileiro.
288 B a h ia , S fcia o XIX

M in ist r o s e P r e sid e n te s d o C o n s e l h o

Nem rocios os senadores baianos, é claro, foram m inistros ou presidentes do Conse­


lho, mas a m aioria o foi; 19 (em 26) exerceram essas funções. Os sete que não
assum iram essa alta responsabilidade foram escolhidos pelo im perador ou pçlos
regentes do Im pério antes de 18 7 0 .27 Já vim os que se tratava de nomeações que
recompensavam altos m agistrados, diplom atas e presidentes dc província. Nesse pe­
ríodo de fundação do Estado, a vontade de recom pensar era m ais im portante que a
noção de ‘m inisteriável’, no que dizia respeito às escolhas do m onarca. M as, quan­
do se agrupam as províncias de origem dos m em bros dos gabinetes do Segundo
Im pério, aparece claram ente a alta freqüência com que os políticos baianos ocupa­
ram os prim eiros lugares. Eles dom in aram o cenário po lítico, particularm ente no
período 1 8 5 7 -1 8 7 1 , quando a B ahia ain d a desem penhava um im portante papel eco­
nôm ico, pois a crise laten te desde a década de 1830 ain d a não se m anifestara com
todas as suas conseqüências.

TABELA 63 ■

P r o v ín c ia s de O r ig e m d o s M embros do G a b in e t e
durante o S e g u n d o I m p é r io , 1 8 4 0 -1 8 8 9 (% )
1840-1853 1857-1871 1873-1889

Norte 1,75 1,59 _


Pará 1,75 1,59 -
Nordeste 12,28 25,39 30,00
Maranhão - 1,59 7,50
Piauí 6.35 5,00
Ceará — - 2,50
Paraíba ' - — 2,50
Pernambuco 12,28 14,28 10,00
Alagoas - 3,17 2,50
Leste 77,20 61,91 65,00
Sergipe - - 2,50
Bahía 26,32 34,92 22,50
Minas Gerais 19,30 7,94 32,50
Rio de Janeiro 31,58 19,05 7,50
Sul 8,77 11,12 5,00
Sio Paulo 7,02 7,94 2,50 .
Santa Catarina 1,75 1,59 _
Rio Grande do Sul - L59 2,50
Brasil 100,0 100,0 100,0
N° Absoluto 57 63 40
Home: Simon Sthwarrzman, São Paulo c o P itado N acional, p. 79.

Os representantes da Bahia dom inaram a cena política. A Província de Pernambuco,


sua rival, nunca forneceu mais do que 15% dos m inistros, e a futura provínda-
ocomotiva do Brasil, São Paulo, nessa época rinha um a representação m uito medío-
L iv ro IV O E s ta d o : O r o n i u c a » e E x e r c íc io d o s P o d e r e s

cre: seu ín d ice m ais elevado foi de 7 ,9 % , W o ante? Hn p ; „ l( r •


, „ / ’ g 0 a n t e s d ü l ia u i>qüe sem pre toi, em quase
todos os setores, o u ltim o vagao do trem brasileiro.
Entre 1 8 4 7 e 1 88 9, onze dos trin ta presidentes do Conselho foram baianos, o que
representou um recorde; R ,o de Ja n e iro e M in as G erais forneceram , respectivam ente
quatro e c n c o pres,den tes do C o n selh o . Essa enorm e participação na chefia do gover­
no central p o deria ter sid o p a rticu larm en te benéfica aos negócios da B ahia se os
políticos tivessem lu tad o pelos interesses de sua província de origem . M as, já ó disse
e é preciso rep eti-lo , parece q u e n u n ca foi o caso. N o poder, os hom ens se identifica­
vam rap id am en te com o E stado N acio n al, e essa era u m a condição para sua perm anên­
cia à frente dos negócios p o lítico -ad m in istrativ o s.
N em todos os m in istro s baianos con seguiram se tornar senadores, mas os oito
baianos nom eados p a ra a p resid ên cia do C o nselho depois de 1847 ano em que a
fimção foi criad a — eram senadores m u ito experientes, que faziam parte da pequena
equipe p ró xim a ao p o d er, graças à representação parlam en tar na A ssem bléia Geral.
Eles levaram para a C o rte outros p o lítico s baianos com potencial para se tornar m inis­
tros. Foi o caso, por exem p lo , de C arlo s C arn eiro de C am pos (1 8 0 5 -1 8 7 8 ), terceiro
Visconde de C aravelas, so b rin h o de dois senadores, m inistros de dom Pedro I e da
Regência, professor na F acu ld ad e de D ireito de São Paulo, presidente da Província,
m inistro dos N egó cios E strangeiros, d ireto r do Banco do B rasil, inspetor geral do
Tesouro e con selh eiro de E stado.28 Os exem plos poderiam ser m ultiplicados, pois foi
grande o n ú m ero desses b aian os cham ados ao poder, preparados e am parados em sua
carreira nacion al por estreitas solidariedades fam iliares. Os núm eros são eloqüentes:
entre 1840 e 1 8 8 9 , exatam en te 1/4 dos 2 28 m inistros de Estado tinham origem na
Bahia, que só não esteve rep resen tada em cinco gabinetes (1 8 4 0 , 1843, 1848, 1878 e
1888). A lém disso, m u ito s baianos seguiam carreira na adm inistração, como presiden­
tes de província ou com o altos funcio nários nos m inistérios e na m agistratura. O peso
da Bahia na construção do Estado nacional foi enorm e e essencial.
Antes de term in ar este cap ítu lo , consagrado à elite política baiana, vou tentar
esboçar rápidos perfis típicos do alto m agistrado e do político do Império. Entre essas
duas vocações havia forte paralelism o, com o já constatamos nas biografias esboçadas
ao lo n go d estas p á g in a s.
Em p rim e iro lu g a r , esses h o m e n s eram re c ru tad o s no m esm o m eio so cial. M as a
origem fa m ilia r n ão e ra u m c rité rio a b so lu to : a M o n a rq u ia b rasileira u n h a o rgu lh o de
ap oiar-se em ‘ ta le n to s in d iv id u a is ’ , ta n to q u a n to em trad içõ es fam iliares. N u m a so cie­
dade jo v em , c o m o a b ra sile ira , a ‘ tra d iç ã o ’ se e stab elec ia com a n o to ried ad e c o n q u is­
tad a, d isp e n san d o a n e c essid ad e d c q u e se tivesse u m a lo nga lista d e ilustres an tep as­
sados, O im p u lso se g u in te p ara as trajetõ rias estava nas faculd ad es de d ireito , e on e,
aos 2 0 ou 2 2 an o s, sa íam os b ach aréis. A nova etap a com eçava na m ag istratu ra, de
p referência n a p ró p ria P ro v ín c ia d a B ah ia: ju iz m u n ic ip a l, ju iz de d ireito , p ro m o to r e
assim por d ia n te . N o te-se q u e só os ju íz es de p rim eira in stân cia faziam realm en te parte
do corpo ju d ic iá r io . F re q ü e n te m en te, o exercício de u m a função de ju stiç a se acom -
290 B a h ia , S é c u l o XIX

panhava de um a função p o licial, pois m u itas vezes os ju ízes eram delegados locais da
P olícia no lugarejo onde resid iam . E essa função p o licial era d a co m p etên cia direta d 0
Executivo e não do Ju d ic iá rio .
Entre 25 e 3 0 anos, se fosse eleito d ep u tad o , o jovem m agistrad o , que já represen­
tava ao m esm o tem po os poderes Ju d ic iá rio e E xecutivo, era investido de um poder
legislativo. F req ü en tem en te, ocupava u m a cad eira na A ssem b léia P ro vin cial durante
várias legislaturas. N essa fase d e sua carreira, os laços co n stru íd o s com as grandes
fam ílias das regiões q u e representava p o d iam ter u m papel d eterm in an te. A carreira
po d ia ser u n icam en te lo cal, ou então u ltrap assar as fro n teiras d a P ro vín cia, segundo o
desenrolar de um jo go ch eio de n u an ces.
Por exem plo, um m agistrad o q u e fosse eleito d ep u tad o apenas u m a vez nunca
faria carreira na p o lític a e, p ro v av elm en te, nem n a m a g istratu ra. O m ais provável é
que estacionasse no posto de ju iz de d ire ito . E ntre os m agistrad o s eleito s várias vezes
para a A ssem b léia P ro v in cial, três tipos de carreira se a p resen tav am :
—A carreira apenas p ro v in cial, com g ran d e in flu ê n c ia n a so cied ad e lo cal. Integra­
vam freq ü en tem en te a m esa d a A ssem b léia (com o secretário , v ice-p resid en te ou pre­
sid en te), irm an d ad es religio sas, associações lite rá ria s e b en eficen tes. P resentes na capi­
tal, em S alvado r, d u ra n te as sessões p arlam en tares, eles p o d iam p ro ssegu ir na carreira
de m agistrad o: os q ue a tin g ia m as m elho res posições te rm in a v a m suas carreiras como
desem bargadores do T rib u n a l da R elação, e sua n u m ero sa clien tela p o lítica increm entava
as fileiras do p artid o ao q u al p e rte n c iam .
—A carreira q ue u ltrap assava os lim ite s d a P ro v ín c ia , com a eleição p ara a Assem­
b léia G eral, cu ja sede era no R io de Ja n e iro . F req ü en tem en te, esses m agistrado s torna­
vam -se chefes de P o lícia de o u tra p ro v ín cia, in g ressav am em várias associações religio­
sas e beneficentes, eram n o m eado s v ice-p resid en tes de suas p ro vín cias d e origem e,
depois, presidentes de o u tra p ro v ín cia. L á pelos q u a re n ta anos, to rn avam -se juízes do
T rib u n al da R elação. Aos 55 ou 60 anos, sua carreira na m a g istratu ra era então
coroada com u m a nom eação ao S u p rem o T rib u n a l, no R io , o n d e recebiam títulos de
nobreza, condecorações e outras h o n rarias.
— A carreira que usava a m a g istratu ra com o tram p o lim p ara a p o lítica. Juízes
m unicipais ou dc d ireito com m ais ou m enos 2 3 anos, entre 25 e 3 0 anos se tornavam
deputados provinciais e entre 30 e 3 5 anos eram eleitos para a A ssem bléia Geral.
Freqüentem ente reeleitos, tornavam -se con hecido s. Podiam então aceder à presidên­
cia de um a lon gín qua província aos 35 ou 40 anos, antes de co n q u istar a chefia de um
m inistério ou um posto no C o nselho dc Estado ou no Senado. M u itas vezes a carreira
política interrom pia neste ponto a carreira ju ríd ica : dos treze baianos que foram
m inistros e m agistrados, dez se aposentaram com o desem bargadores do T ribunal da
Relação e três como m inistros do Suprem o T rib u n a l. A função m in isterial não podia
ser acum ulada com um alto posto na m agistratu ra, ao passo q u e não existia nenhum a
incom patibilidade entre as funções de ju iz de direito, de delegado de P olícia e de
deputado.
L im ío I V O E s t a d o : O r g a n iz a ç ã o e E x e r c íc io d o s P o d e r e s 291

D esse ponto de v ista, o caso de Jo ão M a u rício W an d erley, futuro Barão de C o tejip e,


foi e x e m p la r : ju iz de d ire ito d a c id a d e dc S an to A m aro , no R ecôncavo, e, logo depois,
chefe da P o líc ia d e S alv ad o r, e n tre 1 8 4 8 e 1 8 5 2 . D esse an o até 1 8 5 5 , acu m u lo u os
cargos d e ju iz d o T r ib u n a l d a R elação d a B ah ia e p resid en te d a m esm a P ro víncia.
É óbvio q u e não ex erceu m a g is tr a tu ra nessa ép o ca, m as c o n tin u o u a receber os respec­
tivos v en c im en to s, d e te n d o in flu ê n c ia ju n to a seus colegas do T rib u n a l dc In stân cia.
C o m o se vê, as m esm as pessoas co n c e n tra v a m em torno de si esses três poderes
que M o n te sq u ie u q u e ria v er sep arad o s, Essa situ ação po uco se m o d ifico u , m esm o
depois d a q u e d a d a M o n a r q u ia . A lg u n s h isto ria d o re s b rasileiro s se eq uivo cam ao
ap o n tar nisso u m a m u d a n ç a d e e s tru tu ra , u m a b u ro cratização do E stado brasileiro .
A realid ad e foi b em d ife re n te : sob as a p a rên c ia s de u m a m o d ern ização do ap arato de
Estado, c o n tin u a ra m ten azes as tra d içõ es do A n tig o R egim e. H á u m a exp licação m uito
sim ples p ara esse fe n ô m e n o : a fa lta de pessoal in s tru íd o . O n d e recru tar os fu n cio n á­
rios, os d e p u ta d o s, os m a g istra d o s, q u a n d o só os d escen d en tes de certas categorias
sociais bem d e fin id a s e p o u co n u m ero sa s p o d ia m o b ter o m ín im o de edu cação neces­
sária? A p esar d is so , as e s tr u tu ra s d o E stado b ra sile iro eram su ficien tem en te flexíveis
para p e rm itir q u e a lg u n s — p o u co s — ‘ h o m en s de ta le n to ’ fizessem carreiras decentes,
apesar d e o rig e n s fa m ilia re s m e d ío c re s. N a m e d id a em q u e o seculo X IX avançava,
novas in stitu iç õ e s e s ta b e le c ia m , c a d a vez m ais, regras estritas, capazes de esclerosar a
sociedade b r a s ile ira , to rn a n d o -a a in d a m ais co rp o ra tiv a d o q u e era antes.
Q u e a co n teceu ? D ia n te d a e v e n tu a lid a d e de san g u e novo, o m edo se apodero u dos
hom ens q u e e sta v a m a c o stu m a d o s a te r nas m ãos as alav an cas de com ando?
l i v r o V

A I g r e ja
CAPÍTUT.O 18

In t r o d u ç ã o

A p r o d ig io s a tr a n s f o r m a ç ã o q u e o c o rr e u n a v id a p o lít ic a , e c o n ô m ic a e s o c ia l do
O c id e n te no s é c u lo X IX fo rç o u a I g r e ja C a t ó lic a a m o d if ic a r -s e , te n d o em v is ta
re fo rç ar a a u t o r id a d e d o p a p a . O d e s m o r o n a m e n to d o A n tig o R e g im e a c a rre ta r a o
e n f r a q u e c im e n to g e r a l d a s r e g a lia s d e tip o g a lic a n o o u jo s e fis ta . A I g r e ja se lib e r ­
tav a d e seu s a n tig o s e n tr a v e s , a f ir m a n d o a p r o f u n d id a d e d a fé c a tó lic a e a n e c e s­
sid a d e d e os p o d e re s le ig o s , d e fe n s o re s d a o r d e m s o c ia l, se c u rv a re m a n te as fo rças
e s p ir itu a is .
O refo rço d a a u to r id a d e do p a p a im p lic a v a u m e n fra q u e c im e n to do p o d er p o líti­
co te m p o ral. M a s , d u ra n te o p o n tific a d o de P io IX ( 1 8 4 6 - 1 8 7 8 ) , a Ig reja se v iu
in v e stid a d e p o d eres ilim ita d o s no p la n o d a d o u trin a . I n q u ie ta co m as p o ssíveis co n ­
seq ü ên cias d a filo so fia d o sé c u lo X V III e d o lib e ra lis m o do sécu lo X IX , ela d e c id iu
fixar os p rin c íp io s de q u e n ão p o d ia a b rir m ão : o re su lta d o foi a e n c íc lic a Q u a n ta Cura
(1 8 6 4 ), s e g u id a d a S ylla b u s , “c a tá lo g o d o s erro s p rin c ip a is do no sso te m p o ”. N esta
ú ltim a — q u e os a d v ersário s tra n s fo rm a ra m n o c o m p ê n d io de o b scu ran tism o do
V atican o — n em to d o s os erro s fo ram c o n d e n a d o s p e la m esm a razão: algu n s eram
h eresias (co m o o p a n te ís m o , o n a tu r a lis m o e o ra c io n a lism o a b so lu to ), o u tro s d iziam
respeito a q u estõ es d e d is c ip lin a , às relaçõ es e n tre Ig reja e E stad o , ao casam en to dos
padres etc. P io XI v isav a e s se n c ia lm e n te o so c ialism o , a fran co -m aço n a ria e o lib era­
lism o m o d ern o , sob to d as as suas fo rm as, a té m esm o as religio sas. Essa renovação da
d o u trin a foí c o m p le ta d a com a p ro clam a ção de do is d o g m as: o da Im acu lad a C o n cei­
ção (1 8 5 4 ) c, so b retu d o , o d a in fa lib ilid a d e do p o n tífic e , d ecid id o no C o n c ilio do
V atic an o ( P a stor a etern u s, 1 8 7 0 ). N o m esm o m o m en to , a p erd a de seus estados o b ri­
gou o p ap ad o a ab o n d o n ar suas p reo cup açõ es p o líticas,
Essas novas o rien taçõ es criaram um c lim a de in tra n s ig ê n c ia , q ue se trad u z iu
no triu n fo c a d a vez m ais n ítid o , so b retu d o en tre os bispos, de um u ltram o n ta-
n ísm o q u e su sc ito u em a lg u n s p aíses, com o o B rasil, m u itas d ific u ld ad e s. A Igreja
en tro u em c h o q u e com a S u íç a q u a n d o d a g u e rra de S o n d erb u n d (1 8 4 6 ), com a

295
296
B a h ia , Sf.cuLO XIX

B élg ica p o r cau sa do p ro b lem a e sc o lar, com a Á u s tria (q u e , em 1 8 7 3 , d e n u n c io u


a C o n c o r d a ta ) e, so b re tu d o c o m a A le m a n h a d e B is m a r c k e s u a p o lít ic a de
K ulturkam pf
A justificativa desses atos era a determ inação de m anter e reforçar a fé dos fiéis e de
propagar essa fé entre aqueles que a ignoravam . A Igreja m ultiplicou então as manifes­
tações exteriores e sensíveis, como as devoções à V irgem M aria no âm bito de um ciclo
am pliado (La Salette, 1846; L o u rd es,l856; proclam ação do dogm a da Imaculada
Conceição) e o fortalecimento dos cultos do Santíssim o Sacram ento, do Sagrado
Coração e dos Santos. M ultiplicaram -se as peregrinações. A partir do pontificado de
Gregório XVI (1 8 3 1 -1 8 4 6 ), as missões em terras estrangeiras foram estimuladas,
levando, com notável sucesso, aos cam inhos da África, do M édio e Extremo Orientes e
da América Latina.
Terra de missões e de evangelização desde o século XVI, o Brasil foi colonizado
pela dupla ação do Estado e da Igreja, estreitam ente associados. O Padroado fez do rei
de Portugal, desde o século XVI, o protetor da Igreja C ató lica no país, inclusive nas
colônias. O catolicism o se tornou religião oficial do Estado. Em 1522, o papa Adriano
ortorgou a dom João III o título de grão-m estre da O rdem de C risto, transm itido
depois a todos os reis de Portugal. Em 1550, as ordens de Santiago e de Sao Bento
foram reunidas à O rdem de Cristo, fundada em 1319, em Santarém , por dom Diniz
(1279—1323). Grãos-mestres de três ordens m ilitares, os reis portugueses estavam
habilitados a receber e adm inistrar os dízim os eclesiáticos, mas eram obrigados a zelar
pelo bem-estar espiritual de seus súditos.
Eram os reis que nomeavam os dirigentes de um a diocese ou de um a paróquia e
preenchiam as demais funções eclesiásticas. Em contrapartida, arcavam com um a série
de obrigações, como construir e m anter os edifícios do culto, rem unerar o clero e
promover, por todos os meios, a expansão da fé católica. Exerciam poderes religiosos
em todas as terras conquistadas e nas colônias. Assim, os privilégios seculares e espi­
rituais do Padroado foram naturalm ente introduzidos na A m érica Latina com o pri­
meiro bispado, o da Bahia, criado em 1515-1
Na bula Super specuia militantis ecctesiae , o papa Jú lio III (1 5 5 0 -1 5 5 5 ) instituiu
e dotou o bispado de Salvador, colocando-o sob a proteção do soberano português pro
tem pons existentis. Não se devem com preender esses procedim entos como uma
usurpação, por parte dos monarcas, de atribuições da Igreja, mas sim como a expressão
de um entendimento entre Roma — interessada na cristianização dos pagãos — e
Lisboa, no apogeu da expansão portuguesa no além -m ar. Graças ao Padroado, a Santa
Sé se desvencilhava de qualquer ação direta nas novas terras conquistadas e fazia do rei
e Portugal uma espécie dc delegado do pontífice. Na realidade, dotado de múltiplos
ireitos, o monarca português se tornava o chefe efetivo de uma Igreja em formação,
pois era impossível controlar as obrigações previstas como contraparuda. Nomeado,
antido c dirigido pelo rei, o clero brasileiro permaneceu isolado de qualquer contato
com Roma até a década de 1820.
L i v r o V - A I g r e ja 297

A Tgreja b rasileira foi criada em com p leta subordinação ao Estado, num regim e
em que a proteção p ro m etid a às estruturas eclesiásticas e à vida religiosa era m al
eq uilib rad a, com um a in gerên cia opressiva do secular no sagrado. Segundo C aio Prado
Jú n io r, “por efeito do Padroado, a Igreja não gozou n u n ca no Brasil de indep endên cia
e auton om ia. O s negócios eclesiásticos da C o lô n ia sem pre estiveram nas m ãos do rei,
que deles se ocupava através do D ep artam en to de sua ad m in istração já citado acim a,
a M esa d a C o n sciên cia e O rd en s”.2
Integrada por seis teólogos e ju rista s, essa M esa foi criad a pelo governo português
em 1532 para a d m in istra r a v id a religio sa da C o lô n ia, passando a fu n cio n ar com o um a
espécie de d ep artam en to religio so d a ad m in istração geral, ou um m inistério do culto.
Suas relações com o rei giravam em torno d a gerên cia dos estabelecim entos de carid a­
de, da in stitu ição de cap elas e h o sp itais, da fu n dação de ordens religiosas ou de
universidades, do resgate de cativ o s, d a criação de novas p aró q u ias, das nom eações de
todos os titu lares de cargos eclesiástico s e do tratam en to dc q u alq u er contencioso
jurídico relacio n ad o com assun tos religio so s.3 E ram , po rtan to, atrib uiçõ es m uito vas­
tas, que co n feriam im p o rtân c ia co n sid erável a essa alta câm ara religiosa. A m aior parte
das suas decisões foi to m ad a na M etró p o le, po r hom ens que, m u ito freqüentem ente,
nunca estiveram em co n tato com a realid ad e e a v ivên cia da C o lô n ia.
A pós a In d ep en d ên cia e o estab elecim en to de um governo nacion al que instaurou
o regim e m o n árq u ico em 1 8 2 2 , a Igreja teve q ue en fren tar inúm eros problem as, tanto
nas relações com o E stado e os fiéis com o nas relações in tern as à p rópria in stituição , ou
seja, entre a h ie ra rq u ia eclesiástica e seu clero. O novo Im pério brasileiro reafirm ou o
Padroado real, co n firm o u o cato licism o com o religião do Estado e m anteve a paróquia
(circunscrição eclesiástica) com o u n id ad e ad m in istrativ a básica. M as exigiu que a
Igreja fosse to talm en te sub m issa ao E stado. A separação d efin itiv a entre as duas in sti­
tuições viria, m ais tard e, no âm b ito de um v io len to co n flito , cheio de conseqüências
para os fiéis. C o n seq ü ên cias diferen tes, aliás, segundo o m eio social a que pertenciam .
A Igreja tam bém teve que resolver inúm eras questões referentes ao clero, para que
este pudesse exercer suas m issões esp iritu ais e sociais com d ign id ad e. A tarefa foi dura,
sobretudo porque o clero estava h ab itu ad o a um a d iscip lin a frouxa, adotando atitudes
freqüentem ente co n trárias às d a h ierarq u ia. O ra, nesse m om ento a Igreja precisava
arregim entar todas as suas forças para lu tar contra a ascensão do ateísm o e das doutri­
nas heterodoxas,
Essas condições particulares que cercaram o estabelecim ento e a propagação da fé
católica no Brasil fazem com que as obras consagradas à Igreja apresenrem a im agem
de um a instituição passiva, subm issa ao poder tem poral, cúm plice das oligarquias
econômicas e sociais, responsável por tensões ç conflitos que perduram ainda hoje na
sociedade brasileira, incapaz dc sc libertar da autoridade do Estado e im por sua própria
trajetória,4 T rata-se de julgam entos severos, que acentuam os aspectos negativos da
ação da Igreja no Brasil. M as são anacrônicos, pois julgam séculos passados partindo
dc premissas e de critérios próprios às realidades contem porâneas.
298
B a h ia , S é c u lo XIX

Pode-se conseguir alívio de con sciên cia e d irig ir a ação a tu al num sentido preten-
sam ente expiatório através da catarse dos erros de um passado d elib eradam en te esva­
ziado de q ualqu er especificidade. M as, seguin do essa trajetó ria, a Igreja corre o risco
de deixar com pletam ente de lado grande parte de sua h istó ria, estabelecendo uma
ruptura que desvaloriza a in stituição divin a que ela p ro clam a ser, assim com o todo um
conjunto de princípios dogm áticos, m orais e éticos q ue tem o dever de sustentar.
Com o crer num a Igreja que, através de seu m ea culpa, sem eia a d ú v id a entre os menos
preparados e m aís fracos e renega u m a áçao m u ltissecu lar?
Com o crer na p eren idade, na u n iversalid ad e dessa Igreja, que sem pre enquadrou
estreitam ente a fam ília brasileira, sua educação, sua saúde m oral e física, suas m anifes­
tações coletivas? C ritica r sem nuances todo esse passado c obscurecer u m a trajetória
histórica, negar as sucessivas adaptações a u m a realid ad e sem pre diferen te e, sobretu­
do, reduzir a im agem d a Igreja a seus traços de p assividade, subm issão e in ércia — ou
seja, de cu m p licid ad e com um poder q ue sem pre esteve ao lado dos opressores.
Parece ser perfeitam ente possível dar, à ação esp iritu al e tem po ral da Igreja C ató­
lica, um a interpretação m ais po sitiva e m enos cu lp ad a. As obras recentes, com efeito,
deixam de inserir a evolução d a in stitu ição em u m a trip la perspectiva:
- Prim eira, a de seu contexto histórico. T ratava-se de u m a Igreja oficial, e o
Estado lhe im punha algum as coações, que evo luíram com o tem po, através de anuências
e recusas. As revoltas das autoridades eclesiásticas desem bocaram , no fim do século
XIX, na separação entre Igreja e Estado. M as, nas interp retaçõ es da ação da Igreja no
Brasil, im pressiona o caráter atem p oral. M esm o onde certos cortes cronológicos são
respeitados, o discurso perm anece in teiram en te fora do tem po.
- Segunda, a da posição d a Igreja (e daqueles q u e a serviam ) no d ebate fundam en­
tal que opunha, no B rasil, opressores e op rim idos, livres e escravos, brancos, negros e
mestiços.
- Terceira, a da atitu d e da Igreja oficial d ian te das religiões m inoritárias — o
amm ism o, o islam ism o, o protestantism o — e das novas filosofias que se desenvolve­
ram no século XIX.
Para estudar a ação e o destino da Igreja C ató lica no Brasil, os historiadores
propõem dois modelos cronológicos. No prim eiro, tam bém adotado por Tristão de
Athayde, o sociólogo baiano T hales de Azevedo distingue três períodos, definidos
pelo papel que a religião e a Igreja desem penharam na ordem civil e política do
Brasil. Para esses autores, o prim eiro período (1 5 0 0 -1 7 5 9 ) foi o da catequese, da
conversão dos pagãos ao cristianism o, essencialm ente obra dos jesuítas. O segundo,
marcado pelo regalismo (doutrina que defende a ingerência do chefe de Estado nas
questões religiosas), começou com a expulsão dos jesuítas (1759) e terminou com a
chamada Questão Religiosa, matriz do conflito entre Igreja e Estado (1872). Final­
mente, no terceiro período (1 8 7 3 -1 8 9 1 ) começou a firm ar-se a independência da
Igreja em relação ao Estado, com a revolta dos bispos, que levou à separação definiti­
va das duas instituições.^
L i v r o V - A I g r e ja 299

E m bora interessante, essa cro n o lo gia tem aspectos que não concordam com os
fatos: em p rim eiro lu gar, não é aceitável a afirm ação de que a expulsão dos jesuítas
interro m peu a conversão dos pagãos. N ão há dú vid a de que os m em bros da C o m p a­
nh ia de Jesus d esem p en h aram um papel p rim o rd ial na catequese das populações
am erín d ias e african as, m as, de certo m odo, o trabalh o co n tin u o u , com outras ordens
religiosas e até com o clero secu lar. C o m efeito, foram enviados padres seculares para
a m aior p arte das ald eias q u e tin h am sido o u tro ra confiadas à adm inistração dos
jesu ítas, e nelas fu n d aram -se p aro q u ias. Padres seculares e regulares con tinuaram a
evangelizar os num ero so s african o s q ue chegavam ao país (no século XVII, 1,7 m ilhão
deles vieram de A n g o la e d a C o sta d a M in a ).6 Por ou tro lado , o regalism o com eçou a
ser contestado logo no in íc io d a segu n d a m etade do século XIX por um liberalism o
religioso q ue p ed ia, in ca n sav elm en te, a laicização do E stado.7 F in alm en te, essa crono­
logia, por sua g e n e ralid a d e , nao leva em co n ta as diversas reform as feitas na instituição
eclesiástica, q ue lev aram à ro m an izaçao d a Igreja b rasileira e ao aum en to do núm ero
de padres seculares e regu lares de o rigem estran geira.
O segu n d o m o d elo ap resen tad o na H istória d a Igreja n o B rasil propõe tam bém
três cortes cro n o ló gico s, m as u n ic am e n te no q u e se refere ao século XIX. D e m odo
geral, eles co rresp o n d em aos q u e foram u tilizad o s pelos historiadores da época. No
prim eiro desses p erío do s (1 8 0 8 —1 8 4 0 ), d estaca-se o papel d a Igreja no processo de
em ancipação n a cio n al; no segu n d o ( 1 8 4 0 - 1 8 7 5 ), estuda-se a posição d a Igreja d iante
da form ação do E stado lib e ra l; no terceiro (1 8 7 5 - 1 8 8 8 ), tenta-se d efin ir a ação da
Igreja d u ran te a crise fin al do Im p ério . A pesar de algum as v an tagen s,8 essa cronologia
tem um gran d e in co n v en ien te: ela esm iu ça o processo histórico em fases dem asiada­
m ente cu rtas, incapazes d e ressaltar m u tações im p o rtan tes, que se processam num
tem po m ais lo n go , m o vidas pelas novas forças ideoló gicas que orien taram a ação do
Estado, pelos p roblem as externos e intern os d a p ró p ria Igreja e pelo povo, com sua
vinculaçao e subm issão aos poderes do E stado e d a Igreja.
A chei litil propor u m a nova cron olo gia, redu zin do esse segundo modelo a dois
períodos: 1 8 2 2 -1 8 4 0 e 1 8 4 0 -1 8 8 8 . O p rim eiro corresponde, ao m esm o tem po, à
organização das novas estrutu ras do Estado brasileiro e à reorganização da Igreja
C atólica, o co rrida q u an d o se fez sen tir a necessidade de reform as, expressas na busca
de novas atitu des em relação ao E stado, a seu clero e aos fiéis. D urante esse prim eiro
período, a h ierarq u ia da Igreja se aproxim ou de Rom a para tentar liberta-se da presen­
ça de um Estado dem asiad am en te opressor, com eçou a preparar m elhor o clero para
sua m issão, reform ou seus costum es e, enfim , procurou assegurar para si a direção das
num erosas funções que ela havia abandonado aos leigos. Entre 1822 e 1840 a Igreja
lançou os fundam entos de sua ação futura, conscientizou-se de sua própria existência
c quis afirm ar-se com o poder independente.
N o segundo período (1 8 4 0 —1888), aparecerem correntes favoraveis às idéias libe­
rais e positivistas. Elas engendraram tendências políticas e ideológicas que contribuí­
ram para a preservação do regim e im perial, mas tam bém prepararam sua queda. Nesse
300 B a h ia , S é c u lo XIX

novo clim a, a Igreja acabou de se rom anizar, aproxim ando-se ain d a m ais da Santa Sé,
e com pletou suas reform as interio res, que o b jetivaram a form ação in telectu al e moral
do clero. E ntretanto, ao se opor vigorosam ente à ingerência do poder civil no campo
esp iritu al, ela m ostrou u m a face até então desconhecida, que nem sem pre produziu,
ju n to ao povo, os efeitos desejados.
Ao afirm ar o desejo de se to rn ar in d ep en ten te do Estado, a Igreja não conseguiu
garan tir sua in flu ên cia sobre a população, co n trariad a com a perda de algum as prer­
rogativas oriu n das d a época co lo n ial e, sobretudo, com a desco nfian ça dem onstrada
em relação à sua religio sid ad e e suas devoções. Estas en co n traram possibilidades de
expressão ju n to ao p ro testan tism o e aos culto s an im istas. C o m b atid o ardorosam ente
pela Igreja m as ap o iad o fo rtem ente p ela corren te u ltralib eral, o p lu ralism o religioso
acabou por se im p o r em d etrim en to do cato licism o , o u tro ra todo-poderoso.
T en d o com o pano de fu n do a divisão cro n o ló gica q u e proponho, m as co n tin u an ­
do a segu ir o curso da n arrativ a, os cap ítu lo s segu in tes tratarão d a evolução da Igreja
C ató lica b rasileira no século XIX. Sem p re que possível, m in h as análises tom arão como
exem plo a P ro víncia d a B ah ia. O tem a do p rim eiro cap ítu lo desta parte será as relações
entre Igreja e E stado, q ue colocaram frente a frente a a lta h iera rq u ia cató lica e as elites
dirigentes do país e giraram em torno do co m p o rtam en to d a Igreja, em todos os
cam pos de sua ativ id ad e. T en tarei m o strar com o, através de u m a evolução relativa­
m ente rápida, a h ierarq u ia eclesiástica to m o u co n sciên cia de si p ró p ria e forjou um a
nova id en tid ad e para a Igreja. V erem os, em segu id a, com o essa nova identidad e foi
cap tad a pelas elites dirigen tes, torn an do-se fonte de v io len tas oposiçoes, que acarreta­
ram a ru p tu ra entre as duas in stitu içõ es. E xporei, fin alm en te, a posição dos bispos
brasileiros em relação à escravidão e à A bolição.
O segundo cap ítulo será exclusivam en te consagrado ao clero secular. A bordarei os
tem as referentes à estru tu ra d a Igreja, ao recru tam en to do clero, à sua form ação, às
suas rendas e às suas atitu des d ian te d a h ierarq u ia eclesiástica e do poder tem poral.
D arei atenção especial à con sciên cia do clero sobre sua m issão sacerdotal e à m aneira
como a exercia.
A renovação da v id a m onástica é o objeto do terceiro cap ítulo , T endo entrado
em crise na segunda m etade do século X V III, as ordens religiosas atravessaram
longo período de decadência. M ais do que a falta de vocações, o poder tem poral foi
responsável pela persistência dessa situação, ao tom ar um a série de m edidas que vi­
saram a apropriação, pelo Estado, dos bens do clero regular, julgados consideráveis.
Q ualquer doação esbarrava em interdições, e a adm issão de noviços foi proibida.
Por isso a renovação m onástica tardou tanto. D ependeu da chegada de religiosos
estrangeiros, que, numerosos após 1870, revitalizaram as ordens tradicionais deca^
dentes e criaram novas ordens, inexistentes na cena brasileira durante o período
colonial.
O quarto capítulo trata das manifestações de fé do povo de Deus, Veremos então
como o clero católico transm itia sua mensagem a pessoas que viviam realidades dife-
L iv r o V - A Ig r e ja 301

re n te s, s e p a r a d a s p o r e s ta tu to s le g a is , c o re s d e p e le , tr a d iç õ e s c u ltu r a is , tip o s d e v id a
m a te r ia l e g r a u s d e in s tr u ç ã o .
N o q u in t o c a p ít u lo , e s tu d a r e m o s a c o n c o r r ê n c ia fe ita à I g r e ja C a tó lic a p e la s o u ­
tras d o u t r in a s c ris tã s e c u lto s r e lig io s o s . N u m a p r im e ir a e ta p a , te n ta r e i e x p lic a r p o r
q u e o c lim a fo i fa v o rá v e l à e c lo s ã o d e n o v a s e x p re ssõ e s r e lig io s a s . E m s e g u id a , m o s tra ­
rei c o m o o u tr a s d o u t r in a s c r is tã s , a s s im o c o m o o Islã , te n ta r a m o c u p a r u m esp aço
re lig io so o u tr o r a e x c lu s iv o d a I g r e ja C a t ó lic a . T e n t a r e i, f in a lm e n te , d e m o n s tr a r co m o
e p o r q u e e m e r g ir a m o s c u lto s d ito s a f r o - b r a s ile ir o s , tã o a n tig o s q u a n to a e sc ra v id ã o ,
e c o m o c o n s e g u ir a m t o r n a r - s e v ito r io s o s n a c o n c o r r ê n c ia c o m o c a to lic is m o a p a r tir
d o sé c u lo X IX .
CAPÍTULO 19

H ie r a r q u i a E c l e s iá s t ic a e P oder
P o l ít ic o n o S é c u l o XIX
( 1822- 1890)

Às vésperas d a In d ep en d ên cia, a Igreja tra n s m itia a im ag em de u m a corporação servil


ao poder te m p o ra l.1 O cato licism o era religião ú n ic a e o ficial, as au to rid ad es eclesiás­
ticas cuidavam da ed u cação , saúde e assistên cia p ú b lic a e, até m eados do século XIX,
os padres exerciam , em no m e do E stado, n u m ero sas funções civis. A lém de responsa­
bilizar-se pelos registros p aro q u iais — tarefa q u e lhe era co n fiad a desde a época colo­
nial — , o p ad re-fu n cio n ário se en carregava, p o r exem p lo , de o rgan izar a lista de
eleitores locais, convocá-los nas épocas de eleições e fazer o cadastro das terras. Apesar
das proibições im postas pelas C o n stitu içõ es P rim eiras do A rcebisp ado d a B ahia, a
C arta C o n stitu cio n al de 1824 p e rm itiu a adm issão de padres em todas as funções da
m agistratu ra (in clu sive a de in teg ran tes de jú ris) e, até os anos 1 8 5 0 , n a própria
G uarda N acio nal. A essas funções ju d ic iá ria s e p a ram ilitares, o E stado acrescentou as
policiais. Até 1 8 5 3 , os padres p o d iam ser n o m eado s delegados e subdelegados de
P olícia sem que fosse necessário o b ter perm issão form al d a h ierarq u ia. T odas essas
funções — registre-se — eram to talm en te desaprovadas pelas dioceses.2
M as, à m edida que o Estado n acio n al organ izava seus serviços, a Igreja era afasrada
dessas funções, que passavam às m ãos de fu ncio nários leigos. Essa n ítid a dim inuição
de atribuições não deve ser esquecida, pois p erm ite ap rofun dar a análise das tensões
que dificultaram as relações entre Igreja e Estado d u ran te boa parte do século XIX.
C om efeito, a rom anização da Igreja C ató lica e sua atitu d e ultram ontana a partir dos
anos 1870 não são a única explicação para o choque que se produziu entre as concep­
ções julgadas retrógradas e conservadoras e aquelas que exprim iam m odernidade e
progresso. A perda de controle sobre o cotidiano do povo foi proporcional ao apareci­
mento e circulação dc novas ideologias, novos dogm as e novos credos. Q ue camadas
da população foram afetadas por cies? C ertam ente não as grandes massas. M as, mane-

502
L iv r o V — A I gueja 303

jad as com o novos in stru m e n to s das elite s, essas id éias, d o g m as e credos p e rm itia m q u e
se co m b atesse a Ig reja no q u e ela p o ssu ía de m ais p ro fu n d o , com o o b jetivo de
d im in u ir su a in flu ê n c ia m u ltis s e c u la r. A lu ta não se d esen ro lo u apenas no p lan o
id eo ló gico o u d o u trin á rio . A q u e stão do p o d er esteve fo rtem en te presente. A q uem e
com o o b e d e cer — ao E stado o u à Ig reja — foi o p ro b lem a de u m povo in teiro . A té
hoje a h is to rio g ra fia b ra s ile ira e sca m o teo u esse asp ecto d a q u estão .

R efo rm as na I g r e ja , R e f o r m a s pelo E sta d o ( 1 8 2 2 - 1 8 4 0 )

C o lo cad a sob as o b rig a ç õ e s d o P a d ro a d o , a Ig re ja C a tó lic a p arecia d irig id a por leigo s.3


A h ie ra rq u ia era p o u co re s p e ita d a p o r p ad res e fiéis. N a m a io r p arte dos casos, o
d in h eiro d estes ú ltim o s m a n tin h a o c u lto e a c h a m a d a fé das irm an d ad es. M as foi
com o e stím u lo d a Ig re ja , co m o im p u ls o d a fé q u e esta soube d esp ertar nos corações
dos fiéis, q u e a açã o dos leig o s se to rn o u p o ssível. E cclaesia q u er d iz er assem b léia do
povo. N a fa m ília , n a p a ró q u ia o u n a irm a n d a d e re lig io sa , esse en co n tro sem pre se fez
em nom e d e u m a fé c ris tã e c a tó lic a .
A criação d e p a ró q u ia s d e p e n d ia , em p r in c íp io , d a v o n tad e d o rei, q ue tin h a
o brigação d e c o n s tru ir a ig re ja , o r n á -la e n o m e ar seu p áro co . N o e n ta n to , d u ran te
todo o p e río d o c o lo n ia l a realez a m o stro u -se p a rc im o n io sa n a criação de novas p aró ­
q u ias, q ue a c a rre ta v a g asto s. E las s u rg ia m p o r in ic ia tiv a dos fiéis, q ue ed ificavam e
ornavam cap elas co m recu rso s p ró p rio s. M u ito freq ü e n te m e n te o rei recusava as p eti­
ções e os b isp o s v ia m -se o b rig a d o s a n o m e ar u m v ig ário a d n u t u m , até q ue viesse a
nom eação o fic ia l, q u e p o d ia d e m o ra r v ário s anos. E stas d u as m o d alid ad es de fundação
de p aró q u ias lev a ram à e x istê n c ia de dois tip o s de p áro co s: o co lad o , n o m ead o pelo rei,
e o e n co m en d ad o , n o m e ad o p elo b isp o .
N o A greste b a ia n o , p o r ex em p lo , a p a ró q u ia de N ossa S en h o ra de N azaré de
Itap icu ru de C im a teve o rig e m em u m o rató rio p a rtic u la r, co n stru íd o em 1648 e
elevado à categ o ria de ig reja p a ro q u ia l em 1 6 8 0 . M as o pároco só foi oficialm en te
nom eado em 1 7 0 0 . A p o ssib ilid ad e de co n to rn ar as d ificu ld ad es im postas pelo Padroa­
do m o stra q u e os bispo s tin h am u m a co n sid erável m argem de m anobra. Q uando
nom eado pelo rei, o pároco receb ia um posto v ita líc io , e seus vencim entos a
porção c ô n g ru a ’ — ficavam assegurado s pelos cofres reais. Q uan do nom eado pelo
bispo, o v ig ário m a n tin h a com ele um co n trato an u al e a d n u tu m da autoridade d io ­
cesana. O bisp ado não rem u n erava o vigário enco m endado, q ue recebia de seus paro-
q uianos as c o n h ece n ça s , espécie de dízim o pessoal que, na verdade, era um a pequena
con tribuição em d in h eiro ou in natura , paga pelos fiéis por ocasião do ciclo pascoal.
Q u al era o papel do padre? Sem d u vid a, ele tin b a que enfrentar m ais preocupações
m undanas que esp iritu ais. M as quem pode afirm ar, com serenidade, que os contatos
entre pastores e fiéis sc reduziam a celebrações festivas e procissões?5 Essa atitu d e do
padre, apresen tada dc m an eira v o lu n tariam en te abstrata, despojada de toda hu m ani­
B a h ia , S é c u l o XIX

dade c de toda postura sacra, conduz a um a im agem que nem sempre corresponde
àquela transm itida por docum entos pouco analisados até hoje. Voltarem os a esse
assum o quando tratarm os do clero. No conflito entre Igreja c Estado, os bispos e
alguns membros em inentes do capítulo é que tom avam posição. Q ue consciência
àn h am de sua missão? C om o assim ilavam o Estado? Com o com preendiam o clero e
os fiéis? Com o evoluiu sua atitude durante esses setenta anos de história da Igreja
C atólica no Brasil?
À época da Independência, com um a população de cerca de quatro milhões de
habitantes, o Brasil tinha um arcebispado (B ahia), seis bispados (O lin da, Rio de
Janeiro, Sáo Luís, Belém, M arian a e São Paulo), duas prelazias (G oiás e C uiabá), 650
a 700 paróquias e algum as centenas de capelas. Apesar de recrutados quase sempre no
clero m etropolitano, os bispos não pensavam nem agiam da m esm a m aneira. Repre­
sentavam mais os interesses da C o rte que os interesses pastorais, e o Estado só exigia
deles que mantivessem a d iscip lin a do clero e a ob ediência do povo. A prova disso é
que, mais cedo ou m ais tarde, eram cham ados a desem penhar algum papel político nos
negócios da C olônia. Por conseguinte, sua atividade pastoral estava ligad a às próprias
lim itações da função episcopal, im postas pelo Padroado. '
Considerados nobres, ligados à Coroa portuguesa, os bispos do Brasil viam-se fre­
qüentemente obrigados ao exercício dc funções adm inistrativas, como substituir o go-
vernador-geral em caso de vacância. Os que mostravam certa independência no cumpri­
mento de suas obrigações pastorais eram afastados pela autoridade real. As sedes episcopais
permaneciam, por vezes, vagas durante m uito tempo, fosse por razões políticas (às vezes
Lisboa não conseguia escolher um novo bispo), fosse porque o bispo nomeado resolvia
tomar posse de sua diocese por procuração, retardando em meses, ou mesmo anos, sua
chegada de além-m ar. Alguns acabavam por renunciar à perigosa viagem Portugal-
Brasit. Este absenteísmo parece ter sido freqüente. Na verdade, o direito canônico obri­
gava os membros do clero secular e regular — bispos, cônegos, párocos, abades c priores
— a habitar na sede de seu posto, mas a necessidade de os concílios reiterarem sucessiva­
mente essa obrigação demonstra como ela era descum prida. Na França, só 110 século
XVII a 'residência’ passou a fazer parte dos costumes sacerdotais, generalizando-sc ape­
nas no século XVIII, No Brasil, o período de vacância entre dois bispos sucessivos
durava, em média, três ou quatro anos, mas houve casos dc intervalos muito mais longos,
como o que ocorreu após a partida dc dom Pedro da Silva Sampaio, bispo da Bahia entre
1634 e 1649: seu sucessor chegou 23 anos depois, lãurantc ausências tão prolongadas,
a instituição eclesiástica não podia funcionar normalmente, já que se via privada dc
dois poderes exclusivos dos bispos: o poder dc ordenar c o poder jurídico eclesiástico.
O primeiro define a confirmação c a ordem (na ausência dos bispos, nenhum padre
pode ser ordenado). O segundo prevê que eles governem o povo cristão, fiscalizem o
ensino da doutrina, legislem, administrem e julguem causas eclesiásticas/’
Educados em Portugal, os bispos recebiam formação teológica marcada pela men­
talidade e espírito regalistas c pelo jansenismo da Universidade de Coimbra, onde a
L evro V - A I greja 305

m aior parte estudava. D e m odo geral, o episcopado não se opôs ao m ovim ento de
Independência (a exceção ficou por conta do vigário geral da diocese do Pará e futuro
arcebispo da B ahia, dom R o m ualdo A ntôn io de Seixas, que se declarou, às Cortes de
Lisboa, con trario à Indep endên cia em 1 82 1). M as, depois de 1822, surgiram dois
tipos de problem as novos: os que diziam respeito às relações entre a Igreja e Estado,
que deviam ser defin idas, e os que se referiam à reform a da própria Igreja.
O prim eiro problem a foi o do Padroado: seria legítim o e ju ridicam en te aceitável
que o im p erado r do B rasil, país agora in d ep en den te, continuasse a ter um privilégio
que fora con cedido ao rei de P ortugal? O poder respondia afirm ativam ente. Com
efeito, o artigo 5 d a C o n stitu içã o de 1 82 4 declarava: “a Igreja C ató lica A postólica
Rom ana co n tin u ará a ser a relig ião do Im pério. T odas as outras religiões são p erm iti­
das, com a co n d ição de q ue seu culto seja dom éstico ou privado, em casas a isso
destinadas, m as q u e não ten h am as form as exteriores de um tem p lo .”7 Ao dizer 'con­
tin u ará’, a C o n stitu içã o do novo p aís afirm ava a determ inação de m anter o statu quo
a n te e, com ele, todos os p riv ilégio s do passado. P ara con trab alançar o privilégio
concedido ao cato licism o , a C a rta d eclarava no parágrafo 14 do artigo 102 que todos
os decretos co n ciliares, cartas ap o stó licas e outros regu lam en to s eclesiásticos deveriam
receber o b en ep lácito im p eria l antes de serem d ifu n d id o s.8 C o m essas m edidas, o novo
Estado deixava claro q u e desejava m a n te r com a S an ta Sé relações privilegiadas, nos
m oldes que v ig iam em P o rtu gal. M as, ao m esm o tem po, reivin dicava o direito de
im por lim ites à ação d a Igreja, afastan do a p o ssib ilidade de in gerên cia do' papa nos
negócios brasileiro s.
Para que seus d ireito s fossem reconhecidos e pudesse negociar um a concordata, o
im perador dom Pedro I en v io u a R o m a, com o m in istro extraordinário, o m onsenhor
Francisco C o rreia V id ig a l. N ascido no R io de Jan eiro em 1766, este u ltim o abraçara
ainda jovem a carreira eclesiástica, m as, form ado tam bém em d ireito , exercia em
paralelo a profissão de advogado. T in h a idéias m u ito m odernas — até heterodoxas
-—, sobretudo no q ue d izia respeito às relações do Estado com Rom a, Considerava,
por exem plo, q ue a sup rem acia e a in falib ilid ad e do papa eram doutrinas que fora
de R om a não se su sten tam ”. A lém disso, estabelecia clara distinção entre o papado e
a Igreja C ató lica, con siderando o prim eiro como um a instituição puram ente p o líti­
ca.7 Os resultados dessa longa e laboriosa m issão foram o reconhecim ento do Brasil
como nação soberana e a bula Preteclara P ortu galliã , datada de m aio de 1827, na qual
Eeão XII concedia ao governo brasileiro os mesmos direitos e privilégios acordados
com os reis portugueses desde o século XVI (observemos que a Assembléia Geral
brasileira ju lgo u in ú til o conteúdo da bula, porque, segundo a m aioria dos deputa­
dos, os direitos do im perador sobre a adm inistração da Igreja eram inerentes ao seu
cargo e provinham do texto constitucional de 1824).
N a verdade, Rom a concedeu esses direitos ao im perador, mas nao assinou um a
concordata, de m odo que o reconhecim ento tinha, a seus olhos, caráter temporário.
A Santa Sé designou um representante, um núncio apostólico, mas suas atribuições se
306 B a h ia , Secm.o XIX

lim itaram a apreciar pedidos de dispensa de votos religiosos. Isso convinha ao governo,
que prom overa cam panha visando a extin guir as ordens religiosas. M as a presença de
um núncio inspirou m uita desconfiança nos liberais, que o consideraram como repre­
sentante de um poder estrangeiro disposto a interferir em negócios que, mesmo sendo
de cunho religioso, eram de exclusiva com petência do Estado.
Essas prim eiras m edidas defin iram , de um lado, as relações entre Igreja e Estado
e, de outro, as do Estado com a San ta Sé. Aos olhos do poder, legitim aram seu papel
de direção dos negócios eclesiásticos. O governo passou a agir com o chefe religioso
incontestável. E Rom a tolerou sua atitu d e. A C o n stitu ição foi com pletada com uma
im pressionante série de leis, decretos e p o rtarias, sobretudo no que d izia respeito ao
funcionam ento do Ju d iciário : após ter sup rim id o a Legação, trib u n al de terceira ins­
tância que funcionava sob a égide da N u n ciatu ra, o governo se outorgou o direito de
ju lg ar as causas eclesiásticas, que deviam subm eter-se “em segunda e ú ltim a instância
ao tribu nal de apelação com p etente”. Essa m ed id a a tin g ia d iretam en te a competência
ju ríd ica da Igreja. Por outro lado, o C ó digo P enal do Im pério considerava crime
contra a soberania nacional q u alq u er “concurso a u m a au to rid ad e estrangeira, dentro
ou fora do Im pério, sem um a leg ítim a perm issão, para im p etrar graças espirituais,
distinções ou privilégios na hierarquia eclesiástica, ou autorização de um ato religioso”.11
Ao reafirm ar-se o Padroado, exigir-se o ben eplácito im p erial para qualquer ato
concernente à v id a esp iritu al e m aterial d a Igreja e d eterm in ar-se a possibilidade de
recursos à C o roa para d irim ir divergências entre u m a au to rid ad e eclesiástica e um
terceiro, criou-se u m a situação em que a Igreja não só p erm an ecia subm issa ao poder
tem poral, mas tam bém era im p ed id a de exercer livrem en te sua m issão. Por outro lado,
esse m odus v iv en d i — “novo dentro do an tig o ” — só podia gerar atritos entre um
poder civil que q u eria conservar sua p reem in ên cia e um a h ierarq u ia eclesiásrica cada
vez m ais desejosa de conduzir seu próprio destino.
Os problemas da reform a diziam respeito, essencialm ente, à preparação e moralidade
do clero e à instrução religiosa do povo. M as as soluções previstas estiveram longe de
obter unanim idade ju n to a um clero d iv id id o sobre com o tratar as relações com o
Estado e a Santa Sé c m ais preocupado com atividades políticas do que com sua missão
pastoral. Até as questões concernentes à vida in terio r da Igreja passaram a ser discuti­
das em praça pública.
Por volta de 1825, a parte m ais ativa do clero sc dividiu politicam ente em dois
grupos: o dos reformadores de tendência liberal, form ado por padres que pertenciam
ao baíxo clcro, e o dos reformadores conservadores, cujos m embros se reuniam em
torno dos bispos. O prim eiro era liderado pelos padres Diogo A ntônio Feijó, chefe
pragm ático do m ovim ento, e M anuel Joaquim do A m aral G urgel, o principal teórico.
As biografias desses dois chefes religiosos paulistas apresentam m uita semelhança.
Embora filhos ilegítim os, receberam boa educação, habilitando-se a brilhar na política
e no m agistério. Eram dotados de forte vocação religiosa e compartilhavam uma
mesma forma de ver a realidade do país. Foram grandes defensores da abolição do
L iv r o V - A I g reja 307

celibato sacerd otal, m as a v id a pessoal de cada um caracterizou-se pela in tegrid ad e de


com portam ento e de h áb ito s. N a P ro vín cia de São P aulo, eles foram seguidos por um a
dezena de colegas sacerdotes, que fo rm aram o grosso desse grupo de reform adores, de
idéias avançadas, q ue recebeu a adesão de algun s padres de ou tra regiões do B rasil (o
padre Francisco Jo sé C o rrêa de A lb u q u erq u e, d ep u tado pela P rovíncia de A lagoas,
chegou a ap resen tar à A ssem b léia G eral, em 1830, um projeto para a convocação de
um concilio n a c io n a l).13 In teg ran d o , no m o m en to da Indep endên cia, o pequeno grupo
de hom ens culto s do B rasil, m u ito s padres foram eleitos deputados e tiveram presença
m arcante nas assem b léias p ro v in c iais ou na A ssem b léia G eral até a década de 1840.
Esses representantes do clero exerciam u m a in flu ê n c ia de p rim eiríssim a ordem e acre­
ditavam que os p ro b lem as d a Ig re ja p o d eriam ser resolvidos através de ação po lítica.
T am bém foi p o lític a a ação do grup o dos conservadores, que, a seu m odo, eram
reform adores. E vo lu íam em to rn o da a lta h ie ra rq u ia eclesiástica, seguin do a lideran ça
de dom R o m u ald o A n tô n io de Seixas, arceb isp o d a B ah ia e um a das personalidades
mais m arcantes do ep isco p ad o b rasileiro , e do m M arco s A n tô n io de Sousa C oelho,
bispo do M a ra n h ã o .14 E leitos d ep u tad o s à A ssem b léia G eral do Im pério, a p artir dessa
tribuna lid e raram su a b a ta lh a p ela refo rm a d a Igreja, opondo-se vigorosam ente ao
discurso dos refo rm adores lib e ra is, dos q u ais não co m p artilh av am nem os objetivos,
nem os p rin cíp io s. A s d iv erg ên cias d iz ia m respeito, sobretudo, às relações entre Igreja
e Estado e ao p ro b lem a do celib ato dos padres.
O trad icio n al regaiism o to m o u novas dim ensões depois da Independência. Os
reformadores conservadores pregavam u m regaiism o m oderado, os reform adores liberais
um regaiism o rad ical. A d iferen ça dessas duas atitu d es pode ser constatada na m aneira
de situar a Igreja em relação ao E stado: os m o derados colocavam os poderes espiritual
e tem poral em pé d e ig u a ld a d e , ao passo q u e os rad icais subordinavam o espiritual ao
tem poral.15 Essa seg u n d a con cepção p artia do p rin cíp io de que a religião era um
objeto p o lítico ”, o q u e sig n ificav a q ue ela — e, por con seguin te, a Igreja — era atri­
buição do governo, in teg ran te d a b u ro cracia deste. P ara exercer sua função espiritual
e social, a Igreja p recisaria in clin ar-se d ian te do Estado, que devia traçar a linh a de
conduta a ser seguida. N essa perspectiva, as m otivações políticas conduziam a uma
espécie de n acio n alism o religio so , fechado e arrogante, com pretensão de independên­
cia em relação a q u alq u er in flu ên cia estrangeira. C om o conseqüência, os reformadores
Überais quiseram deslocar o pólo da autoridade, alargando os lim ites dos poderes
episcopais, cm d etrim en to da ju risd ição do papa. Não se pode dizer que esses
reformadores tenham negado claram ente a prim azia do pontífice, mas eles a afirm a­
vam com formas restritivas, d im in u in d o o cam po de suas atividades ou exigindo a
convocação de concílios gerais para coordenar a vida da Igreja e controlar os poderes
pontificais. Por outro lado, eles achavam possível liberalizar o funcionam ento da
autoridade na Igreja, dando m ais autonom ia aos bispos, dim inuindo o peso da hierar­
quia e concedendo ao clero m aior participação na adm inistração diocesana, Essa ati­
tude uhralíberal se transform ou num a lu ta sistem ática cuja direção oi con ia a ao
B a h ia , S é c u l o X IX
308

go v ern o contra R o m a.16 N egando a p rim azia do papa, rad icalizan d o suas posições,
os reform adores liberais propunham a co n stitu ição de um a Igreja N acio n al, cuja au­
toridade suprem a seria confiada a um co n cilio , tam bém n acio n al.
A p o siçã o dos r e fo rm a d o re s c o n s e rv a d o re s e ra d ia m e tr a lm e n te o p o sta.
U ltram ontanos, eles eram a favor de u m a estreita colabo ração com R om a e reconhe­
ciam o papa com o chefe do cristian ism o cató lico . A deptos do p rin cíp io de igualdade
entre os poderes esp iritu al e tem p o ral, desejavam u m a larga au to n o m ia da Igreja,
sobretudo no que d izia respeito às questões esp iritu ais. D efen d id a com vigor, essa
posição só podia ser fonte de co n flito s, já q ue o E stado tin h a co n seguido o reconheci­
m ento de seus direitos sobre a d ireção dos negócios da Igreja. Esses reformadores
consideravam que a au to rid ad e su p rem a d a Igreja d evia ser exercid a pelos bispos,
sucessores dos apóstolos, sem p a rtilh a . F avoráveis às an tigas estru tu ras institucionais
da Igreja, eram in im ig o s dos q u e pregavam a in tro d u ção de elem ento s novos, que
diziam respeito sobretudo a dois pro b lem as: o celib ato dos padres e a extinção das
ordens regulares. A discussão fico u ra p id am en te p ú b lica, já q ue os debates tiveram
lugar em plen a A ssem bléia G eral e até m esm o em alg u m as assem bléias provinciais.
Os dois grupos desejavam reform as capazes de co n ferir u m a nova personalidade à
Igreja. A intenção era a m esm a, m as os m eios de realiz á-la d iv erg iam de m odo estranho.

Q ue R e f o r m a s pa r a o C lero B r a s il e ir o ?

O clero, na época da In d ep en d ên cia, conservava as características do período colonial.


Insuficientem ente form ados para exercer sua m issão sacerd o tal, sem terem recebido
um a preparação religio sa séria, os padres estavam m u ito m ais im pregnados de litera­
tura francesa profana que de letras latin as p ied o sa s.17 A deptos das idéias liberais e
dem ocráticas do século X V III, eles in flu íram nos negócios po líticos do país. De 1789
a 1831, participaram ativam en te de todos os m o vim ento s revolucionários. Entretanto,
com o já o a firm ei, as posições do clero não eram h o m o g ên eas, o scilan d o do
conservadorism o m ais trad icio n al ao radicalism o m ais extrem ado, passando muitas
vezes por um liberalism o teórico in co n seq ü en te.18 Sem d ú vid a, a influên cia desse clero
sobre a alm a popular continuava a ser grande; m as o com portam ento de boa parte dele
levou os fiéis a estabelecerem um a diferença entre o padre dentro da Igreja, em sua
função sagrada, e o padre na vída profana e co tid ian a, que ele vivencíava como todo
mundo. I ouco.s padres usavam hábito, definido como obrigatório nas Constituições
Prim eiras do Arcebispado da B ahia .1} Na verdade, poucos, entre eles, acreditavam
verdadeiram ente em sua missão sacerdotal. C onsideravam -se sim ples funcionários —
a iás, mal pagos do Estado, Para sobreviver, cobravam taxas sobre atos religiosos
que, cm princípio, deviam ser gratuitos) ou exerciam ofícios incom patíveis com sua
con ição. O celibato tornara-sc ficção para grande parte do clero; m uitos padres
c e lavam famílias, às vezes numerosas, que precisavam criar e educar.
L iv r o V - A I greja 309

H om ens do século m ais do que hom ens da Igreja, os padres representavam, entre­
tanto, um a parte im po rtan te da elite intelectual da nova nação, sendo chamados a
participar ativam ente da v id a política. Funcionários de Estado e deputados, eram
solicitados a posicionar-se sobre questões referentes à autonom ia da Igreja diante do
Estado e tom ar atitudes sobre problem as que incidiam sobre o funcionam ento interno
da instituição eclesiástica, da qual eram os servidores. Conservadores e liberais reco­
nheciam o caráter am bíguo da situação do clero, o que os m otivava a propor profun­
das reform as. As questões do celibato e da extinção das ordens religiosas ajudaram a
m ostrar a u rgência de restabelecer o esplendor e a dign idade da Igreja.
D esde os prim órdios a questão do celibato d iv id iu clero e leigos. N a form a de uma
pergunta im provisada pelo deputado baiano A ntôn io Ferreira França, m édico de pro­
fissão, o problem a foi colocado na A ssem bléia Geral em 1827. Retom ou-se a discussão
em 1834, a p artir de p ropo sta do p arlam en tar baiano, que surpreende por sua concisão
e rudeza: “que o nosso clero se case e que os religiosos e religiosas desapareçam de
nosso m eio ”, disse em sessão p arlam en tar, abrindo longa polêm ica que prendeu a
atenção do pú blico , torn ou-se u m dos assuntos preferidos da im prensa e suscitou a
produção de m uitos panfletos.
No cam po dos reform adores conservadores, num erosos leigos — como José da
Silva Lisboa, o V isconde de C a iru -— saíram em defesa do arcebispo da B ahia, dom
Rom ualdo A n tô n io de Seixas, e do bispo do M aran h ão , dom M arcos A ntônio de
Sousa, porta-vozes da ortodoxia. Procurando abordar os aspectos teológicos, ju ríd i­
cos e históricos d a questão , eles se baseavam nas decisões do C oncilio de Trento,
cuja validade só foi reco n h ecid a pelo Estado brasileiro em novem bro de 1827, com
três séculos de atraso em relação à Igreja. Em suas M em órias, o arcebispo da Bahia
descreveu um a sessão p arlam en tar em que o padre D iogo Feijó defendeu a abolição
do celibato: “N o fim d a sessão, tom ei a palavra e m e opus vigorosam ente à célebre
dissertação que propusera a revogação da an tiga e venerável discip lina do celibato.
Fazendo alusão a Erasmo — que observou que a Reform a de Lutero tinha um ar
de com édia, porque tu d o devia conduzir ao casam ento — eu lam entei que se pu­
desse fazer entre nós a m esm a observação, concluindo assim os trabalhos da sessão
Com um ato verdadeiram ente côm ico e rid ícu lo .”20 Para esses conservadores, a re­
forma moral do clero passava pela reform a geral dos costum es, por uma formação
verdadeiram ente religiosa dentro dos sem inários e por um a rigorosa seleção dos
candidatos ao sacerdócio.21
Com o vim os, os adeptos da extinção do celibato clerical tinham como expoente o
padre Diogo A ntônio Feijó, que unia em torno de si boa parte do clero de São Paulo
e numerosos leigos. Defendiam que a reforma moral do clero passava pela abolição do
celibato: “Estando certo dc que a lei do celibato, através de uma experiência ininterrupta
de quinze séculos, produziu a im oralidade num a classe de cidadãos encarregados do
ensino da m oral pública e que por essa razão sua missão é não somente inútil como
prejudicial, quando os povos constatam em sua conduta o desmentido de sua doutrina
310 B a h ia , S é c u l o XIX

( ...) é então dever da A ssem bléia G eral retirar a seus servidores públicos toda ocasião
que os torna in ú teis ou nocivos à sociedade. Su p o n do igu alm en te que a Assem bléia
G eral revogue o im p ed im en to da O rdem m as que a Igreja, ao m esm o tem po em que
reconheça a validade do casam ento dos padres, co n tin u e a dem iti-los e até a excomungá-
los, é evidente que esse choque entre a concepção do poder tem p o ral e a proibição do
poder esp iritual deve p ro d u zir m u rm ú rio s, fo m en tar partido s e acabar por perturbar
a paz pública. A A ssem bléia G eral, em vez de revogar o im p ed im en to da O rdem , não
som ente pode, mas deve então suspen der seu b en ep lácito às leis referentes ao celibato,
para que elas nao possam se to rn ar im p o sitivas no Im pério do B rasil.”22
Para os reform adores lib erais, o celib ato não h av ía provado seus m éritos. A hipo­
crisia que se in stalara entre os sacerdotes a tin g ia as bases m o rais d a sociedade. Pôr fim
ao celibato eq ü iv alia a prestar u m im enso serviço aos cristãos. O E stado, por interm é­
dio do P arlam ento , d evia ag ir nesse sen tid o , já q ue o celib ato nao tin h a fundam ento
teológico: era apenas u m a lei de d ireito eclesiástico . O recurso ao E stado, convidado
a legislar sobre essa q uestão essen cialm en te in te rn a à Igreja e de caráter universal,
dem onstra claram en te o q u an to a ala rad ical do clero estava d isp o sta a ab d icar de seus
direitos, con tan to que pudesse a tin g ir seu o b jetivo .
Apesar de veem entes, os debates foram in satisfató rio s e se ab ran d aram com rapi­
dez. Os espíritos não estavam p rep arados p ara en fren tar esse tip o de problem a, que
voltou à p au ta sete anos d ep o is.2^ P arece-m e necessário tra ta r a questão no contexto
m ais geral q u e agitav a a p o lític a d a época: a co n testação p a rlam en tar sobre os tratados
assinados com P ortugal, In g laterra e F ran ça, a discussão sobre abolição do tráfico de
escravos, a falência do B anco do B rasil, a o rgan ização dos órgãos de adm inistração
m u n icip al e ju d ic iá ria e, sobretudo, a oposição das correntes lib erais à p o lítica autori­
tária de dom Pedro I, que se m an ifesto u em u m a sucessão de m o vim ento s sediciosos.24
A discussão m udou de tom ao ser reto m ad a em 1 8 3 4 . N ão se falo u m ais em abolir
o celibato, mas em dispensar aqueles q ue fizessem so licitação específica nesse sentido.
Por outro lado, não se cogitou m ais de solução n acio n al, pois essa proposta só foi
apresentada pela diocese de São P aulo; as dispensas deveriam p erm itir ao bispo orde­
nar até pessoas casadas, “segundo o exem plo d a Igreja grega e dos cristãos reform a­
dos A5 Aberta na A ssem bléia P ro vin cial de São P aulo, essa discussão foi objeto de urna
representação entregue pelos parlam entares ao bispo local, dom M anuel Joaquim
Gonçalves de A ndrade, que a enviou à apreciação do cap ítulo . Ela se baseava em
numerosos argum entos: a dispensa do celibato era necessária para o bem -estar espiri­
tual dos fiéis e a u tilid ad e da Igreja, o que in flu iria na prosperidade da pátria; a
conduta im oral do clero era um obstáculo à elevação espiritual do povo, de modo que
o casam ento dos padres corrigiria os m ales existentes c serviria de exem plo aos celiba­
tários leigos, para que csccs tam bém fossem atraídos ao casam ento; o Estado se benefi- -
ciaria do aum ento no núm ero de casam entos, que aju d aria a aum entar a população do
país; a m edida contava com o apoio d a opinião pública; o exercício do ministério
sacerdotal exigia um a consciência pura, c a dispensa do celibato, estabelecendo a
L iv ro V - a I g r e ja 311

decência do cu lto , faria cessar o escândalo; a m edida p erm itiria tam bém resolver o
problem a da escassez dc padres, pois os casados poderiam ser ordenados e grande
núm ero de hom ens v en ceria sua h esitação .26
O parecer do cap ítu lo foi favorável à dispensa, mas dom Jo aq u im preferiu subm e­
ter o caso ao m inistro d a ju s tiç a , A u relian o de Sousa O liv eira, por receio de abrir um a
“brecha no d ireito can ô n ico ”. Por essa v ia, o debate ganh ou dim ensão nacional, já que
o m inistro pediu a o p in ião do arcebispo da B ah ia e da C om issão E clesiástica da
Assem bléia G eral.
O arcebispo da B ah ia e p rim az d a Igreja do B rasil, dom R om ualdo A ntônio de
Seixas, p erm an eceu fiel às id éias q u e expressara em 1827, época da p rim eira discussão.
Refutou os argu m en to s em favor da d isp en sa d a lei do celib ato , negando que ela fosse
o único m eio de im p e d ir o escân dalo d a in co n tin ên cia dos padres. Para o arcebispo, a
m oralização do clero passava por três ponto s: a reform a m o ral da sociedade brasileira,
o fortalecim ento dos sem in ário s diocesan os e, en fim , a rigorosa seleção dos candidatos
ao sacerdócio: "O m eio de elevar o clero do estado abjeto e d ep rim en te em que se
encontra nao reside no casam en to , m as, antes de tu d o , na reform a dos costum es
públicos, p o rq ue os m in istro s d a Igreja, provindos do m eio secular e nele vivendo, não
podem d eixar de p a rtic ip a r m ais ou m enos d a corrup ção geral, com o todos os outros
hom ens, sejam eles celib atário s ou casados { ...). Em segundo lugar, um a educação
cuidada e ad ap tad a aos fins a se q u e propõe e que, form ando-os na ciência e na
piedade, torne sua vocação in d u b itá v el, bem com o sua cap acidade para o santo m in is­
tério. Foi neste esp írito q u e a Igreja in ic io u os sem in ário s eclesiásticos, que os padres
de T rento (C o n cilio ) reco m en d am com o o m eio m ais eficaz para preservar da propa­
gação dos vícios a ju v e n tu d e q ue se d estin a ao estado eclesiástico, inspirando-lhe esta
pureza de costum es q ue ele exige. O eclesiástico que, em um bom sem inário, teve
contato estreito com as letras, q ue foi educado em u m a d iscip lin a regular, não é,
habitualm ente, tão vicioso e d esam p arad o com o aquele que une a ignorância aos
hábitos de u m a v id a in teiram en te m u n d a n a .” F in alm en te, o arcebispo da Bahia defen­
dia a idéia de que toda ordenação deveria ser precedida por um exam e detalhado dos
candidatos: “Ao a d m itirem os can didato s à ordenação, os bispos devem ser rigorosa­
mente escrupulosos. Som en te devem aceitar aqueles que, m ediante aprendizado em
sem inários e co n d u ta irrepreensível, provem que são anim ados por um verdadeiro
espírito eclesiástico, c não aqueles q u e dão provas equívocas de um a aplicação assídua.
Q ualquer in du lgên cia nesta m atéria é altam ente perigosa. “7
Encontram os, nesses três pontos, um resum o do program a reformista em preendi­
do pela alta h ierarq uia da Igreja — os cham ados bispos reformadores nos anos
1840. M ais tarde esse program a foi com pletado pela criação de conferências eclesiás­
ticas e pela introdução de novas ordens m issionárias c educativas. As posições assum i­
das por dom R om ualdo m ostram claram ente que, no espírito da alta hierarquia, a
reforma da Igreja devia partir dc um a visão que transcendia o m undo eclesiástico, o
que correspondia perfeitam ente ao espírito do C oncilio de Trento, reavivado em
3 l2 B a h ia , S é c u l o XIX

quase toda parte, àquela época, no âm bito da cristan dade cató lica. A ativ id ad e pastoral
estava condicionada pela form ação esp iritual an terio r dos sacerdotes.
A Com issão Eclesiástica da A ssem bléia G eral foi favorável à reapresentação da
Assem bléia Provincial de São Paulo. M as deixou ao bispo de São P aulo o cuidado
de tom ar a decisão fin al, dando-lh e todo o a p o io .28 N a verd ad e, apesar desses deba­
tes prelim inares, a abolição do celibato clerical nao foi ob jeto de discussão pública
na Assem bléia G eral. C o n tin u o u a ser objeto de considerações detalh adas no pro­
jeto da nova constituição eclesiástica, apresen tado pelos padres reform adores paulis­
tas em 1835.
Apesar de não pretender tornar-se u m m o delo p ara a reform a in tern a d a Igreja, o
projeto, m uito abrangente, exp rim iu as intenções desse grup o de reform adores radicais
e, por essa via, foi de encontro às preocupações de to d a a Igreja C a tó lic a brasileira. A
intenção dos reform adores p au listas era de q u e a no va co n stitu ição substituísse a
elaborada pela A rquidiocese da B ah ia no in íc io do século X V III e ad o tad a em seguida
por todas as dioceses brasileiras. D u ran te o perío do co lo n ial, dois sínodos diocesanos
haviam sido convocados pelo q uarto bispo do B rasil ( 1 6 0 0 - 1 6 1 8 ), dom C onstantino
Barradas, e pelo arcebispo d a B ah ia (1 7 0 2 - 1 7 2 2 ), dom Seb astião M o n teiro da Vide.
Os artigos da co n stitu ição red igid a pelo p rim eiro sínodo n u n ca foram integralm ente
publicados, caindo em desuso. O B rasil co n tin u o u a o b edecer às constituições de
Lisboa. Com o segundo sínodo, foram fin alm en te p ro m u lgad as, em 1707, as C onsti­
tuições P rim eiras do A rcebíspado d a B ah ia. A dotadas por todas as dioceses brasileiras,
elas perm aneceram em vigor até o fim do século XIX. Jo ão C am ilo de O liveira Torres
constatou sua im po rtân cia, ao escrever: “A a n tig a sociedade b rasileira era essencial­
m ente sagrada, as leis da Igreja eram o ficialm en te recon hecidas pelo E s ta d o ...”29
Os m em bros da C om issão E clesiástica q u e trab alh aram no p rojeto pau lista de
1835 desejavam o seguinte: restabelecer o an tig o esp len do r e a d ig n id ad e da Igreja;
fazer desaparecerem os abusos “q ue o tem po in tro d u z nas m elhores instituiçõ es”;
realizar reformas disciplinares que estivessem em h arm o n ia com o E vangelho, a pureza
da doutrina e a d iscip lin a dos prim eiros séculos do cristian ism o ; au x iliar o bispo no
exercício de seu m unus pastoral através de um conselho de padres (presbitério), subs­
tituindo o capítulo; sim plificar o processo ju d iciário eclesiástico; fazer do padre um ser
m oralm ente sadio, cu ltu ralm en te apto a exercer seu m in istério , financeira e politica­
mente independente, graças à instituição de um a caixa eclesiástica que o ajudaria.30
Duas observações sobressaem. Prim eira: o objetivo prin cipal era a reforma dos
costumes dc bispos, padres c díáconos (ou seja, a reform a da Tgreja passava pela
reforma dc seus m inistros). Segunda: ao an u n ciarem esse objetivo principal, os
reformadores paulistas fizeram coro com o discurso da outra facção do clero. M as, se
o objetivo cra o mesmo, os meios para alcançá-lo divergiam : para uns, a reforma
deveria passar, antes dc tudo, pela reforma da moral pública; para outros, a solução
passava pela abolição da lei do celibato. O pensam ento do arcebispo da Bahia, dom
Romualdo, era representativo da prim eira corrente: “É necessário recorrer a outros
L iv ro V - A I g r e ja 313

m eios: creio q ue o p rim eiro séria m elh o rar o sistem a de educação p articu lar e público,
preservando a ju v e n tu d e dos erros c dos vícios cu jo veneno lhe é su tilm en te ad m in is­
trado por tan to s escrito s ím p io s e liccncio so s, e im p rim ir, assim , em suas jovens alm as,
hábitos de v irtu d e e de m oral religio sa, sem os q u ais cairão in faliv elm en te as m elhores
leis e in stitu içõ es. S eg u n d o o gran d e L cib n itz, o p rin cip al m eio de reform ar o m úndo
é a ed ucação : d ign o s rep resen tan tes do sacerd ó cio c o n trib u iriam , através de seu éxem -
plo, à retorm a dos co stum es p ú b lic o s.”31
E m bora não estivesse iso lad o do resto, o p ro b lem a do celibato era im portante.
Todas as reform as c u ltu ra is, fin an ceiras, p o lítico -eclesiats e pastorais propostás pelos
reform istas p au listas d e p en d iam da so lu ção desse problem a. A liás, o silêncio que en­
cobriu esse p ro jeto d a c o n stitu iç ã o eclesiástica só pode ser explicado pela inquietação
dem o n strad a pelo b isp o de São P au lo e pelos p o lítico s leigos da P rovíncia. O prim eiro
nunca d eu se g u im en to ao p arecer, no e n ta n to favorável, expresso p ela C om issão Ecle­
siástica d a A ssem b léia G eral; e os segu n d o s evitaram colo car em p au tá, duran te as
sessões p arlam en tares, o p ro jeto dc co n stitu ição ! Os espíritos a in d a não tin h am am a­
d u recid o b astan te p a ra a ce ita re m co m o p rin cíp io co n d u to r d a reform a u m a solução
con sid erad a h erética . A e n c íc lic a M ira re Vos, p u b lica d a em 1832 por G regório XVI,
condenava o d esejo expresso p o r alg u n s eclesiástico s, que, “esquecendo sua d ign id ad e
e condição e arrastad o s p ela an sied ad e do desejo , ch egaram a tal ponto de libertinagem
que ousam p ed ir p u b lic a m e n te e com in sistên cia aos P ríncip es a abolição desta im po­
sição d isc ip lin a r (o c e lib a to )”. Este p arágrafo visava, sem d ú v id a, o padre Feijó e os
outros ‘ noivos’ p erten cen tes ao clero b rasileiro , segu n d o a p ito resca expressão de dom
R om ualdo A n tô n io de S eix as.32
A posição u ltra -re g a lísta expressa por esse grup o de reform adores só podía trazer
preocupações p ara u m a classe p o lític a d o m in ad a pelos conservadores e in im ig a de
tudo o que pudesse levar a excessos. M as outros aco ntecim en tos co n trib u íram para
preservar o silên cio em to m o do p ro jeto de co n stitu ição eclesiástica. As discussões
sobre a situ ação m aterial do clero em 1 8 3 1 , po r exem plo, resultaram na m anutenção
do s tatu quo: os sacerdotes co n tin u aram a ser fu n cio n ário s do Estado, e o projeto de
um a caixa eclesiástica não foi v o tad o .33 O segundo aco ntecim en to foi o conflito entre
o Estado b rasileiro c a S an ta Sé cm torno da in d icação , em 1833, do padre A ntônio
M aría dc M o ira para o bispado do Rio de Jan eiro . Recusado pela Santa Sé, o padre
M oira foi o b rigado a ren u n ciar em 1838. Esse conflito con tribuiu para afrouxar os
laços entre a h ierarq u ia da Igreja C ató lica, que professava um regaiism o m oderado, e
o Estado. D efensores da Santa Sé, os bispos viam com desconfiança tudo o que
pudesse con trib u ir para au m en tar a ingerência do Estado nos negócios religiosos. Os
reformadores paulistas, ao contrário, contavam com o Estado para apoiar suas propostas.
Em 1837, o governo da Província dc São Paulo, com o acordo do bispo diocesano,
aprovou o regulam ento concernente ao capítulo-catedral, seguindo as normas regalistas
mais estritas, q u e não levavam cm conta as proposras de estabelecim ento de um
p resbyterium , em conform idade ao que determ inavam a linha tradicional do Concilio
314 B a h ia , S é c u l o X IX

de T rento e as exigências do d ire ito .34 O silêncio q u e envolveu o projeto paulista de


reform a tinha relação com o esforço dos bispos locais para co n d u zir o catolicism o
brasileiro a um tipo de regim e e de pastoral próxim o àqu ele q u e se desenvolvia na
Europa à m esm a época. A tarefa foi facilitad a pela solução de outros problem as rela­
tivos à Igreja, com o o que d izia respeito à extin ção das ordens religio sas, de que
tratarem os adiante.
O bservado com d istan ciam en to , o período de 1 8 2 6 - 1 8 4 0 m ostra-se cru cial para
a Igreja — com o o foi, aliás, para o E stado. Sem d ú v id a, a renovação do Padroado
m anteve aqu ela n u m a posição su b altern a em relação a este. O s bispos, m enos isolados
nas cadeiras parlam en tares que an tes, tom aram co n sciên cia do peso q u e tinh am na
sociedade e no Estado, assim com o do p ap el q ue p o d iam d esem p en h ar ju n to a um
clero d ivid ido . Foi um perío do d ifíc il p ara a a lta h ie ra rq u ia , q ue perceb eu como a
politizaçao do clero criava facções no seio d a Igreja e a e n fraq u ecia , ab rin d o a porta a
num erosas críticas, h ab ilm en te u tiliz ad as pelo E stado p ara red u zir a au to n o m ia da
in stituição . U m novo sopro ren o vad o r im p ô s, pouco a p o uco , a id éia de u m a reforma
co n trária à q ue era p reco n iz ad a pelo s ad ep to s de u m a Ig re ja c ató lic a nacional,
desvinculada de R om a, sem as ordens religio sas e com u m clero secu lar liberado do
celibato.
Em torno de dom R o m u ald o de S o u sa C o elh o , bispo do P ará en tre 1819 e 1841,
form ou-se um p rim eiro n ú cleo , de q ue fez p arte d o m R o m u a ld o A n tô n io de Seixas,
futuro arcebispo da B ah ia. C o nservadores e hostis à In d ep en d ên cia do B rasil, esses
bispos, aos quais veio ju n tar-se m ais tard e do m M arco s de S o u sa, bispo do M aranhão
(1 8 2 7 -1 8 4 2 ), foram os p rim eiro s a su sten tar o p rin cíp io de u m a reform a in tern a da
Igreja e a apresentar os m eios p ara realizá-la. M a is tard e, ju n tara m -se a eles dom
A ntônio Ferreira V içoso, bispo de M a ria n a (1 8 4 4 —1 8 7 6 ), e d o m A n tô n io Jo aq u im de
M elo, bispo de São P aulo (1 8 5 1 - 1 8 6 1 ). T rid e n tin o em sua essência, o program a de
reformas lançado por eles se resu m ia a três pontos: fazer do clero brasileiro um corpo
instruído e sadio — o exercício de sua m issão e sp iritu a l d ev ia su p lan ta r suas atividades
políticas , trabalhar pela in stru ção religio sa do povo através d a catequese e assegurar
a independência da Igreja em relação ao po d er tem po ral. Esse program a, que revelou
os novos com portam entos d a h iera rq u ia cató lica, era in éd ito no B rasil: pouco a pouco,
os bispos reform adores im puseram u m a im agem m ais sacralizada do clero, sem deixar
de exortá-lo a perm anecer atento aos debates políticos. Por outro lado, a hierarquia e o
clero, ao tom arem em mãos os destinos da Igreja, d im in u íram a im portância das
irm andades religiosas na form ação da religio sidade popular. F inalm ente, à m edida que
se passou a apelar cada vez m ais para a auto rid ad e de Rom a, as relações entre Igreja e
Estado brasileiros tornaram -se conflitantes, dem onstrando que o episcopado estava
determ inado a rom per com o passado. Um exem plo dessa evolução pode ser percebido
nas relações da Igreja com a m açonaria, que tinha num erosos m em bros na alta adm i­
nistração do Estado. As duas instituições se haviam unido dian te dos problem as po líti­
cos enfrentados pelo país entre 1 8 2 2 e 1 8 4 0 . M as a nova condenação, por Rom a, das
L iv ro V- A I g r e ja
315

lojas maçònicas levoo a Igreja Católica do Brasil a uma hosulidade que desempenhou
papel d ete rm in a n te q u an d o da Q u estão dos Bispos, em 1872.

O E p is c o p a d o B r a s il e ir o e o E sta d o :
da A pa r e n t e S u b m is s ã o à R e v o lta A berta (1840-1890)

Essa segu n d a fase foi m arcad a p ela ‘ ro m an ização ’ d a Igreja, que se tornou menos
nacional. E sboçou-se en tão u m am p lo m o vim ento em favor d a au to n o m ia em relação
ao E stado, a firm a n d o -se q u e os b rasileiro s eram , an tes de m ais nada, "católicos rom a­
nos” e não "cató lico s do C o n selh o do E stad o ”. A Igreja se tornou m ais intransigente
em m atéria de o rto d o x ia. A p o stu ra de ‘d o n a d a v erd ad e7 foi reforçada depois da
proclam ação, em 1 8 7 0 , d o d o g m a d a in fa lib ilid a d e do p ap a, defen dido ardorosam ente
pelo ep isco p ad o brasileir.o. Este tam b ém su sten tav a que a verdade era sem pre católica,
e o erro, sem p re lib e ra l e p ro testan te. Essas posições rad icais fizeram da Igreja um a
in stitu ição m ilita n te . E n tre os bispos, p red o m in av a a id é ia de u m a vasta conspiração
d irigid a co n tra a Igreja, q u e d evia ser co m b atid a a q u alq u er preço. É claro que tal
com bate era e m in e n te m e n te co n servad o r, d irig id o co n tra as idéias liberais, “novidades
nocivas do sé cu lo ”. C o m o d o n a d a verdade, a Igreja devia com b ater o “m undo de
erros”, q u e e n co n tra v a eco no governo e era estim u lad o por ele. Isso exigia autonom ia.
Dom V ita l, bispo de O lin d a , um dos p rin cip ais personagens da Q uestão Religiosa,
proclam ava c ate g o ric a m e n te : “O s p rín cip es e os m onarcas são ovelhas de Jesus Cristo
e não seus pasto res; são filh os d a S an ta M a d re Igreja e não seus pais; são súditos e não
prelados.”35 Essa asp iração p o r a u to n o m ia e o desejo de afirm ar a universalidade da
Igreja C a tó lic a c o n d u z iu o ep isco p ado a u m a u n ião m ais ín tim a com Rom a, o centro
da ortodoxia.
Em 1 8 7 0 , 57 b rasileiro s (dezoito de P ernam buco, oito do C eará, oito do Rio
G rande do N o rte, sete d a B ah ia, um d a P araíba, um de Sergipe, doze do Rio G rande
do Sul c dois dc S an ta C a ta rin a ) já estudavam no S em in ário Latino-A m ericano de
Rom a A 1 A ação dc Pio IX tam bém in flu iu m u ito nessa reaproxim ação; para estreitar as
relações, cie ch am o u os bispos a Rom a em três ocasiões: a proclam ação do dogma da
Im aculada C o n ceição (1 8 5 4 ), a celebração do XIX C en tenário da M orte dos Apósto­
los Pedro e Paulo (1 8 6 7 ) c a reunião do C oncilio do V aticano (1 8 6 9 -1 8 7 0 ). Finalmente,
a ínvasão dos Estados p o n tificais c sua perda pela Santa Sé despertaram um movimen
to de so lid aried ad e, inclusive com coletas nas igrejas para aju d ar o papa, apresentado
como vítim a dc in ju stiças. A romani/.ação da Igreja provocou m aior hostilidade dos
meios liberais, q ue não viam com bons olhos essa aproxim ação com a Santa Sé.
T enho que abrir parciitcsis aqu i, para esclarecer qual a situação da Igreja por
volta da década de 1870, qual sua influência no conjunto da populaçao e por que
essa Igreja suscitou nos m eios liberais um a hostilidade que a con uziu a atitu es
pol iticam ente m ilitan tes.
316
B a h ia , S é c u l o XIX

U ma I g r e ja so b T utela

Por volta de 1870, a Igreja C a tó lica b rasileira tin h a u m a arqu id io cese e onze dioceses.
D urante o S egu ndo Im pério ( 1 8 4 0 - 1 8 8 9 ), n u m a época em q ue o país já tin h a 14,3
m ilhões de h ab itan tes, só du as dioceses foram criad as, a de D iam an tin a (M G ) e a do
C eará. A dom A n tô n io de M aced o C o sta, bispo do P ará, q ue p ed iu a divisão de sua
im ensa diocese, dom Pedro II resp o n d eu q ue ele p ró p rio a d m in istra v a u m território
m aior que toda a A m azô n ia!37 ‘
Em com pensação, n in gu ém p o d ia acu sar o im p erad o r de escolher bispos incom pe­
tentes, já que a San ta Sé aceito u sem restrições todos os in dicado s. C o m o vim os, entre
esses bispos reinava u m espírito reform ista, que ab ran gia todas as dioceses, sobretudo
com a colaboração dos cap uch inh os, dos lazaristas e de m u itas congregações femininas
que se estabeleceram no B rasil a p artir de m eados do século XIX. Esse vento reformista
foi, entretanto, fonte de m uitas tensões entre u m a Igreja q ue se dizia herdeira distante do
C o ncilio de T ren to e u m governo que, antes de m ais n ad a, q u eria ser visto com o liberal.
As reform as alm ejad as p ela h ie ra rq u ia en v o lv iam so b retu d o o clero, m as se torna­
vam difíceis por cau sa d a d ep en d ên cia d a Igreja. A p en as o E stado estava autorizado a
nom ear padres e criar novas p aró q u ias. C a b ia a cad a bispo ap resen tar candidatos,
geralm en te selecionados através de exam es, ap resen tad o s em grup o s de três e listados
por ordem de preferência. A co m p an h ad a do cu r r icu lu m v ita e dos can d id ato s e de um a
carta do bispo ju stifican d o a esco lha, a lista era e n v iad a ao im p erad o r, q u e por vezes
não levava em con ta a in d icação e n o m eav a, p o r exem p lo , o ú ltim o colocado ou
m esm o alguém q ue não fora co g itad o , o q u e in co m o d av a os prelados.
C onscientes das d ificu ld ad es d eco rren tes dessa d ep en d ên cia, os bispos procura­
ram ad q u irir, pelo m enos, u m a a u to n o m ia e sp iritu a l q ue lhes p erm itisse assum ir, em
relação ao clero, u m statu s su p erio r àq u ele o cu p ado p ela au to rid ad e tem po ral. M as,
sem desencadear u m a oposição fro n tal a seus bispos, o clero freq ü en tem en te adotou
atitudes incom patíveis com o novo esp írito q ue a Igreja ten tava im po r.
C om novos decretos, o E stado d o m in av a cad a vez m ais a Igreja: em m aio de 1855,
o governo reforçou sua po stura co n tra as orden s regu lares, p u b lican d o um a circular
que suspendeu o funcio nam ento dos no viciados; em p rin cíp io provisória, a m edida
vigorou durante dezenas de anos, com o se tivesse por objetivo extin gu ir as ordens.
U m a p o rtaria p u b licad a em o u tu b ro de 1 85 9 reg u lam en to u a co n stitu ição do
patrim ônio que q u alq u er can didaro ao sacerdóçío devia ter para ser ordenado: daí em
diante, esse patrim ônio passou scr descontado da côngrua recebida pelo padre (e pago
pelo Estado). Em 1862, os bispos passaram tam bém a ter residência obrigatória,
dependendo de perm issão im perial para sair de suas dioceses. Em 1863, a nomeação
de professores para os sem inários passou a ser sub m etida à aprovação do im perador,
que desejava exercer controle sobre certas disciplinas.
M as foi a lei n° 1.191, de 28 de m arço de 1857, que provocou os maiores
protestos: ela regia a com petência, a interposição, o efeito e a forma do julgam ento
L iv ro V- A I g r e ja
3 17

de recursos à C oroa. O poder tem poral tornou-se juiz de atos eclesiásticos O pará­
grafo 3° do artigo 1° declarava que cabia recurso à Coroa sempre que houvesse vio­
lência notória no exercício do poder esp iritual, suspendendo assim o direito natural
ou os Cânones da Igreja C a tó lica .38 Em 1866, dom A ntônio de M acedo Costa bispo
do Pará, resum iu a situação da Igreja; “O governo ingere-se em tudo e quer decidir
sobre tudo ( .. .) . E assim vão os avisos, os decretos, as consultas dos magistrados
seculares su b stitu in d o pouco a pouco os cânones da Igreja.”39 A ingerência do Esta­
do na vida esp iritu al da Igreja só p o d ia provocar união e protestos por parte dos
prelados: “A catequese, a resid ên cia dos párocos, o noviciado dos conventos, a adm i­
nistração das igrejas deles, os estatutos das catedrais e dos sem inários, a organização
que se lhe deve dar e até os nom es que lhes com petem , as condições que se devem
exigir para a adm issão às ordens — tu d o isto o G overno ju lg a ser da sua alçada”,
escreveu em 1863 dom M aced o C o sta, co n cluin d o : “Escravidão, e escravidão igno-
m iniosa, é o q ue q u ereis im p o r, com vossas teorias de Estado pagão, de Estado sem
Deus, de Estado fo nte e critério de todos os direitos, absorvendo o cidadão todo
inteiro { ...). E scravidão d u ra e ign o m in io sa é esse Estado civil de m itra e báculo,
governando a I g r e ja ...”40

P r á t ic a s R e l i g i o s a s e P o l í t i c a s d a E l it e L e ig a

A oposição entre Ig reja e E stado foi alim en tad a pelas posições doutrinárias da elite
leiga do país. De m odo geral, povo e elites não eram católicos no sentido estrito da
doutrina ortodoxa. O ‘país le g a l’ se declarava católico, mas o ‘país real’ vivia à margem
da fé rom ana. M a jo ritaria m e n te ign orante e iletrado, o povo vivia com um a religião
que m antinh a relação quase sensível com D eus e os santos, m aterializados em im a­
gens, ramos e escapulários. As pessoas se recom endavam aos santos de sua devoção,
único recurso disponível d ian te das dificuldades e opressões de que eram vítim as no
cotidiano. A traídas por m istério s, apreciavam estórias de m ilagres, principalm ente
quando estavam ligad as a curas, o que, aliás, ain d a hoje é atestado pelos milhares de
ex-votos que ornam as ‘salas dos m ilagres’ de m uitos santuários. Os populares parti­
cipavam pouco dos sacram entos. Confissões e com unhões eram raras fora do ciclo
pascoal, O batism o servia m ais para inserir a crian ça na sociedade civil do que como
sinal dc que havia nascido um a nova criatura de Deus. A religião do povo era mais
uma religião de paixão que de ressurreição. Ela se manifestava melhor numa procissão
do Senhor M orto que no T riu n fo E ucarístico. 1
O papel do padre era relativam ente pouco im portante, já que a religiosi a
popular se apoiava sobretudo cm orientações leigas (rezadeiras de terços, be ^
etc.) ou em im agens m ilagrosas c outros objetos protetores (me as, ros^
escapulários, fitinhas etc.) munidos dc poder suficiente para resolver todas as situações.
Para o povo, a Igreja era “a propriedade dos padres”; ela era vista mais como expressão
318 B a h ia , S é c u l o X IX

da lei do que com o in term ediária na relação pessoal com D eus, N as palavras do padre
Jú lio M aria, um dos m ais im portantes teólogos brasileiros do fim do século XIX, o
catolicism o estava reduzido a “cerim ônias que não edificam , a devoções que não
apuram a esp iritualidade, a novenórios que não revelam fervor, a procissões que ape­
nas divertem , a festas que não aproveitam nem dão gló ria a D eu s.”43
No m eio desse povo ignorante e iletrado , cu ja religio sidade in q u ietava os meios
clericais, destacava-se um pequeno núm ero de pessoas cultas e instruídas. U m a boa
m aioria dessa elite era cató lica por h áb ito , por tradição e por conveniência social.44
U m a m ino ria ín fim a tin h a acesso à esp iritu alid ad e da Igreja e seguia fielm ente a
orientação dos prelados, tornando-se para eles, nos m om entos difíceis, um apoio
apreciado.45 Essa m in o ria co m p artilh av a os ideais u ltram o n tan o s do neocatolicísm o,
que afirm ava a sup rem acia papal e se in su rg ia co n tra a id éia de um Estado sem
religião, isto é, leigo e n eu tro .46
No outro grupo, duas ten d ên cias se d elin eavam ; u m a, regalista, predom inante na
prim eira m etade do scculo XIX, pregava a união dos poderes esp iritu ais e temporais,
concedendo de fato sup rem acia ao E stado sobre a Igreja; outra, u ltralib eral, tentava
obter do Estado um verdadeiro lib eralism o religio so . Esta ten d ên cia era form ada por
liberais, republicanos e positivistas. Estes, adeptos da R ep ú b lica, consideravam o Es­
tado como o ponto cu lm in an te da sociedade e não p o d iam aceitar a proposta de uma
Igreja que se colocava acim a das in stitu içõ es seculares. A atitu d e dos positivistas,
porém , foi m uito m enos rad ical e m u ito m ais am b íg u a q u e a dos liberais. N a prática,
os positivistas adotaram com o m issão su b stitu ir a velha fé da população católica por
um novo credo, um a religião cien tífica e h u m an a. E nquanto os lib erais lutavam aber­
tam ente contra a 1im agem u ltram o n tan a d a Igreja, os po sitivistas se lançaram numa
política racionalista, baseada nos en sinam ento s de A uguste C om te.
Em sua lu ta contra os lib erais, os po sitivistas se apoiavam em alguns pontos
essenciais da d o u trin a da Igreja, com o d ireito de propriedade, proteção à fam ília e
m oralidade pública. Eles estim ulavam a particip ação da Igreja n a v id a pública, mas
com a condição de que ela e o Estado se separassem . A ceitavam um a vasta participação
da Igreja na vida social, mas contavam tirar proveito da tradição católica do povo
brasileiro para im p lan tar sem m u ita d ificu ld ad e seu próprio projeto de um a sociedade ■
leiga, com um governo au to ritário e racional. Enfim , os positivistas seguiam uma
estratégia na qual a Igreja servia de instrum ento para sua penetração nas camadas
populares, razão pela qual evitavam qualqu er tipo de conflito com ela.47
Houve confronto sobretudo com os ultraliberais, que defendiam , em relação à
Igreja, um a política de Estado ain d a mais tem ida e execrada pelos católicos do que a
inspirada pelos princípios e prática regalistas. Pregavam a laicização do Estado e a
secularização das instituições públicas c privadas. No plano dos princípios, proclama­
vam a neutralidade do Estado em m atéria dc religião e, como conseqüência lógica, a
separação das duas instituições. D ebatidas na imprensa, essas idéias foram objeto de
vários projetos apresenrados nas casas legislativas. A m açonaria, por sua vez, tomou
L ivr o V - A Igreja 319

pane no com bate a favor da liberdade religiosa e do afastam ento da Igreja brasileira em
relação a R om a e às ordens religiosas estrangeiras. Entre elas, a C o m p an h ia de Jesus era
especialm ente visada. 1 T ratava-se, sobretudo, dc libertar o país de q u alq u er influência
clerical. C uriosa atitu d e, q u an d e se sabe que, nessa época, todo bom m açom era, antes
de tudo, bom cató lico (o u , pelo m enos, pensava que era).
Para executar esse projeto, os u ltralib erais lideraram um a dupla ação: no plano
ideológico, apoiaram e foram apoiados por correntes de pensam ento hostis à filosofia
e à d outrina cristãs, com o o po sitivism o , o m ateriaiism o haeckelíano, o naturalism o
criticista, o d an v in ism o e o ev o lu cio n ism o sp en cerian o ,49 cujas teorias eram estudadas
nas faculdades de d ireito e em outras escolas superiores do país, além de abertam ente
discutidas em in ú m ero s pan fleto s e na im p ren sa. Q ual era a a titu d e da Igreja diante
dessa agitação e sp iritu a l, q u e aliás se in tegrav a perfeitam en te ao processo de m oderni­
zação do E stado b rasileiro , visan d o à refo rm u lação dos esquem as e m odelos de com ­
portam ento e à m u d an ça de seus valores m o rais?50
Além de co n d en ar esses sistem as filosóficos e as correntes po líticas que os apoia­
vam, ela se apresen tava com o defensora d a au to rid ad e, d ian te de um a liberdade exces­
siva; do statu q u o , d ia n te d a b u sca caó tica de u m a nova ordem ; da tradição, diante de
inovações sem pre p erig o sas.51 Era u m a a titu d e q ue levava T avares Bastos a in citar a
que todos se levantassem p ara co m b ater “o in im ig o invisível e calado q ue nos persegue
nas trevas. Ele se ch a m a esp írito c lerical, isto é, cadáver do passado. Somos o espírito
liberal, isto é, os artesãos do fu tu ro .”52
A estratégia u ltralíb era i lan çava m ão de todos os m eios para atin g ir o ‘público
esclarecido’. Suas idéias eram d ifu n d id as po r artigos de jo rn ais, pela publicação de
livros e, sob retu do , p ela discussão em club es, salões, escolas e parlam entos. A isso,
acrescentavam -se as cam p an h as lid erad as pelo baian o R u i Barbosa e por T ito Franco
de A lm eida, sem falar n aq u elas, agressivas, de um S ald an h a M arin h o ou de um Tavares
Bastos.53 Em 1874, u m a representação apresentada à A ssem bléia Geral pelos ultraliberais
Tavares Bastos, Q u in tin o B ocaiúva, V ieira Ferreira, F.J. de Lcmos e J. do C outo
C outinho resum ia as pretensões dessa corrente: in teira liberdade e igualdade para
todos os cultos; abolição da Igreja oficial e sua em ancipação do Estado, com supressão
dc seus privilégios; ensino p ú b lico separado do ensino religioso; instituição do casa­
mento civil ob rigatório ; registro civil dos nascim entos, casam entos e óbitos; seculari-
zação dos cem itérios.
Es.sc con jun to dc reivindicações era reforçado por com portam entos julgados revo­
lucionários pelos ultram o ntan os, porque visavam a sccularizar a política c, por esta via,
“anular a influência po lítica do clcro ”.54 A crescente laicização do Estado, entretanto,
não decorria unicam ente de que os liberais desejassem im por seus princípios. Dois
outros fatores pesavam m uito nessa orientação: a im igração de estrangeiros não cató­
licos e os problem as escolares. .
Por volta da década de 1 870, a necessidade de m ão-de-obra era cada vez m aior,
sobretudo na agricultu ra. Finda a im igração africana forçada, a Europa tornou-se o
B a h ia , S é c u l o XIX
320

p rin cip al fornecedor de m ão -d e-o b ra p ara o B rasil. E ntre os novos gru p o s d e im i­


grantes, h avia protestantes, q u e a Ig reja v ia com d esco n fian ça, po is sua p resen ça am e­
açava rom per a u n id ad e religio sa do país. Em 1 8 6 9 , o e d ito r ia lis ta do jo rn a l católico
O A póstolo escrevia: “A P ro v ín cia do R io de Ja n e iro tem g ra n d e n ecessid ad e de ser
povoada. N ecessita u m a p o p u lação lab o rio sa e ú til, m as ta m b é m h o m o g ên ea quanto
a prin cípio s po líticos e religio so s. Esta h o m o g e n e id a d e d e p rin c íp io s deve ser a base
da colonização e a p reo cup ação m a io r do le g isla d o r. T ra z e r co lo n o s q u e são co n trá­
rios às nossas crenças ( . . . ) é d e stru ir o bem q u e se d eseja fazer pelo m al q u e, in e v ita ­
velm en te, causarão os p rin cíp io s h etero gên eo s dos co lo n o s; é im p la n ta r, senão a u ­
m entar, a a n arq u ia na q u a l vivem os. 55
Do ponto de v ista legal, os gru p o s d e im ig ra n te s n ão cató lic o s in sta la d o s no B rasil
se encontravam n u m a situ ação m u ito em b araço sa. E m p rim e iro lu g a r, só o casa­
m ento cató lico era o ficialm en te reco n h ecid o , e só ele co n fe ria d ire ito s. C o m o o re­
gistro das certidões de b atism o , casam en to e ó b íto estav a nas m ão s d a Igreja, o casa­
m ento de não cató licos não era reco n h ecid o e seu s filh o s, n ão p o d en d o ser registrados,
não tin h am existên cia leg al. A lém d isso , q u a lq u e r c a n d id a to a u m cargo no E stado, ou
até a um lu g ar nas escolas su p erio res, era o b rig a d o a p restar ju ra m e n to de fé católica.
A lei eleitoral tam bém im p e d ia , em to do s os n ív eis, a e le iç ã o de não cató lico s. Estes
nao eram cidadãos em to d a a acep ção do term o . Só em 1 8 7 9 os fu n cio n ário s do
Estado foram dispensados do ‘ju ra m e n to católico* e de q u a lq u e r o u tro ju ram en to
religioso, e só a p artir de 1881 a lei e le ito ra l (L eí S araiv a ) p e rm itiu a eleição de não
católicos.56
O Estado se esforçou por la ic iz a r o en sin o a p a rtir d a d écad a de 1 8 3 0 , quando
escolas p rim árias com eçaram a ser co n fiad as a m estres leigo s e foram criad as escolas
norm ais destinadas à form ação de professores. M as o en sin o p erm an eceu , de m odo
geral, nas m ãos da Igreja. N u m ero sas co n gregaçõ es religio sas estran g eiras abriram
estabelecim entos escolares, e m u ito s p artic u la re s leigo s q u e en trav am nesse ram o eram
próximos da Igreja. M esm o nas escolas m an tid as pelo E stado, o en sin o religioso era
obrigatório e tão im p o rtan te q u an to o ap ren d izad o do alfab eto.
Na década de 1860 o m o vim ento em favor d a lib erd a d e d e en sin o cresceu entre os
liberais, favoráveis à m u ltip licação das escolas p rivadas e à supressão do ensino re­
ligioso em todos os estabelecim entos escolares. No q ue toca à supressão do ensino
religioso, a vitória dos u ltralib erais foi lim itad a : o b tiveram apenas a dispensa das aulas
de instrução religiosa para os alunos não cató lico s.57 Para a Igreja, a liberdad e de
ensino trazia dois grandes perigos que deviam ser evitados a todo custo: a abertura de
co as e colégios protestantes c o fim do ensino religioso, que desem penhava im portante
P P no program a de reformas desejado; suprím i-Io era desfechar um duro golpe
ortga tradição c privar a Igreja de um poderoso instrum ento de influência.
‘ ■a ^ m *ca<’ *5es aPrcscntadas pelos u ltraliberais levavam a um desfecho lógico e
, ... \ a entre Igreja e Estado. Nesse confronto entre ulcram ontanos e
ultraliberais, qual foi a atitude do Estado?
La n o Y - A I g r e j a 321

Antes da explosão da Q uestão dos Bispos em 1872, o Estado vetou obstinadam en­
te todos os projetos apresentados pelos ultraliberais. O im perador considerava a sepa­
ração um a valam idade que devia ser evitada a qualquer custo; só o statu quo podia
garantir a paz e a ordem so cial.'* Sobre esse ponto a atitude do Estado coincidiu com a
da Igreja, hostil a q u alq u er separação; hierarquia e leigos católicos lutavam pelo fim da
rurela do Estado sobre a Igreja, mas defendiam o princípio de união entre as duas
instituições. A Igreja, aliás, sem pre apoiou essa posição com firm eza (depois, eia afir­
mou que a separação foi im posta pelo poder tem poral). Em sua pastoral coletiva de
1890, quando era im in en te a separação, os bispos brasileiros defenderam que a inde­
pendência da Igreja d ian te do Estado não se podia traduzir em separação: uEm nome
da ordem social, em nom e da paz p ú b lica, em nom e da concórdia entre os cidadãos,
em nome dos direito s da co n sciên cia, nós, católicos, rejeitam os a separação entre a
Içreja e o Estado; exigim o s a u n ião en tre os dois poderes.
A paz entre a Igreja e Estado foi possível en q u an to ninguém defendeu as prerroga­
tivas da p rim eira fren te à proteção sufocante do segundo e de suas intervenções na
cam po e sp iritu al. A Q u estão R eligio sa, ou Q uestão dos Bispos, serviu para esclarecei
contradições e m al-en ten d id o s q ue já existiam entre as duas instituições.

Q u fa tã o R e l ig io sa o u Q u e stã o d o s B isp o s

A historiografia trad icio n al apresen tou a Q uestão R eligiosa com o um conflito entre
bispos brasileiros c a m aço n aria. Esta ú ltim a, sem dú vida, desem penhou im portante
papel na vida p ú b lica do país e nessa q uestão .00 M as hoje a interpretação acim a foi
abandonada cm prol de u m a an álise m ais am p la e m ais rica, que vê no conflito entre
igreja e Estado a expressão b rasileira da oposição universal entre liberalism o triunfante
e ultram o n tan ism o conservador e in tran sigen te,^ 1 A Q uestão R eligiosa, no entanto,
marcou uma ru p tu ra en tre os destinos da Igreja C ató lica e da m onarquia no Brasil,
pois enfraqueceu esta ú ltim a e co n trib u iu para desacreditar, até mesmo entre os cató­
licos, a união das duas in stitu içõ es.162 _
O conflito com eçou em 18 7 2 , q uando dom Pedro M aria de Lacerda, bispo do Rio
de Janeiro, suspendeu o padre maçom A lm eida M artins, que fora orador oficial de
utrta festa organizada pela loja do Cirande O rien te do L aviadio em comemoração à Lei
do V entre Livre, p rom ulgada cm 28 de setem bro de 1871. O hom enageado fora o
Visconde dc Rio B ranco, presidente do Conselho dc M inistros, autor da let e grao-
mestre da m açonaria brasileira. Esta reagiu h punição com um manifesto, publicado
em abril de 1872, defendendo o prin cípio dc qnc um maçom podia s c r ' u m bom
católico: o fato dc pertencer a um a loja não excluía o compromisso com a Igreja. O
m anifesto afirm ava que a suspensão do padre expressava o espírito uítram om ano e
jesuíta da Igreja, disposta a se opor à m açonaria. O ra, essa oposição estava bem
explícita desde o século XVIII e vinha sendo reafirm ada em uma longa série de docu­
322 B a h ia , S é c u l o XIX

m entos preparados por diferentes papas: as co n stitu içõ es In em in en tt, de C lem en te XII
(1 7 3 8 ), P rovida s , de Bento X IV (1 7 5 1 ), E cclesiam in Jesu C hristo, de P io VII (18 21 ),
Q uo gra viora , de Leão XII (1 8 2 5 ); a en cíclica Q ui p lu rib u s e a alocução Q uibus
quantisque, de Pio IX (1 8 4 6 ); além das en cíclicas N oscitis e t n oh iscu m (1 8 4 9 ) e Quanto
co n ficia m u r m o erere (1 8 6 3 ), d a alo cução S in gu la ri q u a d a m (1 8 5 4 ) e d a constituição
A postolicae sed is (1 8 6 9 ).
A partir d a suspensão do padre M a rtin s , os ataq u es d a m aço n aria à Igreja se
tornaram vio lento s. N um erosos artigo s foram p u b licad o s n a im p ren sa. A cam panha
sistem ática de d ifam ação ch ego u a passar aos ato s, fazendo-se celeb rar um a missa,
apesar da in terd ição do bispo dom P edro M a ria . A ig re ja fico u ch eia de gente e o
bispo, segu in do os conselhos d a n u n c ia tu ra , não o u so u su sp en d er o celeb ran te.63
O co m p o rtam en to arro g an te d a m a ç o n a ria e as cam p an h as p ara rid icu larizar a
Igreja e sua h iera rq u ia levaram os bispos b rasileiro s a to m ar p o sição . In icialm en te de
caráter localizado, o co n flito alcan ço u d im en sõ es n acio n ais com a in terven ção de dom
V ital M a ria ,64 bispo de O lin d a (PE ), e de d o m A n tô n io de M aced o C o sta ,65 bispo do
Pará. Estes dois prelados passaram à co n tra-o fen siv a, ex ig in d o q u e as irm andades
religiosas e de ordens terceiras d em itissem seus m em b ro s q u e fossem m açons. As
irm andades resistiram , d eso b ed ecen d o aos p relad o s e o b rigan d o -o s a suspendê-las.
Elas ap elaram então ao im p erad o r, aleg an d o q u e tin h am caráter m isto — eram , ao
m esm o tem po , in stitu içõ es civis c religio sas — e, p o r isso, deviam respon der a duas
autoridades: os bispos (em questões e sp iritu a is) e o E stado (em questões tem porais).
Em seguid a, lem bravam q u e o governo b rasileiro n u n ca ra tific ara os docum ento s do
V aticano que con denavam fo rm alm en te a m a ç o n a ria ,66
O C onselho de Estado d e lib e ro u , às pressas, q ue os bispos tin h am “usurpado a
jurisd ição do poder tem p o ral” e q u e era “d a co m p etên cia exclu siv a do poder civil
presidir à co n stitu ição o rgân ica das irm a n d a d es” (p elo P ad ro ad o , cab ia ao im perador
aprovar os com prom issos q ue regiam as co n frarias e as ordens terceiras).67 O rdenou,
por conseqüência, a rein tegração dos m açons e p ro ib iu q u a lq u e r nova expulsão.
A decisão do C o n selh o de E stado foi im e d iata m e n te rejeitad a pelos prelados.
Dom V ital M aria d eclaro u ser “m ais im p o rtan te o b edecer a D eus q ue aos hom ens ,
reafirm ando que, cm m atéria religio sa, o po der tem p o ral d evia estrita obediência à
Igreja: Sc o governo b rasileiro é cató lico , não som ente ele não pode ser o chefe ou o
superior da religião católica, m as é até seu sú d ito ”. A firm ando que seria um a apostasia
da fé reconhecer a au to rid ad e do poder civil na co n dução das questões espirituais,
dom M acedo C o sta acrescentou: “Não posso sacrificar-lh c m in h a consciência e a lei
de D eus.”68
A atitude altan eira c in tran sigen te dos prelados acionou um a terrível engrenagem .
O procurador da C oroa denuncio u dom V ital em 10 de outubro de 1873, baseando
sua argum entação em nada menos do que sete artigos do C ó digo C rim in al. Recusan­
do-se a reconhecer a com petência do governo nessa m atéria, o bispo foi form alm ente
acusado pelo Suprem o T rib u n al de Ju stiça que, em 2 2 dc dezem bro, expediu um
L iv ro V- A I g r e ja 32 3

m andado d e p risão , c u m p rid o em R ecife em 2 de jan eiro de 1874. Levado à prisão do


A rsenal, no R io , do m V ita l op tou pelo silên cio — q ue representava o não-reconheci-
m ento da ação d a Ju stiç a ao lon go do processo in icia d o em 18 de fevereiro, mas foi
defendido por dois gran d es ju rista s da época, C â n d id o M endes de A lm eid a e Z acarias
de G óis e V asco n celo s, q u e tam b ém eram senado res, con hecido s por seu grande fervor
católico e po r d efen d erem a m ais estrita o rto d o xia. T en taram afastar os aspectos
políticos q ue o processo co m p o rtav a, p ara ater-se ex clu sivam en te ao terreno ju ríd ico ,
o que, do p o n to d e v ista p e n a l, p e rm itiria m in im iz a r as ações do bispo, evitando assim
um a co n d en ação . F racassaram . As im p licaçõ es p o líticas eram o verdadeiro pano de
fundo do caso. O ju lg a m e n to d u ro u três d ias e term in o u com a con denação de dom
V ital a q u atro anos de trab alh o s forçados, p en a co m u tad a depo is, em 12 de m arço, em
prisão sim p les.
O in d ic ia m e n to d e d o m M a c ed o C o sta seg u iu o m esm o percurso. Preso em 28 de
abril 1 8 7 4 , o b isp o do P ará foi ju lg a d o en tre 2 7 de ju n h o de I o de ju lh o do m esmo
ano. T am b ém o p to u pelo silê n c io d u ra n te o processo e foi d efen dido por Ferreira
V ianna e Z acarias de G ó is e V asco n celo s. A co n d en ação de dom V ital tornara previ­
sível a sentença. D om M a c ed o C o sta teve a m esm a pen a do bispo de O lin d a, tam bém
com utada em p risão sim p les em 23 de ju lh o do m esm o a n o .69
Entre o in íc io do co n ten cio so e o en carceram en to dos dois bispos, surgiu um
aco ntecim en to co n sid erad o p ela g ran d e m aio ria dos h isto riad o res brasileiros com o
“um au tên tico ab su rd o d ip lo m á tic o ’3.70 Em agosto de 1873, o im p erado r enviou o
Barão de P enedo à S a n ta Sé. P or q u ê ?.Q u a l o papel dessa m issão d ip lo m ática, quando
o governo não tin h a a m ín im a in ten ção de ceder e até apressava o ato de acusação
formal aos bispos? O q u e b u scav a o enviado especial a R om a, já q u e os espíritos não
estavam voltados p ara a co n ciliação ? A m issão seria oportuna? R oque Spencer M aciel
de Barros p arece d ar u m a resposta clara a essas questões, dissociando a Q uestão dos
Bispos e o o b jetivo d a m issão Penedo: evitar, no fu tu ro , q u alq u er ato de insubordina­
ção dos prelados b rasileiro s. N o racio cín io do m onarca, a união com a Igreja deveria
scr m antida, apesar d a p u n ição aos bispos que tin h am ferido a m ajestade im perial.
Eram ousadas as pretensões do governo, q ue p edia sim plesm ente que R om a se curvas­
se à sua vontade. M as essa pretensão não era co n trad itó ria com a idéia que o governo
tinha de suas próprias prerrogativas.
Apesar das d ifíceis negociações com Pio IX e seu secretário dc Estado, o cardeal
AntonelH, a m issão pareceu a tin g ir seu objetivo: em 2 0 de dezem bro de 1873, o Barão
de Penedo enviou um a carta ao m inistro das Relações Exteriores, o Visconde de
Caravelas, inform ando-o da decisão do papa de adm oestar o bispo de O linda, exigin­
do que levantasse o in terd ito que atin gia as igrejas de sua diocese. Isso não significa
que o papa tivesse acatado os questionam entos sobre a condenaçao da m a ç o n a r ia , nem
as alegações de que as seitas m açônicas brasileiras eram dderentes das europeias. O
determ inante foi sua inform ação sobre as leis que regiam as confrarias no Brasil,
instituições m istas, subm etidas sim ultaneam ente, como vim os, aos poderes temporal


324 B a h ia , S é c u l o XIX

e espiritual.71 A carta de adm oestação seria escrita pelo cardeal A ntonelli e remetida a
dom V ital por interm édio do núncio, m onsenhor D om enico Sanguigni.
M as o sucesso obtido pelo Barão de Penedo foi irrem ediavelm ente comprometido
pela prisão de dom V ital. Pio IX e seu secretário declararam ter sido enganados pelo
em issário do governo brasileiro e o papa ordenou que a carta fosse destruída. Dom
V ital sempre negou tê-la recebido, mas está provado que dom Pedro M aria de Lacerda,
bispo do Rio, fez a entrega. O recuo do V aticano e sua firm e condenação dos atos que
atingiram os prelados brasileiros tiraram q u alq u er possibilidade de vitória ao governo.
Restava-lhe ir até o fim para m an ter sua autoridade in tacta.72 U m ano após a conde­
nação, os dois bispos foram anistiados e restabelecidos em suas funções pastorais. Essa
m edida, entretanto, não conseguiu abafar um a questão que tinh a tornado públicas as
incom patibilidades que existiam entre as duas instituiçõ es. Pela prim eira vez na histó­
ria das relações entre Igreja e E stado, ocorrera um choque de extrem a violência. Qual
foi sua verdadeira significação?
À prim eira vista, ele parecia ser um a transposição, ao B rasil, da controvérsia entre
liberais e ultram ontanos que agitava a E uropa O cid en tal.73 O que se passava nos países
europeus tin h a im ed iata repercussão no B rasil, pois cada vez m aior núm ero de prela­
dos eram formados sob orientação rom ana. A atitu d e intransigen te e com bativa de Pio
IX levou a h ierarq uia b rasileira a tom ar posições inflexíveis e exasperou os liberais
brasileiros, inclusive aqueles que nao adotavam posições radicais. Q uando foi procla­
mado o dogm a da in falib ilid ad e do papa, a situação se degradou. O Barão de Penedo,
liberal m oderado, pouco suspeito, expressou sua inquietação : “O que está acontecen­
do no Brasil é o que está se passando quase no m undo inteiro. As tendências prepotentes
dem onstradas h o je pelo po d er eclesiástico são a co n seq ü ên cia desse elem ento
perturbador (a in falib ilid ad e po ntificai) introduzido no catolicism o. N a Itália, na
A lem anha e na Suíça, a origem das lutas entre as m ilícias da C ú ria romana e os
governos desses Estados é a m esm a que no B rasil,”71*
Além disso, a Q uestão R eligiosa decorreu de um a união im perfeita entre uma
Igreja que se tornara gradativam ente uítram ontana e um Estado que permanecera
regalista e preocupado em m anter antigas prerrogativas, transformadas em direitos
indiscutíveis. As novas atitudes da Igreja C atólica transparecem nitidam ente nessa
frase de dom V ital: “Não é um governo sinceram ente católico aquele que nada aprova
e nada condena do que a Igreja aprova e condena.” No espírito desse prelado educado
em Roma, não havia dúvida de que o poder temporal devia calcar seus atos e atitudes
nos atos e atitudes da Igreja, Ao pretender impor seus pontos de vista, a Igreja contri­
buía para radicalizar as posições do Estado c dos liberais. Para estes últim os, os bispos
nao deviam julgar os atos do poder tem poral.73
A Questão Religiosa também expressava a vontade de afirmação de um Estado
cioso de suas prerrogativas, s o b r e tu d o duas: o beneplácito imperial para as colações
eclesiásticas e o recurso à arbitragem da Coroa para os casos de divergência entre
cidadãos do Império e fiéis da Igreja. Ambas eram consideradas pela Igreja como
L iv r o V —A I greja
325

inaceitáveis, heret.cas e subversivas, embora estivessem codificadas em textos legais


aprovados pelo Poder Legislativo e tolerados por Roma, que nunca os denunciará
form alm ente. A Q uestão R eligiosa fornecia à Igreja um excelente motivo para tentar
definir os poderes de cada in stituição . Ela recusava sobretudo — e firm em ente — a
ingerência do Estado no cam po espiritual.
F in alm en te, a Q u estão R eligio sa foi o resultado lógico da reform a da Igreja no
Brasil. Q u alq u er esforço nesse sen tid o co n trib u ía para que a Igreja percebesse sua
própria natureza e sua p ró p ria m issão, fazendo fru tificar um a nova consciência que
se chocava com o P adro ado e as p rerro gativas reais. T ornando-se cada vez mais
in tran sigen te no cam po da o rto d o xia, a Igreja não podia m ais calar-se diante da
difusão de d o u trin as q ue ju lg a v a p ern icio sas. Por outro lado, a Q uestão R eligiosa
perm itia aos cató lico s leigo s u n irem -se em torno da Igreja e até encararem a possi­
bilidade de criação de u m p artid o cató lico , apto a defender nas assem bléias as
posições da a lta h ie ra rq u ia .
Por diversas razoes, o projeto de en açao desse partido nao teve m uito sucesso. Ao
recusar person alidade ju ríd ic a ao D iretório N acio n al das Associações C atólicas, funda­
das nas diversas p ro vín cias, o Esrado privou os católicos da possibilidade de criarem
um verdadeiro p artid o . U m a direção central era necessária para coordenar os m ovi­
mentos das associações cató licas, im p rim in d o neles unidade de a çlo , a fim de organi­
zar o partido em todo o p aís.76 M as não foi o caso. A lguns historiadores, como Basílio
de M agalhães, afirm am que a id éia da fundação de um partido católico não foi sufi­
cientem ente m o bilizadora: “Se houvesse no Brasil um a fé cristã sincera e ardente, e
nao apenas palavras estereotipadas, palavras que transform assem o coração e o espírito
daqueles que recebem a água b en ta da Igreja, a questão epíscopo-m açônica teria fatal­
mente levado a u m a revolta arm ad a no país, em defesa dos bispos m ártires ( ...) . É que,
no Brasil, a p o lítica p a rtid ária e os interesses econôm icos sempre prevaleceram sobre
o credo religioso”.77 O utros, como V ilh en a de M oraes, afirm am que houve mobilização,
mas o Estado im p ed iu a criação do partido; apresentam como prova o número de
representações’ enviadas de todos os recantos do Im pério, protestando contra a prisão
c a condenação dos bispos.78
O scar de F igueiredo Lustosa atrib u i o insucesso da iniciativa de fundação desse
partido a causas m ú ltip las, tan to exógenas quanto endógenas. Entre as prim eiras,
citou a h o stilid ad e do Estado e dos parlam entares. Com efeito, conservadores e
liberais m anifestavam m uitas restrições a esse partido, julgado ultram ontano, cleri­
cal, eclesiástico e teocrárico. Os princípios regalisras não podiam ser facilm ente
com patibilizados com as intenções de um partido que, por ideologia, tentaria elabo
rar um m odelo po lítico sacralizado, nostálgico da cristandade medieval, sem levar
cm conta as idéias m odernas que, apesar de am bíguas, continham elementos pro­
gressivam ente incorporados em m entalidades e comportamentos. Essa desconfiança
dos parlam entares era, aliás, com partilhada pela im prensa, de modo geral crítica em
relação à d o u trin a uitram o n tan a e, por conseguinte, às correntes políticas que a
B a h ia . Sficn.o XIX

apoiavam . Acrescentemos que, em todas as províncias, os chefes locais considera­


vam -se am eaçados, inclusive po liticam ente, pelos padres que tentavam conquiStar
ascendência sobre a população. 9
As causas endógenas também foram numerosas. Os brasileiros tomaram como
modelo os partidos católicos europeus que tentaram se afirm ar na década de 1870.®°
Havia, entretanto, uma enorm e diferença entre os meios católicos europeus e brasilei­
ros; na Europa, o pluralism o religioso e a tolerância tinham conseguido se impor, por
necessidade, ao passo que aqui não havia clim a para a liberdade de culto. No Brasil,
o catolicism o era um a religião de Estado, e o governo desem penhava o papel de
defensor dos interesses eclesiásticos. O desejo de form ar um partido católico trazia em
si uma contradição. A lém disso, a grande m aioria dos católicos dem onstrou certa
indiferença em relação ao engajam ento político.
A quela parte do clero que desejava um controle absoluto sobre a vida individual e
social esbarrou nos leigos, que queriam preservar sua independência. Este desejo fica
manifesto quando exam inam os com atenção as diversas facções presentes no ambiente
político. H avia aqueles que, ligando a existência do partido católico à Questão Reli­
giosa, o consideravam in ú til após a an istia aos bispos. O utros católicos, de tendência
liberal e republicana, apoiaram a proposta de form ar o partido, mas nunca aderiram
aos princípios da Syllabus, o que acabou con tribuindo para seu afastam ento. Final­
mente, o próprio clero estava dividido : os padres que integravam as assembléias
legislativas aprovavam , em geral, a p o lítica governam ental. Representantes do baixo
clero, eles se sentiam ligados aos partidos tradicio nais — C onservador e Liberal — nos
quais faziam carreira. Por outro lado, os bispos nunca se engajaram diretam ente junto
àqueles que lutavam para fundar um partido católico. Seu apoio era indireto e se
lim itava à aprovação das associações católicas.
A posição dos católicos da B ahia era representada pelo jo rn al C hronica Religiosa .
Fundado em 8 de dezem bro de 1869, o jo rn al desapareceu em 1874, com a morte de
seu fundador, o arcebispo dom M an u el Jo aq uim d a Silveira. Seguindo a maís estrita
ortodoxia, ele defendia que a m oral era o próprio prin cípio da autoridade e estava na
própria base do trono im perial. Publicava docum entos da Santa Sé, pastorais de bispos
brasileiros, transcrições de artigos de jorn ais estrangeiros e refutações a matérias
publicadas na im prensa liberal de Salvador. A partir de 1872, o jornal dirigiu seus
ataques contra a m açonaria, a C om una de Paris e a Internacional Socialista. Em
novembro de 1873, foi fundada um a Associação C atólica, cujos membros pertenciam
às cam adas mais abastadas da sociedade e defendiam os princípios ortodoxos da Igreja.
Com o todas as assocíaçoes católicas, a da Bahia teve im portante papel na vida política
local, mas jam ais constituiu um verdadeiro partido da Igreja,Ht
Os prelados da Bahia e do Rio dc Janeiro apoiaram os bispos de O linda c do Pará,
mas os do M aranhão e de M ato Grosso mantiveram-se neutros. A falta de unidade dos
meios católicos, as posições utópicas dos ultram ontanos que pregavam um retorno ao
passado — procíamando-se o “partido dc Jesus C risto” ou o “partido da realeza social
L iv ro V- A I g r e ja
327

do C risto " — e sua falta dc fle x ib ilid ad e c dc realism o foram fatores negativos na busca
de um a v erd ad eira so lu ção aos problem as existen tes.82
Aos olhos d a g ran d e m assa do povo b rasileiro , todas essas brigas (e os com prom e­
tim entos q u e o casio n avam ) eram ‘ negócios de gen te im p o rtan te . M esm o ignorando
as questões d e d o u trin a , o povo, in flu en ciad o pelo clero, estava convencido de que a
m aço n aria, bo de ex p ia tó rio d a id eo lo g ia u ltra lib e ra l e p o sitiv ista, era um a ‘coisa erra­
da , que des ia ser e lim in a d a . M as se, em sua g ran d e m aioria, o povo apoiou o clero e
os bispos na defesa d a re lig iã o tra d ic io n a l, u m a p eq u en a m in o ria aderiu ao protestan­
tism o e aos cu lto s a n im ista s q u e co m eçaram a m an ifestar-se na segunda m etade do
século XIX. O p lu ra lism o relig io so , cu ja ex istên cia era ign o rad a pelo Estado e com ba­
tida pela Igreja, se estab eleceu no B rasil no m o m en to preciso em que a separação entre
Igreja e Escado se to rn o u in e v itáv e l. .

A I g r e ja e a E s c r a v id ã o

D urante o p erío d o c o lo n ia l, a so cied ad e escravocrata co n to u com o apoio da Igreja,


que en sin ava, aos tra b alh ad o res cativ o s, as v irtu d es d a p aciên cia, da h u m ild ad e, da
resignação e d a o b e d iê n c ia em relação à o rd em estab elecid a. A Igreja se m anifestara
contra a escrav id ão das p o p u laçõ es a m erín d ias, m as sem pre fora favorável à escravidão
african a.83 ju s tific a v a su a po sição a firm an d o ser necessário cristian izar esses pagãos
para salvá-los. A o p e rm itir essas conversões salvado ras, a escravidão era não som ente
necessária, m as tam b ém le g ítim a . M a s, a p a rtir d a segu n d a m etade do século XIX, essa
discussão ev o lu iu , e a le g itim id a d e do sistem a passou a ser colo cada em dúvida em
alguns m eios clericais.
E nquanto o tráfico foi co n sid erad o leg al, não se co gito u do problem a. A partir de
1831, cie foi d eclarad o ile g a l, e a escravidão com eço u a a d q u irir traços fora da l e i ,
pcio m enos para u m a p arte do clero, para q uem a posse de escravos, entrados por
fraude no país, to rn ara-se im o ral e c o n trária à lei n atu ral. Em 1842, o padre lazarista
A ntônio V içoso, fu tu ro bispo de M a ria n a , ergueu-se contra a escravatura e abriu um
longo debate com o padre L eonardo R abelo de C astro , tam bém lazarista, para quem
esse sistem a nao cra rep u gn an te, nem co n trário à ju stiça; sua abolição, dizia este
últim o, d e stru iria a ordem social do país.84
A m in o ria an tiescravista defen dia a m odificação da ordem legal do país. Por
exem plo, em 1 871 o padre Jo.sé Alves M artin s Loreto, professor do G rande Sem inário
de Salvador, escrevia no jorn al cató lico Cjbroittca R eligiosa que, desde sua infância, em
seu m eio fam iliar e fora dele, tinha ouvido condenações à escravidão como doutrina
e tom ado con hecim en to das injustiças que a sancionavam . “M as quando o padre ,
escreveu, “m enciona essa in ju stiça aos senhores de escravos, estes im ediatam ente tran­
qüilizam sua consciência, justificando-se que a escravidão é conform e às leis do Esta­
do.” Ele apelava para os legisladores, exortando-os a sup rim ir essa “lei injusta que lesa
328 B a h ia , S é c u l o XIX

os direitos .piais sagrados da pessoa hum ana .88 Logo, era o Estado que devia abolir
essa injustiça, para que os padres pudessem pregar a abolição da lei da escravidão sem
serem taxados de subversão e instigação à revolta.
Por outro lado, os que justificavam a existência da escravidão apoiavam -se em dois
princípios: o di reito inalienável á propriedade e a consideração de que os escravos eram
o prolongam ento da fam ília do senhor. No que d izia respeito ao prim eiro princípio, a
Igreja estava em m á posição para condenar a propriedade de pessoas hum anas c sua
idenrificação com objetos próprios para com pra e venda: ordens religiosas e padres
seculares eram , eles próprios, proprietários de escravos, E sin to m ática, aliás, a distin­
ção que a Igreja fazia entre os ‘objetos sagrados’ e as pessoas hum anas reduzidas à
condição de escravos. Segundo as constituições sinodais, havia excom unhão expressa
para rodos os que utilizassem para fins profanos m adeira, telhas ou tijolos que tivessem
servido à edificação de um a igreja. M as a escravização de m ilhares dc seres humanos
nunca foi condenada pelo direito canônico. Perdigão M alh eiro , que publicou em
1867 sua célebre obra A escra vid ã o no B rasil , ju stifico u a Igreja: “Se padres, igrejas e
conventos possuíram c possuem escravos, isto prova apenas um abuso, um fato, e não
que faça parte do espírito da religião cristã leg itim ar a escravidão.”86 Defensora da
ordem legal estabelecida, a Igreja só com eçou a to m ar um a atitu d e quando os meios
leigos com eçaram a falar da escravidão com o um a ‘lei injustaL
Ao incitar os cativos à obediência e à resignação, a Igreja co n trib u iu m uito para
legitim ar a tese de que os escravos eram um prolon gam ento da fam ília do senhor.
Com o se fossem crianças, os escravos tin h am deveres para com o pai, mas nenhum
direito.87 A evolução do pensam ento ju ríd ico da Igreja foi aco m panh ada pela evolução
de seu pensam ento teológico. Essa lenta m utação, entretanto , foi devida sobretudo à
marcha dos acontecim entos, m uito m ais que a um aprofundam ento doutrinário ou
teológico.88 Com efeito, um a série de m edidas pren un ciavam a extinção definitiva da
escravidão. Em 1850, o tráfico foi d efin itivam en te abolido. Em 1853, foram parcial­
mente em ancipados todos os africanos livres, im portados clan destin am en te entre 1831
e 1853, que tivessem servido à nação d u ran te catorze anos (ou seja, eles eram consi­
derados livres, mas ficavam sob tutela do governo, que os em pregava em obras públi­
cas ou os alugava pelo tem po necessário à form ação de um pecúlio que lhes permitisse
pagar sua passagem de volta à África; esta ú ltim a m edida, no entanto, nunca foi
realm ente posta em prática). Em 1864 foram fin alm en te em ancipados todos os africa­
nos bem como seus filhos — im portados clandestinam ente e que se encontravam
a serviço do Estado ou de particulares. D urante a G uerra do Paraguai foi oferecida
liberdade gratuita a todos os escravos que sc alistassem no Exército, m edida depois
estendida às suas m ulheres .8} Três anos mais rarde proibiram -se leilões de escravos.
Finalm ente, a Lei do Ventre Livre declarou cm 1 871 que eram livres todas as crianças
nascidas de mães escravas.
Esses acontecimentos — aos quais é preciso acrescentar a Fala do Trono (1868)i
em que dom Pedro II tratou com insistência do fim da escravidão — fortaleceram na
L i v r o V - A I grííia

opinião p ú b lica a corrente em favor da A bolição. A partir de 1870, associações


em ancipadoras foram fundadas em quase todo o território brasileiro, e as idéias
antiescravistas passaram a en co n trar m aior receptividade na im prensa.90
Q ue posição tom o u a Igreja? Q u an d o a Lei do V entre Livre foi prom ulgada, em
187L o episcopado b rasileiro se d eclaro u favorável à liberdade outorgada aos recém-
nascidos, em nom e do d ireito n atu ral e das exigcncias do E vangelho.91 Em m ensagem
enviada ao m inistro da A g ricu ltu ra, do C o m ércio e de O bras Públicas, o arcebispo da
Bahia festejou o ad ven to da Lei do V en tre Livre: “Já tive a ocasião de m anifestar a
Vossa E xcelência m in h a o p ín íão a respeito da escravidão e disse que infeliz foi o dia
em que o p rim eiro escravo en tro u no B rasil.”92 Esse m esm o prelado, entretanto, em
sua circular aos seus párocos, sem se referir ex p lícita ou im p licitam en te ao problem a da
escravidão, íim itav a-se a in d ic a r que: “O governo im p erial se d irige ao episcopado
brasileiro, m an ifestan d o su a convicção de que este e todos os padres de suas dioceses,
intim am ente con ven cidos d a alta m issão à q u al se consagram , trabalharam , com suas
luzes, palavra au to rizad a e in flu ên cia, para a boa e p erfeita execução da lei, a qual
precisa da aju d a de todos os ho m ens de boa vontade para ser com preendida e respeita­
da.”93 C om o se vê, o arcebispo apenas lem b ro u aos padres seu papel de servidores do
Estado, evitando to m ar, d ian te deles, u m a posição clara e defin ida. Seria por m edo de
ferir os sentim entos escravistas de u m a parte da elite baiana? Por p rudente desejo de se
m anter neutro? O fato é q ue outros prelados brasileiros não hesitaram em afirm ar
claram ente suas convicções em favor da Lei de 1871. '
No R ío de Jan eiro , do m Pedro M a ria de L acerda afirm o u em sua carta pastoral de
Io de outubro de 1 8 7 1 : “N ao haverá u m só berço que não seja em balado pelo anjo da
liberdade crista ( . . . ) . Aos pés da cruz foi rasgado o m anuscrito que condenava tantas
futuras gerações de hom ens a nascerem na escravidão.”94 D om A ntônio Viçoso, bispo
de M ariana, em circu lar aos párocos de sua diocese, em 14 de outubro de 1871,
afirmou: “aquele q u e é am igo d a paz e do verdadeiro bem na N ação, deve ser firm e em
seus sentim entos (antiescravistas) que a razão e o cristianism o nos ensinam .93 M esmo
em Pernam buco, cujas estruturas sociais e econôm icas eram tão parecidas com as da
Bahia, o cônego Jo ão C risóstom o de Paiva T orres nao hesitou em escrever em sua
carta pastoral dc 13 de outubro de 1871: “Existe ainda entre nós a influência religiosa
que nos díz que a escravidão é um sistem a que se opõe às'leis divinas e hum anas. Com
efeíto, cm que parte do Evangelho o hom em pode se apoiar para autorizar-se a dizer
a um outro hom em : tu és meu escravo?”96
Apoiar a lei de 1871 nao significava ser favorável à pura e simples aboliçao da
escravidão. A posição do bispo do Rio de Janeiro a esse respeito foi exemplar. Na
pastoral acírna citada, ele deu livre curso a sentim entos antiabolicionistas. D irigindo-
se aos escravos, disse: “Se, até agora, por temor e consciência, vocês deviam a seus
senhores respeito, obcdicncía c amor, a partir dc hoje lhes devem um respeito ainda
maior, um a obediência redobrada, um amor redobrado, porque a gratidao deve subs­
tituir o tem or Provem então sua dedicação e sua obediência, defendendo seus
330 B a h ia , S é c u l o XIX

senhores e tudo que lhes perten ce.” Após tê-los convidado a não colocar obstáculos à
execução da lei, dom Pedro M aria d izia aos senhores q ue não perm itissem que "a
negligência, a inveja, a m iséria ou o desespero levassem as m ães a com eter o a b o r t o , o
in fan ticíd io , o abandono de crian ças inocentes e d esam p arad as”. Em nenhum mo­
m ento o prelado cario ca contestou a leg itim id ad e d a escravidão ou afirm ou o direito
natural do escravo à liberdade. A o co n trário , colocando-se do ponto de vista legal, ele
se insurgiu contra os que desejavam a abolição d a escravidão, por causa da desordem
que isso acarretaria. De q u alq u er m an eira, a lei previa q ue os pais permanecessem
cativos. Os padres tin h am o dever d c co n tin u ar a p regar, aos escravos, resignação e
ob ed iência.97 De m odo geral, a a titu d e do clero perm an eceu cautelosa.
Nesse ponto não estam os de acordo com o p ad re Jo sé O scar Beozzo, para quem
dom Pedro M a ria de Lacerda se o p u n h a à escravidão e d esejava a A bolição. A afir­
m ação de dom Pedro M a ria — "Q ue sejam os revolucio nários (abolicionistas) a pro­
fanar a palavra lib erd ad e; nós, no en tan to , m o stram os q ue a lib erd ad e, quando jus­
ta (isto é, legal), pode levar-nos a algu n s sacrifício s q u e devem ser compensados
pela m an u ten ção da ordem e das v an tagen s m ateriais e p e c u n iá rias” — é um a pro­
va suficien tem ente clara do esp írito co n servado r e a n tiab o lic io n ista do prelado ca­
rioca, cujos argu m en to s alin h avavam -se com os dos p ro p rietário s de escravos, antia-
bo licio n istas.98
As ordens religiosas e o baixo clero eram m ais favoráveis à A bolição. Em 1869, por
exem plo, a O rdem de São B ento, no R io de Ja n e iro , lib erto u todos os seus escravos de
m ais de cin q ü en ta anos e, em segu id a, as crian ças nascidas de mães escravas, Quando
a Lei do V en tre Livre foi p ro m u lg ad a, em 1 8 7 1 , a O rd em deu lib erd ad e a todos os
seus escravos, que eram quase três m il.99 O baixo clero tam b ém lib erto u escravos e fez
doações aos fundos de em an cip ação criado s p ara a ju d á -lo s.100
Só em 1879 a A bolição foi d iscu tid a de novo n a A ssem b léia G eral do Im pério. O
m ovim ento ab o licio n ista era chefiado então p o r Jo aq u im N abuco, jovem depurado
eleito por Pernam buco. Sob seu im p u lso e o de seus adeptos, novas associações
em ancipadoras foram criadas em todas as grandes cidades do país. A partir de 1883,
através de um a cam panha n acio n al, os ab o licio n istas con centraram seus esforços em
três frentes: nàs assem bléias legislativas, na im p ren sa (onde pediam a suspensão das leis
sobre a escravidão) e na arrecadação de fundos destinados a com prar a liberdade dos
escravos. Em 1884, as províncias do C eará e da A m azônia tinh am conseguido libertar
todos os seus escravos. Em 1885, a A ssem bléia G eral aprovou a Lei dos Sexagenários,
que declarava livres todos os escravos de m ais de sessenta anos, im pondo-lhes, todavia,
mais três anos de serviço junto a seus antigos senhores. Por volta de 1887 a escravidão
estava moral e po liticam en te condenada: em 13 de m aio de 1888 a Lei Áurea a
extínguiu. M as, tendo durado m ais dc três séculos, ela m arcou profundam ente a carne
e as m entalidades brasileiras.101
Nesse período crucial de quase nove anos que precedeu a Abolição, a hierarquia
episcopal m ostrou-se cautelosa. A participação da Igreja no m ovim ento abolicionista
- L iv r o V - A Igreja 33,

foi lo n gín q u a, h esitan te e fria, pelo m enos aré 1907 j r~ ■


, • .* ■ ■ r , ate 1 8 8 " s q u an d o e n fim a lg u n s b is D o s
decidiram p o s,c.o nar-se f a v o r a v e lm e n te ^ M as, mesmo encão o fizeram com algum
reserva, pois o m o vim en to ab o licio n ista lhes parecia ser liberal e revolucionário
A a titu d e de dom L u , z A ntôn io dos Santos, prim az do Brasil e arcebispo da
evid en cio u a m enrafidade dos religiosos brasileiros, Ele se p o sic io n o u num a
carta pastora de 2 9 de ,u lh o de 1887, dez meses antes da prom ulgação da Lei Áurea,
recom endando a redenção dos cativos e o apoio às suas liberdades”. Para o arcebis­
po a libertação fazia p arte das obras de m isericórdia: “Felizm ente, hoje o povo brasi­
leiro tem co n sciên cia de que a escravidão, além de ser um a cruel injustiça praticada
com tantos irm ãos nossos resgatados com o nós pelo sangue do D ivino Redentor, é
um grande m al para o Im pério e u a m ácula que m ancha a bandeira brasileira, entre
todas as nações civilizad as. N ão sabem os se nas libertações, a lei será m ais forte que
as in iciativas privadas; m as é certo q u e nas festas fam iliares, as lágrim as dos convivas
regarão sem pre u m d o cu m en to de lib erdade. É a consciência pública confessando
que a escravidão nos in c o m o d a .” C ético quan to à eficácia de um a lei capaz de liber­
tar todos os escravos, do m Luiz A n tô n io ju stifico u a indiferença dem onstrada pela
hierarquia: "O m edo de graves co n seqüên cias acarretadas por um a precipitação que
poderia ser p erigo sa no com eço reteve por algum tem po a voz da Igreja que nunca se
elevou para p reju d ic ar a so ciedade. M as hoje, q uando em toda parte procura-se subs­
titu ir o braço escravo pelo braço livre, hoje, q uando nos estabelecim entos agrícolas os
contratos en tre os senho res c seus escravos dão os m elhores resultados para transição
em rum o dessa nova v id a q ue d esp o n ta para a sociedade brasileira, assim como para
os infelizes cativos, ch ego u a ho ra d a religião intervir, sem perigo de com prom eter a
ordem na so cied ad e.” O prelado baiano recom endou ainda que se organizassem socie­
dades voltadas p ara a ju d a r os libertados: “T om ando a frente desse m ovim ento alta­
m ente civilizad o r, nossos R everendos Párocos prestariam o m aior dos serviços e da-
riam o exem plo m ais louvável à Igreja de Jesus C risto e à sociedade brasileira .
Fiel ao p rin cíp io de q ue a Igreja era um fator de preservação da coesão e da paz
social, ele a colocava em posição in term ed iária en tre os grupos sociais dom inantes e
as cam adas populares. .
M as, se a a titu d e do prim az do Brasil exprim iu a posição de uma parte da hierar
quia cató lica, outros prelados tiveram atitudes m uito m ais corajosas. Dom Antônio
Benevides, bispo dc M a rian a. libertara em 1885 todos os escravos de M acaúbas e
fundara em sua diocese a A ssociação M arianense Redentora dos Cativos que, apesar de
dispor de parcos recursos, con seguiu libertar bom núm ero de escravos. Q uando aben­
çoou a p rim eira pedra do engenho do V isconde do Rio Branco, pronunciou um
discurso m em orável em favor da abolição im ediata da escravidão, correndo o risco de
perder a sim p atia dos poderosos fazendeiros da região. ^ .
d- - i i * ín c f í r in r ã o subordinsdâ 10 r#st2dOj
Sufocada pelas leis que faziam da Igreja u Ç
atacada por correntes adversárias, a H *
im por com o força hom ogênea e cravar a lu t p
B a h ia , S é c u l o X IX

o s m é to d o s e m p r e g a d o s p a r e c e m b r u t a is . M a s c o n t in u a r a m a t r a d iç ã o d o s q u e fo ram
e m p r e g a d o s s e m p r e q u e a I g r e ja , e m t o d a p a r t e , te v e q u e e n f r e n t a r h o s t ilid a d e c re s­
c e n te d a p a r te d o s le ig o s . M a is p r ó x im a d e R o m a , t o m o u c o n s c iê n c ia d e s u a u n iv e r ­
s a lid a d e e d a n e c e s s id a d e d e a lia r s u a d o u t r in a e s u a s p r á t ic a s à s d a I g r e ja C a tó lic a
u n iv e r s a l. N o fim d o I m p é r io , a I g r e ja a in d a n ã o r e s o lv e r a o p r o b le m a d e s u a s e p a r a ­
ção do E sta d o r e s o lv id o f in a lm e n t e e m 1 8 9 1 — m a s j á c o n s t r u ír a as b a se s p a ra tal.
Q u a l a im p o r t â n c ia d a s r e f o r m a s f e ita s d e n t r o d a in s t it u iç ã o ? É o q u e v o u te n ta r

a v a lia r a g o r a .
CAPÍTU LO 20

C ônegos e Pá r o c o s:
U ma V e r d a d e ir a R iq u e z a em H omens

A Igreja C ató lica disp u n h a de três tipos de instituições: a estrutura de base, represen­
tada pelo clero secular, incum bido de m anter o culto e zelar pela fé dos fiéis; o clero
regular, form ado pelas diferentes ordens religiosas estabelecidas no país desde meados
do século XVI; e instituições dirigidas por leigos, como as irm andades e as ordens
terceiras, que floresciam em cidades e lugares de algum a im portância, sem depender
diretam ente do poder diocesano exercido pelos bispos. As duas últim as dessas institui­
ções desem penharam im portante papel, sobretudo no período colonial, como instru­
mento de evangelízação das populações pagas (caso do clero regular) e locais de con-
graçamento de um povo que se diferenciava pelo estatuto legal, pela cor da pele e por
pertencer a grupos sociais diferentes (caso das irm andades e ordens terceiras).
No topo da hierarquia estava o bispo (ou o arcebispo) que, à frente da diocese,
adm inistrava a vida religiosa com a ajuda de um capítulo e de um tribunal eclesiástico
encarregado de ju lg ar litígio s que envolvessem membros da Igreja. Junto com os
bispos, os integrantes destes últim os órgãos formavam o alto clero. A eles é necessário
acrescentar os abades e superiores das ordens religiosas, cuja posição, no entanto, não
era comparável à de seus colegas europeus, mesmo portugueses; seu papel político e
sua influência social eram quase nulos.
O culto e os sacramentos eram assegurados pelo baixo clero — párocos e coadjutores
— que dirigia as paróquias. Em todos os escalões, os membros do clero eram nomea­
dos pelo rei de Portugal e, depois, pelo imperador do Brasil. Mas havia párocos
nomeados pela autoridade episcopal e padres que, escolhidos por irmandades religio­
sas ou contratados por particulares, serviam como capelães. No Brasil, só podiam ser
cônegos os integrantes dos capítulos das igrejas catedrais (havia a categoria de cônegos
honorários, título com o qual eram agraciados alguns sacerdotes de destaque). Segun­
do o direito canônico, o capítulo-catedral podia aconselhar o bispo (a pedido deste) e
governar a diocese vacante, designando um vigário capitular.

333
B a h ia , S é c u l o X IX
3M

O A lto C lero: o C a p It u l o - C a t e d r a l

O cap ítu lo -cated ral da B ah ia foi in stalad o na Sc ju n to com o b isp ad o , em 1532. No


com eço, tin h a treze c a p itu la res, en tre os q u a is c in co d ig n itá rio s (d ecan o , chantre,
m estre-escola, a rq u id iáco n o e teso u reiro ), seis cô n ego s p reb en d ad o s e dois cônegos
sem ip reb en d ad o s, q u e fu n cio n av am co m o m estres de cerim ô n ias e cu id av am d a capela,
M u ito s desses in teg ran tes do a lto clero b aian o eram o rig in á rio s das fam ílias m ais
im p o rtan tes da c id ad e e de seu R ecô n cav o . S eu s cargo s serv iam , antes de m ais nada,
para au m e n ta r o p restíg io so cial de q u e eles e su as fa m ília s go zavam , pois as rendas
auferid as na Igreja v in h a m de u m a C o ro a p o u co g en ero sa co m seus servidores. Supe­
ravam as receb id as pelos titu la re s de p a ró q u ia s , m as era m m u ito in ferio res às recebidas
nos países cató lico s eu ro p eu s.
M a is tard e, d u ra n te o rein ad o de d o m Jo ã o V ( 1 7 0 6 - 1 7 3 0 ) , três cônegos suple­
m en tares se so m aram ao c a p ítu lo -c a te d ra l d a B a h ia , ex ercen d o funções de peniten­
ciário (en carregad o das ab so lviçõ es em ‘casos e sp e c ia is’), teo lo g a l (encarregado da
teo lo gia) e de m a g istério (p ro v a v elm en te e n c a rre g a d o d a ação m issio n ária em novas
terras). Em seg u id a, n o m eara m -se m ais d o is cô n ego s se m ip re b e n d ad o s e dois capelães.
O papei p o lítico do c a p ítu lo -c a te d ra l era g ra n d e , p o is seus m em b ro s representavam ,
no seio d a Igreja, os in teresses d a e lite so c ial d a C o lô n ia , a q u e p erten ciam . A lém disso,
em casos de v ac ân c ia ep isco p al, e x e rc ia m , o u e le g ia m u m d o gru p o p ara exercer, o
p róprio governo e c lesía l. E m relação ao go vern o c iv il, eles rep resen tavam um corpo
c o n stitu íd o , d isp o n ív el p a ra situ açõ es de d ific u ld a d e .
Em 1 8 1 2 , o c a p ítu lo -c a te d ra l estav a q u a se c o m p le to : todas as d ig n id ad es tinham
seus titu la re s, exceto p a ra os cargo s de p e n ite n c iá rio e teo lo g al. N a ép o ca, o capítulo
tin h a onze cap elães, além de m estres de c e rim ô n ia e d e c ap e la e u m sacristão. O cargo
de vígário -geral era exercido pelo cônego L o u ren ço d a S ilv a M agalh ães, cura da paróquia
de Sao P edro, u m a das m ais im p o rtan te s d a cid ad e. E ntre os m em b ro s do capítulo,
encontravam -se m uitos nom es prestigiosos d a elite b aian a, ligad o s à produção açucaretra,
com o Pelles de M en ezes, M a rq u e s B ran d ão e P ires de C arv alh o . Às vezes, havia vários
m em bros da m esm a fa m ília nas fileiras desse alto clero . M a n u e l de A lm eida Maciel
(decano do cap ítu lo ) c M an o el M arq u es B ran d ão (arq u id iáco n o ) eram tios de cotiegos
sem iprebendados. A função sacerd o tal, com o se vê, era ap reciad a pelas fam ílias ilustres.

O A lto C lero : o T r ib u n a l E c l e s iá s t ic o

A instalação do T ribunal da R elação E clesiástica (trib u n al eclesiástico de instancia) f01


conseqüência d ireta d a elevação do bispado da B ah ia a arcebispado, em 1676, ano a
p artir do qual o bispo local passou a d eter o títu lo de prim az do Brasil. Um nám ero
variável de padres-juízes prestavam serviços sem rem uneração, m as 1/3 dos que ali
tinh am assento — os desem bargadores — eram efetivos, recebendo salário de 150 mil
L m to V — A I g r f j a

réis anuais. C om «n b u iç ô e s limitadas, o tribunal julgava causas eclesiásticas c ex;


e exarm-
- i
naT " < T L1;: rOC° 5 ' dOS « " did— » sacerdócio.- 10.
Em, 1 8 1 - . Lourenço da bdva Magalhães era vigário-geral do arcebispado, pároco
de -Sao Pedro c ,u .z do T ribunal de Instância, exercendo, por conseguinte, trés funções
im portantes no go vern o d a Igreja. M anoel M arq u es B randão, por sua vez exercia as
hinções de provisor e ,uiz das Ju stificaçõ es, arq u id iáco n o da diocese e ju iz m atrim o ­
nial. Os dois o u tro s juízes eletiv o s eram M an o el A nselm o dc A lm eida Sande, cônego
prebendado. e A n tô n io P ereira de A b reu , côn ego m estre-escola! A lém dos dois juízes
sem rem uneração, o trib u n a l se co m p u n h a enrão de dezessete exam inadores sinoidais,
entre os q u ais estavam o d ecan o , o ch an tre e dois cônegos q u e integravam o capítulo,
sem falar no p ro v in cial e no ex -p ro v in cial dos carm elitas descalços. Dos outros treze
exam inadores, onze v in h a m do clero re g u lar (três b en ed itin o s, dois franciscanos, um
carm elita calçad o , três c a rm e lita s descalços e dois oratoriano s) e apenas dois perten
ciam ao clero se cu lar (M arco s A n tô n io de Souza, cu ra d a paró q u ia de N .S. da V itória
e futuro bispo do M a ra n h ã o , e D a n iel d a S ilv a Lisboa, d ireto r das religiosas do con­
vento da L ap a). U m secretariad o de doze m em bros — o padre Luiz José da Silva,
oficial-m or d a se creta ria, e onze leigo s — co m p letav a o governo diocesano da Bahia.
Vários m em bros desse secretariad o tin h am nom es conhecidos, com o Soares de A lm eida,
M arinho C a v a lc a n ti e M o n iz B arreto.
Os diversos pároco s p a rtic ip a v a m tam b ém , em m aior ou m enor escala, do governo
da Igreja d io cesan a. Em 1 8 1 2 , o arceb isp ad o da B ah ia tin h a 89 paróquias — dirigidas
por padres q u e m o rav am nas cercan ias dos próprios tem plos — , duas capeias com
encargo das a lm as’ e seis m issões de franciscan os, duas de carm elitas descalços e três
de capuchinhos. '
Em 1861, o c a p ítu lo -c a te d ra l d a B ah ia e o T rib u n al de Instância m antinham as
mesmas estru tu ras d a ép o ca co lo n ial. O p rim eiro era com posto por nove cônegos
prchendados c seis sem ip reb en d ad o s, m uitos com nom es prestigiosos da elite baiana,
como C am po s, Souza M enezes, Souza B randão, Borges de Lemos etc. A cum ulavam
funções e ho n rarías; eram , ao m esm o tem po, juízes do T rib u n al Fxlesiástico dc Instân­
cia, exam inadores sín o d ais c titu lares das p rin cip ais paróquias de Salvador. Esta ultim a
função lhes p erm itia au m en tar suas rendas, graças aos donativos e aos direitos de esrola
Suc todo cató lico d evia rem eter à Igreja.
Esse acú m u lo de funções podia scr ain d a m aior. Encontramos esses mesmos cône-
g « ensinando noa sem in ário , M aio r c M en o r c nas escolas pbblicas, como o ptw ti-
B'®>o Liceu da B ahia, fundado cm 1835- Alóm disso, o u lím cio de cônegos aum entara,
por causa da concessão de If.u lo . honorários; c u r e o* 28 cônegos do arcebispado
baiano, só quinze receberam prebenda; dois cônegos honorários eram párocos fora de
Salvador. , n . .
ca , . i i - ■ a, napcl político de outrora. Primeiro, por­
O cap ítulo-catedral nao tinh a o n t L uco freqüentes, eram de curta duração,
que a, vacâncias do trono episcopai. ah m P titu|ares AMm
Pois o poder im perial tinha o cuidado dc nom ear rapiaan
B a h ia . S í c i t o X IX

disso, este m esm o po d er não ap elav a m ais para a Ig reja em casos de vacância da
p resid ên cia de u m a p ro v ín cia, pois as novas e stru tu ras a d m in istra tiv a s confiavam essa
tarefa a um dos v ice-p resid en tes. tam b ém n o m ead o s pelo im p erad o r. M as não h i
d ú v id a d e q u e a assem b léia de côn ego s rep resen tava um corp o c lerical privilegiado,
q u e in flu ía nos negócios das dioceses. A falta de estu d o s sobre essa q uestão não me
p erm ite sab er q u ais eram as relações en tre o c a p ítu lo e o c o n ju n to dos padres que
se n -iam nas p aró q u ias de cad a d io cese.
C o m o no passado, o T rib u n a l dc In srân cia c o n tin u a v a a ser p resid id o pelo arce­
bispo. M as. em m eados do sécu lo X IX , o n ú m e ro de ju ízes a u m e n to u , todos agora
rem u n erad o s. O T rib u n a l E clesiástico de Ju s tiç a passou a ter doze ju ízes. dos quais
nove eram cônegos e três p ad res; do is destes ú ltim o s tin h a m o títu lo de doutor, ou
seja, h aviam feito estudos u n iv e rsitá rio s. P or o u tro lad o , o trib u n a l deixou de ser
responsável pelo exam e dos c an d id ato s ao sacerd ó cio , tarefa e n tre g u e exclusivam ente
ao corpo de d ezo ito ex am in ad o res do sín o d o . O n ze d eles eram cô n ego s, seis perten­
ciam a ordens religio sas e dois eram sim p les p ad res. P or c o n se g u in te , a g ran d e m aioria
dos m em bros do trib u n a l era fo rm ad a p o r cô n ego s.
O arceb isp o, o ca p ítu lo e o T r ib u n a l de In stâ n c ia fo rm avam o governo do arce­
b isp ad o , d eten d o o p restíg io , os cargo s e as d ig n id a d e s. A seu lad o estavam os párocos
de S alv ad o r, can d id ato s às m esm as h o n rarias no fu tu ro . E n tre alto e baixo clero e entre
cíero d a cap ital, do R ecôn cavo e das terras lo n g ín q u a s do in te rio r, as diferenças eram
n ítid as. N o m eio ru ral estavam os m enos favo recid o s m a te ria lm e n te , q u e além disso
exerciam tarefas m ais pesadas.
O s cleros secu lar e reg u lar co n cen trav am a m assa dos eclesiástico s, em penhados
em propagar e m an ter a fé cató lica. O p rim eiro g ru p o se d is tin g u ia do segundo porque
estava sub m etido ao go vern o o rd in ário da Igreja, exercen d o suas funções sob a autori­
d ade do bispo, ao passo q u e o segu n d o o b ed ecia às regras de u m a ordem chefiada por
um abade ou um prio r. C a d a um desses grup os d esem p en h o u um papel diferente — c
co m p lem en tar — no en raizam en to d a Igreja no B rasil. É indispensável estudá-los
separadam ente.

O B aixo C lero : C uras e C a pe la e s

Na década dc 1820, a situ ação do baixo clero lem brava m uito a que existia na época
colonial. Nas zonas rurais, pouco povoadas, predom inavam os capelães, encarregados
dc celebrar missas, ad m in istrar sacram entos, p resid ir as festas c abençoar as colheitas.
C ontratados por particulares, ensinavam religião aos moradores, suhordinando-sc muito
m ais aos grandes proprietários agrícolas que à h ierarq uia da Igreja, que adotou em
relação a eles, por m uito tem po, um a atitu d e longín qua. Os capelães, aliás, não foram
os únicos a experim entar essa preponderância das relações laicas sobre as religiosas.
Inúm eros padres viveram na m esm a dependência, que perdurou durante o século XIX
L iv ro V- A I g r e ja
337

(e m esm o d epo is) co m o u m traço característico , ch eio de con seqüên cias, do clero ru ral
brasileiro . F re q ü e n te m e n te , aliá s, o cap elão não m orava nas p ro p riedades em q u e ia
cu m prir seus deveres religio so s nos fins de sem an a.
N a c id ad e, o p ad re n o m ead o pelo E stado (vigário co lado ) ou pelo bispo (vigário
enco m end ad o) estava à fren te de u m a p a ró q u ia e tin h a o ‘encargo das alm as’ que nela
h abitavam . M as tam b ém p o d ia servir com o c o a d ju to r ou ser co n tratad o por um a
irm an d ad e re lig io sa . A d e n o m in a ç ã o de cap elão , por sua vez, en co b ria três realidades
diferentes: a do p a d re resp o n sáv el p o r u m a cap ela situ a d a no p erím etro de u m a paró­
quia e s u b m e tid a a a u to rid a d e de seu p áro co (o v ig ário p o d ia exercer esse cargo); a do
que exercia suas fu n çõ es sac e rd o ta is ju n to a u m a irm a n d a d e religio sa ou u m a fam ília;
e a do q u e a ju d a v a no co ro d a c a te d ra l, ap esar d e não ser cônego.
A categ o ria dos cap elães m e in te ressa p a rtic u la rm e n te . M u ito im p o rtan te du ran te
todo o p e río d o c o lo n ia l, seu *p ap el foi, no B rasil, ab so lu tam en te o rig in al, irred u tív el
aos m o delo s eu ro p e u s d a é p o c a .3 T in h a o en cargo das alm as de u m a parte da p o pu­
lação, fre q ü e n te m e n te n u m e ro sa , q u e escap av a ao clero su b m etid o à au to rid ad e epis­
copal. O s p a d re s-ca p e lã e s q u e serv iam ju n to às irm an d ad es religio sas ou às fam ílias —
eram m a io ria — d e v ia m su as fu n çõ es a co n trato s p rivado s.
O cap elão de u m a irm a n d a d e re lig io sa era n o m ead o pelo d iretó rio desta. E scolhi­
do por leigo s e co lo c ad o sob seu co n tro le , n ão se to rn av a au to rid ad e, com o o pároco.^
Ficava até su je ito a san çõ es, se n e g lig e n c ia sse atos do cu lto ou se cobrasse por eles m ais
do que fora e s tip u la d o . A d e m a is, o cap elão d e v ia d efen d er a irm an d ad e em caso de
conflito com o p áro co . Essa s itu a ç ã o su sc ito u d ific u ld ad e s p ara a Igreja, sobretudo no
século X V III, q u a n d o as irm a n d a d e s estiv eram no ap o geu : h avia a igreja do pároco,
h ierárq uica, e a ig re ja -irm a n d a d e , a d m in istra d a po r seus m em bros. M u itas contendas
opuseram as d u as, so b retu d o p o rq u e os p áro co s, com razão, consideravam -se as unicas
autoridades relig io sas lo cais, o q u e as irm an d ad es co n testavam . Festas e procissões, por
exem plo, en sejav am ch o q u es.
Apesar dessas co n trad içõ es, os cap elães tam b ém com p lem entavam a ação dos
m em bros d a Igreja h ie rá rq u ic a , q u e não eram su ficien tem en te num erosos para assegu­
rar a evangeli/.ação de g ra n d e parte das populações m argin alizadas. Ao elim in ar essa
dualidade d u ran te a segu n d a m etade do século XIX, a rom anização da Igreja C atólica
brasileira ab riu espaços para o crescim en to de diversas igrejas protestantes e de seitas
religiosas.^ T alv ez as classes p o p u lares — as q ue p rim eiro se converteram ao protestan­
tism o — enco ntrassem nas estru tu ras dessas igrejas um a gestão dem ocrática que
caracterizava o u tro ra as co n frarias) e um a ad m in istração colegiada dotada de gran e
autoridade m o ral. .
Essa d iferen ça no exercício d a função sacerdotal tam bém se m an.festava nas rela­
ções entre u m a Igreja h ierárq u ica, mas disrante, e um capelão cujas unções se exer
ciam ju n to de u m a fam ília. N o rm alm en te os engenhos não tinham m ais de oitenta
escravos, mas em suas terras, à volta do m oinho de açücar, gravttava um a populaçao
<lc ho m en, livres e alfo rriad o s. N as grandes explorações eanav.etras, que concentravam
B a h ia , S é c u l o XIX
358

centenas de pessoas, era hábito ter um padre à disposição. Ele vivia no engenho, quase
sempre morando em casa separada, para que pudesse ter certa independência erTl
relação ao senhor.6 Segundo o jesuíta A n to n il, “o prim eiro , que se há de escolher com
circunspecção e inform ação secreta do seu procedim ento e saber, é o capelão, a quem
se há de encom endar o ensino de tudo o que pertence à vida cristã”. O capelão tem a
obrigação de dizer a M issa na capela da propriedade todos os dom ingos e feriados, de
explicar o catecismo, isto é, os principais m istérios da fé e os m andam entos que Deus
e a Santa Igreja m andam observar, de ouvir as confissões dos fiéis com a autorização
do ordinário, de adm inistrar os sacram entos, de fazer com que todos vivam em paz, de
zelar para que Deus seja louvado, assim como a V irgem Nossa Senhora, cantando suas
litanias todos os sábados e, durante o mês em que o m oinho não roda, recitando o
terço e, enfim, não tolerar risos, conversas e práticas indecentes, não som ente na capela
como na galeria coberta, sobretudo duran te a celebração do Santo Sacrifício da M issa.7
Além de dar aulas aos filhos do senhor de engenho e abenço ar o engenho, pedindo a
Deus que a m oagem fosse rentável, o capelão tin h a a obrigação de casar, batizar e fazer
com que o dever pascoal fosse cum prido. M as isso devia ser feito com autorização in
scriptis do cura da paróquia encarregado dessas funçõ es.8
Os capelães das irm andades religiosas ou das grandes plantações nem de longe se
enquadravam no m odelo tridentino. M an tin h am laços m u ito frouxos com as autori­
dades eclesiásticas, subm etiam -se ao clero o rdin ário sem que dele fizessem parte, eram
dotados de am pla m argem de ação (tam bém prestavam serviços, por exem plo, a navios
negreiros) e acom panhavam expedições às terras interiores, entrando em contato com
índios. Por todas essas razões, alguns consideram que “o capelão representa uma
religião fam iliar, um cristianism o dom éstico que se opõe ao da Igreja oficial, em que
o bispo e o pároco representam R om a, tão distante, e toda sua organização”.9
Deve-se realmente ver no capelão, padre secular como q ualqu er outro, um opositor
sistemático da Igreja hierárquica? Será realm ente ú til opor religião fam iliar e cristianis­
mo doméstico a religião oficial e cristianism o universal? Em ú ltim a análise, que ele­
mentos diferenciam os dois universos? A religião d ita fam iliar e o cristianism o deno­
minado doméstico não estão contidos no conjunto m aior da Igreja C atólica? No plano
da catequese e da moral nunca houve divergências. Parece-nos, pois, que é necessário
ver aí, menos que uma oposição, um a com plem entaridade nascida das estruturas desta
Igreja surgida sob o regime do Padroado.
Os padres encontravam no Brasil possibilidades variadas —* e complementares —
e exercer seu m inistério, Mas todas essas funções, desenvolvidas na cidade ou no
campo, não criavam um dinam ism o verdadeiro. Relacionavam -sc a um a rotina inca­
paz e satisfazer as ambições pessoais de um clero cujo nível cultural era superior ao
o conjunto da população.HJ Ele sc engajava cm atividades profanas que demandavam
X V n i^ H 3 C ^ ümo expliquei anteriorm ente, entre o fim do século
e a écada dc 1840 o clero regular participou ativam ente de todos os movimen­
tos revolucionários que agitavam o país.
L iv r o V - A I g r e ja 339

Os padres se to rn ara m figu ras im p o rtan tes nesses m o vim ento s, sobretudo no
N ordeste. D u ran te a C o n fed eração do E quado r, em 1 8 2 4 , o frade carm elita Jo aq u im
do A m or D iv in o C a n e c a (F rei C an eca) d esem p en h o u im p o rtan te papel, tendo sido o
único chefe re v o lu cio n á rio fu zilad o . A in d a em P ern am b u co , o decano B ernardo Luiz
Ferreira e os p ad res Jo ã o R ib e iro e M ig u e lin h o p articip aram do com ando da R evo lu­
ção de 1 8 1 7 . N a B ah ia , o cô n ego M a n u e l Jo sé de F reitas B atista M ascarenhas, co­
nhecido com o p ad re M a n u e l D en d ê B us, e dom M arco s de So u za C o elho , futuro
bispo do M a ran h ã o , ficaram ao lad o dos b rasileiro s q u an d o d a gu erra pela in d ep en ­
dência ( 1 8 2 2 - 1 8 2 3 ) .
A d otan d o p o siçõ es q u e iam do ex trem ad o rad icalism o ao lib eralism o de cunho
mais teórico, p a rte do clero m o strav a ter u m a co n sciên cia m ais p atrió tica que ecle­
siástica. H av ia, é c e rto , os q u e c o m p a rtilh a v a m os ponto s de v ista d a a lta h ierarq u ia e,
do alto dos p ú lp ito s, p reg av am o rd em c tra n q ü ilid a d e , acu san d o de an arqu istas os
m ovim entos lib e ra is dos p rim e iro s anos de in d e p e n d ê n c ia do p a ís .11
Os m em b ro s m ais c u lto s e m ais in flu e n te s do clero eram in flu en ciad o s por Jean -
Jacques R o u sseau , A d a m S m ith , E m m an u el K ant e V ic to r C o u sin . Os b aian os liam La
Fontaine, m as ta m b é m M o n te s q u ie u , V o lta ire , C o n d ílla c e B e n th a m .12 A lgum as des­
sas obras eram c o n d e n a d a s p o r R o m a, p o is d efen d iam d o u trin as declaradas heréticas
havia m u ito te m p o .13 A liá s, os co n h e c im e n to s teo ló gico s desse clero não eram nada
ortodoxos. B aseav am -se n o C a tecism o de M o n tp e llie r e no M a n u a l d e teo lo g ia de Lyon,
obras jan sen istas, tam b ém co n d e n a d as p o r R o m a. O p rim eiro era a tradução das
Instruções gera is, em fo rm a de c ate c ism o , feita pelo. o rato rian o François-A im é Pouget,
diretor do se m in á rio de M o n tp e llie r. F ora im presso em Paris em 1702 e várias vezes
condenado p ela S a n ta Sé d esd e 1 7 2 1 . As I n stitu tio n es T b eo logia e a d usum schotarum
haviam sido p u b lic a d a s em L yo n em 1 7 8 0 , em seis vo lu m es, pelo o rato rian o Joseph
Valia e co lo cadas no In d ex dos livro s p ro ib id o s em 1 7 9 2 . A pesar dos protestos do
núncio C a le p p i, a co m issão p o rtu g u e sa de cen su ra au to rizo u a p ublicação do livro,
que foi ap o iad a pelo b isp o do R io de Ja n e iro . Em 1 8 1 3 , o bispo Jo sé C aetano da Silva
C outínho c o n ú n c io m a n tiv era m u m a p o lêm ica sobre a T eologia de Lyon, utilizad a
como texto b ásico para os p ad res. O bispo desafio u o n ú n cio a ap o n tar pelo menos um
erro na obra. Este não aceito u o d esafio , co n sid eran d o -o supérfluo, já que o livro
estava no Index.
Cirande parte do clero era m em b ro de lojas m açônicas, apesar da condenação
bestas pela S an ta Sé. O p ad re A n tô n io Feijó, dom José C aetan o da Silva C outm o
(bispo do Rio dc Ja nciro en tre 1808 e 1833 e C o n d e de Irajá), o conego Jan u ário a
Cunha Barbosa e os irm ãos F rancisco dc S an ta T eresa dc Jesus Sam paio e Francisco
M ont’A lvcm e eram algu n s m em bros do clero brasfleiro p o liticam en te m uito ativos e
notoriam ente ligad o s, em a lto grau , à m aço n aria.1
Em grande m ed id a a u to d id ara, im b u íd o de doutrinas pouco ortodoxas e m uito
Politizado, o clero a g ia da m esm a form a que a população em geral. O povo sabia
diferenciar o padre q u e celebrava os m istdrios da U em sua igreja e o hom em que v.vra
Bxm\. S íc v to XIX

« i a vid a profana. M as esses hom ens, que ap aren tem en te sc d istin g u iam tão pouco dos
outros, exerciam gran de in flu ên cia. É preciso, por isso, an alisar a lundo a fiç u ra _
m ais regra do que exceção, m esm o depo is das reform as, cm pieno século XIX — do
padre q u e vivia cercado por sua fam ília, assim com o a figura dc sua ‘esposa*, d e d i c a d a
aos cuidados da casa. O pai-pároco . freq ü en tem en te ch am ad o dc ‘ padrinho* por seus
próprios filhos, ocupava-se da educação e das carreiras desres, com o qualquer pai
D urante o prim eiro q u arto do século XIX, e m esm o depo is, os padres não usavam
batina, vestindo-se da m esm a m an eira q ue suas ovelhas. O padre C o rreia, por e x e m ­
plo, proprietário de um a gran d e lazen da em T rcs Rios (R J), apresentou-se ao viajante
alem ão Pohl com um a jaq u eta e u m a con decoração d a O rdem de C risto! O m e sm o
v iajan te id en tifico u outro padre graças a seu b arrete; ou tro usava um casaco azul-
ceieste, m eias cu rtas e tam ancos nos pés, com as pernas nuas.
H avia padres ricos, mas eram m in o ria. E m bora, sem d ú v id a, privilegiados, eles em
gerai não tinh am vida farta. Do E stado ou das irm an d ad es, recebiam salários insufi­
cien tes.15 No século XIX, d eix aram de ser ag ricu lto res, co m ercian tes, ferreiros ou
donos de albergues, mas essas ativ id ad es foram su b stitu íd a s por outras. M uitos se
tornaram deputados, professores ou direto res de escolas. Por o u tro lado, perpetuou-se
a prática de so licitar donativos dos fiéis, apesar dos esforços d a h ierarq u ia para aboli-la.
No fim do século XVIII havia em S alv ad o r um padre para seten ta habitantes, mas
essa proporção foi m o d ificad a d u ran te a segu n d a m etade do século XIX, com a dim i­
nuição havida no clero. A ch egad a dc p eq u en a q u a n tid ad e de padres e religiosos
estrangeiros não aju d o u a resolver o p ro b lem a da escassez de vocações, considerado na
época com o con seqüên cia do descrédito cm q u e se enco ntrava o sacerdócio. Os baixos
salários tam bém co n trib u íam para isso ,16 m as é preciso acrescen tar outros fatores. Em
prim eiro lu gar, a criação do ensino su p erio r d ren ara um a parte d a juventude para
ofícios m uito m ais prestigiosos, com o os de advogado, m édico, engenheiro, juiz e
político. Também acontecia com freqüência q ue o perío do de estudos nos pequenos
sem inários não levasse ao sacerdócio, com os sem inaristas preferindo ingressar no
serviço publico, onde as rem unerações eram m aiores e as vantagens sociais, mais
concretas. Um funcionário in sign ifican te gozava, ju n to ao público, de um prestígio
m uito superior ao de um padre. A lém disso, a função daquele trazia uma série de
benefícios, que podiam inclusive abrir cam in ho para a fortuna.
A firme determ inação de reform ar os costum es do clero exigia que os candidatos
tivessem vocação. Os bispos reform adores sacrificaram deliberadam ente a quantidade
à qualidade, c a rom anização da Igreja — sua estrita ortodoxia, sua posição intransi­
gente diante das novidades do século — fez o resto.
Essa era a imagem transm itida pelo clero brasileiro nos prim eiros anos posterio­
res à Independência. Apesar dc suas características negativas, os padres eram muito
bem acolhidos pela população, fossem capelães dc engenho ou de irmandades, p&
rocos rurais ou urbanos. Apesar dc suas inúm eras lim itações, eles foram conselhei­
ros e amigos das fam ílias, protetores dos oprim idos, mestres-escola informados e
L iv ro V- A I g r e ja
541

escutados, v erd ad eiro s pais p ara su as ovelhas. A s reform as in tro d u zid as pela Igreja
alteraram essa .m agem ? O s padres perderam sua condição de 'pais’ com a rom anização
da Igreja? A s reform as criaram um novo p erso n agem , em ru p tu ra com a sociedade
em que vivia? V o u te n ta r e lu c id a r essas q uestõ es, to m an d o com o exem plo o clero
secular d a B ah ia.

O C l e r o B a ia n o D ia n t e d a s R efo rm as

Pioneiro no B rasil, o arceb isp ad o d a B ah ia a d m in istra v a u m im enso territó rio , con tan­
do com padres reg u lares e secu lares. N o in íc io do século XIX, em toda a C ap itan ia
existiam 89 p a ró q u ias (d ad o s de 1 8 0 8 ) p ara u m a p o p u lação d e 3 3 6 .0 7 2 habitantes
(dados d e 1 8 1 2 ). A s p a ró q u ias era m m u ito d iferen tes en tre si, tanto pelo tam anho de
seus territó rio s co m o p elo n ú m e ro de seus h a b ita n tes. O recenseam en to de 1872
registrou 169 p a ró q u ias e 1 .3 8 0 .1 8 6 h a b ita n te s; o de 1 8 9 0 , 196 p aró q u ias e 1 .9 0 3 .4 4 2
habitantes. Em relação ao n ú m e ro d e h a b ita n te s, o n ú m ero de p aró q u ias d im in u iu , o
que m ostra q u e, co m o o rei de P o rtu g a l, o im p erad o r do B rasil não se interessava pela
criação de novas p a ró q u ias.
A p artir de m ead o s d o sécu lo X IX , a fig u ra do capelão tendeu a desaparecer dos
engenhos, p o is a p ro d u çã o a ç u c a re ira en tro u em d ecad ên cia. M a n te r um serviço reli­
gioso privado to rn o u -se u m peso no o rçam en to dos senhores, preocupados em cortar
despesas ju lg a d a s su p érflu as. N o p erío d o 1 8 3 0 —1 8 8 9 , n en h u m inventário de senhor
de engenho assin alo u despesas relativ as à m an u ten ção de um capelão, cuja função de
m estre-escola p erd eu im p o rtâ n c ia d ep o is d a criação , em Salvador, de internatos priva­
dos, cada vez m ais p ro cu rad o s p a ra ed u car os filhos de fam ílias tradicio n ais.
A fraca relação e n tre n ú m ero de p aró q u ias e de h ab itan tes pode in d icar um a
dim inu ição nos efetivos do clero? N ão possuo n en h u m dado q u an titativ o que perm ita
afirm á-lo .17 Em co m p en sação , an álises q u alitativ as perm item deduzir que a B ahia não
escapou a um a sensível q u ed a no nú m ero de can didato s ao sacerdócio, característica
comum a todo o B rasil. Em 1 8 4 9 , o problem a foi colocado pelo presidente da Provín­
cia. João José dc M o u ra M agalh ães, nos seguintes term os: Seu destino [dos padres] é
bem m esquinho e d ign o de com iseração. N inguém ignora que os prim eiros [os páro­
cos] com 300 m il réis c os segundos [os coadjutorcs] com 50 m il réis anuais, nao têm
meios de prover a sua indispensável sub sistência. Por outro lado, é impossível que unia
côngrua in sign ifican te, sem outras considerações sociais, possa atrair distintos cida­
dãos capazes de form ar um clcro virtuoso e culto." O presidente acrescentou que os
paroquianos recusavam -se a pagar os direitos de estola e outros em olum entos devidos
ao clcro, segundo a legislação em vigor. D eclarou tam bém que “o destino dos cônegos
c dignitários m e tr o p o lita n o s não é m ais favorável pois, reduzidos a côngruas insigni­
ficantes, não têm m eios de se m anter com decência num a capital em que os gêneros
alim entícios de prim eira necessidade são tão caros .
342 B a h ia , S é c u io X IX

P ragm ático , o p resid en te da P ro v ín cia a trib u iu a fa lta de in teresse dos jovens pela
v id a sacerd otal à m o d éstia dos salário s, sem se in te rro g a r sobre as o u tras razões qUe
p o d iam afastá-lo s do m in istério eclesial. Q u a tro anos m ais tard e, ao festejar a funda­
ção do S em in á rio M en o r em q u e os p ad res v icen tin o s d avam a "p rim eira educação
para o sacerdó cio ", o novo p resid en te, Jo ão M a u ríc io W a n d e rle y , futuro Barão de
C o te jip e , a d m itiu q u e " ain d a há m u ito a fazer p ara q u e ten h am o s u m clero de boa
m o ralid ad e e in stru íd o ”. O tem a dos baixo s salário s v o lto u em su a alocução: “Os
ven cim en to s do reveren do c ap ítu lo e as cô n g ru as dos p áro co s são extrem am ente insu­
ficientes para as necessidades básicas d a v id a e, se em alg u m as p aró q u ias há emolumentos
su b stan ciais, com o a firm a o E x celen tíssim o M e tro p o lita n o , n a m a io r parte dessas, eles
[os párocos] só p a rtilh a m u m a p o b reza e u m a m isé ria a v ilta n te s e p o d em se considerar
com o verdadeiros m e n d ig o s.” 19 <■■■
Em 1856, Á lvaro T ib é rio de M o n co rv o L im a , ta m b é m p resid en te d a Província,
rep etiu o m esm o tip o de c o m en tário : após fe lic ita r u m a p a rte d o clero q u e apresentava
sinais de sensível m elh o ra e n ão recu sara tra b a lh a r nos lo ca is afetad o s p ela epidem ia de
cólera-m orbo — “m u ito s p erd eram suas v id a s p o r a q u e la s de seus irm ão s” — acres­
cen to u: “N ão b asta se o c u p a r d a e d u ca ç ão do c lero , m as é n ecessário , p ara a santidade
e a im p o rtân cia de seu caráter, fo rn ecer-lh e recu rso s p a ra q u e possa v iv er decentem en­
te, po up ado d a in d ig ê n c ia ; é p reciso co n fessar q u e são m e sq u in h as as côngruas de 300
m il réis q ue os cu ras receb em .” P ara rep a ra r tal situ a çã o , ele propôs q u e a Assembléia
P ro vin cial au m en tasse os 2 0 m il réis ex tra o rd in á rio s q u e os p ad res receb iam dos cofres
públicos, sendo o b rigad o s a co m p le tar, do p ró p rio bo lso , o salário de seus coadjutores,
aos q u aís os fundo s p ro v in ciais só d avam 50 m il réis a n u a is .20 A A ssem bléia não
respondeu ao apelo do p resid en te.
O p ro b lem a do salário dos p ad res foi n o v am en te co lo cad o por ou tro presidente de
P rovíncia, Jo ão Lins V ie ira C an san ção de S in im b u , q u e aliás o fez de form a mais
precisa que seus predecessores, d a n d o até u m a exp licação in teressan te. Segundo ele, o
pároco, m esm o com parcos recursos, era o u tro ra u m p erso n agem im p o rtan te que, se
precisasse de din h eiro — p ara co n sertar sua ig reja, por exem plo — era capaz de
levantá-lo. A gora, esbarrava no poder p o lítico : "se o respeito de q ue goza íbr um
obstáculo ao projeto am b icio so de um p o ten tad o p o lítico local, sua paróquia será
d ivid id a e seus recursos d im in u íd o s”. Em to d a p arte os padres tin h am que encontrar
protetores. N lo podiam pedir d in h eiro aos paro q u ian o s, nem .obrigá-los a cum prir
seus deveres religiosos. H avia os q ue chegavam a bater de porta em porra para distri­
b u ir cédulas eleitorais dos seus benfeitores. Por tu d o isso, era necessário dar a eles
m eios de v id a e só aju dar com din h eiro p ú b lico as paróquias cujos m em bros tivessem,
dem onstrado, através de oferendas, que tam bém estavam dispostos a colaborar (é
interessante observar que, ao pedir ao Legislativo para m elhorar a sorte do clero, o
presidente não escondeu a intenção de fazer com que os paroquianos colaborassem
tam bém ),21 Assim com o das vezes precedentes, os parlam entares baianos não acataram
essa nova recom endação. Os salários do pessoal eclesiástico perm aneceram fixos e
extrem am ente baixos até o fim do período im n p ri.l j . , „
H^noao im p erial, sem que os donativos dos fiéis
aum en tassem .
Sem d ú v id a , as pobres co n diçõ es m ateriais im postas ao clero influíam fortem ente
na relu ran cia dos ,o ven s em ab raçar esse cam in h o . M as não se devem afastar as razões
evocadas acim a, tao im p o rtan tes q u an to o fator m aterial: a carreira eclesiástica tornou
se m enos p restigio sa q u e as profissões lib erais, a m agistratu ra e até o funcionalism o
pú blico . N ão devem o s esq u ecer tam b ém q u e o núm ero de can didato s dim in u iu quan ­
do a alta h ie ra rq u ia passou a selecio n á-lo s com m aio r cuidado. D este ponto de vista,
a a titu d e do arceb isp o do m R o m u a ld o A n tô n io de Seixas foi m uito clara: “E se hoje
não é tão fácil e n c o n tra r h o m en s de v id as in o cen tes e sem m áculas, com o nos prim ei­
ros séculos, p elo m en o s é nosso d ever fech ar as portas do san tuário aos intrusos que
ousam ap resen tar-se sem luzes e sem costum es e q u e só vão servir para arruinar (a
Igreja) com o u m a rede e ste n d id a sobre o T ab o r, com o d izia o profeta.”22
Em m ead o s do sécu lo X IX , o clero b aian o era considerado o m ais culto e o de
m oral m ais elev ad a do B ra s il.23 A rigo rosa seleção elim in ava m uitos candidatos, le­
vando-os a re n u n c ia r ao sacerd ó cio . M esm o assim , apesar dessa laboriosa seleção e
das reform as d e stin ad a s a p rep arar m elh o r os padres para o trabalho apostólico, as
“im perfeições m o ra is ” e a “fa lta de ap tid õ es p ro fissio n ais” desse clero foram denun­
ciadas pelo p resid e n te de P ro v ín cia em 1 8 6 8 : “A indiferença com a qual alguns pá­
rocos en caram esse estad o de coisas, só se o cupando de assuntos não relacionados
com seu m in isté rio sag rad o , nos dão a m ed id a dos grandes m ales que afligem nossa
so cied ad e.”24 S erá q u e as refo rm as não h aviam chegado n u m m om ento adequado?
Em que co n sistiam ?
O m o v im en to refo rm ista estava preo cup ado em regenerar m oralm ente o clero
antigo e criar u m clero novo, in sp irad o no m odelo do C o n cilio de T rento, de 1545­
1563. E ntre as m ed id as to m ad as por do m R o m u ald o A ntôn io, arcebispo da Bahia e
figura em in en te do m o v im en to , destacaram -se: a obrigação de usar o hábito ecle­
siástico, com o sin al d istin tiv o do clero em suas funções litúrgicas, a prática restau
rada do celib ato , segu n d o os decretos trid en tin o s; a in stituição de conferências ecle
siásticas p ara m elh o rar o n ív el do clero ; e, fin alm en te, a criação de sem inários
diocesanos. As três p rim eiras in iciativas tin h am com o objetivo repor nos tri os o
clero m ais an tigo , en q u an to a ú ltim a dizia respeito à form ação dos novos candida­
tos ao sacerdócio.

O Uso d a B a t in a

o padre devia, arues de «udo, ser para seus semelhanres “um exemplo vivo, de^ r r u d e
« retidão, não apenas em sua vida de rodos os d ias e em s e u s ma t a m b ^
c o s . u m c s

em sua m aneira de vestir-se, gesrieular, eam inhar. po,s rude^nde ^ ^


i* • - com seu estado . As exigências a e caratcr
religioso, para q u e suas açoes identifiquem sc tu i
B a h ia , S é c u l o XIX

m o rai, a Igreja acrescentava exigên cias de ap arên cia exterior. N as C o nstituiçõ es Pri­
m eiras do A rcebispado da B ah ia, a preocupação de estabelecer regras sobre a aparência
dos padres em sua v id a co tid ian a p recedeu a preocupação de d itar seu com portam ento
m orai. Eles deviam vestir-se sem pom pa, luxo e o rn am en to s, de preferência com bar­
retes negros e roupas, tam bém negras, que lhes cobrissem os artelhos. A penas os cônegos
e os padres licen ciad o s (ou doutores) p o diam usar o anel, que d evia ser retirado
d u ran te a celebração d a m issa. Em casa, estavam au to rizad o s a usar roupas de ‘cores
honestas’: negro, m arro m , roxo e b ranco . V erm elh o , am arelo , verde e escalarte esta­
vam proibidos. Para q ue sua adesão à Igreja fosse visível em todo lu g ar e por todos, a
tonsura devia estar b em -feita, a b arb a e o b igo d e raspados e os cab elos cortados curtos,
po r cim a das orelhas. P ortar espada, sair à n o ite, b eb er, com er em tavernas, freqüentar
teatro, d an çar, m ascarar-se e p a rticip a r de jo go s de azar eram ativ id ad es proibidas,
M as, para a h ie ra rq u ia d a Igreja, não se tra ta v a apenas d e d ar nova vida aos
decretos trid en tin o s, adotan do m ed id as já p rescritas nas C o n stitu içõ es Prim eiras do
A xcebispado d a B ahia, do in íc io do século X V III; tratav a-se, sobretudo, de renovar a
con sciên cia d a d ig n id ad e eclesiástica. O h áb ito passou a ex p rim ir a ren u n cia e a
abnegação de u m a v id a in te ira m e n te d e d icad a ao serviço de D eus. D om Rom ualdo
A n tô n io , in iciad o em sua função em 1 8 2 8 , a ssu m iu nesse po n to u m a posição firme e
intransigen te. J á na sua segu n d a p asto ral, d a ta d a de 2 0 d e fevereiro de 1829, afirmou:
“C om o se caracterizarão aqueles (se é q u e há algu n s n esta diocese) q ue se apresenta­
riam para celebrar o terrível S acrifício , o u p ara sentar-se no S an to T rib u n a l da Peni­
tência, sem o hábito clerical com o q u al a Igreja os h o n ro u , m as com roupas inteira­
m ente seculares e profanas?” O bispo o rd en o u então q ue “n en h u m p ad re possa celebrar
o Santo Sacrifício sem b atin a, nem o u v ir u m a confissão na m esm a Igreja sem a batina
e a sobrepeliz”. E acrescentou: "N ós encarregarem os tam b ém , sob sua m ais estrita
responsabilidade, os R everendos Prelados dos conventos, os párocos, os sacristãos ou
outras pessoas aptas a dar perm issão p ara a celebração d a M issa, de recusá-la aos padres
que se apresentarem sem b a tin a .”25 N ote-se que, nessa p rim eira recom endação, o
arcebispo se lim ito u a prescrever o uso do hábito eclesiástico u n icam en te nas funções
litúrgícas. Isso é m uito revelador: o clero de então acostum ara-se a celebrar a liturgia
vestido como os leigos.
Esse p rim e iro p asso p à ra im p o r o uso d o h á b ito foi m a is d e ta lh a d o n a p asto ral de
1 8 3 2 , q u e tra to u d o s e stu d o s e d as o rd e n a ç õ e s sa c e rd o ta is . D ep o is d e le m b rar os
decreto s d c 5 d c ju n h o e d c 19 d e se te m b ro d e 1 8 3 0 so b re o uso o b rig a tó rio d a batina,
sem a q u a l h a v ia p ro va d e falta d e v e rd a d e ira v o c a ç ã o ”, d o m R o m u ald o A n tô n io
in sistiu n a e x ig ê n c ia : E n q u a n to a Ig re ja p ro c u ra d a r u m a tão a lta id é ia d a im p o rtân cia
com a q u a l h o n ra e d is tin g u e seu s m in istro s ( . . . ) q u e re p u ta çã o p o d e m erecer o
o rd en áv el q u e , ap esar d c nossas re p e tid a s ad v errê n cias e d u ra n te o cu rto p erío d o de
seu ap re n d izad o , d u ra n te o q u a l só a m o d é stia , o re c o lh im e n to e o fervor da piedade
d evem b rilh a r, tem o d esejo d e se ap re se n tar a nossos o lh o s, e x ib in d o su a d eso b ed iên ­
cia e com o não d c n u n c iá -lo d c não ter p resen te em seu esp írito o am o r do estado ao
L c v ro V- A I g r e ja
345

qual precende, tendo u m pé no san u tãn o e o o u .ro no século, segundo a eaoressão


energica dos prelados de T ren to ( . . . ) P nnri-í-m „ . o p ressão
.e de um a tão escandalosa violação das leis d a m d‘ferentes d lan ‘

Ap“ h t i t « « ÇÔCS' T CC T ° Prclad° n í° f0i - ^ ~ t e Obedecido,


po,s em ab ril de 1838 suspen deu padres r e c a lc itr a n .e s * N ão sei se essa nova m edida
s e r v i u para g en eral,zar o uso da b atin a. Sem d iv id a , o clero da capital se submeteu

mais facilm ente q u e o pobre clero das zonas rurais e das paróquias afastadas M as por
volta de 1880, hav.a padres que, no cotidiano , ignoravam a batina. Bellarm ino Sylvestre
Torres, por exem p lo , se vestia com roupas com uns, no exercício de seu m andato de
deputado à A ssem b léia P ro vin cial. A ssim aparece, na única foto que possuímos, este
padre p arlam en tar q u e era, ad em ais, p ai de num erosa fam ília. ’

O C e liba to

O celibato, já o v im o s, foi u m dos problem as debatidos publicam ente durante a


década de 1830, N ão o b stan te a v itó ria fin al de seus adeptos, a questão foi, sem
dúvida, um a das m ais espinhosas que a Igreja enfrentou. Ela parecia resolvida desde o
C oncilio de L atrão, realizad o em 1 1 2 3 , q u an d o o papa C alixto II declarou nulos os
casam entos dos sacerdotes e im pôs a m edida.
Em bora co n firm ad o pelo C o n cilio de T ren to , o celibato foi, no Brasil, m ais ficção
do que realid ade. O s padres brasileiro s nu nca obtiveram , é claro, permissão para casar,
mas o episcopado m o stro u-se to leran te para com aqueles que viviam em concubinato.
Q uando d a redação das C o n stitu içõ es Prim eiras (1 7 0 7 ), houve um esforço especial
para lem brar as razoes d a castid ad e: a consagração a Deus exigia pureza e reforma de
costum es. Aos olhos dos fiéis, to d a transgressão a esses preceitos tornava o padre
indigno de sua alta m issão e co b ria de desonra o estado clerical.
M as, para além de exortações m orais, que m edidas foram tom adas para erradicar
a prática do con cub inato? O arcebispo devía in icialm en te adm oestar os padres faltosos,
em segredo para evitar escândalo pú blico , e aplicar contra eles um a m ulta de dez
cruzados. Se a situação perseverasse, o padre perdia em seguida 1/3 de seu salário, num
terceiro estágio é que se cogitava de retirar dele todos os benefícios m ateriais e suspen­
der suas funções du ran te um ano. Se o padre continuasse em pecado, era privado para
sempre de codos os benefícios, salvo sc fizesse confissão pública, podendo, neste caso,
recuperar tudo o que lhe fora retirado. Q ualquer nova reincidência levava à excomunhão.
Essas m e d id a s m o stram c o m o a Ig reja se p reo cu p av a cm não a g ir p recip ita a
te, ao te n ta r traz e r d c v o lta a o v e lh a p e rd id a. M o stra m , tam b ém , q u e ela precisava se
esforçar p a ra im p e d ir q u e u m a q u e stã o m o ral causasse gran d es perdas em suas í eiras.
P rag m ática, a Ig re ja C a tó lic a b ra sile ira p refe ria im p o r sanções m aren ats an tes de recor­
rer às e s p iritu a is . P riv a r o p a d re d e su a ren d a parece ter sid o o m e o r m eio e c arn
lo à razão, o q u e n ão nos su rp re e n d e . M a s, q u e fazia a Ig reja q u an d o o p ad re nao
546 B a h ia , S é c u l o XIX

recebia a côngrua? Nesses casos, ap arecia u m a a ltern ativ a in teressan te: o padre era
in icialm en te repreen dido, recebendo u m a m u lta dc 1 .5 0 0 réis; se persistisse em suas
intenções, era enviad o à prisão por u m m ês; em seg u id a, se errasse de novo, era ex ilad o
d u ran te dois anos do territó rio de sua diocese e pagava m u lta de dez cruzados; final­
m en te, caso persistisse, era exilad o na Á frica e pagava u m a m u lta fixad a pelo arcebispo.
M esm o nesses casos, as sanções m a teria is p reced iam as e sp iritu a is. O pecado de
co n cub in ato não levava a n en h u m processo, po is o bispo era co m p eten te para aplicar
a pena, que a tin g ia tam bém a co n cu b in a , aliás com m ais força do q ue no caso das
m ulheres q u e m an tin h am relações ilíc ita s com leigo s. .
A ntes de ap licar as sanções, no e n ta n to , h a v ia m ed id as p reventivas. P ara evitar
q u alq u er fornicaçao, a m o ralid ad e das serv içais d ev ia estar a cim a de q u a lq u e r suspeita,
sendo form alm ente p ro ib id o q u e o p ad re tivesse criad as com m enos de cinqüenta
anos, a não ser q u e se tratasse de fa m iliare s (avós, m ães, irm ãs, so b rin h as e primas-
irm ãs), “pois o estreito laço de p aren tesco as co lo ca a cim a de su sp eitas”. A pesar dos
esforços, num erosos foram os p ad res q u e v io lara m essa d is c ip lin a fu n d am en tal da vida
religio sa cató lica. Para e x p licá -lo , é p reciso le m b ra r q u e a im a g em de padres casados e
com filhos era tão a n tig a no B rasil q u a n to a p ró p ria p resen ça d a Igreja. Esse costum e
era aceito pelo povo e estava p ro fu n d a m e n te en raizad o nos h áb ito s clericais. No
m om ento em q ue as refo rm as in terv ieram p a ra ab o li-lo , g ran d e p arte do clero viviá
m aritalm en te.
O caso d a B ah ia é ed ific a n te . M e u estu d o se b aseia em 114 testam entos e 29
inventários de padres falecid o s na P ro v ín cia en tre 1801 e 1 8 8 7 , o q u e con figura uma
am ostra razo avelm en te rep resen tativ a. Ign o ro , p o rém , a id ad e em q u e cad a um desses
padres faleceu. D esses 114 p ad res, dois — Jo sé A lves de B arata e Ignacio José M aria
— eram viúvos q u an d o receberam a o rd en ação . O p rim eiro , falecid o em 1827, tinha
sido casado com d o n a F elícia, q ue lh e d era duas filh as e cinco filh os, um dos quais
seguira a carreira do p a i.27 Ign acio Jesu s M a ria , falecid o em 1 8 3 7 , tornara-se padre
para superar o sofrim ento cau sado p ela m o rte d a m u lh e r em u m p arto .28
Restam os inventários de 112 padres, todos declarad o s celib atário s, com o exigia a
lei. Sessenta e sete deles m o rreram entre 1801 e 1 8 5 0 ; 4 5 , en tre 1850 e 1887. Se
adm itirm os que, em geral, m o rreram com 55 a 65 anos de idade, nasceram entre
m eados do século XVIII e m eados do século XIX. T rata r-se -ia en tão de um clero an­
tigo, form ado sem a influên cia das duas reform as essenciais — a restauração do celi­
bato e a fundação dos sem inários episcopais — in tro d u zid as a p a rtir dos anos 1840.
Q ue com portam ento teve esse clcro?
A ta b e la 6 4 é c la ra : 8 2 % d o s p a d re s fa le c id o s e n tre 1801 c 1 8 5 0 n ão d e clara ra m
filh o s, m as e n tre 1851 e 1 8 8 7 esse p e rc e n tu a l c a iu p a ra m e n o s d a m e ta d e (4 8 , 9 % ). É
esp an to so , m as é fác il e x p lic a r: os p a d re s falec id o s n o s e g u n d o p e río d o a in d a e ra m , por
id a d e e m e n ta lid a d e , h o m e n s d o sé c u lo X V III.
P or q u e , e n tã o , no p e río d o a n te r io r , a in d a m a is p ró x im o d o sé c u lo X V III, só 18%
d e c la ra ra m filh o s? A q u i ta m b é m a e x p lic a ç ã o é sim p le s: em 1 1 d e a b ril d e 1831 f°*
t a b e l a 64

N0MER° DE F iu io s ' ' a :>kí s Baianos (1 8 0 1 -1 8 8 7 )


P e r ío d o ^ 1 8 0 1 -1 8 5 0
1851-1887
N ° de P a d r e s
<>7 (%) ~ ~
45 (%)
N° df F íimos D r .n arados
Zero
55 (8 2 ,0 ) 22
Um 6 ^ 22 «W>
Dois 3 ,A , 3 ^,7)
Trcs f 6 0 3 .3 )
Quatro _ ‘ ’ 6 03,3)
A - ■ ' 4 ( 8 ,9 )
L m co ou m ais „ ,
" 4 (8,9)

d iu a eSr TeStament° S C ]nVemán0S d íP°SItados n° A rq u ivo do Estado da Bahia, Seção Judi-

publicado u m d e c re to , a ssin a d o p elo m in istro d a Ju stiç a , p ad re D iogo A ntôn io Feijó,


concedendo aos filh o s ile g ítim o s de q u a lq u e r n atu rez a a cap acid ad e ju ríd ic a de h erd ai
de seus p ais, c o n ta n to q u e estes não tivessem h erd eiro s necessários (“nem a iei do
Livro 4 , títu lo 93 d o C ó d ig o F ilip e n se n em o u tra L egislação em v igo r proíbe que os
filhos ile g ítim o s d e q u a lq u e r n a tu re z a sejam in stitu íd o s h erd eiro s p o r testam entos de
seus pais, caso n ão te n h a m estes h erd eiro s reserv ató rio s”) . 29 A o declarar laconicam ente
que q u a lq u e r filh o ile g ítim o p o d ia ser c ita d o em testam en to e herd ar de seu pai, esse
decreto d e u aos p ad res a p o ss ib ilid a d e de reco n h ecer seus bastardos, tornando-os
herdeiros. L em b rem o s q u e , a té e n tã o , o filh o n atu ral não p o d ia ser reconhecido por
um pai (o u m ãe) q u e tivesse receb id o o rd em relig io sa. O decreto resolveu situações
sem solução, le g a liz a n d o -a s, n u m p erío d o em q u e se d iscu tia a abolição do celibato.
Em nossa a m o stra, a n tes d e 1831 só do is p ad res d eclararam p o ssuir filhos naturais,
m esm o assim gerad o s a n te s das resp ectivas ordenações.
M ais d a m etad e dos p ad res falecid o s em S alv ad o r eram pais de fam ília. Pode-se
estender esse resu lta d o à to ta lid a d e do clero baiano? C reio q ue não, por duas razões.
Em p rim eiro lu g ar, fazer testam en to não era p rática gen eralizada. N a m aior parte das
vezes, p retcn d ia-se re g u la riz a r situ açõ es sin gu lares ou favorecer terceiros com legados
que, freq ü en tem en te, n ão in teg rav am os bens fam iliais. A lém disso, o num ero de
testam entos e in v en tário s u tiliz ad o s nessa análise está longe de abranger o total de
padres falecidos em S alv ad o r en tre 1801 e 1887. Só a reconstituição de todos os casos
perm itiria v erificar se a con statação acim a é exata, dando um significado real ao
percentual en co n trad o .
Focalizem os agora a fig u ra do padre-pai, conhecida na cidade de Salva or. A
tabela 64 in fo rm a sobre o núm ero de filhos vivos no m om ento em que seus pais
faziam o testam ento . À p rim eira vista, poderia parecer que esses nascim entos eram
acidentais, já q u e a legislação eclesiástica proibia o concubinato, im pondo severas
sanções em caso de transgressão. Q uase todos os testadores justificavam seu erro
invocando a 'fra g ilid ad e h u m an a’ ou a ‘fraqueza da carne’, frases que tomam um
sabor p articular na boca de hom ens consagrados à Igreja. Essa exphcaçao s seria
348 B a h ia , S é c u l o XIX

aceitável se se tratasse de encontros am orosos episódico s, sim p les e sem conseqüên­


cias. N ão parece ter sido o caso: se tom arm os to d a a am ostra, apenas 25% dos pa­
dres d eclararam um filho — e não se sabe se disseram to d a a verdade. Q uarenta
por cento deles chefiavam fam ílias num erosas, com três filhos ou m ais, o que exclui
a id éia de relações acid en tais, resu ltan tes de frag ilid ad es passageiras. N otem os que 0
percentual das fam ílias num erosas girava, na B ah ia, em torno de 50% . O u seja: as
fam ílias dos padres eram m u ito sem elh an tes às outras.
Os padres m an tin h am sem pre a m esm a m u lh er, m ãe de seus filhos, o que ex­
clui a possibilidade de en co n tro fo rtu ito o u relação sexual a cid e n tal. A que meio
social perten ciam essas m ulheres? P ara resp o n d er, sou o b rig a d a a recorrer a hipóte­
ses. Seus nom es — Jo a q u in a R ita do A m o r D iv in o , A n a Jo a q u in a de São jo sé , Rita
do Paraíso etc. — eram típ ico s d a classe m é d ia b aix a d a p o p u lação livre. A ausência
de um p atro n ím ico era co m u m nas classes p o p u lares. A lém disso, no ta-se tam bém a
faita da palavra ‘d o n a1, q u e sem pre p reced ia os pren om es d e m u lh eres das classes
superiores. U m padre a d m itiu q ue a m ãe de seus filh os era su a escrava m u lata, Ana
M aria da Saúde.
Essas m ulheres eram jo v en s q u an d o e n tra ram n a v id a dos padres, geralm ente a
serviço, desobedecendo à in terd ição eclesiástica, q u e, com o v im o s, ex ig ia que as empre­
gadas tivessem u m a ‘id ad e c an ô n ica ’, isto é, m ais de c in q ü e n ta anos. O concubinato
com um padre trazia m u itas v an tagen s p ara tais m u lh eres, em term os de segurança e
ascensão social, m esm o que as rendas do parceiro não fossem m u ito grandes. As crianças
que nascessem dessas u niões tin h am fu tu ro assegu rado e freq ü en tem en te prestigioso,
pois quase todos os filhos de padres se in seriam nas cam ad as sup eriores d a sociedade,
fazendo carreira com o advogados, m éd ico s, m agistrad o s, fu n cio n ário s, professores,
com erciantes ou m esm o religiosos. Q u an to às m en in as, d ev id am en te dotadas por seu
pai, casavam com hom ens do m esm o m eio so cial q ue seus irm ãos ou, se ficassem
solteiras, herdavam bens paternos q ue as p ro tegeriam d a po breza e d a in d ig ên d a.
O prestígio da função do pai era extensivo à m u lh e r e às crian ças, m esm o que essas
últim as só fossem reconhecidas — q u an d o o fossem — por testam ento . N um a socie­
dade em que nascim entos ilegítim o s não eram ob stáculo social — até porque eram
mais regra que exceção — , ser filho ou filh a de padre não m udava grande coisa. Ao
contrário. Essa filiação era con siderada um p riv ilégio , já que facilitava o acesso a
profissões e funções respeitadas. Se a sociedade aceitava com n atu ralid ad e o comporta­
mento faltoso do clero, com preende-se com o era d ifícil para a alta hierarquia da Igreja
impor o celibato. Reform ar tais hábitos era, em certa m edida, reform ar costumes de
toda a sociedade. Exigia-sc um duplo com bate. Por isso, o arcebispo dom Romualdo
Antônio colocava a reforma moral da sociedade brasileira antes da reform a clerical.
T a n to q u a n to p o d em o s d e p re e n d e r, a a titu d e d a h ie r a r q u ia e c le s iá s tic a b a ia n a foi
ex trem am en te d isc re ta d ia n te d essa situ a ç ã o . O b ió g rafo d e d o m R o m u a ld o A n tô n io
^RSCf CVCU aSS*m a a t iv id a d e p a sto ral d este, no to c an te à re fo rm a m o ra l do clero:
e o rm ad o r p ru d e n te e c irc u n sp e c to , seu p rim e iro c u id a d o fo i d e re g e n e ra r o clero,
m as assim co m o é d ev er do m éd ico de co m ecar n ,
■ ' tratam en to extirpando um tum or
cujas raizes cresceram nos tecid o s o rgân ico s do r o m . a
„ a -j j corp o, d a m esm a m aneira o prelado
consagrou to d o o seu c u .d a d o e a naaior d e.icad eaa p , ra exd rp ar o m al q u e afe ava Õ
clero; m as re sg u a rd a n d o su a d .g n .d a d e sem eseândalos e sem recorrer a m étodos
coercitivos, sem p re p e n g o so s, so b retu d o p a ta a épo ca à q u al nos referim os Foi um a
dem o n stração de p ru d ê n c ia e s a b ed o ria d o p relad o b aian o , q u e d ecid iu não p recip itar
a evolução d e u m processo cu ,o s resu ltad o s p o d eriam provocar perigoso m al-estar na
sociedade e n o clero .
N o ú n ic o caso d e q u e ten h o c o n h e c im e n to - o do p ad re B e lla r m in o S y lv e stte
Torres — o b isp o p r e fe n u tra n s fe rir o c u lp ad o p a ra o u tra p aró q u ia, e v ita n d o in fligir-
lhe p u n içõ es, “sem p re p e rig o s a s ”. M a is u m a prova de lu cid ez. Sab endo que não con­
seguiria m o d ific a r essa re a lid a d e , o b isp o co n ceb eu sua ação refo rm adora em perspec­
tiva, com v istas ao fu tu ro , e x ig in d o dos novos padres o q ue os antigos não podiam
oferecer. Essa lin h a foi s e g u id a p o r to d o s os bispos q u e lh e sucederam à frente da
arqu id io cese (d o m M a n o e l J o a q u im d a S ilv e ira , 1 8 6 1 - 1 8 7 4 ; dom Jo aq u im G onçalves
de A zevedo, 1 8 7 7 - 1 8 7 9 ; d o m L u iz A n tô n io dos S an to s, 1 8 7 9 -1 8 9 0 ; dom A ntôn io de
M acedo C o sta , n o m e a d o em 1 8 9 0 e m o rto em seg u id a ). .
Sem d ú v id a , a re g ra d o c e lib a to c o n tin u o u a ser tran sg red id a, sobretudo nas zonas
rurais. M as, n o fim d o sécu lo X IX , o c o n c u b in a to c le ric a l torn ou-se ‘coisa escondida e
inconfessável, to le ra d o p o ré m ig n o rad o p ela Igreja, aceito pela sociedade sem discussão.
Q uando re c e b ia m v isita s d o s b isp o s, os p ad res co stu m av am m an d ar seus filhos para a
casa de p a d rin h o s, o q u e p ro v o cav a co m en tário s m ais ou m enos generalizados. Deve­
mos la m e n ta r essa m u d a n ç a d e a titu d e , q u e in tro d u z iu h ip o crisia onde antes havia
clareza e n itid ez ? T a lv e z . N ã o h á d ú v id a de q u e isso fez m ais m al do q ue bem à Igreja.

As C o n f e r ê n c ia s E c le s iá s t ic a s

Lara parte do clero , u m a refo rm a im e d ia ta em seus costum es p arecia im possível. M as


o surgim en to das co n ferên cias eclesiásticas pelo m enos p erm itia que todos os padres
aprofundassem o estu d o das d iscip lin a s religio sas, especialm en te a teologia moral.
Iniciadas no século X V Í p elo bispo de M ilã o , são C arlos B orrom eu, e la s se destinavam
^ aju d ar o bispo ou seu rep resen tan te a aco m p an h ar m ais de perto a vida espiritual e
m oral do clcro, c rian d o as con dições para que fossem transm itidas recom endações .
Dom R o m u ald o A n tô n io in s titu iu essas conferências logo no in ício de seu episcopa-
do: “A ho nra de nosso estad o , a causa da religião da qual somos os m inistros e a
Própria característica de nossa época exigem de nós todos os esforços para obter m
" — - ™ i 8 3 o . ^
o mesmo n ív el q ue os leigos de seu tem po p ir-** a<*«*n m inisté-
. . Urt.it-rinaç essenciais e específicas de seu m im ste-
mais vergonhoso q u e ele ignorasse as dout
rio ou sua profissão."
350 B a h ia , S é c u l o XIX

O clero de S alv ad o r foi co n v id ad o a reu n ir-se d u as vezes por m ês na sede do


sem in ário episcop al para assistir co n ferên cias sobre teo lo g ia m o ra l.31 O bispo se preo­
cupava tam bém com o clero ru ra l, cu jo n ív el c u ltu ra l era m u ito b aixo : E porque não
é ju sto q ue os reverendos curas das p aró q u ias ru rais sejam p riv ad o s desse socorro que,
nos locais em q ue vivem , to rn a-se a in d a m ais necessário p o r fa lta de o u tro s m eios e por
causa da d ific u ld ad e de esclarecer d ú v id as q u e nascem a c ad a passo do exercício das
funções p aro q u iais e, p rin c ip a lm e n te , n a a d m in istra ç ã o dos sacram en to s da penitência
e do m a trim ô n io , orden am o s q u e, em cad a u m a d as p a ró q u ias nos d istrito s das quais
h aja m ais de três padres q ue possam se re u n ir sem m u ita s d ific u ld a d e s, m esm o que se
trate d e capelães de cap elas o u de en g en h o s, tais co n ferên cias ten h am lu g ar no prin­
cípio de cad a m ês, no cu rato o u na s a c ristia d a ig re ja m a tr iz ,”32 . .
N ão sei em q u e m ed id a essas co n ferên cias efe tiv am e n te fu n c io n a ra m com a re­
gu larid ad e p rescrita. E ra, sem d ú v id a , m aís fácil re u n ir os p ad res de Salvad o r que
os do in terio r, dispersos n u m te rritó rio im en so e afastad o s u n s dos o u tro s por cen­
tenas de q u ilô m etro s. De q u a lq u e r m a n e ira, essa in ic ia tiv a do b isp o b aian o foi exem­
plar, logo rep ro d u zid a em o u tras d io ceses, co m o a do M a ra n h ã o .33 M as, ain d a nes­
se p artic u lar, eram m u ito tên u es as p o ssib ilid a d e s de im p o r novas atitu d es a um
clero m al p rep arado para o ex ercício do m in is té rio e h a b itu a d o a in d ep en d ên cia e
isolam ento. As co n ferên cias eclesiásticas eram so lu ção p ro v isó ria. H a v ia necessidade
de em p reen d er u m árd u o trab alh o de seleção e ed u cação . C o m a criação dos semi­
nários episcopais, os bispos b rasileiro s ten ta ram fo rm ar u m novo tip o de padre, mais
fiel ao m odelo trid e n tin o . A b an d o n o u -se a v elh a p rá tic a de recru tar o clero entre
jovens sem form ação sistem ática.

Form ação do C lero -

N a época co lo n ial, q uatro cam in h o s, não ex clu d en tes e n tre si, p o d iam preparar para
a v id a religiosa. O p rim eiro eram as C o n frarias do M e n in o Jesu s. C riad as nos Colégios
Jesuítas no século XV I, elas eram d irig id a s e m an tid as po r leigos. Desapareceram
m uito cedo, pois os jesu ítas não aceitavam com facilid ad e q ue leigos se im iscuíssem
nos negócios da O rdem .
O segundo eram os próprios C o légio s Jesu ítas que, entre 1560 e 1759, funciona­
ram em regim e dc in tern ato , sendo responsáveis pela educação dc jovens, independen­
tem ente de sua opção pela carreira sacerdotal. O ensino era m in istrado alí em três
graus elem entar, secundário (h u m an idades) e sup erior (artes) — e, durante certo
período, os que pretendiam seguír na vida religio sa faziam , à parte, um curso de
teologia m oral e especulativa. D epois do fracasso das confrarias, os colégios se dedica­
ram à form ação dos futuros sacerdotes.
O terceiro cam inho eram os sem inários eclesiásticos. Nas últim as seções do Con­
cilio de T rento os participantes insistiram na necessidade de preparar m elhor os pa-
dr« com a criação dc sem in ário s. A ssim com o „ os países d l E
esse desejo tam b ém tard o u em transform ar-se em realidade O n ■ ■
fim dado no fim do sécu lo X V I. pelo je su íta B arro,om eu de C I SZ Z Z lT Z
Cachoetra no R econcavo b a,an o , p reren d ia en sin ar as crianças a ler, escrever e contar
e dar-lhes hçoes d e g ram a r,c a e h u m a n id ad es, m as não de filosofia. As hom ilias dom i
nicais bastar,am p ara en sm ar-ih es os m istério s d a fé. T rarava-se, em sum a, de form ar
bons curas d e p aro q u ia e nao dou tores d a Igreja ou teólogos. Sem pre pela iniciativa
dos jesuítas, nu m ero so s sem in ário s foram depois fundados no Brasil.
Por fim , na ép o ca c o lo n ia l h a v ia os sem in ário s diocesanos que, ao contrário dos
eclesiásticos, d e p e n d iam d a a u to rid a d e episcop al. C o m eçaram a surgir a partir do
meio do século X V III, tam b ém sob in flu ê n c ia dos jesuítas. G abriel M alagrida, “ver­
dadeiro m issio n ário p o p u la r”, foi seu in icia d o r. T en d o v isitad o as terras do Norte e
do N ordeste nos anos 1 7 4 0 , esse je s u íta perceb eu q ue era necessário agir para m elho­
rar a form ação dos jo v en s sacerd o tes. Em 1 7 5 1 , obteve perm issão do rei de Portugal
para íu n d a r sem in ário s o n d e q u er q u e se fizessem necessários. A té 1676 o Brasil
contava com u m ú n ic o b isp ad o , o d a B ah ia, e os futuros padres faziam seus estudos
nos colégios dos je su ítas, term in a n d o sua fo rm ação, even tualm ente, em Portugal, de
onde v o ltav am d o u to re s em d ire ito can ô n ico o u d ireito civil. A id éia do padre
M alagrid a d e fu n d a r u m sem in ário diocesan o recebeu apoio integral do arcebispo
dom B otelho, ch egad o à B a h ia em 1 7 4 1 . H á indicações de que a direção desse sem i­
nário foi co n fiad a aos p ad res d a C o m p a n h ia , e é provável que ele tenha funcionado
nas d ep en d ên cias d o C o lé g io dos Je su íta s em Salvado r. Em 1756, foi transferido para
imóvel p ró p rio , in stala n d o -se sob a invocação de N ossa Sen h o ra da C onceição. Em
dezembro de 1 7 5 9 , foi in v a d id o por soldado s, q u e pren deram os jesuítas e expulsa­
ram os alu n o s. Foi n ecessário esperar o in ício do século XIX para ab rir um novo
sem inário d io cesan o , sob o u tra d ireção . D epois da expulsão dos jesuítas, todos os
sem inários d irig id o s p o r eles foram fechados, com exceção do de M arian a (M G ), que
continuou a fu n cio n ar in term iten tem en te,
Apesar dos esforços, a fo rm ação dos padres co n tin u o u extrem am ente precária
durante o período co lo n ial e m esm o depo is. Os jovens que queriam abraçar a car
reira eclesiástica p o diam apresen tar-se d ian te dos exam inadores sinodais sem haver
passado por um co légio jesu íta ou um sem inário . Os candidatos ao sacerdóc
quinam seus co n h ecim en to s com professores particulares, na m aioria das ve
giosos.^ A p artir de m eados do século XIX, dois institutos passaram a zelar pela
formação dos can d id ato s. . , c„ ...
O S em in á rio M en or, fundado cm 1852 com o nome de Scram ário dc Sao V .cen
de Paula, ab riu suas p o r,as, inieh .lm e.irc, para rodos os jovens: Q ue os pa.s de
fem ilias não fiq u em receosos pela denom inação de sem .náno ecles.ásnco ou pela
idéia de que ele é u n icam en te destinado ao aprendizado dos que asptram ao sacerdd-
c b ”, escrevia o arcebispo. “M esm o que esta seja nossa prim e.ra mtençao, sem d ü w ^
digna da aprovação de todos os q u e desejam o m elhoram ento do clero, suas portas
352 B a h ia , S é c u l o XDC

estão abertas a todos os jovens q u e se ap resen tarem com as co n d içõ es prescritas peíos
estatutos, a vocação de cad a u m p ara q u a lq u e r o u tro estad o p erm an ecen d o inteira­
m ente liv re .”35
M as em 1 85 6 os padres lazaristas to m aram a d ireção do se m in ário , que passou
a d ed icar-se exclu sivam en te a can d id ato s ao sacerd ó cio . Essa o rien tação correspondia
m elh o r ao novo m o d elo de Igreja, q u e d esejav a sep arar o m u n d o esp iritu al e 0
m a teria l, clérigo s e leigo s. O s padres d ev iam ser fo rm ad o s p a ra to rn ar-se exclusiva­
m en te os “curas das a lm a s”.36 N esse se m in á rio , e n sin a v a m -se la tim , francês, grego,
geo grafia, retó rica e filo so fia, m atérias co n sid e ra d as p rep ara tó ria s p ara o curso de
teo lo gia. Q u an d o foi fu n d a d o , ele fu n c io n a v a co m a lu n o s extern o s e internos; mas,
q u an d o os lazaristas assu m ira m a d ire ç ão , o e x te rn a to foi s u p rim id o , sendo restabe­
lecid o em ju n h o de 1 8 6 2 . O e sta b e le c im e n to n ão re c e b ia n e n h u m a subvenção do
E stado e v iv ia ex clu siv am en te de a n u id a d e s p agas p elo s a lu n o s, o q u e , aliás, explica
em p arte suas sucessivas tran sfo rm açõ es.
A provados em 1 8 6 1 , os estatu to s e x ig ia m q u e os a lu n o s tivessem pelo m enos dez
anos de id ad e, m an ifestassem in te n ç ã o de s e g u ir a c a rre ira sac e rd o ta l, não tivessem
sido expulsos de o u tra esco la e n ão fo ssem filh o s n a tu ra is . C o m p reen d e-se o quanto
esta ú ltim a co n d ição cau sav a p ro b lem as aos b a ian o s. E la foi fin a lm e n te su p rim id a em
1 8 8 8 , o q ue d em o n stra q ue nessa ép o ca, ap esar dos esforços d a Ig re ja p a ra reform ar os
costum es dos fiéis, os n ascim en to s ile g ítim o s a in d a eram c o m u n s n a so ciedade baiana.
M as a n o rm a fo i restab elecid a e m 1 9 0 0 , o q u e m o stra co m o a Ig re ja estava apegada a
esses p rin cíp io s de ap licação tão d if íc il.37 P o u co s a lu n o s p o b res eram adm itid o s no
S em in ário M e n o r, p o is as vagas g ra tu ita s eram escassas. D ava-se p referên cia àqueles
que, além do atestad o de po breza, a p resen tassem traço s de talen to e bom caráter,
tran sm itin d o u m a esp eran ça bem fu n d a d a de q u e p o d e riam ser ú teis à Ig reja ”.38 Não
se conhece a o rig em so cial desses jo v en s se m in a rista s, m as é p ro vável q ue pertencessem
às cam adas sociais m édias d a so cied ad e b a ian a. M u ito s deles p ro vavelm en te vinham de
regiões ru rais, onde o padre m a n tin h a certo p re stíg io .39 '
U m a vez ad m itid as no sem in ário , essas crian ças eram su b m etid as a severa disciplu
na d u ran te os q u atro anos de estudos. O s dias eram p reen ch id o s com serviços religio*
sos e trabalh o. E m pregavam -se todos os m eio s — com o reclusão no sem inário e
v ig ilân cia para assegurar a m o ralid ad e e a ap tid ão dos can d id ato s, evitando o
contato destes com a corrup ção do século*. Era u m a tarefa fácil q uando o seminário
funcionava em regim e de in tern ato , m as im possível q u an d o h avia estudantes externos,
que traziam consigo as tentações do m u n do exterio r. N em sem pre era fácil afastar esses
estudantes das influên cias da v id a em sociedade.
E m 1815, a n te s d a c ria ç ã o d o S e m in á r io M e n o r , o a rc e b isp o d o m F re i F ran cisco
d e S ão D âm aso A b re u V ie ir a fu n d o u o S e m in á r io M a io r , o u S e m in á rio d e C iên cias
E c le siástica s, e s ta b e le c id o n a a n tig a r e s id ê n c ia d o te so u re iro d o c a p ítu lo -c a te d ra l, cô
n e g o R o d rig o T e lle s d e M e n e z e s q u e , ao m o rre r, le g a ra se u s b en s à Ig re ja . Q u a n d o , em
1 8 2 8 , d o m R o m u a ld o A n tô n io to m o u p o sse e m su a d io c e se e n c o n tro u ali co n d içõ es
L iv r o V- A I g r e ja
353

m u ,t0 V ™ S- V ™ * do trono episcopal, sem pastor


desde 1 81 6, e as g u erras p ela in d ep en d ên cia da B ahia haviam desm antelado a inst
a in su tu i-
ção, ab an d o n ad a p elo s estu d a n te s, q u e co n tin u av am a aco m p an h ar aulas de
um
franciscano, frei L uiz de S a n ta T ereza, m in istrad as no m onastérío de São Bento
Em 1 8 2 4 , o go vern o im p e ria l ced eu à Igreja o an tig o convento dos agostinianos
recoletos - o ho splcto de P alm a — p ara que ali fosse estabelecido o sem inário O
prédio estava em tal estad o q u e só rea b riu as portas dez anos depois, sob a direção do
padre José M a ria L im a . 0 Em h o n ra d e seu fu n dado r, co n tin u o u a se cham ar S em i­
nário de São D âm aso . Em su a p asto ral de 12 de m arço de 1834, dom R om ualdo
A ntônio a n u n c io u a re a b e rtu ra do sem in ário e en u m ero u as d iscip lin as que seriam
ensinadas: “T e ríam o s d esejad o a p resen tar im ed iata m en te um sistem a com pleto de
estudos eclesiástico s; m as esse p ro jeto e ab so lu tam en te irrealizável porque o sem iná­
rio só dispõe de p o u q u íssim o s recu rso s. É por esta razão q u e nos lim itam o s a estabe­
lecer por e n q u a n to as c áted ra s de lín g u a francesa, retó rica e filosofia racio nal, história
eclesiástica, te o lo g ia d o g m á tic a e m o ral. O s can d id ato s (ao sem inário ) devem , por
conseguinte, a n e x a r a seu p e d id o u m c ertifica d o d eclaran d o que foram exam inados e
aprovados em lín g u a l a t i n a . . . ”41 O p relad o b aian o en co n tro u dificuldades para re­
crutar professores cap azes d e d a r u m a só lid a fo rm ação esp iritu al aos candidatos ao
sacerdócio. Em 1 8 5 2 , e n tre ta n to , a a b e rtu ra do S em in ário M en o r p erm itiu concen­
trar o en sin o do S e m in á rio M a io r em d iscip lin as essen cialm en te religiosas, como
história e clesiástica, exegese e h is tó ria sa n ta (p rim eiro an o ), d ireito n atu ral e teologia
dogm ática (seg u n d o a n o ), d ire ito can ô n ico e teo lo gia m o ral (terceiro ano), teologia
m oral, e lo q ü ên cia sacra e litu r g ia (q u arto a n o ).42 N esse m agistério distinguiam -se
padres secu lares, p erte n c e n te s à d io cese, e teólogos baianos, com o frei A ntôn io de
V irgem M a ria Ita p a ric a , q u e e n sin o u d u ran te m ais de trin ta anos teologia dogm ática
e história do d o g m a, e frei R a im u n d o N o n ato de M ad re de D eus Pontes, professor
de teologia m o ral e s a c ra m e n ta l.43
A teo lo g ia e n s in a d a estava a serviço d a form ação do clero. M enos do que ciência ,
ela se p ro p u n h a a ser sistem atização — rep etitiv a, não criativ a de mformaçoes
teológicas e do m ag istério eclesiástico . U m a teolo gia a serviço d a ortodoxia rom ana, o
que era coerente com as posições assum idas pela Igreja, que tom ara partido do papa.
Aliás, a ro m an ização d a Igreja b rasileira teria sido im possível sem essa tentativa de
extirpar as d o u trin as lib erais e regalistas, gló ria do ensino religioso de outrora, que te e
no cônego dom A n tô n io Jo aq u im das M ercês (1 7 8 6 -1 8 5 4 ) um dos nomes mais
representativos. Sem d eix ar d e defen d er a ortodoxia rom ana, a teologia ensina a nos
sem inários foi colo cada a serviço da defesa da Igreja e assum iu caráter apologénco no
combate a idéias em voga. Q u an d o , cm 1873, dom M an u el Jo aquim da Silveira
Preparou u m a resposta teo ló gica ao m a n f e .o m açònico, recorreui às teses do teólogo
franciscano frei A n tô n io d a V irgem M aria Itaparica, para quem a gre,a se “
Pregar a boa nova de u m a m an eira sim ples e narradva, eom o Sao Paulo havia ferro em
Presença do A erópago, na G récia, vis.o q u e esra boa nova nao era um a escola de
354 B a h ia , S é c u l o XIX

ciên cia H o entanto , a Igreja responde com discussão cien tífica a todas as dificul­
dades que lhe são apresen tadas.”44
A pesar de todos esses esforços, o ensino nos sem inário s deixou a desejar durante
m uito tem po. Em 1872, o governo im p erial d eclaro u que esse estabelecim ento conta­
va com professores que não estavam à a ltu ra de sua tarefa. Em Salvado r, essa afirmação
apareceu, por exem plo, no jo rn al cató lico C h ron ica R eligiosa , q ue a trib u iu a situação à
intervenção do próprio governo nos negócios d a Igreja, feita com “m á vontade em
relação aos negócios religiosos”. O ensino nos sem inário s tin h a sido reduzido e o número
de padres, lim itad o .45 C o m efeito, c o n trariam en te aos sem in ário s m enores, mantidos
po r anuidades pagas por seus alu n o s, os grandes sem in ário s recebiam subvenções do
Estado, que dem onstrava po uco interesse em a u m e n ta r suas despesas nessa atividade.46
O núm ero de can d id ato s que freq ü en tavam o S em in ário M a io r da B ah ia era, com
efeito, pequeno. E ntre 1857 e 1861 o scilo u en tre 2 0 e 2 3 alu n o s e desse últim o ano até
1889 entre 4 0 e 50, atin g in d o o n ú m ero m áxim o de 5 4 alu n o s em 1879. Em 1861 só
houve seis ordenações; em 1 8 7 0 , o ito ; em 1 8 8 6 e 1 8 8 9 , cin co . J á em 1870, o presiden­
te d a P rovíncia, B arão de São L o uren ço , assin alo u q ue a q u a n tid ad e de padres forma­
dos era in su ficien te, atrib u in d o esse fato à d im in u iç ã o do gosto p ela v id a religiosa.47
H o rários, d iscip lin as en sin ad as, regras d e co n d u ta , sanções ap licad as contra recal-
citrantes e todos os d em ais aspectos dos estatuto s desse S em in á rio de C iências Ecle­
siásticas eram tão severos q u an to os do S em in á rio M en o r. P o r exem plo , os seminaris­
tas que, d u ran te as férias, se vestissem com o leigo s e freqüentassem teatros ou cafés —
para não falar em locais m enos decentes — p o d iam p erd er o ano letivo ou sofrer outra
punição im posta pelo arcebispo. Só era p e rm itid o in tro d u z ir no sem inário o jornal da
diocese. A pesar dessas in terd içõ es, relacio n ad as com o desejo de form ar um clero que
tivesse aprendido costum es irrep reen síveis, do m A n tô n io de M aced o C osta foi obriga­
do a reconhecer fracassos. Ele não h esito u , por exem plo , em criticar o padre Romualdo
M aria de Seixas B arroso, p o stu lan te a bispo: “F ala-se m u ito na B ah ia e alhures do que
o governo pensa sobre o padre R om ualdo M a ria de Seixas Barroso com o candidato a
um trono episcopal vacante. Esse jovem m in istro do cu lto não m e parece reunir as
qualidades requeridas para se to rn ar bispo. O padre Barroso tem um conhecimento
m uito superficial em m atéria de teo lo gia e d ireito can ôn ico e tem grandes lacunas na
doutrina, o que se pode constatar em seus escritos. N om eado há alguns anos reitor do
Sem inário da B ahia, co n trib u iu para q ue esse estabelecim en to caísse num terrível
estado de desorganização. N ão é piedoso nem tem espírito sacerdotal. Apresentados
por ele, foram ordenados alunos que já eram concubinos notórios, im orais, devassos
e sem instrução.”48
O padre R om ualdo M aria era sobrinho de dom R om ualdo A ntônio, grande pfc~
lado reformador, e integrava a elite intelectual da arquidiocese. Deve-se considerar que
dom A ntônio fez um julgam en to severo dem ais a seu respeito? Talvez não. Ao lado de
seu m inistério sacerdotal, o padre R om ualdo M aria exercia funções políticas ■f°*
deputado à A ssem bléia Provincial por m ais de vinte anos (1854—1876) — que fizeram
L ivr o V - a I g reja
355

TABELA 65

N úmero de A luno s em S e m in á rio s B a ia n o s , 1 8 5 3 - 1 8 8 9 .


A nos S e m in á r io M enor
S e m in Ar io M a io r

In tern os Externo s I n tern os Ex t e r n o s


1853 70 102 32 53
1855' - 256 - —

18572 - 37 - 23
1858 - 80 - 21
1860 - 93 - 20
1861 - 83 - 23
18633 47 - 25 40
18634 84 - 22 38
1868 - 7 0 -8 0 - 49

1870 113 - 39 45

1871 - 111 - 41

1878 78 - 40 45

1879 - 109 - 54

1881 88 - 9 39

1884 - 99 - 39

18855 - , 103 - 45

1886 - 97 - 48

1887 - 101 - 45

1889 - 73 - 40

(1) Só h l dados pára o Seminário M eno r; (2) Supressão dos externatos; (3) Recriação dos
externatos do Seminário Menor; (4) Decreto n° 3.073, de 22 de abril, reforma o ensino nos
seminários; (5) Supressão dos externatos no Seminário Menor. Para 1868,1871 e 1879 temos
apenas os números totais. . -
Fonte: Faias dos presidentes da Província, 1853—1889.

dele um personagem im p o rtan te nos negócios da Província. Estava, pois, m uito longe
do m odelo dc padre — afastado das questões m undanas — desejado pelos bwpos de
form ação européia e ro m ana.
O peso d a tradição era enorm e c nunca foi com pletam ente anulado pe as re o
tnas. Padres q u e se preocupavam com negócios do século eram tão com uns quanto
padres concubinos e pais dc fam ília, pelo menos até o fim do século XIX. A té o fam
do período im p erial, eles co n tin u aram sendo eleitos para a Assem bléia Provincial,
quase sem pre representando distritos eleitorais do interior, onde eram raros os homens
instruídos. N a segunda m etade do século XIX, poucos mem bros do clero representa­
vam os d istrito s da cap ital ou de seu Recôncavo.
B a h ia , S é c u l o XIX
3%

O R e c r u t a m e n t o d o C lero

Com raras exceções n o rm alm en te ligad as a fam ílias im p o rtan tes, é im possível saber a
origem fam iliar do clero baiano. Em com p ensação, po de-se saber sua nacionalidade e
o estado civil de seus pais, u tilizan d o testam ento s e in v en tário s p o st m ortem .
A té o fim do século X V III, p arte do clero b aian o , so b retu do a q ue pertencia aos
altos escalões da h ierarq u ia, era de origem p o rtu gu esa. E ntre os 69 padres falecidos
entre 1801 e 1850, encontravam -se treze p o rtugueses, u m espan ho l e um o riginário de
L uanda (A ngola). U m pouco m ais do q u in to en tre eles, por co n seg u in te, nascera no
exterior (2 1 ,7 % ), ao passo que no perío do de 1 8 5 1 - 1 8 8 7 só en co n trei dois padres de
origem estrangeira (um p o rtuguês e u m esp an h o l), n u m to tal de 4 5 .

TABELA 66

O r ig e m e F il ia ç ã o d o C l e r o B a ia n o (1 8 0 1 - 1 8 8 7 )

18 0 1 -1 8 5 0 1 8 5 1 -1 8 8 7

Local de O rigem

Bahia 37 (53,6) 31 (68,9)

Outras Províncias do Brasil 7 (10,1) 4 (8,9)

Portugal 13 (18,8) I (2,2)

Espanha 1 (1,5) - -

Luanda ' I (1,5) - -

Itália ' - - 1 (17,8)

Não indicado 10 (14,5) 8 (17,8)

Toral 69 (100,0) 45 (100,0)


Filiações

Legítima 51 (73,9) 29 (64,4)

Legitimada - - 2 (4,4)
Natural 8 (11,6) 3 (6,6)
NSo indicada 10 (14,5) 11 (24,4)
Total 69 (100,0) 45 (100,0)
1ontes: Testamentos e inventários depositados lio Arqiuivo do Estado da Dali ia, ScçSo Judi-
ciá ria.

A g ran d e m a io ria d o s p ad res c ra b a ia n a , ou se ja , re c ru ta d a no lo cal. N ota-se,


e n tre ta n to , q u e u m a m in o ria (1 4 ,5 % n o p e río d o 1 8 0 1 - 1 8 5 0 e 1 7 ,8 % no períod o
1 8 5 1 —1 8 8 7 ) não m e n cio n o u cm te sta m e n to o p aís ou a re g ião d e o rig e m . C o m o todos
os nom es c p ren o m es eram p o rtu g u eses, p o d e-se d e d u z ir q u e se tratav a d e brasileiro s
ou, pelo m enos, de p o rtu gu eses n a tu ra liz a d o s, to rn ad o s b rasileiro s d ep o is d a In d ep en ­
d ên cia. N um eroso s p ad res, se g u in d o o ex em p lo d e M a n u e l D en d ê B us, ad o taram a
causa brasileira, em b o ra algu n s m em bros d a h ierarq u ia tenham deixado Salvador em
1823* seguin do as tropas po rtuguesas de M ad eira de M elo.
Isso co n firm a a inform ação de que no N orte e N ordeste do país eram raros os
padres de o rigem estran geira. Em am bos os períodos, m aís de 2/3 dos religiosos eram
filhos de fam ílias leg alm en te co n stitu íd as. M as tam bém era bastante expressivo o
número dos q ue se d eclarav am filhos legitim ad o s ou naturais: m ais de 11%. A ilegi­
tim idade do n ascim en to era, p o rtan to , u m obstáculo fácil de ser contornado, apesar
das interdições can ô n icas. C u rio sam en te, gran de núm ero de padres — 14*5% no
período 1 8 0 8 -1 8 5 0 e 2 4 ,5 % no período 1 8 5 1 -1 8 8 7 — om itiam os nomes de seus
próprios pais, m esm o em d o cu m en to s que exigiam esse dado. Por quê? Julgavam -se
suficientem ente co n h ecid o s? P ro curavam esconder situações ilegítim as, difíceis de
adm itir o ficialm en te? L em b rem os q ue a Igreja não favorecia a ordenação de filhos
naturais, em b o ra não a p ro ib isse fo rm alm en te.
A m aio ria do clero b aian o p erten cia às classes m édias. Entre os padres nascidos
de casam entos leg ais, 12% v in h am de fam ílias ricas e conhecidas e 14% tinham
origem m u ito m o desta. E ntre estes, h av ia os que eram capazes de renegar um a as­
cendência em b araço sa. O caso de A n tô n io Segundo d a R ocha pode servir de exem­
plo. Era um dos dois filhos de D io n isia M a ria d a Encarnação, que m orava na paró­
quia de Brotas e p erten cia à Irm an d ad e de N ossa Senhora do Rosário, freqüentada
sobretudo por pessoas h u m ild es e de cor. Ao m orrer, ela deixou um a casinha de
terra b atid a, com teto de telhas, p ara sua escrava B enedita, a quem devia 90 mil
réis. E avisou que co n fiara 18 m il réis a José Jo aq u im de Santa Teresa, para despe­
sas de seu próprio en terro , caso seu filh o nao se ocupasse desse assunto, como dese­
java. O fato de que a m ãe de u m padre tenha tido esse tipo de apreensão é revelador
das relações, q u e p o d iam tornar-se penosas, entre fam iliares que ocupavam posições
desiguais na sociedade.
Os can didato s ao sacerdócio não precisavam m aís apresentar prova de pureza de
sangue, exigida du ran te o período colonial. Os num erosos cristãos-novos muitos
dos quais de origem african a — já tin h am sido perfeitam ente assimilados à sociedade
baiana, e a m iscigenação tom ara tal dim ensão que se tornara impossível excluir candi­
datos por causa da cor da pele.50 A m estiçagem estava presente em todas as categorias
sociais, mesmo as m ais elevadas. Proibições desse tipo só podiam ter vali a e em c
muito específicos, com o o de ‘ m ulatos escuros’ ou de candidatos apadrinhados por
pessoas não m uito im po rtan tes.51 M as, evidentem ente, em uma socie a j
Ções se baseavam em alianças fam iliares ou na clientela, era sempre possível contar com
a condescendência das pessoas. ,
Em compensação, tornara-se regra geral a exigência e que, no momen o
ordenação, o candidato tivesse um patrim ônio que lhe garantisse renda m ínima dc 3
mil réis. Todo padre aspirava receber o benefício de uma paróquia umeo meio de ter
estabilidade m aterial e prestígio so c ia l Entretanto, quando da fundaçao das paróqu
ou da nomeação dc seus titulares, o Império brasileiro se mostrou tao parcimomoso
358 B a h ia , S é c u l o X IX

q uan to fora a M o n a rq u ia p o rtu gu esa. P erp etu o u -se a v elh a d iferen ça entre vigários
colados, nom eados pelo im p erad o r, e v igário s en co m en d ad o s, nom eados ad tempus
pelos bispos. Estes ú ltim o s tin h am poucas p o ssib ilid ad es de ser no m eado s in perpetu u m
pelo p o d er im p erial, a m enos q u e dispusessem de sólidos apoios p o lítico s. A ingerência
do poder civil nos negócio s da Igreja se to rn ara tão a m p la, q u e nem sem pre os mais
puros, m ais in stru íd o s e m ais caridosos receb iam os cargo s eclesiástico s. As opiniões
dos bispos sobre os can d id ato s p ra tic a m e n te não eram levadas em con ta. O s políticos
freq ü en tem en te im p u n h am suas escolhas.
Ignoro, p ara o co n ju n to do p erío d o , a relação en tre v ig ário s colados e encom en­
dados. Em 1 8 8 7 , 124 das 190 p a ró q u ias b aian as eram d irig id a s por estes últim os ou
po r u m a no va categ o ria, in ex isten te no p erío d o c o lo n ia l: os curas nom eados interina­
m en te pelo p róprio g o v ern o .52 M a is de 2/3 das p a ró q u ias estavam en tregues a titulares
provisórios. A liá s, já em 1 8 8 1 , o p resid en te d a P ro v ín cia, Jo ão L ustosa da Cunha
P aran agu á, a trib u ía o estado lam en táv el em q u e se en co n trav am as igrejas paroquiais
à in terin id ad e de seus v igário s: sem saber se iam p erm an ecer, eles não pedíam donativos
p ara realizar ob ras. D epo is d e le m b ra r q u e , seg u n d o as d eterm in açõ es do C o n cilio de
T ren to , o cargo d ev ia ser p reen ch id o no s d ez d ias su b seq ü en tes à v acân cia e que, pela
le i d e 22 de setem b ro de 1 8 2 8 , as n o m eaçõ es d ev iam ser feitas m ed ian te apresentação
de u m a lista tríp lice pelos bispos ao go vern o c e n tra l, o p resid en te d en u n ciav a a lenti­
dão desse processo, q u an d o h a v ia n a dio cese d a B a h ia u m clero n u m ero so e reconhe­
cid am en te co m p eten te.53
Seria o po der c en tra l o ú n ic o respon sável p o r essa situ ação ? T alv ez o arcebispo
tivesse p arte d a resp o n sab ilid ad e, p o is tam b ém n ão se in teressava em apressar a no­
m eação de can d id ato s q u e — sab ia — não d ep en d iam de sua aprovação. T rata-se de
u m a hipótese sobre u m p ro b lem a q u e m erece estu d o m ais ap ro fu n d ad o . O manuseio
de diversos dossiês prep arados pelos bispos sobre can d id ato s não aju d o u a esclarecer
detalhes a esse respeito.
Às categorias dos párocos colados, en co m en d ad o s e in terin o s, pode-se acrescentar
os coadjutores e os capelães, cu jo n ú m ero deve ter v ariad o m u ito no decorrer do século
estudado. O s coadjuto res co n tin u ara m a ser n o m eado s pelo governo e pelo bispo, e
sua situação m aterial não m elho rou. A liás, h avia po uca oferta de gente para essa
função, sobretudo q uando se tratava de servir em p aróquias rurais. Para atraí-los, os
párocos eram obrigados a co m p letar do p róprio bolso os salários oferecidos, encargo
insuportável para os que tin h am rendas m odestas. A lém disso, m uitos párocos rurais
tinham que com p artilh ar seus tostões — e o faziam de m á vontade — com os capelães
que trabalhavam em seu territó rio paro q u ial.
N o m om ento em que d im in u iu o núm ero de candidatos ao sacerdócio, dim inuí­
ram tam bém as possibilidades de fazer-se carreira eclesiástica fora da estrutura da
Igreja hierárquica e p aroquial. O núm ero de capelães de f a m í l ia e de ir m a n d a d e s
religiosas provavelm ente caiu a partir da segunda m etade do século XIX, o que, aliás,
era do interesse da h ierarq uia, q ue durante a época colonial não conseguira exercer
L iv ro V- A I g r e ja
3 59

sobrc eles a in flu ê n c ia d esejad a. O s bispos reform adores de todo o Bm sil tinh am com o
objetivos colo car o clero sob a a u to rid a d e tu te la r da Igreja, u n ificar sua co n d uta ê
evitar possíveis h etero d o x ias. A B ah ia não era exceção. «n au ra e

As R en d as d o C le r o

N a épo ca c o lo n ia l, a d o tação d a d a aos padres pelo rei de P ortugal variava segundo as


dioceses. N o fim d o sécu lo X V III, p o r exem p lo , párocos e coadjutores baianos custa­
ram 10:671 de réis aos cofres reais.

T A B E L A 67

D e spe sa s d a C oroa co m a I g r e ja na B a h ia , 1800


Igreja catedral, T rib un al Eclesiástico de Instância
e capítulo do G rão-Pará 13:788.000
Párocos e coadjutores do arcebispado 10:671.000
MissSes de religiosos no sertão 532.600
O rdinários das igrejas 564.000
Capelães que oficiam como párocos 346.840

Aum entos de alguns vencim entos 732.000

T otal 26:634.440

Fonte: S e g u n d o d a d o s d c L u iz d e Santos V ilh e n a , A Bahia no século XVIII, v, 2, p, 4 6 3 .


O b se rv a ç ã o : A n o t a ç ã o 1 3 : 7 8 8 eq u ívale a 1 3 co n to s de réis (ou 1 3 m ilh ões de réis) e 7 8 8 m i!
réis. A n o ta ç ã o 5 6 4 . 0 0 0 e q ü iv a le a 5 6 4 m il réis.

M as q u a n ta v aria çã o no s v en cim en to s dos padres! Dos 92 párocos da B ahia, 54


recebiam cô n g ru a in fe rio r a cem m il réis e três in ferio r a 50 m il, ou seja, m enos do que
a Coroa pagava em 1 6 0 8 . N esse an o , por causa da elevação do custo de vida, um
decreto real a u m e n ta ra a cô n gru a dos curas para 50 m il réis e a dos coadjutores para
25 m íl réis. O s q u e cu id av am de territó rio m u ito grande recebiam , às vezes, ajuda de
custo anual de 2 3 .9 2 0 réis. N o fim do século XV III havia curas cuja côngrua anual era
de 200 m il réis, en q u an to outros a in d a recebiam 50 m il! Para os coadjutores, perm a­
neceu em vigor até o fim do período colo nial um salário de 25 m il réis.
As som as eram irrisó rias, de m odo que m ais de m etade do clero baiano vivia em
condições ap aren tem en te precárias. O preço m édio de um escravo hom em , por exem
Pio, era cem m il réis nessa época. E ntre os que estavam em m elhor situação, só quatro
recebiam 2 0 0 m ií réis ou m ais (a côngrua m ais elevada era de 2 23 .9 20 réis); os
vencim entos de 34 párocos situavam -se entre cem e 150 m il réis. V ilhena explica que
a diferença entre as côngruas se devia ao fato de que os curas das paroquias rurais
recebiam subsídios suplem entares para a m anutenção de cavalos e barcas, necessários
para que percorressem seus territó rio s.^
360 B ah ia , S écu lo X IX

Os párocos raram en te a tin g ia m os níveis d a rem u n eração m ed ia recebida p0r


artesãos, pedreiros e m arceneiros, q ue cra de 2 0 0 m il réis an u ais. A situação dos 80
coadjutores — 25 m il réis po r ano — era a in d a m ais d if íc il.56 H avia, entre eles,
verdadeira m iséria? É d ifícil responder. Seus salário s eram au m en tad o s pelas contri­
buições dos fiéis, ch am ad as lp é -d e -a lta r’ ou ‘a le lu ia ’ c rem etid as v o lu n tariam en te, em
honra de Deus e dos santos. Para ev itar casos de co n stra n g im e n to , denunciados por
vários p aro q u ian o s, as C o n stitu içõ es P rim eiras d e fin ira m q ue o padre só estava auto­
rizado a recebê-las em dois casos: co n stru ção de igrejas e celeb ração de m issas particu­
lares. Era fo rm alm en te p ro ib id o co b rar co n trib u iç õ e s em tro ca d a ad m in istração dos
sacram entos. N ão po dem os a v a lia r a o rd em de g ran d ez a desses recu rso s, m as é eviden­
te que eles eram m ais su b stan ciais nas regiõ es em q u e a p o p u lação p aro q u ial era maís
num erosa, co n cen trad a e rica. •
O s párocos co n tav am com u m a te rc e ira fo n te d e ren d as, as con hecen ças, outro
tip o de co n trib u ição pessoal, cu jo m o n ta n te fo i esta b e le c id o no in íc io do século XVIII
pelas C o n stitu içõ es P rim eiras: u m p a i de fa m ília p ag av a 8 0 réis; u m celib atário apto
a receber o sacram en to d a e u c a ristia (m en in o s com m ais de cato rze anos, m eninas com
m ais de doze), 4 0 réis; os q u e só p o d iam ter o sac ra m e n to d a p e n itê n c ia (que exigia
pelo m enos cinco anos d e id a d e ), 2 0 ré is .57
As fontes de ren d a dos v ig ário s co lad o s eram a p a re n te m e n te num erosas, mas,
com o já foi m en cio n ad o , as q u a n tia s a rrecad ad as v ariav am segu n d o o núm ero e a
riq ueza dos p aro q u ian o s. A s p a ró q u ias b a ian as com p o p u lação n u m ero sa e rica eram
m in o ria — 35 n u m to tal d e 91 — no fim do sécu lo X V III, A g ra n d e m aioria dos
padres nom eados pelo rei en fren tav a d ific u ld ad e s nos fin s d e m ês. N ão obstante, eles
integravam u m grup o p riv ile g ia d o , p o is a n o m eação lh es assegu rava cargos vitalícios.
A situ ação dos v igário s en co m en d ad o s era p io r, já q u e só p o d iam co n tar com a
generosidade dos p aro q u ian o s. Su as ren d as se lim ita v a m a co n h ecen ças e contribui­
ções benévolas, reco m en dadas pelo b isp ad o aos fiéis, m as v o lu n tárias. N as Consti­
tuições P rim eiras não há m en ção sobre ev en tu ais sanções aos fiéis q u e não contri­
buíssem , de m odo q ue na falta de p ag am en to s só restava ao bispo exonerar o cura
de suas funções, privan do os cristão s d a presença de um padre. As paróquias recal-
citrantes contavam com a c u m p lic id ad e do p o d er real, h o stil a q u alq u er contribui­
ção que viesse a onerar ain d a m ais os fiéis, o b rigad o s a p agar a d ízim a eclesiástica
recebida pelo rei. As C o n stitu içõ es P rim eiras d eterm in avam aos curas que lembras­
sem a seus paroquianos essa o b rigação , am eaçan d o de excom unh ão os pecadores.
C om o disse o m onsenhor E ugênio de A n d rad e V eig a, “p agando in teiram en te a
dízim a, poderão receber as recom pensas tem porais e eternas e evitar os castigos dc
pobreza e esterilidade, bem com o q u alq u er castigo de q u e D eus, por m eio de seus
Santos e de seus Profetas, se serve para am eaçar os Transgressores desse preceito .^8
A situação m aterial dos vigários enco m endados tam bém era m u ito precária.
D esencorajados, m uitos deles pediam dispensa de suas funções ou sim plesm ente dei­
xavam as paróquias. Em 1812, por exem plo, o pároco de V ila N ova de Aicobaça
escreveu ao b.spo, q u eix an d o -se de ser forçado a andar descalço e não ter sequer um
,ovem negro a seu servrço, p o .s nem tin h a o necessário para com er. C ansado de sen ,ir
fome, co m u n icava su a in ren çao de ab an d o n ar a p aró q u ia e retornar a Salvador, o que
efetivam ente v iria a la z e r . J ^
R estam os cap elães: eram m esm o privilegiados, com o alguns contem porâneos
afirm avam ? N em tan to . A situ ação deles era tão diversificada quanto a dos vigários
colados ou en co m en d ad o s. D e m odo geral, os capelães que serviam nos engenhos de
açúcar co n stitu íam u m g ru p o à parte, privilegiado por diversas razões. Só os grandes
engenhos p o d iam ter u m cap elão privado . Q u al era a sua rem uneração? A ntonil escre­
veu no in íc io do século X V III: “O q u e se costum a dar ao capelão cada ano, pelo seu
trabalho, q u an d o tem as m issas d a sem an a livres, são quaren ta ou cinqüenta m il réis;
e com o que lhe dão os ap licad o s, vem a fazer um a porção com petente, bem ganhada,
se gu ard ar tu d o o q u e a cim a está d ito . E se houver de ensinar aos filhos do senhor do
engenho, se lh e acrescen tará o q u e for ju sto e correspondente ao trabalh o.”60 Nos dias
de sem ana o cap elão estava livre p ara rezar m issas encom endadas, que eram pagas
“salvo se se co n certar de o u tra sorte com o senhor d a capela, recebendo estípêndio
proporcionado ao tra b a lh o .”61
C o m p arad a à dos v ig ário s colados ou encom endados, a situação de um capelão de
engenho era in v ejáv el, so b retu d o po rq ue ele tin h a cam a e com ida. A grande m aioria
das igrejas p aro q u iais nao possuía presbítero para alo jar seus clérigos, que eram obrigados
a alu gar ou co m p rar u m a casa. N o in ício do século X V III, dom Sebastião M onteiro de
V ide, arcebispo d a B ah ia, escreveu: “Q u an d o um cura assum e um a paróquia, dispõe
de 50 m il réis; co m eça ten d o u m a gran de despesa para com prar um a casa (já que a
paróquia não possui n en h u m a) ou p ara alu g á-la e m o biliá-la, com prar negros para
servi-lo e u m a b arca p ara tran sp o rtá-lo onde sua presença for solicitada. Deve também
vestir-se e alim en tar-se. A ssim sendo, três vezes 50 m il reis nao b astam ...
Além disso, m esm o estando ao serviço de um particular, o capelão m antinha
grande lib erdade de ação. N en h u m a a lta autoridade eclesiástica estava lá, para vigiá-lo
e coagi-lo. A ssim , ele p o d ia ju n ta r um a pequena fortuna, desde que os senhores
seguissem os conselhos de A n to n il. M as, com o os senhores de engenhos não deixaram
contabilidade, nem ‘livros de razão’, não podem os calcular exatam ente os custos de
um capelão. . . .
Os salários dos capelães das irm andades religiosas dependiam da riqueza da insti­
tuição e dos acordos feitos no ato de contratação. Nao há estudos que permitam
determ inar se a situação desses capelães era m elhor ou pior que a e seus co ,
mas o interesse dem onstrado pelos clérigos leva a crer que o cargo era tentador.
Em meados do século XIX, as ren d as de um pároco nomeado pelo governo (vi­
gário colado) eram constituídas pela côngrua, os direitos de estoía (que haviam su su
tuído as conhecenças) e o guisamento - ajuda ex.raordinína, de 20 tn.l ré.s, ao
clero - votado pela Assembléia Provineial em 1835 = desde entao tornado perma­
nente. E m relação aos v e n c im e n t o s do elero, a grande inovaçao da adm.n.straçao
362 B a h ia , S é c u lo XIX

im p erial foi o n iv elam en to em 3 0 0 m il réis an u ais p ara os párocos e 50 m il réis para


os coadjutores, ven cim ento s q u e perm an eceram estáveis d u ra n te todo o período que
nos interessa, apesar da in flação .63 N ão sabem os, no en tan to , os p atam ares que po­
diam ser atin gid o s a n u alm en te pelos d ireito s de esto la, não o b rigató rio s, recebidos
d u ran te certas celebrações.
Em bora tam bém se beneficiassem d a a ju d a e x tra o rd in á ria v o tad a pela Assembléia
P ro vincial, o pároco n o m eado pelo bispo (v ig ário en co m en d ad o ) e o in terin o deviam
o essencial de seus recursos à b en evo lên cia dos p aro q u ian o s, sem p re recalcitrantes para
p agar novos d ireito s, ju lg ad o s abusivos. N ao sei se os v en cim en to s dos capelães
correspo nd iam aos dos párocos n o m ead o s o u eram m ais elevados.
Em sum a, p ara o baixo clero em geral a situ ação n ão m elh o ro u , e as condições
m ateriais co n tin u aram a su scitar os m esm os p ro b lem as agu d o s do passado. Era melhor
a situ ação do bispo e dos m em b ro s de seu cap ítu lo ?

TABELA 68

F o lh a de Pagam entos do A r c e b isp a d o da B a h ia , 1 8 0 0

Arcebispo metropolitano 2:910.000

Deão 4 0 0 .0 0 0

Quatro dignitários a 300.000 réis cada 1:200.000

Nove cônegos a 250.000 réis cada 2:2 5 0 .0 0 0

Quatro cônegos semiprebendados a 125.000 réis cada 500.000

Tesoureiro, paia a cera, o vinho e as hóstias 244.000

Para o pároco da catedral 50.000

Para o coadjutor do mesmo 30.000

Para o subchantre 125.000

Para dez capelães a 80.000 réis cada 800.000

Para o mestre dc cerimônias 40.000

Para'seis meninos do coro a 20.000 réis cada 120.000


Para o sacristão 120.000
Para o macei ro 30.000
Para o mestre de capela 180.000
Dois organistas a 50.000 réis cada 100.000
Para o tineiro 100.000
Para o fabriqurirn do estabelecimento da Sé 200.000
Para o guarda 40.000
Trés juizes do Tribunal dc Apelarão a 150.000 réis cada 450.000
Total 9:889.000
Fonte: A d jp u d o d c U i i do* Sam oi Vilhena, A B ahia no sécu lo XVIII, v. 2. p. 461.
— evw V - / V IG REJA
363

^ t ^ ° ; 8 0 0 ° l UmentOS ^ <f;° Ca - C° m° 1 W 1» <*' pagamentos do


arcebispado <™ 1 8 0 0 • nota-se .mediatamente uma enorme diferença entre as
côngruas recebtdas por esses dtgn.tários ou cônegos e os vencimentos do vigirio da
paróquia-catedral e seu coadjutor. Este tíltimo recebia um pouco mais do que os
coadjutores da d.ocese, mas, em compensação, o vigirio estava entre os mais mal
rem unerados, em com p aração com outras paróquias. O motivo é simples- conside
rava-se que ali se con centrava a população m aís abastada da cidade, cujas oferendas
podiam com p letar u m a cô n gru a m edíocre. Essas contribuições — conhecenças ou
pés-de-altar — não eram rep artidas com o arcebispo, os dignitários, os cônegos, o
coadjutor ou os dez capelães q ue estavam a serviço da principal igreja da cidade,
Isso não im p edia q ue as côngruas recebidas pelo arcebispo e seu capítulo represen­
tassem 7 8% das despesas da cate d ra l e 3 3 ,9 % das despesas de toda a diocese
(22:735.440 de reis). Esses benefícios, que parecem desproporcionais à côngrua dos
padres, m ostram q u e d ig n itário s e cônegos tinh am prestígio e poder bem superiores
aos dos párocos, com exceção do cu ra da Sé (que pode ser considerado integrante
do alto clero).
A segunda fo lh a de p agam en to eclesiástica a que tivem os acesso data de 1835 e diz
respeito a um a d o tação v o tad a p ela A ssem bléia Provincial, encarregada doravante da
parte m aterial dos negócios eclesiásticos da arquidiocese. Ela serve para a análise de
todo o período, pois até 1 88 9 só v ario u em função do núm ero de padres. Todas as
côngruas con cedidas aos d ign itário s e cônegos haviam sido aum entadas, assim como
os vencim entos do pessoal a serviço da igreja catedral. Em compensação, os vencim en­
tos do arcebispo d im in u íra m em 3 3 0 m il réis e desapareceram os vencimentos dos três
juízes do T rib u n al de In stân cia, que figuravam na folha eclesiástica de 1800. A grande
inovação, no en tan to , ocorreu nos salários do vigário da catedral e de seu coadjutor,
que passaram a ser corrigidos de acordo com os salários dos párocos e coadjutores da
diocese. Essa correção se deveu ao fato de que a Sé perdera um a parte de sua população
abastada, que em igrara para paróquias menos povoadas e mais arejadas, como a da
Vitória. M as tam bém correspondeu a um desejo profundo da Igreja, que pretendia
aliviar os paroquianos de um peso m aterial julgado insuportável, tornando o governo
cada vez m ais responsável pelo sustento do clero (em 1;883, o presidente interino da
Província q u eu av a-se da falta de espírito religioso dos baianos e de seu hábito
inveterado de esperar tudo do governo ).6
V>
7L/hí f A t IU U V ' p 14

Foi espantoso constatar que apenas a côngrua do arce ispo iminuiu, atoi p
9ual só encontrei uma explicação: o legislador se limitou a lembrar a Provisão de 4 de
urarço de 17 4 1, que fixou o montante dessa côngrua. Se levarmos em conta as decla-
«Vôes de dom Mqanuel Joaquim da Silveira, csrava na Bahia o brspado
Brasil. Ele conruu que, quando ehegou à P— para _ de não
que levava vantagem sobre predecessor p q
s e u ^ Jo conhcc;mento dos
rer meios sequer para tratar da saude abala , 9
presidentes da Província.65
364 B a h ia , S é c u l o XIX

TABELA 69

F o lh a d e P a g a m e n t o s d o A r c e b is p a d o d a B a h ia , 1835

Arcebispo 2:680.000

Deão 600.000

Quatro dignitários a 500.000 réis cada 2:000.000

Quatro cônegos semiprebendados a 300.000 réis cada 1:200.000

Tesoureiro principal 224.000

Pároco da catedral 300.000

Coadjuror 50.000

Subchantre ' 187.500

Dez capelães a 120.000 réis cada 1:200.000

Mestre de cerimônias 160.000

Seis meninos do coro a 30.000 réis cada 180.000

Sacristão 189,000

Maceiro 45.000

Mestre da capela ■ 270.000

Organista 225.000
Sineiro 150.000
Fabriqueiro 300.000

Ferreiro 40.000
Total 13:600.500
Fonte; Adaptado de Ignácio de Cerqueira e Silva Accioíi, M em ória s histérk as e p o lítica s da
P rovíncia da Bahia, v. 5, p. 120.

Em 1 8 3 5 , o o rç a m e n to e c le s iá s tic o v o ta d o p e la A s s e m b lé ia P ro v in c ia l foi de
5 8 :3 1 4 .7 2 0 d e réis, dos q u a is 1 6 :0 0 0 .0 0 0 d e stin a d o s à c o n stru ç ã o d e ig rejas paro quiais.
M as h o u ve o u tra n o v id a d e im p o rta n te : a d o ta ç ã o do c a p ítu lo fo i v o ta d a sep arad am en ­
te, alcan çan d o 1 3 :6 0 0 .5 0 0 d e réis. L o g o , p a ra o c o n ju n to do c le ro fo ram destinados
5 5 :9 1 5 .2 2 0 d e réís, o q u e re p re se n ta v a 9 % do O rç a m e n to d a P ro v ín c ia p a ra o exer­
cício 1 8 3 5 —1 8 3 6 , co m u m a u m e n to d e 1 4 5 % em re la ç ã o à d o ta ç ã o d e 1 8 0 0 .^
C o m p aran d o os n ív eis de 1 8 0 0 e d e 1 8 3 5 , p a ra o a lto clero o au m en to foi o
segu in te, d ecan o , 5 0 % ; d ig n itá r io , 6 6 ,6 % ; cô n eg o , 6 0 % ; c ô n e g o sem ip reb en d ad o ,
1 4 0 % ; v ig á rio d a c a te d ra l, 5 0 0 % . P ara o b aix o clero (in c lu in d o n esta catego ria os
padres q ue, a diversos títu lo s, e n c arreg av a m -se d a ig re ja c a te d ra l): c o ad ju to r da cate­
d ra l, 6 6 ,6 % ; su b c h an tre , 6 2 ,1 % ; cap elão , 5 0 % . O s c lérig o s das o u tras paróquias
tiveram su a c ô n g ru a a u m e n ta d a em 5 0 0 % e os c o ad ju to re s em 100 % . N o período
segu in te, a c ô n g ru a do clero b aian o se e stab iliz o u .
A cô n g ru a, os d ire ito s d e esto la e o u tro s e m o lu m e n to s n ão c o n stitu ía m as únicas
fontes de renda do clero . A an álise d e testam en to s e in v en tário s m o stra q u e todos os
L iv r o V - A I greja
365

padres falecidos em S alv ad o r en tre 1801 e 1RR7 l


V j • • • i 1 e 1887 deixaram bens a seus herdeiros
Quando existia pois o a ,o de testar eta facultativo esse docutnento tin h a J p í a
fimçao. d efin ia a reahzaçao dc atos religw sos, com o m issas, esmolas e modos de
sepultam ento; reco n h ecia a p atern id ad e, p erm itin d o a destinação de herança a filhos
gerados fora dos laços m a trim o n ia is; e, fin alm en te, d efin ia legados a pessoas Os
beneficiários dos legad o s - segu n d o a legislação em vigo t, ficava disponível para este
fim até 1/3 dos bens — p o d iam ser a Igreja, os in stitu to s de educação ou de caridade
e as irm andades religio sas, m as o testad o t tam bém po dia u tilizar esse m eio para favo­
recer algun s de seus filh o s, p aren tes próxim os ou afastados, afilhados, am igos ou
em pregados fiéis.
A rep aração dos legad o s fo rn ece in d icaçõ es para o estudo das relações entre o
testador e o m eio so cial em q u e v iv ia: q ue tipo de pessoas eram favorecidas? Passavam
necessidade? M a n tin h a m relações de q u e tip o com o testador? Para responder, usarei,
para efeito de co m p aração , u m exem p lo reco lh ido entre a população livre e alforriada
de Salvador. P rim eiro , v ejam o s com o eram d efin id o s o d ireito de testar dos clérigos e
a m aneira com o eles a d q u iria m seus bens.
O d ireito can ô n ico p ro ib ia q ue os clérigo s dispusessem , em testam ento, de bens
adquiridos d a Igreja e das ren d as q u e o b tin h am . T o d avia, com a aquiescência do papa
e dos bispos, fora co n sagrad o no B rasil o p rin cíp io de que eles podiam dispor, por via
testam entária, dos bens a d q u irid o s d u ran te o exercício de seu m inistério. As C onsti­
tuições P rim eiras ju stific a v a m esse co stum e, lem brando que a d im in u ta porção côngrua
era insuficiente p a ra prover às n ecessidades dos padres. Estes só podiam dispor de seus
bens pessoais e n u n ca dos “p aram en to s, cib ó río s, m issais e outros objetos pertencentes
à Igreja, com o casas e sen zalas, q u e ele ou seus predecessores tivessem construído em
benefício d esta m esm a Ig re ja ”. P or ou tro lad o , os herdeiros eram obrigados a indenizar
qualquer dano m aterial feito à Igreja e reem bolsar as dívidas que diziam respeito à
compra de alim en to s. As C o n stitu içõ es P rim eiras recom endavam ain da que os clérigos
deixassem um a p arte de seus bens para a Igreja, com o prova de gratidão .67 Essas regras
continuaram a vigo rar até a adoção da nova legislação civil sobre os testam entos, em
1835, a partir das q u ais as con dições para testar tornaram -se iguais para clérigos e
leigos, m enos no q u e d izia respeito aos bens d a Igreja, para os quais as antigas inter
dições foram m an tid as. ,
Os clérigos po diam , por con seguin te, dispor livrem ente d e seus bens pessoais.
Para atenuar o atraso com que a C oroa os nom eava para um cargo remunerado, ou
para evitar que os n ã o - n o m e a d o s se tornassem indigentes, no sécu o , r
receber as ordens m aiores, iodos os postulantes ao sacerdócio d e v ia m provar que
possuíam um p atrim ô n io U d ú lu lu m p a t r im ô n io !) no valor de 6 00 m il réis, capaz de
fornecer um a renda m ín im a dc 30 m il réis anu ais,6» considerada necessar.a para que
« pudesse esperar, sem m aiores prcocupaçocs, a nomeaçao s=m ene p
d calh es, ad ianto que o salário anual de um professor era de 800 " -il r
pedreiro, de 2 50 m il r é is ) .» Era ilusória a segurança oferecida por essa pequena renda,
B a h ia . S é c u l o XIX

q u e devia ser co m p lem en tar a o u tras, in certas, o b tid as no e x ercício das funções sacer­
d o tais, d e acordo com a boa v o n tad e dos fiéis.
O p atrim ô n io do fu tu ro padre era fo rm ad o por seu s p ais ou p aren tes, ou ain d a por
terceiros. N o in íc io do sécu lo , ele às vezes era c o n stitu íd o d c fo rm a p ro visó ria, encon­
trand o-se, nos atos carto riais, freq ü en tes restriçõ es co m o estas: “com a co n dição qUe
ele só tom e posse d a d ita fazenda d ep o is de ter sid o o rd en ad o ( . . . ) e q u e esse patrim ônio
retorne a seu c o n stitu in te se seu b e n e fic iá rio a d q u ir ir u m carg o em co lação ” ou ainda
“en q u an to ele não tiv er cargo s". T a m b é m p o d ia a c o n te c e r q u e o fo rm ad o r de um pa­
trim ô n io o d eclarasse n u lo se seu b e n e fic iá rio n ão tivesse sid o o rd en ad o padre num
prazo aceitável, não esp ecificad o .70 E vitava-se assim o p a ra sitism o , várias vezes denuncia­
do, p raticad o no m eio c le ric a l. Essas c lá u su la s re stritiv a s, c o n tu d o , n ão eram generali­
zadas, e o pad re assu m ia suas fu nçõ es sac e rd o ta is m u n id o d e u m p eq u en o pecúlio que
lh e p e rm itia en fren tar as n ecessid ad es m ais u rg en tes. A liá s , a p a rtir d e 1 8 3 5 a legisla­
ção p ro ib iu a sup ressão do p a trim ô n io dos p ad res sob q u a lq u e r p retex to .
O pad re secu lar tam b ém p o d ia a d q u ir ir bens p o r h e ra n ç a ou legad o . Ele herdava
d e seus pais, m as era o b rig ad o a tra z er em co lação as d o açõ es q u e recebera durante a
v id a destes. S o m en te os reg u lares red u zid o s ao estad o se c u la r se beneficiavam do
m esm o d ire ito , o q u e foi o m o tiv o a le g ad o p a ra n u m ero sa s red u çõ es d e religiosos ao
estado secu lar no século X IX . Eles tam b ém p o d ia m receb er, a títu lo pessoal, legados
d e sua fa m ília ou de terceiro s. À s vezes, m as ra ra m e n te (cato rze casos em 1.115
an alisad o s), esses legad o s eram co n testad o s p ela fa m ília dos d efu n to s. Em com pensa­
ção, os padres receb iam severas c rític as dos fiéis, q u e rep ro v av am su a voracidade por
d in h eiro no exercício de su a m issão sacerd o tal — v e lh a ce n su ra, fe ita a todas as Igrejas
do m und o , às vezes in ju sta m e n te .
C om o a m o vim en tação fin an c e ira das p a ró q u ias n ão estava sujeira a nenhum
registro form al, é im p o ssível sab er q u a l a p a rtic ip a ç ã o do d in h e iro dos fiéis na receita
acu m u lad a. T am b ém é im po ssível d is tin g u ir, en tre os bens dos p ad res, aqueles origi­
nados de h eran ça, legado ou in v estim en to s. É certo , no en ta n to , q u e os padres inves­
tiam em aventuras co m erciais — com o a co m p ra de escravos n a costa africana, por
exem plo , terras e propriedades im o b iliária s.
A p e sa r d o ta m a n h o in s u f ic ie n te — a p e n a s 2 3 in v e n tá r io s — , n o ssa a m o stra apre­
se n ta u m a im a g e m c h e ia d e m a tiz e s so b re a f o r tu n a d o s p a d re s q u e m o rreram em
S a lv a d o r, E n tre 1821 c 1 8 5 0 , c ie s d e ix a r a m h e ra n ç a s e n tre 1 :3 6 6 d e ré is (in v e n tá rio n°
5 / 7 2 4 , d o p a d re M a n u e l d e S a n ta M ô n ic a D e lf im , fa le c id o e m 1 8 2 1 ) e 1 2 :0 8 2 d e réis
(in v e n tá r io n° 6 / 7 9 7 , d o c ô n e g o J o ã o C o r r e ia d e B r ito , fa le c id o cm 1 8 3 6 ). E n tre os
o ito in v e n tá rio s d e p a d re s fa le c id o s n esse p e río d o , só u m d e ix o u p assiv o (n ° 4 / 7 8 9 , do
p a d re Jo sé d o A m a ra l M a c e d o , fa le c id o cm 1 8 3 4 ). P a ra o s e g u n d o p e río d o , d e 1851
a 1 8 8 7 , as fo n tes são m ais s u b s ta n c ia is : os q u in z e in v e n tá rio s a n a lisa d o s m o stram que
as fo rtu n as d o s p ad res sc situ a v a m e n tre 2 8 1 .0 0 0 ré is (n** 3 / 1 0 8 4 , d o p a d re Francisco
H e n riq u e d e A lm a d a , fa le c id o c m 1 8 8 6 ) e 4 7 :1 1 2 d e ré is (n ° 5 / 7 2 2 3 , d o cô n ego Jo ão
Jo sé d e A lm e id a , fa le c id o no m esm o a n o ). O c ô n e g o L o u re n ç o B o rges d e Lem os,
pároco de N o ssa S e n h o ra d a P en h a, falecid o em 187S rU; - , , ,
I & (inventário n° 7/3682). cldo ^ 7 5 , detxou um pa5s,v„ de 1:4 8 8 de

Esses d ad o s não são su fic ie n te s p a ta q u e se tirem conclusões sobre a , fortunas do


d e ro b atan o . M a s p e rtn .te m co m p araçõ es com outros in v en tário s pon « e r r e m d eixa­
dos por h o m en s e m u lh e re s livres e alfo rriad o s de Salvado r.
E ntre 1821 e 1 8 5 0 , a m m o r fo rtu n a d e ix ad a p o r u m padre foi de 12-082 de réis 71
P ertencia a Jo ã o C o rre ia d e B rito , p o rtu g u ês de n ascim en to e b rasileiro naturalizad o ,
cônego e c h a n tre d a c a te d ra l, p ai d e três filh os recon hecido s no testam ento . A parte
m ais im p o rta n te d e su a fo rtu n a era fo rm ad a p ela m etad e d e um sobrado, dinh eiro em
espécie, e m p réstim o s c o n ced id o s a terceiro s, escravos, m óveis e objetos de ouro e
prata. Em c o m p en sação , os bens d eix ad o s p elo p ad re M a n o e l de S an ta M ô n ica D elfim
lim itav am -se a u m a c a s in h a d e três cô m o d o s, cin co escravos, dois cavalos, quatro vacas
e alguns m ó v eis, to d o s “a d q u irid o s h o n estam en te pelo exercício e m in istério de m i­
nhas ordens e a lg u n s n eg ó cio s tam b ém h o n ro so s”, v alen d o o total 1 :3 6 6 de réis. Esse
m o ntante, d e ix a d o p e lo p a d re M a n o e l, se ap ro x im av a do valo r m éd io de 1 :6 4 0 de réis
deixados em h e ra n ç a p e la p o p u laçã o liv re e a lfo rriad a em 1 8 2 1 . J á o cônego João
C orreia d e B rito d e c la ro u u m v a lo r p ró xim o d a m aio r fo rtu n a — 1 3 :9 8 6 de réis — ,
deixada em 1 8 3 6 p elo m é d ic o Jo ã o M a c ie l de Souza (in v en tário n° 8/797).
N o p erío d o 1 8 2 1 —1 8 5 0 , a m a io r fo rtu n a in v e n ta ria d a foi a de um a viúva sem
filhos, A n n a M a ria d a C o n c e iç ã o , fa lecid a em 1 8 3 4 , com 1 6 4 :8 6 5 de réis. Seu in ­
ventário, n° 7 / 7 8 7 , a rro lo u 5 8 :0 9 8 d e réis em em p réstim o s a terceiros, 5 4 :0 3 6 de réis
em espécie (p ro v en ien tes de q u o tas em u m a so cied ad e co m ercial), 3 7 :2 7 4 de réis em
im óveis, 1 2 :0 0 0 de réis co rresp o n d en tes a u m a p ro p ried ad e ru ral e 2 0 escravos avalia­
dos em 3 :1 7 0 de réis — p a ra ficarm o s apenas nos iten s m ais im po rtan tes. Nesse
período, 6 9 in v en tá rio s de h o m en s e m u lh eres livres (2 9 ,6 % do total) deixaram heran­
ças superiores a 1 0 :0 0 0 de réis. O v alo r de u m a p eq u en a fo rtun a se situava então em
torno de 3 :0 0 0 de réis, e o v alo r m éd io das m enores heranças era de 4 9 0 m il réis.72
A ssim , a m en o r fo rtu n a d e ix ad a p o r u m padre em 1821 (1 :3 6 6 de réis) estava
abaixo d a m é d ia das fo rtun as m enores do q u e 1 0 :0 0 0 de réis, deixadas pela população
livre da cíd ad e. H av ia padres q u e não eram abastados, mas que tam bém não se encon­
travam em situ ação c rític a : en tre o ito inventários de padres, só um deixou herança
inferior a 1 :5 0 0 de réis.73 C o m p arem o s agora essas fortunas de padres e de homens e
m ulheres livres de ,Salvador com aquelas deixadas por alforriados.
Em 1826, pelo in ven tário n° 9/751, P ctron ilha de Jesus do O uteiro, verdureíra,
deixou a bela som a de 6 :2 1 1 de réis, que representava a soma do valor de quinze
escravos (1 :8 1 5 dc reis), 1:688 de réis em d in h eiro líquido, duas casas (valendo juntas
1:750 de réis) c 1:112 dc réis cm jóias. Esta últim a q uan tia era enorm e para uma
pessoa com o ela. Em com pensação, o africano alforriado José Severo, falecido em
1831, deixou um a herança de 580 m il réis, produto da venda de dois escravos, unicos
bens que possuía (in ven tário n<> 2/721). Entre os vinte inventários feitos nesse período
por alforriados, um deixou dívidas, quatro deixaram somas mferiores a cem m il réis,
368 B a h ia , S é c u l o XIX

cinco deixaram som as entre 101 e 5 0 0 m il réis, q u atro som as entre 500 m il réis e
1:000 de réis e seis outros som as entre 1 :0 0 0 e 6 :0 0 0 de réis, A m éd ia de fortuna desse
grupo de pessoas q ue ocupava os escalões m ais baixos d a h ie ra rq u ia social era de cerca
de 1:025 de réis, o q ue é co eren te com a posição q u e os alforriados ocupavam na
sociedade de então.
Para a segu n d a m etad e do século X IX , tem os q u in ze in v en tário s de padres,74
D ois deles d eixaram d ívid as, q u atro d eix aram m enos d e 2 :0 0 0 de réis e dez deixaram
bens avaliados en tre 4 :9 2 6 d e réis e 4 7 :1 1 2 de réis. A h eran ça m ais m odesta, de 182
m il réis, foi a do padre Francisco H e n riq u e de A lm ad a, falecido em 1886, no mesmo
ano, o cônego Jo ão Jo sé de A lm e id a d eix o u a seus h erd eiro s 4 7 :1 1 2 de réis. A dife­
rença en tre essas duas fo rtun as é co n sid eráv el. O côn ego Jo ão Jo sé era m em bro de
u m a p o d erosa fa m ília d e sen h o res de e n g e n h o do d is trito de S an to A m aro, no
R ecôncavo, ao passo q u e o padre F ran cisco era, d o p o n to de v ista d a origem familiar,
um desconhecido. Sem d ú v id a, o côn ego h erd o u d a fa m ília u m a parte de seus bens,
entre os quais figu rava u m a fazen da e u m reb an h o de ovelhas. Ele não era, aliás, o
único padre b aian o m u ito rico. Em 1 8 8 5 , o cô n ego H e n riq u e de Souza Brandão,
tesoureiro do cap ítu lo e filh o de u m a p o dero sa fa m ília do d istrito de Santo Amaro,
d eixou a seus h erd eiro s a in teressan te so m a de 2 9 :0 0 0 de réis (in v en tário n° 5/1985).
G randes fortunas seriam características de cônegos? E d ifíc il responder. U m ano mais
tarde, o cônego G ustavo A dolfo d e S á B arreto , m em b ro de u m a fam ília m uito co­
nh ecid a na cid ad e de S alv ad o r, d eixo u ap en as d ív id as, n u m valo r de 119-634 réis
(inventário n° 7/ 1097).
C o n tin u em o s a co m p arar os in v en tário s dos padres e os d a população livre e
alforriada desse perío do. T o m em o s n o vam en te u m só an o , o de 1866. A m aioria dos
sete inventários desse ano d iz respeito a fo rtu n as superiores a 1 0 :0 0 0 de réis. Com
efeito, a não ser os 1 :5 6 6 d e réis deixado s pelo alfo rriad o E liseu A ugusto Pires, horte-
lão dos arredores d a cid ad e (in v en tário n° 1/1089 de 1 8 8 6 ), e os 4 :1 4 3 de réis em
ações bancárias e obrigações do E stado deixado s por Jo a q u im Luiz A gu iar (inventário
n° 7/1089 de 1 88 6), todos os outros registraram fo rtun as superiores a 15:000 de reis
em valores brutos (antes d a sub tração de despesas e d ívid as). M as três entre elas
estavam m uito oneradas por d ívid as, razão p ela q u al os herdeiros só receberam entre
8,5% e 4 9,5% do seu valor.
N ão tenho a in ten ção de m e a lo n g ar nessa q u estão , à q u al consagrarei um
estudo à p arte.75 Por en q u an to , b asta acen tu ar q ue a fo rtun a m ais baixa, a do
alforriado E liseu A ugusto Pires (1 :5 6 6 de réis), foi m aio r que a do padre Francisco
H en riqu e de A lm ada (2 8 1 .0 0 0 réis); e q u e a do co m ercian te português A ntônio José
Luiz B randão (8 7 :7 7 3 dc réis) foi quase duas vezes m aior que a do cônego João Jose
de A lm eida (4 7 :1 1 2 de réis). A an álise dessas duas ú ltim as fortunas m ostra que a do
cônego nada tin h a de exo rb itan te. Se a com pararm os à deixada pelo comerciante
português F rancisco Adãcs V ilas Boas (1 .1 8 9 :6 8 7 .9 7 9 réis, segundo o inventário
n° 4/7216 de 1 8 8 4 ), ela se transform a num a fo rtun a boa, m as não excepcional. No
L iv r o V- A I greja
' - -C 369

período que nos interessa aqui, há 8 1 fortunas superiores a 50-nnft ü a- «


superiores a 2 0 0 :0 0 0 de réis. 5 -0 0 0 de réls e 24
Dos 3 0 4 inventários feitos por pessoas livres e alforriadas 33 í n no/l n ■

'^m^Td 1:000^'7 123(40’5%


* S N
)deÍXaram£m
r
re’,;00°^0-000dTIs
,S í qUxe “ “ líltim ° pa t a ma r - d í v i d a s em 36
( 1 1,8%> casos N o caso dos p ad res, 4 3 ,8 % d eixaram bens superiores a 10:000 de réis
ao passo q ue 1 8 ,8 % tin h a m en tre 4 :0 0 0 e 1 0 :0 0 0 de réis
N otem os fin a lm e n te q u e , en tre os alfo rriad o s, a m aior fortuna era de Joaquim
de A lm eid a, d e o rig e m a fric a n a e c e lib a tá rio . A o m o rrer, em 1857, ele deixou oito
escravos (dos q u a is c in c o a d u lto s , q u e v aliam 7 :7 0 6 de réis), duas casas avaliadas
em 3 :8 0 0 e 2 :7 7 7 d e réis e u m p o u co de d in h eiro em espécie. Para um alforriado,
essa fo rtu n a era tão e x c e p c io n a l q u a n to a do co m ercian te português Francisco Adães
Vilas Boas. ■■ ■■ ■ - , . .
Essas a n álises esp ecíficas q u e acab o de fazer p erm item constatar que, no que diz
respeito a suas fo rtu n a s, os p ad res d a c a p ita l, com algum as exceções, integravam
um a cam ad a re la tiv a m e n te p riv ile g ia d a . N em pobres nem ricos, estavam protegidos
da an gú stia em q u e v iv ia a m a io r p arte da p o p u lação livre, alforriada e escrava. M as,
será essa c o n sta taç ã o e x te n siv a a to d o o clero baiano? N a grande m aioria dos casos
de que tratam o s, os p a d res tin h a m cargos com ren dim en to s, e sua riqueza só apare­
cia na h o ra d a m o rte. C o m o n ão d isp o n h o de m uitos exem plos, não posso chegar a
conclusões re a lm en te c o n v in c e n te s sobre a v id a m aterial do clero em geral. Possivel­
m ente, a m a io ria d o clero b aian o teve u m a existên cia m ais parecida com as dos
padres M a n o e l de S a n ta M ô n ic a D elfim e F rancisco H en riq u e de A lm ada do que
com as dos cô n ego s Jo ã o d e B rito C o rre ia e Jo ão José de A lm eida. Talvez tenha
sido o caso dos jo v en s p ad res. M as n ao tenh o m eios de sabê-lo. Esta análise abre,
no en tan to , novo c am in h o de p esq u isas sobre um tem a negligenciado pela historio
grafia religio sa no B rasil. .

Dois M o d e lo s p a r a a M e s m a M is s ã o

D c origem b a i a n a o u b r a s i le ir a , r e c r u ta d o s e m tod o s os m eio s so c*J*s ^ v jvend 0


famílias legalmente constituídas, eles m e s m o , f r e q ü e n t e m e n te ptus de M t a u v «
uma existência ptotegtda d e ptcocupaçücs materiais -g e m ^
0 t r a n s m it id a p e lo e s t u d o d o s te s ta m e n to s c m ^ co rresp o n d e ao con-
gem d e p a d re s c o m c o m p o r t a m e n t o c m e n t a lid a d e g
ju n to d o c le ro b a ia n o , sobretudo d e p o is I d e l o s de padres. Acabo
D e p o is d a d é c a d a d e 1 8 5 0 , e x is tia m a ^ Q era a q u e le qUe pro-
d e d escrever as p r in c ip a is c a ra c te r ístic a s p ^ m o r a lid a d e e a e d u c aç ão , m ais
curava m o ld a r u m a h i e r a r q u ia p r e o c u p a a m e d id a do possível, o 'novo
c o n d iz e n te c o m o m o d e lo id e al d o p a d re ca ^
370 B a h ia , S é c u l o XIX

p ad re’ d evia ser b rasileiro e recru tado em fam ílias leg alm en te co n stitu íd as, talvez
m odestas, m as com hábitos irrep reen síveis. D epois de passar p ela seleção e entrar
no S em in ário M en o r, o can d id ato devia su b m eter-se a q u atro anos de internato
on de recebia só lid a instru ção e m o ld av a o caráter e o co m p o rtam en to . Se fosse jul­
gado apto a prosseguir, era a d m itid o no S em in á rio M a io r, o n d e, du ran te mais qua­
tro anos, preparava-se para exercer su a m issão sacerd o tal. N essa etapa, os superiores
h ierárq uico s ju lg av am n o vam en te a vocação do c an d id ato e d ecid iam se era oportu­
no orden á-lo .
O rd en ad o p ad re, o jo v em nao tin h a m ais o le q u e de p o ssib ilid ad es de outrora, que
p erm itia a u m a p arte do clero pro teger-se de p reo cu p açõ es m a teria is prem entes e viver
com alg u m a in d ep en d ên cia m a teria l e e s p iritu a l. A go ra, an tes de ser aprovado pela
au to rid ad e go v ern am en tal, o ex ercício de q u a lq u e r fu nção sacerd o tal dependia da
au to rid ad e dio cesan a (no a n tig o sistem a das cap elan ias o E stado não exercia nenhuma
in flu ên cia sobre o recru tam en to dos padres feito p o r p a rtic u la re s; em contrapartida,
exercia in flu ê n c ia in d ire ta no recru tam en to dos cap elães p elas co n frarias religiosas, já
que os estatuto s destas estavam sob seu c o n tro le). A lém d isso , os novos padres tinham
q ue viver apenas com a c ô n g ru a e n ão p o d iam m ais ex ercer a m u ltip lic id a d e de ofícios
q ue o u tro ra lhes p e rm itia m v iv er m o d estam en te e a té a n g a ria r alg u n s bens (ou mesmo
fo rtun as). M as, com um p o uco de sorte, eles a in d a p o d iam p restar serviços remune­
rados — m estre-escola ou p recep to r, p o r ex em p lo — , co n tan to q u e isso não os afas­
tasse dos seus lo cais de m o rad ia e fosse p e rm itid o p elo bispo . A tu d o isso se acrescen­
tava a falta de en tu siasm o d em o n stra d a p elo go vern o p ara criar novas paróquias e até
p ara no m ear titu lares de p aró q u ias o u seus co ad ju to res.
Por outro lad o , co m p reen d e-se a h esitação dos bispos em u tiliz a r seu direito de
nom ear párocos a títu lo p ro visó rio , po is o su sten to destes recaía sobre os fiéis. O
m étodo tin h a, aliás, ou tro in co n v en ien te: n a p rática, su b o rd in av a o pároco a um chefe
local ou, na m elhor das hip óteses, a u m a co m u n id a d e . E le ficava pois subm etido a
trip la auto rid ad e: a do bispo , a do E stado e a do chefe p o lítico da paróquia em que
servia. Este ú ltim o exercia, sem d ú v id a , o p o d er m ais pesado c opressor, m as seu apoio
era m uitas vezes in d isp en sável para a carreira do padre.
Os padres de form ação e co m p o rtam en to an tigo s eram capazes de conviver
tirando proveito da situ ação , às vezes em d etrim en to dos fiéis — com essas tres
autoridades, cujos p rin cíp io s eram freq ü en tem en te co n trad itó rio s. M as qual era a
atitud e dos padres form ados segundo o m odelo trid en tin o c rom ano? A Igreja conse­
gu iu im por esse m odelo, que enfatizava o aspecto esp iritual em relação ao material? E
d ifícil responder.
N ão h á dúvida d c que as reform as in tro d uzid as a p artir de m eados do século X IX
conferiram à Igreja brasileira — e baiana, em p articu lar — um aspecto clerical, a
im agem fam iliar do padre-precepcor, do padre-tio, do padre-paí, do padre-padrinho,
tendeu a se enfraquecer, surgindo em seu lu gar a do padre-cura, com hábitos reforma­
dos e educação religiosa superior. Essa im agem era verdadeira, so b re tu d o em Salvador
L:\-ro V - a I greja
371

e freqüentem ente em seu Recôncavo, onde a ,


ma. Se os padres tom aram u m a aparên cia m ais saer d epiSC° P eStava mais Próxi_
tamento e açáo renderam , se d iL oeu ” T d i t t l ” ” ” " T "
pouco mudou. uuerencar do povo, cu,a mentalidade

A ntes p risio n eiro o b ed ien te de seus fiéis, o padre era agora o m estre que contro­
lava suas devoçoes, que q u e r,a d tn g tr su a consciência em nova d ireçío , difícil de ser
com p reend id a p ela m assa tgn o ran te e an alfab eta e por um a parte d a elite, subm etida
às in fluen cias ideolo gtcas do sécu lo . D esejando colocar os fiéis sob com pleta depen­
dência esp iritu a l d o clero , a Igreja C a tó lic a co n trib u iu para afastá-los dele. Sem dúvi­
da. procissões e o u tras celeb raçõ es religio sas con tinuavam presentes no dla-a-dia dos
paroquianos. M as, p o uco a p o u co , elas perderam a espontaneidade e a vivacidade
p o pulares. A c a b a ra m p o r se to rn a r sím b o lo s de u m a religio sid ad e que perdera
esp iritu alid ad e, fervor e, so b retu d o , p ap el so cial. P ropiciando outrora um a alegre
convivência de to d as as categ o rias sociais, elas se tornaram o refugio das pessoas mais
carentes, q u e a Igreja tin h a in teresse em proteger, tolerando práticas que, aliás, julgava
supersticiosas.
As procissões relig io sas e o u tras p ráticas populares se tornaram um espetáculo
orquestrado p ela Igreja, no q u al os atores eram um a m in o ria de pobres, fiéis ao
catolicism o tra d ic io n a l, e os espectadores eram os ‘novos’ católicos, tomados pela
dúvida e a in d ife re n ç a . Só as cerim ô n ias realizadas nas igrejas, como a recitação do
rosário ou a a d o ra çã o do S an tíssim o S acram en to , reu n iam grupos de fiéis com
e sp iritu alid ad e nova, nos q u ais as m u lh eres eram m aioria. A volta do padre à sacristia,
ressacralizando o san tu á rio , co n feriu nova dim ensão à confissão, à missa e à com u­
nhão, mas afasto u desses atos gran d e p arte dos fiéis. A Igreja C atólica ganhou em
qualidade o q u e p erd eu em q u an tid ad e? M ais um a pergunta que ficará sem resposta.
Nas zonas ru rais o a m b ien te que cercava o padre era com pletam ente diferente.
N om eado pároco ou co ad ju to r, in p erp etu u m ou a títu lo provisório, ele geralm ente
vivia a centen as ou m esm o m ilh ares de quilôm etros da sede episcopal. A distânci
afrouxava os laços e p o d ia p ro d u zir certa independência, sobretudo quando as visitas
pastorais eram raras, su b stitu íd as por missões de ordens religiosas. Era requente q
o padre de u m a p aró q u ia do in terio r ficasse isolado espiritualm ente, ent g ' -
mesmo, como o cura dc outrora, apesar das conferências cclcsiásr.ca, Além disso o
poder — que ele repartia antes com um chefc local, representante a 'IU,0" ‘
- tinha que ser compartilhado agora com numerosos agentes:
tos, delegados e subdelcgados de Polícia. ‘ ^ n,'“^ 0'sua i n tiga influên-
políticos locais. Nem sempre ele., eram favorável»:. y ■. ^
cia sobre a popuUçáo. Para v e n c e r na L s , arirudes que às
com esse círculo , e isso nao cra fácil. Apar *
vezes não correspondiam aos desejos da k ,crj,<Ju‘a' pavam facilmente às contra-.
Os novos padres, form ados pelos semmi no , ^ ^ conseguiram
dições de seu m eio. Raros foram os párocos rurais q ,
B a h ia , S é c u l o XDÍ
372

viver plenamente sua missão.76 Aliás, os prelados reformadores sabiam perfeitamente


como era ilusório impor reformas sem que a Igreja tivesse reencontrado sua autonomia
espiritual e material. Apesar dos progressos havidos na preparação do clero para o
exercício de sua missão, o padre rural conservou a feição familiar que lhe era própria
durante o período colonial. Em relação aos da capital e das demais grandes cidades,
continuou mais próximo do povo.
CAPÍTULO 21

As O rdens R e l ig io sa s

N o p e río d o c o lo n ia l, h o m e m e m u lh e re s d esejo so s de in g ressar n a v id a m o n ástica po­


d iam e n tr a r e m c o n v e n to s d a s o rd e n s e sta b e le c id a s n o B ra sil d esd e o século X V I. A pesar
de e n fre n ta re m a lg u m a s re s triç õ e s, os p rim e iro s tin h a m d ia n te d e si nu m ero sas po ssibi­
lid ad es. A s itu a ç ã o d a s m u lh e r e s e ra m u ito d ife re n te . À C o ro a não in teressava fu n d ar
co n v en to s fe m in in o s n u m p a ís em q u e e ra ra ra a p rese n ç a de m u lh eres brancas. A lém
disso, as n e c e s s id a d e s d a C o lô n ia n o p la n o re lig io so estav am relacio n ad as sobretudo a
e v a n g e liz a ç ã o e c o n s e rv a ç ã o d a fé. N a é p o c a, a v id a re lig io sa fe m in in a era sobretudo
c o n te m p la tiv a , p o is m o ç a s d e b o a fa m ília n ã o d e v ia m fazer tra b alh o s p ro d u tivo s, co n si­
d erad os d e g r a d a n te s , E ra, p o is, n e c e ssá rio d o ta r os co n v en to s d e u m p atrim ô n io q ue
gerasse re n d a , e isso n ã o e sta v a a o a lc a n c e dos b rasile iro s no in íc io d a co lo n ização .
A lé m d e s e r o b r ig a d a a m a n te r os c o n v e n to s , a C o ro a p o rtu g u e sa p e rd ia , com eles,
a p o s s ib ilid a d e d e a r r e c a d a r c e rto s im p o s to s , p o is as p ro p rie d a d e s eclesiásticas se b en e­
fic ia v a m d e is e n ç õ e s . P o r tu d o isso , e les fo ra m p o u c o n u m e ro so s: q u a tro na B ah ia
(D e ste rro , 16 6 7 ; M e r c ê s , 1 7 3 5 ; S o le d a d e , 1 7 3 9 ; C o n c e iç ã o d a L ap a, 1 7 4 4 ); um no
R io d e J a n e ir o (N o s s a S e n h o r a d a A ju d a , 1 6 8 3 ); e u m em São P a u lo (S a n ta T eresa,
1 8 8 5 ). A p e n a s o d e D e s te r ro fo i fu n d a d o p e la C o ro a e só n e le as religio sas po d iam
receb er h e r a n ç a s o u a d q u ir ir b e n s. N o s d e m a is caso s, isso era p ro ib id o . O s outros
c o n v en to s s u r g ir a m c o m o r e tiro s , c h a m a d o s ‘re c o lh im e n to s , p o r in ic ia tiv a de m u lh e­
res p ied o sa s, g e r a lm e n te in te g r a n te s d as c a m a d a s m éd ias. A tran sfo rm ação dessas casas
em v e rd a d e iro s c o n v e n to s d e p e n d ia d a p e rm issã o d o rei e do bispo.
A lém dc g aran tir retiro para m ulheres, m uitas vezes viúvas ou abandonadas pelos
m aridos, os recolh im en tos abrigavam moças órfãs ou separadas dc suas famílias, ex-
prostitutas cm vias de regeneração (chamadas madalenas) e mulheres dedicadas à vi a
m onástica, que usavam h ábito, praticavam a clausura c faziam votos particulares,
raram ente reconhecidos pela C o ro a. Havia, ainda, casos — necessariamente autoriza­
dos pelas autoridades coloniais ou eclesiásticas — de refúgio de esposas maltratadas e
de reclusão dc ou tras, suspeitas dc adultério ou mau com portam ento.

373
B a h í a , S é c u l o X IX

P aralelam en te a esses in stitu to s oficiais da Igreja C a tó lica , havia um a forma mais


po pular de vida piedosa, expressa na reclusão v o lu n tária de m ulheres c e lib atárias a
beatas. Sem lu gar nos conventos c nos reco lh im en to s, sem fo rtu n a que lhes facilitasse
casam ento ou carreira religio sa, alg u m as delas se trancavam em casa, faziam votos
particulares e se su b m etiam a rigorosas p en itên cias; outras, verdadeiras peregrinas
percorriam vastas regiões, p ed in d o esm ola para socorrer os necessitados. T alvez tenha
havido , entre elas, vocações religio sas m ais v erd ad eiras do q u e as de m uitas freiras.
N o B rasil, o caso m ais célebre de b eata p ereg rin a foi o de Jo a n a Gom es de G u s m ã o
filha de fam ília aristo crática da C a p ita n ia d e São V ice n te e casada com u m rico
agriculto r, A n tô n io F erreira de G am bo a. O casal fez um pacto: o q ue sobrevivesse ao
outro con sagraria o resto da v id a a p erco rrer o m u n d o a serviço de D eus e do próximo
V iuva, Jo an a c u m p riu a prom essa: v estid a com h áb ito rú stico , trazendo nos braços um
pequeno o rató rio com a im ag em do M e n in o Jesu s, in ic io u u m a peregrinação que a
levou de P aran agu á a D esterro, em S an ta C a ta rin a , Em 1 7 6 2 , a duas léguas da vila,
c o n stru iu u m a p eq u en a casa, o n d e passo u a serv ir n ecessitad o s e a ed u car meninas,
vivendo da carid ad e do povo. M a is tard e, u n ira m -se a ela d u as m ulheres. M em bro da
co n fraria de N ossa S en h o ra dos Passos e de u m a o rd em terceira fu n d ad a em Desterro,
Jo an a foi reco n h ecid a com o b eata c exerceu m a rc an te ação ap o stó lica.
Este tipo de v id a religio sa e x isriu , sem d ú v id a , na B ah ia, m as não deixou vestígios.
N o ú ltim o terço do século X IX , A n tô n io C o n se lh e iro , chefe m ístico do Sertão baiano,
era ch am ad o beato p o r seus ad ep to s, q u a lific a tiv o tam b ém usado para numerosos
hom ens e m u lh eres de seu g ru p o .2 M as o e q u iv a le n te m ascu lin o m ais com um dessa
form a de relig io sid ad e situ a d a fo ra do m o d elo tra d ic io n a l era representado pelos ere­
m itas, q ue d esejavam v iv er u m a v id a cristã p erfeita, v o ltad a p ara a oração e o serviço
ao cu lto d ivin o , A ex p eriên cia d a so lid ão m o n ástica não era n o v id ad e para a Igreja,
mas o m ovim ento ere m ític o , in ic ia d o n o B rasil a in d a no século X V I, foi aqui essen­
cialm en te leigo. Já em 1 5 5 8 , d ep o is d e h av er passado pela B ah ia, o franciscano espa­
nhol Pedro Palacíos v iajo u p ara a C a p ita n ia do E sp írito S an to , levando consigo uma
im agem de N ossa Senh ora. Em V ila V elh a, fu n d o u o san tu ário de N ossa Senhora da
P enha, onde m orreu em 1570. É possível q ue outros erem itas tenham existido no
Brasil no século XVI, m as sua in flu e n c ia foi m ais m arcan te na época do ciclo do ouro
de M in as G erais, in icia d o no fim do século X V II. .
Sete, en tre eles, sc d istin g u ira m no perío do co lo n ial, deixan do traços de sua
passagem na do cu m en tação da época. D ois se estabeleceram no Sertão baiano: Félix da
C osta, que co n stru iu seu crcm itério e a cap ela dc Nossa Senh ora da Conceição em
M acaúbas, perto do rio das V elhas, e Francisco da Soledade, que se instalou nas
m argens do rio São F rancisco, onde fundou o erem itério de Bom Jesus da Lapa, até
hoje local de peregrinação dos baianos.
Os erem itas usavam hábito religioso e deixavam crescer barba e cabelos. Para
recolher as esm olas necessárias à m issão em que se em penhavam , percorriam freqüen
tem ente enorm es distâncias, carregando nos braços pequenos oratórios. Às vezes pro'
0UnCUV,m ; 0 t° " PerPr T OU POr tc m r ° lim itad °- mas ligados à idéia de
pen itencia. G anhavam fa d m e n r e tepm ação de santidade, mas, entre eles, havia ram
bem falsos profetas q u e, aproveitan dn-se da cred u lid ad e dn povo, viviam às suas
custas, freq ü en tan d o tavernas com o din h eiro das esm olas.
A pesar de sem pre ter co n tad o com proteção e respeito das autoridades eclesiásti
cas. essa form a d e v id a religio sa en tro u em decadência no início do século XIX em
parre por causa d a form a n itid a m e n te clerical assum ida então pela Igreja Católica’ Os
quatro erem itas ain d a vivos estavam velhos e não tinham esperanças de encontrar
sucessores. ’ O m esm o processo a tin g iu outras m anifestações leigas de fé.
N a p rim eira m etad e do sécu lo X V III as ordens religiosas viveram um m omento de
grande expansão, com a m u ltip lic a ç ã o de in stitu içõ es e o fortalecim ento de seu poder
econôm ico. Às doações d e terras, feitas pela C o ro a para a construção de conventos e
m onastérios, acrescen taram -se doações de p articu lares de todo tipo. Com exceção dos
franciscanos e dos cap u ch in h o s, orden s m en d ican tes, todas as outras se tornaram
pro p rietárias de terren o s e im óveis u rb an o s, engenhos c fazendas de gado. Freqüente­
m ente seu po der eco n ô m ico provocava con flito s com leigos, principalm ente nas re­
giões N orte e S u l da C o lô n ia . N as grandes cid ad es do lito ral, as ordens financiavam
num erosas em presas co m erciais e agríco las. Jesu ítas, beneditinos, carm elitas e religio­
sas do con ven to de S a n ta C la ra do D esterro desem penhavam , na B ahia, papel de
b anqueiro s, q u an d o a in d a não existiam estab elecim en to s form ais de crédito.4
O apogeu foi seg u id o por u m a lo n ga crise, que d u ro u m ais de um século, causada
em parte p ela h o stilid a d e do M a rq u ês de P o m b al, m in istro português entre 1754 e
1774. E m bora cu rto , esse co n tu rb ad o p erío do d esarticu lo u a vida religiosa no Brasil.
Os prim eiros a tin g id o s foram os jesu ítas, a q uem Pom bal reprovava a ingerência nos
negócios d e governo e a acu m u lação de poder econôm ico excessivo. N a verdade, a
C o m p an h ia de Jesu s foi v ítim a das pretensões im p eriais do governo de Pombal. M em ­
bros da O rd em d o m in av am , no B rasil, os dois pontos m ais extrem os — e sensíveis
das fronteiras: no N orte, a b acia am azôn ica e, no S u l, as terras situadas entre os nos
U ruguai c P aragu ai, A lém de p raticar u m a p o lítica am b ígu a em relação aos índios, a
C o m p an h ia de Jesus não pagava im postos, o q ue desagradava um a admmistraçao
preocupada em co n tro lar tudo.
A essas causas econôm icas c po líticas devem -se acrescentar outras, culturais e
ideológicas: o século XVIII brasileiro vibrava com os apelos das novas idéias, antijesuí-
ticas c an ticató licas, da E nciclopédia e da Filosofia das Luzes. Elas íizeram cxplo '
um a poderosa corrente, im b u íd a dc laicism o, que repercutiu fortem ente por aq
Pombal estava seduzido pelos novos métodos de ensino e desejava reformar essa ativi
dade, d om inada pela C o m p a n h i a de Jesus e por outras ordens religiosas que
travam seus esforços cm arte c teologia, desprezando as ciências exatas
O choque ocorreu quando os jesuítas reagiram contra as cláusu as o
M ad ri, dc 1750, que reduxiria sua influência no Sul do pala. Ao ameaçarem defl grar
um a revolta arm ada, apoiados nos fndios que p r o t e g i a m , sua exp sao se
376 B a h ia , S é c u l o X IX

in evitável, sendo con sum ada cm 1 7 5 9 .5 A p artir de en tão , a p o lítica de P o m b a l


curou tolher a ação dos regulares. H ouve supressão de conventos e até de m o s t e i r o
tal era o desejo de se apoderar dos bens das orden s, ju lg ad as im produtivas. D i m i n u i u
o p restígio da v id a religio sa. A ssociada às restrições im p o stas pelo governo ao recruta
m ento de noviços, essa in flu ên cia esvaziou conventos e m o n astério s.6
A In d ep en dên cia agravou esse q u ad ro . Ao g rito do dep u tad o baiano Ferreira
F rança — “que desapareçam en tre nós m o nges e m o n jas” — respondeu o deputado
C u stó d io D ias: “Nos d ias de h o je, seria lo u c u ra q u e um ho m em quisesse ser monge ou
jesu íta; tem os então a o b rigação de p a ra r com isso, pois não se pode consentir todas
as lo u c u ras.”7 A a n tip a tia m a n ifestad a co n tra os regu lares era geral. Povo e governo
concordavam em q ue as orden s religio sas eram in ú teis, pois congregavam em seus
conventos apenas um p u n h ad o de m o n ges, c u ja v id a p riv ad a n ad a tin h a de e x e m p l a r
H av ia luxo e se deso b edeciam flag ran tem en te os votos de castidade e de pobreza
R econ hecia-se q ue os regu lares tin h am u m a c u ltu ra acim a d a m éd ia, mas isso não era
suficien te para to rn á-lo s úteis. Boa p arte do p ró p rio clero era favorável à extinção das
orden s, cujos in teg ran tes, poucos e velhos, m o rav am em con ven tos im ensos ou diri­
giam propriedades agríco las.
E m bora n u n ca ten h a d ecretad o o fech am en to p u ro e sim ples dos conventos, o
governo to m o u m ed id as q u e teriam essa co n seq ü ên cia. C o n sideran do -se herdeiro e
sucessor le g ítim o das o rd en s, ele co b içava esses bens, in tegrad o s ao seu patrimônio
pela lei de 9 de dezem bro de 1 8 3 0 . C o u b e à ordens, desde então, o direito de administrá-
los, até a m orte de seu ú ltim o m em b ro . D ep o is, os bens m o b iliário s e imobiliários
passavam ao co n tro le d ireto do E stado. Em 1 8 3 4 , u m a circu lar do M inistério da
Ju stiça p ro ib iu q u e can d id ato s ao n o viciad o fossem ad m itid o s sem perm issão expressa
do governo. E laborado com ou tro esp írito , o artig o 10 do A to A dicio nal de 1834
atrib u iu às A ssem bléias L egislativas a facu ld ad e de legislar sobre os conventos e as
outras form as de associação relig io sa ,8 F in alm en te, em m aio de 1855* o governo
reforçou suas m edidas, susp en d en d o o fu n cio n am en to do noviciado, o que provocaria
um esvaziam ento total dos conventos.^ A pesar disso, verem os q ue foi estimulada a
entrada de m issionários estrangeiros, in ic ia lm e n te incu m bido s da evangelização dos
índio s, mas logo in fluen tes na reform a do clero e na in stru ção religiosa dos fiéis.
N um erosas ordens m asculinas e fem in inas estavam instaladas em Salvador desde
m eados do século XVI, q u an d o a cidade era cap ital da C olônia.. D esenv olveram ação
m issionária m uito ap reciada na área do ensino e ajudaram a Igreja secular, tanto na
c o n v e rsão dc populações autóctones e africanas, com o na preservação da fé das popu
iações crístianizadas. G raças aos donativos dos fiéis e aos dotes recebidos por ocasiao
da adm issão de seus m em bros, algum as dessas ordens — como a dos beneditinos,
dos carm elitas c a das religiosas do C onvento do Desterro — acum ularam forrun
bastante consideráveis desde o fim do período colonial. M as as ordens e congregações
instaladas na B ahia não escaparam à d e c a d ê n c ia q u e a t in g iu os estabelecimentos
gíosos no Brasil. As restrições im postas pelo governo ao recrutam ento de noviç
f ,« r a m d im in u i, scnsivclm cm o a m im em dc scl„ n.cm hm s, ,„ u i,m dos qu.m sc
jd jp r jv a m m al a vid.i cm ...n v c im .s c m on.,M crios. T iim b ím .di, d iscip lin a c c d c i
[crrcno O ,,,,-Jcs ll„ „ „ a x I indlcv deixou pi,orcsc., d c s c i^ o dc
rctcis’JO Icim cm so m p .m lii.i dc q u .m ., rrh|.i,,M,, l.,ii.m ns cm 1H<)2 - " () rcvcrcndissim >
superior era. »cm dus id a. um 1'radc a le ,;,e . c seus i „ , a . „ „r,„ II,c desm entiam o piedoso
exem plo d c m an eira alg u m .,. O ja m a r foi cxcclcm c, helrerrdo-se vinhos franceses da
m.,i< tin a q u a l,d .,d e. alem dc cerveja clara e m u ra, J c ,ip „ /,o rtcr. dc lo n d rc s A
refeis-ão prolon uo u-se ate m ais não poder: enrão, o grupo IV,. um a i,„ c rru p Vão. indo
Para um ,c rr.,s o Ircsco. to rm .u u k .-se parcerias para o jogo dc cartas, todos sc entregam
do. .m ula. co p io sam en te. d b ch id a. R etirei-m e anres dc acahar-se a festa, mas fui
inform ado pela pessoa q u e me ap resen tara a eles que os tais frades de JcrusalVm não sc
lim trarum . a b so lu ta m e n te , aos prazeres da m esa.” 111
B urlavam -se cad a vez m ais os estatuto s de cada ordem . Não raro, religiosos pas­
savam m eses, até anos, fora de seus co n ven to s, correndo o m undo sem prestar contas
a seus sup eriores. O utro s passavam de u m a ordem a outra, antes dc solicitar sua
secularizaçao. O caso do côn ego e d o u to r A n tô n io Jo aq u im das M ercês (1 7 8 6 -1 8 5 4 )
é exem plar. Bcz seus estudos no co n ven to dos b en ed itin o s, sob a direção do reputado
m estre M an o el da C o n ceição N eves, c recebeu as ordens, com eçando pois como
m onge dessa o rd em . Por ob scuras questões 'd e co n sciên cia', solicitou transferência
para os carm elitas calçados em 1818. Em 1821, pretextando perseguições de seu
sup erior, p artiu para P ern am b u co , on de foi prior do convento dos carm elitas. De­
pois dc haver p articip ad o da R evolução de 1824, voltou à Bahia, para seu antigo
convento, on de foi n o m ead o professor. Dez anos m ais tarde obteve do papa Gregório
autorização para sccu lari/ ar-sc, “por razões esp iritu ais que o im pediam de viver cm
clau sura". Um ano m ais tard e apresen tou sua subm issão ao prelado m etropolitano dc
Salvador e to rn o u -se m em b ro do clero da diocese. R eputado professor dc filosofia,
mesmo após a sccu larização en sin o u no colégio dos carm elitas e no Liceu Provincial,
foi d esem bargado r do T rib u n a l E clesiástico e m em bro do cap ítu lo -cated ral... além
dc venerável da la ija M açô n ica U n ião e Segredo. Em seu testam ento reconheceu três
filhos, dois rapazes c um a m oça, “para descncargo dc m inha consciência c para que
rne possam s u c e d e r ...” 11
fl fácil enten d er a an im o sid ad e que esse.s religiosos despertavam no governo, nos
leigos e na própria h ierarq uia tia Igreja que, nao conseguindo controlá-los, preferia vê
los desaparecer, tem endo escândalos. Ao m esm o tem po, todos eram obrigados a reco­
nhecer que, apesar dc decadentes, essas ordens prestavam excelentes serviços nas csco
las superiores, Isso não impedia, um julgam en to mais ou menos generalizado, te ^
sido m ais úteis se não tivessem perdido o espírito religioso c seus membros não
vivessem to m o qualqu er u n i" .11 ■ . v rv
Ignoro a evolução do núm ero de religiosos da Bahia durante o -século XIX, mas
algum, d a d o , existem , lá .. I Í M havia 2 1d d e la vivendo, dc rendas o » dc dnaçoes, nos
oito conventos dc Salvador.
378 B a h ia , S é c u l o XIX

TABELA 70

O rdens R e lig io sa s em S a i .v a d o r , 1854


O rdens M asculinas N úmero R enda A n ú a i *

Beneditinos 31 19:000

Carm elitas 40 4:963

Franciscanos 36 -

Capuchinhos 13 5:000

Subtotal 120

O rdens F emininas

Franciscanas do Desterro 33 12:000

Franciscanas da Lapa 16 5:000

Ursulinas das Merccs 25 7:000

U rsulinas da Soledade 20 2:860

Subtotal 124

T otal 214 55:823


(*) Renda anual em contos de réis. -- -
Fonte: F ala do presidente da Província (João Maurício Wanderley) em 1854.

C ap u ch in h o s e franciscanos v iv iam de doações dos fiéis, ao passo que as rendas de


todas as outras ordens v in h am da locação d e im óveis e das ativ id ad es em suas proprie­
dades agrícolas. O s b en ed itin o s eram os m ais ricos, com 3 4% d a renda de todas as
ordens c 6 5% da das m ascu lin as. Este cálcu lo não leva em consideração a renda dos
franciscanos, não p u b licad a no d o cu m en to co n su ltad o . M as, se atribuirm os a estes
um a renda igual àq u ela recebida pelos cap u ch in h o s (5 :0 0 0 de réis), os beneditinos
perm anecem com u m a proporção m u ito alta (3 1 ,2 % da renda total das ordens e
5 5,9% da das m ascu lin as). Infelizm en te não tivem os acesso aos seus arquivos, guarda­
dos na clausura e proibidos às m ulheres. M as sabem os q ue eles eram os maiores
proprietários de im óveis da cidade.
No século XIX desapareceram algum as ordens religiosas, com o a dos c a r m e lit a s
calçados, que haviam fundado o convento de San ta T eresa. Essa ordeni era tida como
proprietária de im ensa fortuna, e um a parte de sua renda era emprestada
r e g u l a r m e n t e

a particulares. O historiador V alen tin C aldcrón afirm a que os c a r in e lir a s deviam hgu
* . n
rar entre os m aiores cinprcstadorcs da cidade, mas não nos dá a prova disso.
O utro destaque eram as religiosas do D esterro, com 21,5% da renda total e 44,7%
da das ordens fem ininas. Estes haveres tinham sido constituídos por doações de particu­
lares e pelos dotes das moças que entravam no convento, nem sem pre pagos imedia
tam ente. Por causa da falta dc liquidez que atin gia a m aior parte dos agricultores
com erciantes, era costum e fazer um contrato com o pai ou o tutor da futura religmsa.
concedendo à ordem direito de propriedade sobre um a porção dc terra, uma proprie­
L iv ro V - A Ig rk ja 379

dade agríco la ou um im ó v e l.,A in stitu ição religiosa não entrava im ediatam ente na
posse desses bens, m as receb ia ju ro s de 6 ,2 5 % ao ano, ate que the fosse entregue o ca­
pital d evido . Se, com o era co m u m , a p ropriedade fosse v en d id a, o com prador assum ia
a d ívid a. Este m étodo tornava m u ito aleató rio o p agam ento do p rin cip al da dívida, que
freqüentem ente era 'esq u ecid a', reduzindo a reserva de capital do convento. Adem ais, no
sécuto XVIII esses d ireito s desap areceram pouco a pouco, e os devedores passaram a
pagar apenas os juros a n u ais, reduzidos a p artir de 1757 a 5% d u ran te 25 ano s.14
O s dados obtidos são coerentes entre si. B eneditinos e irm ãs do Desterro eram,
efetivam ente, as ordens m ais ricas da cidade. Ignoro, com o disse, o patrim ônio im obi­
liário dos prim eiro s, m as conheço o das irm ãs, graças a estudo da historiadora Susan
Soeiro, F undado no fim do século X V II, m enos de cem anos depois o convento do
Desterro já possuía u m a fo rtu n a con siderável. E m préstim os a particulares eram um item
de prim eira im p o rtân cia até o fim do século XVIII. D uran te todo o período colonial,
ordens religiosas c alg u m as irm an d ad es leigas, com o a M isericó rdia, desem penharam o
papel de bancos, q ue só com eçam a existir em 1 8 0 8 .15 A partir de 1772, no entanto, os
haveres líq u id o s p erd eram posição, pois as m onjas em prestavam dinheiro sem saber se os
devedores eram solváveis. G randes som as foram assim perdidas. Em 1764, por exemplo,
51 devedores m o rreram , levando con sigo 3 3 :4 3 6 .0 6 7 de réis da o rd em .16 Para resolver
o problem a, o arcebispo da B ah ia crio u no próprio convento um a seção de contabili­
dade, d esignando um co m ercian te com o ad m in istrad o r. A ele som aram -se dois juristas,
um para se ocupar de contenciosos ju ríd ico s, o outro para coletar os aluguéis e os juros
dos em préstim os. Em 1 7 7 8 , fin alm en te, o padre Inácio Pinto de A lm eida foi nomeado
ad m in istrad o r dc todos os bens, da in stitu ição e das m onjas.
Em 1 7 7 8 , o p atrim ô n io im o b iliário do D esterro era form ado por oitenta casas
urbanas, “dois pedaços de te rra ” e u m a fazenda, avaliado s em 4 6 :5 5 9 -7 6 6 de réis, que
davam u m a ren d a a n u a l de 2 :4 7 8 .3 2 0 de réis, ou seja, 5,3% do capital (note-se que
estes m esm os dados são fornecidos p ela h isto riad o ra am erican a para o ano de 1771).
M as será verdade que, en tre os conventos d a cid ad e, o do D esterro era o m aior
proprietário, o lea d in g la n d lo r d ? 17 Parece-m e u m a afirm ação precipitada, pelo menos
enquanto os bens dos outros conventos e m onastérios, assim como os das ordens
terceiras e irm andades religio sas, nao tiverem sido estu d ad o s.18 É preciso adm itir, no
entanto , que o D esterro era um dos m ais ricos proprietários de im óveis da Bahia. Em
1859, o convento possuía 104 casas, ad q u irid as por doações, legados ou compras.
De que tipo dc casas se tratava? Segundo Susan Soeiro, a cidade tinha umas cinco
mil casas por volta de 1800. Já vim os que o recenseam ento de 1872 apontou 15.257
casas, das quais 14.631 habitadas. N enhum a das duas fontes fornece um a tipologia
dessas habitações. U tilizan do inform ações dc viajantes e declarações de um funcioná
rio real, a historiadora norte-am ericana afirm a, entretanto, que os imóveis das ordens
religiosas, especialm ente do Desterro, eram casas térreas, sem andares superiores e
habitadas geralm ente por pessoas pobres. Afirm a tam bém que conventos, monasterio ,
irm andades e ordens terceiras não dem onstravam interesse em m elhorar as con içõ
380 B a h ia , S é c u l o XIX

residenciais d a cid ad e, pois as rendas q ue an g ariav am com esses casebres eram suficie^
tes.20 Esse ponto de vista deve correspo nder à rea lid a d e po is, segu n d o m inh a análiSe
na C id ad e A lta — on de se co n cen travam esses bens — as casas eram efetivamçntç
térreas em sua m aio ria. R efen n d o - se ao estado m iseráv el das casas de Salvador, lij^
fu ncio nário real d eclaro u q ue “a p rin c ip a l cau sa d esta d eso rd em é q u e as casas perten_
cem aos conventos e a o u tras corp orações, q ue não p o d em a lie n a r seus bens e não Se
envergo nh am do fato d e q u e suas ren d as p ro v en h am desses m iseráveis casebres”.21
D e q u alq u er form a, a situ ação das o rd en s religio sas era m u ito m elho r quç a
clero secular. Seus m em bros co n tav am com o serviço de escravos e tin h am teto gratui­
to, ao passo que os seculares en fren tavam suas o b rigaçõ es apenas com a porção côngrua
rendas de seu p a trim ô n io e d o n ativ o s dos fiéis. Em term o s p e r capita,, essas rendas
eram ; b e n e d itin o s , 6 1 3 .0 0 0 ré is ; c a r m e lita s , 1 2 4 .0 0 0 ; c a p u c h in h o s , 3 8 4 .0 0 0 ;
franciscanos do D esterro, 3 6 4 ,0 0 0 ; franciscanos d a L ap a, 3 1 2 ,0 0 0 ; ursulinas das Mercês,
2 8 0 .0 0 0 ; e u rsu lin as d a S o led ad e, 1 4 3 .0 0 0 . U m a tal situ ação p o d e ter contribuído —
é o que consta — p ara criar ciú m es no clero secu lar, q u e aliás d em o n stro u pouquíssimo
interesse em ap o iar seus irm ão s em re lig iã o , q u a n d o isso se fez necessário (lembremos
q ue o governo p ro p u n h a u tiliz a r os bens dos reg u lares p a ra m elh o rar o ensino nos
sem inário s d io cesan o s).22 Esses d ad o s, d e 1 8 5 4 , fo ram p a rc ia lm e n te confirm ados em
1857, q u an d o in q u érito do M in is té rio d a J u s tiç a rev elo u (p a ra as ordens masculinas)
o núm ero de con ven tos e de religio so s p o r d io cese.

TABELA 7 1

R e s id ê n c ia e N ú m e ro d e R e lig io s o s
p o r D io c e s e , 1 8 5 7 - O r d e n s M a s c u lin a s

D ioceses N° Residências N° Religiosos População (em mil hab.)

Bahia 19 161 1.500


Rio de Janeiro 22 78 1.470
Pernambuco 20 73 1.900
Maranhão 6 21 600
P ari 2 14 380
São Paulo 13 19 930
Ma riam 4 21 736
Rio Grande do Sul 1 - 350
Diamantina 1 - 394
Goiis - - 240
M ato Grouo - - 70
C eari - - 508
Total 88 387 9.078
Fonte Rntudo Auà (org.). A vida religiosa no Brasil, p. 88.
L i v r o V - A I g re ja
381

T a REI . A 7 1

R hSIf)f.N '( IA OI R i 1 H.IOSA-S p()K D lO f.tS E ,


1857 - O k d i .n s E em i n i n a s

Bahia
7
Rio ctr Janeiro
9
Pernambuco
5
.Maranhão
1
São Paulo
3
M ariana 4
Rio Grande do Sul 1
Total 30
fonte- Fiolando Azzi íorg.j, A v id a religiosa n o Brasil, p. 92.

O exam e das tab elas 7 0 , 71 e 7 2 torn a possível um a análise com parativa. Nota-se
em p rim eiro lu g ar que, n a B ah ia, o n ú m ero de religiosos aum en to u. Eram 120 em
1854 e, três anos d ep o is, 161. O in q u é rito do M in istério da Ju stiça exam inou dezeno­
ve casas de regu lares, esp alh ad as por todo o territó rio da Província. Não tenho infor­
m ação sobre o n ú m ero de religio sas, m as na tab ela 72 estão incluídas as irm ãs de São
V icente de P au la, com trés casas in stalad as.
A B ahia tin h a o m aio r n ú m ero de in tegran tes de ordens m asculinas, mas era
ultrapassada pelo R io d e Ja n e iro q u a n to ao n ú m ero dc casas (19 contra 22). Nessa
época, as dioceses dc* G o iás, M a to G rosso e C eará não tin h am conventos, e só lazaristas
e franciscanos estavam in stalad o s nas dioceses de M a rian a e D iam an tin a (M G ). Isso se
explica por u m a a n tig a decisão d a C o ro a, q u e p ro ib iu a instalação de ordens nas
regiões do ouro e dos d ia m a n te s.23 B ahia, R io de Jan eiro , Pernam buco e São Paulo
abrigavam 8 4 ,1 % das instalações e 8 4 ,5 % dos religiosos do pa/s. Sozinha, a Bahia
concentrava 4 1 ,6 % dc todos os religiosos. N ote-se, fin alm en te, que os jesuítas, expul­
sos do Brasil cm 1759, in staiaram -se de volta, tim id am en te, no Rio G rande do Sul, e
que a única ordem nova cra a de São V icente de Paula.
O* dados da tabela sobre ordens fem ininas tém erros e lacunas. Para a Bahia, por
exem p lo , as q u a tro casas q ue p erten ciam às fran ciscan as e às ursulinas foram
contabilizadas ju n tas, c não houve m enção aos tres recolhim entos existentes em Salva­
dor, N enhum a inform ação aparece sobre o núm ero dc religiosas. Graças às sete pro­
priedades das irm ãs dc São V itcn tc dc Paula, a diocese do Rio dc Janeiro detinha 30%
do conjunto das casas religiosas fem ininas, a Bahia vindo cm segundo lugar, com
23,3% . N ote-se que, tendo c hegado ao Brasil em 1849, as religiosas dc São Vicente de
Paula já possuíam , oito a n o s depois, catorze casas dc um total de trinta, o que prova
o vigor dessa ordem , educadora c hospitaleira, Enquanto isso, as ordens tradicionais
brasileiras sc estíolavam entre as paredes dc seus conventos, sem terem objetivo ver a
382 B a h ia , S é c u l o XÍX

d eiram en te apostólico. A exceção ficava por con ta dos reco lh im en to s, que às vezes
tin h am um verdadeiro program a de educação para a ju v en tu d e que lhes era confiada
N o século XIX, porém , estavam tão decaden tes q u an to os conventos. O do Desterro
por exem plo, no século XVIII fu n cio n ava tam bém com o in stitu to de educação, ativi­
dade que foi retom ada pelas u rsu lin as no século XIX. E stim u lad as pelo exemplo das
irm ãs de São V icente de P aula e das d o ro téias, elas tran sfo rm aram os conventos em
centros exem plares de educação p ara as jovens b aian as.
Encontrei novos dados sobre as orden s religio sas trad icio n ais em um relatório do
M in istério da A gricu ltu ra, C o m ércio e O bras P ú b licas, datad o de 1 8 7 0 . Só aparecem
resultados de âm b ito n acio n al. O s b en ed itin o s, com 41 religio so s em onze mostei­
ros, possuíam sete engenhos, m ais de q u a re n ta fazendas e terreno s, 2 3 0 imóveis,
1.265 escravos (haviam alforriado cerca de três m il...) e duas olarias. Os carmelitas,
com 49 religiosos em catorze conventos, tin h am m ais de q u aren ta fazendas e terrenos,
136 im óveis, quatro engenhos, duas o larias, 1 .0 5 0 escravos e 9 1 0 cabeças de gado. Os
85 franciscanos se d iv id iam por 25 conventos e p o ssu íam q u a re n ta escravos. Os mer-
cidáríos tinh am apenas u m religio so no B rasil, m as eram pro p rietário s de quatro
fazendas e duzentos escravos.24
Os dados do recenseam en to de 1 8 7 2 tam b ém n ão po dem ser utilizados para a
B ahia, pois nessa P ro vín cia a p esq u isa se lim ito u ao clero secular. Em 1885, um
relatório do governador do arceb isp ad o d a B ah ia, m o n sen h o r M an u el dos Santos
Pereira, apresentou o n ú m ero d e 30 religio so s e 3 2 religio sas, repartidos nos diferentes
conventos d a P ro víncia. O relato r a tr ib u iu esse baixo efetivo à p o lític a do governo e
ao com portam ento dos m onges e m o n jas: “N os con ven tos fem in in o s q ue ainda rece­
bem m ocinhas para serem educadas, a d iscip lin a regu lar não é m ais que um a pálida
im agem do que foi e, q u an d o se q u er m u d ar esse estado de coisas, n lo se pode fazê-
lo por causa d a ídade avan çada e das en ferm id ad es das religio sas.” Ele denunciou
tam bém a grande d im in u ição h av id a nos p atrim ô n io s de todos os conventos, sobretu­
do aqueles de religiosos que desaparecem com u m a rapidez vertiginosa. Os Beneditinos
consom em os seus com um prazer quase ep icu rista. E não sei se o pouco que resta
daquela dos C arm elitas será su ficien te para susten tar o ú ltim o sobrevivente”.*'5 Só os
seis capuchinhos realizavam missões no in terio r da Província.
A Igreja sabia com o cra d ifícil reform ar hábitos arraigados. Tornava-se, porém,
cum plíce do Estado, que tinh a outras razões para querer ex tin gu ir as ordens antigas.
PoÍ preciso esperar o fim do século e a aju d a dc religiosos estrangeiros para que elas
fossem restauradas. A dos beneditinos, por exem plo, que em 1893 tinha apenas um
religioso no m osteiro, foi reform ada entre 1890 c 1910, com auxílio dos monges da
Congregação de B cauron.2f>
H ostil, por motivos econôm icos e políticos, às ordens instaladas há mais tempo no
Brasil, o Império facilitou ativam ente a chegada de novas ordens e congregações,
chegando mesmo a pedir ao governo italiano que não criasse obstáculos à vinda de
m issionários.22 H avia o desejo de dar ao Brasil um a feição mais ‘européia’. Além disso.
L iv r o V - A Igreja
383

o. religiosos estrangeiros entravam aqui sob controle do governo, que tinha a firme
intenção de im pedir a form açao de patrim ônios. Com a abolição de antigos privilé­
gios, O Estado se tornara, com o vim os, o único herdeiro dos bens regulares e desejava
tomá-los dò clero. }
Neste aspecto, os desejos do governo co in cid iam com os d a alta hierarquia da
Igreja, pois, para os bispos reform adores, as ordens religiosas já tinh am cum prido sua
tarefa. A v id a dos religio so s e religiosas brasileiros estava, em geral, voltada para dentro
de conventos e m o n asterio s. As exceções eram as ursulinas dos conventos das M ercês e
de Soledade, q ue m a n tin h am escolas para m oças, e os beneditinos, franciscanos e car­
melitas, que ■com m enos in ten sid ad e a p artir do século XIX — m inistravam cursos
de filosofia. O s teólogos dessas ordens ensinavam então no Sem inário M aior da diocese.
M as os tem pos tin h am m u d ad o . O pro gram a de reform as precisava de novos
modelos de v id a religio sa p ara poder en fren tar as exigências d a Igreja e da sociedade.
As novas ordens e congregações traziam proposta renovadora, pois sua vinda para o
Brasil era m o tiv ad a p o r u m id eal m issio n ário e apostólico que se exprim ia em missões
populares e em ativ id ad es ed u cacio n ais e de assistência a doentes e pobres, áreas
prioritárias para a a lta h ie ra rq u ia da Igreja. D aí a estreita colaboração que, ainda no
período de dom R o m u ald o A n tô n io , elas estabeleceram com o arcebispado da Bahia.
C apuchinhos, Irm ãs de C a rid a d e e Padres d a M issão tiveram im po rtan te participação
no m ovim ento refo rm ado r.

O rdens e C ongregações R ecém -C h e g ad a s: os C a p u c h in h o s .

A fixação dos capuchinhos na B ahia foi tardia. Os prim eiros a chegar no Brasil eram
franceses, que vieram em 1 6 1 2 na e x p e d iç ã o d a La Ravardiere ao M aranhão e foram
expulsos dois anos m ais tarde. Em 1641 outro grupo de franceses veio para o Brasil, mas
também foi expulso, em 1 6 9 9 , quando da guerra entre França e Portugal. Em 1705
chegaram os italianos, que se instalaram na B ahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, de
onde estenderam missões a M inas G erais, Espírito Santo e às províncias do Sul do país.
Quando da ruptura entre o governo do M arquês de Pombal e a Santa Sé (1760), a maior
parte dos capuchinhos italianos foi expulsa do Brasil, embora esta fosse a unica or^ m
que gozava de certa popularidade, pelo menos na Bahia, no final do século XVIII.
Vindos da Itália, conhecidos por seu espírito de pobreza e seu apostolado popular,
os capuchinhos percorreram vastas regiões do Sertão em missões de evangelizaçao de
índios e, além disso, m ostraram -se excelentes guias espirituais para a populaçao urba­
na. Sua ação era m uito apreciada pelos habitantes de Salvador, que iam à igreja
convento para ouvir as prédicas, sempre simples e acessíveis, e receber os sacramentos.
Segundo V ilhena, no convento da Piedade havia sempre “m uito povo devoto, nao so
para o exercício da oração, em que aqueles exemplares religiosos o instruem , como
para a freqüência dos sacram entos da penitência e da eucaristia, que todos os dias, com
B a h ia , S é c u l o XIX
384

c a rid a d e e zelo exem plar, lhes su b m in istram , além das freq ü en tes prédicas da doutrina
. , ■ ” 29
evangélica com que incansáveis o exportam .
N um erosos contem porâneos testem u n h am que, d u ran te todo o século XIX, os
capuchinhos m antiveram a preferência p o p u lar. A lém disso , foram os prim eiros a
colaborar efetivam ente com a restauração d a diocese. Em 1 8 3 9 , o arcebispo da Bahia,
dom R om ualdo A n tô n io de Seixas, elo gio u as m issões realizadas por esses religiosos,
sobretudo nas terras do in terio r: “Inúm eros escândalos são resolvidos pelo sacramento
do casam ento; ódios e in im izad es in veterad as ex tin g u em -se; esposos separados voltam
a unir-se; os trib u n ais da p en itên cia são freq ü en tad o s e b an h ad o s por lágrim as de
arrependim en to; a p iedade e a devoção sao p u rifica d as das p ráticas supersticiosas
contrárias à san tid ad e do cu lto ; o respeito e a o b ed iên cia às leis, fo rtem en te inculcados
não com o resultado de sim ples acordos, m as co m o o o rd en a o p róprio D eu s.”30 Quem
eram esses irm ãos? J á m oravam na B ah ia ou tin h a m v in d o d e P ern am b u co , após terem
sido expulsos dessa P ro vín cia em 1832?
D epois de 1840, o con ven to d a B ah ia receb eu , d a Itá lia , reforços extrem am ente
insuficientes, se pensarm os q ue u m p u n h ad o de religio so s tin h a o encargo de adm inis­
trar q uarenta aldeias in d ígen as e realizar in ú m e ra s m issões p o p u lares ju n to às popula­
ções cristianizadas d a P ro vín cia. D om R o m u a ld o A n tô n io escreveu em suas M em órias
do M arquês d e S anta C ruz ; “B asta lem b ra r o ed ifica n te e m ag n ífico espetáculo apre­
sentado por num erosas m issões dos cap u ch in h o s ( . . . ) . Pessoas e clérigo s os reclamam
e esperam com im p aciên cia ( . . . ) . P op ulações in te ira s d eslo cam -se a lugares distantes
para ouvir a palavra d iv in a dos láb ios desses h o m en s, a q u em ven eram com o anjos.”
O quadro pin tado pelo arcebispo é, no en tan to , exagerad o . A pesar de populares,
as missões eram relativ am en te raras no sécu lo XIX . O en tu siasm o q ue despertavam nas
massas e o arrependim en to p rofu ndo q ue d elas se apossava não p o diam resistir às
inúm eras tentações d a v id a c o tid ia n a , já q u e, freq ü en tem en te, passavam -se anos entre
um a e outra m issão. M as não h á d ú v id as de q u e a ob ra ev an g élica desses missionários
foi exem plar. Eles tiveram que lu ta r m ais de u m a vez c o n tra a incom preensão do poder
civil e a resistência dos chefes locais, desejosos de m an ter a tu tela sobre os moradores
da Província. C om o no passado, sua ação ju n to aos h u m ild es d a c id ad e de Salvador foi
m uito positiva: sua igreja co n tin u o u a ser um cen tro de aco lh im en to para m uita gente,
ávida por ouvir palavras sim ples e receber um tratam en to cam arada, que contrastavam
tom as prédicas pom posas c a severa austerid ad e de m u ito s párocos.

O rdens k C ongregações R ec Em - C h eg ad as:


as I r m As de S áo V ig e n t e , d e P aula

p r i m e i r a c o n g r e g a ç ã o f e m i n i n a q u e c h e g o u a o B r a s i l , a d a s I r m ã s d e S ã o V i c e n t e de
a u a , o u i r m ã s d c C a r i d a d e , d c s c n v o l v c u - s c m a i s d o q u e i o d a s as i n s t i t u i ç õ e s r e l i g i o '
as o p e río d o im p e r ia l. S e g u in d o o e x e m p lo d c d o m V iç o s o , b is p o d e M a r ía n a , d o m
L ív r o V - A I g r e ja

R o m uald o d e c id iu a p elar para q u e essa co n gregação exercesse suas atividades ju n to a


doentes e m u lh eres jovens da c a p ita l. A n u n cio u , então, em 1850, a fundação da
S o cied ad e de São V ice n te de P aula, cu jo ob jetivo era an g a riar fundos para a vin d a
dessas religio sas. Só em agosto de 1 8 5 3 d esem b arcaram onze delas em Salvador. Sua
in stalação foi m u ito ráp id a. Em dezem bro do m esm o ano fu n d aram o colégio N ossa
Senh ora dos A njos, com 160 alu n as, das q u ais n o ven ta in tern as (entre as quais 36
órfãs “que recebem a m esm a ed u cação q ue as o u tra s”) e seten ta extern as.31 Sete meses
m ais tard e, em ju lh o de 1 8 5 4 , a S o cied ad e das D am as d a P ro vid ên cia, filiad a à con­
gregação das V ic e n tin a s, fu n d o u a C asa d a P ro v id ên cia q u e aco lh eu 18 intern as órfãs
e ” 0 externas em cursos g r a tu ito s .32 A lem disso, as irm ãs de São V icen te de Paula
visitavam os pobres e cu id a v a m dos do en tes a d o m ic ílio .
Povo e elites go stavam de v er u m a o rd em re lig io sa se o cu p an d o dessas atividades.
M esm o assim , as religio sas fo ram a co lh id a s com d esco n fian ça. P or quê? Por causa da
atitu d e geral dos lib erais, q u e co n sid erav am as o rd en s estran geiras com o em issárias da
S an ta Sc?33 O u d a resistên cia de m e n ta lid a d e s aco stu m ad as a ver obras de beneficência
d irig id as por leig o s, com o os d a Irm a n d a d e d a M isericó rd ia? N ão. O problem a era,
esp ecialm en te, o trab alh o e d u c a c io n a l das irm ãs, cujo s co légio s, para com eço de con­
versa, eram so cialm en te m isto s, já q u e a d m itia m alu n as o riu n d as de um espectro social
m u ito extenso. F ilhas de escravos — é claro — estavam exclu íd as, m as m oças de
fam ília m a n tin h a m c o n ta to com in te rn as pobres ou órfãs e com externas que perten­
ciam a todas as cam ad as livres d a so cied ad e. Essa m istu ra era estranha para olhos
habitu ad o s a clív ag en s so ciais m ais n ítid a s. Em segu n d o lu gar, a educação estava nas
m ãos de u m a co n g reg ação q ue era estran g e ira n ão só por suas origens, mas tam bém
pelas n o vid ad es q u e p ro p u n h a, Esses dois fatores d esem p en h aram papel m u ito im por­
tan te na c am p an h a d e d ifam ação d efla g ra d a co n tra essas religio sas, que resultou, em
2 de fevereiro d e 1 8 5 8 , n u m a v erd ad e ira rev o lta p o p u lar. As freiras quiseram im por
um p ro gram a de refo rm as recu sad o p elas m u lh eres do reco lh im en to da M isericó rdia,
surgind o d aí o pretexto p ara q u e o povo in v ad isse a casa e m olestasse as irm ãs que lá
estavam . A m esm a cen a se rep etiu na casa d a P ro v id ên cia. Foi necessária um a interven­
ção do E xército para a ca lm ar e d isp ersar os revoltosos.
Essas desordens foram co n d en ad as pelo arceb isp o ,34 mas deixaram um a clara
m ensagem : as religio sas francesas deviam lim ita r suas am bições, adaptando-se à reali­
dade. A partir dc I 8 6 1 , o co légio Nossa Senh ora dos A njos, criado para que mocinhas
da boa sociedade pudessem co ab itar com ou tras, recrutadas cm todas as cam adas
sociais, passou para a ad m in istração da Irm andade da M isericó rd ia e m udou sua
proposta. As religiosas de São V icen te de P aula fundaram um novo estabelecim ento,
cham ado Nossa Senhora da Salete, para acolher sobretudo moças pobres, oriundas do
interio r, ou integrantes da classe m edia da cidade. Em 18 71 , o presidente da Província
registrou a excelência do ensino religioso m in istrado nesse colégio e pediu que se
concedesse a seus professores os m esmos salários pagos pelas escolas públicas. Apesar
das d ificu ldades, a obra em preendida pelas Irmãs de C aridade deu frutas. Várias
B ahia , S éc r i o X IX

gerações de b aian as receberam nesses co légio s u m a só lid a edu cação — talvez demasia
d am en te afastada da realid ad e q ue as cercava — . a lia d a a u m a instru ção religiosa afi
nada com o esp írito da reform a d esejad a pelos bispos. Sem a presença das religiosas
francesas, m u itas dessas m oças não teriam acesso a esse nível de instrução.
As freiras tam bém faziam obras b en eficen tes: cm 18*59, tom aram o e n c a r g o dos
pobres de très p aró q u ias da cid ad e — S an ta n a , C o n ceição da P raia e São P e d ro _
chegan do a socorrer 3*698 deles, tratan d o do en ças e d istrib u in d o roupas e víveres no
próprio esp írito de São V icen te de P a u la .36

O rd en s e C ongregações R ecém -C h e g a d a s: o s Padres da M issáo

Os P adres d a M issão fo ram a c o n g re g a ç ã o m ais im p o rta n te p ara o movimento


refo rm ad or do século p assad o .37 F u n d a ram e d irig ira m vários sem in ário s diocesanos e,
em certas dioceses, foram respon sáveis por m issões e pela ed u cação dos jovens. Fun­
dad a por São V icen te de P au la em 1 6 2 5 , a co n gregação chegou de P ortugal em IS20,
sendo reforçada depois por padres fran ceses.38 N a P ro v ín cia de M in as G erais, eles se
to rn aram célebres graças ao co lég io C a ra ça , em q ue foi ed u cad a parte im portante da
elite local. T am b ém o b tiv eram a d ireção do sem in ário de M a rian a, diocese dirigida
por dom V içoso, um dos p ais d a reform a eclesiástica.
Os lazaristas ch egaram à B ah ia em 1 8 5 3 , com o capelães das onze irm ãs de carida­
de cham adas pelo arceb isp o , m as p recisaram de m ais tem po q ue elas para assumir
responsabilidades na estru tu ra lo cal da ig re ja . Foram necessários trés anos para que se
assinasse um acordo en tre o arceb isp o dc S alv ad o r e o sup erio r geral da congregação,
dando aos lazaristas a d ireção dos sem in ário s M en o r e M aio r. O arcebispo comunicou
a nom eação ao m in istro Jo sé T o m ás N ab u co de A raú jo nos seguin tes term os: “Na falta
de um p atrim ô n io para sua m an u ten ção , o S em in á rio M en o r não podia continuar
nesta situação. Por ou tro lad o , a exp eriên cia m ostrou q ue é inconcebível haver um
internato com um para aqueles q u e se d estin am ao Estado eclesiástico e aqueles que
seguirão outras carreiras, sobretudo cm um prédio que não com porta reformas paia
separar uns dos outros. D ecidi, pois, deslocar os prim eiros, que sao trinta e um, para o
Sem inário M aio r, onde ocupam um a parte do prédio c ali estudam . Doravante, em
conseqüência dessa decisão, som ente serão aceitos no Pequeno Sem inário, fundado
para ensiná-los, os aspirantes à vida eclesiástica. C onio já tive a honra dc fazer saber a
Vossa Excelência, a direção dos dois sem inários está confiada ao Padre Laurcnt, supc
rior das Irmãs dc C aridade, c a seus co m p an h eiro s...
D iretores ■
—■c não professores — dos doís sem inários, os lazaristas se esforçaram
para seguir fielm ente as orientações d a hierarquia eclesiástica. Em suas Metnéritís, dom
Rom ualdo A ntônio justificou essa nova presença, escrevendo: " C o n v e n c id o de quc
um dos principais objetivos do adm irável Instituto de São Vicente de Paula foi 3
reforma dos sem inários eclesiásticos, que deu frutos salutares para a re g en e raçã o do
L iv r o V - A I g r e ja 387

clero da F rança c o u tro s p aíses d a E uro pa, q ue os bispos em p en h aram -se em ad o tar em
SUas dioceses, m o v id o pelo ex em p lo d ad o pelo em in en te B ispo de M a ria n a , en carre­
gando esses p ad res, fieis d .sc íp u lo s e h erd eiro s d o esp írito de seu im o rtal fu n d ad o r
não som ente d a h in d a ç a o m as ig u a lm e n te d a regên cia das cáted ras de seu sem in ário
com preendi q u e era p reciso ta m b é m to m a r essa m ed id a para prom over a m elho ra dos
Pequeno e G ra n d e se m in á rio s d este A rceb isp ad o , do q u al d ep en dem os futuros d esti­
nos da Igreja m e tro p o lita n a . N ão p o rq u e não ho uvesse nessa arq u id io cese padres que
reunissem o sab er, a p ie d a d e e o zelo p a ra ed u ca r o novo clero , m as porque estes, ou
bem tin h am o u tro s en carg o s in c o m p a tív e is com a assíd u a v ig ilâ n c ia q u e exige u m a
in cu m b ên cia tão la b o rio sa e d e lic a d a , o u en tão p o rq u e, apesar d e suas q u alid ad es, não
tinham a a p tid ã o e a e x p e rie n c ia a d q u irid a s pelos L azaristas d u ran te o longo a p re n d i­
zado com o q u a l se p re p a ra m p a ra essa e sp e c ia lid a d e p ró p ria de seu in s titu to .”40
Os a rg u m e n to s do arceb isp o m erecem aten ção . S eria v erd ad e q ue os clérigos
baianos q u e e n sin a v a m nos s e m in á rio s o cu p a v a m cargos in co m p atív eis com a direção
destes? O d ire to r d o P e q u e n o S e m in á rio era o irm ão F ran ciscan o A rsên io da N a tiv i­
dade M o u ra, p ro fesso r d e h is tó ria e c le siá stic a no G ran d e S em in á rio . A lém dessa d ire ­
ção e de suas o b rig a çõ es c o n v e n tu a is, o ú n ico cargo assu m id o p o r esse irm ão era o de
exam inador s in o d a l,41 m as ele a b d ic o u “com p raz er” de seu cargo de d ireto r, segundo
dom R o m u ald o A n tô n io . O re ito r do G ran d e S e m in á rio , p ad re Jo sé de Sou za L im a,
tam bém ap re sen to u s u a d e m issã o . P áro co do P ila r, ju iz do T rib u n a l E clesiástico e
exam inador s in o d a l, a té 1 8 5 7 ele só m an tev e u m a cad eira de p rofesso r-sub stítuto no
Sem inário M a io r .42 O s m ú ltip lo s cargo s q u e exerceu, so b retu d o o de pároco, foram
considerados in c o m p a tív e is com a d ireção do sem in ário . M as este não foi o problem a
verdadeiro, p o rq u e os p ró p rio s laz aristas estavam sobrecarregados de trabalh o, com o
capelães das Irm ãs de C a rid a d e e de suas casas, aco m p an h an tes assíduos dos p aro q u ia­
nos e p articip an tes d e m issõ es, ao lad o dos cap u ch in h o s.43
Q ual a ex p licação ? A m e u ver, do m R o m u ald o estava convencido de que não era
possível fab ricar o novo com o v elh o . O s religio so s que ensinavam nos sem inários
eram, em sua m a io ria , regu lares ou padres e cônegos form ados em p iricam en te, sem
estudos regu lares, a não ser os realizad o s nos próprio s conventos, com o m onges ou
como ouvintes. F altava a esse clero a cap acid ad e de form ar jovens segundo um a
educação “p ro p riam en te c le ric a l”, con fo rm e ao esp írito da reform a. As cátedras de
•eologia d o gm ática e de teo lo gia m oral, no en tan to , estavam nas mãos de dois francis-
« n o s , A ntônio d a V irgem M aria Itap arica c R aim un do N onato de M adre de Deus
Fontes, que tin h am o títu lo dc predicadorcs im periais e eram conhecidos por seu
« h e r . O p rim eiro en sin o u teolo gia do gm ática por m ais de 30 anos, cercado pela
adm iração dc discíp u lo s c colegas; o segundo, professor de teologia m oral, era consi­
derado, cm 1870, o decano das ciências eclesiásticas da diocese.
Dom R om ualdo protestava contra a “guerra in ju sta” travada contra os lazaristas
S°L pretexto dc q u e eram estrangeiros. M as, apesar dos seus esforços, a m udança não
fw aceita. A oposição à presença deles nos sem inários foi tão violenta quanto a que
388 B a h ia , S é c u l o X I X

h o u v e ra c o n tr a as Irm ã s d e C a r id a d e , e m b o r a se m tu m u lto s p o p u la re s . E la explica por


q u e d o m R o m u a ld o n ã o c o n fio u im e d ia ta m e n te a e le s u m a p a r te d o en sin o : talvez
e stiv e sse e s p e ra n d o q u e os e s p ír ito s se a c a lm a s s e m . D e p o is d a m o rte d o arceb isp o em
1 8 6 0 , o c ô n e g o R o d r ig o I n á c io d e S o u z a M e n e z e s , v ig á r io - c a p itu la r , a ta c o u a b e r t a ­
m e n te o d ir e ito d o b is p o d e n o m e a r la z a ris ta s c o m o p ro fe sso re s d o s e m in á rio . H o m e m
p o lític o im p o r ta n te , v á ria s v ez es d e p u ta d o à A s s e m b lé ia P r o v in c ia l e re g a lista convic­
to , o v ig á r io e x p r im iu a o p o s iç ã o d as e lite s p r o v in c ia n a s , q u e n ã o q u e ria m ver a
in s tru ç ã o d o c le ro c o n f ia d a a e s tr a n g e ir o s . E m d e z e m b ro d e 1 8 6 1 , e le co n seg u iu um
d e sp a c h o d o M in is t é r io d o I m p é r io , d e c la r a n d o n u lo s e s e m p r o c e d ê n c ia os contratos
a ssin a d o s p o r d o m R o m u a ld o e os P a d re s d a M is s ã o , q u e se r e tir a r a m dos sem inários
em ju lh o d e 1 8 6 2 .45 A e x p e r iê n c ia la z a r is t a d u r o u se is a n o s , te m p o m u ito curto para
im p r im ir o e s p írito d e m u d a n ç a n u m c le r o r e fr a tá r io às re fo rm a s. P ode-se então
p e r g u n ta r se o m o v im e n to r e f o r m a d o r n a B a h ia n ã o fo i, fin a lm e n te , u m a piedosa
in te n ç ã o q u e n u n c a r e a liz o u , e m p r o f u n d id a d e , as m u d a n ç a s q u e se p r o p u n h a a fazer.
A v id a p r o p r ia m e n te m o n á s tic a p e r m a n e c e u d e c a d e n te d u r a n te to d o o período
im p e r ia l. S ó a P ro c la m a ç ã o d a R e p ú b lic a a b r iu c a m in h o p a r a a re s ta u ra ç ã o das velhas
o rd e n s d e c a d e n te s e p a ra a c h e g a d a d a s c o n g re g a ç õ e s e s tr a n g e ir a s , m a sc u lin a s e fem i­
n in a s. M a s , a in d a no I m p é rio , a I g r e ja C a t ó lic a m o s tr o ú q u e h a v ia congregações
cap azes d e tr a n s m itir a m e n s a g e m c r is ta a tra v é s d a e d u c a ç ã o e d o a lív io das misérias
m a te ria is e e s p ir itu a is d e u m p o v o c u ja v a r ia d a r e lig io s id a d e , às vezes in co m p reen d id a,
é s in a l d e u m a b u sc a c o n tín u a e fa to r d e s o lid a r ie d a d e e co esão s o c ia is e n tre homens
sep arad o s p e la riq u e z a , p e lo e s ta tu to ju r íd ic o e p e la c o r d a p e le . V e ja m o s agora como
era v iv id a e s e n tid a essa r e lig io s id a d e .
CAPITULO 22 _

C ateq u ese d o Povo de D eus

: *

A so cied ad e b a ia n a d o s é c u lo X I X e r a d a s m e n o s h o m o g ê n e a s . A lé m d a d ife re n c ia ç ã o
em g ru p o s s o c ia is , d o is o u tr o s fa to r e s d e s e m p e n h a v a m p a p e l im p o rta n te : o e sta tu to
ju ríd ic o (liv r e s , a lf o r r ia d o s , e s c r a v o s ) e a c o r d a p e le (n e g r a , m u la ta , b ra n c a ) d e seus
in te g ran te s. N u m a s o c ie d a d e d e s se tip o , d ife r e n te s c r ité r io s d e te r m in a m as cliv ag en
;ens.
E x am in arei a q u i o f a to r c u lt u r a l, f o r te m e n te in f lu e n c ia d o p e la açã o d a Igreja,
A a g r ic u lt u r a d o m in a v a a im e n s a P r o v ín c ia . A p e s a r d o s esfo rço s e m p ree n d id o s
p artir d a I n d e p e n d ê n c ia , a u r b a n iz a ç ã o p e r m a n e c ia m e d ío c re , so b re tu d o n o in te rio r,
cu ja p o p u la ç ã o d e s c e n d ia d o s ín d io s , d o s c o n q u is ta d o r e s p o rtu g u e se s e, em m en o r
grau, dos a fr ic a n o s tr a z id o s à fo r ç a . A e ssa t r ip la h e r a n ç a ra c ia l e c u ltu r a l so m av a-se a
trad ição c a tó lic a . S u r g iu d a í u m a e s p é c ie d e s ín te s e , n a fo rm a d e u m a re lig io sid a d e
p o p u lar o r ig in a l, c u ja s p r á tic a s d if ic u lt a r a m a o b ra re fo rm a d o ra q u e a Ig re ja p re te n d ia
realizar.
D o p o n to d e v is ta s o c ia l, as h ie r a r q u ia s e ra m m a l d e fin id a s . A p o p u laç ã o v iv ia
num siste m a c o m u n it á r io e m q u e se d is t in g u ia u m a e lite d e p ro p rie tá rio s , o riu n d a do
am álgam a d a s trê s ra ç a s e d e te n to r a d o p o d e r p o lític o e e c o n ô m ic o . M a s n ão h av ia
diferen ças se n s ív e is e n tr e a m a s s a d o s liv re s e a lfo rria d o s (ta m b é m fo rm a d a pelas tres
taças) c a d o s e scra v o s, os d o is g r u p o s v iv e n c ia n d o as m esm as ex p e rie n c ias d e p o b reza
e opressão. A c o n d iç ã o d o s ‘ m o ra d o re s ’ e ra m u ito s e m e lh a n te à d o s escravos, e> às
v« c s , p io r. P riv a d o s d a p r o p r ie d a d e d a te rra , p e rm a n e n te m e n te am eaçad o s d e ex p u -
s®°; eles tra b a lh a v a m p a ra u m s e n h o r q u e lh es fo rn e c ia in stru m e n to s de p ro d u ção e
alo jam en to s p ro v isó rio s. , , . ,
A in d a e x is tia m m u ita s a ld e ia s in d íg e n a s , m a s a p a rtir d a ex p u lsão dos je su íta s na
« g u n d a m e tad e d o s é c u lo X V III o p o d e r te m p o ra l re to m o u o co n tro e a a m ints r -
Ção desses povoados, ro m p en d o seu is o la m e n to , so b retu d o no A gresre. In 5
brancos, m u la to s e n eg ro s p ro v o co u e n tã o u m a p erd a g ra d a .tv a na h o m o g e n e ^ de

- ad d - z j r
tiveram -se iso la d a s, p o is a d ifíc il s itu a ç ã o econ ôm ica d a reg

38 9
390 B a h ia , S é c u l o XIX

A situ ação era c o m p letam en te d ife re n te no lito ra l n o rte e, so b retu d o , na cidade d


S alv ad o r e sua h in te rlâ n c ia . E m b o ra, tam b ém a li, a a g ric u ltu ra p redo m inasse, a Ur[j
nizaçao era m u ito m aio r. N os d istrito s açu careiro s ou de p ro d u ção de mandioca
tab aco , as vilas fu n d ad as nos sécu lo s X V II e XVÍ1I se tran sfo rm aram , no século XIX
em p eq u en as cid ad es q u e ab rig a v a m ativ id ad e s eco n ô m icas d iversificad as, inclusive
com p restação de serviços a u m a p o p u laç ã o u rb a n a q u e lem b rav a a da capital No
in te rio r, processo se m e lh an te o co rreu ap en as em F eira de S a n ta n a , Sen h o r do Bonfim
Ju az e iro , L en çó is, V itó r ia d a C o n q u is ta e p o u cas lo c a lid a d e s m ais.
A s cid ad es se carac te riz a v a m p e la q u a n tid a d e e q u a lid a d e das ativ id ad es e c o n ô m i
cas, q ue in c lu ía m serviço s, p elo n ív e l das riq u ez as, p ela in stru ç ã o m ais g e n e r a l i z a d a e
pelas a tiv id ad es p o lític a s. AÜ, a e lite se o p u n h a , de u m lad o , a u m a classe média
p e rfeitam en te c o n s titu íd a , e m b o ra n ão m u ito n u m e ro sa , e, de o u tro , a um a paupérri­
m a p o p u lação liv re, a lfo rria d a e escrav a q u e v iv ia de ex p ed ien tes. N ela, o elemento
a m e rín d io foi c a d a vez m en o s im p o r ta n te , c a b e n d o ao e le m e n to africano papel
d e te rm in a n te . N o te-se a in d a q u e a c a p ita l e seu R ecô n cav o im p o rtara m um a n u m e r o ­
sa p o p u lação de o rig em ju d a ic a , fazen d o com q u e o ju d a ís m o exercesse u m a influência
c u ltu ra l d u ráv el.
O tip o d e co n tro le ex ercid o p ela Ig reja h ie r á rq u ic a nas cid ad es era bem diferente
d o p raticad o in te rm ite n te m e n te nas zo n as ru rais. A lém de m ais num eroso, o clero
u rb an o estava m ais p rep ara d o p a ra re a liz ar as refo rm as e recu p erar, em proveito da
ig re ja , p ráticas relig io sas p o p u lares. A re lig io sid a d e das pessoas do cam po tinha outras
d im en sõ es.

R e l ig iã o O f ic ia l e R e l ig iã o d o P ovo

O s h isto riad o res d a Igreja d efin em o c a to lic ism o trazid o ao B rasil pela colonização
com o leigo , so cial, fa m ilia r e m ed iev al, Este ú ltim o asp ecto se caracterizava pela crença
na força dos esp írito s do m al (q u e levava a p ráticas d e feitiçaria), o uso da blasíenua
(q u e liberava as pessoas do fo rm alism o d a relig iã o o ficial) e o gosto pelas peregrina
ções. M as, ao lado do cato licism o o ficial, q ue im p u n h a obrigações c deveres aos fiéis,
os portugueses trouxeram para o B rasil u m a religio sid ad e m ais ín tim a, im pregnada de
profunda devoção, que im pressionava as m en talid ad es populares. I olerada pela Igrej*1,
essa dim ensão sen tim en tal abriu espaços para a assim ilação de elem entos provenientes
de outras crenças, especialm en te o ju d aísm o c as religiões indígenas e africanas. Do
prim eiro, os luso-brasilciros adotaram u sabá (por exem plo, vcncrava-se aos sábados o
nom e de N ossa Senh ora), o cu lto dos m ortos e a esperança m essiânica. Dos ameríndios,
o culto da san tid ad e, as artes m ágicas e o sentido de libertação; ser libertado 0
cativeiro por Deus era um desejo dos índios cristianizados, que se assemelhava muito
à esperança m essiânica tran sm itid a pelos ju d eu s. Finalm ente, as religiões africanas
que deram a m aior con tribu ição para a síntese dos elem entos constitutivos dos
versos credos in sp iraram aos brasileiros o gosto neU f
rituais e p ro cissõ es.1 Essa síntese foi vivenciada d * j - CXpresso ern daní as
locais em q ue resid iam os crentes (índios a frir m i! dlfcrente> conforme os
distância q ue os sep arav a d a h ierarq u ia e c le sia l.' ^ P° rtÜSUeses ou brasileiros) ee a
A religião cató lica o ficial, a da Iereia biW Sr„,.- - i
e
controlar as estru tu ras so ciais e im p u n h a obrigações’ a T fiéis ° EStad° 3 m ° d c k r
confessar, fazer a co m u n h ão a n u a ,, descansar nos dom ingos é 0^ “ ^
obrigaçao, p ra t.c a r ab sttn en cta e jeju n s e subm eter-se aos sacramentos do batism o e do
casam ento. N em sem p re esses deveres eram cum pridos com facilidade, pois havia falta
de padres, so b retu d o no cam p o . A ssim , além de participarem da Igreja oficial, os fiéis
tam bém vtviam su a fe c ristã d an d o vazão, no cotidiano , a um profundo sentim ento
religioso.
A religião do p o vo 2 — “m u ita reza e po uca m issa, m uito santo e pouco padre” -
se d iferen ciava d a p ra tic a d a p ela Ig reja C ató lica por seu caráter leigo, fam iliar e social
e pela im p o rtân c ia d a d a aos santos . N o te-se, no entanto , que a devoção a estes últimos
— com seu co rtejo de orações, procissões e peregrinações — não excluía práticas do
catolicism o o ficial. S em p re q u e possível, as pessoas participavam dos sacramentos e da
missa e escu tav am com fervor a p regação dos padres.

As D evoções aos Santos

A devoção aos san to s, cen tro d a religião do povo, tinh a duplo aspecto. Era celebrada
coletivam ente, nas fa m ílias, nas irm an d ad es e em outras reuniões de fiéis, e era dirigida
tanto a pessoas can o n izad as com o a ou tras, que nao estavam mas se desejava que
estivessem — no p an teão o ficial. Isso corresponde à tradição da Igreja C atólica, sem­
pre voltada p ara a v o x p o p u li q u an d o trata de processos de canonização. Ao contrário
do que ad m ite p arte dos h isto riado res da Igreja, os m ilagres feitos e a fama junto ao
povo foram a base do processo de canonização de todos os santos reconhecidos M as,
independentem ente disso, a devoção sem pre se d irigiu tam bém a santos locais e fam i­
liares. U m a crian ça cru elm en te assassinada, um a pessoa tragicam ente morta o
leproso piedoso podiam tornar-se santos e desem penhar o papel e mterme tarios
para a obtenção das graças p ed id as.3 .
O utro aspecto era o caráter individual e privado da devoção aos santos No rs-
plrito dos devotos, Deus não era objeto de um culto partteu ar. m o
todo-poderoso, intervinha na vida cotidiana, sendo invocado pelo fie‘
pressão “se Deus quiser", acrescentada a quase todas as frases
futuros. C, povo também^ venerava
Purgatório e os santos anommos, cuj. os supljcantes haviam expen-
nul testam entos q u e estudam os. Isso dem q
tnentado sua eficácia.6
392 B ahia , S écu lo X IX

H avia duas m o dalidades de relação com os santos. A p rim eira era de devoção, qUe
se estabelecia n o batism o d a crian ça (cujo nom e ho m enageava um santo padroeiro)
por tradição fam iliar (quase todas as fam ílias tin h am um orago, ou santo, d o m é s t ic o )
ou para cu m p rir um a prom essa feita pelos pais. Essa relação era d efin itiv a e não podia
ser ro m pida; o fiel tin h a um “p ad rin h o no céu ”, ao q u a l con sagrava sua devoção, p0is
o santo o protegia nesta v id a e facilitav a sua passagem à v id a eterna. Q uase sempre se
encontrava, ao lado do santo, o anjo d a g u a rd a, in v isível protetor e diretor de cons­
ciência, ao qual o fiel prestava con tas de seus atos todos os dias.
A segunda relação era d e tip o co n tratu al. Im p líc ita ou exp licitam en te, entre santo
e fiel se estabelecia um co n trato q u e, em p rin cíp io , d evia levar à obtenção de uma
graça ou um benefício. Só m otivos sérios ju stific a v a m prom essas, m uitas vezes feitas
em casos de perigo, tendo em v ista o b ter p ro teção : p ed ia-se, por exem plo, a interven­
ção da V irgem M a ria (N ossa S en h o ra d o P arto ) em u m parto d ifícil ou de Santa
B árbara q uando soprava u m a tem p estad e v io le n ta . Se a graça fosse obtida e o fiel
cum prisse o p ro m etid o , co n siderava-se o co n trato cu m p rid o ; mas se a promessa não
fosse honrada, a pessoa co rria o risco de não p o d er su b ir aos céus, tornando-se uma
‘alm a p en ad a’, co n d en ad a a v agar pelo m u n d o até q u e alg u ém pagasse a dívida con­
traíd a. Em algun s testam ento s aparecem p ed id o s p ara q ue outros cum prissem uma
prom essa que o testado r não tivera tem po de honrar.
A lgum as vezes o fiel c u m p ria sua p arte do co n trato antes do santo, que se tornava
devedor. C om as novenas, por exem p lo , esperava-se o b ter u m a d eterm in ad a graça ao
fim de certo tem po. Se, no fim , as duas partes tivessem agid o a contento, o contraio
se desfazia e as obrigações cessavam p ara am bas as partes. Fica claro, portanto, que, ao
contrário do que o co rria no p rim eiro tip o de relação, nesse caso a alian ça era provisó­
ria, e a proteção p ed id a, tem p o rária.
A liança e con trato tin h am , en tretan to , u m a característica com um : a relação que se
estabelecia era sem pre d ire ta e pessoal, sem in term ed iário s (ain d a hoje sao publicados
nos jornais agradecim en tos aos santos pelas “graças alcan çad as”). Aos olhos do povo,
o santo não era u m a realidade ab strata; estava sem pre encarnado na estátua que o
representava. Q uase todos os lares d a B ah ia, m esm o os m ais m odestos, tinham seus
oratórios cheios de estatuetas de santos fam iliares. Em 6 0% dos inventários p o st mortem
estudados, correspo nden do ao perío do 1 80 1 —1 8 9 0 , figuram oratórios com suas
estatuetas, ou apenas estas últim as.
N o c a m p o e n a c id a d e , a v id a re lig io sa d o fiel e stav a c e n tr a d a em relações diretas,
pessoais, c o m os san to s. Essa in t im id a d e era, aliá s, e n c o r a ja d a p e la fa m ília e por toda
a so cied ad e, q u e via nessas relaçõ es u m a esp écie d e p ro te ção s u p le m e n ta r àquela que
a d v in h a dos sa c ra m e n to s, C o m o já disse, as p rá tic a s religio sas p riv a d a e oficial nao
e ram nem a u tô n o m a s , n e m op ostas, m as sim c o m p le m e n ta r e s .7 Essa situação era
aceita p e la Ig reja o fic ia l, m as a p a rtir d e m e a d o s d o século X IX ela te n to u im p rim ir à
religião p rivad a u m a no va o rie n taç ão .
A re lig io sid ad e do povo ta m b é m se e x p rim ia a t r a v é s 'd e superstições. Para se
L iv r o V - a I g r e ja
393

precaver c o n tra a m á so rte, as pessoas u savam colares feitos de contas {de pedras
preciosas, o u ro , p rata, m a d e ira ou peq u en o s cocos), m edalh as, escapulários L e
firas com a m e d id a e x a ta d e u m a e s ta tu e ta de san to (antecessoras das fitas que hoje
são en ro lad as nos p u lso s dos b aian o s e dos tu ristas q u e v isitam o san tu ário do Se
nh o r do B o n fim , e m S a lv a d o r). A v isão de esqu eleto s provocava um santo terror
estim u lad o p ela cren ça de q u e o m u n d o estava povoado de alm as penadas. C o n si­
derava-se q u e a v id a dos vivos era m ais in flu e n c ia d a p ela ativ id ad e dos m ortos no
período d a Q u a re sm a , e x ig in d o p ro cissõ es de exo rcism o , seguidas som ente por ho­
m ens e a c o m p a n h a d a s de can to s lú g u b res. S o b retu d o no cam po, as encruzilhadas
eram o rn ad as co m cru zes q u e le m b ra v a m a p resen ça d a m orre e a aparição de alm as
d e fu n ta s.8 G ilb e rto F reyre escrev eu q u e "ab aix o dos santos, m as acim a dos vivos,
h avia os m o rto s, q u e d irig ia m e v ela v a m p ela v id a de seus filhos, netos e bisnetos!
Suas fo to g rafias era m co n serv ad as no sa n tu á rio , e n tre as im agens dos santos, com o
m esm o d ire ito q u e estes à lu z d a lâ m p a d a v o tiv a e ao b u q u ê de flores piedosas. Por
vezes, con servavam -se tam b ém tran ças das m u lheres ou m echas de cabelos das crianças
- t ■ > «9 -
que m o rriam an jo s * J -
O m esm o a u to r e n u m e ro u o u tras su p erstiçõ es, algum as das quais presentes tam ­
bém nos países m e d ite rrân e o s: “D eve-se en rrar n u m a casa com o pé d ireito e sair
pela m esm a p o rta. U m a v asso u ra atrás d a p o rta faz com que a visita, que está de­
m o rando, v á em b o ra. N ao se p p d e p ô r o p ão n a m esa às avessas; nem o chinelo;
senão a m ãe d e seu p ro p rie tá rio v a i m o rrer no m esm o ano. N ão se gosta de m orar
num a casa de e s q u in a p o is ‘casa de esq u in a é m o rte e ru ín a 1. A lgum as aves dão azar
quando e n tram na casa o u p o u sam no teto : co ru ja sign ifica m orte, assim como o
colib ri, q u an d o e n tra em casa de m a n h ã cedo. Rãs, gafanhotos, besouros e formigas
aladas têm m á rep u tação . Em co m p en sação , é recom en dado tom ar banho de m ar à ■
m eia-n o ite na vésp era de São Jo ão ou arran car u m galho de arruda neste m om ento
preciso. P ara u m a jo v em recém -casad a, asp irar o perfum e de um a rosa tem efeito
an tico n cep cio n al. P ara q ue as crian ças sejam bem com portadas, os adultos as am e­
d ro ntam , am eaçan d o -as com bich os-papõ es q ue correm pelas m atas com o focinho
no chão, po rque suas patas traseiras são m aiores q u e as dianteiras. Há adultos nas
zonas rurais q ue acreditam firm em en te na existên cia de,charretes invisíveis, que ran­
gem e can tam pelas estradas nas noites de lu a cheia, puxadas por bois conduzidos
por alguém invisível, ou por m ulns-sem -cabeça que trotam pesadam ente, abrindo e
fechando com portas c u rin an d o nos passantes. As pessoas também acreditam que
existçm porcos negros que vagahu ndeiam , invisíveis, nos corredores das casas
senhores .”10 ■
H avia relações im p lícitas entre essas superstições profanas e as religiosas, na
dida em que o invisível, o ‘outro m undo im aterial, estava presente em todas as c Ç
populares: o além era povoado por santos, anjos e alm as bem-aventuradâs, ota
poderes benéficos, mas tam bém pelo diabo e sua corte de auxiliares, onte e m
de m alefícios q ue precisavam ser neutralizados. Aos espíritos do mal atr.bufam-s
B a h ia , S écu lo X IX

poderes so b ren atu rais, acessíveis por in te rm é d io das b ruxas, tam b ém na B ahia repre
sen tad as pela im agem de u m a m u lh e r velh a, a lta , m agra, en ru g a d a, feia, suja e esfar­
rap ad a, carregan d o u m a saco la ch eia dc o b jeto s m isterio so s e an d an d o pela noite
so tu rn a e sin istra. A b ruxa tem d u as fu nçõ es clássicas. A m ais poderosa faz parte do
ciclo da a n g ú stia in fan til e se in te g ra em am eaças n o tu rn as, q u an d o a crian ça fica
aco rd ad a, d eso b ed ecen d o â v o n tad e d a m ãe. P ara os ad u lto s, a bruxa enfeitiça e
a m ald iço a, m as ig u a lm e n te , graças a p o d ero sas orações e filtro s, une ou separa os
n am o rad o s e trata dos d o en tes com rem éd io s cu jo segred o não revela. Segu ndo Câm a­
ra C ascu d o , cad a lu g a rejo , cad a a ld e ia , cad a v ila tem sem p re u m a “velha misteriosa
rezad eira, au reo lad a p elo p restíg io de u m a rep u tação de sab er e p o d er”. 11
M as as sup erstiçõ es p ro fan as nem sem p re p reo cu p av am a Igreja de form a espe­
c ial, a nao ser com o expressões de u m a m e n ta lid a d e atrasad a do povo. A Igreja se
p ro p u n h a a lu ta r so b retu d o c o n tra su p erstiçõ es q u e en v o lv iam seus próprios santos.
O uçam os d e novo G ilb erto F reyre: “O s g ran d es san to s n acio n ais to rn aram -se aqueles
a q uem a im a g in a ç ão do povo ach o u de a tr ib u ir m ilag ro sa in terv en ção em aproxim ar
os sexos, em fecu n d ar as m u lh eres, em p ro te g e r a m a te rn id a d e : San to A ntônio, São
J o io , São G o nçalo de A m ara n te, S ão P ed ro , o M e n in o D eu s, N ossa Senh ora do ó ,
d a B oa H o ra, d a C o n ceiçã o , do B o m Su cesso, do B om P arto. N em os santos guerrei­
ros, com o Sao Jo rg e , nem os p ro teto res das p o p u laçõ es co n tra a peste, como São
Seb astião , ou c o n tra a fo m e, com o S an to O n o fre — san to s c u ja p o p u larid ad e corres­
ponde a ex p eriên cias d o lo ro sam en te p o rtu g u esas — elev aram -se n u n ca à im portância
ou ao p restígio . Aos o u tro s, p atro n o s d o am o r h u m a n o e d a fecu n d id ad e agrícola.’ 1*
As funções m ais p o p u lares d e São Jo ão eram as afro d isíacas, e seu cu lto era acompa­
nh ado por can tos sen suais e o u tras p ráticas. E le era, p o r ex celên cia, o santo que fazia
os casam entos; na n o ite o u n a m a n h ã d a festa de S ão Jo ã o , eram feitos sorteios que
visavam , “no B rasil com o em P o rtu g a l, à u n ião dos sexos, o casam ento, o am or que
se deseja e não se en co n tro u a in d a ”. 13 “S an to A n tô n io p ro tege outros interesses amo­
rosos, por exem p lo as afeições p erd id as. O s noivos, os m arid o s, os am antes desapare­
cidos. O s am ores q u e arrefeceram ou m o rre ra m ... A estátu a d aqu ele santo é suspensa,
o m ais freqüentem ente dc cab eça para baixo, n u m a cistern a ou num poço, para que
ele realize suas prom essas o m ais rap id am en te possível. Os m ais im pacientes a colo­
cam em velhos u rin ó is.”1'1 O cu lto de São G onçalo do A m arante estava ligado a
práticas m aís livres e desp u do radas, a b rejeirices e obscenidades. A tribuía-se a ele o
poder dc en co n trar m arido para as m ulheres velhas, assim com o São Pedro fazia com
a$ viúvas. Q uase todos os nam orados recorriam a São G onçalo, cantando: c a s a i- m e ,
casai-m c/São G onçalinho/Q ue hei de rezar-vos/Amígo S an tin h o " .15 As pessoas este
reis, sem filhos ou im potentes pediam ajuda a São G onçalo, em cuja festa se dançay
no convento do D esterro c em outras igrejas baianas, mesmo depois da interdição
determ inada pela Igreja.
Esses santos protetores do am or e da fecundidade tam bém protegiam a agricu
tura. Com efeito, São Jo ão e Nossa Senhora do ó , adorada outrora sob a forma e
Lr. Ro V - A Igreja
m

m u lh e r g rav id a , eram am ig o s dos ag ricu lto res, a quem aju d avam tan to quanto aos
nam o rad o s. Q u an d o as pessoas q u eriam ch u va, m ergulh avam Santo A ntônio n á g u a
Q u an d o um in c ê n d io d evo rava as p lan taçõ es de can a, colocava-se a im agem do santo
n u m a ja n e la d a casa do sen h o r até q ue o fogo se apagasse. A noite de São Jo ão tam bém
era a festa da a g ric u ltu ra , so b retu d o do m ilh o , q u e, servido com o can jica, pam onha ou
bolo, g u a rn e c ia as m esas de ricos c p o b re s.16
N as c a n tig a s de n in a r, as m ães não h esitav am em transform ar seus filhos em
irm ãos m ais m oços do M e n in o Jesu s, co n ced en d o a eles os m esm os d ireito s aos c u i­
dados de M a ria , às v ig ília s de São Jo sé, aos m im o s de S a n fA n a . São José era encarre­
gad o . sem n e n h u m a c e rim ô n ia , de b a lan ç ar o berço ou a rede do bebê; S an fA n a, de
n in á-lo no p eito . T o m a v a m -se tan tas lib e rd a d e s com os santos q ue eles eram encarre­
gados até m esm o de p ro te g e r os v id ro s de g e lé ia e doces co n tra a ação das form igas:
"Em h o n ra de São B en to , p a ra q u e as fo rm igas não e n tre m ”, escrevia-se num papel-
zin h o co lo cad o na p o rta d a d e s p e n s a !37
Esse c o m p o rta m e n to re lig io so , ce n tra d o na devo ção aos santos e num a rela­
ção com eles s im u lta n e a m e n te in d iv id u a l, fa m ilia r, co letiv a e sup ersticio sa, form ava
a v erd ad e ira re lig iã o do p o vo , q u e se e x p rim ia sob o co n tro le d a Igreja h ierárq uica
ou na fo rm a de u m a p ie d a d e a u tô n o m a , m u ita s vezes situ a d a fora do alcance dessa
m esm a Ig re ja. .

U ma R e l ig iã o n o C o t id ia n o

A v id a c o tid ia n a se d e sen ro la v a sob o sign o d a re lig iã o . Em q uase todas as casas havia


orató rio s q u e, pelo m en o s três vezes ao d ia , serviam de po n to de encontro para os
m em bros d a fa m ília , seus ag reg ad o s e escravos: p a ra as orações da m an h ã, as vésperas
e as orações d a n o ite. N as c id a d e s, o rató rio s co lo cad o s em en cru zilh ad as congregavam
os tran seu n tes d u ra n te a re c itaç ã o do ro sário . _
1 odas as festas, in c lu siv e as civ is, tin h a m caráter religio so , e os ritu ais estabeleci
dos pela trad ição — o tilin ta r dos sin o s, a m ú sica, a ordem q u e devia existir nas
procissões — eram tra n sm itid o s de geração a geração . As m issas festivas eram cercadas
de pom pa: o padre se ap resen tav a to d o p aram en tad o , d ian te de um altar entulha
flores c estátuas p iedo sas, e d esap arecia atrás de u m a nuvem de incenso que o escon
dos o lh ares dos fiéis. A m issa era c an tad a por um coro poiifônico, acom pan ia o ^
o rqu estra, en q u an to , no adro, faziam -sc ex p lo d ir foguetes e fogos de artifício. p
ção o cu p ad a pelos fiéis na igreja refletia a ordem social: no m eio, cerca as homens
as m ulheres se ajo elh avam cm pequen as esteiras de palh a ou ricos tapetes, cfavos
rodeavam essas grad es, de pé ou sentados em cadeiras ou poltronas. ntraj a
ficavam na en trad a. O s can tores c a m úsica ocupavam o coro, em cim ^ cempo
onde se ju n tav am os q u e q u eriam apreciar o espetáculo do alto.
pascoal, raras eram as particip açõ es na eucaristia.
396 B a h ia , S é c u l o X IX

C a d a tem po litú rg ic o tin h a suas p ró p rias p ráticas. N o N atal, preparavam -se pre­
sépios, freq ü en tem en te v erd ad eiras obras dc a rte, rep resen tan d o com realism o o nas­
cim en to de C risto ou in serin d o -o em m aq u etes q u e re c o n stitu íam fielm en te S a l v a d o r
com as cid ades B aixa c A lta, as ig reja s e ed ifício s p ú b lico s, as praças, as ruas e até
pessoas. A a u sterid ad e d e q ue era im p reg n a d o o T e m p o do A dven to não im pedia a
aleg re celebração das festas d e S a n ta B árb ara , de N o ssa S en h o ra d a C onceição ou de
S an ta L ú cia, com m u ita b eb id a, c o m id a , d a n ç a e can to s, p ren ú n cio das festas popu­
lares e p a ra litú rg ic a s — ch eg an ças, b ailes p a sto ris, b u m b a -m e u -b o i e c u c u m b is qUe
tin h am lu g ar en tre o N a ta l e o D ia de R e is .19
As ch egan ças, o u fan d an g o s, era m e sp etácu lo s ao a r liv re q u e representavam a
ch egad a dos p o rtu gu eses ao B ra sil, a v itó r ia d o c ris tia n is m o sobre o paganism o ou as
batalh as en tre m o uro s e cristão s. O s b a iles p asto ris celeb rav am a m e m ó ria dos pastores
q ue ad o raram Jesu s M e n in o , C a ra c te rís tic o s d a classe m é d ia b a ix a, reu n iam moças e
rapazes q u e, vestido s de b ran co e ao so m de fla u ta s e tam b o res, iam de casa em casa
e can tavam d ia n te dos p resép io s n a n o ite de N a ta l. A s rep resen taçõ es do bum ba-m eu-
boi o co rriam en tre m ead o s d e n o v em b ro e o D ia de R eis. N elas, h av ia um a cena
can tad a, re c itad a e-d an çad a, cu jo s p erso n ag en s (tio M a te u s , tia C a ta rin a , o médico, o
pad re, o b o iad eíro , o c a rn e iro e a ju m e n ta ) e n tra v a m em co m p etição e lutavam entre
si e con tra o bo i, p erso n ag em c e n tra l. S e g u n d o o fo lc lo rista C â m a ra Cascudo, a
representação do b u m b a -m e u -b o i era essen cial à n o ite de R eis. O s cu cu m b is, muito
populares na B ah ia, eram d a n ças g u e rre ira s, ex ecu tad as e can tad a s pelos negros ao som
de in stru m en to s m u sicais african o s. •
E ntre a E p ifan ia e a Q u a re sm a , festas p o p u lares celeb rav am N osso Senhor do
B onfim em ja n e iro e a P u rific aç ã o de N o ssa S en h o ra em fevereiro. D a Q uaresm a a
Páscoa era tem p o de p e n itê n c ia , je ju m e o ração , co m n o ites povoadas de almas
abençoadas e pen adas — q ue p ro vo cav am no s fiéis u m a m istu ra de m edo e proxim ida­
de. Era u m a religião ex p ia tó ria : as m an ifestaçõ es do cato licism o do povo baseavam-se
m ais na paixão de C risto q ue em S u a ressu rreição . D aí a im p o rtân cia das procissões da
Sem ana S an ta, aco m p an h ad as de au to flag elaçõ es, so b retu d o nas zonas rurais, e a faha
de b rilh o d a celebração pascoal. E ntre o d o m in go de Pascoela e a festa da Assunção,
as festas d a A scensão, P entecostes (festas do D iv in o ), C o rp u s C h risri, São João e
Apóstolos Pedro c P aulo davam lu g ar a procissões, sem pre aco m panh adas de festejos
po pulares.20
A essas grandes festas coletivas, em q ue o profano e o religioso estavam inter­
ligados, acrescentavam -se celebrações m ais ín tim as. C o m efeito, qualqu er circuns­
tân cia era pretexto para que houvesse cerim ôn ias de bênçãos: celebrava-se solene
m ente a bênção do engenho no in ício do corte da can a; fazia-se benzer a casa p°r
toda espécie de razões (por exem plo, q uando havia suspeita de que alguém a tives
se am aldiçoado com um ‘m au -o lh ad o ’). Os padres, aliás, não hesitavam em íàzer
esses trabalhos, com os quais reafirm avam sua in fluên cia e recebiam rendas suple
m entares.
L iv ro V - A I greja
39 7

A F e sta R e l ig io s a : N e g ó c io d o s L e ig o s

C o m exceção das celeb raçõ es litú rg ic a s . a festa relig io sa sem p re foi m enos expressão da
Igreja d o q u e d o p ró p rio povo, c u ja re lig iã o con servava um espaço próprio, freq ü en ­
tem en te c o m a n d a d o p elas c o m u n id a d e s e sem a p articip ação efetiva do clero. No
cam p o , o n d e as d ife re n ç as n a h ie ra rq u ia so cial eram p eq u en as, o povo form ava um
c o n ju n to no q u a l se d esta cav am os ‘ch efes’ , q u ase sem p re oriu ndo s dos m eios m ais
pobres, m ais d eserd ad o s. Eles sab iam c o n d u z ir a devo ção ao san to , a prece dos fiéis, as
p ereg rin açõ es aos s a n tu á rio s . P erceb e-sc n ítid a sep aração en tre a in flu ên cia exercida
pelo re p resen ta n te lo cal d a riq u e z a e do p o d er, m u ita s vezes ao lad o da Igreja oficial,
e a in flu ê n c ia desse ‘c h e fe ’ re lig io so , q u e d e tin h a o consenso d a co m u n id ad e e cujo
p restígio era fre q ü e n te m e n te v isto com d esco n fian ça pelo pároco , se ele existisse, Esses
‘chefes’ relig io so s m a n tin h a m a co esão d o gru p o e serviam m u itas vezes de m ediadores
ju n to aos o u tro s tip o s de ch efes, to le ra d o s m as não esco lh id o s p ela co m u n id ad e. Ao
sacralizarem a tra d iç ã o , o p o n d o -se a q u a lq u e r m u d an ça "do q u e sem pre foi assim ”,
m a n tin h am u m a c o n tin u id a d e q u e era fato r de o rd em e de d o m in aç ã o .21
N as c id ad es, a p o p u la ç ã o estav a d iv id id a e n tre as diversas irm an d ad es religiosas,
reflexos d e u m a h ie ra r q u ia so cial m ais d iv e rsific a d a . C o m efeito , as diferenças entre
elas d iz iam resp eito a c rité rio s de co r, riq u e z a e p restíg io so cial. M as as atribuições dos
d irig en tes dessas irm a n d a d e s eram bem d iferen tes das dos chefes das com unidades
rurais, na m e d id a em q u e as p reo cu p açõ es m a teria is eram eq uivalen tes às preocupa­
ções d e o rd em e s p iritu a l. E no esp aço u rb an o , q u a l era o papel dessas irm andades?

C o n f r a r ia s : I r m a n d a d e s e O r d e n s T e r c e ir a s

C om o em to d o o m u n d o c ató lico , as co n frarias religio sas eram associações leigas.


D estacav am -se, e n tre elas, as irm a n d a d e s (no B rasil, rem in iscên cias das antigas
corporações p o rtu g u esas de artes e ofícios) e as ordens terceiras (ligadas às ordens
religiosas trad icio n ais, esp ecialm en te aos franciscan os, carm elitas e dom inicanos).
O p r im e ir o o b je t iv o d e u m a i r m a n d a d e e r a c o n g r e g a r c e r to n ú m e r o d e fiéis em
to r n o d a d e v o ç ã o a u m s a n t o e s c o lh id o c o m o p a d r o e ir o . F r e q ü e n t e m e n t e seus mem
bros v iv ia m n a v i z in h a n ç a d a m e s m a p a r ó q u ia , m as h a v ia ir m a n d a d e s q u e associavam
pesso as p o r d e v o ç ã o , o f íc io , c o r d a p c lc o u e s ta t u to so cial. A b ase d e tu d o era o
‘c o m p r o m is s o ’ , c o n j u n t o d e re g ra s — ■s u b m e t id a s d e sd e lo go à a p ro v a ç ã o do rei
q u e d e t e r m i n a v a m os o b je tiv o s d a asso c ia ç ã o , as m o d a lid a d e s d e ad m issão de seus
m e m b r o s , se u s d e v e re s c o b rig a ç õ e s . A p a r t ir d a a c e ita ç ã o d o co m p ro m isso , os ni
bros d a ir m a n d a d e se c o m p r o m e t ia m a v e n e ra r o s a n to p a d ro e iro , m a n te r se
p r o m o v e r su a festa. Às vezes, o s a n to j á e stav a n u m a lta r d a ig re ja p a ro q u i ,
f re q ü e n te q u e o c u lt o fosse in ic ia d o n u m o ra tó rio p riv a d o . N esse caso, a
era f u n d a d a p a ra a n g a r ia r os fu n d o s necessários à con srru çao de u m a ig re ja
398 B a h ia , S éc u lo X IX

cap ela. Eram célebres em todo o B rasil as irm an d ad es de escravos, que a d m iti^
alfo rriad o s e tin h am um esp len do r co m p arável ao das irm an d ad es exclusivas de ho­
m ens livres e brancos. A lém dessas características, d evid as ao estatu to legal que dividia
a po p u lação , estabeleceu -se m u ito cedo o crité rio — fo rtem en te encorajado pda
ad m in istração e p ela Igreja — d a co r d a pele: branco s com branco s, mestiços com
m estiços, pretos com pretos.
N a C o lô n ia e no Im p ério , as irm an d ad es m ais d ifu n d id a s no B rasil foram as da
M isericó rd ia, do S an tíssim o S acram en to e de N ossa S en h o ra do R osário. A primeira
foi a ú n ica v o ltad a para a carid ad e, q ue v isav a a tin g ir to d a a co m u n id ad e cristã da vi!a
o u cid ad e em q u e estivesse in stala d a, esp ecialm en te pobres, d eficien tes físicos e prisio­
neiros. Seus m em b ros p a rticip a v a m m u ito a tiv a m e n te d a v id a d a Igreja e tinham
d ire ito a seus ben efício s esp iritu ais. A p rim e ira irm a n d a d e d a M ise ricó rd ia fora funda­
d a, no B rasil, em 1 53 0 por B rás C u b as em S an to s, C a p ita n ia de São V icente, com o
ob jetivo de a ju d a r os colonos q u e m ig rav am p a ra a região . S eu exem p lo foi seguido em
quase todas as cid ad es e vilas im p o rtan te s d a C o lô n ia . N a B ah ia, essa irmandade,
fu n d ad a em 1 5 5 0 , d esem p en h o u im p o rta n te p ap el, assistin d o doentes, prisioneiros,
jovens órfãs e crian ças e n je ita d as, e c u id a n d o p a ra q u e in d ig e n te s e escravos tivessem
sep u ltu ras d ecentes. Sob a d ireção de m em b ro s d a elite lo cal, teve gran de peso finan­
ceiro , em p restan d o d in h eiro a senho res de en g en h o e a co m ercian tes da capital.
A segu n d a irm a n d a d e d estin av a-se a p ro m o v er o c u lto do S an tíssim o Sacramento
d a E ucaristia, o que ex igia a p resen ça de u m p ad re p a ra celeb rar m issas e consagrar a
hó stia. M u ito a n tig a e d ifu n d id a d u ra n te os p erío do s co lo n ial e im p erial (1549­
1 8 8 9 ), ex istiu em q uase todas as p aró q u ias, m as foi essen cialm en te urbana. Organiza­
v a a procissão an u al de C o rp u s C h risti, tam b ém ch a m ad a procissão do Triunfo
E ucarístico. Seus m em b ros co m p ro m etiam -se a assistir a m issa todas as quintas-feiras
e a receber a bênção do S an tíssim o , q ue se segu ia. Por cau sa d a ín tim a relação com o
cu lto d a eu caristia, co n grego u bo a p arte da elite m a scu lin a, q ue se orgulhava de poder
servir à m issa ao lado do padre.
A outra irm an d ad e estava lig a d a à devoção do rosário, in tro d uzid a no Brasil no
fim do século X V I. N o século segu in te su rg iu o h áb ito de construir, nas igrejas
p aroquiais, dois altares laterais ao altar-m o r. O q ue ficava do lado da epístola era
consagrado a São M ig u el, e o q ue ficava do lado do evangelho, a Nossa Senhora do
Rosário. Os irm ãos do rosário cncarregavam -se deste altar e, tam bém , de preparar a
festa, geralm ente celebrada no prim eiro dom in go do mês de outubro. Irmandade
m ista, seus mem bros deviam recitar p u b licam en te o rosário duran te um a celebração
m ensal ou sem anal. Com o tem po, essas irm andades se tornaram exclusivas de negros
e m ulatos, fossem eles livres, alforriados ou escravos. Por vezes, até o capelão era negro.
N ao se conhece nenhum a irm andade do Rosário criada no fim do período colonial c
cujos m embros fossem brancos .22
T endo orientação espiritual das ordens religiosas regulares, como a dos franciscanos
e a dos carm elitas, as ordens terceiras contavam com grande participação leiga. Na
L iv r o V - A I g r e ja
3 99

B ah ia, d o ta d a d c fo rte tra d iç ã o dc v id a re lig io sa c o m u n itá ria , duas ordens terceiras


to ram c ria d a s q u a se s im u lta n e a m e n te no sécu lo X V II (1 6 3 5 e 1 63 6) u m a em 179a
u m a em 1 8 0 7 . A p rim e ira d elas _ a V en eráv el O rd em T e rc eira d a P en itên cia d e São
F ran cisco tev e co m o fu n d a d o re s as pessoas m ais im p o rtan tes de Salvad o r c do
R ecôn cavo e se in s ta lo u no c o n v e n to d o s fran ciscan o s, sob o p atro cín io de San ta
Isabel, ra in h a de P o rtu g a l, c u ja im a g e m foi co lo cad a no a lta r consagrado a N ossa
S en h o ra d a C o n c e iç ã o ; aos seu s o b je tiv o s e s p iritu a is a irm a n d a d e acrescentava a m is­
são de a ju d a r seus p ró p rio s m e m b ro s até a h o ra d a m o rte.
U m an o d e p o is, te n d o co m o p a d ro e ira S a n ta T e re sa D ’ÁviIa , in stalo u-se a O rdem
T e rceira dos C a r m e lita s , c u jo o b je tiv o era g lo rific a r o no m e de D eus, p erm itir que
seus m em b ro s fo ssem e n te rra d o s v e s tin d o o v en eráv el h á b ito e g a ra n tir q ue recebessem
o b en efício d e m issas. P ro p u n h a -sc , a in d a , a o rg a n iz a r a celeb ração d a festa do C arm o ,
das procissões e d e o u tra s m a n ife sta ç õ e s re lig io sa s. R e u n in d o ho m ens e m ulheres das
cam ad as su p e rio re s d a s o c ie d a d e , a irm a n d a d e p o ssu ía tan to p restígio que, ao lado da
igreja do C o n v e n to , c o n s tr u íra m o u tra , d o m esm o tam an h o , só p ara ela.
Foi p reciso e sp e rar q u a s e u m sécu lo p a ra a fu n d ação , em 1 7 2 3 , de um a ordem
terceira lig a d a aos d o m in ic a n o s , q u e no e n ta n to , co m o co rp o ração , só ch egariam ao
B rasil m u ito d e p o is, n o fin a l do sé cu lo X IX . A o rig em desse fato paradoxal foi a
p assagem , p o r S a lv a d o r, em 1 7 2 2 , do d o m in ic a n o G ab riel B ap tista, que voltava das
ín d ia s. E le fez c o n ta to co m p o rtu g u e se s re sid en tes no B rasil q u e m anifestaram o
desejo d e fu n d a r n a c a p ita l d a B a h ia u m a o rd em te rc e ira, nos m oldes da que haviam
p erten cid o no P o rto , em L isb o a e e m V ia n a do M in h o . O irm ão B aptista levou o
p leito ao p rio r p ro v in c ia l dos irm ã o s p reg ad o res de P o rtu g al. Em 1 7 2 3 , veio para o
B rasil o irm ã o A n tô n io d o S a c ra m e n to , q u e in sta lo u a ordem no convento dos
b en ed itin o s, to rn a n d o -se seu d ire to r. L o go d ep o is, ela foi tran sferid a para o convento
de P alm a, o c u p a d o p o r irm ã o s a u g u s tin ia n o s . Em 1 7 3 2 , a ordem celebrou a prim eira
m issa em su a p ró p ria ig re ja , c o n stru íd a no co ração d a cid ad e. F reqüen tada sobretudo
pela c o m u n id a d e p o rtu g u e sa , e la ten tav a re a liz ar d u p la m issão, um a espiritual (exaltar
a fé e e s tim u la r a p ie d a d e atrav és d a o b serv ân cia dos m an dam en to s divinos) c uma
tem poral (o ferecer a seus m em b ro s u m a se p u ltu ra na sua p rópria igreja c m andar rezar
missas pela salvação de suas a lm as). C o n c e d ia , tam b ém , pensões aos membros que
tivessem p erd id o seus b en s, às v iú v as e às órfãs. N a verdade, a O rdem I erceira de São
D om ingos servia dc tra m p o lim aos po rtugueses reccm -chcgados, que não podiam ser
im ed iatam en te a d m itid o s nas p restigio sas ordens dos carm elitas e dos franciscanos.^
A q u a r t a o r d e m t e r c e ir a foi a d a S a n t í s s im a T r i n d a d e p a ra a R e d e n ç ã o dos a
vos, f u n d a d a e m 1 8 0 7 , s c g u m l o o h is t o r ia d o r b a ia n o B o rge s d e Barros. N esse an o,
ir m ã o s fiz e ra m s u a p r o fis s ã o d c fé e d e z esseis d e le s fo ram e sc o lh id o s p a ra fo rm a r a
d ir e t o r ia in a u g u r a l . O p r im e ir o p r io r foi A g o s t in h o C iom cs, filh o de u m rico
c ia n t e , q u e h a v ia r e c e b id o as o r d e n s m e n o r e s . I n a d e q u a d a m e n t e c h a m a d o d e p ad re
F ra n c isc o A g o s t i n h o G o m e s , c ra u m a d a s p e r s o n a lid a d e s m a is m arc an te s
in te le c tu a l d a B a h ia . A a t iv id a d e d e ssa o r d e m f u n d a d a p a r a lib e rta r escravos fo., no
400 B a h ia , S ê c l t o X IX

enranto , m edíocre, com o se pode ver pelo p eq u en o n ú m ero de ben eficiados. Mais de
seten ta anos depois, seus m em bros ju stific a ram a m u d an ça de ob jetivo s da o r d e m ,
alegan d o que, em 1878, era im possível levan rar fundos su ficien tes para comprar a
alfo rria dos escravos. A O rdem T erceira d a S an tíssim a T rin d a d e para a Redenção dos
C ativos co n tin u o u a c u id a r de seu cem ité rio , de sua cap ela e d o asilo q u e havia criado
para seus m em bros."'1
A ssociações religiosas d o tad as de regras esp ecíficas, essas co n frarias exigiam qUe
seus m em bros pagassem d ireito s de en tra d a (jó ias) e co n trib u içõ es m ensais variáveis,
oferecendo a estes, em c o n trap artid a , ao lad o de o b jetivo s e sp iritu a is, assistência du­
rante a v id a e na ho ra d a m o rte. Pensões, en cargo de despesas h o sp italares e digna
celebração dos fu n erais eram algu n s b en efício s previsto s. A ssim , além de considerações
de ordem religio sa, pesava o esp írito d e a ju d a m ú tu a , m u ito im p o rtan te num a cidade
em q ue as fo rtun as se faziam e se d esfaziam no esp aço de u m a geração . Ninguém
estava livre do in fo rtú n io . In teg rar u m a irm a n d a d e era prova de p ru d ên cia e garantia
d e p erm an ên cia no m esm o grup o so cial, em caso de em p o b recim en to . As contribui­
ções p o d iam ser in v estim en to a fu n do p erd id o , m as sem p re representavam também
u m a espécie de p o u p an ça d ia n te desse fu tu ro in certo .
P ara a Igreja, essas irm an d ad es rep resen tavam , de u m lad o , u m a garan tia de que sua
m ensagem era o u v id a e, de o u tro , um m eio de ex ercer co n tro le sobre pessoas cuja fé
nem sem pre era m u ito a n tig a . N o fin al, todo s tin h am a lu crar, in clu siv e o Estado, que
se poupava p arcialm en te de duas o b rigaçõ es: su sten rar o c u lto e socorrer m aterialm en­
te os necessitados. C o m p reen d e-se então q u e tais in ic ia tiv a s ten h am sido encorajadas.
D epois d a fam ília e ju n to com ela, d ep o is do E stado e suas in stitu içõ es, as irman-
dades e as ordens terceiras d esem p en h aram im p o rtan te p ap el na criação e preservação
dos laços sociais que u n íam os b aian o s do século XIX . C o m efeito, se a família, no
sentido m ais am plo do term o , c o n trib u ía p ara as relações en tre pessoas de camadas
diferentes, tan to do ponto de v ista só cio -eco n ô m ico com o ju ríd ic o , as irmandades e
ordens terceiras eram núcleos em torno dos q u ais tam b ém se teciam as relações sociais,
com o, aliás, ocorria com algum as in stitu içõ es do E stado. Nos dois últim os casos, às
relações entre in d ivíd uo s se su p erp u n h am relações en tre grupos, ou cam adas sociais,
num esquem a hicrarq uizado porém sim ples. A o rgan ização de grupos — cujos crité­
rios dc vinculação eram baseados na riqueza e na estim a, na cor da pele e no estatuto
legal servia de válvula dc escape para aten u ar antagon ism o s que poderiam s u rg ir do
contato de cam adas econôm ica e ju rid icam en te opostas.
C ria d a s p a ra c o n se rv ar a fé c a t ó lic a e p re s ta r, a seus m e m b ro s , serviços que o
Estado não t in h a m e io s dc g a r a n t ir , as ir m a n d a d e s c as o rd en s terceiras ta m b é m eram
m an ifestaçõ es d c u m s e n tim e n to c o le tiv o . T iv e r a m êxito v e rd a d e iro co m o complemeti
tos desse c o n tro le d u p lo — e x e rc id o p e la Ig reja e o E stado — pelo n icn o s até os anos
1 8 7 0 , q u a n d o e n tra ra m cm d e c a d ê n c ia c p e rd e ra m g r a n d e p arte d c su a significação
social. O s te sta m e n to s d e ram prova disso: no in íc io do sé c u lo XIX, m ais d e 8 5 % da
p o p u laç ão a d u lta liv re dc S a lv a d o r p e rte n c ia m a, p elo m en o s, u m a irm a n d ad e . Noven
L iv r o A I g r e ja
401

. 1

ta anos m ais tardo, esta p o rcen tag em era de apenas 15% . A lém disso, num erosas dessas
irm an d ad es a ca b a ra m p o r fu n d ir-se , com o , p o r exem p lo , a do S an tíssim o Sacram ento
e a de N ossa S e n h o ra d a C o n c e iç ã o , na p a ró q u ia d a C o n ceição da P raia em 1868
N o in íc io d o sécu lo XIX , a c id a d e de S alv ad o r tin h a cerca de cem irm andades em
p rin c íp io e s trita m e n te d iv id id a s en tre bran co s, m u lato s e negros. Essa característica sc
a ten u o u u m p o u co , n a m e d id a em q u e alg u m as irm an d ad es de brancos se tornavam
m ais c o n c ilia d o ra s, os m u lato s su b iam na escala so cial e os negros o b tin h am alfo rria .24
M as, ap esar desses fato res, as d ivisõ es p ersistiram .
H á p o uco s estu d o s sobre irm a n d a d es na B ah ia, esp ecialm en te as que congregavam
hom ens d e co r, ju s ta m e n te as m ais n u m ero sas. B asean d o -m e em testam entos de alfor­
riados, p u d e id e n tif ic a r m ais de trin ta , m as seu papel perm anece m al defin id o. Os
v iajan tes dos sécu lo s X V III e X IX ficaram im p ressio n ad o s com o zelo e o entusiasm o
dos negros em relação às m a n ifestaçõ es exterio res d a relig ião cató lica, m as não regis­
traram in fo rm açõ es sobre o leg ad o c u ltu ra l african o , q ue se m anifestava na sobrevivên­
cia de cu lto s a n im ista s. N o e n ta n to , atrav és dos testam en to s e da tradição oral {ainda
viva h o je em d ia) p u d e d e sco b rir g ra d a tiv a m e n te a im p o rtân cia dessas associações
com o cen tro s de co n serv ação d a h era n ça african a.
P ierre V e rg e r c h a m o u a aten ção p a ra o fato de q u e era preciso evitar qualquer
sim p lificaç ão q u e levasse a co n sid e ra r os negros — todos os negros — do mesmo
po nto d e v ista, e sq u ecen d o q u e e n tre eles h avia m u itas etn ias. Ele deu o exem plo das
p rim eiras irm a n d a d e s d o R o sário , q u e re u n ia apenas negros de A ngo la, ou a de Nosso
S en h o r R e d e n to r d a B ah ia , fu n d a d a em 1 7 5 2 , com p osta u n icam en te por jejes .25 M eu
p ro b lem a é sab er se essas d istin çõ es étn icas co n tin u av am a existir no século XIX,
q u an d o as novas co n d içõ es im p o stas p elo tráfico n egreiro torn aram possível im portar
escravos o riu n d o s de to d o s os m ercad o s african o s, m u ltip lican d o assim etnias e tribos
atin gid as pelo tráfico . R u sse ll-W o o d m o stro u claram en te com o, no século X V Iil, o
exclusivism o das irm a n d a d es do R o sário im p e d iu o surgim en to de irm andades mais
abertas, m ais acessíveis, com o a de S an to A n tô n io de C artageron e, de 1699, e do
Senhor dos M á rtire s, de 1 7 6 4 .
Em m eio a irm an d ad es reservadas a brancos e a negros que m ais um a vez
denotavam o exclu sivism o , q uase a in to lerân cia, desses dois com ponentes raciais
mos da sociedade de S alv ad o r — criaram -se, pouco a pouco, irm andades tardias de
m ulatos, com o a dc Bom Jesus da C ru z e a de Nossa Senhora do Boqueirão, Note se
que esta ú ltim a foi erigid a em ordem terceira em 1848, realizando um a passagem que
Traduzia duas c o is a s : o d e s e j o d o s m ulatos de se erguerem à altura dos brancos,
adm itidos nas ordens trad icio n ais, e um r e c o n h e c i m e n t o , por parte da Igreja, o p^
e da crescente integração dos m ulatos na s o c i e d a d e baiana, sempre em trans orm ç
U m m esm o in d iv íd u o podia fazer parte de várias irm andades. H avia como vunos,
aquelas criadas em função da cor dc seus m einbros (e não de seu estatuto eg e as q ^
agrupavam pessoas que tin h am o m esm o ofício: Santo Antônio da Barra p g
cian tes, São Jorge para os ferreiros, ferrageiros, serralheiros e cal eireiros, ao
402 B a h ia , S é c u l o X IX

para os sapateiros e cu rtid o res.36 T odas en traram em d ecad ên cia no século X IX : fun­
dadas por brancos, desejosas de preservar u m a aura eu ro p éia, não conseguiram admitir
a m assa d e negros e m u lato s q u e chegava no p eq u en o com ércio e no artesanato. Seus
m em bros preferiram d eixá-las d esap arecer a p raticar u m a p o lític a de abertura.
Interessa-m e ressaltar um aspecto: com alg u m as exceções, com o a da M isericórdia
e as das ordens terceiras do C arm o e de São F rancisco , esse tip o de associação quase
não levava em con ta h ierarq u ias sociais baseadas na fo rtun a. O u tro s critérios predomi­
navam , esp ecialm en te a cor e a etn ia o rig in a l, testem u n h an d o a forte coesão de tipo
corporativo que caracterizava a so cied ad e b aian a. O s co n flito s en tre diferentes grupos
raciais e econôm icos eram aten u ad o s p ela criação de u m a id en tid ad e social que, do
ponto de vista psico ló gico , a ju d a v a a v alo rizar até os m ais caren tes. No seio de uma
irm an d ad e de m u lato s ou de negros, u m escravo se sen tia ig u al a um pequeno comer­
cian te e, se gozasse do respeito de seus irm ão s e irm ãs, p o d ia assum ir as mesmas
responsabilidades q u e ele. Por o u tro lad o , negros e m u lato s se sen tiam iguais aos
brancos: tin h am a p o ssib ilid ad e de co n stru ir e o rn am en tar suas próprias igrejas e ter
capelães; ter enterros tão sun tuo so s q u a n to os dos so cialm en te superiores; exibir-se
com brilho e grandeza nas procissões religio sas q ue m arcav am a v id a da cidade.
D o m inado pelos branco s, o co rp o so cial d eu m o stra de m u ito discernim ento ao
p erm itir ig u ald ad e de condições p ara q ue negros e m u lato s, livres, alforriados e escra­
vos com p atilh assem da m esm a ex p eriên cia. A través dessas associações, a sociedade
b aian a dem on stro u ser relativ am en te ab erta e po uco in d iv id u a lista . Procurou ofere­
cer a todos os seus m em bros a p o ssib ilid ad e de assu m ir resp o n sab ilidades e ter inicia­
tivas, ind ep en d en tem en te do lu g ar de cad a um na escala social. A lém de seus objetivos
tip icam en te religiosos, essas associações eram locais em q u e floresciam solidariedades
que po ssibilitavam , por exem p lo , a T esso cialização ’ dos negros em um a sociedade
que aparentem ente lhes era h o stil.27 Isso o co rria graças a to d a espécie de ajuda que as
irm andades p ro p iciavam a seus m em b ros: facilid ad es para a alfo rria, doações de di­
nheiro para casar (em casos de m oças sem dote) e, sobretudo, certeza de um enterro
decente. Não m e parece exagerado afirm ar que, d u ran te a p rim eira m etade do século
XIX, quase todos os baianos p erten ciam a, pelo m enos, um a irm andade. Elas entra­
ram em decadência m ais tarde, por volta de m eados do século, quando os poderes
locais com eçaram a se interessar seriam ente pelos problem as sociais da cidade, crian­
do suas próprias in stituiçõ es de socorro,28 e associações privadas assum iram encargos
suportados outrora pelas irm an d ad es.23
Congregando grupos sociais m uito diferentes, ordens terceiras e irmandades man­
tinham contatos freqüentes entre si, duranre as celebrações públicas c as lestas religi°'
sas que marcavam o ano civil c lítúrgico dos baianos. Essas antigas rradiçoes não se
perderam, c ainda hoje os habitantes dc Salvador apreciam as mesmas práticas, com
seus animados cortejos dc festas, procissões c desfiles. Notc-sc, no entanto, que a alta
e média burguesia abandonou completamente essas manifestações, deixando inclusive
de financiá-las.
L ivro V- A Ig r e j a
4 03

Jo sé da S ilv a C a m p o s d escrev eu u m a dessas procissões trad icio n ais, a do Bom


Jesus dos M á rtire s, c u ja irm a n d a d e era co m p o sta por negros nascidos no Brasil Essa
procissão era céleb re, p ela riq u ez a das roupas e das jó ias usadas na ocasião e pela fita
de seda v erm elh a, b o rd ad a dc o u ro , q u e as m u lh eres usavam em torno do pescoço para
lem brar o san gu e dos m á rtires. O p resid en te d a irm an d ad e, m u ito cioso de sua im po r­
tância, co n v id av a p esso alm en te o p resid en te d a P ro v ín cia para assistir à cerim ôn ia,
tratan d o -o d e 'c o le g a ’ . A trás d a cru z d a irm a n d a d e, o cortejo apresen tava quadros
vivos: A dão e Eva exp u lso s do P araíso , co b rin d o -se com vestes de p en iten tes, acom pa­
nhados de um a n jo e x te rm in a d o r co m su a esp ad a flam ejan te. V in h a , depois, a arvore
do bem e do m a l’, s e g u id a p o r to d as as irm an d ad es fo rm adas por pessoas de cor,
carregando rico s e sta n d a rte s, trazid o s de suas respectivas igrejas. Por ú ltim o , v in h a a
estátua de N osso S e n h o r B om Jesu s dos M á rtire s. A lgu m as im agens teoricam ente não
podiam sair das ig re ja s, m as as p ro ib içõ es das a u to rid a d es eclesiásticas nem sem pre
eram resp eitad as. S o b a p lau so s, a p ro cissão se e n riq u ec ia con stan tem en te com novos
adereços, retirad o s de cad a ig re ja p o r o n d e passava. A en o rm e im agem da Santíssim a
T rin d ad e, por ex em p lo , era re c e b id a em festa, carreg ad a com cu id ad o através da única
porta em q u e cab ia. A p ro cissão atravessava to d a a cid ad e, aco m panh ada por três
orquestras, te rm in a n d o na ig re ja d a B arro q u ín h a, to d a ilu m in ad a e decorada com
flores e pesados v e lu d o s.30
O u tra procissão im p o rta n te era o rg an izad a em 21 de setem bro pela irm andade de
Bom Jesus d a C ru z , fu n d a d a p o r u m n egro no século X V III. C u stava caro, mas era tão
brilh an te q ue a tra ía m u ltid õ e s, so b retu d o de m u lato s, q u e tin h am por Nosso Senhor
da C ruz u m a devoção to d a esp ecial. Eles esco lh iam esse d ia para fazer batizados,
casam entos e reu n iõ es de fa m ília. Em 1 8 8 0 , S ilv a C am pos descreveu como a socie­
dade café com le ite ” saía às ruas, com suas m elhores roupas, para ir à igreja do
convento da P alm a, on de aco n teciam os p rin cip ais festejos do dia. Para dar à sua
procissão um b rilh o igu al ao das m ais ricas, os m em bros dessa confraria freqüentem en­
te trabalhavam o ano in teiro . O p resid en te da irm an d ad e devia usar, em baixo de uma
capa de seda escarlate, u m a casaca (depois su b stitu íd a por um fraque), e luvas de
pelica. E,m 1925 a lon ga procissão de Nosso Senhor da C ruz saiu pela últim a vez.
A p a r tir d a d é c a d a d e 1 8 6 0 , festas re lig io sa s e p ro cissõ es até e n tã o en co rajad as pela
Igreja passaram a ser c r it ic a d a s p e la p r ó p r ia Igreja, e m p e n h a d a em san ear u m a reli­
gião repleta d c m a n ife s ta ç õ e s ju lg a d a s ‘ p a g ã s ’. A ro m a n iz a ç ã o d a rgreja brasileira fez os
padres v o ltarem para a sa c r is tia : o c a te c is m o e a ríg id a o b servân cia das regras q u e
- J Ç* A d
regiam a fé c a tó lic a to r n a r a m - s c in s tr u m e n to s dc p ro p a g aç ão e conservação a e.
Essa nova o r ie n ta ç ã o foi a p o ia d a pelo g o v e rn o c por p arte da o p in ião púb ica,
p reo cu pad os e m q u e o B rasil ap resen tasse u m aspecto m ais c o n fo rm e às im agens que
vin h am d a E u ro p a. Eis o q u e escreveu o e d ito r ia lis ta d o jo rn a l D iá rio d a B ahia em I ­
de ja n e iro de 1 8 6 0 a resp eito da festa do S e n h o r do B o nfim , u m a das m ais populares
de Salvad o r: “ H a v crã hoje na Igreja do B onfim a lavagem da nave e do adro para as
festas q u e serão celeb rad a s d u ra n te os três d o m in g o s a seguir. A bacanal de o u tr o r ,
404 B a h ia , S é c u l o XIX

que escandalizava os costum es, a m oral e a religião , não tornará a se repetir. Não
verão m ais as m ulheres brancas ou negras vestidas sum ariam en te, com atitudes
pudicas, em briagando-se na tab erna do A donis. N ão terem os m ais que deplorar e5Se
exem plo de nosso atraso, oferecido aos olhos de nossos h abitantes e aos de estrangei
ros. H á vários anos que o venerável prelado d a diocese u tilizav a a palavra e fazja
exortações para desarraigar u m costum e tão bárbaro q u an to inqualificável. Corrio
m uitos podem im aginar, a extinção quase to tal dessa lavagem , cantada em prosa ç
verso, não é coisa fácil: e um a prova p erfeita de que a educação do povo melhorou, qUe
os tempos dos p iq u en iq u es nos adros das igrejas, das canções ao som da viola e das
farras do B onfim acabaram p ara sem pre. É u m a prova p erfeita de que a nossa civilu^
ção vem da E uropa e não d a costa african a, com o d iz ia um ilustre senador de
P ern am b u co ... Q uan do um ho m em d a posição e q u e tem as virtu des de Monsenhor o
C onde de San ta C ru z [tratava-se de d o m R o m u ald o A n tô n io , arcebispo da Bahia] se
ergue contra certos abusos, a au to rid ad e civ il não d ev eria n egar o seu apoio, A lavagem
da Igreja do B onfim , seja na nave ou no adro, d en tro ou fora do tem plo , com seus ares
de bacanal, está m orrendo. Q u an d o no in íc io , eram os p eregrino s e os penitentes que,
por devoção ao Santo P ad ro eiro , iam lavar a Igreja, então sim , era um ato de humilda­
de cristã. M as, rap id am en te, a lavagem to rn o u -se u m m otivo de prazer, que teve como
conseqüências a beb edeira e a devassidão; então era preciso clam ar contra ela para não
testem unhar co n tra nós, co n tra nossa ed u cação , co n tra nossos p rin cíp io s m orais.”
O ed ito ríalista co n fu n d ia desejos e realid ad e. N esse m esm o ano de 1860, o teste­
m unho de M a x im ilia n o de H absbu rgo , futuro im p erad o r do M éxico, não foi nada
lisonjeiro: depois de co m p arar o co m p o rtam en to do “p o v in h o ”, ou seja, negros e
m ulatos que cercavam a igreja, com o d aq u eles q ue cercavam o tem plo de Salomão na
época de C risto, co n clu iu : “p ara u m cató lico respeitoso, todo esse reboliço é blasfe­
m atório, porque nessa festa p o p u lar de negros m istu ram -se, além do que é permitido,
restos de p ag a n ism o ... Festejavam -se as ‘saturnais* dos negros”.33 C elebrada até hoje,
essa festa m anteve suas características tão criticad as, em bora nos tempos atuais a
presença de turistas co n trib u a p ara em b ran q u ecer o “p o vin h o ” e a cerveja tenha subs­
tituído a cachaça.
As grandes festas resistiram , m as, por volta do fim do século XIX, as ordens ter­
ceiras e as irm andades já estavam ultrapassadas. Foram sub stituídas por novas associa­
ções, mais representativas do espírito cató lico de então e das aspirações da hierarquia.

A P a st o r a l e se u s A g e n t e s

Embora católicos fervorosos, os fiéis ignoravam a dourrina e os dogmas da IgreJa'


Com o se fossem pagãos, viviam “no abandono dos sacram entos e no esquecimento a
vida eterna ,34 tem a que ocupou o centro das pastorais dos bispos baianos, sempre
preocupados com a falta de instrução religiosa dos fiéis. Aos olhos da hierarquia, este
406 B a h ia , S é c lto XIX

rosário e as iitan tas e can tar loas a M a ria . N os lu gares em q u e o padre não podia estlr
presente, a devoção era lid e rad a por u m a sen h o ra m ais v elh a, freq ü en tem en te mãe de
fa m ília n um ero sa e sem pre reco n h ecid a por ter h áb ito s irrep reen sív eis.
A devoção ao S ag rad o C o ração de Jesu s, p ratic ad a so b retu d o na prim eira sexta
feira do m ês, foi in tro d u z id a na d écad a de 1 8 7 0 p ela A sso ciação do Apostolado da
O ração- G anho u adep tos so b retu d o nas cid ad es, po is e x ig ia a celeb ração de um a missa
e a co m u n h ão ou exp o sição do S an tíssim o d u ra n te as nove p rim eira s sextas-feiras do
ano. M u ito se n tim e n ta l, essa devoção tin h a m u ito s traço s d a relig io sid ad e do próprio
povo, estim u lan d o a q u e todos perseverassem no esforço de fazer ju s ao paraíso.
Essas novas devoções não a b o lira m as a n tig a s. A o c o n trá rio . O Sagrado Coração
de Jesus e o m ês de M a ria são cad a vez m en o s lem b rad o s, m as a in d a hoje estão vivos
os cultos prestados a S an to A n tô n io , São Jo ã o , S a n ta B árb ara ou São G onçalo do Ama­
rante, q ue ap resen tam asp ecto cad a vez m ais p ro fan o , co m festejos nas ruas. A grande
festa do Sen h o r do B o n fim , p o r ex em p lo , a n u n c ia , em p len o jan e iro , a aproximação
do C arn av al!
As associações religio sas fu n d ad as p ara a p o ia r as novas devoções eram radicalm en­
te diferentes das an tig as co n frarias. Em p rim eiro lu g a r, eram d irig id a s pelos párocos e
criadas para os leigo s, não m aís p o r eles. A lém d isso , m u itas festas realizadas outrora
por leigos foram su b stitu íd a s por festas litú rg ic a s lig a d as a essas devoções m ais recen­
tes. Por exem plo , a festa da C o ro ação d a V irg e m , q u e d eu fam a à A ssociação das Filhas
de M a ria, foi m u ito e stim u la d a p ela h ie ra rq u ia e c lesiá stica , ao passo q u e outras, como
os bailes pastorais e as festas do m ês de ju n h o , foram co n sid erad as supersticiosas,
encaradas com d esco n fian ça e até co m b atid as.
Estas festas ju n in a s eram freq ü en tem en te abertas com a recitação , nos lares, de
um a trexena em in ten ção de S an to A n tô n io , c u ja im ag em p erm an ecia num altar
florido na sala p rin cip al. As orações eram co n d u zid as p ela d o n a da casa, cercada por
seus filhos, agregados, escravos e vizinh os m enos favo recidos, q u e nao tinham condi'
ções de arcar com os custos dc u m a festa p ró p ria. Para cad a d ia da trezena havia um
padroeiro (um m em bro d a fam ília ou um am igo ab astad o ), q ue fazia o papel dc dono
da festa , oferecendo círios, lico r dc jen ip ap o , can jica, pam onhas c broas dc m ilho para
os convidados, após a recitação. Entre 13 c 23 dc ju n h o , os dias eram consagrados aos
preparativos da festa de Sao Jo ão , celebrada com fogueiras nas ruas, cantos e danças,
acom panhados dc petardos, fogos dc artifício c, por fim , alegres enm cdorias. As coine
rnoraçoes continuavam até o dia de São Pedro c São Paulo, cm 20 de junho.
Todas as m e d id a s d a h ie r a r q u ia , d e s tin a d a s a e x tir p a r as c re n ç as pagãs dos fu-is c
refo rm ar seus c o s tu m e s , só p o d e r ia m ter êx ito sc a h ie r a r q u ia p u d esse c o n ta r com a
co lab o raç ão in c o n d ic io n a l d o c lc ro c c o m a a ju d a dc o u tro s a g e n te s d e sua pastor.il*
M a s era m u ito d e s ig u a l a e fic iê n c ia d a m issã o a p o s tó lic a d e u m cle ro heterogen^0’
5 0 % do q u a l não h a v ia m fre q ü e n ta d o s e m in á r io , c e ra m m u ita s as resistências da
g ran d e m assa d os fiéis e ta m b é m d os chefes lo cais, in q u ie to s co m as m u d a n ç as q L*e
tran sto rn a v am as trad içõ es.
LrvRo V - A Ig r e ja
407

O m odelo proposto duran te o po ntificado de Pio IX divid iu o m undo em duas


sociedades distin tas: a tem poral (encarregada dos problem as políticos, sociais e econô­
micos) e a esp iritu al (encarregada dos problem as religiosos). O ra, se em teoria já era
difícil separar n itid am en te esses dois cam pos, na prática isto era im possível, sobretudo
no Brasil, por todas as razões que já apareceram nos capítulos precedentes. Além disso,
havia m uito o povo tin h a se h ab itu ad o a um clero cujo com portam ento social e moral
era m uito sem elhante ao seu. Ao afastar os padres d a política, reforçar o celibato,
lim itar sua ação ao altar, ao p ú lp ito e ao confessionário e im por como sua tarefa
essencial o ensino da d o u trin a cristã e a ad m in istração dos sacram entos, a orientação
da Igreja im plicava afastá-los d aqu ele ín tim o contato com os fiéis. M as, ao mesmo
tempo, a própria Igreja m an ifestava sua vontade de reform ar os costum es do povo,
lutando contra a sup erstição , a ign o rân cia e o p lu ralism o religioso.

O Padre e a P a sto ra l

A utodidata ou form ado em sem in ário s, a p artir da segunda m etade do século XIX
o clero baiano viveu im erso em u m a refo rm a largam en te inspirada pelas determ ina­
ções do C o n cilio de T ren to e os rigorosos posicionam entos da Santa Sé. Exigiam-se
reforma m oral e novos co m p o rtam en to s dos padres, vigor na missão apostólica, uni­
dade em torno de u m a lin h a d o u trin á ria e rígo r sobretudo nas relações entre Igreja,
clero e fiéis.
D iretor esp iritu al d a co m u n id ad e, o padre tin h a que ter um com portam ento
social que servisse de m odelo aos p aro q u ian o s. Bons costum es, uso do hábito e d ign i­
dade no exercício das funções sacerdotais eram elem entos essenciais para dar credibi­
lidade ao exercício de suas funções, ob jetivo m aior de todas as reformas. No exercício
de seu m inistério esp iritu al, o padre tin h a o dever de celebrar a missa, adm inistrar os
sacramentos e explicar os sím bolos da fé e os dogm as da Igreja. Essa missão tinha
aspecto duplo: a Instrução religio sa dos fiéis e o cum prim ento dos aros litúrgicos e
sacram entais. No in ício do século XIX, este ú ltim o aspecto detinha a preferência de
párocos e fiéis, mas as reform as intro duzidas cm meados do século enfatizaram a
im portância do prim eiro.
Em 1839, o padre Feijó dizia: “Em toda a Província (São Paulo) dificilm ente se
encontrará um padre que cum pra seus deveres com o ordena a Igreja, sobretudo no que
tange à instrução das crianças no dia do S e n h o r.’'^ A instrução religiosa, ou catequese,
fazia parte das obrigações do pároco desde a época colonial, mas, salvo nas famílias que
dispunham de um capelão, era m al observada. A formação religiosa cra dada em casa.
As crianças aprendiam com suas mães as orações tradicionais, assim como aJ^*nS
artigos de fé, mas o padre quase nunca exam inava os conhecim entos de seus can i a
tos antes que fizessem a prim eira com unhão. A religiosidade era muito forte, rnas
conhecimentos da d o u trin a eram precários e mal assimilados. O prim eiro livro
Bahia, S é c u lo XIX
408

leiro de catecism o ap areceu na épo ca d a ro m an iz açao d a Ig re ja , red ig id o a pedido de


dom A ntôn io F erreira V iço sa, bispo refo rm ad o r de M a ria n a , q u e tin h a estudado com
os o ratoriano s d e P aris. C o n h ecid o p elo n o m e de C a tecism o d e M a ria n a , era com posto
de três partes. A p rim eira c o n tin h a certo n ú m e ro d e o raçõ es, a p ro p riad a s p ara diferen­
tes ocasiões; depois, seg u in d o o co stu m e d a ép o ca, a d o u tr in a era ap resen tad a sob a
form a de p ergun tas e respostas q u e d ev ia m ser d eco ra d as, p o r fim , u m a parte prática
p ro p u n h a a ap licação dos e n sin a m en to s a casos d a v id a c o tid ia n a .
M ais tarde foram p u b licad o s o u tro s catecism o s. N a B a h ia a d o to u -se o preparado
no M aran h ão pelo bispo do m M a n u e l Jo a q u im d a S ilv e ir a , q u e v iria depois para
Salvado r e se to rn aria arceb isp o en tre 1861 e 1 8 7 4 . N a s e g u n d a m etad e do século
XIX, quase todas as dioceses b rasile ira s p u b lic a ra m c ate c ism o s, q u e su b stitu íram o de
M o n tp ellier, de in sp iração ja n se n ista . D o m L u iz A n to n io dos S an to s, bispo do Ceará
e depois arcebispo d a B ah ia en tre 1881 e 1 8 9 0 , m a n d o u p u b lic a r em 1871 um Breve
resum o das p r in cip a is v erd a d es d a relig iã o . Esses liv ro s e ra m u tiliz a d o s em escolas e
liceus p ú b lico s e n aq ueles fu n d ad o s p ela d io cese. Só u m a p arte das crian ças tinha
acesso a esse ensino religio so , q u e ch eg av a ap en as aos esco lariz ad o s. A m aio ria das
crianças e os escravos eram ex clu íd o s de q u a lq u e r in stru ç ã o re lig io sa sistem ática.
A catequese tam b ém era feita atrav és de serm õ es p ro ferid o s n as g ran d es festas (não
eram d o m in icais). V erd ad eiras peças lite rá ria s , com e stilo em p o lad o e m u sical, com
hábeis jogos de palavras, eram ad m irad o s p elo povo, no e n ta n to in cap az de com­
preender seu con teúdo . Essas p regaçõ es n u n c a a b o rd a v a m a v id a c o tid ian a e não
analisavam o co m p o rtam en to m o ral dos fiéis: eram p a n e g íric o s q u e se lim itav am , por
exem plo, a apresen tar os m ilag res do san to do d ia .39
A ú ltim a m issão do clero secu lar era a ev a n g eliz a çao dos pagãos. C o m o no passa­
do, tratava-se essen cialm en te de o b ra en treg u e às o rd en s relig io sas, so b retu do no meio
rural. A ação do clero secu lar se lim ita v a às cid ad es e às p lan taçõ es de cana-de-açúcar
e de café, procurando sobretudo co n verter os african o s. A a b o lição do tráfico em 1850
libertou o clero dessa tarefa, m as não foi su ficie n te p a ra in d u z i-lo a en sin ar a d o u trin a
a esses pagãos reduzidos ao c ristia n ism o ”, c u ja in stru ção relig io sa era praticam ente
nula. Se a difusão dos dogm as e d a d o u trin a d a Igreja era tão d ifícil nos centros
urbanos, cia se tornava p raticam en te im po ssível en tre a p o p u lação dispersa e analfabe­
ta dos m eios rurais. D aí o papel d esem p en h ad o p elas m issões, con fiadas a regulares
que vinham socorrer o clero secular,

M is s ó e s e P a s t o r a l

As missões excitavam o fervor popular, provocando num erosas ‘conversões1, impondo


regras para casam entos e reconciliações, com batendo as superstições dos fiéis e incita11'
do-os à prática dos sacram entos.41 Os sermões dos m issionários invocavam o amor de
Deus, a im ortalidade da alm a, a salvação pela conversão, a existência do Inferno e o
L iv r o V - A I greja
— _-------- 409

ju fz o F in a l; co n d en a v a m os ato s v in g ativ o s c lascivos; quase sem nre a úlrim -


era co n sag rad a a N ossa S e n h o ra . ’ prega^no

U m a m issão d u rav a dc o ito a d ea d ias. C o m eçav a g eralm en te n u m a sexta-feira ou


num sab ad o a n o ,te , te rm u ta n d o no d o m in g o seg u in te, com u m a visita ao cem itério
local. - Q u a n d o a p o p u la ç a o y ,v ,a m u ito d isp ersa, o local de eneo ntro era um lugareio
ou u m a a ld e ia . A o ratar d o so l, o m issio n ário se p u n h a a cam .n h o da igreja r e c L d o
orações p a ra a c o rd a r os fiéis. R e u n id o s, eles escu tav am a p regação , tam bém cham ada
catecism o ou in stru ç ã o , e p a rtic ip a v a m d a m issa, d u ran te a q ual era entoado o hino de
Nossa S en h o ra. P ela m a n h ã , o m issio n á rio co n fessava m u lh eres, batizava, celebrava
casam en to s e in s tr u ía c rian ç as. T o d o s esses ato s, exceto o p rim eiro , pod iam prosseguir
à tarde. O d ia te rm in a v a co m o serm ão p r in c ip a l, co n sagrado aos últim o s fins (a
m orte, o ju lg a m e n to , o in fe rn o e o p a ra íso ) e aco m p an h ad o por testem unhos de
devoção. O s m issio n á rio s u tiliz a v a m to d o s os m eios p ara im p ressio n ar o povo. C h e­
gavam , por e x e m p lo , a a m e a ç a r jo g a r o c ru cifix o no chão, pisoteando-o. D epois do
serm ão e d a a d o ra çã o d o S a n tís s im o , m u lh eres e crian ças se retiravam para dorm ir,
m as os h o m en s p e rm a n e c ia m fazen d o con fissõ es até 2 1 :0 0 h o ras.43
O sucesso dos m issio n á rio s era d ev id o em p arte à h a rm o n ia entre os tem as que
pregavam e a re lig io s id a d e d o p o vo , c h e ia de p e n itê n c ia , m o ralizad o ra e providencial.
As p regaçõ es estav am de aco rd o com o s e n tim e n to g eraí: nas m issões efetuadas no
in terio r d a B a h ia em 1 8 7 0 , “a m a io ria d o s h o m en s e m u lh eres usava coroas de espi­
nhos e os h o m en s ca rre g a v a m cru zes, a lg u m a s de g ran d e d im en são ”.44
A cru z era a p ró p ria m a te ria liz a ç ã o dessa m ís tic a m issio n ária que incitava o povo
a co lo car c alv ário s ao lo n g o das c o m p rid a s esrradas q ue perco rria. C om o lem brou
C â n d id o d a C o sta S ilv a , “nas teo lo g ias d a red en ção q u e d o m in am a pregação e a
catequese d u ra n te sécu lo s, a cru z n ão rep resen ta o even to h istó rico da m orte de Jesus:
ela é o sím b o lo do c u n h o d o lo ro so d a re c o n c iliaç ã o com D eu s”.45 Eis a razão pela qual
a cruz foi freq ü e n te m e n te u tiliz a d a p ara ju s tific a r o so frim en to , servindo às vezes de
pretexto p ara certas fo rm as de repressão . “E sq uecid as d a realid ad e histórica da ação de
Jesus e d e sua c o n d en ação , as p o p u laçõ es v o ltam os olhos para seu próprio sofrim ento,
sua p ró p ria m o rte, o m itin d o suas c au sas.” A ssim , a cruz era usada como argum ento
para im p ed ir a rev o lta dos h o m en s, to rn an d o -se sím b o lo de resignação ou de opressão.
Para ser fiel ao C é u , o h o m em devia sofrer na T erra. A vida real era a vída futura, e
tudo d evia ser feito p ara a lc a n ç a r o Paraíso.
A s m is s õ e s e r a m , se m d ú v i d a , u m d o s a c o n t e c im e n t o s m a is im p o rta n te s n a vi a
d a s p o p u la ç õ e s r u r a is . R e u n i a m os d o is a sp e c to s d a re lig io s id a d e do povo. a expíação
e a festa. O s m is s io n á r io s , e v id e n t e m e n t e , te n ta v a m a fa s ta r a festa p ro fan a, parte
in t r ín s e c a d a s c e le b r a ç õ e s d o c a t o lic is m o d e a n te s d a re fo rm a . M a s isso n ã o im p
q u e o a m b i e n t e d a s m issõ e s fosse fe stiv o . F esta sa cra, b em e n te n d id o . Em c c r t a m e
d id a , esse a s p e c to c o n t r a b a la n ç a v a o ríg o r d as p reg aç õ e s, q u e in s is tia m em
d e u m D e u s se v e ro , j u s t ic e i r o e to d o -p o d e ro s o d o q u e n u m D eu s e a m o r e
p ree n sã o .
410 B a h ia , S é c u l o XIX

E strangeiros, os m issio n ário s traziam ao B rasil a im agem de um D eus que propu


nha o resgate dos pecados pelo so frim en to e p ela dor, o q u e era perfeitam en te coerente
com a d o u trin a d a época e bem a ceito pelos m eios ru rais e as cam ad as populares das
cidades, cu ja v id a estava im ersa em so frim en to . A ev an g elização desse período efa
baseada n u m a cateq u ese q ue v isava p rep arar os fiéis p ara os sacram entos.
N as cid ad es, so b retu d o em S alv ad o r, o a n ú n c io d a B oa N o va tam bém era vivido
com o ro tin a litú rg ic a : os fiéis eram co n v id ad o s a ir m ais freq ü en tem en te às igrejas para
cu m p rir seus atos de fé, assistin d o à m issa d o m in ic a l e p a rtic ip a n d o d a recitação do
rosário ou da ad o ração do S a n tíssim o . O en sin o d a cateq u ese era feito pelos párocos
e seus co ad ju to res, q u e se esforçavam p o r in s tru ir as c rian ças, a m aio ria das quais não
freqüentava as escolas, q ue o fereciam in stru ç ã o re lig io sa o b rig a tó ria . A ssim , a renova­
ção d a so ciedade po r in te rm é d io d a esco la era m u ito a le a tó ria . N as cidades como
Salvado r a cateq uese era p erm an en te, p o is o clero estava m ais p resen te e u m a parte da
po pulação tin h a livre acesso aos livro s e p erió d ico s relig io so s, in acessíveis aos fiéis do
cam po e das ald eias do in te rio r.
Em m eados do sécu lo X IX , o c lero e os fiéis b aian o s se in sp irav am em autores
franceses dos séculos X V II e X V IIL A lite r a tu r a b e m -p e n san te ocu p ava lu gar de des­
taq u e nas três liv ra rias q u e e x istia m en tão em S alv ad o r, O p ú b lico letrado da capital
podia co m p rar livros de orações ap ro v ad o s p elo a rceb isp o , com o , por exemplo, o
M a n u el d e D o ctrin e C h rêtien n e, catecism o ad o tad o nas escolas, im presso na França
m as trad uzid o para o p o rtu g u ês. N essas liv ra ria s en co n trav am -se, em lín g u a francesa,
Le p r è tr e f a c e au siecle e M a n ifeste a u m o n d e p o lit iq u e d e VEglise rom a in e, de M adrolle;
os Serm ões, de B ossuet; as o b ras co m p letas, em q u in ze v o lu m es, de M assillon e a
H istoire a b r ég ée d e VEglise, de L h o m o n d ,^

As M ulheres e a P a sto ra l

A lé m do a p o io e sc o la r, a n o v a o r i e n t a ç ã o d a I g r e ja c o n t a v a c o m o c o n cu rso das
m u lh e re s , c u jo p a p e l s o c ia l e r a a n t ig o e r e le v a n te . E las c o m a n d a v a m in s titu iç õ e s reli­
gio sas, c o m o esc o la s p a r a a j u v e n t u d e f e m i n i n a e in s t it u iç õ e s d e c a rid a d e , c eram
m a io r ia nas n o vas a s so c ia ç õ e s re lig io s a s . A lé m d is so , d ir ig ia m a v id a ín t im a nos lares.
A Ig reja sc a p o io u n elas p a r a d i m i n u i r a in f lu ê n c i a d as a n tig a s c o n fra ria s, liderad as por
h o m e n s , in filtra d a s p e la m a ç o n a r ia c a u t ô n o m a s em re la ç ã o ao p o d e r eclesiástico. Em
se g u id a , as m u lh e re s sc to r n a r a m m a jo r it á r ia s n a c e le b r a ç ã o d as c e r im ô n ia s litúrgicas
q u e , p a ra e v ita r os ab u so s, e ra m p r a tic a d a s c a d a vez m e n o s à no ite. As mulheres
a c e ita ra m m e lh o r a re fo rm a , q u e , c o m o v im o s , d a v a à re lig ião u m c u n h o n itidam ente
clerical, a c e n tu a v a o peso d a a d m in is t r a ç ã o d os s a c r a m e n to s e e n tre g av a aos clérigos o
c o n tro le so b re as asso ciaçõ es re lig io sa s.4'* A lé m dessas c o n sid e raç õ e s, p arece-m e que a
la rg a u tiliz aç ão das m u lh e re s c o m o in s tru m e n to s d a c a te q u e se d e c o rre u sobretudo do
im p o rta n te p apel q u e elas d e s e m p e n h a v a m n a fa m ília b rasileira.
L tvroV - A I g r e ja
411

A re h g iao do p o v o n a o se c a ra c te r,z a v a só p ela d evo ção e o in d iv id u a lism o , m as


tam bem po r seu c u n h o e m in e n te m e n te fc m ilia r. O c ato licism o estava presente nos
batizados d as c ria n ç a s , no e n s in o d as o raçõ es, na p rim eira co m u n h ão A v iv ên cia
religio sa d as fa m íh a s c o m p le ta v a -se p e la reza c o le tiv a e a recitação do rosário novenas
e trezen as, p o r o c a siã o d as p r in c ip a is festas a n u a is ou das festas dos santos padroeiro s
da p ró p ria fa m ília . O O fíc io d e N o ssa S e n h o ra e ra recitad o no sáb ado e o O fício das
A lm as do P u rg a tó rio n as s e g u n d a s -fe ira s .48 T o d o s esses atos co letiv o s, em que o padre
estava g e ra lm e n te a u s e n te , e ra m d ir ig id o s p o r u m a m u lh e r — m ãe, avó, tia ou p rim a
Logo, a Ig reja tin h a in te re sse e m p ro m o v e r a m u lh e r, acen tu an d o seu papel de p re­
ciosa a u x ilia r .
A a titu d e d a I g re ja b r a s ile ir a e m relaçã o às m u lh eres era a ig u al à d a Igreja do resto
do m u n d o e d as s o c ie d a d e s o c id e n ta is d a ép o ca. A s ob rigaçõ es im postas eram as
m esm as tr a n s m itid a s p elo s m a n u a is d e c o n d u ta m o ral dos países cató licos. A m oça
devia ser m o d esta e m su as açõ es, a g ir co m p r u d ê n c ia e p erm an ecer grave e conveniente
em seus gesto s e p a la v ra s. D e v ia g o s ta r d e fic a r em casa, a ju d a n d o a m ãe. D e todas as
m an eiras, d e v ia e v ita r v a id a d e s no v e stu á rio e nos ad o rn o s, conversas indiscretas com
hom ens e d iv e rtim e n to s p ro fa n o s. D e v ia , e n fim , s a ir ra ram e n te, exercitar a piedade,
ser fran ca, le a l e a fe tu o sa co m a m ãe, n ão ter segred o s p a ra com ela e a ju d a r seus jovens
irm ãos e irm ã s a trav és d o b o m ex e m p lo e d a e x p lic a ç ã o tfa d o u trin a.
A m u lh e r c a s a d a d e v ia , em p r im e ir o lu g a r , a m a r seu m arid o , respeitá-lo com o
chefe e o b ed e cer a su a s d ecisõ es co m a fetu o sa p ro n tid ã o , Se necessário, podia cham ar
sua aten ção co m p r u d ê n c ia e d is c riç ã o , sem d e ix a r de serv i-lo so licitam en te. Se ele
estivesse irrita d o , e la d e v ia c a la r-se e to le ra r seu s d efeito s com p aciên cia e m ansidão.
Seu co ração e seus o lh o s n ao p o d ia m n u n c a ser p a ra o u tro . Os filhos precisavam ser
educados n a fé c a tó lic a . A esp o sa d ev ia, e n fim , ser do ce, p acien te e calm a na relação
com a fa m ília , a te n c io sa co m os sogros e b en ev o len te co m cu n h ad o s e cunhadas.
A v iú v a d e v ia v iv e r corno as m u lh eres v irg en s, ser v ig ila n te com as mulheres
casadas e d a r e x em p lo s v irtu o so s a u m as e o u tras, sen do a m ig a dos retiros e inim iga
dos d iv e rtim e n to s m u n d an o s. A p lic a d a n a o ração , d e v ia z elar cu id ad o sam en te pela sua
boa rep u tação , a m ar a m o rtificaçã o e tra b alh ar p ara a g ló ria de Deus.'*5
Eram esses os m o d elo s de m u lh e r propo sto s po r um a Igreja desassociada do meio
em que d esen vo lvia su a ação. M a s, m esm o q ue essa a titu d e nâo tenh a dado os frutos
« p e ra d o s , é ccrto q u e as m u lh eres co n trib u íram largam en te com as reformas deseja­
das pela h ie ra rq u ia c, p rin c ip a lm e n te , com a p rática dos sacram entos e das novas
devoções. R esta saber q u al foi o alcan ce desse m ovim ento reform ador que, por inter­
m édio de m issões, escolas, novas associações religiosas e de um clero m ais *nst™ ’
tentou im p rim ir u m a nova o rien tação ao com portam ento do povo e eu . ^
fácil estabelecer tal b alan ço . F altam estudos q uan titativo s, os únicos capazes d e p re ci-

N o T m T o século passado, os fiéis brasileiros podiam ser classificados em duas


categorias principais: os católicos praticantes (aqueles que freqüentavam a gre/a, evan o
412 B ah ia , S éculo X IX

a sério a prática dos sacram entos e os en sin am en to s do clero) e os trad icio n ais (que se
contentavam com os ritu ais do b atism o , do casam ento e das m issas de sétim o dia). Os
prim eiros eram considerados cató licos de fato, e os outros, de nom e. Ignoro em qUe
proporção se d iv id iam e, sobretud o, em q u e m ed id a as velh as crenças e superstições
haviam sido extirpadas — m esm o en tre os ‘p ratican tes ’ — graças à nova catequese.
T ratava-se, afin al, de um a so ciedade q ue recebera diversas h eran ças cu ltu rais e étnicas
constantem en te reelab oradas e sin tetizad as. Essa sín tese n u n ca term in ad a impunha
regras de co m p o rtam en to em q ue a ap arên cia tin h a m ais im p o rtân c ia que o conteúdo,
pois quanto m ais alg u ém se afastava do m o d elo p ropo sto p ela so ciedade, menos pos­
sib ilid ad e tin h a de fazer recon hecer seus v ín cu lo s so ciais. Essa form a de assim ilação era
condição prévia p ara todo tip o de êxito . P ara q ue u m in d iv íd u o fosse considerado
cidadão pleno de d ireito s, seu co m p o rtam en to relig io so era m u ito im portante. No
caso dos africanos lib ertad o s, isso era tão im p o rtan te q u a n to os laços q u e conservavam
com seus an tigo s senhores.
A aceitação das novas o rien taçõ es d a Ig reja v a rio u segu n d o a caregoria social e o
grupo étnico. N as zonas ru rais, cm q ue a so cied ad e era m enos d iversificad a e a união
dos pobres e deserdados era m ais fo rte q u e o a n tag o n ism o das raças — aliás, menos
típicas q u e nas cidades — , h av ia u n a n im id a d e q u a n to à ação dos m issio nário s: os fiéis
se curvavam facilm en te a u m a d o u trin a q u e co n servava o asp ecto cen tral de sua devo­
ção e não entrava em cho que com sua p ró p ria re lig io sid a d e, cen trad a no sofrimento,
na p en itên cia e na espera de u m a v id a m elh o r. N o coração desses ho m ens e mulheres
em brenhados no m ato , a conversão so lic itad a não era u m a nova opção pelo Evange­
lho. Era som ente um m elh o r ap ro fu n d am en to d a fé, através d a p rárica m ais freqüente
dos sacram entos e da assim ilação d e novas devoções. Logo, essa evangelização deixava
a porta aberta para novas sín teses, fazendo co existir h arm o n io sam en te o antigo e o
novo. É d ifícil ju lg a r o grau de conversão das po pu laçõ es ru rais à d o u trin a e às práticas
de um a Igreja ro m an izad a, so b retu do se levarm os em co n ta q u e a presença de um
clérigo era episódica e q ue as m issões não se rep etiam com freqüência.
N a cidade a situ ação era co m p letam en te d iferen te. A estrarificaçao social e a
diversidade racial eram m ais claras, crian d o um am b ien te em que a adesão complem
podia conviver até com u m a séria oposição às novas orientações da Igreja. O papel do
clero secular era fu n d am en tal. Os padres encarregados das paróquias de Salvador
faziam parte da elite da diocese. Por volta do fim do século, os que haviam estudado
nos sem inários tinham um a form ação teológica m ais sólida, aceitando seguir o modelo
rom ano depurado das dou trinas heterodoxas. M as seu apostolado só atin gia um nu­
mero lim itado de paroquianos, entre os quais os poucos que pertenciam às novas
congregações leigas. Bem enquadrados pelo clero, esses privilegiados tinham acesso a
um a instrução religiosa con tínua, assim com o à prárica dos sacram entos.
Apesar dos esforços da hierarquia para separar o espiritual e o tem poral e para
transform ar o padre, antes de m aís nada, em diretor de consciências, a ação deste era
obstruída pela subm issão à autoridade do Estado. Funcionário, ele precisava m a n t e r a
o r d « n p u b lica. C o lo c a d a cm PosWao ,n ,e rn ,e d iá ria em re , popul Jo c
rc hgiao d evia ler co m o o h . c v o co n g reg ar c id ad ã o , . fo rialecer l.,ços dc fracernid d
c h arm o nia. d o S q u ais d ep en d ia a P.u social. Segu n d o o arcebispo dom M anoel I
da S ilv e ,r ., "o d e m o do pos o d ep en d e dos bons padres c|ue. convencidos de su , T n u
rmssão. d o m in am os o b s.ae u lo s e l.u e m do p ü lp iu , o b.eal coridiano de d ifu iío das
verdades etern as d a re i,g iao. e o n ,b ate n d o os erros e exortando á prárica das virtudes
do amor ao tra balho e do respeito de todos os direitos e deveres" Vl Discursos c '
esse mostram o q u a n t o era difícil separar ação espiritual e ação le m p o r T Era uma
situação am bígu a, que ob rigava a Igreja a pregar um evangelho de resignação e aceitação
A adesão às refo rm as era, co m o v im o s, sobretudo fem in ina. Em Salvador, não
havia e q u iv alen te m a sc u lin o p ara as associações e in stituto s fundados na segunda
m etade do século X IX . A S o cied ad e das D am as de C arid ad e reunia m ulheres de
cam adas elevadas d a so cied ad e lo c a l, já q ue seus m em bros eram recrurados entre ricos
proprietários de terra, gran d es co m ercian tes, p ro fissio nais liberais e altos funcionários.
Essas m u lh eres eram p recio sas a u x ilía res das Irm ãs de São V icente de Paula, que
d irigiam a m aio r p arte das obras carid o sas fem in in as da cidade, No âm biro da paró­
quia, elas co lab o rav am tam b ém com o clero secu lar, do q ual recebiam catecism o e
instrução relig io sa, p a rtic ip a n d o das celeb raçõ es lirú rgicas e dos atos de devoção. Mas
sua presença e a in flu ê n c ia sobre as o u tras m u lh eres se lim itav am sobretudo às paró­
quias do C en tro d a cid ad e (São P edro, S a n ta n a e C o n ceição da Praia). Era impensável
que elas socorressem pessoas nas p aró q u ias m ais afastadas e m ais populares.
Q uan tas eram essas m u lh eres? D u ran re a célebre Q uestão dos Bispos, 2.051 delas
— “dam as de a lta po sição e das m ais d is tin ta s ” — assinaram a representação enviada
à im peratriz T eresa C ris tin a em favor dos bispos condenados. N um a população femi­
nina livre de 4 5 .1 1 8 pessoas (segun d o o recenseam en to de 1872), esse número repre­
sentava 4 ,5 % . É im po ssível sab er se as m u lh eres cató licas da Bahia chegaram a ultra­
passar esse p ercen tu al. M as, sem d ú v id a, as q u e assinaram na condição de ‘católicas
seguiam as novas o rien taçõ es d a Igreja e tin h am um a posição social que lhes perm itia
exercer grande in flu ên cia. R estaria saber se essa adesão cra consciente e sincera.
A A ssociação C a tó lica estava cm mãos m asculinas. Seus membros fizeram um
m anifesto sem elh an te ao das dam as, mas colheram apenas 71 assinaturas (0,1 á> da
população m ascu lin a livre da cidade, ain d a segundo o recenseam ento de 1872). o
que m ostra a pequena in flu en cia da Igreja entre os homens da alta sociedade. Iara
eles, religião cra ‘coisa dc m u lh er'. Alem disso, era m uito forte a atração exercida por
outras correntes de pensam ento que estavam na m oda. H avia, aliás, a convicção e
que a europeização do Brasil passava pela adesão da elite aos princípios e con u
propostos por essas novas filosofias. As lojas rnaçõnícas também desempen^
im portante papel, e os hom ens controlavam confrarias religiosas cuja ç
cobiçada pela Igreja hierárquica. Nesses meios, as posições variavam da mdiferenç ,
que „e exp rim i, por ..i.u d c . convencionais e pcl, tolerância à -
ção. como , exercida por Rui Barbosa. Em 1 8 7 1 . o editor da Chron,'* « *
B a h ia , S é c u l o XIX

queixava dessas elites: “Sc o d in h eiro sem pre afastou D eus do coração do rico, hoje é
o Poder que causa essa ru p tu ra. O rico, o alto fu n cio n ário , o Poderoso têm vergonha
de ir à Igreja c a d esd en h am .”51
O cato licism o oficial era um a religião e litista e d irig id a a um a m aioria feminina.
As reform as realizadas pela Igreja p en etraram pouco nas cam adas populares. A grande
m aio ria do povo co n tin u o u en treg u e a si p ró p ria, viv en cian d o u m a religião em que a
prática das devoções so b rep ujava a dos sacram en tos. T alvez a m aio ria do “povo sim­
ples" _ segundo a expressão de frei H u g o F ragoso 52 — ain d a estivesse enquadrada
pelas an tigas irm an d ad es. V im o s q u e estas h aviam m udado de figura, perdendo grande
parte de sua função social com o associações de a ju d a m ú tu a e passando a ser dirigidas
pelo clero p aro q u ial. M as, ain d a u m a vez, é d ifíc il av aliar o apostolado desse clero nos
m eios populares. A crescento, para term in a r, q u e a gran d e m assa nunca ficou indife­
rente e que sua fé na Igreja p erm an eceu v iv a, m esm o que nem sem pre compreendesse
o sentido das novas orien taçõ es e o afastam en to de um clero que, outrora, comparti­
lhava de form a m ais p ró xim a suas alegrias e agruras co tid ian as.
<: A í' f I U J . O 23

T em plo s, M e sq u it as e T e r r e ir o s:
R e l ig iõ e s C o n co rren tes?

A a titu d e re lig io s a d o p o v o a p re s e n ta v a u m a a p a re n te u n a n im id a d e . M as, dentro dela,


a firm a v a -se u m a te n d ê n c ia à d ife re n ç a , re la c io n a d a so b retu d o com os cultos afro-
b rasile iro s q u e s e m p re fo ram p ra tic a d o s p elas c o m u n id a d e s n egras. A no vidade era a
p o ss ib ilid a d e d e fa z er c e le b ra ç õ e s p ú b lic a s d essas p rá tic a s o u tro ra d issim u lad as (no
p assad o , a té irm a n d a d e s re lig io sa s serv iam de lu g a r de en co n tro p ara os adeptos dos
c u lto s). Essa te n d ê n c ia à d ife re n ç a sc a firm o u c la ra m e n te em 1 8 3 5 , q u an d o negros
a lfo rria d o s e escrav o s — to d o s m u ç u lm a n o s — p a rtic ip a ra m , em S alv ad o r, da Revolta
dos M a le s. N a s e g u n d a p a rte d o sé c u lo X IX , tam b ém os p ro testan tes com eçaram a
a n g a ria r a d e p to s. Q u e in f lu ê n c ia essas o u tra s p rá tic a s relig io sas exerceram ? C o n segu i­
ram q u e b ra r o m o n o p ó lio d a Ig reja C a tó lic a ? Em q u e cam ad as sociais eram recrutados
seus se g u id o res?
O a rtig o 5 d a C o n s titu iç ã o dc 1 H24 g a ra n tia lib e rd a d e dc c u lto aos cidadãos
b rasile iro s. N ín g u é m p o d ia ser p e rse g u id o p o r razões religio sas. M as Havia restrições,
co m o a e x ig ê n c ia dc re sp e ito ao E stado e à m o ral p ú b lic a , prevista no artig o 179, que
en sejavam to d o tip o d e in te rv e n ç ã o e rep ressão . A lei não in d icava claram en te o que
en ren d ía p o r “ resp eito ao E stad o ” c “ofensa à m oral p ú b lic a , d eixan d o a interpretação
ao ju lg a m e n to su b jetiv o d a a d m in istra ç ã o p o lic ia l.
A Igreja C a tó lic a p arccc te r to lerad o m elh o r os cu lto s a f r o -brasileiro s q u e a pene
tração do p ro te sta n tism o . Ela e n te n d ia os p rim eiro s com o expressão lúdica, c não
p ro p riam en te re lig io sa , dc um c o n ju n to de sup erstições c dc n u g ía s próprias às socie
dades p rim itiv as. D o tad a dc lo n ga p rática dc conversão dc pagãos, a Igreja se sentia
p erfeitam en te cap az de levar a cab o a m issão dc extirp ar essas falsas crenças os negr ,
teo ricam en te cristão s c cató lico s. Só depo is da A b o lição da escravidão c a pass
co n sid erar perigosos os cu lto s a n ím ista s, q u e an gariaram num erosos a cptos ent
população p o b re, ago ra co m p letam en te m istu rad a com ex-escravos.

415
B ahia . S f c u o XIX

N o in íc io , a Igreja C a tó lic a se m o stro u ig u a lm e n te to le ra n te com o protestantis­


m o , n u m a p o stu ra típ ic a dc q u em n u n ca tivera q u e se d efen d er d o ata q u e de outras
religiõ es reco n h ecid as. M as. q u a n d o as igrejas p ro testa n tes sc estab eleceram de fat0 no
B rasil — a parxir d a segu n d a m etad e d o sécu lo XIX — . a h ie ra rq u ia cató lica endureceu
sua po sição, q u e gan h o u ares d c h o stilid a d e . C o n tra ria m e n te aos cu lto s afro-brasilei­
ros. o p ro testan tism o o ferecia à p o p u lação o u tro c a m in h o de salvação cristã, com
d o u trin a c p rática atraen tes. A lém d isso , q u a n d o n ecessário , cra fácil ‘provar que os
ad ep tos dos cu lto s afro -b rasilcíro s o fen d ia m a m o ral p ú b lic a , m as o m esm o não a c o n ­
tecia em relação aos p ro testan tes.
Entre o p ro testan tism o c os cu lto s a fro -b rasile iro s h a v ia u m a d iferen ça f u n d a m e n ­
tal: no p rim eiro caso, a co n versão à no va fé e x ig ia o a b a n d o n o de crenças e práticas
an tigas, en q u an to no seg u n d o , n ão .‘ A pessoa p o d ia m a n te r-se lig a d a ao catolicism o,
in clu siv e receben do os sacram en to s (b a tism o , p rim e ira c o m u n h ã o e en terro ), expres­
são m aior da v in c u ía ç ão à Igreja. Essas d iferen ças rcsu lta v a m de esco lh as estratégicas,
co n d icio n ad as por dois fatores: a o rig em e lu g ar de cad a u m a dessas d u as religiões e os
grup os sociais em q u e se d esen v o lv eram .
O p ro testan tism o era u m a relig iã o cristã , de b ran co s, d o m in a n te em países da
E uropa e d a A m érica do N o rte, o n d e d era provas d c d in a m ism o c de resistência.
T in h a , pois, tan to p restíg io q u a n to o c a to lic ism o . O m issio n ário protestante que
vinha atu ar no Brasil rep resen tava a m esm a c iv iliz açã o ju d a ic o c r is t ã do m issionário
c ap u ch in h o ou lazarista e p ro p u n h a um m o d elo dc fé e d c v id a com obrigações
eq uivalen tes às do cato licism o . O s cu lto s a fro -b rasileiro s, ao co n trário , eram conside­
rados fetichiscas, pagãos, d irig id o s por escravos, ex-cscravos ou seus descendentes.
O riun d o s de terras lo n g ín q u as e ‘selv ag en s’ , seu p restíg io derivava m u ito mais de
p ráticas m ágicas, ligad as às soluções de p ro b lem as da v id a , do q ue de um m odelo de fé.
Dois elem ento s — um espacial c um tem p o ral — co n d icio n aram o desenvolvi­
m ento dos cultos afro -b rasileiro s. N as cid ad es, os escravos estavarn m ais distantes da
Igreja do que no carnpo, onde o sen h o r fiscalizava para q u e todos cum prissem os
deveres religiosos, participassem das celebrações e tivessem um a sep u ltu ra cristã. Por
outro lad o , o controle q ue a Igreja exercia sobre os escravos d im in u iu sensivelmente,
acom panhando a gradual extin ção das irm an d ad es. Escravos c alforriados tiveram,
então, possibilidade dc volrar à religião dc seus antepassado s. Esta tendência acentuou
sc ainda m ais com a A bolição da escravatura c a separação en tre Igreja c Estado.
N o B rasil, re lig iõ e s a fr ic a n a s e p r o t e s t a n t is m o sc d e s e n v o lv e r a m cm áreas difc
ren tes: as p r im e ira s sc p r o p a g a r a m s o b r e t u d o nas c id a d e s cm q u e havia p red o m ín io
d a p o p u la ç ã o n egra; o s e g u n d o e sta b e le c e u su as p r im e ir a s igrejas nos cam pos do
Sul d o país, M a s a m b a s as re lig iõ e s re c ru ta v a m seus m e m b ro s no m esm o m eio so
c ia i, c o n s titu íd o dc g e n te p o b re . N o caso do c a n d o m b lé , p a re ce n a tu ra l a adesão de
escravos, alfo rria d o s e pessoas q u e e x e r c ia m o fício s h u m ild e s c precários, vivendo
q u ase c o m o in d ig e n te s , m as ch eio s dc e sp írito d c in d e p e n d ê n c ia (isso não im pedia
q u e os chefes e s p iritu a is d as casas dc c a n d o m b lé a d m in istr a ss e m p e q u e n a s fortunas,
L iv r o V- A I greia

4 “ * • . -v . « * . * . „ h _

M as esse tip o de ^ r m a m e n t o soa p arad o x al no caso de u m a religião em que a


le itu ra c o c o m e n ta r,o d a B ib lu d e sem p e n h a m p ap el essencial e o discurso é m ü ro
maus im p o rta n te q u e o g e s to .’ Q u e m era o h o m em do cam p o ad ep to do protestan is
m E" f:OS! Clr° “ T T " 7 a p e q u cn a Pr« P ™ d a d e ced id a pelo an tigo dono oú
era tra b a lh a d o r ru ra l ta m b e m d o ta d o de e sp írito in d e p e n d e n te .’ Essas com unidades
a g ríc o las se c a ra c te riz a v a m p e la p r o x im id a d e esp acial dos seus in tegran tes e pelo espí
rito d e a u x ílio m ú tu o , q u e se m a n ife sta v a em m u tirõ es (co m o , por exem plo para a
co n stru ç ão d e c a m in h o s v ic in a is ).6 O s laço s estab elecid o s po r esse trabalh o co m u n itá­
rio eram fo rta le c id o s p o r laço s d e p a re n te sc o , p erm ead o s p o r um a m estiçagem sobre­
tu d o e n tre b ra n c o e ín d io , e p e la p a rtic ip a ç ã o em celeb raçõ es religio sas e profanas.

O P r o t e s t a n t is m o na B a h ia

A m en sa g e m p ro te sta n te d e sa lv a ç ã o d irig ia -s e a pessoas cató licas, ju rid icam en te livres,


que g e ra lm e n te v iv ia m no c am p o e não eram in stru íd a s na d o u trin a, lim itação que não
p o d ia ser s u p e ra d a p elas p reg aç õ e s dos m issio n ário s. O s h ab itan tes do in terio r viviam
em ín tim a re laç ã o co m os san to s d e s u a devo ção , ex p erim en tan d o um a religião difusa,
nao s iste m a tiz a d a e, p o rta n to , m u ito v u ln e rá v e l. A au sên cia de sacerdotes fazia com
que leigo s a ssu m isse m a d ire ç ão das p ráticas religio sas co m u n itárias.
O c u n h o m ís tic o e m e ssiâ n ic o d a re lig io sid a d e p o p u lar in citava oshom ens a
p ro cu rar u m a e s p iritu a lid a d e m a is a u tê n tic a , q ue nao podiam encontrar na religião
o fic ia l.7 Em p á g in as q u e se to rn a ra m céleb res, E m ile L éonard com parou as condições
existen tes no B rasil em m ead o s d o sécu lo X IX às d a E uropa do século XVI, explican­
do o a p arec im e n to do p ro te sta n tism o no co n texto de um desejo de autonom ia das
igrejas n a c io n ais, d e fa lta de p restíg io do clero cató lico , de esgotam ento da Igreja
K om ana com o in s titu iç ã o , d a p ro liferação de devoções populares e de um certo mte
resse pela le itu ra d a B íb lia .8 É ev id en te q u e essas condições existiam e se aplicavam
ao co n ju n to da p o p u lação c ató lica. M as não exp licam a grande rcccpth idade ao p
textantism o, d em o n strad a por um m undo rural que, no século XIX, se mostrou p
para aco lher essa nova m en sagem . A ntes, houvera tentativas fru strad as, c P
testantex franceses dc V il lc g a ig n o n (século XVI) e os holandeses de M a u r íc io e
(s é c u lo X V I I ). .
N o s é c u lo X IX , os p r im e ir o s a c h e g a r fo ram os m e to d is ta s a m e ric an o s, q u e p
c o rr e r a m o p a ís d i s t r i b u i n d o B íb lia s, a t it u d e a té e n tã o in é d ita . M a s esta co - m a_
m a is ta r d e v ir ia a d e s e m p e n h a r im p o r t a n t e p a p e l, só se e stab elec e u e m a n e p
nente a partir de 18 76 . O . congrcgadonistas chegaram em 1855, vmdos da ha d
M a d e i r a , de onde haviam sido expulsos. Tinham a v a n r a g e m de falar por ug ,
s u a ação direra foi pouco expressiva, resultando na fimdação de duas igre,as. uma em
4i* Baml*. S f o i o XIX

P etrôp olw (R J) e o u tra cm P ern am b u co . Em co m p en sação , sua C o l e i à f d e


htnoí da religião reform ada foi m u ito u tiliz a d a pelas o u tras confissões p r o t e s t a n t e s Q
batistas se in stalaram cm S an ta B árb ara ( S P ) cm 1 8 7 1 c, d e z anos d e p o i s , n a Bah'
o n d e a p rim eira igreja dessa co rren te foi fu n d ad a pelo pastor Richard R ard iff com
co lab o ração d c um a n tig o padre, .A ntônio le ix e ir a . O s ep isco p alian o s c h e g a r a m em
P orto AJc^re cm 18SV>. ano d a P ro clam ação d a R epública.'*
E ntre as diversas con fissõ es p ro testan tes q u e ten taram estabelecer-se no Brasil
o b tiveram m aio r sucesso os p resb iteria n o s, o riu n d o s dos Estados U nidos. Em I859
estab eieccram -se no R io de Ja n e iro c, cm se g u id a , em São P aulo, de onde foram para
B rotas e C a m p in as, no in terio r. E ntre 1 8 5 0 e 1 8 5 9 , fu n d aram cerca de c i n q ü e n t a
igrejas, q u a tro p resb itério s, u m se m in á rio , d o is co légio s e num erosos jornais. Em
1873» dois d eies foram en v iad o s a R ecife, sem p re seg u in d o u m a estratégia inteligente
q ue se ad ap tava p e rfe itam e n te à re a lid a d e só cio -eco n ò m ica do país. N um primeiro
m o vim ento , a p rim az ia de sua ação c a b ia ao in te rio r, o n d e o cu p avam o espaço deixado
livre pela Igreja C a tó lic a . E ram p eq u en as as p o ssib ilid a d es de um proselitism o eficaz
nas cid ad es, onde o c a to lic ism o o ficial estava so lid am e n te estab elecid o e, nas camadas
m ais abastadas e cu ltas, não h av ia h o m en s d isp o n ív eis p ara a conversão — embora
houvesse sim p atiz an tes, co m o T av ares B astos c R ui B arbosa.
Assim q u e ch eg av am , os p resb ite ria n o s fo rm avam pastores b rasileiro s, entre os
q u ais algun s an tigo s padres, co m o Jo sc M an o el d a C o n ceição , q ue abandonou as
ordens em 1864 p ara co n v erter-se ao p ro testan tism o . Su a h istó ria é interessante.
S egu nd o seu p ró p rio testem u n h o , aos dezessete anos leu a B íb lia e com eçou a ter as
prim eiras d ú v id as sobre o c a to lic ism o . Em se g u id a , teve con tato s com engenheiros e
técnicos ingleses, d in a m arq u e se s e alem ães q u e trab alh av am na fundição dc ferro dc
Ipanem a, perto de S o ro cab a, c q ue o in ic ia ra m na teo lo gia pro testan te. M esm o assim,
entrou no sem in ário , recebeu as o rd en s e foi en v iad o para o in terio r. Em Brotas, seu
ú ltim o posto, en sin ava a seus p a ro q u ian o s q u e a B íb lia era a palavra de Deus, que as
im agens dos san to s não eram sagrad as e q u e p o diam confessar-sc d iretam en te a Deus,
sem in term ed iação , o que lhe v aleu o ap elid o d e “padre p ro testan te”. C o n v e r tid o c
batizado (stei), foi feito pastor, no R io , pelo reverendo A.E. B lackfórd, voltando cru
segu id a à an tiga p aró q u ia de B rotas, onde co n tin u o u seu m inistério. Homem de
caráter som brio, viveu com rem orso dc haver sido padre, ter idolatrado a hóstia c as
im agens dos santos c ter in d u zid o seus paroquiano s a erro. Passou o resto da vida
percorrendo as paróquias onde h avia sido vigário , evangelizando c tentando converter
suas antigas o v elh as.Iff
A instalação de m issionários protestantes era geralm en te seguida pela fundação c
escolas ligadas a esses cultos. A lfabetizar a população — principalm ente no campo
era torná-la capa/, de coiivcricr-.sc, O pastor sc t r a n s f o r m a v a cm professor primário,
papel tam bém desem penhado por outras pessoas da com unidade, e s p e c ia lm e n te mu
lh eres.11 M u i t a s educadoras am ericanas chegaram nas três últim as décadas do secu o,
introduzindo novos m étodos pedagógicos com o, por exem plo, a leitura silêncios
L iv ro V- A I g r e ja
419

l n sist.a-se s o b re tu d o n a le .tu r a e c o m e n tá rio d a B íb lia, na sign ificação dos Dez M an


d am en to s e n o c a n to de h .n o s e c â n tic o s. M a is tard e, nos colégios A n d ad o s em sTõ
Paulo, co m o o M a c k c n z .e , cad a vez m ais freq ü en tad o pelos filhos da bu m u esia nas
sou-se a e n s .n a t 1, te ta ,u r a , c iê n c ia s, p o esia (em p o rtu g u ês, francês e inglês) m ú s k a t
g in ástic a. Em o p o s.ç ã o ao e n s in o c a tó lic o , cen trad o no la tim e na h istó ria sagrada
íàziam -se tra b a lh o s m a n u a is , c o n sid e ra d o s n ecessário s para a form ação de jovens d is­
cip lin ad o s. e n é rg ic o s , resp o n sáv eis e a m a n te s d a o rd em . A ed u cação proposta por esses
colégios à b u rg u e s ia d as c id a d e s re p ro d u z ia , em certa m ed id a, os m odelos da ideolo gia
n o rte -a m e ric a n a , b a sea d a em in d iv id u a lis m o , lib e ra lism o e p ragm atism o ,12 N o cam ­
po, a in stru ç ã o p e rm a n e c ia e le m e n ta r e m en o s so fisticad a, m as não deixava de trans­
m itir a lg u m sab er às p o p u la ç õ e s a tin g id a s.
O esforço n ão era d e sin te re ssa d o . O p ro testa n tism o é um cu lto de alfabetizados e
só pode ser c o n d u z id o de m a n e ira e fic ie n te se os fiéis forem capazes de p articip ar das
leituras sag rad a s, c o m p re e n d e n d o os c o m e n tário s feitos sobre a palavra divin a e can­
tando h in o s. O s no vo s c a m in h o s de salv ação d e p e n d iam de um m ín im o de conheci­
m entos, no p la n o h u m a n o e d o u trin a i. T ra ta -se , ad em ais, de u m a religião extrem a­
m ente in d iv id u a lis ta , já q u e o liv re ex am e de co n sciên cia exige que o crente tenha
acesso d ire to ao tex to sa g ra d o . Essa relação d ire ta com a p alav ra de D eus, sem passar
por u m in te r m e d iá rio — o p a sto r só está p resen te p ara a ju d a r a com p reender e não
para se im p o r co m o d e p o sitá rio d a ú n ic a v erd ad e — , exerceu grande atração sobre
um a p o p u laç ão a c o s tu m a d a a m a n te r relações ín tim a s e in d iv id u ais com o sagrado.
Por o u tro la d o , a m e n sa g e m p ro testa n te d á ênfase à lib erd ad e in d iv id u al (somos
livres para a c e ita r o u recu sa r a salv ação ) e faz u m a p regação ig u alitá ria, já que todos os
hom ens são ig u a is no q u e d iz resp eito à u n iv ersa lid a d e do pecado. Liberdade individual
c ig u ald ad e eram fato res q u e co n co rd av am p erfeitam en te com o espirito independente
desse povo, a q u e m se e n sin a ra q u e a salvação era o b tid a pela feitura de obras piedosas
(e não p ela fé e p ela graça) e q u e d ep en d ia d a m ediação d a Igrèja (e não de uma decisão
in d iv id u a l). O c a to lic ism o ap resen tav a o m u n d o com o o reino do m al, o que exigia
sofrim ento dos ho m ens q ue q u eriam chegar à T erra Prom etida. Em oposição a essa visão
m an iq u eísta, o p ro testa n tism o p ro p u n h a o u tra im agem : na o rigem , o mal não existia e
o mundo era bom . D ep o is, esse m esm o m undo se tornou desordenado, mas vai vo ta
a ser bom . T rês épocas, a ú ltim a das q u ais colocada fora do tem po e da istór
“O m u n d o p ro testan te é um m undo d u al, mas igualm en te um tempo duaf: remp
sacro c tem po profano. O fiel vive sua fc em atos que se realizam no t e r n a s
devoções não estão lig ad as ao espaço: q u alq u er lugar é adequa o e sagra ° P a
j . 1 1 i„ t r da ética dos mneis, os atos
devoções pessoais ou co letivas. N egando o valor d ^ ^ fid q
e a ética p rotestantes constroem um outro tem po, que q ^ ^ ^ felicidade eterna
tem po atem p oral e a-h istó n co do futuro tam bém e ’P âo da realidade, a
ou do sofrim ento e te rn o ." 13 C o m o consequenc.a ^ espiHtuais e pragm áticas —
m ensagem protestante oferecia aos fiéis norm as de vi P
que os orien tavam de m aneira segura.
420 B a h ia , S é c u lo XIX

A p esar d a s im p lic id a d e dessa m en sag em , do fato de o c u lto a ela associado não


ex ig ir gastos m a teria is p a ra os fiéis, d a a titu d e to le ra n te d a Igreja C a tó lic a e da in­
d iferen ça b en ev o len te das elites, a p en etraçã o p ro testa n te no B rasil p erm aneceu pe­
q u e n a até o fim d o sécu lo X IX : a Igreja P re sb ite ria n a , m ais exito sa, só tin h a 2.947
co m u n g an tes em 1 8 9 1 .15 Esse re lativ o in su cesso p o d e ser fa c ilm e n te explicad o. No
p ró p rio seio das ig reja s h o u v e u m a ên fase excessiva n o asp ecto in stitu c io n a l, com
rigo rosos ritu ais d e ad m issão e co m im p o siç ã o de u m a severa d is c ip lin a q u e, às ve­
zes, e x ig ia in c lu siv e o ro m p im e n to dos laço s de fa m ília . A lém disso, a p rática pro­
testan te era m u ito in te le c tu a l, ra c io n a l e d iscu rsiv a p a ra u m a p o p u lação ignorante e
a n alfab eta.
O p ro te sta n tism o a p resen to u -se co m o u m a c o n tra c u ltu ra q u e e x ig ia com porta­
m ento s ra d ic a lm e n te d ife re n te s dos h a b itu a is . Essas ex ig ê n c ias afastav am a m aio r parte
dos sim p a tiz an te s e p ro v o cav am reaçõ es em to d a a so cied ad e, c o n trib u in d o para segre­
g a r os p ro testan tes, afastad o s d e u m a c o n v iv ê n c ia c o tid ia n a b asead a nas relações do
trab alh o , n a celeb ração das festas e em o u tro s ev en to s c o m u n itá rio s q u e ocupavam o
cen tro das relaçõ es so ciais en tre os h u m ild e s.
O p o n d o -se às festas do c a to lic ism o e c o n sid e ra n d o o tem p o com o inteiram ente
sacro, a m en sagem p ro testan te c o n tin h a u m a é tic a co m n o rm as rigo rosas e um modo
d e v id a b aseado n a esp eran ça e n a recu sa, q u e e x ig ia d is tâ n c ia em relação ao m undo
e isolava os fiéis em gru p o s fech ad o s. P a ra os cató lico s, os p ro testan tes eram os ‘ou­
tros’ , os q u e v in h a m de fo ra, os q u e v iv ia m à m a rg e m . U m s itia n te de M in a s Gerais
estab eleceu , p a ra seus irm ão s d e fé, as se g u in te s R eco m en d a ções, q u e servem de exemplo
das no rm as de v id a dos cren tes: n ão p erm an e c e r ocio so , nem m esm o u m a hora por
sem an a; m an ter lim p a a casa, m esm o q u e seja u m a tap era; não m en tir; não fazer
d ívid as; não ficar triste; a tra ir os p ecad o res p a ra os pés d e Jesu s; p agar impostos,
m esm o q ue pesados; não a n d a r arm ad o q u an d o for ao c u lto .16
T ratava-se, com o se vê, de u m a relig iã o severa e co ercitiv a, q u e transtornava os
valores trad icio n ais. Por isso, no sécu lo X IX o p ro testan tism o não teve nenhum suces­
so na B ahia. N um erosos m issio n ário s p ro testan tes te n ta ram fixar-se em Salvador: em
1871, o arcebispo do m M an o el Jo a q u im d a S ilv e ira d en u n cio u “a au d ácia de certas
m issões estrangeiras que, nesta cid ad e, ousam q u erer ab alar nossa fé! O Senhor me
aju d ará, e meus escrito s, q u e foram ap reciad o s pela E uropa cu lta, expulsarão daqui os
pregadores do erro que, segu n d o fui in fo rm ad o , nao desejavam ab alar som ente nossa
fé, mas igu alm en te nossa a u to n o m ia ”. 17 A vigoro sa intervenção do arcebispo mostra
que a B ahia nao escapara do proselitism o protestante. Só dez anos depois, entretanto,
o m issio nário b atista am erican o W illia m B. B agby escolheu a B ahia como base
m issionária de sua ig re ja : em 1 5 de outubro de 1882, ju n to com o ex-padre Antonio
T eixeira, fundou em terra b aian a a prim eira Igreja B atista nacional, com cinco mem­
bros, quatro am ericanos e um b rasileiro .1*1 D epois de enfrentar sérias dificuldades
iniciais, ela com eçou verdadeiram ente a se desenvolver no século XX, com base num
recrutam ento concentrado nas cam adas p o p u lares,19 No século XIX, o protestantism o
L iv ro V- A I g re ja
421

não c o n se g u iu fazer c o n c o rrê n c ia à Ig re ja C a tó lic a , tam p o u co arran car os baianos do


seu p ro fu n d o ap eg o a to d as as m an ifestaçõ es de seu cu lto .

O C a t o l ic is m o d o s A f r ic a n o s

Os african o s trazid o s p a ra o B rasil, e sp e c ialm e n te p a ra a B ah ia, trouxeram consigo


o cu lto a n im is ta e o m u ç u lm a n o . C o n sta n te m e n te reelab o rad o e ad ap tad o às con d i­
ções im p o stas p e la s o c ie d a d e b ra n c a , o p rim e iro resistiu v ito rio sam en te ao tem po,
ao passo q u e o se g u n d o d e sa p a re c e u . P a ra co m p reen d er o p ap el desem penhado por
essas duas re lig iõ e s, d evo situ á -la s no co n tex to d a época. P rim eira p ergun ta: em al­
gu m m o m en to , no sé cu lo X IX , a Ig re ja m o d ifico u su a a titu d e em relação à cristia-
nização dos n eg ro s tra z id o s d a Á frica? D u ra n te o p erío d o co lo n ial, a instrução reli­
giosa dos escravos fix ad o s no cam p o estav a nas m ãos de ricos pro p rietário s agrícolas.
E stabelecera-se u m a lo n g a tra d iç ã o de cato lic ism o d o m éstico , em que a catequese
dos negros era c o n fia d a ao sen h o r, q u e p o r isso se to rn ara o p rin cip al alvo da pas­
toral d e sen v o lv id a p e la Ig re ja . Em n o m e d a carid a d e cristã e do san gue de Cristo,
d erram ad o p a ra a salv ação d e sen h o res e escravos, a Igreja p ed ia aos prim eiros que
a escravid ão fosse s u a v iz a d a ; aos seg u n d o s, reco m en d av a o b ed iên cia e subm issão .20
N ão é po ssível sab er de q u e m a n e ira os sen h o res, p o uco in stru íd o s em m atéria de
d o u trin a, levavam s u a m issão a bo m term o ; nem todas as fazendas e engenhos dis­
p u n h am dos serviços de u m cap elão , p ad re d o m éstico que, com o vim os, desapare­
ceu g ra d a tiv a m e n te no d ec o rre r do sécu lo X IX . N o p erío d o co lo n ial, apenas os
grandes e n g en h o s, co m m aís de cem escravos, p o d iam p erm itir-se o luxo de ter um
capelão. H a v ia , no e n ta n to , no R ecô n cavo b aian o e em u m a p arte do Agreste que
estava p ró x im o , n u m ero sas fazen das de can a-d e-açú car ou de tabaco que emprega­
vam dez ou v in te escravos c u ja in stru ção religio sa d ep en d ia essencialm ente dos se
nhores; m as a p rátic a dos sacram en to s era atrib u ição do padre da paróquia, cuja
sede podia ser d ista n te das fazen das, p rin cip alm en te no interio r. ^
E m 1 8 7 8 , o e n g e n h e i r o a l e m ã o J u l i u s N a e h r e r , lig a d o à f a m ília do B arao Ferreira
B a n d e ir a , p a s s o u v á r io s m e se s n o e n g e n h o de s e u c u n h a d o , n o d is trito de
A m a ro , d e ix a n d o u m a d e s c r iç ã o d e t a l h a d a d as a t iv id a d e s e d os h a b ita n te s lo cais, as
c o m o d a v iz in h a n ç a . A c a p e la , s e g u n d o e le , era o m a is belo o r n a m e n to o g
m a s só se c e le b r a v a m m is s a s q u a n d o h a v ia b a tiz a d o s, c asa m e n to s, ente
no va c o lh e i t a .21 P o r c o n s e g u i n t e , n e n h u m c a p e lã o re sid ia no loc , em o ,,,
de u m e n g e n h o c o m m a is de d u z e n to s escravo s, 3 5 dos q u a is nasci ^
e n v o lv id o s e m se rv iç o s p a ra a f a m ília do se n h o r, q u e tin h a fora
O c a p c la o , q u e p o u c o te m p o a n te s d e s e m p e n h a v a p P _v;)m línguas
, ■ l a u e en sin avam lín guas,
s u b s titu íd o p o r g o v e r n a n ta s e stra n g e ira s , s o b re tu d > ^ A ntes, o capelão-
boas m a n e ir a s , m ú s i c a » e talv ez re h g iã o , m as só a fam i Ia sobretudo à
p recep to r se d ir ig ia se m d if ic u ld a d e s a u m a p arte d a co m
q u e v iv ia na in tim id a d e do se n h o r.2'4 M as as sen h o ras dos en gen h o s estavam cada v
m enos interessadas na v id a dos filhos d e seus escravos: "A té en tão , a função principal
das senhoras das p lan taçõ es era d e sc co n sag rar c o tid ia n a m c n tc ao desenvolvimento
m atéria! (sic) dessas crian ças, para a u m e n ta r o c a p ita l-tra b a lh o . M as depo is dos !irnitçS
im postos à escravid ão [trata-se d a Lei do V e n tre L ivre, de 1871] que tornam ^
crian ças d ep o is de a d u ltas h o m en s livres q u e a b an d o n am as p lan taçõ es, indo à cata de
trab alh o em o u tro lu g ar, seu c u id a d o em relação à saú d e dessas crian ças d im in u iu .”^
Esse ab an d o n o m aterial era c e rtam e n te se g u id o pelo e s p iritu a l, c o cap elão não estava
m ais presente para le m b ra r aos sen h o res os seus deveres.
Em sua n arração m in u cio sa da v id a c o tid ia n a no en g en h o , N aeh rer nunca men­
cio n o u as orações co letiv as rezadas o u tro ra na c ap ela, em to rn o do altar fam iliar. A
don a d a casa era a lem ã e o d o n o , u m c a tó lic o in d ife re n te , S e ria por isso? É pouco
provável. O v ia jan te se h o sp ed o u em v ário s en g en h o s q u e p e rte n c ia m a parentes de seu
cu n h ad o b rasileiro e n u n ca falo u a resp eito desse h á b ito a n tig o de oração coletiva.26
Em com p en sação , d escreveu m in u c io s a m e n te o co stu m e de p e d ir a b ên ção ao senhor,
tiran d o a p a rtir d a í ilaçõ es sobre a re lig io sid a d e dos escravos: “Q u an d o um servidor
en co n tra seu sen h o r, su a sen h o ra ou u m o u tro m em b ro d a fa m ília , ele lhes pede a
bênção de D eus, o lh an d o p a ra o alto e e ste n d e n d o a m ão d ire ita im p lo ran d o : ‘bênção’,
a q u e seu sen h o r resp o n d e: ‘de D e u s ’. Esse co stu m e, a n tig a m e n te , e ta geral e todo
negro p ed ia b ên ção ao b ran co . M a s, d ep o is q u e existem nu m ero so s alforriados e
hom ens de cor q u e se m o stra m m ais in so len tes q u e ed u cad o s com os brancos, esse
costum e só é p raticad o nas p la n ta ç õ e s, o n d e o sen h o r c astig a severam en te a omissão
desse pedido de b ê n ç ã o .” M e ra fo rm a lid a d e , esse p ed id o n ão tin h a m aio r valor subje­
tivo, devendo ser co n sid erad o u m a sim p les sau d ação d o servid o r ao senhor: “Pessoal­
m ente, d eixei de a tr ib u ir-lh e q u a lq u e r im p o rtâ n c ia , q u a n d o perceb i que as pretinhas
procuravam esco n d er o riso c ad a vez q u e eu a te n d ia seu p ed id o , o q ue dem onstra o
pouco valo r q u e a trib u ía m à m in h a b ê n ç ã o ...” N o B rasil, acrescen to u Naehrer, a
corrupção faz p arte das m e n ta lid ad e s d a épo ca. R aro s não são atin gid o s por cia. Como
na Europa, a religião ap arece com suas fo rm as exterio res p o rq u e falta-lh e conteúdo
in terio r”.27
Ele notou tam bém q u e, ap esar do fim do tráfico n egreiro , havia escravos apegados
a seus antigo s costum es, fo rm ando u m a espécie dc 'n a c io n a lid a d e p a rtic u la r: hles
conservam em seus costum es, no id io m a e nas características esp iritu ais, um nítido
cunho africano, que se torna p aten te nas ocasiões festivas nas plantações, quando os
q ue são o rigin ário s da Á frica scparam *sc dos outros negros para executar suas próprias
danças. Urna atna-scca, dc m ais ou m enos trin ta anos, m e disse com orgulho quÇ
nasceu na Á frica, de onde, separada dc seus pais, tinha sido trazida para o Brasi
quando crian ça. 2íf M esm o depois da abolição do tráfico, os negros africanos eram
m ajoritários nas plantações dc can a-de-açúcar. V iviam à m argem da com unidade cris
tã, que só exigia deles sinais exteriores dc unia cristianizaçao de fachada. Em contpeo
sação, os escravos n a scid o í no B rasil, sobretudo os que serviam nos trabalhos domés
L iv ro V- A ícrfia
— — :----------- . ____ _ 423

t ,c c S, tm h a m u m a tra d .ç a o m a .o r na fé c ristã e p o d iam a p rim o ri-la ju n to a seus


senhores. N a m .ssa q u e celeb rav a o in íc io d a co lh eita, os cânticos d a baronesa d
A len q u e t, m a e d o B ata o F e tre .ta B an d eira , etam segu id o s pot um coto de e s c r a ™
estavam a seu s e m ç o ; os escravos h o m en s p a rt.cip av am d a festa até altas horas d
no ite, e x e c u ta n d o d a n ç as n eg ras. }
N u m ero so s te ste m u n h o s in d ic a m q u e , no sécu lo XIX, os escravos que trabalha
vam n as p la n ta ç õ e s re c e b ia m m en o s a ten ção q u e os do m éstico s.’ 0 Essa atenção era
ain d a m en o r nas c id a d e s , o n d e era freq ü en te q u e os escravos vivessem fora d a casa do
senhor. A lem d isso , as irm a n d a d e s re lig io sa s se en fraq u eciam . E ntre os sacram entos da
Igreja C a tó lic a , só o b a tism o era la rg a m e n te p raticad o e, m esm o assim , não atin gia
todos os escravos q u e c h e g a v a m d a Á fric a . B atism o s de escravos adultos eram com uns,
ex igin d o q u e eles receb essem in stru çã o su m á ria.
As refo rm as in tro d u z id a s p ela Ig re ja não tin h am m u dado em nada o catecism o
abreviado u tiliz a d o p a ra os “escravos b o çais e de lín g u a ign o rad a, com o todos os que
vêm da [C o sta d a] M in a e de A n g o la ”. N estes casos, bastava q ue respondessem , em
po rtuguês, a u m p eq u en o q u e s tio n á rio an tes dc receber o batism o: desejas lavar tua
alm a com á g u a b en ta? Q u eres co m er o sal de D eus? Pões todos os teus pecados para
fora de su a a lm a ? N ã o p ecarás m ais? Q u eres ser filh o de D eus? Expulsas o dem ônio de
tu a alm a? E ra u m a sim p lific a ç ã o do ato de co n trição q ue as C o nstituiçõ es Prim eiras
p ro p u n h am aos escravo s: “M e u D eus e m eu Sen h o r: m eu coração só deseja a vós, só
am a a vós. C o m e ti m u ito s p ecad o s e m eu coração m e faz sofrer porque os com eti.
P erd oai-m e, S e n h o r, e n ão co m eterei m ais pecados: eu os tiro de meu coração e de
m in h a a lm a pelo a m o r de D e u s.”31
M a s , c o m o n ã o e r a c e r t o q u e o s e sc ra v o s p u d e s s e m c o m p r e e n d e r u m d ia os m is ­
térios d a fé c r is t ã -— j á q u e , a p e s a r d o s e sfo rço s p a r a in s tr u í-lo s , p a re c e q u e sabem
c a d a ve z m e n o s ” — , o a r c e b i s p o d a B a h ia p e r m i t i u q u e seus p áro co s lhes dessem os
s a c r a m e n to s d a p e n i t ê n c i a , d a e x t r e m a - u n ç ã o e d o m a t r im ô n io , além d o batism o
(q u e se u s f ilh o s r e c e b ia m n o p r i m e i r o a n o d e v id a ) . N o s b a tiz a d o s de escravos adultos,
era f r e q ü e n t e q u e e le s só c iv e sse m o p a d r in h o (às vezes, o u tr o escravo ), sendo Nossa
h e n h o ra in v o c a d a c o m o p r o t e t o r a , s u b s t it u in d o a m a d r in h a . T a lv e z os padrin o
d e s e m p e n h a s s e m a l g u m p a p e l n a c a te q u e s e , te n d o o e n c a rg o de in ic ia r seus irmãos
cativos n a no va v id a , n o v a lí n g u a e n o v a re lig iã o . Em c o m p en saç ão , o sacram
m a t r im ô n io q u a s e n u n c a e ra a d m in is t r a d o . A u n iã o co n se n su a l era a regra, apesar de
a Igreja r e c o m e n d a r f o r t e m e n t e aos se n h o re s q u e e n co rajassem e faci irass
tos e n tr e e scrav o s. . c_
~ i e W brancos, n u m sistem a so-
P a ra eles, o b a tis m o d ita v a a e n tr a d a no m u n d o r r :cr 5 n
- , . ^ c • n hos da sociedade crista o
ctal c u ja s regras d e v e r ia m scr a c e ita s. C o m efeito, ^ ^ ^
h o m e m b a tiz a d o d e ix a v a dc ser p a g ã o . N ao im p o rta v a q ^ ^ ^ d o u tr;na
vos n a sc essem , v iv essem e m o rressem sem n e n h u m con Fssa ieno-
cristã. d e sd e q u e m a n tiv e s s e m todas as ap arên cias e x ter‘° ^ ^ p e rm itiu que
râ n c ia , s o m a d a ao d e sin teresse d e m o n s tr a d o pelos sen
424 B a h ia , S é c u l o X IX

os escravos preservassem ou recriassem a v id a e s p iritu a l (a n im ista ou m uçulm ana)


h erd ad a de seus a n tep assad o s .34

O Islã na B a h ia

É provável q u e os p rim eiro s a frican o s isla m iz a d o s te n h a m ch eg ad o à B ah ia no fim do


século X V III e no p rin c íp io d o X IX . T ra ta v a -s e e sse n c ia lm e n te de negros haussas e
io ru b as (o u n ag ô s), v ítim a s de p ro b le m a s p o lític o s e relig io so s q ue devastaram seus
países. In ic ia lm e n te , o co rre ram as G u e rras Io ru b as n o su l d a N ig é ria atu al, então
im p ério d e O yo , cau sad as p e la rev o lta d o c o m a n d a n te -e m -c h e fe (are-ona-kankafo)
A fo n já co n tra a a u to rid a d e d o rei (A la fin ), A fo n já , q u e n ao era m u ç u lm a n o , aliou-se
a m u çu lm an o s io ru b as e a escrav o s h a u ssa , ta m b é m m u ç u lm a n o s. V ito rio so no início,
o cu p o u a c id ad e de Ilo rin , q u e se to rn o u u m a “v e r d a d e ira M e c a ” p a ra os iorubas. Mas,
m ais tard e, foi e lim in a d o p elo s fu las, d o c a lifa d o d e S o k o to , q u e h a v ia cham ado para
a ju d á -lo c o n tra o rei de O yo . N ú m e ro in c a lc u lá v e l d e cativ o s m u ç u lm a n o s disponíveis
p ara o tráfico do A tlâ n tic o ta m b é m re s u lto u d a j i b a d (g u e rra san ta) lan çad a pelo
refo rm ad o r m u ç u lm a n o S h e h u U s u m a n u d a n F o d io c o n tra o re g im e n ão m uçulm ano
do rei Y enfa de G o b in .35 N a B a h ia , os m u ç u lm a n o s a frican o s ficaram conhecidos
com o m alês, n o m e c u ja o rig e m d e u lu g a r a v á ria s h ip ó teses, d iscu tid as por Roger
B astíd e .36 H o je, asso cia-se a p a la v ra m a lê a im a lê , te rm o io ru b a p a ra d esig n ar o Islã ou
o m u ç u lm a n o .37
O islam ism o n u n c a fo i p re d o m in a n te e n tre os a frican o s trazid o s à B ahia. Os
haussas eram o ú n ico g ru p o é tn ic o cu jo s m e m b ro s, n a o rig e m , professavam majori-
tariam en te esse cred o . T a lv ez os n u p e s (c o n h e c id o s co m o tap as), os bornus e os
nagôs tivessem m u ç u lm a n o s e m seu m e io . D e q u a lq u e r fo rm a, eles sem pre foram
m in o ritário s n a so cied ad e a fric a n a de S alv ad o r, o n d e h a v ia p red o m in ân cia dos cul­
tos dos orixás (io ru b as) e v o d u n s (ew ês), a lé m de o u tras religiõ es d a Á frica ociden­
tal. O s m u çu lm an o s se d is tin g u ia m p o r seu p ro selitism o ; foi sobretudo de suas fi­
leiras q ue su rg iu a m aio r p arte dos chefes d a rev o lta n eg ra d e 1835, m uito bem
estu d ad a por P ierre V erg er e Jo ão Jo sé R e is ,38 c u ja o b ra m e p erm ite descrever as
práticas religio sas desse gru p o .
Essa co m u n id ad e m u ç u lm a n a teve, de in íc io , vários chefes, cham ados alufás. Nem
todos eram escravos: o haussa D an d ará, tam b ém co n h ecid o pelo nom e crisrão de
Elesbão do C arm o , era alfo rriad o e n ego cian te de rabaco. Seu colega S an in , ou Luís,
era um escravo dc o rigem tap a. O s dois diziam ter en sin ad o a m ensagem do Corão em
seus países natais. A huna e P acífico L icu tan eram escravos, o rigin ário s d a tribo ioruba,
e letrados. V ários outros escravos ou alforriados presos depois d a revolta frustrada de
1835 confessaram que sabiam ler e escrever em árabe e q ue tinh am freqüentado escolas
religiosas em suas respectivas terras n atais. Ao serem presos, aliás, m uitos deles leva­
vam consigo escritos em árab e.39
L tvro V - a I g r e ja

A lid e ran ç a d a revolta m u ç u lm a n a era com p osta por hom ens letrados, o que lhes
conferia en o rm e v an tag em sobre a m assa de negros in cu lto s, africanos ou nascidos no
B rasil, escravos o u a lte rn a d o s . A m esm a van tagem existia em relaçdo a toda a popu­
lação livre da c id a d e , a n alfab eta com o os escravos e os alforriados. Por sua instrução
os m u çu lm an o s estav am m u ito m ais p ró xim o s d o m o delo branco que os n ão -m u çu l’
m anos. Isso a ju d a v a o p ro selitism o , cu jo alcan ce desconheço (os autos do processo
contra os d erro tad o s d e 1 8 3 5 sáo a ú n ic a fonte sobre a h istó ria do islam ism o na
B ah ia). É im p o ssível sab er o co n te ú d o d a fé en sin ad a, o núm ero exato de prosélitos e
a q u a lid ad e das con versões o p erad as pelo Islã cm terra h o stil e cristã.40 N ão se pode
levar m u ito a serio a afirm a çã o de N in a R o d rig u es, q ue preten d e que “a conversão (ao
islam ism o) era tão g ig a n te sc a q u e o n ú m ero de seus fiéis co n stitu íam um a legião”.41
O uso d e o b jeto s sim b ó lico s e a co r d a ro u p a desem penh avam im portante papel,
como sin ais ex terio res de v in c u la ç ã o a u m a c u ltu ra religio sa. C onsiderados poderosos
protetores m ág ico s, os a m u le to s islâm ico s eram p articu larm en te populares na Bahia,
mas isso não deve nos im p ressio n a r, pois n a Á frica eles eram usados tanto por m u çul­
m anos q u an to p o r n ã o -m u ç u lm a n o s. C h am a d o s de tira pelos iorubas, eram um saq ui­
nho de couro com ex trato s d o C o rão ou orações m u çu lm an as escritas em folhas de
papel d o b rad as se p a ra d a m e n te . O u tro s am u leto s eram feitos com conchinhas dentro
de sacos de tecid o a fric an o , ch am ad o p ano d a costa. P ro tegiam da m á influência dos
hum anos e dos esp írito s do m u n d o so b ren atu ral e eram vendidos pelos mestres m uçul­
m anos, cu jo s p o d eres m ític o s ( barak a ) eram tran sferid o s a esses objetos m ágicos bené­
ficos. O uso desses a m u leto s v iro u m o d a, não im p lican d o adesão ao islam ism o.
O utro sin al d a p resen ça islâ m ica n a co m u n id a d e african a de Salvador era o uso do
abadá (roupas e tu rb an tes b ran co s), m as n u n ca em p ú b lico , para não cham ar a atenção
das au to rid ad es p o liciais. Esses trajes ritu ais só eram usados nas casas que faziam o
papel de m esq u itas, serv in d o de lo cais para orações e outras celebrações. Para que
fossem reco n h ecido s pelos seus, os islâm ico s d a B ah ia tin h am o costum e de usar anéis
dc ferro em vários dedos. Era o sím b o lo de q ue p erten ciam à sociedade dos malês.
No am b ien te urbano de S alv ad o r, os am uletos eram poderosos auxilíares da difu­
são da fé dos m alês. A relativa in d ep en d ên cia dos escravos urbanos e a presença de
num erosos alfo rriado s po ssib ilitavam u m a rede de proselitism o e agitação. Os ensina
m entos dos m estres eram divu lgad o s em lugares publico ? ou nas casas que serviam
m esquitas. R eligião do livro, o Islã exige sim ultan eam en te o aprendizado da escrita e
da leitura c a m em orização dc orações, condição para a plena participação nas re
coletivas e com prom isso do in iciado com sua nova Um a das testemunhas do
processo sobre a Revolta dos M alês, a negra brasileira M an a da Costa Pinto, declarou
que um alforriado nagô reunia outros africanos c sua nação em frente a uma praça
freqüentada por carregadores dc cadcirinhas de arruar, a quem ensinava a es
orações.44 O proselitism o era feito dian te de todos, enquanto esperavam c ien e .
espantoso q J n in g u é m tenha pcrcehido a manobra,
ação dos hom ens de cor era vigiada. O utro exemp ■
426 B a h ia , S é c u l o XIX

da com u nidade m u çu lm an a, recolhido à prisão por um a d ív id a contraída


* ., -. - r SCU
senhor com os carm elitas, recebia seus aluno s, escravos e alforriados, aos quais conti
nuava a m in istrar seu en sin am en to , d ian te do carcereiro .45 Às vezes, como na casa do
inglês S tu art, os escravos aproveitavam a lib eralid ad e de seus senhores e convidavam
correligion ário s para ir a seus q uarto s p raticar a escrita.
D esconheço a estru tu ra e o co n teú d o d a v id a religio sa dos m alês. Nao tenho
inform ações d etalh ad as sobre os p receito s e ritu ais m u çu lm an o s na B ahia, exceto as
freqüentes m enções sobre as orações da sexta-feira, a celebração de certas cerimônias
ou os hábitos cu lin ário s dos p a rtic ip a n te s.46 V iven do n u m a sociedade de maioria
cristã, eles tiveram q ue se ad ap tar, m o d ifican d o alg u m as práticas e comportamentos
o que não co n sistia no vidade. F alan d o das tribo s islam izad as, R oger Bastide afirmou-
“com raras exceções, tratava-se de negros puros ou de negros m estiçados com hamitas.
Logo, eram antigo s a n im ista s islam izad o s e não m u çu lm an o s de origem . Suas antigas
crenças não haviam in te ira m e n te desap arecid o e foi esse sincretism o muçulmano-
fetich ista q ue foi in tro d u zid o no B rasil e não o islam ism o puro de M ao m é”.47
C om o os d em ais escravos, os m u çu lm an o s p ro cu raram conservar o essencial de
suas p ráticas, em p a rtic u la r a celebração de festas e algun s hábitos alím entares. As
testem unh as d a fru strad a revo lta de 1835 d eixaram inform ações sobre o que era per­
m itid o e p ro ib id o co m er e sobre as refeições q ue faziam em com um , O grande consu­
m o de carne de carn eiro , a aversão de algun s por to u cin h o e os ágapes coletivos
m ostram q ue os m u çu lm an o s ten taram segu ir os preceitos islâm icos, sobretudo o que
ordenava q ue só com essem o que prep aravam com as próprias m ãos.48 M as sua liber­
dade era lim itad a . M u ito s v iviam nas casas dos senhores e com p artilh avam sua comida.
R eis pôde id en tificar u m a celebração d a festa de L a ilat-a l-M iraj (ascensão do
profeta M aom é ao C éu ) em novem bro de 1 8 3 4 , q u an d o houve um a grande reunião
num a ten d a que os escravos de u m inglês cham ado A braham m ontaram nos jardins da
residência deste, na p aró q u ia da V itó ria. T in h a tan ta gente nessa cerim ônia que o
inspetor do bairro, A n tô n io M arq u es, resolveu in terd itá-la, apelando para o juiz de
paz, que repreendeu o inglês. A pesar de ter consentido tudo, este obrigou os escravos
a desm ontarem a tenda. Essa in iciativa confirm a, segundo Reis, o sucesso do proselitismo
islâm ico na B ahia na década de 1 8 3 0 .49
M as em que consistia esse sucesso? Era de ordem quantitativa? Q ualitativa? Não
há duvida de que os africanos que se tornavam m uçulm anos davam prova de coragem.
R enunciavam a suas próprias tradições religiosas, já que Islã exigia deles uma verda
d eira conversão, precedida dc um longo aprendizado, o que a Igreja Católica nunca
exigira. Irmãos pelo Islã, esses novos convertidos se distinguiam dos outros irmãos
africanos. T inham que com partilhar com seus mestres o fanatism o e a inrolerancia qu
estes dem onstravam em relação aos outros africanos, pois os muçulmanos despreza
vam os incrédulos, recusando-se a estender-lhes a mão por serem kafirs. O desprezo e
a intolerância se estendiam aos africanos católicos, acusados de ir à missa e de ador
a m adeira de estatuetas pretensam ente santas.50
L iv ro V- A Ig re ja
427

Q u a o n u m e ro d e m u ç u lm a n o s b aian o s na épo ca d a reTOlra frustrada de 1855>


Nem todos os a cu sad o s c o m p a rtilh a v a m a m esm a crença, j í q u e u m a alian ça m a ii
aberta se e sta b e le c e u co m o u tro s a frican o s d a c id a d e .* 1 Em seu estudo, Pierre V ete e r
cita “2 8 6 in d ic ia d o s , d o s q u a is 2 6 0 eram h o m en s e 26 m u lh eres; 160 eram escravos
126 eram a lfo rria d o s e 1 89 tin h a m sid o presos. O s outros 9 7 nom es são de pessoas
in d iciad as em processos ab erto s p o r d e n ú n c ia s, q u e não foram encontradas, ou q ue
m orreram d u ra n te a in s u rre iç ã o , ten d o sid o id en tificad as depois. Sobre esses 189
presos, só h á traço s d e 119 ju lg a m e n to s e os 7 0 restan tes ou foram in d u ltad o s, ou,
tendo sid o c o n d e n a d o s, n ao fo ram e n c o n tra d o s " .52 M as nem Jo ão Reis, nem Pierre
V erger, sep aram os n ã o -m u ç u lm a n o s dos m u ç u lm a n o s.
A d m itam o s a h ip ó te se de q u e , em g rau s diverso s, os 2 8 6 acusados tivessem ado­
tado a re lig iã o do C o rã o . Esse n ú m ero rep resen ta u m p ercen tu al m ín im o em relação
ao co n ju n to d a p o p u la ç ã o escrav a e a lfo rria d a d a cid ad e. E ntre os negros convertidos
ao islam ism o n e n h u m era n a scid o no B rasil. O o b jetiv o dos rebelados, aliás, era m atar
todos os b ran co s, os ‘c a b ra s’ (m estiço s) e os negros b rasileiro s da c id ad e.53 Segundo a
reco n stitu ição fe ita p o r J . R e is, n a c id a d e de S alv ad o r h averia, em 1835, cerca de
17.000 escravos a fric an o s, 1 0 .5 0 0 escravos n ascid o s no B rasil, 1 2 .0 0 0 negros livres e
2 6 .0 0 0 b ran c o s.54 E n tre as p essoas livres de co r, h av ia u m n ú m ero ignorado de afri­
canos alfo rriad o s, o q u e to rn a im p o ssív el c a lc u la r o p ercen tu al de acusados que perten­
ciam a essa c a te g o ria d a p o p u laç ã o b a ian a. Em co m p en sação , os 160 escravos africanos
acusados (n em todo s m u ç u lm a n o s) rep resen tav am ex atam en te 0 ,9 4 % do total. Embo­
ra ap ro x im ad o s, esses n ú m ero s su g erem q u e a religião m u çu lm an a só atin gira um a
parte m u ito p e q u en a d a p o p u lação afric an a escrava. U m a revolta que tin h a a pretensão
de ser u m a j i h a d d ev eria ter m u ito s ad ep to s, m as isso não se deu. Talvez por isso, para
ter alg u m a e x p ectativ a de v itó ria , os m u çu lm an o s tiveram q ue apelar a não-m uçulm a­
nos e a african o s q u e v iv ia m no R ecô n cav o .55
A r e lig iã o m u ç u l m a n a d e s a p a r e c e u q u a s e p o r c o m p le to d o u n iv e rso dos d e sc en ­
d en tes d e e s c ra v o s . R o g e r B a s t id e a n a l i s o u m u i t o b e m o fato d e os m u ç u lm a n o s
se m p re te re m s id o m i n o r i t á r i o s e n t r e a p o p u la ç ã o d e c o r (ele p o d e r ia ter d ito africa
n a). M a s c ie n ã o t i n h a ra z ão ao d e c l a r a r q u e e ssa r e lig iã o p e r m a n e c e u passiva por ser
c o m p o sta d c n e g r o s c o n v e r t id o s . D a í d e c o r r e r ia — p a r a esse a u to r sua in ap ri ão <
p ro se litism o c a falta d e r e s is tê n c ia d c s u a r e lig iã o ao te m p o . A ação levad a a d ian te pe a
elite m u ç u lm a n a n a B a h ia c o n t r a d iz essas o b serv aç õ e s. Essa ação d e u sinais ea g ^
d in a m is m o , m e s m o q u e n ã o t e n h a c o n s e g u id o u m a c o n v e rsão em m assa a popu ç
african a. Esse o b je tiv o , a liá s , se ria u tó p ic o p o is, se n d o u m a religião de e -
exige lo n g o a p r e n d iz a d o e im p õ e severas coações. M a s B astid e tin h a raza num
tar q u e o o r g u lh o c a a u s te r id a d e m u ç u lm a n o s , bem c o m o o desej
m u n d o à p a rte , a fa sta v a m os m u ç u lm a n o s do c o n v ív io co m seus ir '
‘ Para o n e g ro , o m a o m e ta n o n a o e ra um c o m p a n h e ir o de escravi ao. nr.,va n
c irc u n stâ n c ia s e x c e p c io n a is p o d ia m fazer d ele u m chefe. O branco r p
m undo d a lib e r d a d e q u e p o d ia ser alc a n ç a d o pela alforria. Por essa razao, .
428 B a h ia , S é c u lo XIX

do branco era a co n d ição dessa ascensão . D a í a atração pelo cato licism o .”56 Note-se
porém , q u e os culto s a n im ísta s tin h am o m esm o p ro b lem a. E ntão, por que consegui
ram resistir m elhor? Por q u e têm , até h o je, tan to sucesso?
E m bora sub estim e a cap acid ad e relig io sa dos negros e ign o re o funcionam ento
das estru tu ras religio sas african as, N in a R o d rig u es ap resen ta u m a análise que me
parece m ais vero ssím il p ara a adesão ao cato lic ism o . Em p rim eiro lu gar, desapare­
ceu g rad u alm en te a proteção iso ían te q u e as lín g u a s african as — geralm ente desco­
nhecidas dos negros b rasileiro s — d avam ao Islã. T e n d o ch egad o nos últim os cin­
q ü en ta anos antes d a ab o lição do trá fic o , os negros m u çu lm an o s tiveram menos
po ssibilid ad es de a d ap ta r suas p ráticas re lig io sa s ao p o rtu g u ês, ú n ico laço entre as
diferentes etn ias, q ue falavam lín g u a s d iferen tes. P ro p ician d o u m refúgio inacessível
aos senhores e seus rep resen tan tes, as lín g u a s a frican as h av iam favorecido a cateque­
se m u çu lm an a, o ferecen do refú g io e s p iritu a l aos african o s (m as não aos negros nas­
cidos no B rasil) p ersegu id o s p ela re lig iã o c a tó lic a dos d o m in ad o res, A lém disso, o
cato licism o , com seus san to s e a p o m p a de seu c u lto ex terio r, estava m ais próximo
das m ito lo gias m ais o u m en o s d esen v o lv id as n a Á frica. A p o ssib ilid ad e de estabele­
cer eq u iv alên cias e id e n tid a d e s e n tre os san to s cató lico s e as d iv in d ad es ou orixás
nagôs rep resen to u, p ara os n egro s d a B ah ia , u m dos m aio res atrativo s p ara o catoli­
cism o, q ue co n tav a a in d a , a seu favo r, co m to d o o a m b ie n te em q u e viviam os ne­
gro s.57 N in a R o d rig u es d eu assim a p ró p ria razão d a so b rev ivên cia dos cultos afri­
canos, ao n o tar a to le râ n c ia d a Ig re ja C a tó lic a p a ra com a festa african a. O Islã foi
vencido por cau sa de su a in to le râ n c ia e de s u a fa lta de p o d er de adaptação às reais
condições d a so cied ad e b a ia n a .

A H e r a n ç a A f r ic a n a : o s T e r r e ir o s

Foi poderosa a co n co rrên cia feita pelas religiõ es african as à Igreja C ató lica, que as
subestim ou, por desco n h ecer suas estru tu ras e só reco n h ecer, em suas manifestações
exteriores, d iv ertim en to s pagãos. A m esm a a titu d e foi co m p artilh ad a pelos senhores
de escravos: preocupados em m an ter a paz em suas p ro p ried ad es agrícolas, não somem
te ad m itiam , m as en co rajavam , essas m anifestaçõ es. C o n tav a apenas o lucro retirado
do trabalho dos escravos, e isso d ep en d ia d a paz so cial. O s africanos, cham ados bo­
çais , ofereciam resistência à cristianízação? E ntão não era ruim ser tolerante. Assim, os
cultos anim ístas eram p raticado s sob olhares benevolentes do senhor e da Igr^ 3*
T enho algum as descrições sobre eles, m as de ordem m u ito geral, pois os observadores
só eram capazes de perceber seus aspectos exteriores. Q uem não crê, ou não se dá ao
trabalho d e v e r, nega q u alq u er valor a outros cultos; toda litu rg ia torna-se brincadeira,
toda prática aparece com o sim ples teatro, toda representação v ira divertim ento. Sobre­
tudo porque, nesses prim eiros tem pos e sem d ú vid a até o século XVIII, os cult®5
africanos ain d a não estavam organizados.
L iv r o V - A Ig r e j a
- 429

Em ter as.le.ras, en travam cm co n tato africanos de diferentes culturas Para


m elhor c o n tro la-lo s em cad a p lan tação m istu rav am -se escravos de etnias drversas o
q ue p ro v av elm en te levo u a cr,ação de cultos o rig in ais. D ois deles rapidam ente se
im puseram : o b an to e o fon, e .o ru b a. Povoadas de espíritos relativos à natureza
ligados a n o s, flo restas e m o n tan h a s da A frica, as religiõ es bantos se baseavam no culto
dos antepassado s m o rto s. A o re tira r seus ad ep to s, à força, do h áb itat tradicional e
quebrar laços d e lin h a g e m , a escrav id ão provo cou u m a ru p tu ra nessas religiões que no
Brasil, m o straram -se m u ito perm eáveis a in fluên cias exteriores, inclusive reinterpretando
O culto aos m o rtos p ra tic a d o p o r cató lico s e p o r ín d io s. Nos candom blés, por exem ­
plo, os esp írito s dos orixás african o s e os cab oclo s ín d io s eram invocados, cada um em
sua p ró p ria lín g u a , se p a ra d a m e n te , d u ra n te a m esm a cerim ô n ia de transe coletivo que
u n ia as duas co m u n id a d e s o p rim id as, a african a e a am erín d ia. Q uando os bantos
rein terp retaram a fé c a tó lic a , a lg u n s san to s com o São B enedito ou San ta Efigênia, que
passam por ser san to s n eg ro s, to rn ara m -se antepassado s fam iliares ou nacionais.
A esse c u lto b an to o p u n h a -se g e ra lm e n te o cu lto ioruba, m ais fiel aos modelos
africanos: can d o m b lés d a B ah ia , x an g ô de P ern am b u co e de A lagoas e batuques de
Porto A legre são cerim ô n ias religio sas io ru b as. Os povos nagô da G uiné e do Daomé,
que ch egaram em g ra n d e n ú m ero no fim do século X V III, conseguiram influenciar
fortem ente os cu lto s b an to s m enos estru tu rad o s. Sob o nom e coletivo de nagô há
diversas etn ias io ru b a : k etu , sah e, a y o , egba, egb ado , ijesa e ijeba, de onde vieram
m uitos escravos d esd e o fin al do século X V III. S u a chegada, relativam ente tardia
porém m aciça, talv ez e x p liq u e o p ap el p red o m in an te q ue esse cu lto desem penhou na
B ah ia.58
A religião dos io ru b as é tão co m p lex a e estru tu rad a q uan to o catolicism o.59 Para
os nagôs, a ex istên cia h u m a n a se desenvolve sim u ltan eam en te em dois planos: o do
aiê, isto é, o m u n d o visível em q u e vivem os, e o do orum , o m undo do além. O
prim eiro co m p reen d e o u n iverso físico e a v id a de todos os seres naturais, ao passo que
o segundo é um espaço so b ren atu ral, povoado de seres, abstrato, infinito , mas que não
pode ser co n fu n d id o com o nosso céu. N o espaço orum não se encontram somente os
orixás,60 as d ivin d ad es nagôs e toda espécie de antepassados, mas igualm ente as dupli
catas’, os corpos esp iritu ais de tudo o que se encontra no aiê. Por conseguinte, o
espaço orum com preende sim u ltan eam en te o que pertence ao aiê, inclusive a Terra e
o C éu e, em co n seq üên cia, todas as entidades sobrenaturais associadas ao ar, à t
à água. Os orixás são especialm en te associados à estrutura da natureza, do c
passo que os antepassados são associados à estrutura da sociedade-
C om a diáspora, o am biente africano foi dc algum a forma rrans eri o para o
terreiro, dividido em dois espaços cujas características e funções sao i erentes.
prim eiro com preende construções públicas e privadas que formam o p Ç
j * ' a um erupo de orixás; uma
as casas-tem plos (Ilé-orixá), consagradas a um orixa o g
construção que com preende uma parte estritam ente reser^a cllebràções; uma
nha; um a sala de entrada e outra s e m ip ú b h c a , destinada
430 B a h ia , S é c u l o XIX

g ran d e saía p ú b lic a , o n d e sao realizad as as celeb raçõ es ab ertas a todo s; por fim, as
aco m o d açõ es, p erm an en tes ou te m p o rá ria s, dos in ic ia d o s e de suas fam ílias. Entre
este ‘espaço u rb a n o ’ e o ‘m a to ’ h á u m a casa (Ilé -Ib o -A k u ), o n d e são adorados os
m ortos. O ‘espaço m a to ’ , acessível ap en as aos sacerd o tes, o cu p a 2/3 do terreiro, com
d iferen tes árvores e arb u sto s cu jas fo lhas servem p a ra as p ráticas litú rg ic a s .62 Eviden­
tem en te, no sécu lo X IX n u m ero so s terreiro s n ão p o d iam ter esta d u p la e s t r u t u r a
pois estavam in stalad o s em casas situ a d a s no C e n tro d e S alv ad o r: o terreiro urbano
neste caso, p o ssu ía u m ‘m a to ’ nos esp aço s v erd es q u e cercav am a cid ad e ( D iá rio da
Bahia, 2 d e ju n h o d e 1 8 5 9 ). A p ó s a A b o liçã o d a e scrav atu ra, os terreiro s buscaram
con d ições id eais de fu n c io n a m e n to , esta b elecen d o -se nas p a ró q u ias sem i-urbanizadas,
com o as de V itó ria e d e B ro tas, p a ra o n d e, a liá s, v ie ra m tam b ém os negros prove­
n ien tes do cam p o . : .
O sistem a relig io so io ru b a é d in â m ic o . O c o n te ú d o m ais p recio so de um terreiro
é o ase, a força q u e to rn a p o ssível o processo v ita l e asseg u ra o devir. Sem o ase a
existên cia ficaria p a ra lisa d a , sem p o ss ib ilid a d e d e rea liz açã o . E sta força é transm itida
por m eios m a teria is e sim b ó lic o s, m as ex ig e a lg u m tip o d e co n tato , necessariam ente
v o lu n tário . T o d o s os m a teria is p resen tes n u m terreiro , b em com o os in iciad o s, devem
receber o ase, a c u m u lá -lo , m a n tê -lo e d e sen v o lv ê -lo ,63 N ão v am o s en trar em detalhes
sobre a co m p lex a co m b in a ç ão e o fu n c io n a m e n to dos três elem en to s — ase, orixás e
antepassados — q u e c o n stitu e m os fu n d a m e n to s desse cu lto . R egistrem o s apenas que
a crença n u m a in terv en ção p o d ero sa, cap az d e d a r ao fiel u m a fo rça suficiente para
vencer ad versidades, era m ais atraen te q u e as pro m essas do cato licism o ou do islamismo
para u m a v id a feliz no fu tu ro . O escravo e o alfo rriad o receb iam m elh o r o pragmatism o
dos cu lto s afro -b rasileiro s. A d em ais, e n c o n tra v a m , nos terreiro s, segu ran ça e uma
h iera rq u ia sacerd o tal cap az de g a ra n tir p re stíg io p a ra os q u e se sobressaíssem . O chefe
religioso se to rn av a chefe de to d a a c o m u n id a d e , o rg an iz a d a na form a de uma vasta
fam ília, parecida com a p a tria rc a l, m as sem a in g e rê n c ia dos brancos.
A tudo isso se acrescen tava o caráter p o uco co ercitiv o dessas religiões negras.
N enh um co m p ro m etim en to p a rtic u la r, n en h u m a re n ú n c ia , era im po sta aos assisten­
tes dos culto s, nem m esm o no q ue d iz ia resp eito à p articip ação em atividades de outras
religiões. Essa d u p la adesão, m u ito co m u m , se ju sta p u n h a sem problem as ao cotidiano
de escravos c alforriados, de alg u m a fo rm a envolvidos pelo cristian ism o oficial. Prati
cadas sim u ltan eam en te, as duas religiões tin h am , cada um a, suas regras, seus ambien
tes, seus espaços físicos. N as cid ad es, isso era vivenciado tam bém nas confrarias, toda
elas católicas em sua form a, mas freq ü en tem en te perpassadas por esses cultos qtie
lem bravam a Á frica perdida.
N ão se sabe se o culto nagô, tão bem -estruturado, era praticado nas p la n t a ç o c
de cana-de-açúcar, onde, ao que sc supõe, existiam também cultos de origem banto
O s escravos nagôs vieram sobretudo para as cidades. E m meados do século 1
numerosas notas publicadas nos jornais de Salvador relatavam ações policiais em
casas de alforriados, ou mesmo de negros nascidos livres, onde ocorriam celebraçocS
L i v r o V - A I g r e ja

c o n s id e r a d a s im o r a is . P e r c c b e - s c , n o e n t a n t o , q u e e ra m a li e n c o n tra d a s p esso as d e
to d a s as c o re s e to d o s o s e s ta t u t o s ju r íd ic o s , in d ic a n d o u m a c a p a c id a d e d e e sp ra ia -
m e n to q u e , e n t r e o s b r a s ile ir o s , o is la m is m o n ã o te v e .M S e g u n d o o s jo rn a is , esses
lo c a is se m u lt ip lic a r a m d e p o is d a a b o liç ã o d o r r á fic o d e e sc ra v o s, m o v im e n ta n d o
g r a n d e s s o m a s d e d in h e ir o , a p r o p r ia d a s p o r p r e te n s o s ch e fe s re lig io s o s .65 E ra este o
ú n ic o a s p e c to q u e o e s ta b lis h m e n t c o n s e g u ia p e rc e b e r n e ssa r e lig iã o c a p a z d e d esp e r­
ta r e s p e r a n ç a n o s p o b r e s .
A p e sar das d e n ú n c ia s da im p re n s a e da perseguição policial, esses cultos resistiram
ao tem p o, m o s tra n d o talvez o q u a n to fo ra ilu sória a cristianizaçao p rom ovid a pelo
c a to lic is m o r o m a n o . O m u n d o q u e se t e n t a r a r o m a n iz a r e s ta v a c h e io d e p o b r e s em
e s p ír ito e e m v e r d a d e s — q u e n a d a t in h a m a v e r c o m te o lo g ia e d o g m a s . Q u e ria m
in te g r a r -s e n a s p r o m e s s a s d e p r o m o ç ã o s o c ia l e d e v id a e te r n a p rese n te s no m o d elo
b ra n c o , m a s p e r m a n e c ia m fié is a s e n t im e n t o s d e p r o f u n d a r e lig io s id a d e e a u m forte
s e n tid o d e m is t é r io . O c o m b a t e d e to d o s os d ia s , e m m e io a p o b re z a e d ific u ld a d e s,
fo rja ra m u m p o v o a b e r to a to d a s as e s p e r a n ç a s , c o ra jo s o , e sp e rto e a p to a d efen d er-se
de to d o tip o d e a g r e s s ã o .
L I V R O V I

O C o t id ia n o d o s H om ens
que P r o d u z ia m e T rocavam
C A P Í T U L O 24

S a lv a d o r : a C id a d e n o S é c u lo XIX

‘ E n tre o B o n f im e o c a b o d e S a n t o A n t ô n io ra s g a -s e u m a fo rm o sa b a ía de d u a s légu as
d e la r g u r a , n o f u n d o d a q u a l a p a r e c e a c id a d e d e S a lv a d o r , e d if ic a d a em a n fite a tro
so b re u m a e n c o s t a m u it o e s c a r p a d a . V á r io s e d if íc io s c o n s id e rá v e is lh e d ão u m a a p a ­
rê n c ia d e g r a n d e z a e d e m a g n if ic ê n c ia . O g o lp e d e v is ta e n c a n ta d o r q u e a c o n stru ç ã o
em a n f it e a t r o d á à c id a d e p e r d e m u it o d o s e u v a lo r q u a n d o se p õ e p é em terra. A
m o n ta n h a d e s c e tã o b r u s c a m e n t e p a r a o m a r q u e n a p r a ia n ã o h á m a is esp aço do q u e
o n e c e s s á r io p a r a c o n s t r u ir u m a só r u a , c u ja s c a sa s d e u m la d o são b a n h a d a s p elo m a r
e d o o u tr o a p a r a d a s d e e n c o n t r o à m o n t a n h a . ( ...) E sta C id a d e B a ix a é o ce n tro dos
n e g ó c io s; o b s e r v a - s e a li u m a g r a n d e a t iv id a d e : tr a n s p o r te c o n tín u o d e m erc a d o rias,
lo ja s m u it o f r e q ü e n t a d a s , g r it o s d e n e g r o s q u e v ã o e v ê m n esse e sp a ç o tão estreiro , q u e
a in d a m a is a u m e n t a o t u m u lt o . S e é a c o to v e la d o , fic a -s e a to rd o a d o . Q u a n d o n ão se
te m m a is o q u e t r a t a r n e s ta p a r t e d a c id a d e , p r o c u r a -s e d e ix á - la , c o m p ra z e r ta n to m ais
v iv o q u a n t o e la é o b s c u r a e p o u c o a s s e a d a . ( ...) U m a v ez c h e g a d o à C id a d e A lra,
e n c o n tr a m - s e r u a s la r g a s , c a lç a d a s e b e m a lin h a d a s ; as casas são d e c e n te s e d esp id as das
triste s g r a d e s m o u r is c a s q u e se o b s e r v a m c o m g r a n d e fr e q ü ê n c ia em P e rn a m b u c o . 3
A ssim se e x p r e s s a v a , e m 1 8 1 7 , o fr a n c ê s T o lle n a r e . S e u te ste m u n h o é co rro b o rad o
p o r q u a s e to d o s os v ia ja n t e s q u e v ie r a m d e p o is : a e n c a n ta d o r a v isão q u e de S alv ad o r
sc tin h a d o a lt o - m a r d a v a lu g a r à d e c e p ç ã o , n o d e s e m b a r q u e . Em g e ra l, p o rém , a
im p re ssã o m e lh o r a v a q u a n d o se s u b ia a té o p la tô , no a lto d a escarp a. S eja com o for,
S a lv a d o r sc a p r e s e n ta v a a o s o lh o s d e u m e u ro p e u do sé c u lo X IX co m o u m a cid ad e
im p o n e n te c n o tá v e l. , .
N o ssa S a lv a d o r d o s é c u lo X IX c o n se rv a v a os lim ite s q u e a c id a d e tin h a no secu o
a n te r io r , c o m s u a s d e z p a r ó q u ia s (a I I a, d o s M a re s , foi d e sm e m b ra d a em 1871
p a ró q u ia s d o P ila r e d e S a n to A n tô n io A lém d o C a r m o , co m o já v im o s). S egu
a u to re s d a é p o c a , n ã o c ra n e m m u ito , n em p o u co p o v o ad a . N a ú ln m a terça pa ^
sé cu lo , as p a r ó q u ia s m a is p o p u lo s a s e ra m as d a S é , de S a n t A n n a e de S a n to n to n io ,
além d a p a r ó q u ia d o C a r m o .

435
436 B a h ia , S é c u l o X IX

T odos os cam in h o s, todas as ruas, co n vergiam no en tan to para os dois centros


m ais antigo s: o bairro da Sé, no topo da escarp a, e o de C o n ceição da P raia, a paróquia
com ercial, à beira-m ar*

A C idade à B eira - M ar

Era poís ju n to ao m ar q u e as ativ id ad es co m erciais se exerciam , num estreito espaço,


lim itad o por duas con struções religio sas: ao su l, a b elíssim a b a sílic a de N ossa S e n h o r a
d a C o n ceição , q ue se ergu e no b airro c h a m ad o ‘d a P re g u iç a ’, e ao norte — onde é
m enos ín grem e a lad eira q ue lig a as cid ad es A lta e B aixa — a Ig reja de N ossa S e n h o r a
do P ilar. Esse espaço, de apenas d o is q u ilô m etro s de co m p rim en to , era cortado, até
1870, por u m a ú n ic a ru a p a ra le la ao m a r. N ela estav am os prédios d a A lfândega, do
C eleiro P ú b lico , do A rsen al d a M a rin h a e o d a B o lsa de M ercad o rias, construído em
1816 em estilo neo clássico , e de todo s o m ais e leg a n te (h o je, fu n cio n a ali a Associação
C o m ercial d a B ah ia). Era tam b ém nessa ru a q u e ficavam os entrep ostos e armazéns
onde se gu ard avam os p ro d u to s d estin ad o s a exp o rtação e os q u e chegavam de Ultra­
m ar. N ela se co n cen trava a in d a u m a p ro fu são de bazares, lo jas e m ercados em que se
podia com prar to d a sorte d e m ercad o rias, d e legu m es frescos a escravos.
Estes eram postos à v en d a em g ru p o , o u à p o rta das lo jas dos proprietários ,2ou
num m ercado esp ecial, com o a q u ele d escrito p elo alem ão Freyress: “Os escravos,
am ontoados às cen ten as n u m b arracão , estão vestido s apenas com um lenço ou trapo
de lã em torno do v en tre. P o r u m a q u estão de h ig ie n e , são -lh e raspados os cabelos.
Assim nus e pelados, sentado s ao ch ão , o lh an d o cu rio sam en te os q ue passam , não
diferem m u ito , na ap arên cia, dos m acaco s!” “M u ito s escravos”, acrescentava o natura­
lista, “já vêm d a Á frica até m esm o m arcad o s a ferro q u en te, com o a n im ais .”5
E m lojinhas m in úscu las — tabernas, livrarias e drogarias, p o r exemplo — , « n
estabelecimentos m ais ou m enos bem cu idad o s ou em tendas improvisadas, expu­
nham-se roupas, bijuterias e tecidos, sapatos e bebidas, rem édios para o corpo e para
os humores, e ofereciam -se todos os serviços necessários a residentes ou viajantes,
alfaiares, barbeiros, serralheiros, toneleiros, funileiros, fabricantes de fum o para mas­
car ou de rapé. M u ita s ruas e pracinhas do bairro eram conhecidas pelos nomes desses
ofícios hum ildes: rua ‘do Peso do F u m o ’, rua ‘das G rades de Ferro ’, praça dos Tone­
leiros , praça dos Barbeiros', rua ‘dos C a ld e íre iro s’. A in d a hoje, embora todos esses
nomes tenham desaparecido, velhos baianos ainda se lem bram da época em que po
diam evocar, naquele trecho da cidade, todo um m undo antigo de trabalhadores que
se misturavam, e aos quais seria preciso acrescentar os vendedores ambulantes e os
verdureiros, sem esquecer os escravos ‘dos cantos’.
Estes eram escravos que se postavam em grupos, em determinados locais 05
cantos — , à espera dc que solicitassem seus serviços, seja no transporte de carga, seja
na construção. Tam bém chamados escravos ‘de ganho’, agrupavam-se por etnia de
üyro V I - O C o t id l a n o d o s H o m e n s q l f P r o d i -z u m e T r o c a v a m
•i.V

origem . S e g u n d o Pierre V erg er, sob as arcadas de San ta B árbara ficava o ‘canto' dos
gu ru ncis e. a a lg u n s passos d a li, en tre S an ta B árbara e o H otel das N ações, o dos
haussas. O s n agô s, m ais n u m ero so s, se reu n iam no m ercado e na rua do C om ércio no
lugar ch am ad o 'C o b e rto G ra n d e ’, e em vários pontos d a rua das Princesas, só in au g u ­
rada em 1 8 6 6 . O s m em b ro s de cad a gru p o o b edeciam às ordens do capitão-do-canto
responsável por sua d is c ip lin a p eran te as au to rid ad es. E nquanto os clientes não apare­
ciam , n u n ca ficavam in ativo s: co n feccio n av am ch ap éu s e cestos de palha, correntes de
aram e para p ren d er p ag ag aio s, g aio las, colares e braceletes de contas de origem vegetal
ou an im al.
A ru a era tam b ém lu g ar d e co m er e beber. D esde as prim eiras horas da m anha,
negras ‘g a n h a d e ira s’ co m eçav am a p rep arar c a n jic a , m in g au de tapioca, acaçds bem
quentes de fa rin h a arro z e de m ilh o , arroz com carne-seca, in h am e cozido etc .4A m ­
bulan tes, por sua vez, o cu p av am to d o e q u a lq u e r espaço livre para oferecer frutas,
peixes fritos e gu lo seim as.
Se acrescen tarm o s a tu d o isto as cad e irin h a s — ou cadeiras de a rr u a r — , os porcos
e os cachorros, os pássaros e n g aio lad o s, os negros a ap rego ar tapetes ou chapéus e as
valetas onde ap o rta v a m , v in d as das lo jas e das casas, todas as im u n d ícies im agináveis,
terem os u m a id é ia do a trav an c a m e n to , dos ru íd o s e dos odores que reinavam nesse
industrioso b airro d a c id a d e .5
M as foi às cores do b airro q ue S ch w ieg er, pasto r protestante que visitou Salvador
em 1897, m o stro u-se p a rtic u la rm e n te sensível: ressaltou as grandes árvores verdes, os
frutos e legu m es m u ltico res, os m acacos co r-d e-ro sa e m arrons, os papagaios de penas
am arelas, azuis e acin zen tad as, as am etistas brancas e os lím pidos cristais de rocha,
desordenadam ente expostos nos co lo rid o s m ercad o s .6C abe observar que, até o fim do
século, esses m ercados d a C id a d e B aixa foram os únicos verdadeiros centros com er­
ciais da cid ad e. A ven da de peixes ou de q uarto s de carne na C idade Alta era inclusive
p roibida .7 .
I odos os observadores se im pressionavam , tanto com o conjunto arquitetônico
como com o lab irin to de ruelas tortuosas que desciam do pé da escarpa e cortavam a
com prida rua lo n g itu d in al. M ais tarde, novas superfícies foram conquistadas ao mar
e novas ruas paralelas à p rim eira vieram desafogar um espaço que, não obstante,
continuou repleto.
Assim, se ganhavam alguns metros quadrados de terreno, as paróquias da orla
marítima não perdiam seu caráter industrioso e turbulento, sem falar da sujeira, inde
fcctível nos relatos da época. A inglesa M aria Graham , que conhecera outros países,
afirmou em 1821 jamais ter visitado lugar mais emporcalhado que a Cidade Baixa e
Salvador.* Alguns anos mais tarde, o francês Fcrdinand Denis e o missionário metodista
Daniel P. Kidder, nortc-am cricano, descreveram também a imundfcie das ruas. Mas
foí o cônsul inglês W ethcrell, que residiu na Bahia de 1843 a 1857, que eixo
imagens mais fortes: "D e manhã, ao se passar pelas ruas da Cidade Baixa o ^
transeunte é assaltado por uma profusão de cheiros, que positivamente na a tem
438
B a h ía , S é c u l o XIX

com os d a ‘A ráb ia b e m -a v e n tu ra d a ’! D e to d o lad o as a tiv id a d e s c u lin á ria s dos pretos


estão em an d am en to (...) fo rm am m ais u m p rato q ue ex ala o m esm o ch eiro e x e c rá v e is
A C â m a ra M u n ic ip a l ten tav a em vão lu ta r c o n tra essa fa lta de h ig ien e, editando
e reed itan d o posturas p ara d is c ip lin a r a p o p u lação e e n sin á -la a não rep etir gest0s
seculares, com o o de lan çar às ru as d e trito s e á g u as su jas. C a b e acrescen tar qUe a
C id a d e B aixa receb ia fo rço sam en te o aflu x o de to d as as valas e to d as as im undtcies das
casas co n stru íd as a cim a , em b o ra re g u la m en to s o b rig assem os h a b ita n te s d a Cidade
A lta a recolh er seus dejeto s lo n g e do m a r .10
Sem can alizaçõ es ou esgo to s, cen tro d e v e n d a de p ro d u to s p erecív eis com o carnes,
peixes ou fru tas, e n tu p id a d u ra n te o d ia p o r u m a m u ltid ã o excessiva p ara o e sp a ço
d isp o n ível, a zo n a do p o rto , so b retu d o sob o c a lo r ú m id o do verão tro p ical, dava
náuseas ao v ia ja n te e stran g eiro , p o u co a fe ito ao o d o r dos a lim e n to s exótico s. A inda em
1909, o m éd ico francês L a tte a u x q u e ix a v a -se d e ter d esem b arca d o “em m eio a imun-
dícies e d etrito s in o m in á v e is”. “E in fe c to ”, a cresc e n ta v a , “tem -se a im pressão de estar
em certas cidades do O rien te , p o r o n d e ja m a is p asso u u m a v asso u ra ,”11
C id a d e B aixa, cid ad e s u ja , m as c id a d e m u ito v iv a. O s p regõ es dos vendedores
am b u lan tes se m esclav am à m e lo p é ia b e m -r itm a d a dos carreg ad o res negros curvados
sob pesadas cargas, em seu v aiv ém . C id a d e s u ja m as c o lo rid a , in c lu siv e pelas roupas e
as peles v ariad as d a su a gen te. V e rd a d e ira d d a d e -p o r to , o n d e o m ais h u m ild e acoto­
velava o m ais in sig n e nos afazeres d a v id a c o tid ia n a .
Esses ‘in sig n e s’ , h o m en s o rg u lh o so s de su a p o sição so cial o u de seu sucesso, eram
grandes co m ercian tes b aian o s o u estran g e iro s d e q u e m , em g ran d e p arte, dependiam
o destin o e a paz dos h a b ita n te s d o lu g a r. A p esar do d eslo cam en to de m u ítas famílias
de com erciantes p ara o novo e m ais salu b re b a irro d e V itó ria , b o m n ú m ero de burgue­
ses co n tin u o u a resid ir nas p ro x im id a d e s do p o rto . A li, in stalad o s em casas de quatro,
cinco e até seis p avim en to s, co m a n d a v a m seus p eq u en o s im p é rio s .12 A descrição da
casa de um gran d e c o m ercia n te b a ian o , feita p o r h isto riad o res lo cais, nos m ostra, no
térreo, o em p ó rio , on de se e m p ilh av am as m ercad o rias; no segundo andar, os apo­
sentos d a fam ília; no terceiro , os dos caixeiro s; no q u a rto , os escravos; no q uin to e no
sexto, por fim , n o vam en te m ercad o rias esto cadas. Essas casas em geral eram cons­
truídas de m ateriais leves, u m a m istu ra de tijo lo e a rg ila, às vezes de pedra e cal- Os
côm odos eram num erosos e as fachadas, m u itas vezes, enfeitadas com azulejos vindos
de Portugal, *
O s pequenos lojistas viviam nos fund o s das lojas. O restante da população ocu
pava quartos cm im óveis, num a pro xim id ad e prom íscua entre famílias. Pode-se ter
um a idéia das plantas e do tam anho desses im óveis a partir de descrições feitas por
contem porâneos na p rim eira metade do século X I X e dos desenhos de in te r io r e s ,

feitos mais recentemente por arquitetos da Fundação do Patrim ônio A rtístico e C ul


tural da Bahia. Em bora vivessem absurdamente am ontoados e em condições de total
desconforto,13 dando aos visitantes a impressão de que a C id ad e Baixa era densanien
te povoada, os que ali residiam eram de fato pouco numerosos.
Ü V K O V T - Q C o t id ia n o DOS H o m e n s q i e P r o d u z ia m e T r o c a v a m

F indo o d u . a m « o r p a n e d » p « o a . d em an d av a as lad eiras Íngremes, as trilhas


OU escad arias ru m o a C id a d e A lt * o u tra s, to m an d o a p raia, se d irig iam para o norte
alem d o B o n fim , ate Itap ap p e c su a p e n ín su la , que oferecia m ais espaço para seus
casebres ou q u in ta is . T ra je to s can sativ o s, p o rq u e as d istân cias eram longas e os cam i
nhos m al p a v im e n ta d o s, n u m a c id a d e em q u e os p rim eiro s transportes coletivos só
apareceram após 1 8 5 0 : ch a m a v a m -se b o n des essas espécies de pequenos ônibus puxa­
dos por cav alo s, cu jo s p reço s, a liá s , eram in acessíveis à po p u lação . O s privilegiados, os
mais ricos, d eslo cav am -se n as c a d e irin h a s, q u e , em b o ra desconfortáveis, os punham a
salvo das ch u vas d o in v e rn o tro p ic a l, dos calo res do verão e d a lam a suja de todas as
estações, em q u e p a tin h a v a m os pés d escalço s dc seus escravos, m olhados de suor sob
o peso do p a la n q u im ru tila n te . M esm o q u a n d o , por v o lta do fim do século, os trans­
portes co letiv o s se im p u s e ra m , bo m n ú m ero dc b aian o s se obstinava em se fazer
carregar p o r b raço s h u m a n o s; era, a liá s, u m m eio de transporte m enos dispendioso
que o bonde!
A té p o r v o lta d e 1 8 9 0 , ruas e c am in h o s de S alv ad o r conservaram -se tal como
V ilh en a os d escrev era no in íc io d o sécu lo . A ú n ic a nova v ia p ú b lica, construída entre
a C id ad e A lta e a C id a d e B aix a , foi a fam o sa la d e ira d a M o n tan h a, larga e espaçosa,
não m u ito ín g re m e , a b e rta à c irc u la ç ã o em 1 8 7 8 , p ro p o rcio n an d o um a ligação mais
fácil entre a c id a d e de c im a e seu in d u srrio so porto.
A p rim eira lin h a de b o n d e de b u rro foi in s ta la d a na C id ad e Baixa em 1866, sob
os auspícios do a u stríac o R ap h ael A ria n i, fazendo a ligação entre a paróquia da Penha
e as de C o n ceição d a P raia e do P ila r. T rês anos m ais tard e, o m esm o percurso era feiro
por u m a lin h a de b o n d es u rb an o s, ch am ad o s v eícu lo s econôm icos, que se m u ltip lica­
ram a p artir de 1869-

A C id a d e A lta

O intenso vaivém entre C id a d e B aixa e C id a d e A lta tinha seu clím ax em dois mo


mentos do dia: as prim eiras horas da manhã, quando desciam negociantes e trabalha
dores, vendedores am bulantes e carregadores; o fim da tarde, quando subiam para São
Bento “com erciantes abafados a lim p ar o suor dos rostos lustrosos, a negraria os
mercados e cais, de cesto à cabeça, em magotes faladores, empertigados caixeiros co
seus ares de sócins de casas fortes, m eninos e raparigas que vinham de compras sobra-
çando pacotes, vendedores de gazetas a apregoar o D iário e a Tribuna . T o ^
classes sociais se m isturavam nas ladeiras da C onceição da Gam elcíra e, a Barr
1871, no elevador construído pelo comerciante e com endador A ntônio e ace
Ladeiras e elevador levavam os trabalhadores até a paróquia da Sé- , , , , , •
Algumas paróquias mais distantes já eram importantes desde o ° 5
Santo Antônio .Além do Carm o, Nossa Senhora de SanrAnna, Paço, ao e ro o
Velho. Eram bairros residenciais arejados por jardins e praças, onde se erguiam m
440 B a h ia , S é c u l o XIX

ed ifício s púb lico s, con ven tos e igrejas e tam b ém m ercad o s. F on tes e poços se espalha*
vam por toda parte, nessa c id ad e o n d e a ág u a d o ce está sem p re ao a lca n ce de quem se
d á ao trabalho de cavar um po uco .
A p aró q u ia d a Sc — p u lm ã o a d m in istra tiv o d a c id a d e c d a P ro v ín cia — concen­
trava o m aio r n ú m ero de p réd io s p ú b lico s e relig io so s: em to rn o de su a p raça central
ergu iam -se o p alácio do p resid en te d a P ro v ín c ia , a sede d a P re fe itu ra , a C asa d a M oeda
e o T rib u n a l de In stân cia. M a is a n o rte, a ru a d a M is e r ic ó r d ia — o n d e ficava a Santa
C asa. im p o n en te co n stru ção d o sécu lo X V II — lev av a ao p a lá c io e p isco p al, construído
ao lado da a n tig a cated ral, de 1 5 5 1 , q u e v iría a ser d e m o lid a em 1 9 3 3 p ara ab rir espaço
d ian te d o p alácio arceb isp al .17 E sco lh id o p o r to d as as o rd en s relig io sas p a ra sed iar seus
conventos e igrejas, esse b airro im p ressio n a v a , no sé cu lo X IX , p e la extrao rd in ária
Ijí
riq ueza d e seus m o n u m en to s. -
As co m u n icaçõ es eram re la tiv a m e n te fáceis na C id a d e A lta , ao lo n g o dos vales que
serpenreiam en tre as m u itas co lin as d o horst em q u e se e m p o le ira S alv ad o r. D e 1851
a 1859, fizeram -se obras p a ra c a n a liz a r e c o b rir p a rc ia lm e n te o rio das T rip a s, o que
elim in o u as in co n táv eis p o n tes e p assarelas d a era c o lo n ia l (h o je , esse rio é in te ira m e n ­
te seco, m as n a época c o rria a no roeste d a c id a d e , atrav essan d o u m v ale em cujos
declives estavam co n stru íd as as casas).
O q uad ro geral era o de u m a c id a d e m u ito v erd e, to d a em su b id as e descidas;
algu m as p aró q u ias, com o as d e V itó ria e B rotas, eram q u ase ru rais, ao passo q ue a de
Nossa Senh ora d a P enh a, ao no rte, passou a c o n c e n tra r u m a in d ú s tria têx til q ue ali
fixou u m a m ão -d e-o b ra b astan te co n sid eráv el. A ssim , e n q u a n to a p a ró q u ia de V itória
se tornava cada vez m ais a risto c rá tic a , a d a P en h a a ssu m ia u m c a rá te r crescentem ente
popular. C o nh ecem os po uco , in fe liz m e n te , d a h istó ria dessa m u taçã o , m as sabem os
que, a p artir de m eados do século X IX , Ita p a jip e , re lativ am e n te d ista n te do centro de
Salvador, já tin h a fácil co m u n icação com o porto p o r tran sp o rtes m a rítim o s e terrestres.
Era na Cidade Alta, que reunia as cinco paróquias ‘centrais’ (Sé, Santo Antônio
Além do Carm o, Santana, São Pedro o V e lh o e Paço), que se concentrava o grosso da
população baiana, vivendo na mais com pleta promiscuidade social: artesãos livres,
alforriados, escravos, funcionários, burgueses e nobres moravam lado a lado, mima
babel dc casas, igrejas, conventos, um em aranhado de caminhos, praças, becos e
travessas que sobem e descem c cujas ligações escapam ao rcccm-chcgado”. , J Ao lado
dc modestas casinholas de taipa, muitas das quais exibiam apenas uma porta c uma
janela, erguiam-sc pretensiosos palacetes nobres, como a ‘Casa dos Sete Candeeiros ,
o paço do Saldanha c o solar do Ferrão, ou ainda prédios dc dois, três ou quatro
pavimentos. Alguns eram inteiramente ocupados por famílias burguesas de senhores
de engenho, grandes comerciantes e profissionais liberais; outros, divididos em aloja­
mentos, eram partilhados por toda espécie de gente; dc escravos ‘de ganho* a pequenos
funcionários públicos.
As informações que restaram do recenseamento dc 1 8 5 5 mostram alguns aspectos
dessa promiscuidade social: tomemos por exemplo as casas que ficam atrás da rua da
Ho.MF.NS QUE PBD U Zm E w , .......
441

A,ucb. n , - . _ circunscrição du purdquiu da * . Havia ali serc casas, seis delas hab,ra­
das. Desras, c n c o eram rerrcas c a ourra um sobrado, com dois pavimenros N o n " 6
moravam dois m u la,os livrcs c um policial, também mulato; tinham, respectivamente
30, 23 c 24 anos c n e n h u m laço dc parentesco entre si. N o „o 8 , mais m , la[os: # d ’
da casa, L uiza M arta C o n c e iç ã o , 2 7 , so lteira, vivia com os três filhos e um irm ão
M anuel da C u n h a P in h eiro , 2 2 an o s, so lteiro e m arceneiro. No n° 12, o portu u ê ’
Jo aq uim R o d rig u es V id a !, m u lato , 26 anos, viúvo c chapeleiro , m orava c o r n a i
Gervaza P o rtácia J u lia n a , m u la ta , so lte ira, 4 4 anos, c do irm ão de doze anos José
M aria R o d rigu es V id a l. N o n° 14 m o rav am dois portugueses brancos, José A ntônio de
Souza B raga, 4 9 an o s, co m e rc ia n te , e seu caixeiro Jo sé Luiz P into, de dezoito anos.
Com a fa m ília de M a la q u ia s R o d rig u es dos S an to s, que ocupava o n° 13, voltam os aos
m ulatos. O -pai, M a la q u ia s , tin h a 32 anos e era carp in teiro ; sua m ulher, Felícia M aria,
trinta anos, em o rig in á ria de N azaré, no R ecôn cavo; tin h am duas filhas, M aria A ngé­
lica e M a ria d a C o n c e iç ã o , com d ezo ito (sic) e seis anos, respectivam ente (há evidente
engano na id ad e d a p rim e ira ).
O n° 18 era u m so b rad o . N o térreo h avia três alo jam en tos: num deles vivia
Jo aq uim A lves d a S ilv a, 3 4 anos, m u lato , so lteiro , torn eiro; em outro, Ignacio Alves
dos San tos, tam b ém m u lato e so lteiro , 25 anos, alfaiate. O terceiro era ocupado pela
fam ília d a m u la ta In o c ê n c ia M a ria R o m an a, trin ta anos, solteira, que vivia com a mãe
e dois filhos. N o seg u n d o p a v im en to v iv ia a fa m ília do em pregado do com ércio José
Lopes d a C u n h a M e llo , p o rtu g u ês; tin h a q u aren ta anos, era viúvo e vivia com os
filhos, A d elaid e, q u in z e an o s, e Jo sé, três anos, u m a p eq u en a escrava (nascida no
Brasil) ch am ad a M a ria , d e sete anos, e três agregad as, todas m ulatas e solteiras: M aria
Leocádia, q u a re n ta anos, U rs u lin a A lves de M ato s, vin te anos, e M aria Agostinha, oito
anos. N a rua D ire ita d a A ju d a , nessa m esm a cirscunscrição , coabitavam no mesmo
prédio ou na m esm a rua: negros e negras livres q ue eram pedreiros, dom ésticas ou
cozinheiras; m u lato s e m u latas livres, en tre os q u ais um a am a-de-leite, um a professora
prim ária ap o sen tad a, um professor de francês, um alfaiate, um sapateiro, um marce
neiro e um estu d an te; african os alfo rriado s q ue con tinuavam a exercer suas ath idades
‘de ganh o’ ou a lavar roupa; e, por fim , brancos que eram pequenos funcionários,
estudantes, caixeiros, lojistas.20 ,
O utro tipo de documentação confirma plenamente essa diversidade socía .
qualificações’ para as eleições. Encontramos as de 1 8 6 2 para esse mesmo quarteirão a
circunscrição da Sé. Rstas eram as profissões dos cidadãos ativos: médicos, a voga ,
músicos, ourives, marceneiros, sapateiros, funcionários públicos, marujos de s
charuteiros, comerciantes, alfaiates, escrivães, pedreiros, caixeiros, pintores, c
pessoas que viviam de rendas etc.21 #
Nesse conjunto, p r e d o m i n a v a m evidentemente as categorias sociais mt
rias, mas o elemento burguês, representado pelas profissões liberais e os comerc
ti nha aí presença expressiva: entre 6 6 cidadãos ativos d o 2 1 ° q u a r t e ir ã o , 2 3 p ^
a essas c a t e g o r ia s .22 C a l d e a m e n r o r a c ia l e so cia ! tã o in te n s o s, q u e é im p o s s ív e l ciass.-
442 B a h ia , S é c u l o XIX

ficar so cialm en te as várias p aró q u ias de S alv ad o r: ativ id ad es eco n ô m icas, f o r t u n a s e


posições sociais d ísp ares se aco to velavam n u m m u n d o em q ue as diferen ças ainda não
estavam rig id a m en te cristalizad as.
Essa h e teró clita p o p u lação circ u la v a pelas ruas, ja rd in s e aven id as d a C id ad e Alta
c u ja am p lid ão e asseio, aliás, todos os v ia ja n te s lo u vavam . D eve-se observar, porém
q u e esse asseio era b astan te relativ o . A ssim com na C id a d e B aixa, a lim p eza e a con­
servação das ruas d a C id a d e A lta era p ro b le m á tic a. A C â m a ra M u n ic ip a l m ultiplicava
em vão as posturas q u e p ro ib ia m o la n ç a m e n to de águ as usadas e d etrito s nas ruas ou
a passagem de a n im a is pelas v ias p ú b licas. E ra co m u m q u e nelas se abandonassem
an im ais m ortos, q ue a li ap o d reciam , ex alan d o odores n au seab u n d o s .23 As posturas sobre
lim p eza eram reno vadas p ela M u n ic ip a lid a d e a c a d a an o , e stip u la n d o altas multas e
am eaçan d o os in frato res com a p risão .
D e fato, a C id a d e A lta era apenas u m po uco m enos su ja q ue a C id ad e Baixa.
A dem ais, não era b em -p av im en tad a. D izia W e th e re lí, po r v o lta de 1 8 4 0 : “A pavimen­
tação das ruas é das piores: enorm es pedras in tercalad as com peq u en as, sem a menor
regu larid ad e, po r vezes ju n ta s e ap ertad as, por o u tras q uase soltas, torn am perigosa
q u alq u er cam in h ad a. U m a vez estragad as, as ruas parecem n u n ca ser consertadas, fican­
do assim , con denadas a se to rn arem , com o d eco rrer do tem po , q uase intransitáveis .”24
A p o lític a dos poderes p ú b lic o s em face d essa situ ação era h esitan te: ora se encar­
regavam d a p av im en tação e co n serv ação das ru as, o ra ex ig iam q u e os próprios mora­
dores o fizessem , U m d ecreto de 1 8 5 0 d e te rm in o u a p a v im e n taç ã o de algu m as grandes
artérias até o B o n fim , p e n ín su la de Ita p a jip e ; a lg u n s anos m ais tard e, a M u n icip alid ad e
m an d o u p av im en tar o S o d ré, a s u b id a de S a n ta T eresa e o C a m p o G rande, calçar a rua
d a V a la (1 8 6 3 ), a p la in a r o C a m p o d a P ó lv o ra e a b rir u m a av en id a entre o Retiro e o
E ngenho C o n ceiçã o .23 P ouco a p o u co , sensíveis m elh o rias acab aram por facilitar a
co m u n icação en tre as d iferen tes p a ró q u ias d a cid ad e, o q u e p e rm itiu a abertura de
novos m ercados, com o o d a ru a d a V a la , de a lim e n to s.
P roblem a m aio r q u e a p av im en tação das ru as, n a q u e la im en sa cid ad e sem esgotos,
era a h igien e, tem a co n stan te nos debates dos conselhos m u n icip a is. Era costum e cavar
lo n g itu d in a lm en te, no m eio das ru as, u m a v aleta d estin ad a ao escoam ento das águas
pluviais — precaução in d isp en sável n u m a cid ad e ch eia de ladeiras, por vezes muiro
íngrem es, e exposta às tem pestades tro p icais. N a p rática, porém , essas valetas viravam
o escoadouro de todo tipo de ág u a suja e d etrito . “O pior castigo para o passanre ^
. conta W ethcrcll, “nem é odor, mas o arriscar-sc a cada passo a afundar na lama suja .
Só as chuvas fortes limpavam de quando em quando esses esgotos a céu aberto.
Até 1 8 5 6 , os moradores tinham a obrigação de limpá-los, mas náo o faziam, a
despeito das muitas posturas municipais sobre a questão e a criação de diversos d ep ó
sitos públicos de lixo. Por fim, graças à consciência despertada pela terrível e p id e m ia
de cólera-morbo ( 1 8 5 5 - 1 8 5 7 ) , a lei provincial n° 5 8 8 autorizou o governo a controlar
com mais rigor os problemas de salubridade. As responsabilidades foram transferidas
da administração local para a provincial, mas esta não se mostrou mais eficaz. P°r
_ L.VRO V I - O C O T I Z O q q , H OMEn S QUE PRODUZIAM E TROCAVAM
443

contratos, confiou a ltmpeza da c d a d e -a particulares, que pouco faziam além de


embolsar o d m he.ro Em 1 8 6 7 a hmpeza de Salvador tornou-se incumbência da
Câmara M um c.pal! O scrvtço de coleta do lixo doméstico continuou precário Por
volta de 1 8 7 0 , a Políc.a gastava, por conta própria, enormes somas para remover os
montes de lixo q ue se a cu m u lav am em ruas e p raças .27
U m co n trato assin ad o en tre a C â m a ra M u n icip a l e um a em presa que deveria
construir esgotos, em 1 8 7 3 , p erm an eceu letra m o rta, pois nunca foi aprovado pela
A ssem bléia P ro vin cial. Em 1 8 8 0 , m ais u m a vez se recorreu a particulares: alguns
cidadãos, m ed ian te c o n trato , c u id a ria m d a rem oção do lixo. Novo fracasso. T en ta­
vam-se p aliativ o s, q u a n d o a extensão do p ro b lem a ex ig ia m edidas drásticas.
A lém de sujas, as ruas eram estreitas e m al alin h ad as. Os regulam entos da C âm ara
M u n icip al 23 nesse cam p o tam p o u co eram respeitado s: cada um construía a seu talante.
W ethcrell, sem pre crític o , teve a p rin cíp io , ao passear pela C id ad e A lta, um a im pres­
são dc ab an d o n o , pois não se v ia n in g u ém nas ruas, exceto negros, sobretudo nas horas
mais quentes do d ia. M as fez u m a ressalva: por força da “m archa do progresso”,
m uitos veículos já c irc u la v a m nesses b airro s — “h á du as lin h as de bondes e carros de
alu gu el ”.29
C u m p re reco n h ecer q u e, a p a rtir de 1 8 7 0 , realizaram -se esforços para facilitar a
circulação d e pessoas e m ercad o rias e in te rlig a r bairros distan tes, e com sucesso. Em
1871, foi in stalad a u m a lin h a en tre B arro q u in h a e Sete Portas; era um a espécie de
vagão, puxado p o r u m a lo co m o tiv a a v ap o r m o n tad a sobre enorm es rodas revestidas
de borracha v u lcan iz a d a, q ue até p o d ia su b ir a ín grem e lad eira d a Conceição da Praia.
A C id ad e B aixa ficava lig a d a assim a um dos bairros m ais distantes do noroeste da
cidade. Em 1 87 3 o go vern o p ro v in cial baixou decretos defin indo os horários e os
preços d a C o m p a n h ia dos T rilh o s C en trais, q ue explorava essa linh a. A empresa foi
tam bém au to rizad a a co n stru ir dois viad u to s, que in terlig ariam os bairros da Lapa,
Nazaré, B arbalho e B arro q u in h a .30 "
Apesar desses progressos, a circulação pelas ruas, ruelas e aleias do centro conti
nuava difícil e eram longas as distâncias a percorrer até as poucas grandes artérias
servidas por transportes públicos. Q uando a noite caía, a escuridão tomava conta das
ruas: a iluminação a gás carbônico só se generalizou em 18 6 2 . Até 1826, a cidade
não dispunha de nenhuma iluminação pública. Os primeiros lampiões a óleo de baleia
foram instalados em 18 2 9 , mas forneciam uma luz precária. Era preciso coragem para
sair à rua depois que o sol se punha. Um tropeção ou um assalto eram perigos men
tes: a cidade estava entregue a marginais que não hesitavam em puxar da faca e, p
multo tempo, a Polícia praticamente inexístia. É verdade que, em 1825, o governo
Província criou o 'corpo de Polícia’, para servir tanto à cidade quanto aos arre ores,
pois a companhia de voluntários e milicianos, encarregada da ordem pú ica
18 12 , mostrava-se insuficiente e inapta. Mas esse reforço rambem não ba ^ >
1857, um corpo auxiliar — a 'guarda urbana’, escolhida entre os cidadãos ativos q
funcionavam como uma espécie de inspetores de quarteirão foi acre
444 B a h ia , S é c u l o X IX

co rp o d e P o lícia. N ad a disso, p o rém , resolveu o p ro b lem a d a seg u ran ça em Salvador .32


D iscursos dos p resid en tes d a P ro v ín cia p eran te a A ssem b léia P ro v in cial, incontáveis
leis e regu lam en to s, p ro ib ição d a circ u la ç ão de escravos à n o ite sem au to rização por es­
crito dos senhores — tu d o isso atesta a in u tilid a d e dos esforços dos poderes públicos .33
Estas im agen s tristes de u m a c id a d e su ja , m al ilu m in a d a , m al d ren ad a, m al pavi­
m en tad a, m al p o lic ia d a , não devem o b lite ra r, p o rém , a o u tra face, so rrid en te e alegre,
d e u m a c id ad e q u e — p riv ilé g io raro — era p ró d ig a em praças arejad as, recantos
b u có lico s, p raias d e a re ia fin a, cen ten as d e fo ntes e poços, aléias bem cu id ad as, cantei­
ros e jard in s com árvores im en sas e sem p re verdes. S o m av am m ais de v ín te as esplanadas
e praças o n d e a p o p u lação p o d ia se re u n ir p o r o casião de u m a festa {e com o os baianos
gostam de fesra!). H a v ia u m a p ro fu são de m ercad o s, o n d e se p o d ia co m p rar e vender,
lo calizad o s (p o r v o lta d e 1 8 3 1 ) ao lad o das ig reja s d a S o le d a d e , d o P ilar e do anrigo
n o v iciad o dos je su íta s, em fren te à fo rtaleza de S a n to A n tô n io , n o C a m p o d a Pólvora,
nos largos d a S aú d e, do P e lo u rin h o , d e S ão B en to , d o C a b e ç a , em frente à igreja da
V itó ria e em frente à C â m a ra de C o m é rc io . N e le s, se p o d ia v en d e r tu d o , salvo carnes
e peixes, v en d id o s em m ercad o s esp eciais e sta b elecid o s nos larg o s dos Q u in ze M isté­
rios, d e G u ad a lu p e, de São B en to , d e São R a im u n d o , d a ru a dos P redreiros e sob as
arcadas de S an ta B árb ara .34
O s in co n v en ien tes d a c id a d e eram esq u ecid o s p o r q u em passeava pelo esplêndido
Jard im P ú b lico , q u e todo s os v ia jan tes e stran g eiro s lo u v aram , j á em 1 8 1 3 , o sueco
B eyer se su rp reen d ia com esse “g ra n d e ja rd im bem co n serv ad o , cu id ad o sam en te ilu­
m in ad o à n o ite ”.35 E ra, d iz ia ele, p la n ta d o co m to d a so rte de árvores frutíferas e
o rnad o por pequenos p avilh õ es de estilo n eo clássico . D e a lg u n s p o n to s, tinha-se uma
d eslu m b ran te v ista d a b a ía de T o d o s os S an to s, com suas ilh as. Segu n d o W etherell,
com sua lín g u a v ip erin a , esse ja rd im era m u ito p o uco freq ü en tad o . O utro s viajantes
falaram do m au gosto das estátu as p in tad a s, em tam an h o n a tu ral, a li colocadas .36
A in d a assim , era por certo u m p u lm ão d e S alv ad o r, com frondosas árvores a sombrear
a falésía d a zona sul d a cid ad e. . .
Q uan do os b aian os o rgan izavam p iq u en iq u e s — d istração m u ito de seu gosto no
século passado — preferiam ir um pouco m aís longe, p ara algum arrab alde ainda pouco
habitado. U m deles era o D iq ue, espécie de lagoa cercada por exuberante vegetação tro­
pical, onde Xavier M arques situou o fam oso p iq u en iq u e da fam ília Boto em seu romance
O feiticeiro. P raticam ente desertas na época — hoje o D ique está no coração da cidade
, essas paragens levavam aos pomares e aos campos de Nossa Senhora das Brotas.
O utro lugar muito escolhido para piqueniques era Vitória, que só na década de
1 8 3 0 começou a scr mais habitada. Até então, era uma zona de plantações e jardins.
Os primeiros viajantes a mencionarem a paróquia foram Ferdinand Denis, que fala de
um “risonho prom ontório”,37 ç Tollcnare, que ali morou, numa casinha humilde, em
meio a “românticos" v a l e z i n h o s . D e acesso fácil, a colina de Vitória oferecia, para os
piqueniques dos dias dc festa, grandes avenidas sombreadas e pomares de laranjeiras,
limoeiros e bananeiras.
U ^ \ T - O C o r m » N o d os H om ens P a p p ^ , e T rocavam
445

Q uando se d ispunham a passeios mais longos. „s baianos podiam ir ^ ^


de bote. como L m dley em 1 8 0 2 , ou de saveiro, como Kidder em 1 8 3 9 podenln
coltar a pé pela p ra.a. com o „ primeiro, „ „ subindo a encosta, pelo caminho que
passava pelo c o m e n to das Ursulinas, com o o segundo,
O d ia de N osso S e n h o r do B onfim dava ensejo a grandes festejos, e a partir da
década de 1 8 6 0 , q u an d o os tran sp o rtes coletivos chegaram ao B onfim , essas celebra
ções gan h aram vulto a in d a m aio r; eram dias de regozijo p o pular d e ’ que todos —
negros, brancos, m u lato s — q u e ria m p a rtic ip a r, fazendo, em seus m elhores trajes, sua
peregrinação àq u ele lu g a r co n sagrad o . A devoção a Nosso Senhor do Bonfim data de
1745. q u an d o o cap itão T eo d ó sio R o d rig u es de F aria ofereceu um a im agem à pequena
igreja de N ossa S en h o ra d a P en h a d a F ran ça, no povoado de Itapajipe. Nove a; anos
depois, nova ig re ja foi co n stru íd a. S u cessiv am en te reform ada, ad q u iriu em 1816 o seu
aspecto atu al.
O utros passeios p o d iam levar a São Lázaro, ao M a tatu ou ao C ab u la, ou até ao Rio
V erm elho, sítio s a in d a agrestes, q u e tin h am a oferecer u m a flora exuberante e abrigos
discretos (seja p ara os am o res n ascen tes, seja p ara os cultos africanos, então proibidos).
Formavam o cin tu rão v erd e d a cid ad e, q u e a p en etrava, insinuan do-se por entre as
casas p in tad as de cores aleg res.
Assim v iv iam os b aian o s, e n tre u m a n atu reza p u jan te, que tentava tudo dom inar,
e as obras de h o m en s arro g an tes e frágeis, n u m a cid ad e ao mesm o tem po dura e
encantadora, q u e, se in flig ia m u ito s in cô m o d o s a seus h abitantes, tam bém lhes pro­
porcionava refú gio s am en o s.

As C a s a s : P r o x im id a d e e Re s e r v a

O que subsiste das casas de m o rad ia do século XIX im pressiona pela pouca variedade
dos m odelos q ue se en fileiram m o n o to n am en te, só ganhando cor e vida graças à
alegria e à diversid ad e dos m oradores, ao passo que os prédios públicos sáo todos
m uito ricos e m esm o variados e op ulen tos.
Rugendas observou isto por volta de 1 8 2 0 e estranhou as casas de três, quatro e at
cinco andares quase sem janelas.40 Canstatt o confirmou, em 1 8 7 1 : “A construção das
casas não oferece nenhuma variedade notável; sáo todas simples c feias, uma raramente
« distinguindo da vizinha pelo estilo; a uniformidade das ruas só>ê atenuada quando
alguma igreja ou algum convento interrompe a fileira das casas. gun. j.
explicaram a altura dos imóveis pela exigí.idade do espaço. Razão váhda, por certo n
paróquias de Conceição da Praia ou do Pilar, na Cidade Baixa ou na par quia ,
onde de fato os prédios de vários andares eram mais n u m e r o . . ninhada de um
Mas a falta dc imaginação, a uniformidade na arquitetum, « e
inconveniente maior: o padrão náo se adapta absolutamente c(,ama de
sempre úmido. Praticamente não existia a verdadeira varan a.
446 Ba h u . S f c n o XIX

varanda". escreve V eth ereiL "c um a peça que tom a roda a largura do imóvel, com
janelas; sim ples galeria que integra a casa [ . .. ] . Os balcões do segundo andar são locais
procurados para m an d n ar; nos dias de procissão ou dc tesra im portante, são forrados
com tecidos adam ascados e. se há algo para ver. as belas elegantes da cidade amontoam-
se neles. V êem -se tam bém alguns balcões com venezianas, cu ja parte superior p o d e
dobrar-se, projetando-se levem ente sobre a balaustrada. Os lados são de m adeira, co m
um a pequena abertura, em geral em form a dc cruz, q ue perm ite ver a ru .i.",;!
Esta descrição se ap lica, é claro, a im óveis de vários pavim en tos, os sobrados, que
podiam abrigar um a ú n ica fam ília, várias pessoas sós ou até várias fam ílias. Como
vim os, porém , ao lado deles havia m u itas casinh as de taip a, com um a porta e um a ou
no m áxim o duas jan elas d an d o para a rua. Sem p re coladas um as às outras, alinhavam -
se em lotes em geral m ais com p ridos q u e largos, o q u e resultava em fachadas estreitas
e m esquinhas.
C onstruções pouco só lid as, essas casas ru íam tão logo deixavam de ser ocupadas .4-1
M u itas posturas m u n icip ais tiveram por o b jeto esses terrenos cheios de escombros,
mas em vão: no século X IX , todo o espaço das p aró q u ias do centro da cidade estava
tom ado por c a s a s... ou ru ín as de casas. O s m ateriais usados nessas construções eram
variados. A lgum as eram de pedra c cal, o u tras de tijo lo s, ou de u m a argila seca ao sol,
espécie de adobe m u ito rú stico , o u tras de taip a. A lgü m as tin h am chão de terra batida,
mas o telhado de todas, ou q uase todas, era feito com as telhas verm elh as abundante­
m ente produzidas em M a rag o jip e, no R ecôn cavo, c q u e a d q u iriam com o tem po uma
bela pátina. Paredes, jan elas e portas p in tad as com cores vivas — am arelo, azul, verde,
cor-de-ocre, cor-de-rosa — co n feriam às casas h ab itad as um aspecto alegre e até uma
falsa aparência de solidez. V ale notar q u e, por força de um a postura m u n icip al, portas
e janelas abriam -se sem pre para d en tro .
Casas com belos soalhos ou casebres de chão b atid o , im po nen tes palacetes de
vários andares ou casinholas de u m a ja n e la só, quase todos os im óveis tinham cm
com um um corredor estreito e escuro q ue levava da p o rta d a rua até um a espécie de
pátio interno indispensável — o q u in ta l — cujas dim ensões variavam segundo a
im portância da construção. Em cada q u ad ra, o co n ju n to desses pom ares ou jardins
formava um espaço m ais ou m enos verde. A cozánha dava sem pre para o quintal, e
dependências dc diferentes altu ras, anexos m ais ou m enos fetos, mas práticos, faziam
dessa parte da casa o centro da vida privada dos m oradores.
Em Cenas da vida baiana, A. Rotvzi faz um a eloqüente descrição da vida social que
as paredes das casas ocultavam . íl, aliás, a única que tem os, pois viajantes c transeuntes
nada podiam adivinh ar do que sc passava atrás das portas {muito em bora, pelos
fundos, de quintal para q u in tal, a in tim id ad e dos lares ficasse exposta à curiosidade
dos vizánhos). Vejam os o que ele diz sobre o desconforto das casas: .
Lá se foram muitos meses que morava cu em certa casa m uito mal construída sem
ar e sem luz, e com todos aqueles incôm odos que tão facilm ente olham -se ainda em
m uitas casas por falta de boa construção, e do nenhum cum prim ento das leis da
_ _ U v ^ » V I _ - 0 C o T . D I A . s o D O S H O M E N S Q U E P Rü „ UZI„ ( E T r 0 C * V «,
447

C âm ara a este resp eito D ir-se-ia q ue m u itas casas foram feitas para homens de
outra espccie d a nossa, p a ra não se o cu p arem de satisfazer certas necessidades m dis
pensáveis a to d a a h u m a n id a d e , e q u e devem ser tom adas em consideração, não só por
quem ed ifica; com o p ela a u to rid a d e local cm co n tem p lação dc Saúde pública —
se e
que a saúde m ereça de q u a lq u e r C â m a ra M u n ic ip a l o m aio r desvelo possível ”44
A lguns v ia jan te s co n seg u iram v islu m b ra r (e ch eirar) alg u m a coisa quando MHia
um a
porta se en trea b ria . n ad a de c an aliz ação de ág u a, n ad a de esgoto; os banhos eram de
bacia e cuia. Se a isto so m arm o s o ch eiro do m ofo que, graças à um id ad e, esverdeava
madeiras e couros m al co n serv ad o s, terem o s u m a id éia dos odores e eflúvios que
em anavam d aq u eles escu ro s co rred o res, e n tre a m a e o q u in ta l 45
A m aio r p arte d a classe m é d ia h a b ita v a prédio s de dois, três ou q uatro andares,
com u m a p o rta e d u as o u três ja n e la s d an d o p ara a ru a, só abertas depois que sol se
punha. As peças dos. ap arta m en to s tin h am designações precisas: sala, ‘quarto da sala’,
‘quarto do m e io ’ , ‘q u a rto de d e n tro ’ o u ‘d a sala de ja n ta r ’ , sala de jan tar, às vezes
um a copa, co z in h a e d e p e n d ê n c ia s. O ‘q u a rto d a sala ’, assim cham ado porque se
com unicava co m esta p o r u m a p o rta e n v id raça d a, só era usado para receber hóspe­
des ou em g ran d es o casiõ es, com o recepçõ es, d u ran te as q u aís não podiam perm a­
necer no salão de festas as v iú v as e as m u lh eres q ue v iviam irregu larm en te com um
hom em . O ‘q u a rto de d e n tro ’ era g e ra lm e n te usado com o dorm itó rio, Nas casas
ricas, sobretudo q u a n d o o cu p av am m ais de um an d ar, h av ia duas salas de jan tar, a
‘de baixo’ e a ‘de c im a ’, sendo a p rim e ira delas o centro da vida fam iliar; lá se com ia,
se costurava, se receb iam os am igo s. A sala do segundo an d ar só era aberta por oca­
sião de grandes festas; se, por in fe lic id a d e , m orresse o dono d a casa, ficava fechada
para sem pre.
Nos prédios de v ário s p av im en to s, o segu n d o e o terceiro eram ocupados por
fam ílias de u m m esm o n ível só cío -eco n ô m ico ; os dem ais, a que se tinha acesso por es
cadas abruptas, d e d egrau s a ltíssim o s, se d estin av am a fam ílias m ais pobres ou a
estudantes, N ão ficava bem m o rar n u m m ezan in o do térreo, sobretudo quando não se
era com erciante, nem nos fundos de u m a lo ja, nem em casa de chão batido. De fato,
o prim eiro in d ício d a d ecad ên cia de u m a fa m ília era sua m udan ça para um aloja
térreo. N a oco rrência de taf in fo rtú n io , a fam ília se tornava extrem am ente isc ,
evitando todo convívio so cial; as jan elas q u e davam para a rua ficavam eternam
fechadas e pessoas ‘de co n sid eração ’ não m ais eram recebidas.
Os m oradores do ‘desça’ , com o era cham ado o subsolo, formavam u rerçCiro
à parte. Eram os agregados c escravos das fam ílias que moravam no segu acesso a
pavim entos, ou locatários cu idadosam en te escolhidos, sobretudo qua ^ ruela)
esses porões se fazia pela escada intern a (por vezes tinham saída direta para u
A ‘boa vizinh an ça em que viviam essas pessoas In*u^ va' j h“ pel 0 mero
social. B uscavam gran jear a am izade dos m oradores e cim a > impressão de
prazer de aparecer vez por outra à jan ela de um andar superior,
fazer parte da família.
44* B a h ia , S é c u l o XIX

Já as fam ílias abastadas, dos grandes com erciantes ou proprietários, ocupavam


todos os pavim entos de um sobrado, de preferência nas p aróquias da Sé, de São Pedro
ou de V itó ria,
O s trabalhadores pobres, que m al gan h avam o pão de cada d ia, se acomodavam
nas casinholas que já descrevem os, com um a ou duas peças m al ilum inadas, sem
soalho e poucos m óveis. T in h am em geral um ou dois catres, um a m esa, algumas
cadeiras ou bancos, um ou dois baús para gu ard ar a ro up a pessoal e os panos da casa .46
O m o b iliário só era de fato v ariad o em casas m u ito m aís ricas. O inventário
dos bens do falecido D o m ingo Jo a q u im A lves, p ro p rietário de u m a forja e morador
da praça da Piedade, na p aró q u ia de Sáo P edro, arro lava apenas; duas mesas de
jacarandá, um sofá, u m a m esa red o n d a, 2 4 cad eiras, d u as cam as, sendo uma de
jacaran d á, um arm ário e um ap arad o r .47 Em co n trap artid a , as residências abastadas
eram gu arn ecidas com nú m ero bem m aio r de m óveis de jacaran d á ou vinhático,
lustres de cristal, grandes espelhos com m o ld u ra de m ad eira dourada, gravuras, bibelôs
de biscuit , lâm p adas de o p alin a, p in tu ras a óleo e objetos de prata, além de ricas
cortinas adam ascadas. N ão faltavam a in d a o rató rio s, com im agens de santos de ma­
deira dou rada p o licro m ad a, carregadas de jó ias de ouro e p rata; nem o piano, a
ocupar lu gar de d estaq u e na saIa.4R O s num ero so s côm odos dessas casas tinham
destinações precisas; a sala de ja n ta r não se co n fu n d ia com a de visitas. Só os muito
íntim os eram convidados para p a rtilh a r u m a refeição. Em q u a lq u er nível da escala
social, porém , não podia faltar u m a sala de visitas — para os sociáveis baianos, taga­
relar era indispensável.
As fam ílias ricas tin h am em geral m ais filhos q ue as outras e nao hesitavam em
abrigar parentes idosos, doentes ou em p o b recid o s, irm ãs so lteiras ou jovens recém-
casados .49 C om o vim os, fam ílias n u cleares transform avam -se facilm ente em famílias
extensas, sem con tar os agregados, sem relação de parentesco, q ue tam bém viviam sob
seu teto. Estes eram afilhados, ex-escravos alforriados, em pregados do chefe da família,
ou sim plesm ente pessoas pobres, m al-su ced id as na v id a, q ue vin h am buscar, junto a
am igos abastados, cam a, m esa e o aconchego de um lar organizado. O núm ero de
escravos variava m u ito , segundo as po ssibilidades e as necessidades. A partir da década
dc 1870, foram freqüentem ente sub stitu íd o s por em pregados dom ésticos livres ou
recém -alforriados.
O pai — verdadeiro pater f a m ília s — tinha poderes absolutos. Mas a alma do lar
era a dona da casa, que muitas vezes administrava sozinha aquele pequeno mundo, de
que raramente se afastava. Conhecemos mal a mulher baiana do século XIX. Os
viajantes poucas vezes eram convidados às suas casas, c os que tiveram essa oportunida­
de formularam cm geral juízos superficiais c pouco entusiastas.6(> Maria Graham, por
exemplo, achou a mulher baiana das classes ricas murro negligente: andava pela casa
mal penteada (seria conseqüência da prática do cafuné?), seminua, parecendo pouco
disposta a cumprir seus deveres dc dona de casa, embora cercada por um batalhão de
escravos. Segundo ela, as mulheres da época recebiam uma educação rudimenrar.
D vro M - O C o n o c o r » , H omens qee PRoduziam e T rocm-,
AM

limitada à costura, ao bordado, ao violin o e ao piano. Raras falavam uma línsua


estrangeira. &
Nas classes m ed ia c a lta , as m u lh eres viviam reclusas, saindo só para ir à igreia ao
Passeio P úblico com a ta m ília - ou a reuniões sociais, sem pre na com panhia do m ari
do, de alg u m p aren te ou a co m p an h an te. Q uase todos os viajantes estrangeiros nota­
ram isso: só se v iam nas ruas h u m ild es ‘g a n h ad eira s’ à cata de clientes ou mulheres
envoltas em cap o n as, d a cab eça aos pés, m en sageiras de negócios ilícito s .53 M ai? uma
vez. W eth erell, q u e m o ro u lo n go s anos na B ah ia, nos deixou um testem unho: "As
mulheres não têm o h áb ito de sair p a ra fazer suas com pras, Escolhem o que desejam
entre as m ercad o rias trazid as por nu m ero so s vendedores am bulantes, que as exibem de
porta em p o rta .” E C o n s ta tt, dez anos d ep o is, confessou que sequer pudera ver as
mulheres da c id ad e, “p o rq u e n u n ca saem às ruas, com o o fazem as alem ãs; no m áxim o,
e excep cio n alm en te, se m o stram nas jan elas e nos balcões ”.54
Pode-se c o m p reen d er em p arte essa reclusão à luz do sistem a social da época, pois,
graças ao g ran d e n ú m e ro de escravos, m u ito s serviços hoje feitos fora eram realizados
pela m ão -d e-o b ra d isp o n ív el em casa. Por o u tro lado, a m u lh er baiana, se não era
legalm ente ig u a l ao h o m em , tin h a u m a função social im po rtan te, sobretudo como
educadora. E não só dos p ró p rio s filh os: além dos órfãos de parentes próximos ou
distantes, freq ü en tem en te ed u cav a os filhos n atu rais do m arido. A dem ais, quando seu
pai ou seu m arid o m o rria m , ou q u an d o era m ãe so lteira — condição nada excepcional
— , a m u lh er assu m ia a c h efia do la r e m o strava-se m uitas vezes capaz de gerir negócios
ou, pelo m enos, de a d m in istra r u m a casa populosa. F altam estudos sérios sobre o
papel — por certo m ais im p o rta n te do q ue se pensa — das mães e esposas baianas do
século XIX, esteios d a coesão fa m iliar. Segu n d o o suíço T sch udí, “elas fazem da vida
fami! iar b rasileira u m exem p lo de q u e m u itas nações precisariam ,55
Seja como for, dado o desconforto que reinava nas casas, o ofício de dona de casa
era espinhoso, pois era preciso estar sempre a vigiar muitos serviçais e crianças, equi­
librar o orçam ento, receber numerosas visitas e até saber reagir em caso de catástrofe,
pois a água e o fogo eram ameaças constantes à vida de todos os baianos. Ricas ou
pobres, grandes ou pequenas, as moradias eram frágeis e expostas às ciladas arma as
pela promiscuidade e a instabilidade do clima c do solo.
A morfologia do solo, em geral inclinado c sempre úmido, o clima
conservação conjugavam-se para provocar deslizamentos de terra, desmorí ^ *
dcsahamentos de casas desde os primeiros tempos da urbanização, o a a ,
Cfr> todo espaço disponível, os baianos romperam o equilíbrio as co ma. e
cm quc plantaram a cidade, Primeiro ocuparam os estreitos p atos 04 ' ^ ^
foi preciso descer encostas abaixo, cm detrimento da que Do rosirjo
$cm fundações sólidas, as casas ficavam à mercê dos capric tos notórias,
das catástrofes registradas no século XIX, dobrarem os a [ ininterruptas
Junhoe julho de 18 1 3 , por exemplo, foram terríveis. rl 0 mar. Entrepostos
provocaram d e sm o ro n a m e n to s cm toda a face da cidade volta a pa •
450 B a h i a , S ê c l *l o XIX

foram d estru íd o s; pelas lad eiras q u e lig am a C id a d e A h a à C id a d e B aixa (M isericórdia,


C o n ceição , G am b o a), d esciam to rren tes de lam a q u e m ataram várias pessoas. Em oito
d ias, um a p arte in teira da C id a d e A lta desabo u sobre a C id a d e B aixa. N inguém mais
se aventurava a ir ao cen tro co m ercial. A té a A lfân d ega in terro m p eu suas atividades.
Q u in ze d ias depo is, novos d eslizam en to s de terra, d esta vez nas p ro xim id ad es do forte
d e San to A ntôn io. O terror da p o p u lação foi tam an h o q ue o C o n d e dos Arcos, e n t ã o
go vernador da c ap itan ia, ch ego u a p rep arar um p lan o arro jad o , q u e deslo caria a cida­
d e, in stalan d o -a ao no rte, em terreno s p lan o s.
T rin ta anos depo is, em 1 8 4 3 , na estação das ch u vas, n o v am en te os solos começa­
ram a se m exer de m an eira in q u ie ta n te , e novas m o rtes e d estru içõ es ocorreram . Em
1862, u m a forte tem p estad e fez gran d es estrago s no p o rto . Em 1 8 7 1 , a parte central
d a sub id a d a C o n ceição d a P raia d esm o ro n o u , e casas fo ram arrastad as até a Preguiça.
Em 1873, sete pessoas m o rreram n u m d esliz am en to de terra na Fonte N ova, e em
1 8 8 0 , m algrad o recentes trab alh o s d e co n so lid ação dos co n trafo rtes d a encosta que
do m in a a p raia, várias casas foram d estru íd as ao lo n go d a la d e ira da P ra ia .56
F altam nesta lista os in ú m ero s d esab am en to s de m o desto s casebres, que se repe­
tiam a cada estação e q ue ficaram sem registro . A in d a q u e caíssem sobre os moradores,
só algun s vizinh os se ap ied av am . Q u em escap ava com v id a reerg u ia seu casebre na
m esm a encosta perigosa. D ali — com o os m a rin h e iro s na b a ía o u os agricultores do
R ecôncavo — , vigiav am as nu ven s no céu , tem en d o as tem p estades, m as não arreda-
vam pé de sua v elh a cid ad e e do seu p ed a cin h o de terra, cu jo títu lo de propriedade,
aliás, era o m ais das vezes irre g u la r .57
Frágeis e precárias, essas co n stru çõ es estavam , ad em ais, sem pre sujeitas a incên­
dios. A lista deles é lo n ga. Em ju n h o de 1 8 3 3 , por exem p lo , o fogo grassou por toda
a parte d a p aró q u ia da Sé situ a d a atrás d a cated ral, in cin eran d o os preciosos arquivos
do tabelião A ntônio Lopez de M ira n d a . Em 1837, d u ran te a Sab in ad a, revolta federafista
e contra os portugueses, bairros in teiro s foram d estru íd o s .58 Em 3 de novembro de
1848, o fogo irrom peu na C id a d e B aixa, am eaçan d o o prédio da A lfândega. Nessa
ocasião, as tripulações dos navios franceses e ingleses ancorados na baía vieram ajudar
os baianos no com bate ao incên dio e, pela p rim eira vez, foi usada u m a ‘bomba antifogo
ad quirid a na Inglaterra pela So cied ad e C o m ercial. No ano seguin te, as cham as devo­
raram os trapichcs da Q u arta Prensa, próxim os da igreja do P ilar; em 1850, outro
galpão do porto, com os dois m il caixotes de açúcar que arm azenava. Em 1856, mais
dois entrepostos, o Q u irin o c o P ilar; cm 1857, m ais um . Em 1859, foi o prédio do
Banco do Brasil que pegou fogo, mas dessa vez um a ação rápida c bem coordenada
perm itiu salvar a m aior parte dos papéis c valores.
Por muito tempo, o combate aos incêndios ficou nas mãos dos próprios habitantes.
Pelos regulamentos municipais, em caso de necessidade, todos os moradores das quinze
casas à esquerda c à direita da casa cm chamas e das trinta do lado oposto da rua eram
obrigados a participar do combate ao fogo; os que tinham poço deviam permitir que sua
água fosse usada. Multas severas incidiam sobre os que desobedecessem a essas posturas.
^ H « w n » f»onr a , ', E T ^ v , v w

■ T " t „ l, « ^ m / o u -s ,.. ., ,„ ,K Í a í 3 o dos "voluntjrios contra os


m « n d » , ■ A nc a cr nota p n ,,u |.,: , ; „ „ , u h p „ r pessoas lia d a s „„
cio. era
era dirigida por doas c o n p a n lo a s dc segur., o ™ ,., incendim . Ho lato. o Eovet„„
da, epoca p rclctia deixar 0 , 0 „ n mãos dc particubrcs. o que
en
. ,cerrava per,gos. u n u ver q Ur. la .a lm e n tc es.es disponha,,, de recursos suticen
t„ . Isso hvm , p rovad o en, 18, 2 . quando dois incêndios sucessivos destruíram un,
imóvel vizinho ao teatro e o do B anen do ju s tin o . Em 1876 ocorreram pelo menos sete
incêndios de gran d es p ro p o rçõ es na C id a d e A lta e na C id ad e Baixa, c os núm eros não
decresceram m uito nos anos seguintes. O fogo am eaçava sobretudo as zonas comerciais
da cidade, m ais v u ln e rá v e is por cau sa d a m u ltid ã o q ue en tu p ia suas ruas estreitas.
Os m ais esp eracu lares in cên d io s, p o rém , foram os ocorridos em períodos de crise
social: a S ab in a d a em 1 8 3 7 , o fim d a ep id e m ia dc cólera-m orb o em 1 8 3 5 -1 85~, o
m ovim ento p o p u lar c o n tra a carcstia e o d esab astecim en to em 1 8 7 7 -1 8 7 8 . Nesses
casos, o q u e a rd ia em c h am as eram lo jas de alim en to s ou depósitos de víveres. Deve­
mos c o n c lu ir q u e tais sin istro s eram todos crim ino so s? É um tem a a pesquisar, mas.
pelo q ue h o je sab em o s, é d ifíc il d is rin g u ir en tre a an im o sid ad e e o descuido.

R evo ltas e M o t in s

Nem só o fogo p u n h a cm risco a tra n q ü ilid a d e dos baianos no século XIX: é rica a
cronologia das su b lcv açó es, m o tin s, d istú rb io s sociais, revoltas arm adas. Foram m uitas
as sublevaçõcs de escravos de 1807 a 1835. E ntre 1808 e 1850, a descolonização e a
instalação d c um novo E stado b rasileiro deram lu g ar a lutas políticas e tensões sociais
entre a p o p u lação livre d a cid ad e. A p artir de 1850 os conflitos tornaram -sc menos
freqüentes, m as não p erd eram a grav id ad e, atestan do a fragilidade das bases econôm i­
cas da vida co tid ian a dos baian os. Em todos, os interesses sc superpõem e se embaralham.
Essas tensões, aliás m al estu d ad as e q u e apenas evocarem os aqui, abalavam fortemente
os habitantes de S alv ad o r, c a lem b ran ça desses conflitos ou o medo de novas sedições
está sem pre presente para esse povo, m ais in q u ieto do que parece.
Entre 1 8 0 7 c 1 8 3 5 , quase todos os anos foram marcados por revoltas dc negros na
Bahia, Em maio dc 1 8 0 7 , os escravos da nação haussa que vivia no Rnôncavo plane
jaram unir-sc aos da cidade para matar seus senhores, envenenar as fontes c, aj t ^
do-sc dos navios ancorados no porto, voltar para a Áfiica. Denunciados, os c. ç1
foram condenados à morte, o que não impediu que novas insurreições sc sucedessem,
em dezembro dc 1 8 0 8 c em janeiro dc 1809. Desta vez, os nagôs c o.* .”
uniram c as autoridades tiveram que recorrer ao Exército para atacai o (’ca ''
entrincheiravam, a cinqüenta quilômetros da cidade. Nova revolta em 1810, depois
cm 1 8 1 4 , esta liderada por escravos pescadores que tinham começa o por
contramestres c suas famílias. A infantaria e a cavalaria mataram 56 negros, quase
todos haussas, numa verdadeira batalha campal planejada, travada em Itapoa. pequen
452 B a h ia , S é c u l o XIX

porto bem perto de Salvador. As palavras de ordem dos com batentes negros eram:
‘Liberdade! V iva os negros e seu rei!’ e ‘M o rte aos brancos e aos mulatos!’59
Em ju n h o do m esm o ano, o u tra co n sp iração foi d e n u n c ia d a e rep rim id a , o que
n ã o im p ed iu a eclosão de novos m o vim en to s em 1816 e d ep o is em 1 8 2 2 , 1 8 2 6 , 1827,
1 8 2 8 , 1 8 2 9 , 1 8 3 0 e 1 8 3 5 . A cada um a dessas revoltas, sem d ú vid a favorecidas pela
recente proclamação da Independência do país, os revoltosos tentavam roubar armas,
incendiar entrepostos, libertar seus irmãos do cativeiro.
A revolta de 1835, bem p rep arad a e cercad a de segred o , q u ase lo gro u sucesso.
O rgan izad a por african os d e o rig em m u ç u lm a n a , tin h a a ad esão de m u ito s alforriados.
Ind ictaram -se 2 6 0 ho m ens e 26 m u lh eres, m u ito s dos q u a is fo ram condenados à
m o rte e às galeras ou depo rtado s p ara a Á fric a .60
Os escravos se rev o ltav am p ara se lib e rta r e p a ra v o lta r à Á frica, de o n d e tinham
sido arrancados. S u a h o stilid a d e se v o ltav a c o n tra os b ran co s, m as tam b ém contra os
m u latos, desde q ue fossem ltvres. D e fato, a lib e rd a d e era m ais n ecessária à inserção
social que a b ran cu ra d a pele. M as a v erd ad e é q u e cad a u m a dessas revoltas acabava
por isolar um pouco m ais os escravos n u m c írc u lo fech ad o , com o o a te sta esta sucessão
de m edidas: p ro ib ição de livre c irc u la ç ão de escravos após as no ve horas da noite
(1 8 0 7 ); p ro ib ição de festejos e d an ças, d e d ia ou de n o ite ( 1 8 1 4 ) ;61 p ro ib ição do
trânsito d e escravos pelas ruas, a não ser no c u m p rim e n to de o rd en s dos senhores
(1 8 3 3 ).62 A lém disso, os escravos não p o d iam co m p rar arm as n em in stru m en to s cor­
tantes. T od as essas regu lam en taçõ es são u m in d íc io d a in se g u ra n ç a q u e reín ava então
nas ruas d a cid ad e, so b retu d o até a d écad a de 1 8 4 0 , q u a n d o as a u to rid a d e s passaram
a rep rim ir com m ais eficácia q u a lq u e r te n ta tiv a de rev o lta dos escravos.
O perigo n e g ro 5, aliá s, assustava m ais os estran g eiro s resid en tes na B ah ia que
os verdadeiros b aian os. Em 1 8 2 4 , o cô n su l fran cês G u in e b a u d escreveu ao m inistro
da M a rin h a : “E sperem os q u e o im p e ra d o r a b ra en fim os olhos p a ra o enorm e peri­
go de ad m itir negros no E xército. A classe n eg ra, livres ou crio u lo s (j/V), é sem pre
objeto de relativo desdém por p arte dos b ran co s. Esta situ ação social inspira-lhes,
pois, um sen tim en to de horror em relação a seus senho res e os leva a u m a oposição
ao sistem a de civilização destes ú ltim o s .”63
Os baianos nao esqueciam que batalhões form ados por homens de cor alforriados
tinham lutado nas guerras da Independência e com batido todo tipo de revolta. A
inexistência de fronteiras raciais nítidas, num a sociedade em que o mestiço estava
presente cm todas as classes sociais, nos !cva a crer que a hostilidade manifestada, pelos
negros, contra brancos e mulatos por ocasião das revoltas era antes a ira do escravo
contra uma população livre c cheia de privilégios que o ódio ao branco ou quase
branco. Se a liberdade c o bem mais precioso entre todos, o ‘branco’ representava o
cidadão pleno, dotado dos privilégios e senhor dc sua vida. Para os baianos, os ‘bran­
cos da terra , a avalanche negra, o ‘perigo escravo’, eram temores análogos aos que, na
mesma época, em Paris, as classes abastadas diziam sentir das classes laboriosas, então
chamadas classes perigosas’/1^
- - - 1 - ° £W a m
*i\ í

jsss^sssstxssss1"-“”* —
descolonização, com ro das as co n trad içõ es q u e suscitou n o ' , ^ » » c ir i T h ^ ' A
fomentou desordens so ciais cm q u e ‘p o rtu gu eses’ e ‘brasileiro s' se opuseram I W
ciava-se a d e p en d ên cia en , q u e se en co n trav a a C asse produtora,ITT™;'
tnenre Por nartvos no liras,I. em relação ao gran de com ércio, quase todo em mãos de
portugueses, de la to os p r tn c p a is b en eficiário s de u m a econom ia voltada para o mer
cado exterior. P ro cla m ad a a In d e p e n d ê n c ia, os produtores brasileiros exigiam que a
nova ad m in istração fin a lm e n te os favorecesse. ' ■
Nas guerras d a In d e p e n d ê n c ia ( 1 8 2 2 - 1 8 2 3 ) , nas revoltas federalistas (1 8 3 1 -1 8 3 2 )
e na S ab in ad a ( 1 8 3 7 - 1 8 3 8 ) estiv eram sem p re em questão esses problem as da liberta­
ção do d o m ín io ec o n ô m ic o p o rtu g u ês e da busca de condições que poriam o mercado
baiano a salvo de to d a in g e rê n c ia estran g eira e até n acio n al, pois as elites locais rea­
giam às pretensões c e n tra liz a d o ra s do novo go v ern o .65
j á os pobres, as razões q u e os m o viam não eram de ordem po lítica, nem ideoló­
gica. A crise ec o n ô m ic a re su lta n te d a desorganização d a produção elevara os preços
dos produtos de su b sistê n c ia, e n q u a n to os salários se m antinh am m uito baixos .66
Quando se a m o tin a v a m , e m p u n h a n d o as b an d eiras da ‘R ep ú b lica’ ou da ‘Federação’,
mal conheciam o sig n ific a d o dessas palavras: era co n tra a falta de pão que protestavam .
De 1822 a 1 8 3 7 , a fo m e foi o m óvel p rin cip a l das revoltas do povo baiano,
embora os rebeldes m al soubessem expressar suas reivindicações. V ivendo no lim ite da
miséria, o povo fa m in to e rev o ltad o não teria sido capaz de dizer contra quem lutava
nem que reform as p ro p u n h a .67 O saque e a p ilh ag em das lojas portuguesas, tão fre­
qüentes na ép o ca, fo ram a ex p ressão ev id en te das tensões que, por ocasião da
descolonização, o p u n h a m a elite b a ia n a — nascida no B rasil ou de origem portuguesa
— e as classes p o p u lares. M as p ro d u to res e com erciantes, brasileiros natos e portugue­
ses, acabaram por se u n ir. A lu so fo b ia das classes dom inantes logo se transform ou em
luso filia.
A partir de 18 2 8 os cap itais portugueses voltaram a ser bem -vindos e a paz msta-
lou-se entre os abastado s, fosse qual fosse sua origem . Enquanto isso, as tensões entre
classes d irigen tes e as classes populares persistiam , sem que nenhum a tran. ç
dc estrutura viesse aten u á-las. Ao con trário: a partir da década de 1840, um sta o
Nacional forte, dotado dc um eficaz aparelho de vigilân cia c repressão, veio aux.har a
Manutenção do statu qua. As elites estavam tão unidas c bem organiza as pa p
as explosões da plebe que, entre 1850 e 1889, só ocorreram duas sub evaçoes pop
rcs na B ahia. , . Hêmi-
A revolta de 28 de fevereiro de 1858 i n s c r e v c u - s c num ^ e j a ?{ M 9 -
Cas> m isturadas a problem as de abastecim ento da ct a e. , , , .«1 (*1852
> « « ,. seguida pelo cOlcra-morbo ( ,8 5 5 - 1 8 5 6 ) , as chuvas ‘ - ^ ^ L i u t c n t o
c a terrível seca que se seguiu, durando a tí 1858, aca aram p situação era
<la cidade: faltaram carne, farinha de mandioca e outros produtos. A Ç
B a h ia . Sécclo XIX

c a t a s t r ó f ic a e m S a lv a d o r ,6!í c o m o a u m e n t o d o s p r e ç o s , s o b r e tu d o d o s a rtig o s de
p r im e ir a n e c e s s id a d e .60 .
Em 16 d e ja n e ir o d e 1 8 5 8 , a C â m a r a M u n ic ip a l c h e g o u a p r o ib ir a v e n d a de
f a r in h a d e m a n d io c a fo ra d o s n a v io s , a r m a z é n s e c e le ir o s m u n ic ip a is in s ta la d o s nos
d iv e rs o s b a ir r o s . A m e d id a d e s e n c a d e o u v io le n t a s re a ç õ e s d a A s s e m b lé ia M u n ic ip a l. O
d e s fe c h o d a c r is e fo i a s u b le v a ç ã o d i t a d a ‘‘c a r n e s e m o sso e f a r in h a se m c a r o ç o ” . O s
a m o t in a d o s g r it a v a m c o n t r a o s a lt o s p r e ç o s e a m á q u a lid a d e d a s m e r c a d o r ia s à v en d a.
F o i p r e c is o u m d ia in t e ir o e a in t e r v e n ç ã o d o E x é r c ito p a r a a p la c a r o s m a n ife s ta n te s.
N o v a m e n t e , a p a r t ir d o in íc io d e 1 8 7 8 , u m lo n g o p e r ío d o d e s e c a e u m a p ro d u çã o
in s u f ic ie n t e p r o v o c a r a m a a lt a d o s p r e ç o s d o s p r o d u t o s b á s ic o s .70 E m b o r a a c id ad e
tiv e s s e e n o r m e s r e s e rv a s d e f a r in h a d e m a n d io c a , o s p r e ç o s c o n t in u a v a m a su b ir a
p a ta m a r e s q u e t o r n a v a m o s a lim e n t o s in a c e s s ív e is a o s p o b r e s . A c a u s a p r in c ip a l foi
d e n u n c ia d a p e lo p r ó p r io p r e s id e n t e d a P r o v ín c ia , o B a r ã o H o m e m d e M e llo : a fa rin h a
e s ta v a s e n d o e x p o r t a d a . C o m e r c ia n t e s c o n t r a t a v a m a v e n d a d e g r a n d e s q u a n tid a d e s do
p r o d u to e , p a r a r e u n i- la s , e n v ia v a m a g e n t e s a to d o s o s m e r c a d o s d o in t e r io r para
c o m p r a r a q u a lq u e r p r e ç o q u a n t a f a r in h a e n c o n t r a s s e m . C o m p r a v a m ta m b é m ro d a a
f a r in h a q u e c h e g a v a a o p o r t o . A C â m a r a M u n ic ip a l q u is c o n t r o la r e ssa e x p o rtaç ã o ,
m a s o s c o m e r c ia n te s p r o t e s t a r a m , in v o c a n d o o p r in c íp io d o liv r e c o m é r c io . F in a lm e n ­
te , n a n o it e d e 3 0 d e m a r ç o , u m a m u lt id ã o s e j u n t o u d ia n t e d o p a lá c io d o p re sid e n te ,
e x ig in d o a o s b r a d o s o f im d a q u e la “in f e liz s it u a ç ã o a q u e e s ta v a m re d u z id o s os m ais
d e s f a v o r e c id o s ”.71 A A s s e m b lé ia M u n i c i p a l t o m o u e n t ã o a lg u m a s m e d id a s : c rio u um
im p o s to d e c e m ré is p o r c a d a lit r o d e f a r in h a e x p o r t a d a e a b r iu u m c r é d ito d e cem
c o n to s d e ré is p a r a a c o m p r a d e r e s e rv a s d e f a r in h a , q u e d e v e r ia m s e r v e n d id a s nos
m e r c a d o s a p r e ç o d e c u s t o .77 N a r e a lid a d e , e r a m m e d id a s p a lia tiv a s . A e s tr u tu r a e o
f u n c io n a m e n to d o m e r c a d o d o s p r o d u to s d e s u b s is t ê n c ia p e r m a n e c e r a m in to c a d o s. O
m o tim fo ra a b a f a d o , m a s o s p r o b le m a s c o n t in u a v a m s e m s o lu ç ã o p a ra a m a io r ia dos
h a b ita n te s d e S a lv a d o r , o b r ig a d o s a r e c o r r e r a u m m e r c a d o e m q u e o fe rta e p ro cu ra
e s ta v a m e m p e r p é tu o d e s e q u ilíb r io , e m q u e f a lta v a d in h e ir o , em q u e as a tiv id a d e s
p r o d u tiv a s t in h a m c a d a v ez m e n o s c o n d iç õ e s p a ra se d e s e n v o lv e r.
C A I M T U L O 2 5

As A tiv id a d e s P ro d u tiv a s :
C o n d iç õ e s e D e s e n v o lv im e n to

In fo rm a ç õ e s q u a lit a t iv a s e q u a n t it a t iv a s , e s p a r s a s e in c o m p le ta s , p e n o sa m e n te re u n i­
das e a n a lis a d a s a o lo n g o d o s ú lt im o s q u in z e a n o s , in d ic a m q u e a a tiv id a d e a g ríc o la
v o ltad a p a r a a p r o d u ç ã o d e b e n s p r im á r io s p a r a a e x p o rta ç ã o , co m o o a çú c a r e o fu m o ,
tin h a a b s o lu to p r e d o m ín io n a B a h ia d o s é c u lo X IX . C o n tu d o , ao lo n g o do sécu lo ,
esses p r o d u to s t r a d ic io n a is n ã o só f o r a m p e r d e n d o lu g a r n o m e rc a d o in te rn a c io n a l,
com o a in t e g r a ç ã o d a e c o n o m ia b a ia n a n a e c o n o m ia n a c io n a l d im in u iu , em b o ra os
gran d es p o lític o s d a p r o v ín c ia d e s s e m as c a r ta s n a v id a p o lític a d o p a ís .1 Essa elite
p o lític a , a p e s a r d e t a le n t o s a , n u n c a se p r e o c u p o u c o m o d e s tin o ec o n ô m ic o d e sua
p ro v ín c ia , a c e it a n d o a s d e s v e n t u r a s c o m o f a ta lid a d e . N a o fa lta ra m ten ta tiv a s d e d iv e r­
sific ar a p r o d u ç ã o a g r íc o la d a P r o v ín c ia , m a s e la fic o u à m a rg e m d a p ro d u çã o d e cafe,
q ue aos p o u c o s in v a d ia o C e n t r o - S u l d o p a ís , f o m e n ta n d o a li o p ro gresso , p o r seus
m u ito s e fe ito s m u lt ip lic a d o r e s . A o d e s e n v o lv im e n to d e p r o v ín c ia s co m o as d o R io de
Ja n e iro , M in a s G e r a is e S ã o P a u lo n o s é c u lo X IX , c o n tra p u n h a -s e a ‘in v o lu ç ã o ’ eco­
n ô m ic a d a B a h ia . * >2
N ã o é fá c il e x p lic a r e ste fe n ô m e n o , q u e a lg u n s a té c h a m a m de o en ig m a b aian o .
Pm p r im e ir o lu g a r , u m a a n á lis e e c o n ô m ic a re q u e r d ad o s q u a n tita tiv o s v aria os e
so b retu d o c o n fiá v e is s o b re to d o s o s se to re s. E u m e sm a , no p assad o , ten t
o rg an izar a lg u n s d e sse s d a d o s , m a s a ta r e fa re v e lo u -s e in v iá v e l, d a d a a a t
im p re sc in d ív e is. P o i im p o s s ív e l, d c fa to , r e c o n s titu ir séries relativ as re
à P m d u ção líq u id a to ta l d a P r o v ín c ia . N ú m e ro s referen tes ao m o v im en to os p
e aos o u tro s m e io s d e p a g a m e n to n ã o p u d e ra m se r en c o n tra d o s. D escncoraj ,
nei-m e a p re te n sõ e s m a is m o d e s ta s . rn m n reen -
R m se g u n d o lu g a r , p a ra e x p lic a r é p rec iso tam b ém po er co m p desem pe-
o declínio da econ om ia da Bahia no ,é cu lo X IX imphca cote,
n ho com o d as e c o n o m ia s d as p ro v ín c ia s q u e p ro g re d ira m n . ^ j utos exp 0rta-
apenas co m b ase e m s im p le s c o m p a ra ç õ e s e n tre q u an ci a

455
B a HU. SfCTTO X IX

dos C seu valor. Estas podem in d ica r o rd en s de grande/a. m as nao fu n d ar verd ad ei­
ras exp licaçõ es, pois, de um lado e de o u tro , faltam sem pre m u itas variáveis ind is­
pensáveis, Por exem plo , o açú car — p ro d u to de ex p o riaçao . m as tam bém de consu­
m o local e n acion al — era p ro d u zid o não só no N o rdeste, mas nas provín cias do
R io d e Jan eiro e São Paulo. Por q u e a B ahia nao colocava seu açúcar no mercado
n acio n al, d eix an d o -se sup erar por P ern am b u co , m u ito m ais d istan te dos m ercados
do S u l do p a ís? ; (Esta p ro v ín cia, aliás, exp o rtav a para o m ercado in tern acio n al, a
p artir d c ÍS^O. duas a très vezes m ais a çú car q ue a B ah ia .) S eriam os custos de
prod ução m ais alto s na B ahia? O u os de tran sp o rte? As técn icas d e produção seriam
diferentes? O u será q u e, d esen co rajad o s, os p ro d u to res b aian o s teriam interrom pido
sua ativ id ad e, en q u an to os de P ern am b u co p erseveravam ? S eriam as form as de cré­
d ito m ais favoráveis em P ern am b u co , o u te riam seus senho res de engenh o menos
dívidas? São questões q u e a p reca ried ad e de in fo rm açõ es d eix a sem resposta. M as é
hora de in te rro m p er esta d igressão . S e m e d etiv e nestes p o n to s, d eix an d o de lado
outros ig u alm en te im p o rtan tes, foi p ara m o strar os lim ite s im p o sto s pela deficiência
de nossas fontes a u m a ex p licação do d e c lín io d a eco n o m ia d a B ah ia.
A p artir d e 1 9 2 0 , alg u n s b aian o s p ro cu raram co m p reen d er essa situ ação , valendo-
se de estatísticas fragm en tad as c, so b retu d o , de u m a d o cu m en ta ção q u a lita tiv a . A ssim ,
após descrever o co m ércio de S alv ad o r c tra ça r o perfil dos p rin cip a is agentes econô­
m icos, Goes C a lm o n propôs u m a ex p licação para a d ecad ên cia d a eco n o m ia baiana no
século an terio r. Para tan to , en u m ero u u m a série de fatores extra-eco n ô m ico s, entre os
quais destacou a m istu ra racial e as m ás co n d içõ es c lim á tic a s rein an tes na Província,
fatalidades a q u e a so cied ad e não fora cap az de reagir. T al exp licação , ain d a que
atrib u a à fatalid ad e o papel de ‘v a riá v e l’, tem o m érito de ch am ar a aten ção para as
secas periódicas. S egu n d o esse au to r, elas o co rriam em todo s os anos q ue term inavam
com os algarism o s três e nove, afetan d o so b retu d o as regiõ es do Sertão , cuja produção
não estava in teg rad a ao c irc u ito ag ro ex p o rtad o r. Ele d e fin iu , assim , um quadro
co n ju n tu ral da eco n o m ia b a ian a com base em ciclo s dccen ais, a p artir de 1823. Esse
recorte cm etapas dc igu al d u ração na v id a eco n ô m ica e fin an ceira da provín cia per*
m itíu -lh e fixar c av aliar as p rin cip ais oco rrências de cada etapa. O esquem a assim
m ontado sugere que os p rim eiro s dezessete anos sub seqüen tes à Independência foram
dc crise, tan to em razão das guerras c das perturbações sociais que se seguiram como,
sobretudo, em decorrên cia da fuga dos grandes negociantes portugueses, com seus
capírais, o que teria desorganizado a produção c as trocas com erciais. A Bahia jam ais
sc teria recuperado dessa perda.^
U m a segunda tentativa de explicar o d eclín io da B ahia pelo estudo da con jun­
tura econôm ica foi feita cm. 1930. Eni obra do econom ista Rõm ulo dc A lm eida,
típico representante de um a geração ele in telectu ais baianos desejosos de com preen­
der — para dele escapar — o m arasm o da econom ia do Estado. Para eles, todo
desenvolvim ento dependia da com preensão do passado, indispensável para lançar luz
sobre os pontos dc estrangulam ento dc um a dinâm ica regional que chegara a um
457

.■ _ i i . , „ . ’ e
com ercial e a q u e s tã o d o a b a s te c im e n to de S a lv a d o r. D e um exam e lim itad o ao
Recôncavo, p a ssa m o s assim a a v a lia ç õ e s q u e a b ra n g ia m , p o r lo n go s perío dos, o co n ­
junto das e s tr u tu r a s e c o n ô m ic a s d a P ro v ín c ia . R o m u lo d e A lm e id a c ritic o u ,'a liá s, o
papel da a d m in is tr a ç ã o p r o v in c ia l, m a is in te re ssa d a cm d is trib u ir sin ecuras do que
em in v estir e m a tiv id a d e s p r o d u tiv a s os recu rso s q u e a n g a ria v a com os im postos.
A p a rtir d o q u a d ro g e ra l, o e c o n o m is ta a n a lis o u o p ap el co m ercial de Salvador.
Deu ên fase às re la ç õ e s e n tre a B a h ia e o m e rc a d o in te rn a c io n a l, in d ica n d o as cres­
centes d ific u ld a d e s q u e a P ro v ín c ia e n c o n tra v a p a ra co lo c ar seus pro du to s num m er­
cado em q u e a d e m a n d a e ra ir r e g u la r . A B a h ia n u n c a c o n se g u iu cap tar m ercados
estáveis. O s e c o n o m is ta s b a ia n o s m e n c io n a m se m p re , a esse resp eito , a irreg u larid a ­
de d a d e m a n d a , m as n ã o a d a o fe rta . O ra, as crises p o lític a s das décadas de 1820 e
1830, os efeito s d a s e p id e m ia s de feb re a m a re la e de có lera-m o rb o na décad a de
1850, a p ra g a d a c a n a -d e -a ç ú c a r n a d é c a d a d e 1 8 7 0 , as p erió d icas crises clim áticas
nas áreas p r o d u tiv a s — ■ tu d o isso d ev e ter c o n trib u íd o p ara d im in u ir a oferta em
certos m o m e n to s d a c o n ju n tu r a e c o n ô m ic a , so m a n d o -se à in sta b ilid a d e de d em an ­
da, fa rta m e n te a p o n ta d a .
P ara R ô m u lo d e A lm e id a , as flu tu a ç õ e s nos preço s to rn av am a in d a m ais pre­
cária a c irc u la ç ã o das m e rc a d o ria s no e x te rio r. A n a liso u em seg u id a as relações da
B ahia com as p ro v ín c ia s do S u l, c o m as q u a is tin h a u m a b alan ça co m ercial sem pre
desfavorável, p a g a n d o -lh e s u m d u p lo trib u to ; co m p rav a-lh es m ercado rias de preço
m ais alto (te c id o s e p ro d u to s m a n u fa tu ra d o s de São P au lo , q ueijo s de M inas Ge­
rais) e fo rn c cia -ih es m ã o -d e -o b ra b a ra ta e c a p ita is para seu desen vo lvim en to. O fe­
cho desse e stu d o d a c o n ju n tu r a e c o n ô m ic a d a B ah ia, de apenas dezoito páginas, é
um d iag n ó stico b a s ta n te claro : “N u m a cu rv a de lo n g a d u ração {médias móveis em
períodos lo n g o s), p o d em o s rep resen tar esse p erío d o da h istó ria da B ahia por um a

da Bahia não são de todo satisfatórias, lílas sugerem, no entanto, o


variáveis, que, combinadas a alguns dados recentes, talvez permit
nova tentativa de explicação.
B a h i a , S ê c i -lo XIX

G e o g r a f ia d a P rodução

A m aior parte d a p o p u lação de Salv ad o r, no século XIX, v ivia de ativ id ad es ligadas ao


com ércio, num m ercado em q ue se p raticav am todas as fo rm as d e troca. As m ercado­
rias produzidas na P ro vín cia, seja para co n su m o lo cal, seja para exp o rtação , som avam -
se às im po rtadas. C om u m a p o p u lação co n sid erável e u m porto freqüentado por
navios sem pre a trazer e levar m ercad o rias, a c id a d e d ep en d ia b asicam en te dos gêneros
produzidos no in te rio r d a P ro v ín cia, p rim eiro p ara sua so b rev ivên cia, depois para
exportar. M as q ue gêneros se p ro d u ziam n a B ah ia, e on de?
O açú car e o fum o tin h am um p ap el essen cial, m as não m enos im p o rtan te era a
farinh a de m an d io ca, esse ‘pão da te rra ’, im p resc in d ív e l n a m esa de ricos e pobres,
transportado pelos navios de cab o tagem , e c u ja ev en tu al m á q u a lid a d e p o d ia provocar
até m o tin s.
Q u an to aos d em ais gên eros de su b sistê n c ia, a p ro d u ção n u n ca cessou de se diver­
sificar e de se ex p an d ir, em todo o te rritó rio d a P ro v ín cia. N o en tan to , com o já se
m en cio n o u , por falta de tran sp o rte ad eq u ad o , o q u e se p ro d u z ia p ara além d a zona do
A greste, nas profundezas do Sertão , ra ram e n te ch eg av a ao m ercad o de Salvado r (vol­
tarem os a isto ). Em geral, tais gên eros serviam ao co n su m o de u m a p o p u lação m uito
dispersa, m as q u e a u m e n to u c o n tin u a m e n te ao lo n go d o sécu lo .6N as regiões cortadas
pelo São F rancisco, eram tam b ém ob jeto de u m co m ércio b astan te ativo com as
províncias lim ítro fes, P ern am b u co e M in a s G erais. M a s, se é fato q u e gran d es áreas do
Sertão b aian o tin h am u m co m ércio lo cal e estavam m ais in teg rad as às econom ias das
províncias v izin h as q u e à d a p ró p ria B ah ia, ig n o ram o s tan to o v o lum e de produção
com o as q u an tid ad es e os valo res n eg o ciad o s. M esm o sobre terras do in terio r, próxi­
mas a Salvador, não há n en h u m d ad o sobre q u a n tid ad es cu ltiv ad as p ara exportação e
consum o corrente.
Ao que parece, não h av ia zonas esp ecializad as de c u ltu ra , apesar da enorm e diver­
sidade clim ática e geo lógica q ue caracteriza a p ro v ín cia. T o m em o s com o fio condutor
a divisão da P rovíncia em três zonas e com p arem o s a pro du ção , q u an to à sua variedade.
O quadro é claro: os p rin cip ais gêneros de co n su m o corren te eram produzidos em
todas as regiões da P ro vín cia, in clu siv e aq u elas freq ü en tem en te afetadas pela seca.
Essas regiões do Sertão cu ltiv av am in clu siv e produto s com o o fum o e a cana-de-
açúcar, que, eviden tem en te, não se d estin avam ao porto de Salvador. Eram portanto
econom ias locais, com um a produção de gêneros alim cn tares aparentem ente bastante
bem -estruturada. O s relatórios an u ais dos presidentes da Província sugerem , inclusive,
que havia geração de excedentes com crcializávcis cm m ercados m ais am plos.
No entanto, até o fim do século XIX, e bem além disso, nada ou quase nada dessa
produção do interio r chegava à cap ital, sem pre desabastecida, obrigada a im portar não
só trígo, como feijão e arroz, H erculano Ferreira Pcnna, presidente da Província,
observava em 1860: “ É lam entável, senhores, que o agriculto r baiano, o rico senhor de
engenho, que dispõe de tantas terras férteis, abandone a cu ltu ra da m andioca e dos
L ivro V I - O C o t i d i a n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m 459

cereais e se co lo q u e n a triste situ ação de ver-se o b rigad o a co m p rar esses víéeres de


outras p ro vín cias para a m an u ten ção dos escravos em pregado s na a g ric u ltu ra .”7 Em
1875, M a n u e l Je su ín o F erreira escrevia q u e o estado da a g ric u ltu ra b aian a era d ep lo ­
rável “pela au sên cia de co m u n icaçõ es rápidas com seus centros populosos e ricos do
in terio r. D estarte, m u ito s valo res se p erd em , q u an d o d everiam ter sido em pregados
para a fo rm ação de recursos em b en efício d c to d a a P ro v ín cia”. Ele acrescentava que
a a g ric u ltu ra era, além disso , v ítim a de im p o sto s “q u e absorvem (esses recursos),
a n iq u ila n d o -o s”, pois, ao invés de serem in v estid o s em obras pú b licas, serviam para
pagar fu n cio n ário s e m a n te r a P o líc ia e casas de c a rid a d e .8Q u an to aos presidentes da
P ro víncia, d e n u n c ia v a m in c a n sa v e lm e n te a d e fic iê n c ia das vias de transporte, sem
jam ais ap resen tar p ro jeto s co n creto s p a ra re m e d iá-la .

. TABELA 73

Z o n a s de P r o d u ç ã o A g r íc o l a n a B a h ia , 1 8 9 0

P r o d u t o s de E x p o r t a ç ã o P r o d u t o s de C o n su m o I nterno

Z ona A

Recôncavo açúcar, tabaco, algodão, café feijão, mandioca, cereais

Z ona B

Recôncavo Sul açúcar, tabaco, cacau feijão, mandioca, cereais

Litoral Sul açúcar, cacau feijão, mandioca

Z o na C

Agreste I 1 tabaco, algodão, café feijão, arroz, mandioca, cereais

Agreste II2 açúcar, tabaco mandioca, batata

Centro-Oeste açúcar, tabaco, algodão, café, cacau feijão, arroz, mandioca, chá, cereais

Norte3 Açúcar, tabaco, algodão, café feijão, arroz, mandioca, cereais

(1) Consideramos Agreste I a área a oeste de Salvador. (2) Agreste II corresponde à área ao norte de Salvador. (3) Para efeito
da tabela, Norte inclui Extremo Norte, Extremo Oeste e Extremo Sudoeste,
Fonte: F ra n c isc o Vicente Viana, A íem ótiã sob re o Estado d ã Bühi&j p. 4 19 —560.

Em 1 9 2 3 , os baianos ainda se queixavam da insuficiência de sua rede de transpor­


tes. Grande parte do algodão cultivado nos municípios' de Caetité, Rio das Contas,
Monte Alto e M orro do Chapéu, por exemplo, era exportada para Minas Gerais,
enquanto as fábricas dc tecido de Salvador importavam 6 0 % de sua matéria-prima, tal
como, no século XIX, as fábricas in staladas em Valença se abasteciam nas províncias
vizinhas de Sergipe e Alagoas.9 Havia, aliás, a idéia de prolongar a linha de Carinhanha
da Estrada de Ferro Central c a do entroncamento do M orro do Chapéu até a cidade
de Barra, onde se instalariam fábricas de tecidos cuja produção poderia ser escoada nos
estados vizinhos de Goiás e do Piauí e nos sertões de Pernambuco e do Ceará.
Ao que parece, as regiões do Sertão que, no século XIX, viviam numa economia
praticamente fechada, não careciam de dinamismo, malgrado as agruras do clima.
B a h ia , S éc u lo X I X

C hegou-se mesmo a criar um a rede de trocas que in terligava populações dispersas por
enorm es extensões: no final do século, Brejo G rande, O rohó, Palm eiras e C urralinho
haviam se transform ado em im portantes m ercados regio nais, en q u an to Barreiras tor­
nava-se um centro reputado por suas relações com erciais com juazeiro, (e, por seu
interm édio, com Salvador); C asa N ova, vilarejo in sign ifican te em m eados do século,
transform ava-se num grande m ercado graças ao com ércio de sal c de gado com o Piauí.
O esforço foi m ais longe. E conom icam ente isoladas, essas regiões do Sertão bus­
cavam produzir, elas m esm as, certos produtos q ue em geral só prosperavam no litoral,
graças a condições clim áticas e geo lógicas m ais propícias. A ssim , can aviais plantados
ao longo de toda a bacia do São F rancisco p erm itiam p ro d u zir açú car m ascavo, m ela­
do e aguardente, destinados ao consum o local, A lém disso, o p lan tio de algodão deu
ensejo a um a ativ id ad e artesan aí, de fabricação de tecidos e redes, cujo volum e se
ignora, mas parece ter sido im p o rtan te. O s centro s dessa produção eram os povoados
de A ngical, C am po Largo de C o n ceição do C o ité, Ju c ia p e e S an ta M a ria da V itória,
sendo que se fala até de u m a “in d ú stria de tecidos de alg o d ão ” in sralad a nesta ú ltim a .11
Não podendo chegar ao m ercado de Salv ad o r, o algodão era m an u fatu rad o , conver­
tendo-se num im p o rtan te item de com ércio en tre regiões d a p ro vín cia e ralvez até no
âm bito in terp ro vin cial (é possível q ue o algo d ão p ro du zido no centro-oeste e no
extrem o oeste da P rovíncia já fosse exportado para M in as G erais antes do século XIX).
N ão se sabe, porém , q u e proporção do algodão p o d ia ser m an u fatu rad a no local, e por
certo um excedente considerável da m atéria -p rim a ap o d recia ali, não podendo ser
rem etido para o lito ral.
De fato, os transportes terrestres no século X IX eram tão precários quanto na
época colonial: as m ercadorias circu lavam cm lom bo de burro, po r trilh as abertas pela
m archa das boiadas. As d istân cias eram longas e o tran sp o rte do algodão — m ercado­
ria de m uito volum e e pouco peso — era esp ecialm en te caro, fatores que elevavam
m uito o custo final do produto no m ercado de Salvado r. M esm o um a região mais
próxim a da cap ital, com o a C h ap ad a D iam an tin a, q u e produzia, além de algodão e
cereais, produtos com o d iam an tes e café, tin h a m ais facilid ad e para com erciar estes
itens que propiciavam lucro m u ito m aio r — que os prim eiro s. Com preende-se,
portanto, por que o intercâm bio da produção agríco la ficava lim itad o aos mercados
locais. Rode-sc supor que o preço do transporte de cereais era m uito elevado.
A produção do Agreste — açúcar, fum o, café e algodão, além dos legum es e cereais
de consum o corrente — encontrava m ais facilm ente seu cam inho para o m ercado de
Salvador, graças à ligação ferroviária im p lan tad a nos anos 1860, ainda que esta fosse
insuficiente.
No Recôncavo, predom inavam as culturas da cana-de-açúcar c do fumo, embora
cidades como M aragojipe, N azaré das Farinhas e Jagu arip e produzissem m andioca,
legum es e cereais. O transporte m arítim o era fácil, mas a produção não atendia à
dem anda da região e da cap ital. O sul do Recôncavo e o do litoral produziam sobre­
tudo m andioca c certas legum inosas, com o o feijão, mas tam bém em quantidades
■ C o t i d i a n o DO s^ H o M rN s q u r P r o d u z i a m e T r o c a v a m 461

insuficientes. Seja como for, essac rr-tõn^c - * i , .


■ cgioes estavam mais integradas a economia da
capital, centro dinâmico, que as do centro, do oeste e do norte da Província.

iparadas às que sc estendiam pelo


vale do Paraíba, no C entro-Sul do país. Seriam os produtores baianos menos em­
preendedores que os do Rio de jan eiro e São Paulo? Seriam suas terras menos propícias
a essa cultura? O fato é que o café de Amargosa tinha excelente reputação... Seja como
for, essa produção cafeeira, no conjunto, nao deixava de contribuir para reduzir o
desequilíbrio da balança comercial da Província. Q uanto ao cacau, cultivado na região
de Ilhéus, só após 1 8 6 0 se tornaria um importante produto de exportação.12
Resta falar do açúcar e do fum o, que dom inavam as exportações baianas. Não e
minha intenção narrar a história desses dois produtos no século XIX — que, aliás, está
por ser feita , mas evocar alguns dados dos problemas, sobretudo os relativos ao
açúcar.
Entre as causas que em geral se apresentam para explicar o declínio da produção
açucareira, as mais citadas se ligam à produção e à comercialização. A obsolescência
das técnicas de p rodução e a falta de mão-de-obra para cultivar a terra e fabricar o
açúcar foram causas primeiras, mas não as mais importantes, pois o declínio da ativi­
dade açucareira resultou sobretudo das novas condições impostas pelo mercado inter­
nacional. A pós a Independência, até Portugal deixou de comprar o açúcar baiano,
enquanto outros países, com o a Inglaterra, a França e a Espanha, se abasteciam nas
próprias colônias. Adem ais, na Europa continental, o açúcar de beterraba, fortemente
protegido, o p u n h a um a segunda barreira à penetração do açúcar baiano.13 Mas, por
importantes que tenham sido, essas condições internacionais tampouco me parecem
uma explicação suficiente.
No tocante à cultura da cana-de-açúcar, o Recôncavo tinha três problemas a
enfrentar; um, permanente, era representado pela estiagem ou o excesso de chuvas; os
outros dois sc manifestavam a longo prazo: o desgaste e o empobrecimento do solo e
o desmembramento das propriedades, seja por partilha entre herdeiros, seja em decor­
rência de crises econômicas.
Primcíro problema: excesso ou escassez de chuvas. Sabemos hoje que, no massapê
impermeável — terra argilosa, formada pela decomposição de calcáreos cretáceos ,
nos anos secos (índices piuviométricos de 1 .2 0 0 a 1.5 0 0 mm), a cana-de-açúcar cresce
com bom rendimento; já nos anos de muita chuva (entre 1.8 0 0 e 2 .2 0 0 mm), nesse
tipo de terreno, a colheita é má, senão catastrófica. Nos silões terras argilo
arenosas, mais profundas c mais bem drenadas — , ocorre exatamente o inverso: o
rendimento é bom nos anos de chuvas abundantes e mau nos anos secos. Atualmente,
sem uso de adubo ou irrigação, considera-se boa uma produção de 55 toneladas de
cana por hectare e má a de 35 toneladas por hectare. Ignoramos, lamentavelmente,
qual cra o rendimento no século X IX .14 Diga-se de passagem que, entre 18 0 9 e 1889,
B a h ia . S éculo X IX

registraram -se 25 anos secos e onze de chuvas excessivas, e que, no Recôncavo, os solos
argilo-arenosos, q u e precisam de chuvas, predo m inam sobre as terras de massapê li;
S egu nd o problem a: o desgaste dos solos. A can a-de-açúcar, ainda que pouco
danosa para a terra, acaba por d estru ir o húm us fértil. A batidas as florestas, os solos do
R ecôncavo foram explorados com o se fossem m inas: buscava-se extrair o possível com
a m áxim a b revidade. Para saber em q u an to tem po a destruição era íevada a cabo, seria
preciso co m p arar em lab o rató rio solos de m assapê e de ‘silõ es’, cultivados e não cul­
tivados. M esm o isro, aliás, p o d eria ser engan o so , fã q ue o am b ien te de outrora foi
d estru íd o . Ao q ue tu d o in d ica, no en tan to , o desgaste do solo foi m aior do que em
geral se a d m ite .16
T erceiro problem a: o desm em bram ento das propriedades. No final do séctiloX V lII,
a B ahia tin h a 2 6 0 engenhos; em 1818, Sp ix e M artiu s con taram 511. N um famoso
ensaio sobre a fabricação do açúcar, o fu tu ro M arqu ês de A brantes arrolou 603 em 1833.
M ais tarde, em 1853, em relató rio à A ssem bléia Provincial, o presidente da Província
falou de 7 5 9 engenhos registrados. F in alm en te, em 1875, M an u el Jesuín o Ferreira citou
8 3 9 engenhos, 2 8 2 dos quais equipados com m áq u in as a vap o r .17 A ssim , entre 1800 e
1875, período de crise na h istó ria dos engenhos, seu núm ero foi m u ltip licado por três.
Em q ue terras o p lan tio da can a-d e-açú car se expandia? N o Recôncavo, zona
trad ic io n al de cu ltu ra , as terras virgens rareavam ; as da p aró q u ia de São Pedro do Rio
Fundo tin h am co m eçado a ser o cu p ad as já no fin al do século X V III. Portanto, foi peio
restante do territó rio da P ro v ín cia q u e a c u ltu ra da can a-d e-açú car se expandiu. Não
sabem os q uan to s engenh os se in stalaram no R ecôncavo, nem nas dem ais regiões. Mas
os 6 0 3 engenh os arro lad o s em 1 8 3 2 -1 8 3 3 pelo M arq u ês de A brantes talvez fossem
apenas os do R ecôncavo e do A greste. O jo go dos desm em bram enros de unidades
m aiores p erm itia a d q u irir terras e nelas in stala r engenh os, graças à lei de 13 de novem­
bro de 1827, q u e ab o liu a ex igên cia de perm issão.
O d esm em b ram en to se operava de du as m an eiras. U m a envolvia a venda das
terras, prática com um desde o perío do co lo n ial, e que, na época, perm itira aos produ­
tores de can a-d c-açú car p lan tar cm terras de sua p ro p ried ad e .18 A segunda se efetuava
por via de h erança: com o todos os filhos tin h am igu al d ireito ao bens paternos, a
propriedade ten d ia a se su b d iv id ir, fragm en tan do-se de geração em geraçao, a menos
que a fam ília praticasse a en d o gam ia.
É difícil determinar a extensão dessas unidades dc produção, mas há indicações,
embora imperfeitas, no cadastro dc terras organizado por determinação do imperador
(lei dc 18 de setembro de 1 8 5 0 ). Na paróquia de São Tiago do tguape, no Recôncavo,
o engenho dc São João do Açu, lambcrn chamado Engenhoca, pertencente ao tenente-
coronel Francisco Gomes Mnncorvo, tinha 5 .5 9 0 hectares, o que representava a 9 ua1’
ta parte das terras da paróquia. Dois outros proprietários possuíam entie mil e dois mi
hectares, oito tinham entre quinhentos c tnil, unia dezena entre cem e trezentos. Vinte
c cinco tinham menos dc ccm hectares.1<J Onde estavam os grandes latifundiários do
açúcar de que fala a historiografia brasileira? Aliás, na mesma época, e também no
L iv ro V I o C o t i d i a n o d o s H o m e n s q u e P ro d u z ia m e T r o c a v a m 463

Recôncavo, os sete engenhos que com punham a fortuna fundiária da fam ília Rocha
Pita ocupavam 3 .6 2 4 hectares. Portanto, eram engenhos com 518 hectares em mé­
d ia, que valiam aos R ocha P ita a fam a de serem os m ais ricos proprietários dé terra
do Recôncavo! Em 1891, q uando a fam ília C osta Pinto vendeu sua usina de açúcar,
as terras dos engenhos Bom Ja rd im e Bom Sucesso, que a integravam , tinham , respec­
tivam ente, 174 e 3 2 0 h ectares .21
C abe no tar ain d a que nem todas as terras dos engenhos eram destinadas à cultura
da can a-d e-açúcar. Isto, em parte, por necessidade: algum as terras eram mangues,
im próprios p ara a cu ltu ra, outras serviam de pasto para os anim ais do engenho ou
deviam ser deixadas em descanso. M as, de fato, não eram apenas essas parcelas que
deixavam de ser cu ltiv ad as. A ssim , em 1889, o engenho d ’Á gua, propriedade do
terceiro barão de São F rancisco , tin h a dezessete hectares cultivados, num total de 435;
o engenho Q u ib aca, do barão de C o tejip e, apenas 25 hectares, tam bém em 4 35 ; já o
visconde F erreira B an d eira, dono do engenho M ad ru g a, lim itava-se a cultivar treze
dos seus 522 h ectares .22 É v erd ad e q ue estes dados se referem a um m om ento da
história da B ah ia em q ue o p ro b lem a d a m ão-de-obra — que afetou gravem ente a
agricu ltu ra açu careira a p a rtir de m eados do século — estava especialm ente agudo.
Estes elem en to s in d ic a m q u e o d eclín io da in d ú stria açucareira m ereceria estudos
m ais aprofun dado s. N eles, h av eria q u e con siderar as questões ligadas ao capital e ao
fin an ciam en to do créd ito , sem esquecer as posições dos senhores de engenho e das
autoridades go v ern am en tais em relação aos problem as financeiros.
A cu ltu ra do fu m o , por sua vez, desenvolveu-se sobretudo a p artir de meados do
século X V II, q u an d o o p ro d u to com eçou a servir de m oeda de troca na com pra de
escravos na costa d a Á frica. As plantações se estenderam na região situada além da
confluência dos rios P arag u açu e Ja cu íp e, em que se destacava a paróquia de São
Gonçalo dos C am p o s. V im o s que, no século XJX, a cu ltu ra do fum o de dissem inou
por todo o territó rio d a p ro vín cia, m as as regiões exportadoras se situavam nas proxi­
midades no lito ral e nos m u n icíp io s de C ach o eira, São Félix, C ruz das Alm as, São
Filipe, San to A n tô n io de Jesu s, N azaré, M arag o jip e e São M ig u el das M atas, todos no
sul do R ecôncavo.
Desde o período co lo n ial, a cu ltu ra do fum o era de tipo fam iliar, praticada por
agricultores livres, m u ito s dos quais tin h am a posse da terra que cultivavam . Era
com um tam bém que pro p rietário s alugassem partes de suas terras a pequenos agrícul
tores, o que acabou por criar um grupo heterogêneo de m édios e pequenos proprietá^
rios e de rendeiros (lo catário s), a que se juntavam em pregados, cham ados colonos.
As unidades de produção tinh am de cem a três mil acres, mas 2/3 delas se concentra­
vam na faixa entre cem e m il acresM
As propriedades q ue cultivavam o fumo com portavam em geral uma sede —
construção térrea m u ito sim ples, sem qualqu er sem elhança com as belas casas-gran-
des dos engenhos — e exigiam de dois a 25 escravos (segundo a superfície cultiva­
da), alojam entos para eles e um barracão para a secagem e estocagem do produto.
464 B a h ia , S é c u l o XIX

O cap ital a investir era, assim , três vezes m enor que o necessário para o cultivo da
can a-d e-açú car.25 A lém disto, o ciclo de produção do fum o é m ais curto que o da
cana (seis a oito m eses, contra 18), o que p erm itia duas colheitas por an o .26 O ren­
d im en to m édio por u n id ad e de produção era de cem a 150 arrobas por ano. Em
1788, só no d istrito de C ach o eira, havia oito m il plantadores de fum o; ao que pa­
rece, na m aio ria ren d eiro s.27
As m esm as condições prevaleceram no século XIX: os investim entos necessários
co n tin u avam m enores q ue os exigido s para a cu ltu ra da can a, as áreas cultivadas não
passavam em geral de dez hectares e o trab alh o era feito pelo agricu lto r e sua fam ília.
Estes, p aralelam en te, p lan tavam gêneros de su b sistên cia, com o m ilho, m andioca e
feijão. O fum o co n tin u o u sendo u m a c u ltu ra de ho m ens livres, o que evitava o
d ispênd io na com p ra de escravos, cujo s preços elevaram -se co n stan tem en te ao longo
do século. M u itas vezes p lan tava-se em terra a lu g a d a e, entre os em pregados, havia
escravos alfo rriad o s.28
M as o século X IX tro u xe u m a g ran d e no vidade: a im p lan tação das m anufaturas de
fum o. A p rim eira, fu n d ad a em 1819 pelo cid ad ão suíço F rédéric M eu ro n , fabricava
rap é.29 M as foi na segu n d a m etad e do século que p ro liferaram as m anufaturas de
charutos, cigarros e rapé. N a m aio ria, eram p eq u en as fábricas de natureza fam iliar e
artesanal, com um a m ão-de-obra com posta basicam ente por m ulheres e crianças. Poucas
usavam m áqu in as — charuto s e cigarros eram enro lado s a m ão. U m a fábrica conhe­
cida, a Juventude , tin h a em 1882 m ais de 150 operários “co n tan do com as m uitas
fam ílias que trab alh am em casa por co n ta d a fáb rica”. Em o u tra, cham ada Fragrância,
dos seten ta operários v in te eram m u lh eres, e dez, crian ças, todos trabalhando sem a
aju d a de m áqu in as. N ão sabem os o n ú m ero dessas fabríquetas que, por sua estrutura
artesanal, d em andavam poucos investim en tos. A lém disso, m uitas delas celebravam
contratos e registravam suas firm as na Ju n ta C o m ercial, m as quase nunca com unica­
vam a cessação de suas atividades, o que d ific u lta q u alq u er contagem realista.39 A
literatu ra oficial, com o os relatórios dos presidentes de Província, só m encionam os
grandes estabelecim entos, q u an d o essa p eq u en a produção artesal seria do m aior inte­
resse, porquanto em pregava u m a m ão-de-ob ra recrutada na população livre de Salva­
dor, Em 1889, a cidade contava q uatro grandes fábricas de fum o voltadas para a
exportação: M euron & C ia, e M o reira & C ia ., fabricantes de rapé, a fábrica de cha­
rutos Leite &í Alves, cu ja m atriz ficava no R io de Jan eiro , e a fábrica de charutos
D anem ann, fundada em 1 8 7 3 .31

A P e c u á r ia ,

Se a produção de cereais e legumes da província circulava pouco e mal, não chegando


ao mercado de Salvador e do Recôncavo, a capital era sem dúvida bem abastecida de
cavalos, mulas e carne bovina fresca, graças aos rebanhos criados nas terras que se
L r n io V q JQ ^ C ot i p ian o d o s H om en s q u l P ro d u ziam e T rocavam
465

estendiam no A greste e m ais alem . Os imensos espaços do Sertão, essa maravilhosa


paisagem de p lato seo m seus dom os ondulantes e seus tabuleiros rasos”,32 eram o reino
das boiadas, que, à busca de pasto, iam rasgando estradas pela região 33
Proibições datadas de 1 6 8 8 e 1 7 0 1 haviam afastado a criação de gado para mais de
dez léguas da costa, para evitar que a pecuária disputasse com a cana-de-açúcar e
mesmo com a m an d io ca, as ricas tetras dali. próprias para essas culturas. Por omro
lado. segundo Thales de Azevedo, desde o seculo XVIII as autoridades coloniais se
davam conta do problema do abastecimento de carne nas regiões de monocultura.34
Alem disso, os engenhos precisavam de gado, não só para alimentar seus moradores
como para m over moinhos e transportar pessoal e a própria cana.
No século XIX as interdições do período colonial já nao vigoravam e os engenhos
do Recôncavo tin h am terras qualificadas com o pastos , M as estavam longe de ser
sarisfatórios: d ad a a u m id ad e da região, a vegetação continha água dem ais para servir
de alim en to ad eq u ad o aos an im ais. Os deslocam entos que seriam necessários eram
im pensáveis, já q ue a m aio r parte das terras se destinava à cultura da cana. Pior: as
chuvas abu n dan tes, lixtvian do o solo, em pobreciam -no de sais m inerais, o que preju­
dicava o desen vo lvim en to do gado e a q u alid ad e do seu leite. N a região do Paraguaçu,
só além de Santo A n tô n io , onde ressurge a bacia cristalina — na outra borda do horst
de Salvador — , a criação de gado se tornava viável, pois ali, na época, os solos eram
ricos.35
A p ecu ária em gran d e escala sò era rentável, portanto, nas terras do Sertão, onde
o flagelo da seca era com pensado pelo constante deslocam ento das boiadas em busca
de alim en to naq uelas vastas terras desabitadas. É verdade que o gado ali criado não
chegava a Salvad o r em m elhores condições que o do Recôncavo. A descrição que
V ilh en a d eixou — de tropas de anim ais esqueléticos chegando penosamente até o
mercado de F eira de San tan a — perm anecia valida no século XIX.3^ Como antes, o
gado vinha d e m u ito longe, percorrendo por vezes mais de m il quilôm etros, alim en­
tando-se do pouco que achava num cam inho cu ja vegetação fora antes devastada por
m uitas outras boiadas.
Ignoramos o número do rebanho criado no século XIX na Província e sua evolu­
ção. Parece-me que o aumento da população deve ter provocado um incremento da
pecuária, e se capital e o Recôncavo sempre se queixavam de um abastecimento defi­
ciente de carne bovina fresca, essa carência provavelmente se devia mais à estrutura do
mercado de Salvador do que a uma queda da produção.
De Vitória da Conquista, no extremo sudoeste da Província, passando por Barra,
Xiquexique, Sento Sé c Juazeiro, até o Agreste, em tomo de Feira de Santana e e
Entre Rios. a pecuária estava por toda parte. Aliás, até do longínquo P.auí chegavam
boiadas a Salvador. Barreiras (no extremo oeste) e Alagomhas (no Agreste) eram
importantes centros dc b c n c f ic ia m e m o de couro.37 Segundo o censo de 18 7 -, a agri­
cultura e a pecuária ocupavam 4 7 2 .3 2 9 pessoas, isto é, 3 9 ,9 % da populaçao total e
- .
56 % da população ativac ■
466 B a h ia . S f.clio XIX

P rodutos oa A t i v i d a d e E xt r at iva

P ara co m p lerar o q u ad ro da p ro d u ção agríco la d a B ahia é preciso m en cio n ar itens que


sem pre fig u raram , a in d a q u e de m an eira d esig u al e v ariável, na lista das exportações
Eram a p iaçab a, excelen te para o fabrico dc vassouras; a ipcca { Cephaelh ipecacuanha),
erva d e virtu d es m ed icin ais; a araro b a, q u e dava o pó-de-goa, u tilizad o em derm atologia;
a carn aú b a, p a lm e ira cu jas folhas fornecem cera para o fabrico d e velas; o tu cu m , outra
p alm eira, esta com folhas cu jas fibras sc prestam à feitu ra de cordas e esteiras; e
fin alm en te os co q u ilh o s ( C a n n a glauca), cu jo caroço co n tém óleo. Essas plantas, na­
tivas em todo o lito ra l, eram exp o rtad as so b retu d o para o u tras províncias do país.39
N o S ertão , nos m u n ic íp io s de A lag o in h as, M o n te A lto , B arreiras e O liveira do
B rejin h o , cresciam árvores q u e fo rn eciam látex. A b o rrach a delas extraíd a, sobre a qual
tenh o escassa in fo rm ação , ficava re strita ao co n su m o lo cal. Só no fim do século pas­
sou-se a ex p lo rar siste m a tic a m e n te a v aried ad e m a n iço b a, de Je q u íé , m u n icíp io do sul
do estad o , e a exp o rtar a p ro d u çã o .40
t

M in a s e M in e r a is

D iam an tes, ouro e am etistas p o d iam ser en co n trad o s so b retu d o na C h ap ad a D iam an­
tin a , no cen tro -o este d a P ro v ín cia, o n d e o o u ro já fora exp lo rad o no perío do colonial.
As jazid as deste ú ltim o m etal, desco bertas na B ah ia na época co lo n ial, eram m edíocres,
e o v o lum e d a p ro d u ção foi in sig n ific a n te , U m a segu n d a região d iam an tífera, m uito
m odesta, era a de Ja c o b in a , U m a m in a foi ali d esco b erta em 1 7 7 5 , m as não pôde ser
exp lo rad a, pois as au to rid ad es p o rtu gu esas p referiram con servar o m onopólio detido
por M in as G erais.41
D escobertos, ou redescobertos, em 1 8 4 2 , os d iam an tes provocaram um a corrida
febril, m as a exploração das m inas d u ro u pouco, pois as pedras baianas foram vencidas
pela co n co rrên cia das q ue v in h am do C ab o . A ativ id ad e reanim ou-se depois com a
extração dos carb o n ato s, de baixo preço na época, m as q ue servia para cortar c lapidar
os d iam an tes, boi seu uso in d u stria l q ue co n feriu depois um real valor aos carbonatos,
sobretudo na ab ertura do túnel de São G orardo e dos canais de Suez e do Panam á. Sua
exploração, m u ito lu crativ a, cra p raticam en te um m o nopólio da B ahia, já que a con­
trib u ição dc Bornéu foi sem pre m u ito lim itad a. M as os filões aluviais logo sc esgota­
ram c, por volta dc 1900, precisam en te qiutndo a dem an da internacional crescia, os
carbonatos tornaram -se raros.42
As minas eram exploradas por empresas c por ‘ faíscadores’, pessoas que trabalha­
vam por conta própria, sós ou com a ajuda de escravos. As empresas que atuavam nesse
campo eram de porte considerável, pois recebiam áreas dc duzentos a cinco mil hecta­
res e seu capital nunca era inferior a 5 0 :0 0 0 .0 0 0 de réis. Valiam-se do braço escravo e
. do trabalhador livre. O emprego destes últimos era feito segundo duas modalidades.
L iv ro VI - O C o t i d i a n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m f, T r o ç a v a m 467

U m a era um tipo de arren d am en to praticado pelos cham ados ‘m eia-praça’. Estes


tinh am d ireito a 5 0% do valor bruto do d iam an te, depois de descontado o q u in to —•
20% do valor d a produção — para o proprietário ou concessionário do terreno. A
segunda m o d alid ad e era a m era con tratação dos serviços, por um a paga diária, não
tendo o em pregado nen hum d ireito sobre o produto extraído. Esta form a foi utilizada
sobretudo nos perío dos de in ten sa exploração das m inas, quando os diam antes alcan­
çavam bons preços no m ercado in tern acio n al, Q u an d o os preços baixaram , o sistem a
dos ‘m eia-p raça’ to rn o u -se m ais lu crativo para os proprietários e concessionários dos
terrenos. O ouro e as pedras sem ipreciosas (com o as am etistas que se supunham
existir) nao foram ob jeto de exploração sistem ática nesse período.43 Devo observar,
aliás, que o recenseam en to de ativ id ad es realizado em 1872 surpreendentem ente não
in d ico u o núm ero de pessoas em pregadas n a produção de diam antes e carbonatos.
C reio que foi u m a falh a dos recenseadores, que talvez tenham acreditado na palavra
dos h abitantes lo cais, sem v erificar sua au ten ticid ad e.
M as não há d ú v id as sobre a p red o m in ân cia das ativid ad es agrícolas, fato coerente
com a vocação d a P ro vín cia. N a m aio r p arte das regiões, essas atividades não enrique­
ciam os hom ens, so b retu do por causa da d ificu ld ad e de colocar os excedentes cm
m ercados m ais am p lo s, d a d a a p recaried ad e dos m eios de transporte.
CAPÍTULO 26

R elaçõ es e C o m u n ic a ç õ e s

D e sd e a é p o c a c o lo n ia l o p o v o a m e n to d a B a h ia c o n c e n t r o u - s e n o lit o r a l o u n a s m a r ­
g e n s d o s rio s n a v e g á v e is , d e o n d e s e t in h a f á c il a c e s s o n ã o só a S a lv a d o r , o c e n tr o
a d m in is tr a t iv o , c o m o às d e m a is a g lo m e r a ç õ e s u r b a n a s d o lit o r a l. E n q u a n t o a n a v e g a ­
ção d e lo n g o c u r s o p u n h a a C o lô n ia e m p e r m a n e n t e c o n t a t o c o m a M e t r ó p o le , c o m
a Á fr ic a , q u e lh e f o r n e c ia o s e s c r a v o s , e a té c o m o E x tr e m o O r ie n t e , d e o n d e lh e
c h e g a v a m p r o d u to s e x ó tic o s , u m a p r ó s p e r a n a v e g a ç ã o d e c a b o t a g e m in t e r lig a v a os
p o rto s d o B r a s il, e m p r e g a n d o m u it o s m a r in h e ir o s e m s u a s t r ip u la ç õ e s e fa z e n d o a
riq u e z a d o s m o r a d o re s d o lit o r a l, c u jo s p r o d u to s t r a n s p o r t a v a . C o m p le t a m e n t e d iv e r ­
sa e r a a s itu a ç ã o d a p o p u la ç ã o d o in t e r io r , o n d e o s p r im e ir o s n ú c le o s se in s t a la r a m n o
sé c u lo X V II. F o i a p e c u á r ia q u e in d u z iu e s sa in t e r io r iz a ç a o e a b r iu v ia s d e c o m u n ic a ­
ção q u e a c a b a r a m p o r u ltr a p a s s a r e m m u it o o s lim it e s d a C a p it a n ia .

E str a d a s

A s p r im e ira s e s tra d a s d a B a h ia r e m o n ta m a o p e r ío d o c o lo n ia l. P a r tin d o d e S a lv a d o r e


d a v ila d e C a c h o e ir a , to m a v a m d u a s d ir e ç õ e s : le s te - n o r d e s te e o e s te - s u d o e s te .1 N o
sécu lo X V I e las e ra m o s c h a m a d o s ‘c a m in h o s d e g a d o ’ e lig a v a m a c a p it a l a p e n a s às
te rras s itu a d a s a le s te e ao n o ro e s te . U m d e le s tr a z ia a té a c id a d e o g a d o d a re g iã o o n d e
h o je fic a L a g o a G r a n d e , n o S e r tã o d e P e r n a m b u c o . O u t r a ru m a v a p a r a a C h a p a d a
D ia m a n tin a c, n a a ltu r a d a a tu a l c id a d e d e B o a V is ta d o T u p im , b ifu rc a v a -s e , to m a n ­
do d u a s d ire ç õ e s: n o rd e ste , p a s sa n d o p o r J a c o b in a , a té J u a z e ir o ; e n o rte , c h e g a n d o às
m argen s d o S ão F ra n c isc o , n u m p o n to s itu a d o e n tr e X iq u e x iq u e e S e n to S é. P o r essa
estrad a ch e g av a a S a lv a d o r n ã o só o g a d o c r ia d o n o S e r tã o b a ia n o c o m o o p ro v e n ie n te
do lo n g ín q u o P ia u í.
N o sécu lo X V II, a red e d c e stra d a s m e lh o ro u c o n s id e ra v e lm e n te , lig a n d o no vas
regiões d a C a p ita n ia à c a p ita l. O s tra ç a d o s c o m e ç a ra m ta m b é m a se to rn a r m ais

468
L iv r o V I - O C o t id ia n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m 469

d ireto s e c u rto s, ü m novo eixo lig a v a S alv ad o r, ao m esm o tem po, aos p rin cip ais
n ú cleo s d a c a p ita n ia de S erg ip e d ei R ei, a Ju az e iro e à a tu al cid ad e de L ivram en to do
B ru m a d o . D e u m tro n co co m u m , saiam tres estradas. Esse tronco atravessava u m a
p a rte do R ecô n cav o , a lc a n ç a n d o o v ale do Ita p ic u ru na a ltu ra d a atu al cid ad e de
A la g o in h a s. A li a estrad a se b ifu rca v a , to m a n d o duas d ireçõ es: u m a atravessava a parte
do A greste, a leste d a c a p ita l, lig a n d o -a com as v ilas de L agarto e L aranjeiras, em
S e rg ip e d e i R e i; a se g u n d a to m av a o ru m o n o rd este, levan d o a Ju azeiro m ais d ire ta­
m e n te q u e a v elh a tr ilh a do sécu lo X V I. A n tes d e a li ch eg ar, na a ltu ra de Q u eim ad as,
essa e strad a tam b ém d av a o rig em a u m a ra m ific aç ã o q u e segu ia para o centro-oeste,
levan d o até a reg ião do R io das C o n ta s. A oeste d a a tu a l c id ad e de L ivram ento do
B ru m a d o , u m a te rc e ira b ifu rc a ç ão : d irig in d o -s c a in d a m ais a oeste, um novo cam in ho
m arg eav a o rio S ão F ran cisco , a té o N o rd este d a c a p ita n ia d e M in a s G erais; voltan do-
se p a ra o le ste, a o u tra v ia passava po r C a e tité e te rm in a v a tam b ém no N ordeste de
M in a s, n a re g iã o de M in a s N o vas. Era u m a m a lh a v iá ria m u ito d eficien te, q ue não
co rtava n em a m e ta d e do te rritó rio d a C a p ita n ia . .
N o sécu lo X V III n ao h o u v e alteraçõ es, salvo a n o v a estrad a q ue p e rm itia a ligação
das v ila s d e S e rg ip e d e i R ei à v ila d ’A lm as, no extrem o N o rdeste da C a p ita n ia da
B ah ia. Esse novo eix o , p a rtin d o de C a c h o e ira , no R ecô n cav o , d irig ia -se para o C en tro -
O este e o S u d o este d a C a p ita n ia . N a v erd ad e, era u m a v aria n te — m ais cu rta — da
v elh a estrad a a b erta p elas b o iad as no sécu lo X V II, m as teve u m papel essencial no
tra n sp o rte d e escravos, p ro d u to s m a n u fa tu ra d o s e bens de luxo p ara as regiõ es auríferas
de M in a s G erais, em p le n a exp an são .
T a m b é m no sécu lo X IX o d esen v o lv im en to d a red e de estradas foi in sign ifican te.
Só se a b rira m d u as v ias, q u e p e rm itira m a lig a ção das v ilas de C a m a m u e M arau à
região de Je q u ié , q u e, no fim do sécu lo , to rn o u -se p ro d u to ra de borracha.

F er ro vias

A partir da segunda metade do século XIX, as autoridades provinciais começaram


por fim a se inquietar com o problema da interligação das diversas regiões. Rcnde-
ram-se à evidência de que as vias terrestres existentes eram insuficientes, longas e
pouco rentáveis, para o transporte tanto de pessoas com o de gado e de mercadorias.
As estradas dc ferro, que apareciam com o a solução ideal, exigiam recursos e a
anuência dos legisladores. Era preciso ainda decidir sobre os traçados, que não se­
riam forçosamente os mesmos das estradas. Por sua vez, para estabelecer prioridades,
era preciso estudar as condições geomorfológicas. Em suma, a construção de ferro­
vias dependia de capitais, dc vontade política e dc condições geográficas. A no apos
ano, as FaUs dos presidentes denunciavam as más condições dos meios de transpor-
■ te, mas o Legislativo não tomava decisões concretas sobre o assunto.
Na década de 1 8 5 0 , as receitas da Província eram irrisórias diante das proporções
4 ^ B a h ia , Sf.ou.o XIX

de tal em p reitad a. A folha salarial, a instru ção p ú b lica e a P olícia con su m iam ccrca de
6 0 % do m o n tan te arrecadado. A pesar da p erm an en te preocupação com o equilíbrio
fin an ceiro , o o rçam en to estava sem pre em d éficit, forçando a tom ada de em préstim os
O q ue o governo provin cial — com o, aliás, tam bém o cen tral — podia fazer era
rem u n erar com juros an u ais de 7% os cap itais investidos por particulares. N enhum
dado nos p erm ite saber sc, em S alv ad o r, h avia cap itais disp o n íveis para tal investim en­
to. Reza a tradição q u e a cessação do tráfico de escravos teria liberado vultosas somas
m as ativid ad es m ais seguras e de m ais ráp id o reto rn o , com o o com ércio, talvez as
atraíssem m ais. Investim en tos de m édio e longo prazos, m esm o com juros g a r a n t i d o s ,
provavelm en te não seduziam o in v estid o r b aian o , h ab itu ad o a práticas altam ente
especulativas.
A liás, outras o p o rtu n id ad es se ofereciam n aq u ele perío do aos q u e tinham algum
cap ital: no setor ban cário , no d a m a n u fa tu ra de tecido s e m esm o no das obras p ú b li­
cas, n u m a cid ad e q ue m o d ern izava seus serviços. A d em ais, os cap itais liberados pelo
tráfico, por grandes q ue fossem , tin h am lim ites, sobretudo n u m a praça financeira
onde a produção açu careira, com todo s os riscos q u e envolvia, era ftnanciada pelos
m eios com erciais, com o nos velhos tem po s.
Para m o dernizar a rede de co m u n icaçõ es terrestres im p u n h a-se, portanto, à falta
de cap ital p ú b lico ou privado au tó cto n e, recorrer ao cap ital privado estrangeiro. E isto
foi feito. M as esse cap ital fin an cio u ap en as u m a parte das ferrovias im plantadas na
B ahia no século XIX. D e fato, podem os d istin g u ir duas fases: entre 1856 e 1875,
construíram -se estradas de ferro com cap itais ingleses; de 1875 a 1893, o governo
provincial fin an cio u as novas con struções, associando-se a investidores privados recru­
tados nos m eios fin an ceiros d a B ah ia.
A concessão para a con stru ção e a exploração de um a ferrovia dependia dos gover­
nos provincial e cen tral. Das concessões feitas entre 1852 e 1893, quinze resultaram
em nada, núm ero igual ao das que foram ad eq u ad am en te exploradas, o que dá uma
boa m edida das d ificu ld ad es que enco ntravam os concessionários para reunir os capi­
tais e form ar com panhias. Nesse período in icio u-se a construção de estradas de ferro
em seis direções diferentes.
A Estrada de Ferro Bahia—São Francisco visava ligar Salvador a Juazeiro. Em
18 5 3 , Joaquim Francisco obteve do governo imperial uma concessão que, em 1855,
foi renovada à Bahia and São Francisco Railway Company. Esta, sediada em Londres,
fez a ligação Jequitaia-Aratu-Alagoinhas-Serrinha-Bonfim c finalmente, em 1896, che­
gou a Juazeiro. Entre 1 8 5 6 c 18 7 0 , ela implantou 12 3 ,34 quilômetros, ligando Salva­
dor a Alagoinhas, Mas os resultados financeiros nao foram encorajadores; a partir de
1860, quando o primeiro rrccho dessa ferrovia começou a ser explorado, a companhia
inglesa sd teve balanço positivo nos exercícios de 1864 e 1870. Não se interessou,
portanto, em renovar a concessão. Até 1887, manteve apenas a construção e a explo­
ração do entroncamento Alagoinhas-Timbó. Assim, a partir de 1876, o governo geral
encarregou-se do prolongamento da linha do São Francisco: em 18 8 0 foi inaugurada
L i\-r o M - O C o t id ia n o dos H omens que P r o d u ;7 iam e T ro cavam -ri

a estação de Serrin h a, em 1887 a de B onfim c, nove anos depois, a de J uazeiro. Os


resultad o s financeiros do governo não foram , aliás, m elhores que os da com panhia
in glesa: en tre 1 87 0 c 1 8 8 8 , as receitas som aram 8 .1 5 3 .4 4 7 .0 0 0 réis e as despesas
8 .7 2 0 .6 5 1 .0 0 0 réis.

T A R E l. A 7 4

R e d e F e r r o v iá r ia da P r o v ín c ia da B a h ia , 1860 - 1 8 9 0 ( em m e tr o s)

L in h a s 1860 1870 1880 1890


Bahia-Alagoinhas 37.000 123.340 123.340 123.340

Central da Bahia - - 43.000 316.600

Santo Amaro - - - ' 35.940

N az aré - - 34.000 34.000

São Francisco - , - 110.581 321.993

B ahia-M inas - ' - - 142.400

Timbó - - - 82.580

Total 37.000 123.340 312.921 . 1.056.853

Concessão Im p erial 37.000 123.340 278.921 844.513

Concessão Provincial - - 34.000 212.340

Fonte: A in serçã o d a Bahia n a ei toiu ção nacional, p. 227 (Anexo estatístico).

A lin h a E strada de Ferro C e n tral d a B ah ia, ou T ram -R o ad P araguaçu, foi au to ri­


zada pela lei im p erial 1 .2 1 2 em ju n h o de 1865- D everia lig a r C achoeira e São Félix à
C h ap ad a D iam an tin a, com u m a ram ificação para F eira de San tan a. O contrato foi
assinado com C h arles M o rgan , sem g aran tia de ju ros. Este form ou a com panhia em
Londres e com eçou os trabalhos em 1867. D ois anos depois, a em presa faliu, mas
H ugh W ilso n , um dos m aiores acio nistas, com p rou-a, desta vez com garantia de juros
de 7% . R eorganizou-a sob o nom e B razilian Im perial C en tral B ahia R ailw ay C om pany
Lim ited e retom ou os trabalhos em 1876. A té 1888, porém , as obras se lim itaram a
um a rede de ram ificações entre as vilas de C acho eira, Feira de Santana, Tapera,
Q ueim ad inh as, C ruz das A lm as e São G onçalo. Apesar de um a gestão tão deficiente,
a lin h a perm aneceu sob adm inistração inglesa até 1901, quando foi alugada a outros
particulares, sem jam ais alcançar o objetivo previsto: chegar ao São Francisco através
da C hapada D iam antina.
A instalação da lin h a dc Santo A m aro — que, cruzando os rios T raripe, Jacuípe
e Pojuca, deveria interligar os distritos açucareiros do Recôncavo — enfrentou as
piores dificuldades. Entre 1863 e 1878, nada menos que quatro tentativas de encetar
os trabalhos m alograram . A em preitada foi confiada, sucessiva e inutilm ente, à C om ­
panhia A nim ação Industrial (1 8 6 3 ), ao engenheiro Antônio Salustiano Antunes, a
A ntônio da Costa Pinto (V isconde de Serjim irim ) c até a H ugh W ilson, que explorava
472 B a h ia , S é c u l o XIX

a E .F. C e n tra l d a B ah ia. M as não h av ia com o en co n trar investido res privados. Assim
a lei n° 1 .8 1 2 de 11 d e ju lh o de 1878 au to rizo u o governo p ro vin cial a assum ir ele
p róprio a con stru ção . Em 1 8 9 0 , 3 5 ,9 4 q u ilô m etro s d e vias férreas estavam construídos
m as a ob ra só foi co m p letad a em 1 91 7.
A co n stru ção da lin h a de N azaré, q u e lig a ria essa cid ad e — espécie de pequena
c a p ita l do su l do R ecôn cavo — com o in te rio r d a reg ião , en fren to u as m esm as d ificu l­
d ad es, q ue p rovaram m ais u m a vez a resistên cia dos b aian o s em in v estir em ferrovias
Em 1872 a T ra m -R o a d N azaré C o m p a n y gasto u em u m ano todo o seu c a p ita l 4 00
con tos de réis — e teve d e in te rro m p e r os trab alh o s. O s 3 4 q uilôm etro s que se
esten d eram en tre N azaré, O n h a e S an to A n tô n io d e Jesus foram construídos por
c o m p an h ias q u e se su ced iam , u m a c o m p ran d o a m assa fa lid a da o utra. Esta lin h a e a
de S an to A m aro eram , no e n ta n to , d a m a io r im p o rtâ n c ia , u m a vez q u e deviam atra­
vessar zonas férteis, em q u e se p la n ta v a m can a-d e -a ç ú c a r, café, fum o c cereais.
A in d a no sécu lo X IX , o u tra s três ferrovias fo ram p lan ejad as, m as só foi posta em
execução a B a h ia -M ín a s , lig a n d o C a ra v elas às cid ad es do N o rdeste de M in as Gerais.
F o i, aliás, a lin h a m ais ra p id a m en te c o n c lu íd a : em dois anos (1 8 8 0 -1 8 8 2 ) im p lan ta­
ram -se seus 1 42 q u ilô m etro s e in a u g u ro u -se a estação de A im o rés.

TABELA 75

R ede F e r r o v iá r ia n o B r a s il e n a B a h ia , 1860 a 1890


(em q u il ô m e t r o s )

A nos B ra sii , Ba h ia B a h ia /B rasil

1860 208 37 18%

1870 730 123 17%

1880 2.906* 313 11%

1890 9.578** 1.057 11%

(') Dado de 1879. (**) Dado de 1889,


Fon«c: A in serçã o d a B ahia n a ev o lu çã o nacion al, p. 227 (Anexo estatístico).

Em 1890 h av ia 1 .0 5 7 q u ilô m etro s de vias férreas na B ahia, 11% do total im plan­


tado no B rasil. M as só o A greste estava relativ am en te bem -servido. Os imensos terri­
tórios que sc esten diam ao C en tro -O este, ao N orte, ao N oroeste e ao Sudoeste da
P rovíncia perm aneciam tão isolados de S alvad o r com o no in ício do século.2
N ão faltaram projetos. Boa parte, porém , m alogrou por falta de capital. É verda­
de que a exploração d eficitária das duas prim eiras linhas não estim ulou os investido­
res. Esse m alogro deve ser atrib u íd o tan to a dificuldades técnicas, que encareciam as
obras, com o à falta de um planejam ento adequado, que teria perm itido a efetiva
integração das regiões cruzadas pelas linhas. Por outro lado, as com panhias estavam
autorizadas a cobrar preços m uito superiores aos que se pagavam para o transporte
em lombo de burro, o que afastava clientes. Q uanto à falta de capitais, ela se agravou
quando os ingleses desistiram de investir na B ahia, onde os ganhos eram incertos,
I \ I - O CorinuN'o pos H o m e n s q l k P r o p i z ia m e Trocw am

para co n cen trar seus esforços no C en tro -S u l do país, onde o café prom etia resultados
m ais seguros. Os m eios fin an ceiros da P ro vín cia, bem com o os governos provin cial e
geral, não tin h am co n diçõ es d e su b stitu í-lo s, pois suas receitas estavam co m p ro m eti­
das em outros setores.
F in a lm e n te, cabe acrescen tar as resistências de um a gente arraigada a velhos h áb i­
tos. Q u an d o se p reten deu co n stru ir a lin h a de San to A m aro , por exem plo, houve
protesros dos senhores de en gen h o cujas terras seriam cortadas. A Baronesa de Bom
ja r d im — p ro p rietá ria dos en gen h o s T erra N ova, P erip eri e C aracan h a — , secundada
po r seus h erd eiro s, recusou a q u a n tia o ferecid a p ela P ro vín cia para a expropriação de
algu n s hectares. N ão a co n sid erava o preço ju sto . O governo alego u que, sendo aquelas
terras u m a sesm aria, a a d m in istra ção tin h a o d ireito de exp ro p riá-las, pagando apenas
o co rresp o n d en te à sua v alo rização . A p en d en g a foi p arar no T rib u n a l S u p erio r de
Ju stiç a , q ue d e c id iu em favor dos p ro p rietário s. O caso ilu stra um ponto im po rtan te:
a in d en ização p ro p o sta cra sem d ú v id a m ed ío cre (2 .1 9 0 .1 0 0 réis!), m as o que de fato
im p o rtava era salv ag u a rd ar o d ireito à p ro p ried ad e. Esses recursos à Ju stiça atrasavam
a co n stru ção de ferrovias q u e seriam v itais p ara red u zir o custo do transporte do
açúcar. O s interesses in d iv id u a is im ed iato s so b rep u javam o interesse coletivo.'3
O fracasso de boa p arte das ferrovias e a au sên cia de u m a p o lítica de am pliação e
m elh o ria d a a n tig a m a lh a de estradas — o p rim eiro plan o com esse in tu ito só su rgiria
em 1917 — resu ltavam não só na m á in tegração eco n ô m ica das vastas regiões do
in terio r, com o na sua m á in teg ração ad m in istra tiv a , com a sobrevivência das velhas
estrutu ras, em q ue os chefes locais d etin h am um poder m u ito pouco controlado pelos
governos p ro v in cial ou central.'*

T ransportes M a r ít im o s de Longo C u rso

A falta de boas vias de co m u n icação terrestre entre Salvad o r e o resto da Província


p rivilegiava a população estab elecid a nas proxim idades da cap ital e no litoral, lim itan ­
do as am bições do co n ju n to dos baianos. Sem m ercados para onde escoar sua produ­
ção, a ativ id ad e agríco la do in terio r estagnava. Isto não só prejudicava a população
baiana com o, sobretudo, entravava o en riq u ecim en to coletivo indispensável à elevação
do nível de vida. T odos proclam avam a im p o rtân cia do crescim ento da dem anda
interna, mas a perm anência de estruturas e m entalidades caducas o im pedia, A capital
conservava sua vocação para a interm ediação com ercial, mas seu raio de ação restrin­
gia-se drasticam ente, por força da concorrência de outras províncias e tam bém , talvez,
pela falta de produtos a trocar. Salvador, tão m al ligada a seu próprio território, tinha,
em contrapartida, excelente com unicação, por via m arítim a, com todo o litoral do país
e com o exterior.
A abertura dos portos às nações amigas, em 1808, permitiu novos contatos comer­
ciais com a Inglaterra e os Estados Unidos (até então, todo transporte de mercadorias
474 B a h ia , Sf.cuio XIX

d everia ser feito por navios n a c io n a is).5 O s dados dispon íveis sobre navegação de lon­
go curso e dc cab otagem , em bo ra fragm en tário s e por vezes in co n gruen tes, dão uma
id cía do tráfego m arítim o in terco n tin en tal e nacion al e perm item detectar as m ud an­
ças oco rridas a p artir da In d ep en d ên cia.
Entre 1798 e 1810, o nú m ero de navios q ue aportavam cm Salvador aum entou
co n sid eravelm en te, apesar das d ificu ld ad es acarretadas pelas guerras.

t T A B I:. L A 7 6

M o v im e n t o de N a v io s
no Porto de Salvad o r, 1 7 9 8 -1 8 1 0
A nos E n tr a d a s S aídas

1798 291 280

1799 315 328

1800 298 268

1801 309 283

1802 272 282

1803 325 262

1804 306 2/6

1805 381 351

1806 420 388

1807 360 353

1808 364 285

1809 439 380

1810 453 396

Fonte: Catherme Lugar, T he M trch a n t C om m u n ity a fS a lva d or, B ahia,


1780 -1 830 , p, 76.

O que ocorreu depois é ilu strad o por u m a in teressan te com paração: se tom am os o
ano 1821 — Para o qual tem os dados referen tes a em barcações de todas as nacion ali­
dades — , vem os q u e, de 52 navios de b an d eira p o rtuguesa que passaram pelo porto de
Salvador, 44 (8 4 ,6 % ) voltaram a portos portugueses, ao passo que, das 95 em barca­
ções inglesas que por ali passaram , 41 (4 3 ,1 % ) levaram m ercadorias baianas para
outros portos europeus q ue não os ingleses,
É evídente portanto que, num tem po bastante curto, as com panhias inglesas de
navegação açam barcaram o transporte das m ercadorias baianas, o que é confirm ado
pela im po rtân cia q u e assum iram as im portações diretas de m ercadorias produzidas na
Inglaterra. Em 1810, catorze navios portugueses partiram de Salvador para portos
Ingleses. Já em 1821 nenhum deles teve esse destino. É verdade que 1810 foi um ano
de guerra, e Portugal estava ocupado pelo exército francês. M as dados referentes ao
ano dê 1815 confirm am a perda de im po rtân cia de Portugal no transporte de merca
L iv ro VI - q C o t i d i a n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m
475

d o n as: n aq u ele an o , apenas dezoito dos 6 6 navios portugueses (2 7 ,3 % ) se destinavam


a p o rtos não p o rtu gu eses e so m en te três a portos ingleses.
P or o u tro lad o , en q u an to os navios das d em ais nacion alidades transportavam
m erc ad o rias, ao q u e parece, apenas para seus portos de o rigem , eram ingleses os navios
q u e , a p a rtir de 1 8 2 1 , assegu ravam o tran sp o rte para o S u l d a Europa. A liás, o aum en-
to do n ú m ero de n avio s estran geiro s e a perda da im p o rtân cia de Portugal'sã_
sao corro-
borados p ela co m p aração en tre a p articip ação dos navios portugueses e a dos navíos
e stran g eiro s no tráfego in te rn a c io n a l. S egu n d o C a th e rin e L ugar, em 1816 os navios
p o rtu g u eses já rep resen tav am m eno s d a m etad e do tráfego in tern acio n al que se d irigia
p ara o p o rto do R io de Ja n e iro ; p ara o d e S alv ad o r, co n tu d o , ain d a representavam
m ais d a m etad e. Em c o n tra p a rtid a , em 1 8 4 5 / 1 8 4 6 , os navios de b an d eira brasileira
q u e p a rtic ip a v a m do tra n sp o rte in te rn a c io n a l de m ercad o rias eram apenas 5% no
p o rto do R io de Ja n e iro e 4 % no de Salv ad o r. A m aio r p arte dos navios portugueses
— to m a d o s ‘e stra n g e iro s’ após a In d ep en d ên cia — to m o u a b an d eira in glesa.6
É certo tam b ém q u e, nos anos 1 8 5 0 - 1 8 5 6 , as em barcações portuguesas ainda
co n serv av am a su p re m a c ia no tráfego m a rítim o en tre Salvad o r e P ortugal e p articip a­
vam d a lig a ç ã o com o u tro s p o rtos além dos das possessões portuguesas, em bora seu
p ap el ten d esse a d e c lin a r. B oa p arte do tráfego com a Á frica era feito por essas em bar­
cações p o rtu g u esas, o q u e co n firm a os dados q u alitativ o s q ue destacam a im portância
dos cap itais m erca n tis d a a n tig a M etró p o le no tráfico d e escravos, A p artir de 1850,
esse co m ércio estava o fic ia lm e n te ab o lid o , m as os an tigo s trafican tes m antiveram in­
ten so co n tato com os po rtos african o s. A b asteciam -n o s com fum o, álcool de cana e
to d a esp écie de m ercad o rias, in clu siv e artigo s m an u fatu rad o s europeus reexportados
pelo porto de S alv ad o r, e v o ltav am carregado s de panos d a C o sta — m uito do agrado
d a p o p u lação african a d a cid ad e — , tap etes de fib ra vegetal, cestos de vim e, sabão,
co la, a zeite-d e-d en d ê e, às vezes, escravos. B urlan d o a pro ib ição , faziam -nos desem bar­
car c la n d e stin am en te em p raias d iscretas.

TABELA 77

Entrada de E m barcaçõ es em S alvad o r,


P r o v e n ie n t e s de P o r t o s P o r t u g u e s e s , 1 8 5 2 -1 8 5 6

Ano E m barcações

B r a s il e ir a s O utras N a c i o n a l id a d e s T o tal
Po rtu g u e sas

1852 22 13 41
41
1853 33
38
1854 27
41
1855 35
42
1856 37
27 25 206
Total 154
Fonte T in ia Penido M o o o éro , P o r t u g u ê s na B ahia na ítgu n d a da Ucuia XIX, p. 108.
476 B a h ia , S é c u l o XIX

TABELA 78

S a íd a de E m ba rc a çõ e s de S a lv a d o r,
com D e s t in o a P o r t o s P o r t u g u e s e s , 1 8 5 2 -1 8 5 6
-------------- -— .
A no Embarcações
Po r t u g u e sa s B r a sil e ir a s O utras N a c io n a lid a d e s T o tal

1852 26 6 3 35
1853 24 6 - 30
1854 23 6 - . 34

1855 35 7 - 42

1856 28 10 - 38

Total 136 40 3* 179


(*) Duas embarcações da Áustria e uma da Sardenha.
Fonte: T ànii Penido Monteiro, P ortu gu eses n a B a h ia n a segu n d a m eta d e d o sécu lo XIX p- 108.

TABELA 7 9

E n t r a d a d e E m b a r c a ç õ e s P o r t u g u e sa s em S a lv a d o r ,
P r o v e n ie n t e s d e P o r t o s E s t r a n g e i r o s , 1 8 5 1 - 1 8 5 6

Ano pROVENIÊNClA E NÚMERO DE EMBARCAÇÕES

Á f r ic a G rã -B retan h a A r g e n t in a U ru g u ai T erra N ova T otal

1851 5 - 1 2 - 8

1852 6 - 1 - - ■ 7 -

1853 4 1 1 - _ 6

1854 8 4 2 - - 14

1855 6 - 2 ■ - - 8

1856 6 - 1 - 1 8

Total 35 5 8 2 I 51

Fonte: T inia Pcnído Monteiro, P ortugueses m i B ahia tm segu n da m eta d e do sécu lo XIX, p. 112.

TABELA 80

S a íd a de E m b a r c a ç õ e s P o r t u g u e sa s de S a lv a d o r,
em D ir e ç ã o a P o r t o s E s t r a n g e i r o s , 1 8 5 1 -1 8 5 6

A no D e s t in o e N üm ero de E m barcaçõ es

I t Alia H o landa T otal


Á f r ic a G r A -B r e t a n h a A l e m a n h a A r g e n t in a U ruguai

- - 15
1851 5 3 6 1 -
- 12
1852 6 3 1 2 - -

1 - 28
1853 6 19 2 - -

4 - 20
1854 9 4 t 1 l

- - 19
1855 13 2 2 2 -

- 1 15
1856 11 2 - 1 -
1 109
Total 50 33 12 7 I 5

Fonte: Tinia Penido M o n t e ir o . P o r tu g u e s e s n a B a h ia n a s e g u n d a m e t a d e d o s é t u l o XIX, p. 1 12.


L iX K C i V I -

H o m e n s q u e P r o d u z ,,

p„ , „ o »onoX c ; r - * r, í ndT " * » • ■


estab elecid o s n a B a h ia tin h a m s l nav o s c ° ' M m ,“ P ° « W
de P o rtu ga., g én cto s
to icin h o , alh o , azeire d e o liv a,>azeito n as
as ee até A
ate feiião g° ’ ^em alguns
U' Vmcasos
aêre'
eito n ie ijao , produtos que,
v in h am co n co rrer co m os b r a s tle ir o , O carregam en to era co m p letad o com p to d u to i
m an td artirad o s co m o o b jeto s d e m e ta l, tecid o s de algo d ão e de lin h o , p r o d u t o s !
m aceuricos e velas. ^ ltU
D u ran te esse c u rto p erío d o ( 1 8 5 1 - 1 8 5 ^ rnrHe -
* ^ h oclâs as em barcações portuguesas eram
a velai b arcas, g a le ra s, b rtg u es, p atach o s e escu n as. C o m a expansão d a navegação a
vapo r os c o m e rc ia n te s p o rtu g u eses se v iram em d esvan tagem , sobretudo quando
S alv ad o r foi lig a d a aos p o rto s estran g eiro s p o r lin h as regu lares de navios a vapor A
p a rtir de 1 8 5 6 , as im p o rtaçõ es/ exp o rtaçõ es p o rtu g u esas passaram a ser feiras em na­
vios a v ap o r in g leses e a té dc o u tra s n a c io n a lid a d e s.7
D esta p r im e ir a a n á lis e ressalta a im p o rtâ n c ia dos barcos de b an deira estrangeira
no tráfego m a rítim o , so b retu d o na seg u n d a m etad e do sécu lo , m as não tem os dados

T A B ELA 8 1 '

N a v e g a ç ã o d e L o n g o C u r so n o B r a sil ( em to n elad as ) .
1 8 5 3 - 1 8 5 8 , 1 8 6 2 - 1 8 6 7 , 1 8 7 6 -1 8 7 9 , 1 8 8 5 -1 8 8 8
Anos E n trad as Sa Idas T o tal

1853/54 6 2 5 .1 6 5 619.084 1.244.249

1854/55 6 9 6 .9 1 6 771.872 1.468.788

1855/56 7 3 2 .7 0 7 754.858 1.487.565

1856/57 7 7 5 .9 7 2 788,539 1.564.511

1857/58 7 9 6 .2 4 0 838.506 1.634.746

] 862/63 67.831 931.634 1.699.465

1863 164 793.045 885.490 1,678.535

1864/65 1.017.663 1.058.305 2.075.968

1865/66 1.111,590 1.158.681 2.270.271

1B66/67 1.168.542 1.093-626 2.262.168

1876/77 2.036.065 1.941.189 3.977.254

1877/78 2.146.868 1.988.607 4.135.475


2.285.651 2.165.811 4.451.462
1878/79
1885/86 2.870,481 1,345.262 4.215.743

4.377.983 3.629.128 8.017.111


1886/87
lg g 8 1.889.901 950.929 2.840.830
Footc: A r r*- d a B ahia na evolu çã o nacional, p. 205 (Anexo etratíscico).
478 IÍAH1A, Sf CUI.O XIX

TABELA B2

N avegação df Longo C u r so na B a h ia ( f m t o n e i a d a s)
1 8 5 3 - 1 8 5 8 , 1 8 6 2 - 1 8 6 7 , 1 8 7 6 -1 8 7 9 , 1 8 8 5 -1 8 8 8
Anos E n t ra im s S a Id a s % s o b rf, o B r a s ii. T o ta i.

1853/54 82.479 109.009 ' 15,3 191.488


1854/55 72.113 114.026 12.6 186.139
1855/56 77.696 87.819 11,1 165.515
1856/57 95-193 103.077 12,6 198.270

1857/58 103.077 106.077 12,7 209,129

1862/63 183.185 208.747 23,0 390.932

1863/64 182.784 198.408 22,1 372.192

1864/65 198.717 195.463 18,9 394.180

1865/66 233.244 238.897 20,7 472.121

1866/67 22 3.026 262.939 17,0 385.965

1867/68 21 2.910 185.232 - 398,142

1876/77 575.549 548.011 28,2 1.123.560

1877/78 502.823 452,514 23,0 955.337

1878/79 539.186 500.262 23,3 1.039.448

1885/86 560.806 452.498 24,0 1.013.304

1886/87 769.104 604.502 17,1 1.373.606

1888 258.005 198.553 16,0 456.558

Fonte: A in serção da B ah ia na ev o lu çã o n a cion a l, p. 205 (Anexo estatístico),

para quantificá-la. Pode-se, porém, mesmo sem saber a nacionalidade ou o número


dos navios, comparar a tonelagem das entradas e saídas dos navios de longo curso dos
portos brasileiros em geral e da Bahia em particular, entre 1 8 5 3 / 1 8 5 4 e 1888. Afora
os intervalo de 1 8 5 4 / 1 8 5 5 a 1 8 5 7 / 1 8 5 8 — quando, p or força das epidemias de febre
amarela c de cólera-morbo, se aproximou de 1 2 % — , a participação do porto da Bahia
na navegação dc longo curso brasileira foi de 2 0 % em média, declinando nos exercí­
cios de 1 8 8 6 - 1 8 8 7 c 1 8 8 8 para 1 7 , 1 % e 1 6 % , respectivamente. Salvador manteve,
portanto, uma posição importante entre os portos do país, embora provavelmente
muitos navios apenas aportassem ali, sem ser carregados ou descarregados. Era um dos
portos mais caros do Brasil c as embarcações procuravam nele permanecer o menor
tempo possível.
A partir dos anos 18 6 0 , novas linhas regulares foram abertas, tanto para o exterior
como para outras portos brasileiros. Pertenciam em geral a companhias formadas por
armadores estrangeiros, com sede no exterior. As linhas de vapores dessas empresas
para transporte de carga e de passageiros —- benefícíavam-se de contratos privilegiados
e de subvenções governamentais, formando muitas vezes monopólios. O melhor exem-
L iv r o V I _ o C o t id ia n o
tos H o m e n s q u e P r o d u z ia m f. T r o c a v a m

na, um a norte-am ericana e


nesse tipo de serviço, pelo
m enos n a B a h ia .8

T ra n spo r t e s M a r ít im o s : C abo tagem

O v aiv ém das em b arcaçõ es no p o rto de Salvad o r im pressionava os forasteiros. No


in íc io do sécu lo X IX , L in d le y escrevia: “O com ércio realizado nas im ediações da
B ah ia, g ran d e p a rte do q u a l com o in terio r, é realm en te espantoso. O itocentas lanchas
e su m acas d e v ário s tam an h o s trazem co tid ían am en te sua con tribuição para o com ér­
cio com a c a p ita l: fu m o , alg o d ão , m ercado rias diversas, de C achoeira; o m aior sorti-
m en to d e lo u ç a co m u m , de Ja g u a rip e; agu ard en te e óleo de baleia, de Itaparica;
fa rin h a e p eix e salg ad o , de Porto S egu ro ; algodão e m ilho , dos rios Real e São Fran­
cisco; a ç ú c ar, le n h a e leg u m es, de todos os lugares. U m a riqueza, em grau desconhe­
cid o na E u ro p a, é assim p o sta e c irc u la ç ã o ,”9 M ais de cem viajantes que passaram pela
B a h ia ao lo n go do sécu lo nos d eixaram testem unhos sem elhantes, U m deles, o com an­
d an te M o u c h e z , d a m a rin h a francesa, avalio u em m ais de m il o núm ero de em barca­
ções q u e faziam a cab o tagem en tre rios e a b a ía ,10
Essas em b arcaçõ es eram dos m ais variados tipos: havia o saveiro de transporte,
d iferen te do saveiro de pesca; a lan ch a, ou 'rab o de peixe’, a jan gad a de caraux htppos
— no m e d e u m p eixe — ■, a jan g a d a a rem o, a jan gad a a vela, a canoa e a barcaça, e
fin alm en te a m aio r de todas, a barca do Recôncavo , híbrido de nau e caravela, única
com velas redo n das. C o m velas latin as podiam navegar os saveiros de transporte —
que osten tavam , o rgulh osos, velas trian gulares — e os saveiros de pesca e as jangadas,
que se co n ten tavam com velas latinas bastardas. A lguns saveiros de transporte, lanchas
‘rabo de Deixe e ‘barcas do Recôncavo’ portavam velas quadrangulares. Que impressão
480 B a h ia , S é c u l o XIX

TABELA 83. ■■ _

N avegação de C abotagem no B r a s il (em to n e la d a s)


1 8 5 0 - 1 8 6 6 , 1 8 7 6 -1 8 7 9 , 1 8 8 5 -1 8 8 8
A nos Entradas ' S a Id a s T otal

1850/51 3 4 7 .4 7 1 3 3 4 .1 4 9 6 8 1 .6 2 0

1851/52 3 4 6 .0 1 6 3 1 5 .7 1 6 6 6 1 .7 3 2

1852/53 3 9 7 .9 1 7 3 6 6 .2 3 1 7 6 4 .1 4 8

1853/54 3 9 2 .2 8 3 3 7 6 .6 2 1 6 7 8 .9 0 4

1854/55 3 8 1 .5 0 9 3 7 2 .7 2 0 7 5 4 .2 2 9

1855/56 3 5 8 .0 2 7 3 4 0 .0 8 5 6 9 8 .1 1 2

1856/57 4 1 3 .7 4 1 4 0 3 .4 9 2 8 1 7 .2 3 3

1857/58 4 9 9 .9 7 5 5 0 1 ,5 3 5 1 .0 0 1 .5 1 0

1858/59 9 5 6 .0 1 7 9 5 6 .8 3 7 1 .9 1 2 .8 5 4

1859/60 9 1 7 .5 8 2 1 .0 1 0 .7 7 5 1 .9 2 8 .3 5 7

1860/61 6 5 7 .7 2 8 5 5 6 .3 9 2 1 .2 1 4 .1 2 0

1861/62 6 5 9 .4 2 0 6 1 0 .3 4 5 1 .2 6 9 .7 6 5

1862/63 7 2 6 .3 9 0 7 2 4 .4 8 9 1 .4 5 0 .8 7 9

1863/64 6 4 0 .7 0 5 5 2 0 .9 9 4 1 .1 6 1 .6 9 9

1864/65 6 7 1 .9 6 7 6 1 0 .0 0 2 1 .2 8 1 .6 9 6

1865/66 6 3 8 .7 7 3 ■ 5 4 4 .0 5 0 1 .1 8 2 .8 2 3

1876/77 1 .5 9 2 ,5 8 5 , 1 .5 9 3 .0 7 0 3 .1 8 5 .6 5 5

1877/78 . 2 .1 8 8 .3 7 1 2 .2 0 1 .3 1 9 4 .3 8 9 .6 9 0

1878/79 1 .8 2 9 .7 2 2 1 .4 2 3 .3 0 6 3 .2 5 3 .0 2 8

1885/86 2 .5 9 2 .7 5 2 2 .5 9 8 ,4 5 9 5 .1 9 1 .2 1 1

1886/87 4 .4 6 4 .0 7 4 4 .4 8 4 .1 2 0 8 .9 4 8 .1 9 4

1887/88 1 .8 3 8 .5 7 9 1 .7 7 8 .5 3 2 3 .6 1 7 .1 1 1

F o n te : A i n s e r ç ã o d a B a h ia n a e v o l u ç ã o n a c i o n a l , p . 1 7 5 —1 7 6 (A n ex o e s ta tís tic o ).

contratos privilegiados e vivia a se queixar da exigüidade dos seus lucros. Empregava


embarcações a vapor e explorava três tipos de linha. A linha do Norte ia até Aracaju,
Penedo e Maceió. Parece ter sido muito requisitada, tanto para o transporte de carga
como para o de passageiros. As quatro partidas mensais eram fixadas de modo a
corresponder às chegadas de embarcações provenientes do Sul e de além-mar.
A linha do Sul seguia uma vez por mês, numa viagem redonda, até os portos de
Camamu, Ilhéus, Can avie iras, Porto Seguro e Colônia Leopoldina. .O sistema, *nau
gurado em 18 5 3 , apresentava muitos inconvenientes: todos esses portos eram de i CI
acesso — tinham a ‘barra* característica do litoral do sul da Província c com
freqüência era impossível carregar ou descarregar mercadorias neles.
L.VKO v i - O C o t id ia n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m

TABELA 84

N a v e g a ç a o d e C a b o t a g e m n a B a h ia (em t o n e l a d a s )
1 8 5 0 -1 8 6 6 , 1 8 7 6 -1 8 7 9 , 1 8 8 5 -1 8 8 8
A nos Entradas S a íd a s % so b r e oB r a sil T otal

1850/51 6 7 .3 9 2 7 1 .3 3 9 2 0 ,3 1 3 8 .7 3 1
1851/52 9 4 .7 2 7 7 7 .5 9 9 2 5 ,9 1 7 2 .3 2 6

1852/53 1 1 6 .8 6 8 8 9 .2 2 7 2 7 ,0 2 0 7 .0 9 5
1853/54 8 4 .9 8 1 7 2 .6 9 6 2 3 ,2 1 5 7 .6 7 7

1854/55 7 4 .0 0 0 5 2 .6 3 5 1 6 ,8 1 2 6 .6 3 5

1855/56 6 9 .9 0 8 5 0 .1 8 4 1 7 ,1 120.092
1856/57 5 7 .1 0 4 5 3 .1 7 7 1 3 ,4 1 1 0 .2 8 1

1857/58 4 7 .6 7 3 4 9 .1 4 5 9 ,7 9 6 ,8 1 8

1858/59 1 4 6 .1 2 9 1 4 0 .3 1 6 1 4 ,9 2 8 6 .4 4 0

1859/60 1 0 5 .2 2 1 1 2 2 .5 5 3 11,8 2 2 7 .7 7 4

1860/61 8 5 -7 5 0 4 2 .9 0 7 10,6 1 2 8 .6 5 7

1861/62 9 9 .9 6 8 6 3 ,2 1 1 12,8 1 6 3 .1 7 9

1862/63 1 0 0 .2 6 6 5 9 -9 1 5 11,0 1 6 0 .1 8 1

1863/64 7 4 .9 1 8 5 7 ,0 1 9 1 5 ,6 1 8 1 .9 3 7

1864/65 8 9 .9 5 2 5 0 .3 5 9 1 0 ,9 1 4 0 .3 1 1

1865/66 8 1 .4 6 3 ■ 4 8 .9 6 7 1 0 ,9 1 3 0 .4 3 0

1876/77 2 5 8 .9 9 1 2 7 0 .5 5 5 1 6 ,6 5 2 9 .5 5 2

1877/78 2 5 7 -1 0 0 2 9 0 .9 7 4 12,2 5 4 8 .0 7 4

1878/79 2 5 8 .0 4 8 2 8 0 .7 6 4 1 6 ,5 538.812
3 5 5 .4 3 3 3 9 3 -5 0 7 1 4 ,4 7 4 8 .9 4 0
1885/86

5 8 7 .1 8 0 7 0 8 .0 3 7 1 4 ,4 1 .2 9 5 .2 1 7
1886/87

1 9 1 .9 5 1 1 3 ,3 4 1 0 .4 4 0
1887/88 2 1 8 .4 8 9

Fonte: A in serçã o d a B ahia na ev o lu çã o n a cio n a l p. 1 7 5 -1 7 6 (A n e x o e s ta tís tic o ).

As linhas para o in terio r, isto é, para o Recôncavo, penetravam pelos m il golfos


profundos da b aía e os m uitos rios que neles davam . Levavam a Santo Am aro, Ca­
choeira e M arago jip e, N azaré, V alen ça e C aravelas. O vapor de Santo Am aro transpor
tava sobretudo passageiros, ao passo que os dem ais conduziam tam bém bastante carga,
indo e vindo dos Sertões e das vilas do Agreste a Salvador. Essa navegação de cabota
gem escoava assim parte dos gêneros produzidos no interior, embora, como assinala
mos, não desse con ta de toda a p rodução.13
Os pesados e barulhentos vapores nunca baniram os leves esqui festradi cionais. Os
dois tipos de em barcação se com plem entavam , percorrendo praias e rios, transportan­
do hom ens e gêneros, a cham ado ou em linhas regulares, com m aior ou menor agih-
482 B a h ia , S é c u l o XIX

T A B i: 1: A Ü S

P r in c ip a is P r o d u t o s N a c io n a is T r a n spo r t a d o s
tara a B a h ia p o r C a b o t a g e m , 1 8 6 7 -1 8 6 8
Produtos Q u a n t id a d f s * O r ig f m

Atgodào bruto 324:464 Alagoas

A çúcar branço 173:542 Esp(rito Santo


Açúcar mascavo 429:980 Pernambuco
Carne-seca 660:593 Rio Grande do Sul

Farinha dc m andioca 82:273 Rio de Janeiro

Couros . . 148:997 Sergipe


{*) Todas as quantidades estao expressas cm arrobas, menos a de couros, expressas em livros.
Fonte: A in serçã o d a S a b ia na ev o lu çã o n a cio n a l, p. 59 (Anexo estatístico). .

d ad e, em m a io r ou m en o r q u a n tid a d e , m as com o m esm o co n h ecim en to dos escolhos,


dos bancos de a reia e dos ven tos e ig u a lm e n te à m ercê das cóleras de Iem anjá.
N ão sabem os se os d ad o s d isp o n ív eis sobre a n avegação de cab otagem referem-se
a todas as em b arcaçõ es q u e en tra v a m e saíam do p o rto d a B ah ia, ou só aos barcos a
vapor, cu jas lin h a s u ltrap assav am os lim ite s d a P ro v ín cia. A o q u e parece, entre os
produtos n acio n ais tra n sp o rta d o s po r cab o tag em e q u e en trav am na B ahia em regim e
d e fra n q u ia , só os tra n s p o rta d o s p elas em b arcaçõ es a v ap o r eram efetiv am en te
registrado s. A carg a das p eq u en as em b arcaçõ es so fria parco con trole, a ju lg ar pelas
constantes reclam açõ es, nos relató rio s dos p resid en tes d a P ro vín cia, sobre as constan­
tes fraudes na v en d a de gên eros in tro d u z id o s c la n d estin am en te no m ercado da capi­
ta l.14 A liás, o g ran d e n ú m ero de an gras de fácil acesso às em barcações de pequeno
calado e a p ró p ria e stru tu ra do p o rto de S alv ad o r facilitav am transportes clandestinos
e todo tipo de fraude,

D o P o rto N a tu ra l ao P o rto M o d ern o

Lindley, o contrabandista inglês que tão bem soube observar a Bahia do início do
século XIX, parece ter pecado uma vez pelo exagero: entre o porto de Santo Antô­
nio e a ponta de M ontscrrat com a praia de Itapajipe, disse ele, “fica o ancoradou­
ro, bem abrigado de todos os ventos e em lugar desimpedido, havendo espaço para
que se possam reunir sem confusão todas as esquadras do mundo . 14 O que de fato
havia era, como vimos, um porto engarrafado. Desde os primeiros anos do século
as autoridades eram unânimes em clamar por melhorias.
Por volta de 1 8 1 6 , por iniciativa do capitão-gcral, o C onde dos Arcos, cogitou-se
seriamente em construir um canal que atravessaria Itapajipe, pois a ponta de Montscrrat,
com seus recifes, era perigosa para as pequenas embarcações que tentavam dobrá-la em
mar agitado. O canal de Itapajipe permitiria fácil ancoragem, na baía do mesmo
Lm to VI - O C o t id ia n o dos H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m 483

no m e, a barcos peq u en o s vin d os do L ito ral Sul e do R ecôncavo, descongescionando o


porto d a cid ad e, q u e ficaria reservado aos navios de longo curso. M as o projeto,
co n sid erad o caro d em ais pelo go vern o co lo n ial, ficou relegado até 1845. A lgum as
obras foram in ic ia d as sob a d ireção do p resid en te da P ro víncia, o general A ndréa.
N o vam en te, po rém , foram ju lg ad a s disp en d io sas d em ais e cessaram em 1 8 4 9 . 16 A
id éia d e realizar essas obras foi reto m ad a, e com m ais afinco , por p articu lares, o que é
m u ito c aracterístico : em S alv ad o r, o governo era fran cam en te favorável a m elhorias do
p o rto e do cais — com o de o u tro s serviços — , desde q u e realizadas e pagas pelos
gran d es co m ercian tes d a praça!
Em 1 8 5 4 , Jo ão G onçalves F erreira ap resen to u às autoridades im p eriais um gran­
dioso p ro jeto de aterro q u e a u m e n ta ria o d istrito co m ercial da C id ad e Baixa. Pro­
pôs tam b ém a co n stru ção de diversos can ais para m elh o r ab rig ar os navios no por­
to. C o n fiad o ao en g en h eiro A n d ré P rzaw do w ski, o projeto valeu a G onçalves Ferreira
o ap elid o d e ‘Jo ão dos C o c o s’, expressão q ue q u eria d izer ho m em leviano, visioná­
rio ... A pós envio de várias petiçõ es ao governo im p e ria l, todas recusadas, a id éia foi
ab an d o n ad a.
Em 1 8 7 0 , no va o fen siv a d a in ic ia tiv a p riv ad a: apoiados no decreto im p erial de 13
de ou tu bro de 1 8 6 9 , os h erd eiro s de Jo ão G onçalves F erreira, Francisco Ignácio Ferreira
e M an o el Je su ín o F erreira, p ed iram ao go vern o p ro vin cial preferência para construir
cinco docas e en trep o sto s en tre o p réd io da A lfân d ega e a p raia de Jeq u ita ia . Era um
projeto am b icio so : p rev ia a co n q u ista, ao m ar, d a área que ia até o forte Sao M arcelo,
e o alarg am en to dos terren o s situ ad o s entre a A lfân d ega e a praça do C om ércio. Seriam
co n stru íd o s ali cin co can ais, de trin ta a c in q ü e n ta m etros de largu ra e com profundi­
dad e su ficien te para o trân sito de navios de gran de calad o , cais de em barque de
passageiros e de m ercad o rias e gran d es entrepostos. Os irm ãos F erreira prom etiam
tam bém au m en tar a p arte co m p reen d id a entre a praça do C om ércio c Jeq u itaia e
encarregar-se da m an u ten ção dos serviços gerais do p o rto .17
A concessão foi dada em 1 8 7 1 e renovada em 18 7 2 , quando se criou em Londres a
B ahia Docks C o m p an y Limited, com capital de 9 0 0 . 0 0 0 libras em noventa mil ações,
em sua maior parte em mãos de ingleses.18 O projeto apresentado pelos irmãos Ferreira
foi inteiramente refomulado pelo engenheiro Charles Neate, membro da companhia.
Pretendia-se agora construir uma doca de 1 5 8 .0 0 0 rm entre Água de Meninos e o
Largo do Pilar, 2 .4 0 0 metros de cais lineares e dois molhes internos, equipados com
aparelhos hidráulicos, para o reparo de navios. Previa-se ainda a construção de duas
docas suplementares, uma delas para abrigar pequenas embarcações. Apresentado ao
governo em março de 18 7 3 , o projeto nunca foi aprovado, malgrado os insistentes
esforços da companhia, que acabou por dissolver-se em 18 7 9 (de fato, fora sepultado
em janeiro de 18 8 7 , quando o governo declarou caduca a concessão).
No mesmo período, entre 18 7 1 e 18 8 7 , vários outros projetos foram submetidos
ao governo. Manoel Joaquim de Souza e Silva (187 5 ) propôs a construção de um cais
e dc um quebra-mar, partindo do forte dc São Marcelo em direção a Gamboa, sufi­
484 B a h ia , S éc u lo X IX

c ie n te p ara a b rig a r q u in h e n to s n av io s. N o m esm o an o , C é sa r F aru m so licito u u m a


concessão p ara c o n stru ir docas e u m p lan o in c lin a d o lig a n d o as cid ad es A lta e B aixa.
D ois anos m ais tard e, a em p resa E d ificad o ra, d ir ig id a pelo in d u stria l Jo sé P into da
S ilv a M o re ira, se p ro p ô s a a u m e n ta r a C id a d e B aix a, e n tre a A lfân d e g a e a igreja do
P ilar. Em 1 8 7 8 , o n e g o c ia n te Jo sé A n tô n io de A ra ú jo su g e riu a reco n stru ção dos
m ercad o s do O u ro e de S a n ta B árb ara , b em co m o a co n stru ção de docas. F in alm en te,
em 1 8 8 6 , o en g e n h e iro in g lês E d m u n d P e n le y C o x a p re sen to u u m ú ltim o projeto
q u e , em b o ra co n tasse co m o ap o io de g ra n d e p a rte dos c o m ercia n tes e agentes das
co m p an h ias de n av eg ação , foi r e c u s a d o .19
C o m o se vê, as te n ta tiv a s d e fazer no p o rto d e S a lv a d o r as m elh o rias tão necessá­
rias p ara fa c ilita r o tra n sp o rte de p a ssa g eiro s e d e c a rg a n ão tiv eram m aio r êxito que os
esforços p ara d o ta r a P ro v ín c ia d e u m siste m a fe rro v iá rio . V im o s que, neste últim o
caso, os go vern os p ro v in c ia l e g e ra l e ra m a m b iv a le n te s : o ra fav o reciam os projetos
privad o s e c h eg av am a g a ra n tir a re m u n e ra ç ã o do se u c a p ita l, o ra se en carregavam eles
m esm os d a c o n stru ção das e stra d a s, sem o b ter m elh o res resu ltad o s q u e a g e s tlo p riva­
d a. S eria esse fracasso u m reflex o d o peso n e g a tiv o d a e s tru tu ra a d m in istra tiv a au to ri­
tá r ia e c e n tra liz a d o ra d o Im p é rio , c u ja le n tid ã o en tra v a v a os p ro jeto s? E no entanto ,
com o m e n c io n a m o s, a e lite p o lític a b a ia n a estav a b e m -s itu a d a n o governo cen trai,
pelos m in isté rio s q u e o cu p a v a , p o r s u a rep resen tação no S e n a d o e n a A ssem b léia G eral
e por su a p resen ça no g o v ern o p ro v in c ia l. A o d e ix arem suas p ro v ín cias para servir ao
E stado c e n tra l, os p o lític o s p a re c ia m p assar a se e m p e n h a r m ais n a defesa de interesses
de caráte r n a c io n a l. S e n d o m em b ro s d a e lite a g rá ria d a P ro v ín cia, não p o d iam esque­
cer d e todo os p ro b lem as q u e afetav am a p ro sp e rid ad e d e suas fa m ílias, m as atuavam
sem en tu siasm o e d e fro n ta v a m co m os in teresses m ais fortes do Im p ério . P ara este,
m an ter o statu quo sig n ific a v a p reserv ar certas v an ta g en s fiscais q u e u m a m odernização
co n fiad a ao c a p ita l p riv ad o p o d e ria c o m p ro m e te r,20
D e fato, a concessão o u to rg a d a aos irm ão s F erreira em 1871 e, por seu interm é­
d io , à B ah ia D ocks C o m p a n y L im ite d , tin h a d u ração p rev ista de no ven ta anos, apôs
o q ue a ad m in istração do p o rto p assaria ao go vern o d a P ro vín cia. Este se reservava o
d ireito de co m p rar a con cessão , re stitu in d o o cap ital in v estid o com juros de 8%. ao
ano, m as era pouco provável q u e , com su a crô n ica falta de d in h eiro , pudesse fazer ral
com pra em prazo tão c u rto .21 A co m p an h ia tin h a o d ire ito d e co b rar por seus serviços
(de cais, docas, em b arq u e e d esem b arq u e) as m esm as tarifas fixadas para a C om panhia
da D oca d a A lfân dega, do R io de Ja n eiro , P o d ia tam bém e m itir título s de garantia
(w arrants) das m ercadorias dep o sitadas, q ue lhes v aliam 2 5% do valor declarado das
mesm as. As tarifas eram passíveis de revisão, mas só po deriam baixar quando o lucro
líqu id o da co m p an h ia fosse su p erio r a 12% do cap ital investido nas construções e no
m aterial fixo e ro lante. A dem ais, passageiros nada pagavam , a m enos que portassem
volum es com m ais de trin ta q u ilo s.22
N a época co lo n ial, as m ercadorias exportadas ou im portadas pelo porto de Salva
dor eram depositadas em trapiches, m uitos dos quais pertencentes a com erciantes.
486 B a h ia , S é c u l o X I X

lu cro s cessantes e seriam ex p ro p ríad o s em troca de som as m u ito inferiores ao valor dos
im óveis de en tão . C ab e n o tar q u e esses do n o s de entrep ostos eram tam bém negociantes
ex p o rtan d o e im p o rtan d o m ercad o rias, e a in d a fin an ciav am a ativ id ad e açucareira A
perd a dos trap ich es s ig n ific a v a p a ra eles a p erd a de p arte do co n tro le q u e tinh am sobre
os p ro d u to res de a çú car, bem co m o sobre suas p ró p rias m ercado rias, q u e passariam a ser
arm azen ad as em docas a n ô n im a s , freq ü en tad as por todos.
P ara os m o d e rn iz a d o re s , in te re s sa v a r e tira r d o g ru p o co n serv ad o r o d o m ín io sobre
o p o rto , c o n fia n d o -o a u m a n o v a a d m in is tra ç ã o . N este cam p o , convém d istin g u ir
d u as te n d ê n c ia s . H a v ia os q u e , c o m o os irm ão s F erreira, ap resen tav am projetos de
m o d e rn iz a ç ão g lo b a l d o p o rto e os q u e , co m o Jo sé A n tô n io de A raú jo , se p ro p u n h am
c o n stru ir u m a ú n ic a d o c a e re c o n s tru ir d o is g ran d e s m ercad o s, o de O u ro e o de San ta
B árb ara. N a v e rd a d e , as d u a s p o siçõ es n ao d ife ria m m u ito . O in d iv id u a lism o dem on s­
trad o p o r u m Jo sé A n tô n io de A ra ú jo e q ü iv a lia ao de u m P ed ro so de A lb u q u erq u e ou
ao d e u m P e re ira M a r in h o — to d o s d e se ja v a m c o n se rv ar p riv ilé g io s. O s que apresen­
ta v a m p ro jeto s so b o p re te x to d a m o d e rn iz a ç ã o n ã o m e p a recem m a is ab n egad o s que
os n e g o c ia n te s q u e a eles se o p u n h a m . N o s d o is caso s, o in te re sse privad o prim ava
so b re o p ú b lic o . A a titu d e dos d o n o s d e tra p ic h e n ão d ife ria d a dos produtores de
a ç ú c a r q u e re c u sa v a m a p assag em de ferro v ia s p o r suas terras. Isto exp lica o insucesso
d e p ro jeto s m a is c o m p le to s , co m o o d a B a h ia D o ck s C o m p a n y L im ite d ou o da B ahia
a n d S ao F ra n cisco R a ilw a y C o m p a n y . A p r im e ir a , a p e sa r do c a p ita l inglês q ue captara,
ja m a is o b tev e a co n cessão ; a s e g u n d a , ta m b é m in g le sa , in te rro m p e u bruscam en te suas
a tiv id a d e s a n tes d e a tin g ir o o b je tiv o : J u a z e iro e o S ão F ran cisco .
A re s p o n sa b ilid a d e d o g o v e rn o n ão fo í m e n o r, m as a in d a ig n o ram o s o papel que
a e lite p o lític a b a ia n a d e se m p e n h o u n esse caso . O estu d o de suas atitu d es nesses
d o m ín io s — v ita is, e m b o ra m u ito esp ecífico s — talv ez p e rm itisse co m p reen d er m e­
lh o r po r q u e ta n ta s U nhas fe rro v iá rias n ão fo ram c o n c lu íd a s, p o r q u e novas estradas
não foram ab ertas, p o r q u e , e n fim , o no vo p o rto de S alv ad o r só veio a ser realizado
en tre 1 9 0 6 e 1 9 2 0 — e x a ta m e n te q u a n d o a eco n o m ia b a ia n a chegava ao ponto m ais
baixo d e seu d e c lín io . D e c lín io relativ o , sem d ú v id a , p o rq u e a praça de Salvador
c o n tin u a v a a ser u m cen tro c o m e rc ia l m u ito ativ o .
' - . CAPÍTULO 2 7

S alvador , P raça C o m e r c ia l

M etrópole regional e centro de redistribuição de mercadorias, Salvador, no século


X IX , v ia - s e à m e r c ê d e u m m e r c a d o in t e r n a c io n a l c a p ric h o s o e tin h a s u a a tiv id a d e de
e x p o r ta ç ã o p r e ju d ic a d a p e lo t r a n s p o r t e d e f ic ie n te d o s p r o d u to s n a P ro v ín c ia . A p ró ­
p r ia c id a d e e r a c r o n ic a m e n t e m a l a b a s te c id a , e os g ê n e ro s d e p r im e ir a n e c e ssid a d e m al
d is t r ib u íd o s p o r u m a p o p u la ç ã o c a d a v ez m a io r . A a v id e z d o s h o m e n s n ã o era a ú n ic a
r e s p o n s á v e l p o r e s s a s it u a ç ã o : a tu a v a m s o b re e la ta m b é m o d e sg a ste d o so lo , os azares
d o c lim a , a s e n o r m e s d is t â n c ia s e a té o in c e s s a n te v a iv é m d a p o p u la ç ã o q u e v iv ia do
c o m é r c io . E r a u m m e r c a d o c o m p le x o , d e o f e r ta e d e m a n d a d o s m a is v a ria d o s p r o d u ­
to s, a n im a d o p o r h o m e n s liv r e s , a lf o r r ia d o s e e scrav o s.
A p r in c ip a l a t iv id a d e d e S a lv a d o r e ra c o m e r c ia l, m a lg r a d o te n ta tiv a s feitas em
m e a d o s d o s é c u lo p a r a im p la n t a r in d ú s tr ia s , lo g o f r u s tr a d a s ,1 A s tro cas in te rn a c io n a is
s e m p re d o m in a r a m as a tiv id a d e s c o m e r c ia is e fin a n c e ir a s d a B a h ia . Esse m ercad o
t r a d ic io n a l d e v ia o f e r e c e r , a o s c o n s u m id o r e s e s tr a n g e iro s , os fru to s d a te rra e trazer,
aos h a b it a n t e s d e s ta , o q u e n a o p o d ia m p r o d u z ir : o b je to s m a n u fa tu ra d o s e a té p ro d u ­
to s a lim e n t a r e s . A s a ú d e m a t e r ia l d e to d a a P r o v ín c ia e p a r tic u la r m e n te d a c ap ital
d e p e n d ia in t e ir a m e n t e d e sse c o m é r c io , c o n tr o la d o p o r g ra n d e s n e g o c ia n te s , a m a io ria
d e fo ra d a B a h ia . E ra u m m e rc a d o q u e o s c ila v a s e g u n d o os d o e x te rio r e seg u n d o a
p r o d u ç ã o in t e r n a , s u je it a a c ris e s , fo ssem e la s c lim á tic a s , p o lític a s , d eco rren tes da
d e s o r g a n iz a ç ã o d o c r é d ito o u d o p ro cesso in f la c io n á r io 2 e d a d e te rio ra ç ã o d a m o ed a
n a c io n a l. S e m e s q u e c e r as e p id e m ia s , q u e p o d ia m a tin g ir ta n to a p ro d u çã o (a can a-d e-
a ç ú c a r em ) 8 7 3 ) q u a n to o s h o m e n s , c o m o a feb re a m a re la e o c ó lera -m o rb o nos anos
1 8 5 0 . E ssas c rise s e s g o ta v a m as fo rças d a P ro v ín c ia e d e sen co ra jav am os ho m ens. As
e x p o rta ç õ e s q u a s e s e m p re s u p e ra v a m as im p o rta ç õ e s, n u m a h e m o rra g ia de c ap itais
q u e e x a u r ia p a u la tin a m e n te as fo rças e c o n ô m ic a s lo cais, in cap azes de rev erter os ter- .
m o s d e in te r c â m b io e m fav o r d a B a h ia .
O s p ro d u tos trad icion alm en te exportados, com o j i foi dito, eram açúcar, fiimo,
algodão, aguardente, algum café e cacau, couro, e os diamantes e carbonatos que

487
488 B a h ia , S é c u l o X I X

tantas c tão fugazes esperanças despertaram . Os preços dependiam , obviam ente, das
condições vigentes nos m ercados externos, sobretudo num a época em que a concor­
rência se acirrava, em especial para o açúcar.
Os produtos de im po rtação eram os m ais diversos. Por volta de 1875 eram
tecidos de lã, lin h o e seda, objetos de vidro, ouro e prata, perfum aria, todo tipo de
instrum ento m u sical, rem édios, vin ho s, especiarias, farinh a de trigo, óleo de oliva
bacalh au etc. P redom in avam os bens de consum o, sobretudo após a proibição do
tráfico negreiro, pois até então boa p arte das im portações era form ada por escravos,
que eram bens de p ro d u ção .3 Endosso por in teiro a afirm ação de Rôm ulo de Almeida-
“T enho a im pressão de q ue se d everia estu d ar a in flu ên cia que teria tido o 'crédito em
m ercad o rias1 fo rnecido à B ah ia pelo com ércio de im portação, sobretudo inglês, e isto
m esm o antes da ab ertu ra dos portos, a crer no testem unh o do desem bargador Brito,
tanto m ais q u e sua in flu ên cia benéfica, q u an d o se tratava de bens de produção, era
seguid a por u m a in flu ê n c ia talvez m aléfica na m ed id a em que suscitava modelos
sun tuário s de consum o n u m a m in o ria de ‘senhores’ e ‘dou tores’ que gastavam além de
suas po ssibilidades e q u e, assim , torn avam m ais pesado o balanço de pagamentos e
favoreciam a q u ed a das taxas de câm b io . Esses hábitos sun tuários contribuíam ( ...)
para agravar as crises, im p ed in d o a form ação de m elhores reservas nos anos bons.
C o n stitu íam em su m a u m fator de m aio r d escap italização .”4 De fato, produtos como
tecidos, calçados, chapéus, po rcelan a, objetos de ouro e de prata, instrum entos m usi­
cais e certos gêneros alim en tício s dispensáveis form avam , em 1 8 7 4 -1 8 7 5 , 81,9% do
valor total das im portações. Exceção feita ao carvão, cobre, aço, papel, pólvora, fósfo­
ros e alguns produtos classificados n a rubrica ‘diversos’, todos os dem ais itens de
im portação podem ser considerados de consum o sun tuário.
Os hábitos su n tuário s a que o em in en te econom ista se refere não eram exclusivos
de ‘senhores e dou tores’. D issem in avam -se por todas as cam adas sociais. Nos inventá­
rios feitos após a m orte de h u m ild es habitantes de Salvador, e até de alforriados, jóias
de ouro ou prata, ou trajes de seda, são por vezes os únicos bens arrolados, e nao é raro
encontrar o registro de dívidas contraídas para sua com p ra.5
As tentativas de restringir o sistema de ‘crédito em mercadoria’ sempre foram vãs.
Já em 1 8 5 0 o presidente da Província se queixava da situação em que se encontrava a
economia baiana, crise que atribuía “à decisão dos negociantes da Inglaterra e das
outras nações de não vender suas mercadorias ao comércio do país do mesmo modo
que o faziam outrora, porque adotaram uma nova prática que consiste em vender por
carta de crédito a prazo curto c fixo, obrigando assim os compradores a reduzir
igualmente seus débitos anteriores e nao lhes concedendo nenhuma outra possibilida­
de de compra se esta nova condição não for satisfeita /’
Seja como for, a maior parte do lucro dos negociantes vinha desses bens importa­
dos,7 pois, na época, os produtos primários de exportação, tradicionais ou novos,
sofriam a concorrência estrangeira, além dos efeitos das crises locais de produção, da
degradação dos termos de troca c da inflação que fatalmente a acompanhava. Exami­
L iv r o VI Q C o t i d i a n o n o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m
489

narei com o esses diferen tes |a tores atuavam sobre os preços de certos gêneros alim en-
tares de p rn n eira necessidade, torn an do crônico o problem a do desabastecim ento.
A ntes porém , devo assin alar „ im po rtan te papel desem penhado pela B ahia como
praça de com ercio regional.
D e fato, com o ja foi d ito , Salvado r não era som ente um grande centro de com ér­
cio in tern acio n al; cab ia-lh e red istrib u ir as m ercadorias im portadas pelas regiões do
in terio r da P ro v ín cia, algu m as m u ito distan tes, e isto por m eio dos transportes m arí­
tim os e das po ucas e m ás vias terrestres, para chegar ao Sertão. Rios e tropas de m ulas
levavam aos m ais lo n g ín q u o s rincões não só objetos m anufaturados como até alim en­
tos. A lém das m ercad o rias v in d as de outros países, Salvador redistribuía as que chega­
vam de outras p ro vín cias do país — de A lagoas ao R io G rande do Sul como a
carne-seca q u e, ju n to com a farin h a de m an dio ca, form ava a base da alim entação de
todos os b rasileiro s.
A ssim , graças a m arin h eiro s e tropeiros, hom ens de têm pera forte e coragem
serena, a B ah ia se in seria n u m am plo e m al conhecido m ercado de trocas. Tem os uma
id éia ap ro x im ad a das trocas feitas com outros países, m as sobre as que se faziam entre
as pro vín cias só disp o m o s de dados fragm en tado s, que não perm item qualquer análise.
T am p o u co existem , com o já assin alei, dados sobre o fluxo com ercial entre Salvador e
as diversas regiões d a P ro vín cia. É certo, em todo caso, que no século XIX a Bahia era
a v erd ad eira c a p ita l do N o rdeste, apesar d a forte concorrência de Pernam buco. De
fato, A lagoas e S ergip e p areciam estar m aís bem integradas com a B ahia que com a
v izin h a P ern am b u co , e isto graças às ligações m arítim as desenvolvidas a partir de
m eados do século.
No in terio r, usavam -se as an tigas trilh as abertas pela passagem das boiadas, que
co n tin u av am a ch egar de lo n ge para abastecer de carne os m ercados de Salvador. Esses
cam in ho s, que su b iam até as chapadas e atravessavam os rios por vaus bem conheci­
dos, viam passar longas tropas de an im ais, albardados e pesadam ente carregados, em
caravanas bem organ izad as, q ue levavam aos m ais isolados lugarejos rodo tipo de
m ercadoria, trazendo de volta algodão, café, diam antes ou carbonatos. Toda casa
com ercial dc respeito tin h a seus tropeiros; além deles, percorriam as trilhas os vende­
dores am b u lan tes, q ue sonhavam um dia, quando tivessem am ealhado um pequeno
capital, instalar-se com o lo jistas nalgum a vila próspera òu até na cap ital.8
Era preciso tam bém su p rir feiras e lojas da própria Salvador e das cidades e vilas
próxim as. Este m ercado local — dc especial interesse porque dele dependia a subsis­
tência dos habitantes d a capital — desenvolvia-se sobre bases relativam ente comple­
xas, por ser exportador dc m atérias-prim as, sobretudo agrícolas, e im portador de
m anufaturados. C om suas im portações, o mercado de Salvador devia garantir aos
clientes estrangeiros lucros suficientes para rem unerar o capital que investiam . Ora,
como o escoam ento dos produtos im portados dependia da capacidade de absorção do
mercado intern o, este devia estar em constante expansão, pelo menos a longo prazo.
M as de que m aneira aum entar ou elevar o nível do consumo e das necessidades num a
490 B a h ia . S f c n o X IX

cidade com o Salvado r, com u m a estru tu ra social de tipo escravista, e cu ja população


sofria as devastações das guerras, das sublevações c das ep idem ias, com seu lúgubre
cortejo de m ilh ares de m ortos? E verdade que, num grande porto, há sem pre um a
m assa de con sum idores esquecido s, um a p o pulação flu tu an te com posta de m arinhei­
ros e v iajan tes, tropeiros e b o iad eiro s, caixeiro s-v iajan tes, flagelados e soldados, cuja
presença certam en te in flu en ciav a os preços p raticado s na cid ad e,9
Seja com o for, tratava-se de u m a so cied ad e escravista, que m an tin h a considerável
setor da popuiação sob um regim e m u ito p articu lar. E, se por um lado os consum ido­
res tinh am necessidades b astan tes lim ita d a s, po r ou tro os im previstos decorrentes das
epid em ias to rn avam o m ercad o nervoso, ao m esm o tem po rígid o e elástico, e, sobre­
tudo, im p rev isív el a m éd io e lo n go prazos. Sem co n tar que quase todos os senhores de
engenho co m p rav am suas ferram en tas e b en s de con sum o a créd ito , con tan do com
co lh eitas fu tu ras. T u d o isso fazia a o rig in a lid a d e do m ercado de S alvad o r e engendrava
hábitos ex trem am en te esp ecu lativo s nos m eios co m erciais, obrigados a conviver com
a incerteza: tratava-se de realiz ar os m aio res lu cro s possíveis no m enor lapso de tem po,
m esm o q u e, a lo n go prazo, isso acarretasse a d eterio ração dos term os de troca do
m ercado lo cal, cu jas p rin cip ais v ítim as eram por certo os consum idores.
A ssim , os co m ercian tes tin h am po d er su ficien te para m a n ip u lar as quantidad es e
as q u alid ad e s oferecidas, e n q u an to no in te rio r en calh avam excedentes, prom ovendo o
em p o b recim en to da cid ad e. M as, para co m p reen d er o fu n cio n am en to dessa estrutura,
é preciso p rim eiro sab er q u em eram esses ho m ens, q ue técn icas com erciais em prega­
vam , com q ue m eios de fin an c iam e n to co n tavam e q u e tipo de negócios praticavam .

O s C o m e rc ia n te s

V ender era, de lon ge, o ofício m ais p raticad o na Salvad o r do século XIX. De alto a
baixo da escala so cial, ho m ens e m u lh eres exerciam alg u m tipo de com ércio: eram
grandes negociantes, co m ercian tes de todos os calib res, caixeiro s-viajantes, am bulan­
tes, leiloeiro s, agentes dc câm b io , corretores, pro p rietário s de entrepostos. As realida­
des que se ocultavam sob tais ativid ad es sao difíceis de d eslin d ar ou de quantificar. Era
um con jun to q ue só tin h a cm com um a essência da ativ id ad e q ue lhes garantia a
subsistência — a com pra e a venda — , c extrem am ente díspar no tipo, volum e e nível
dos negócios praticados.
No ftm do século XVIII, V ilh cn a m ostrava-se perplexo diante do comércio da
Bahia. Ele confessou que, h f a l t a dc “luzes” para descrcvê-io com coerência, se conten­
taria com algum as considerações gerais que perm itissem um a classificação por peso
econôm ico, ainda que os critérios fossem precários e insuficientem ente definidos.
N o topo da organização com ercial, os grandes negociantes tratavam da exportação
de produtos prim ários para os m ercados internacionais, dos quais im portavam m anu­
faturados, alim entos e escravos. Eram eles que financiavam a produção agrícola, mesmo
L i v r o V I - O C o t id ia n o i k i s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m
491

após a criação de órgãos financeiros com essa função precípua. Aliás, o Código Comer­
cial brasile.ro de 1 8 5 0 definia os banqueiros como “comerciantes que rêm por profis-
sao h a b itu a l, em seu co m ercio , as operações cham adas de banco”. 10 Segundo V ilhena
esses gran d es co m ercian tes - reservarei a eles a designação de negociantes, p ará
d istin g u t-lo s dos d em ais — p o diam ser divid id o s em dois grandes grupos- os que
tin h am seus p ró p rio s cap itais e os que, em bo ra agin d o em seu próprio nom e, o faziam
com fu n d o s de o u tras pessoas, desejosas d e o cu ltar que co m erciavam ,11 Q uem eram
rais pessoas? M em b ro s d a a d m in istra ção co lo n ial, cu ja função era incom patível com a
ativ id ad e m erca n til? P ro fissio n ais lib erais com ren d im en to s a fazer frutificar? In stitu i­
ções religio sas, p ro p rie tá rio s ru rais ou gen te q ue residia fora da C olônia? C ertam ente
u m pouco de tu d o isto , m as de fato a d istin ção entre com ércio praticado com o
p ró p rio d in h e iro ou com o d in h e iro alh eio é fictícia: rodos os negociantes im portavam
e ex p o rtav am co m esses do is tip o s de fin an ciam en to , o que os protegia dos riscos
in eren tes à a tiv id a d e .12
V ilh e n a fala a in d a de u m a terceira catego ria, a dos com issários, negociantes não
registrado s m as q u e , "co m o p o rém todos desp ach am , pagam direitos e carregam efeitos,
d em o s-lh es a co n so lação de ch am ar-lh es co m ercian tes, sejam os gêneros de que forem ”.
Esses outsiders , q u e am eaçav am o m o n o p ó lio dos com erciantes ‘registrados’, eram seve­
ram e n te c ritic a d o s p elo austero V ilh e n a , q ue m o strava tê-los em m u ito baixa co n ta.13
A té a a b e rtu ra dos portos os gran d es n ego cian tes eram luso-brasileiros, isto é,
p o rtu gu eses in stalad o s n a B a h ia ou seus filhos; no geral, po rém , quando o pai fazia
fo rtu n a os filh os ab raçav am profissões lib e ra is, ingressando m uitas vezes na ad m in is­
tração c o lo n ia l. O g ru p o cra sem p re renovado pela ch egad a de novas pessoas, que com
freq ü ên cia tin h a m p aren tes já estab elecid o s no ram o , com os quais viviam e faziam seu
ap ren d iz ad o . O s m ais afo rtu n ad o s chegavam a suceder ao ex-patrão à frente dos
n egócio s, o u tro s ch eg av am a a d q u irir créd ito su ficien te p ara criar o próprio estabele­
cim en to (aliás, p ara isso, era m aís im p o rtan te ter créd ito na praça que cap ital). A partir
de 1808 as co n d içõ es co m erciais se tran sfo rm aram m u ito : os portugueses perderam o
m o n o p ó lio e as gran d es transações com erciais passaram a ser exercidas por gente de
todas as n acio n alid ad es.
Em 1808 foi can celad a tam b ém a real proibição que im pedia o exercício de
q u alq u er a tiv id ad e in d u stria l na C o lô n ia. As m anufaturas que a partir de então se
estabeleceram eram , de fato, um prolon gam ento do trábalho artesanal tradicional,
co n cen tran d o -se na fabricação de cordas e panos de vela. Projetos de criar m anu aturas
de papel c de algodão n u n ca tiveram exito. Francisco Ignácio Siqueira Nobre investiu
pesadam ente na im p lan tação de um a fábrica de vidros, chegando a trazer operar o
A lem an h a, m as cia jam ais prosperou; tam bém não foi à frente sua idéia de introduzir
na B ah ia o cu ltiv o do bicho-da-seda. N a visão do governo, tratava-se de um homem
de boa vontade, m as pouco in telig en te.14 Embora m alogrados, esses esforços atestam
a lucid ez dos negociantes portugueses, prontos a se adaptar às novas condiçocs impos­
tas pela perda de seu m onopólio. T entaram inclusive penerrar no comercio direto
492 B a h ia , S é c u l o X I X

anglo -brasileiro , m as, não ob stante os contatos que m an tin h am na G rã-B retanha, os
obstáculos foram excessivos. A h isto riado ra n o rte-am erican a C , Lugar aponta uma
série deles: a rápida chegada, a Salvado r, de com erciantes ingleses, representantes de
casas com gran de exp eriên cia no com ércio an glo -p o rtu gu ês, a im igração de experien­
tes com erciantes q ue tran sferiram sua base de operações de Lisboa para a B ahia, o
d im in u to m ercado inglês para os pro du to s baianos (saivo o algo d ão ), a organização do
m ercado de Londres {que, o p eran d o com sistem a de corretagem , exigia contatos
pessoais) e, fin alm en te, o ap o io d ip lo m ático inglês aos com erciantes de seu país.15
Os negociantes ingleses g an h aram en tão , sobre os portugueses, am pla e rápida ascen­
dência: em 1815, os recibos alfan d egário s pagos por eles representavam 24% do
co n jun to ; em 1 8 2 5 , ch egav am a 6 9 % . P or ou tro lado, entre os v in te m aiores nego­
ciantes em 1815, apenas q u atro eram in gleses. Em 1825 eles eram d o ze.ltí
A ascensão dos ingleses se ex p lica tam bém p ela p artid a apressada dos negociantes
portugueses po r ocasião d a In d ep en d ên cia, v o lu n tá ria em algun s casos, forçada na
m aio ria deles. D e fato, em 1 8 2 3 , certos setores rad icais d a elite b ain a, apoiados pelo
povo, exigiram sua exp u lsão . Q u eriam a ‘n acio n alização ' do com ércio. M as de fato os
portugueses nao foram su b stitu íd o s po r n ego cian tes brasileiros: os cap itais disponíveis
na P ro víncia eram in su ficien tes p ara fin an c iar todas as atividades econôm icas, em
especial a produção. A lgu n s anos depo is os senhores de engenho se deram conta disso
e pediram a v o lta dos q ue tin h am exp u lsado . Por ou tro lado , é evidente que, mesmo
que aqu i tivessem p erm an ecid o , os portugueses nao teriam p o dido conservar a posição
preem in ente de o u tro ra.
N o novo esq u em a q u e se estab eleceu nos anos 1830, os negociantes estrangeiros,
sobretudo ingleses, não assu m iram o m o nop ólio português. L im itaram -se a operações
de im portação e exportação no p róprio porto de Salvado r, deixando aos luso-brasileiros
um am plo espaço de operações com erciais em diferentes setores: eram estes que faziam
a interm ediação entre os exportadores e os produtores agrícolas, financiando e colocando
a produção; red istrib u íam as m ercadorias im po rtadas, m antendo o controle de todo o
com ércio regio nal e in terp ro v in cial em torno do q u al se desenvolvia a navegação de ca­
botagem ; finalm ente, eram os luso-brasileiros que faziam o lucrativo tráfico de escravos.
Nesse espaço, consideravelmente ampliado com a criação de um Estado nacional,
muitos negociantes luso-brasileiros prosperaram, como os Pereira Franco, os Cerqueira
Lima, os Pedroso de Albuquerque e os Pereira M arinho. E se, no novo modelo, o
comércio nacional não substituiu o comércio português de outrora, não faltaram aos
meios comerciais baianos oportunidades para enriquecer. As fortunas dos comercian­
tes locais são, como se verá, as primeiras fortunas da cidade durante rodo o século XIX.
Até 18 5 0 , cies detiveram o monopólio do tráfico de escravos, considerado muito
lucrativo; tinham o monopólio da importação de produtos alimentares, como a carne-
seca e a farinha de mandioca, igualmente rentáveis; redistribuíam mercadorias impor­
tadas e abasteciam todo o comércio varejista da Província. Muitos tinham lojas pró­
prias. Finalmente, seu papel de intermediários dos produtos agrícolas, que financiavam,
,If I Í Í Í l ^ £ 0 T ro «N 0 ^ 0MENS QUE P ro d u z 1 am E T r o c a v a m
493

l r i v J a t ? r ife fn e r' ^ ^ ^ Pr° ™ ha- dc fet°' diversificação das

z Z tZ sZ ,cmr cmvários^ ni°- ^


E e s t r oS n d oz s a s ez n t r ez essesr g r a n d e s n e g o c ia n t e s , q u e , a liá s , in v e s t ia m
n a i n d u s t r i a , e m in s ti t u i ç õ e s ba n rá ri oc „ , - , M
ç o e s D a n c a r ia s , e m c o m p a n h i a s d e s e g u r o s , e m e m p r e s a s d e
tran sp o rtes u rb an o s e d e n av eeacão de n l i n o ^ * ^ j - i
- , , , * * c a b o t a g e m e q u e se d i s p u n h a m a t é a in v e s t ir n a
c o n s tru ç ã o d e e stra d a s d e ferro o u d e u m n o v o n n rm M a * ■ r . ,
, 111 novo Por^- NaVida econom ico-financeira da
{ ' I w t o s p a r a a história) d e 1808 a 1890, Goes Calmon nos dá a lista dos que
ma.s se destacaram nesse grupo na década de 18 6 0 - são nomes que reaparecem a
todo m om ento na docum entação da época, mas a falta de fontes torna impossível
avaliar a am plitude de suas atividades e de suas fortunas, É impossível, aliás, separar
imporradores-exportadores e varejistas, pois os primeiros também negociavam no varejo.
Por o u tro lado, u m estudo recente, de M á rio Augusto da Silva Santos, permite
co n h ecer u m p o u co m e lh o r u m a o u tra classe de com erciantes: a dos lojistas, O traba­
lh o , q u e só a b arca de 1 8 7 0 a 1 8 8 9 ,17 m o stra que, em 1885, os varejistas de origem
p o rtu g u e sa eram cerca de 5 1 % dos estabelecido s na praça de Salvador, Em segundo
lu g a r v in h a m os b rasile iro s, com 4 3 % , seguido s pelos franceses e italianos (2% para
cad a g ru p o ). O s in g leses n ao p a rtic ip a y am dessa ativ id ad e. Entre 1885 e 1889, a
te n d ê n c ia se in v e rte u : os b rasileiro s passaram a ser 55% dos lojistas, e os portugueses
se lim ita ra m a 4 0 % (em 1 9 3 0 os p o rtugueses nao passariam de 7% dos varejistas e os
b rasileiro s c h e g a ria m a 6 8 % ).
D e 1 8 7 0 a 1 8 8 9 , p o rtu g u eses e b rasileiro s p artilh av am a ven d a de tecidos, gêneros
a lim e n tare s, p ro d u to s farm acêu tico s e de d ro garia, ferragens, vinhos e bebidas destila­
d as, v estu ário em g e ra l, p o rcelan as, vidros e jó ias. T in h am pequenos estabelecim entos,
com o p ap elarias, co n feitarias, cafés e açougues. As atividades de im portação e exportação
se d is trib u ía m en tre as duas n acio n alid ad es, com 4 7 % p ara cada u m a. Nesse período,
co n tu d o , os in v e stim e n to s p o rtu g u eses eram m ais do dobro dos brasileiros. A liás, Silva
San tos m o stra q ue a co n cen tração de cap itais por investido r era m aior entre os suíços,
os alem ães e os p o rtu g u eses do q u e en tre brasileiros e pessoas de outras nacionalidades.
O estudo de S ilv a San tos tem lim ites, pois, baseado na série dos contratos registrados
na ju n t a dc C o m ércio de S alv ad o r, só abarca os lojistas legalizados na cidade. Sabemos
q ue no varejo a clan d e stin id ad e era grande, em bora o C ódigo C om ercial exigisse a
■ • - ■ , . nc Ma í n n r a no Drazo de oito dias após a c o n s t it u iç ã o de uma
in scrição nos registros d a ju n ta no w r
sociedade ou a ab ertu ra de um estabelecim ento.
A lém d o , grandes do com ércio, exportadores e .m portadores. lo p s t^ e j r e p ^
cabe m encionar o , na época chamados 'a.ravessadores de gêneros . “ ando por
/ • iv en tes de com erciantes estabelecidos, tinham por tarefa per
con ta p ró p ria ou com o agentes u i w j p arroz
correr os centros produtores e comprar bots, fannha de mandtoca, feqao e arroz,
correr os centro s . Iv, dor pouco se sabe sobre essa categoria, exceto que
depois transportados para õalvaao . -i-vapãn Hos orecos
• . - pcrtpriiladores e eram responsabilizados pela elevaçao dos preços.
tin h a m re p u ta ç a o d e c sp e cu ia o o r f n « p n n r lei
v i- d i r e t a m e n t e c o m a p o p u la ç a o , e m b o r a o v a r e jo tosse, p o r lei,
S ^ r ^ r a e v i d a m e o t e registrados. Havia alguma relação enrre eles e os
494 B a h ia , S é c u l o X I X

caix eiro s-v iajan tes? A s d u as fu n çõ es, em b o ra op o stas — u m a vez q u e os caixeiros


esp alh av am pelo in te rio r as m ercad o rias im p o rtad as p ela c a p it a l— , eram p erfeitam en ­
te co n c iliáv e ís, e é provável q u e não raro am b as fossem exercidas pelas m esm as pessoas,
o q ue p o r certo lhes v a lia m aio res gan h o s.

T A R E: [. A 8 6

C o n c e n t r a ç ã o de C a pit a is n a B a h ia ,
1 8 7 9 —1 8 9 9 (e m c o n t o s d e r é is)

Suíços 6 0 :0 0 0

A lem ães 4 0 :0 0 0

Portugueses 3 7 :0 0 0

Italianos 20:000

Franceses 16:000

Brasileiros 16:000

Espanhóis 5:000

Ingleses 4 :0 0 0

N orte-am ericanos 4:000

Fonte: M ário Augusto da Silva Sanros, O co m ér cio p o rtu g u ê s


n a B ahia, 1 8 7 0 -1 9 7 0 , p. 33-45-

A c id a d e r e u n ia to d a esp écie de v arejista s e rev en d ed o res. O s m ais im p o rtan tes, já


se v iu , tin h a m m ercearia s, tab e rn a s, p a d aria s e lo jas de tecidos e d e ferragen s instaladas
nos b airro s c e n tra is. S e rv ia m a u m a p o p u lação n u m ero sa. S er p ro p rietário de loja
co n feria certo p restíg io so cial. A o lado s d eles, co n v iv ia en o rm e q u a n tid a d e de feirantes
e v en d ed o res a m b u lan te s, q u e ex p u n h am em tab u le iro s ou barracas, ou levavam de
p o rta em p o rta, desde frutas, leg u m es, peixes, carnes e gên eros de m ercearia em geral,
até tecid o s e m iu d ezas v ariad as. E ram livres p ara fixar seus preços, m as tin h am que ter
licen ça para co m erciar, pagando o im po sto correspondente. C o m p etia à M u n icip alid ad e
co n ced er ou recusar as licen ças, a rrecad an d o depo is o im p o sto — entre quatro e cmco
réis — q ue in c id ia sobre os ‘ta b u le iro s’ e ‘caix as’ dos vendedores am bulantes.
Essa gen te zanzava o d ia todo , la d e ira ab aixo , lad eira acim a, os rabuleiros
sem pre h arm o n io sam en te arru m ad o s — eq u ilib rad o s na cabeça, roupas de cores vivas,
porte altan eiro , lín g u a afiad a, fosse a m u lh er q u e v en d ia m in gau de tapioca ou o
padeiro, gente m ad ru gad o ra, ou a b aian a de saia ro dada e m uitos colares, que chegava
de tard in h a para oferecer acarajé, doce d e b an an a ou de goiaba. V endia-se de tudo nas
ruas de Salvado r, dc carvão a legum es. E specialistas em q u itu tes de proveniêncía
africana não faltavam cm nenhum b a irro .Ift
Esse m odesto com ércio am b u lan te, que pouco investim ento exigia, perm itia a
toda um a parcela da população víver, ou sobreviver, n u m a cidade onde, como a seguir
se verá, o m ercado de trabalho cra reduzido.
L iv r o V I O C o t id ia n o n o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o ç a v a m 495

A O r g a n iz a ç ã o C o m e r c ia l

Q u alq u e r pessoa, cid ad ão b rasileiro ou não, p o d ia com erciar, desde que dispusesse
liv re m e n te d e sua pessoa e de seus bens. As m ulheres casadas e m enores de idade
p recisavam de au to rização dos m aridos ou dos pais.
E ntre os p riv ilég io s dos co m ercian tes, h av ia um m u ito im p o rtan te, resquício tal­
vez dos tem po s co lo n iais: q u a lq u e r u m deles p o d ia dar a um terceiro u m a procuração,
de p ró p rio p u n h o ou não , m as assin ad a por ele, com valo r ig u al ao de u m docum ento
passado em cartó rio . A liás, todos os papéis referentes a transações com erciais dispen­
savam o re c o n h ecim en to de u m tab elião , en tre eles os q ue atestavam a concessão de
créd ito s a u m terceiro e a p ro m essa deste de q u ita r a d ív id a no prazo ali fixado.
O c o n ju n to dos a u x ilía r e s do corp o c o m e rc ia l in c lu ía co rreto res, leilo eiro s,
in ten d en tes, co n tad o res e co m erciario s, sem esqu ecer os p ro p rietário s e ad m in istrad o ­
res dos en trep o sto s, n em os tran sp o rtad o res. N esta ú ltim a categ o ria in clu íam -se bar­
q ueiro s, tro p eiro s e “o u tro s co n d u to res de gêneros ou agen tes”. S eriam estes últim os
os ‘atrav essad o res de g ê n e ro s’? D e fato, o C ó d ig o C o m e rc ial os en q u ad rava com o
sim p les tra n sp o rta d o re s.
O c o m e rc ia n te p o d ia exercer d ire ta m e n te sua fu n ção o u d elegá-la a um terceiro,
o q u e e x ig ia u m a p ro c u raç ão , ch a m ad a p elo C ó d ig o C o m ercial de m an d ato m ercan­
til. Essa fo rm a de co m ércio p o r p ro cu ração foi m u ito co m u m no período colonial,
pois com fre q ü ê n c ia u m dos sócios estava do o u tro lado do A tlâ n tic o .19 M as co n ti­
n u o u send o a m p la m e n te p r a tic a d a no sécu lo XIX , u m a vez q ue as grandes casas
co m erciais tin h a m in teresses ta n to no estran g eiro com o em diversas províncias do
país e em v ila s esp alh ad as p e la B ah ia , p recisan d o ter agentes p o r to d a parte. U m
m esm o a g e n te p o d ia ser m a n d a tá rio de vários co m ercian tes, assim com um com er­
c ian te p o d ia n o m e ar d iverso s m a n d a tá rio s p a ra u m m esm o negócio. Em geral, os
com erciantes q ue trab alh av am por procuração de u m confrade recebiam u m a comissão,
c u ja tax a era fix a d a de co m u m aco rd o , a m en o s q ue tivessem p articip ação n a socieda­
de co m ercial, caso em q u e receb iam p ro rata, segu n d o o cap ital ou o trabalh o inves­
tid o s no n eg ó cio .
A fo rm a m ais d ifu n d id a de associação co m ercial era a sociedade . B astavam duas
pessoas para fo rm ar u m a so cied ad e co m ercial, desde q u e am bas con tribu íssem para a
form ação do c a p ita l, fosse em d in h eiro , títu lo s co m erciais ou outros bens, fosse na
form a de trab alh o ou do exercício de a lg u m a esp ecialid ad e. A associação podia ser
m u ito n u m ero sa, caso em q u e se form ava u m a so ciedade em nom e coletivo, adm i
n istrad a por a lg u n s dos sócios ou por geren tes con tratados.
O s p a rticip a n tes dc u m a so ciedade eram so lid ário s nas eventuais dívidas por ela
co n traíd as, g aran tin d o -as com suas fo rtun as pessoais. As constantes m udanças de
razão so cial m o stram q u e as sociedades costum avam ser efêm eras: os sócios se separa­
vam por m ú tu o co n sen tim en to , p ela saíd a de algum , q u e era su b stitu íd o , ou quando,
após a m o n e de u m deles, os herdeiros optavam por se retirar.
B x h ía . S ftv io xrx

O u t r a f o r m a m u i t o d i f u n d i d a d c a s s o c ia ç ã o c o m e r c i a l, s o b r e t u d o a t e m e a d o s d o
s é c u lo X ÍX , é p o c a c m q u e o c o m é r c i o lu s o - b r a s ile ir o a s s u m i a g r a n d e s riscos, era a
c o m a n d i t a . As s o c ie d a d e s d e sse tip o f o r m a v a m - s e c m g e ra l p a ra v ig o r a r e m p e río d o s
m u i t o c u r to s ; p o d ia m ser c r ia d a s , p o r e x e m p l o . p a ra d u r a r o t e m p o d c u m a v ia g e m d e
id a e s o l t a à c o sta a f r ic a n a . S e os ic s u lt a d o s fo ssem b o n s . e s t a n d o os só cio s d e aco rd o
s u a e x is t ê n c ia p o d ia ser p r o l o n g a d a , m a s n a o p o r m u i t o m a is t e m p o q u e o n ecessário
p a r a d u a s o u très v ia g e n s .
C o m a in terd ição do tráfico d c escravos, su rg iram outras po ssibilidades dc inves­
tim e n to , se não m ais ren táveis, bem m ais segu ras. D c fato. já nos anos 1840. com eça­
ram a ser fo rm ar, tan to em S alv ad o r co m o em p eq u en as cidades do Recôncavo, com ­
p an h ias d e co m ércio ou 'so cied ad es a n ô n im a s ’. S egu n d o a legislação em vigor na
época, tais c o m p an h ia s d ev iam ser e stab elecid as por um tem po determ inado e ter a
au to rização do g o v ern o , e x ig ê n c ia q u e não se a p licav a nem às sociedades sim ples de
pessoas, nem às c o m a n d ita s.
N as so cied ad es sim p le s, v im o s q u e os sócios g a ra n tiam as dívidas com os pró­
prios bens; já os c o m a n d itá rio s só eram respon sáveis por d ívid as da sociedade até o
lim ite d e seu p ró p rio in v e stim e n to ;20 nas so cied ad es an ô n im as — sociedades de ca­
p itais, por e x ce lê n c ia — os riscos eram a in d a m eno res: os sócios só eram responsáveis
pelo v alo r das ações e m itid a s , C o m o ho je, não tin h am com p rom isso com dívidas
sociais, c u ja ú n ic a g a ra n tia era o cap ital so cial c o n stitu íd o pelos investim entos e os
lu cros.
Foi essa a fo rm a a ssu m id a pelas co m p an h ias d c segu ros, os bancos, as fábricas dc
tecid o s e as de p restação d c serviços, co m o tran sp o rtes urb an o s, m arítim o s e ferroviá­
rios, Esse tip o de asso ciação e x ig ia , co n tu d o , q u e o c a p ita l fosse in teiram en te subscrito
c q ue pelo m enos 1/4 d ele fosse efetiv am en te a p licad o na co n stitu ição e no funciona­
m en to d a em p resa. O ra, já se v iu co m o foi d ifíc il, na B ah ia, im p lan tar com panhias
para m elh o rar o porro ou criar u m a rede ferro viária. NSo foi diferenre em relação aos
estab elecim en to s b an cário s, a lg u n s dos q u ais fundados com cap ital variável. A socie­
d ad e a n ô n im a só prosperou dc fato nos anos 1890. A té o fim do período im perial, a
m aio r parte dos negócios b aian o s c o n tin u o u a ser co n d u zid a por sociedades com er­
ciais, em q ue o co m p ro m isso total dos sócios c a palavra em p en h ada contavam mais
que q u alq u er o u tra co isa no co n tato d ireto e pessoal com a clientela.

As T r o c a s entre o s G randes

N e g o c ia n te s o u c o m e r c ia n t e s e s ta b e le c id o s e s ta v a m h e m e q u ip a d o s p a ra o ex ercício dc
seu o ííc io : a p a r t ir d e 1 8 5 0 , t in h a m u m C ó d i g o C o m e r c ia l e boas leis. C o n ta v a m
ta m b é m c o m a p ro te ç ã o d e s o c ie d a d e s s e g u r a d o r a s 21 c c o m in stitu iç õ e s d e c ré d ito q ue,
e m b o r a u seiras c vezeiras c m falir, s e rv ia m aos in teresses c o m e rc ia is , fo m e n ta n d o a
c ir c u la ç ã o m o n e tá r ia .
L i\R O VI O C o tid ia n o d o s H om ens q u e P r o d u z i a m e T ro c a v a m 497

O s grandes co m ercian tes m an tin h am tam bém sob seu controle a produção a g rí­
cola, que c o n tin u av am a fin an ciar. Sobretudo a p artir da Independência, os íuso-
brasileiros perderam o d o m ín io dos m ercados in tern acio n ais para os estrangeiros. M as
até 1850 con servaram a parte do leão no tráfico de escravos. A abertura dos m ercados
in terp ro v in ciais e in ter-reg io n ais p erm itiu que se reorganizassem em condições favo­
ráveis. Por ou tro lado , o poder eco n ô m ico q u e representavam num a cidade em que
tudo girava em torno do com ércio p erm itiu -lh es m an ter suas atividades num a estru­
tura de o lig o p ó lio , im p o n d o os preços que lhes co n vin h am . Os grandes im portadores
raram en te sc esp ecializav am n a v en d a de u m a ú n ica m ercadoria ou m esm o de um a
série de m ercad o rias sim ilares (tecidos de alg o d ão , lã, lin h o ou seda, por exem plo). Por
questão de estratégia, as operações eram d iversificad as. M as o ú n ico m onopólio de que
se tem n o tíc ia era o d o n eg o cian te Jo a q u im P ereira M a rin h o , acusado de haver m ono­
polizado o a b astecim en to de carn e-seca ao m ercado de Salvador. A docum entação
d isp o n ível, no e n ta n to , não p erm ite co n tro lar a v eracid ad e dessa acusação.
E m bora se ap licasse a todo tipo de m ercad o rias, a ação dos oligopólios se eviden­
ciava so b retu d o no caso dos alim en to s, d ad a a im p o rtân cia destes na econom ia popu­
lar. N a p rática co m ercial dos b aian o s, sem p re p revaleceu o en ten d im en to , o acordo,
im p ed in d o a fo rm ação de u m a v erd ad eira co n co rrên cia, o que pode ser constatado
pela an álise dos preços dos víveres co n su m id o s pelo H o sp ital da M isericó rd ia de
Salvado r. M esm o q u an d o h av ia m u d an ça de fornecedores, os preços nao baixavam .
Era, afin al, u m p eq u en o g ru p o — não m ais q ue u m a v in ten a — que se m an tin h a no
topo da h ie ra rq u ia das ativ id ad es co m erciais, com o poder de d itar a ‘lei do m ercado’.
N a estru tu ra das relações co m erciais, cad a co m ercian te tin h a sua clien tela — ou
‘freguesia’, com o se co stu m av a dizer — de com erciantes varejistas na cap ital, nos
vilarejos e nas cidades d a P ro vín cia. Era u m a c lien tela p raticam en te cativa, presa por
laços de paren tesco , de co m p ad rio e de am izade, p o rq ue n u m a situ ação de oligopólio
há pouco lu gar p ara a tro ca de clien tes. F id elid ad e e so lid aried ad e — ■com patíveis com
a própria etim o lo g ia do term o freguês — eram as chaves do sucesso nesse cam po,
como em todos; faziam a força d a sociedade b aian a, ao m esm o tem po em que faziam ,
como se verá, sua fraqueza. As relações q u e se estabeleciam no seio da classe com ercial
nao diferiam m u ito das q ue eram m an tid as nas fam ílias, nos m eios param ilitares ou
políticos, e o m esm o esquem a se reproduzia nas relações entre com erciantes varejistas
e as centenas de m ercadores am bulantes que povoavam os m ercados, percorriam pra­
ças e ruas da cid ad e ou se em brenhavam pelo interio r. E esses am bulantes tinham ,
tam bém eles, sua freguesia certa.
De fato, a palavra ‘freguês* cra das m ais em pregadas do vocabulário baiano. D e­
signando tanto quem v en d ia como quem com prava, sub stitu ía os tratam entos mais
pomposos de senhor e senhora. Ser freguês de alguém significava ter optado por laços
que iam da fidelidade e da solidariedade a relações mais íntim as de amizade e compadrio.
M as qual era a situação do com erciante quando, em vez de vender, comprava?
M onopsônio ou oligopsónío? A qui a situação é um pouco m ais com plicada. Antes de
498 B a h ia , S é c u l o X Í X

m ais n ad a, h avia o g ra n d e n e g o c ia n te , q u e se m a n tin h a em relação com os m ercados


in te rn ac io n a is e n a c io n a l. O c o m e rc ia n te b a ian o era um in te rm e d iá rio entre esse
n e g o cia n te e stran g eiro , ex p o rtad o r e im p o rtad o r, e o co m ercian te lo cal, q u e v en d ia as
m ercad o rias im p o rtad a s no v arejo ; era cie tam b ém , por o u tro lad o , q uem fo rnecia ao
ex p o rtad o r os p ro d u to s a ex p o rtar. P arece-m e q u e , no papel de red istrib u id o r de
m ercad o rias, o c o m e rc ia n te b a ian o era m en o s a u tô n o m o ao co m p rar do q ue ao ven­
d er. P rim e iro , p o rq u e o ato de c o m p ra r era q u ase sem p re aco m p an h ad o pelo de
v en d er, po is era po r in te rm é d io d e le q u e os p ro d u to s d a terra eram colocados no
ex terio r. D ep o is, p o rq u e os p ro d u to s ex p o rtad o s n em sem p re tin h am boa d em an d a
nos m ercad o s ex terio res e n ão h a v ia co n c o rrê n c ia e n tre os n eg o cian tes estrangeiros da
p raça de S alv ad o r, a liá s p o uco n u m ero so s. O ra, o co m e rc ia n te b aian o buscava lucros,
ao c o m p rar m e rc a d o rias im p o rta d a s o u ao v en d er p ro d u to s d a terra. N este segundo
caso, ta is lu cro s eram m aio res q u a n d o e le p ró p rio fin an c iav a os p ro d u to res, an tecip an ­
d o -lh es d in h e iro o u rem e te n d o -lh e s to d a esp écie de m e rc a d o ria. N ão é d ifíc il im agin ar
os p ro b lem as q u e tal c o m e rc ia n te p o d ia e n fre n ta r; a c o n ju n tu ra m u n d ia l podia ser
d esfav o rável, o u a in fla ç ã o co rro er os lu cro s, p o r exem p lo . S u a estratégia envolvia o
uso d e certas táticas n a relação ta n to co m os n eg o cian tes estran g eiro s com o com seus
co n frad es. A m e ta era c o m p rar m ais b arato e v en d e r m ais caro . M as q u al era a situação
exata d o m ercad o ? S e a situ a çã o d o m ercad o d e v en d as dos atacad istas aos v arejistas era
d e o lig o p ó lio , o m ercad o de co m p ras se carac te riz a v a p elo o lig o p sô n io , com a d iferen ­
ça de q ue neste p lan o estavam en v o lv id o s do is gru p o s: o dos ven d ed o res-co m p rad o res
(v en d iam m a n u fa tu ra d o s e co m p rav am p ro d u to s d a cerra) e o de com p rado res-vend e-
dores (co m p rav am m a n u fa tu ra d o s e v en d ia m p ro d u to s d a terra).
H av ia q ue a ce ita r sem d is c u tir os term o s p ropo sto s pelos ven dedores-com p rad o res
— os n ego cian tes estran g eiro s — o u era po ssível v aler-se d a co n co rrên cia? A resposta
não é fácil, pois m u ito s fatores são ig n o rad o s. N ao se sabe, por exem plo , que grau de
in terd ep en d ên cia h av ia en tre os co m p rad o res-v en d ed o res, nem com o se com portavam
os v en d ed o res-co m p rad o res. A ação p o d ia ser in d iv id u a l, o ven d ed o r-co m p rad o r con­
d u zin d o u m a p o lític a co m ercial in d e p e n d e n te , o u co letiv a, todos agin d o de com um
acordo. O p rim eiro caso é po uco pro vável: n en h u m co m ercian re baiano tinha força
suficien te para en fren tar, ao m esm o tem p o , com p rado res-vendedo res e vendedores-
com p rado res, nem d isp u n h a das in fo rm açõ es necessárias para tan to , inclusive as
concernentes aos com p rom issos existen tes no in terio r desses grupos.
A liá s , n as p a la v r a s d c L e s tc r T e ls c r , “p a r a q u e h a ja u m a c o n c o r r ê n c ia , é preciso
q u e as tro ca s se ja m v o l u n t á r ia s , isto é, q u e n e n h u m p a r t ic ip a n t e se v e ja o b r ig a d o a
a c e ita r o u a re c u s a r as o fe rta s s e m te r liv r e m e n t e c o n s e n t id o e m faze-lo. A p r ó p r ia
n o ç ã o de tr o c a im p lic a p o is u m a c o r d o v o lu n t á r io e n tre p artes d ir e t a m e n t e e n v o lv i­
das n a tr a n s a ç ã o , c o m b ase em c o n d iç õ e s a c e ita s liv r e m e n t e p o r c a d a u m . N a rroca
p u ra , e m b o r a as q u a n t i d a d e s to ta is d e m e r c a d o r ia s tro c a d a s p e la s p a rte s se ja m c o n s ­
ta n te s, c a d a u m d e v e c o n s id e r a r q u e os b e n s o b tid o s tê m m a io r v a lo r q u e ós bens
c e d id o s. Se as p a r te s p o d e m se e n t e n d e r so b re c o n d iç õ e s d e tro c a m u t u a m e n t e v a n ta ­
Ln RO VI - O C o t i d i a n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m f. T r o c a v a m 499

josas, d isso resu lta u m a d istrib u içã o de m ercadorias entre os indivíduo s que deve
m elh o rar a situ ação dc pelo m enos um deles, m as não deve p reju dicar nin guém ( .. .) .
S u p o n h am o s q u e os in d iv íd u o s, assim com o os grupos de troca, sejam livres para
aco rd ar co n d içõ es dc troca m u tu am en te vantajosas. Suponham os que não estejam
lim itad o s na esco lh a dos p arceiros co m erciais com quem podem organizar trocas
m u ltila tc rais. S u p o n h am o s a in d a q u e cada in d iv íd u o seja livre para aceitar ou recusar
as ofertas, sem p recisar do co n sen tim en to de outros in d iv íd uo s. As trocas que resul­
tam dessas co n d içõ es rep resen tam um eq u ilíb rio c o n co rren cial.”22 O ra, é fácil con­
c lu ir q ue n en h u m a das co n d içõ es d a co n co rrên cia estip u lad as nesta lon ga citação se
fazia presente em S alv ad o r.
Para co m eçar, o n ú m ero re lativ am en te peq u en o de negociantes e s tra n g e iro s__
em q u e os in g leses tin h a m forte p red o m ín io e cujo s m em bros podiam estar even tual­
m ente c o m p ro m etid o s e n tre si ■
— lim ita v a as chances q ue tin h a o com erciante baiano
de esco lh er p arceiro s. D ep o is, com o v en d ed o r de produtos agrícolas dos quais era
tam bém p ro d u to r in d ire to , p recisava até certo ponto do co n sen tim en to dos clientes
que rep resen tava. Por fim , se a p ró p ria n o ção de tro ca im p lica acordo vo lun tário entre
as partes sobre co n d içõ es liv rem en te aceitas por cad a um a, cabe p erg u n tar com o tais
co n d içõ es p o d iam v ig o rar em face das d ificu ld ad es q ue cercavam a colocação dos
pro d u to s lo cais no m ercad o . O essencial é saber q ue p o ssib ilid ad es tin h a o com ercian­
te b aian o , n u m a e v e n tu a l n eg o ciação , de im p o r suas próprias condições, o que passo
a an alisar n u m p lan o teó rico e h ip o tético , lev an tan d o problem as sem resolvê-los.
S eria p reciso d isp o r de co rresp o n d ên cias ou das m em ó rias de com erciantes, docu­
m entos q u e in ex istem . H á ap en as três estudos sobre as casas com erciais da B ahia, de
au to ria de M á rio A u gu sto da S ilv a San tos, de A rn o ld W ild b erger e d a Casa W estphalen,
Bach e K ro h n ,23 m as todos sao com em o rativos de cen ten ário s, o que im pede que
tenham a im p a rc ialid a d e necessária. M esm o assim , acred ito poder afirm ar que o m er­
cado de S alv ad o r era de o lig o p ó lio e oligop sô nio , talvez até oligopsónio b ilateral, já
que com p rado res c vendedores se eq ü iv aliam em núm ero. Era tam bém no quadro do
oligopsónio q u e sc davam as relações entre com erciantes e produtores agrícolas, uns
poucos com p rado res negociavam com m uitos vendedores. M as, neste caso, os produ­
tores sc d istrib u íam entre os grandes com erciantes, cada um dos quais tinha a sua
freguesia. Um exem plo é A ristidcs N ovis, q u e veio dc Goiás na segunda m etade do
século XIX e tornou-se um forte in term ed iário — representante — do açúcar, graças
ao apoio das m ais prestigiosas fam ílias do Recôncavo, com o os M oniz de Aragão.
Laços dc interesse, mas tam bém dc am izade c dc com padrio que, cem anos depois,
perm anecem vivos entre os descendentes, seja de um grande com erciante, seja de um
poderoso senhor dc m uitos engenhos. Salvo o fum o, cujos pequenos produtores com
freqüência sc d irigiam diretam ente ao m ercado, criando relações de um outro tipo
com os com pradores — em bora sempre no quadro do oligopsônio — , para todos os
produtos valiam as m e s m a s regras que para o açúcar: entre exportador e produtor,
interpunha-sc o representante.
500 B a h lv S é c u lo XIX

N as transações in te r-re g io n ais e in tcrp ro v in ciais o co m ercian te b aian o tin h a por


cerro m ais lib erd ad e na esco lha de parceiros e, talvez, m ais cam po para concorrer. M as
isto é m era h ip ó tese, pois ignoro com o se co m p o rtavam as outras praças com erciais do
país.
A falta de d ad o s sobre o v o lu m e dos bens trocados, bem com o dos preços no
atacad o e no v arejo , não m e p erm ite q u a lq u e r an álise das m argens de ganho e dos
lucros realizad o s nas d iferen tes categ o rias do co m ércio . A estru tu ra de oligopsônio do
m ercado sugere q ue os lucros eram m aio res en tre os atacad istas.
U m a p erg u n ta p e rtin e n te é q u a l teria sid o a situ ação se os com erciantes baianos
tivessem co n servad o o acesso d ireto aos m ercado s in te rn ac io n a is. T e n ta r respondê-la
seria esp ecu lar d em ais, q u an d o n ao sab em o s seq u er se esses co m ercian tes tinham os
co n h ecim en to s e os m eios fin an ceiro s necessários p ara tal em p reitad a. M as trata-se
sem d ú v id a de u m p o n to im p o rtan te . E xclu ído s do m ercad o externo , delegando a
outros operações d elicad as, de desfecho in certo , os co m ercian tes baianos perderam o
gosto pelo risco, q u e fo rja a p erso n alid ad e e d esen vo lve o esp írito de com b atividade e
de co n co rrên cia. D e fato, o co m ercia n te b rasileiro , fech an do -se n u m a estrutura de
grupo q u e defen d e a q u a lq u e r custo su a su p re m ac ia , p erp etu ava um esquem a arcaico
de relações co m erciais. A au sên cia de to d a co n co rrên cia, de to d a ação in d iv id u al, de
to d a p o ssib ilid ad e de em p reen d er u m a p o lític a co m ercial pessoal, lim itav a-lh e o espa­
ço. O esp írito g reg ário talvez e x p liq u e por q u e a p raça de S alv ad o r perdeu aos poucos
sua área d e in flu ê n c ia, restrin g in d o -se ao in te rio r d a P ro vín cia, cu ja v id a com ercial
tam p o u co d o m in av a p o r co m p leto . O g ra n d e n eg o cian te do in íc io do século, cujos
navios sin gravam os oceanos, foi su b stitu íd o p o r um m ercad o r lim itad o a operações
locais. E a existên cia de u m a m u ltid ã o de in te rm e d iá rio s en tre a ch egad a das m erca­
dorias ao porto e sua d istrib u iç ã o pelos co n su m id o res c o n trib u ía para a elevação dos
preços, o q ue d ava lu g ar a co n stan tes protestos dos m eios p o pulares, sobretudo no
tocante a gêneros a lim en tício s de p rim e ira necessidade.

O utras T rocas

U m c o n tr a to dc c o m p r a e v e n d a d e m e r c ã d o r ia s e ra v á lid o q u a n d o as partes c o n c o r­
d a v a m q u a n t o à c o is a , ao p re ç o , às c o n d iç õ e s d e e n t r e g a e às p e rc e n ta g e n s. A partir
desse m o m e n t o , n e n h u m a d e la s p o d ia d e n u n c iá - lo , a m e n o s q u e a coisa v e n d id a
ap resen tasse d e fe ito s q u e n ã o t in h a n o m o m e n t o d o ac o rd o . N este caso, cab ia ao
T rib u n a ! d c C o m é r c io d e c i d ir a c o n t e n d a , se u m a c o rd o não fosse o b tid o . A c o m p ra
d e q u a lq u e r b e m c o m e r c ia l izávcl p o d ia sc r e fe r u a d a c o m ativ o s c o m o m o e d a m etálica
ou p a p e l- m o c d a , títu lo s d c fu n d o s p ú b lic o s , ações dc c o m p a n h ia s e todos os papéis de
c ré d ito c o m e r c ia l. A lém d isso , tu d o q u e p u d esse se r c o m p ra d o ou v e n d id o po dia
ta m b é m ser tro c a d o , sem a in te r v e n ç ã o dc q u a lq u e r m e io de p a g a m e n to : as m erca d o ­
rias tro cad as s e rv ia m de p reç o c c o m p e n s a ç ã o re cíp ro co s.
J j g o V l _ O a n r o L<.NO n o s H o m e n s qle P ro d e -z ia m e T rocavam
501

. . ^ Bah-,a ’ 0 <,UC co,’ ,av:i nas transações com erciais era a palavra, que 'valia ouro'.
Nas operaçoes q u e en v o lv a m atc -100 m i. r é , . a presença dc L c m u n h a s substituía o
con rrato escrtto. Atos n o tar,ais ou privados, noras de correrores, livtos-caixas e mesmo
a correspondência en tre com erciantes podiam provar a existência de contratos « T eo ­
ricam en te, po rtan to, as relações ■i
, 1 Ç es com crciíiis estavam protegidas por numerosas salva­
guardas, mas nao se, se, na p rática, essas regras funcionavam de modo a contentar
todos os p arceiro s, sobretudo q u an d o se tratava de m era troca de m ercadorias Neste
caso. p ro vavelm en te o m ais forte im p u n h a sua lei, em especial em se tratando da troca
d e gêneros perecíveis po r produtos m anufaturados, ou de transações que envolviam
m ercad orias arm azen ad as em regiões d istan tes de Salvador. As dificuldades do trans­
porte p o d iam su je ita r o co m ercian te local, apressado em passar as m ercadorias adiante,
às im po siçõ es do co m ercia n te d a cap ital. A lém disto , u m a constante falta de dinheiro
vivo d eterio rav a os term os de tro ca, em prejuízo dos consum idores, sempre na ponta
dessa co m p lex a cad eia de transações.
D u ran te to d o o século X IX , os consum idores de Salvador foram afetados por três
fatores negativos. Em p rim eiro lu gar, a oferta, sobretudo de alim entos básicos, sempre
ficava aq u ém d a d em an d a. N ão m e deterei no tem a do desabastecim ento, já explorado
em cap ítu lo s an terio res, m as a p en ú ria crôn ica de q u e sofria o m ercado de Salvador
resultava tam b ém d a sua estru tu ra o ligo p ó líca. A im portação de gêneros de prim eira
n ecessid ad e, co m o fa rin h a de m an d io ca, carne fresca, carne-seca, feijão e arroz, estava
nas m ãos de p o ucas casas im p o rtad o ras, q u e m onopolizavam determ inados produtos
— Jo a q u im P ereira M a rin h o , por exem plo , con trolava a carne-seca — ou se com bina­
vam entre si p ara su p rir o m ercado com p arcim ô n ia, elevando os preços. E tinham
todas as co n d içõ es p ara isso, p o ssuindo depósitos para arm azenar as m ercadorias pelo
tem po q ue lhes con viesse. O po d er p ú b lico , recrutado na elite da cidade, tinha pouca
p o ssib ilid ad e o u desejo d e in terv ir, e eram afinal esses com erciantes que pagavam os
m aís gordos im po sto s, g a ra n tin d o as receitas do E stado.25 A partir de dados fragm en­
tados, pode-se c a lc u la r q u e as receitas provenientes das taxas de im portação e exporta­
ção rep resen tavam , em 1 8 6 0 -1 8 6 1 , 8 9 ,6 % das receitas ordin árias da Província e
8 5 ,6 % do to tal das receitas. Em 1 8 7 7 -1 8 7 8 , essas percentagens eram , respectivam en­
te, de 8 8 ,7 % c 80,1 % .
A escassez de d in h eiro cm circulação tam bém gerava tensão entre vendedores e
com pradores c favorecia a adoção da venda a crédito, que a curto prazo parecia
favorecer os m ais pobres, mas a m édio e longo prazos os arruinava. Por fim a desor­
dem rein an te no a ,o dos pesos e das m edidas era m ais um fator de perda para o
con sum id or. , ,
N o atacado ou no varejo, as m ercadorias eram pagas à vista ou a crédito. A com pra
à vista m uitas vcz.es e n v o lv ia d is c u s s ã o . V ilhena j á notara que o preço de certa*i m er­
cadorias perecíveis, com o peixe ou carne, baixava com a passagem tfas horas. Nao
raro os vendedores tentavam disfarçar os sinais de degradaçao: vend,a-sc a carne ,á
assada c o peixe frito , contrariando as Posturas M u m c p a is.
B a h i a , S é c u o XIX

D escrevendo a v id a c o tid ia n a de S alv ad o r no fim do século passado, H ildegard es


V ian a d istin g u e en tre p ro d u to s de preço fixo e aqu eles em cu ja com p ra sem pre se
podia b argan h ar, T in h a m preço fixo: o leite, o pão, a carn e, os b eiju s, as balas, os
objetos de v id ro e de p o rcelan a (estes, d iz ela, n em sem p re), o m in g au , o cuscuz, o
acarajé, o acaçá e os m iú d o s. " M as com o v en d ed o r de legu m es, po dia-se d iscu tir. Seus
legum es bem arru m ad o s num en o rm e tab u le iro de m a d e ira, carregado sobre a cabeça,
o trip é no om bro, ele ia de p o rta em p o rta, a n u n c ia n d o sua ch egad a de m an eira m ais
ou m enos d iscreta. T in h a u m a m a n e ira c o m p lic a d a de d iv u lg a r seus preços: ‘cinco por
um , um por um ou u m por dois", o q u e os c lien tes, h a b itu ad o s, facilm en te enten d iam
e trad u ziam em , por exem p lo , c in co b an an as p o r u m v in té m , um m o lh o de quiabos
po r um v in té m ou u m m o lh o de v agem p o r d o is v in tén s. Em época de chuva ou de
seca, o v en d ed o r de leg u m es in v e n ta v a ‘casar os leg u m es en tre si, o q ue d iv ertia até os
cron istas dos jo rn ais lo cais, q u e ach av am en g raçad o o casam en to da couve com o
ch u ch u , do q u iab o com a b e rin je la , d a b a ta ta com a ab ó b o ra etc. Por vezes, para bons
fregueses, o v en d ed o r co n co rd av a em tro car os ‘n o iv o s’, v en d en d o o chu chu com a
b atata ou a ab ó b o ra com a alface, e até acrescen tav a, por u m v in tém , u m m o lh in h o de
cheiro -verd e, M as n em o v en d ed o r de leg u m es escapava à p ech in ch a e, depois de
co n ciliáb u lo s m ais o u m en o s lo n go s, ch eg av a a fazer sete b an an as pelo preço de cinco,
ou três b e rin jelas p elo p reço de u m a. N u n ca se d e v ia p erg u n tar a ele: ‘a q u an to ê isto?’,
p erg u n ta reservada a v en d ed o res de m ercad o rias m ais p restigio sas; a fó rm u la correta
era: ‘a com o é?\ sign o do in íc io de um d iálo g o co m p licad o , em q ue todos se d iv erti­
riam , m as cu jo v en ced o r era q u ase sem p re o c lie n te .27
N ão p o d ia ser d iferen te n u m a cid ad e em q u e a m a io ria v iv ia na pobreza e onde
nin gu ém sab ia o q u e lh e tra ria o d ia de am an h ã, N ão p o den do econ om izar, a po pu­
lação ten tava tirar o proveito possível de u m m ercad o cujos term os lhe eram pouco
favoráveis, A b arg an h a to rn ava-se regra en tre v en d ed o r e co m p rad o r. A lgum as m erca­
dorias, porém , d eixavam po uca m argem p ara esses acertos: as taxadas, com o a farinha
de m an d io ca e a carne de bo i; ou as m o n o p o lizad as p o r grandes firm as im portadoras,
com o o feijão, o arroz, o b acalh au ou a carne-seca. Só q u an d o m ais ou m enos deterio­
rados — o que era co m u m — esses pro du to s ficavam sujeito s a barganha.
O s p reç o s a p raz o t a m b é m p o d ia m se r d is c u t id o s , m a s a ú lt i m a p a la v r a era do
v e n d e d o r , q u e n ã o a b r ia m ã o d c c o b r a r p elo s risco s q u e a s s u m ia , fo ssem os de bruscas
elevaçõ es dos p reço s, fosse o d e n u n c a c h e g a r a re c e b e r o d in h e ir o . D ev e -se ressaltar,
no e n ta n to , a h o n e s tid a d e d a p o p u la ç ã o a lf o r r ia d a : nos 3 0 3 te s ta m e n to s e x a m in a d o s,
as d ív id a s , q u e r a r a m e n te u ltr a p a s s a v a m 2 0 0 réis, fo ra m c u id a d o s a m e n t e ex p lica d as, e
os te stad o re s in v a r ia v e lm e n te in s is tia m cm seu im e d ia t o p a g a m e n t o .
É d ifíc il a p u r a r a q u e taxas sc fazáam as v e n d a s a p razo . A fre q ü ê n c ia d as m en ções
a d ív id as re su ltan te s desse tip o de c ré d ito e m in v e n tá r io s p o s t m o r tem su gere q u e eram
u m in s tr u m e n to c o rr iq u e iro . É p ocas dc preço s alto s, q u a n d o o m e rc a d o d e co n su m o
sofria certa re traç ão , m e sm o no to c a n te aos g ê n e ro s d e p r im e ir a n ecessid ade, favore­
ciam esse tip o d e v e n d a . B e n é fic o ao c o n s u m id o r n o im e d ia to , p r o d u z ia efeitos catas-
° C q t i d u n o d o s H o m e n s q u e P r o d u zia m e T r o c a v a m

troficos a m edio e longo prazos: m agras econom ias porventura am ealhadas em tempos
m elhores eram drenadas para o pagam ento dessas dívidas. M ais grave ainda, o crédito
fácil in citav a ao consum o dc artigos de luxo por um a população que, cm sua grande
parte, nao tin h a com o pagá-los. A concessão de crédito era cercada de precauções
suficientes para o vendedor, e abundam nos inventários post mortem instruções sobre
o leilão a tazer de um escravo ou de um a casinha, para q u itar as dívidas de um defunto
que vivera acim a de suas posses. Em sum a, nas relações entre com prador e vendedor,
este gan h ava q uase sem pre.
Para co m p letar esta an álise, devo falar dos pesos e das m edidas utilizados na época
e que, tam bém eles, p reju d icav am os consum idores. O sistem a m étrico só foi adotado
em 1874. A té lá, e a in d a por m uitos anos, pois hábitos não se m udam do dia para a
n o ite, usavam -se as u n id ad es de peso e com p rim ento herdadas da época colonial:
arroz, farin h a de m an d io ca, feijão e sal, por exem plo, eram vendidos a alqueire (36,27
litro s); a farin h a de trigo v in d a de P o rtu gal, carne fresca, bacalhau, toicinho, açúcar,
café, algo d ão e cacau eram v en d id o s a arroba (1 4 ,7 4 q u ilo s); líquidos, como óleo,
v in agre ou a g u ard en te, eram ven didos em canadas (4 ,1 8 litros). Certos produtos
nobres, com o o ch á e a m an teig a, m ediam -se em libras. O alqueire se subdividia em
m erade, q u arto e o itavo . H avia a in d a o celam im , a 16a parte do alqueire, correspon­
d en te p o rtan to a 2 ,2 7 litro s, m as tam bém cham ado de litro . A rrobas e canadas tinham
tam bém suas su b d iv isõ es.28 F o rm alm en te, todos esses pesos e m edidas eram aferidos
pelas au to rid ad es m u n ic ip a is duas vezes por ano, em jan eiro e em ju lh o . As Posturas
M u n ic ip a is d e fin iam q u e pesos superiores a 1/2 arroba só podiam ser usados com
auto rização expressa d a C â m a ra, m ed id a q ue visava m an ter a diferença entre varejistas
e vendedores am b u lan tes ou feiran tes, q ue nem pagavam os im postos.
P eso s c o m o o a l q u e ir e , a a r r o b a o u a c a n a d a só e ra m u tiliz a d o s e m transaçõ es de
v u lto . P o u c a s f a m íl ia s b a ia n a s p o d ia m c o m p r a r a lim e n t o s e m g ra n d e s q u a n tid a d e s,
não só p o r f a lt a d e d i n h e ir o , m a s t a m b é m p o r q u e n a o p o d ia m a rm a z e n á -lo s em suas
casas, p e q u e n a s e a b a r r o t a d a s d e m o r a d o r e s . A lq u e ir e s , a r ro b a s e c a n a d a s e ram , aliás,
m e d id a s d e c a p a c id a d e , e u m m e s m o p r o d u t o p o d ia a p re s e n ta r pesos m u ito diversos,
m e s m o q u e o v e n d e d o r n ã o tivesse o in t u it o de le sar o c o n s u m id o r . Por vezes a
c o m p o s iç ã o d o p r o d u t o a lte r a v a s u a m e d id a : p o r e x e m p lo , a q u a n t id a d e dc farin h a de
m a n d io c a g ro s s e ira n e c e ss á ria p a r a e n c h e r u m a m e d id a é m e n o r q u e a da farinh a fina.
A falta d c e x a t íd á o dos in s tr u m e n to s , as a p ro x im a ç õ e s e m tu d o q u e d iz ia respeiro a
peso c m e d i d a t i n h a m p o r v í t im a m a io r o c o n s u m id o r : fa lta v a m -lh e m eio s d e co n tro ­
le, ao passo q u e o v e n d e d o r p o d ia fa c ilm e n te trap a ce ar, N o to can te às m ed id as lin e a
res, a c o n fu s ã o e ra a m e s m a . A s u b s t itu iç ã o d a v a ra ( 1 , 1 0 m ) e d o côvad o ( 0 , 6 6 m)
p elo m e tro c a u s o u p e rp le x id a d e , e m u ita g e n te deve ter c o m p ra d o cóvado p o r m etro.
A d e cisão d e in t r o d u z ir o n o vo s is te m a d a ta d e 1 8 6 2 , d e fm in d o -se e n tã o u m prazo de
dez an os p a r a q u e o c o m é r c io m u d a sse seus h áb ito s. Foi preciso, p o rém , u m novo
d e creto , e m 1 8 7 2 , p a ra q u e fin a lm e n te o siste m a m é tric o fosse ad o tad o e m I o de
ja n e iro de 1 9 7 4 . N a s p ro v ín c ia s do N o rd e ste (P araíb a, P e rn a m b u c o , R io G ran d e do
506 B a h ia , S é c u l o X I X

faro p ap el-m o ed a, Esses b ô n u s, em b o ra sem au to rização o ficial, con qu istaram tal


co n fian ça do p ú b lico q u e, em 1 8 5 5 , o go vern o acab o u por regu lam en tá-lo s, renden­
do-se ao fato co n su m ad o .
N esse m eio tem p o , de 1851 a 1 8 6 0 , as a u to rid a d e s de novo se in clin aram pelo
p rin cíp io da em issão por u m ó rgão ú n ico . C rio u -se um novo B anco do B rasil, auto ­
rizado pelo go vern o im p e ria l a n eg o cia r su a fu são co m bancos p ro vin ciais, que se
to rn ariam suas filia is. A cad a b an co ab so rv id o e tran sfo rm ad o em filial, suced ia um
novo b anco em isso r, ao m esm o tem p o q u e o B an co do B rasil se v ia na ob rigação de
p ed ir ao go vern o im p e ria l a su p ressão dos banco s p riv ad o s e a in terd ição da criação de
novos, ú n ico m eio de c o n se g u ir im p o r a u n id a d e b a n c á ria p rete n d id a. A reorganização
do sistem a b a n cá rio em 1 8 6 0 , re a liz a d a nessa p ersp ectiv a, v o ltan d o as costas à realid a­
de, c o n seg u iu apenas a c a rre ta r a fa lê n c ia d o B an co do B rasil em 1 8 6 4 .35 D e 1864 a
1 8 8 8 , o d ire ito d e e m itir p a p e l-m o e d a fico u n o v am en te reservado ao T eso uro Público.
Em 1 8 8 8 , no vo reto rn o ao sistem a de v ário s b anco s em issores.
Essa situ ação c o m p lex a, m u ta n te e in d e fin id a não p o d ia d eixar de ter reflexos na
B ah ia, q u e, m u ito ced o , ten to u fo rjar seu p ró p rio sistem a b an cário , valendo -se dos
perío dos de lib e ra liz a ç ão , em q u e se a d m itia a m u ltip lic id a d e dos centros de em issão.
B uscava-se c ria r novos in stru m e n to s de fin a n c ia m e n to , q u e in jetassem n a m assa m o ­
n e tá ria c irc u la n te espécies cap azes de im p r im ir certo d in a m ism o ao com ércio local. Os
p rin c ip a is a cio n istas desses b an co s eram , a liá s, os gran d es n eg o cian tes b aian os, na
época lu so -b ra sileiro s. -
Esse m o v im en to lev o u à criação , em 1 8 1 7 , do B an co d a B ah ia, que operava com o
filia l do p rim eiro B an co d o B rasil. C o m o c aix a d e d esco n to s, d evia fa cilitar as opera­
ções m ercan tis, b em com o fp m e n ta r o d esen v o lv im en to ag ríco la. M as, com a bancar­
ro ta do B an co do B rasil, tam b ém o B an co d a B ah ia teve de fech ar as portas e, em
1 8 2 9 , foi liq u id ad o . T rata v a -se d e u m b an co com sim p les fu n ção com ercial, ou era
tam b ém , com o o B an co do B rasil, u m sim p les estab elecim en to de em issão de papel-
m oeda para aten d er às n ecessidades do T eso u ro P ú b lico , sem n en h u m a relação com a
base m etálica e as necessidades reais do sistem a econ ôm ico ? T eria tam bém perdido
seus cap itais por causa d a evasão dos gran d es n ego cian tes portugueses? Q ue p articip a­
ção tin h am nele os fundos p ú b lico s, q u an d o de sua fundação? São questões que ficam
sem resposta, à falta de dados precisos.
Em 1834 foí fu n d ad a a C aix a E co n ô m ica da cid ad e da B ahia, com cap ital de
9 :4 1 1 .6 0 0 dc reis, d iv id id o em ações dc apenas 3 0 0 réis. Pelos estatutos, a instituição
d evía "co n cen trar as pequenas q u an tias de d in h eiro no com ércio autorizado e ofere­
cer “às classes laboriosas os m eios necessários para o aum en to de seus cap itais, ensm an-
do-lhcs a ordem c a eco n o m ia c socorreu do-as em caso de in d ig ên cia . Seu capital
devia ser aplicado na com pra dc apólices da d ív id a p ú b lica ou no desconto de bilhetes
alfandegários, c suas operações sc lim itav am à penhora de ouro de particulares e a
hipotecas sobre im óveis situados nos lim ites em que in cid ia a décim a urbana. O fere­
cendo ações e em préstim os ao alcance da m a io ria das pessoas, con stitu iu-se como um a
Li\ r o M - O C o t id ia n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m

in stitu iç ão d estin ad a a recolher as econom ias dos pequenos poupadores para servir às
necessidades do Estado c fazer em préstim os a esses m esm o poupadores, sob cauções
seguras. A liás, o baixo cap ital subscrito não lhe p erm itiria atuar com o verdadeiro
banco com ercial. N ão o b stan te o cam po restrito de suas operações, a C aixa E conôm ica
foi a ú n ica in stitu ição bancaria fundada antes de 1850 que conseguiu atravessar o
século XIX, e sem m aiores problem as. O ficialm en te reconhecida em 1860, passou a s e
ch am ar B anco E conôm ico da B a h ia ,36
A d écad a de 1 8 4 0 , b astan te favorável para a econ om ia b aian a, trouxe a criação de
bancos capazes de oferecer os in stru m en to s de crédito insistentem ente reclam ados
pelos m eios econ ôm ico s locais. Em 1 8 4 5 , foi fundado o B anco C o m ercial da Provín­
cia da B ah ia, com u m cap ital de 2 .0 0 0 :0 0 0 de réis, d irig id o na prim eira fase por
pessoas m u ito co n h ecid as no m u n d o dos grandes negócios da B ahia daquela época,
com o Luiz P au lo de A raú jo B astos (B arão e, m ais tarde, V isconde dos F iais), José
A gostinh o Salles, F ran cisco L an g, Jo a q u im Jo sé R odrigues e Luiz A ntôn io V ían n a. Era
u m a in stitu iç ã o d e d ep ó sito e desconto, com d ireito a e m itir letras e valores pagáveis
ao po rtad o r com prazos de m enos de dez dias e v alo r n o m in al de cem m il réis, desde
que o valo r to tal não superasse 5 0% do cap ital efetivo do banco. T ratava-se portanto,
sem som bra de d ú v id a , de um banco em issor de papeL m oeda. Em 1853 foi transfor­
m ado em filia l do B anco do B rasil e com o tal fu n cio n o u até 1 8 6 6 .37
. M as o m al-estar fin an ceiro persistia. Em 1848, três novas instituiçõ es foram cria­
das. A S o cied ad e do C o m ércio d a B ah ia, de cap ital variável — o que não tardaria a ser
considerado m au sin al — , tin h a funções m ercan tis e hip otecárias que deviam abranger
toda a P ro víncia. O B anco H ip o tecário do B ah ia, q ue foi autorizado a em itir trin ta m il
ações de 2 0 0 m il réis, o que co m p u n h a um cap ital de seis m ilhões de contos. H ipo­
tecas feitas sobre bens im o b iliário s po r 2/3 de seu valor garan tiam seu capital. Para
em itir letras de câm bio e letras à v ista, o banco estava autorizado a trip licar seu capital
e a descontar títu lo s com erciais com ju ro s de 6% ao ano. O principal é que seus
acionistas p o diam u tilizar seus próprios cap itais no desconto de letras de crédito
garantidas por suas ações, até 2/3 do m o ntante que tinh am aplicado no banco. Por
fim , a C aixa C o m ercial d a B ah ia, de capital variável, q ue perm itia aos acionistas
retirarem seus fundos livrem en te. O prim eiro cap ital subscrito somava 8 3 :9 2 0 de réis;
catorze anos depois cra de 2 .1 6 8 :7 5 0 de réis, para finalm ente transform ar-se em
capital fixo dc 2 .5 0 0 :0 0 0 de réis.
Em 1 8 5 3 , n u m novo su rto de in s titu iç õ e s b a n c á ria s, fo ram fu n d ad a s: a C a ix a de
R eserva M e r c a n t il (d e c a p ita l variáv el até 1 8 6 0 , d e p o is fixo até sua liq u id a ç ã o , em
1 9 0 1 ), a C a i x a H ip o te c á r ia d a B a h ia (com c a p ita l d c 1 .2 0 0 :0 0 0 d e réis em doze m il
ações) e a C a ix a d as E c o n o m ias d a C id a d e d a B a h ia . Esta ú ltim a , cujos estatuto s só
foram a p ro v a d o s e m 1 8 6 0 , era u m b a n c o de c a p ita l v a riá v el d e stin ad o ‘ a fornecer a
todas as classes d a so cied ad e m eios fáceis de a c u m u la r c a p ita is”. Foi liq u id a d a em
1 8 7 7 . P o r fim , em 1 8 5 5 , foi f u n d a d a a C a ix a de U n iã o C o m e r c ia l d a C a p ita l d a
B a h ia . V a le d iz e r q u e to d o s estes e stab elecim en to s, q u e se arro g av a m o d ireito de
508 B a h ia , S écl lo X IX

e m itir letras d e créd id o e ordens de p agam en to , fu n cio n avam m ais ou m enos clan d es­
tin am en te. A m aio ria desses bancos só teve suas ativ id ad es legalizadas por volta de
1 8 6 0 , q u an d o foi feita a refo rm a b an cária através d a ch am ad a Lei dos E ntraves.38
P ro liferaram assim — até m esm o em povoados do R ecôncavo, com o C acho eira,
N azaré, V alen ça c S an to A m aro — in stitu içõ es b an cárias39 que, em sua m aioria,
tin h am um cap ital flu tu a n te e q u e, a p retexto de ‘prestar assistên cia às classes lab o rio ­
sas', visavam a tr a ir o d in h e iro de p eq u en o s p o u p ad o res para u tiliz á-lo em operações
esp eculativas. À fren te desses estab elecim en to s en co n trav am -se todos os grandes no­
m es da ép o ca: Jo sé A g o stin h o S alles, Jo a q u im Jo sé R o d rig u es, L uiz A n tô n io V ian n a,
Jo aq u im d e C astro G u im arã es, Jo a q u im Jo sé T e ix e ira Leal, F rancisco T eix eira R ibeiro
etc. Essa febre aca b o u p o r ter efeito s perversos. A e n tra d a em circu lação de enorm es
q u a n tid ad e s d e p ap éis fid u c iá rio s, se por u m lad o a liv iav a os m eios com erciais no
tocanre às suas o b rigaçõ es m a is u rg e n te s, p o r o u tro fo m en tav a a inflação, in du zin d o
a a lta dos preços dos p ro d u to s de p rim e ira n ecessid ad e. A s m aio res v ítim as eram com o
sem pre os m ais p o b res, q u e , sem acesso ao créd ito b a n cá rio , estavam excluídos da
esp eculação q u e favo recia os m ais p ro vid o s. P ara eles, desen vo lveu-se um crédito
u su rário , p raticad o por p a rtic u la re s e d e n u n c ia d o pelos co n tem p o rân eo s, com provado
por nu m ero so s in v e n tá rio s post m ortem , q u e in d ic a m g ran d e n ú m ero de devedores
para u m ú n ico cred o r, en v o lv en d o em p réstim o s de som as m ed ío cres.
N a v erd ad e, essa m u ltip lic a ç ã o de in stitu iç õ e s b an cárias era estim u lad a pelo pró­
p rio governo im p e ria l q u e, co m o a u m en to dos agen tes de em issão, su p u n h a forta­
lecer a c irc u la ç ão m o n e tária . M a s, a n te o caos criad o p o r esses estab elecim en to s na
circu lação fid u c iá ria , a p a rtir de 1 8 6 0 o E stado a d o to u n o va p o lítica. A faculdade
de e m itir p a p e l-m o e d a g a ra n tid o pelo p o d er p ú b lico ficava reservada a u m a ú nica
in stitu iç ã o regio n al. A ssim , o B an co d a B ah ia , fu n d a d o em 1 8 5 8 , conservou o d i­
reito d e e m itir, q u e m an tev e até 1 8 9 8 , q u a n d o a ele ren u n cio u p o r in iciativ a pró­
p ria. O ob jetivo p ro clam ad o desse b anco era “aten d er às reclam ações locais e ser
v erd ad eiram en te u m in stru m en to p o p u lar (sic) do d esen vo lvim en to e do progresso
de sua te rra ”.40 Fora fu n d a d o com u m c a p ita l de 8 .0 0 0 :0 0 0 de réis, dos quais
4 .0 0 0 :0 0 0 foram im e d iata m e n te sub scrito s. O decreto q u e o crio u o autorizava a
e m itir bilh etes de valo r su p erio r a dez réis, de m odo q ue suas em issões favoreciam
exclusivam ente as classes p ro d u to ras e m ercan tis. A líás, os ben eficiários dos em prés­
tim os do Banco da B ah ia eram o governo p ro vin cial e as grandes firm as com erciais,
pois até a a g ricu ltu ra de exportação era ex clu íd a.
A m á o r g a n iz a ç ã o d o s in s t r u m e n t o s d e c r é d it o fez c o m q u e , a p e s a r de s u a m u l­
t ip lic a ç ã o , a p r o v ín c ia d a B a h ia c o n t i n u a s s e a se re s s e n tir d e u m a falta c r ô n ic a de
c a p ita is , s o b r e tu d o nas d u a s d é c a d a s q u e p r e c e d e r a m a p r o c la m a ç ã o d a R e p u b lic a .
G o es C a l m o n , u m b a n q u e ir o , e sc re v e u e m 1 9 2 3 : “I n f e liz m e n te , n o s c e n tro s p r o d u ­
tivo s esta o b r a m e r it ó r ia d c d if u s ã o d o c r é d it o c o m e r c ia l e a g r íc o la fra ca sso u o
q u e d e m o n s t r a c o m o o c r é d it o a in d a e ra p o u c o d e s e n v o lv id o n a B a h ia d o in íc io d o
século XX.41
J j a r o V I J K : ° t 1d ia x o d o s H o kíems que P ro d u zia m e T r o c av a m
509

M e io s C o m e r c ia is d e P agam ento

M as o m u n d o com ercial se v alia tam bém , em suas transações, de instrum entos de


pagam ento que lhe eram próprios. Nas relações entre atacadistas e varejistas, etam eles
que p erm itiam o fluxo das operações m ercantis, a despeito da deficiente circulação da
m o e d a fid u c iá ria .

O uso da letra de câm bio ou letra de crédito era m uito difundido. Era um meio
de p agam en to côm o do, po r poder ser transferido à ordem ou endossado, o que o
tornava n ego ciável, e p ela g a ra n tia quase plen a de quitação no vencim ento, A letra de
câm bio p o d ia ser à v ista ou estip u lar prazos, de até vários meses. No vencim ento,
todos os sig n atário s (sacado r, endossante, sacado) eram solidariam ente responsáveis
em face do p o rtad o r do títu lo . Este p o dia, aliás, efetuar um a outra operação, o
recam bio , q u e co n sistia em em itir u m a nova letra em nom e do sacador ou de um dos
endo ssan tes, por m eio d a q u a l reem bolsava ao m esm o tem po o prin cipal, os juros e as
despesas legais d a letra, segu n d o a taxa do cam bio no m om ento. Nesse caso, porém,
a letra de cam b io d ev ia ser aco m p an h ad a de um docum ento firm ado por um corretor
ou por dois co m ercian tes, in d ican d o o nom e do sacado e o preço de recam bio a que
o títu lo fora n ego ciad o . Q u an d o o sacado era u m endossante, a letra de recam bio devia
ser aco m p an h ad a tam b ém de um do cu m en to q ue atestasse a taxa do câm bio da praça
em q u e era p agável, a taxa do câm bio no lo cal onde fora sacada e naquele onde se fizera
o reem bolso.
A lém deste, o co m ercian te b rasileiro disp u n h a de três instrum entos de paga­
m ento : a ‘le tra d a te rra ’, id ê n tic a à le tra de câm bio, m as com curso restrito aos
lim ites d a p ro v ín cia; as notas prom issó rias, com vencim ento prefixado, e as notas à
o rdem , tam b ém ch am ad as notas de crédito m ercan til e pagáveis em prazo fixo. Es­
tes dois ú ltim o s in stru m en to s tam bém só tin h am curso na provín cia em que eram
em itid o s.42
P ara c o m p letar o q u ad ro do fin an ciam en to das operações com erciais, falta m en­
cio n ar a p o ssib ilid ad e que tin h am os com erciantes de recorrer aos confrades, fosse por
em préstim os, fosse por cauções. O em préstim o ‘m útuo se dava quando o bem em­
prestado p o d ia ser con siderado u m gênero m ercan til ou um objeto destinado ao
com ércio, e nem sem pre a operação envolvia pagam ento de juros. Assim , um comer­
cian te a que faltava alg u m a m ercado ria podia facilm ente rom á-la em prestada de um
confrade; podia ain d a, num m om ento de falta de liquidez, tom ar emprestados artigos
facilm ente negociáveis. A caução era tão-som ente um a garantia suplem entar em negó­
cios delicado s. Q u alq u er pessoa que tivesse bens podia ser fiador de um com erciante.
Era com um tam bém usar penhoras com o garantia de um a obrigação com ercial: um
com erciante podia hipotecar bens im obiliários ou receber, em depósito, dinheiro que
terceiros lhe c o n fi a v a m para uso em operações com erciais. ^
N u m a econom ia em que a.circulação fidu ciária era deficiente, a moeda escriturai
desem penhava papel essencial. Foi graças a ela que o m undo do comércio pode seguir
MO B a h ia , S é c u l o XIX

prosperando, sem a trib u ir, aliás, gran d e im p o rtân cia às instituiçõ es de credito. Estas
eram reclam adas sobretudo pelas classes produto ras, q ue se ju lgavam lesadas pela
p eren idade de práticas herdadas da época co lo n ial. Dc fato, em bora títulos à ordem ou
d e crédito nao fossem m oedas o ficiais, era com essa m oeda escriturai que os grandes
com erciantes fin an ciavam a produção agríco la. .
Form ou-se assim um circu ito m o n etário não ap aren te, m as de grande im por­
tân cia, cuja análise m ostra q u e, no caso do B rasil, as em issões oficiais de moeda
não refletem fielm en te a v id a eco n ô m ica. E n tretan to , a im p o ssib ilid ad e de aferir o
volum e e o ritm o de circu lação dos títu lo s de com ércio não m e perm ite traçar com
nitidez o papel da m o ed a e scritu ra i, nao só nas trocas m ercantis com o no crédito
ao con sum idor.

A M o e d a e su a C ir c u la ç ã o

C o m o foi d ito , até 1 80 8 c ircu la v a apenas a m o ed a m etálica. H avia os papéis em itidos


pelas casas co m erciais, m as estes in te rv in h a m apenas em transações de vulto, não nas
trocas do co tid ian o , nas feiras o u nos m ercad os. P ara o co n jun to da população de
Salvador, a q uestão d a conversão m o n etária sequ er se colocava. Só apareceu quando
foi in tro d u zid o o p ap el-m o ed a.
N o B rasil em g eral, o século X IX caracterizo u-se po r altern ân cias de períodos de
co n versib ilid ad e e in co n v ersib ilid ad e do p ap el-m o ed a, e até d a coexistência de am bas.
A rigor, só ho uve co n v ersib ilid ad e entre 1 81 0 e 1820: as notas eram garantidas, à vista,
por u m a base m etálica. D e 1821 a 1 8 5 3 , as notas tin h am curso ob rigatório ; mas de
fato só as notas do T eso uro P úblico circu lav am sem garan tia, pois as dos bancos
privados eram conversíveis à v ista (a óbvia preferên cia de q ue gozavam explica a
proliferação dos bancos em issores na época). D e 1853 a 1864, as duas práticas coexis­
tiram : curso forçado das cédulas do T eso uro P ú blico, curso legal das dos bancos
privados. De 1864 a 1888, de novo a in co n v ersib ilid ad e.
A massa de cédulas em circulação tendia sempre a crescer. Em 1 8 0 8 era avaliada
em 1 0 .0 0 0 :0 0 0 de réis. A té 1 8 2 1 , em itiram -se 8 .8 7 2 :0 0 0 de réis, o que representa
uma expansão monetária de quase 8 9 % . Q uando o Banco do Brasil foi liquidado, em
1 8 2 9 , o total das notas emitidas era de 1 9 .1 7 4 :0 0 0 de réis. Mas as cédulas emitidas
pelo banco foram reutilizadas pelo Tesouro, que retom ou a atividade de emitir. Em
18 5 3 , a massa m onetária chegava a 7 0 .3 0 0 :0 0 0 de réis, dos quais 4 6 .7 0 0 :0 0 0 em
cédulas emiridas pelo Tesouro, 1 8 ,0 0 0 :0 0 0 em moeda metálica e 5 .6 0 0 :0 0 0 em cédu­
las emitidas por bancos privados. A expan são m onetária entre 18 0 8 e 18 5 3 foi portan­
to de 6 0 3 % , ao passo que a inflação no período foi estimada em 153% . Por outro
lado, entre 1 8 4 9 - 1 8 5 0 e 1 8 7 9 - 1 8 8 0 , o papel-moeda emitido passou de 4 6 .8 8 4 :0 0 0
a 2 1 5 .6 7 8 :0 0 0 de réis, numa expansão de 3 6 0 % . D urante a Guerra do Paraguai o
governo se viu obrigado a intensificar as emissões para fazer face às despesas militares,
L iv r o M - O C o t id ia n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m 511

m as os ú ltim o s anos do Im pério foram de contenção m o netária. Em 1 8 8 6 -1 8 8 7 a


m assa m o netária em circulação só superava a de 1 8 7 0 -1 8 7 1 em 5 ,5 % . Esses dados
fragm entados dão um a id éia do inchaço da m assa m onetária no B rasil, m as faltam -m e
núm eros sobre a situ ação específica da P rovíncia da B ahia.
Até 1 8 5 6 -1 8 5 7 , o p rin cip al responsável pelas em issões não foi o T esouro, mas os
bancos privados, o que provocou a reform a b an cária de 1 8 6 0 , com o os parcos resul­
tados já releridos. D epois, em 1 8 7 0 -1 8 7 1 , e por causa d a G uerra do Paraguai, os
d éficíts o rçam en tário s ex igiram em issões vultosas e a inflação se acen tuo u, sem co n tu ­
do chegar aos níveis de 1 8 5 6 -1 8 5 7 (4 1 ,2 % ),45
Q u an to v alia o p ap el-m o ed a? N a década de 1 8 1 0 , a nota de m il réis v alia m ais que
a própria peça de ouro corresp o n den te, M as sua dep reciação foi m u ito rápida. Já em
1830, com cço u-se a ten tar rev alo rizá-la, em bo ra o reajuste entre o ouro e o papel só
renha sido estab elecid o em 1 8 5 0 . D aí até 1 8 6 9 , a desvalorização foi tão lenta que
alguns econ om istas chegam a falar de u m perío do de estab ilid ad e m o netária. M as
entre 1869 e 1889 n o vam en te a desvalo rização do papel se acen tuo u.
N as suas transações in tern acio n a is, o B rasil ad o tav a o p adrão -o u ro , m enos sujeito
na época às flutuações dos p reço s.46 M as, com p arando a evolução do preço do ouro
em relação ao valo r n o m in al da m oeda, aparece u m ágio q ue é um a boa m edida da
desvalorização d esta ú ltim a . O ágio do ouro foi de 2 8% em 1821, 2 1 0 % em 1831,
4 2% em 1 8 4 0 , 6 % em 1 8 6 0 , 12% em 1 8 6 7 , 2 3% em 1880 e 3% em 1890. Só em
1850 houve ágio do p ap el-m o ed a, por causa d a descoberta de ouro n a C alifó rn ia.47
O enorm e ágio do ouro em 1831 reflete a desordem m o netária que reinou na década
de 1820, com a d esm onetização do país em d eco rrên cia das enorm es som as de m oeda
m etálica levadas para P o rtu gal q u an d o d a v o lta de D om Jo ão V I. Q uan to à baixa do
ágio em 1890, ela se explica: a lei q ue g a ra n tia a em issão m o n etária em base-ouro ou
por obrigações do T eso uro p e rm itia um m o vim en to de especulação com o ouro: em
prin cípio , era m ais interessante para os bancos em itir sobre um a base-obrigações do
que em base-ouro { ...); houve pois um ligeiro aum en to da oferta de ouro.48
A constante elevação do preço do ouro acarretava, por outro lado, um a evolução
desfavorável nos câm bios. A balança com ercial do país ficava cada vez m ais deseq u ili­
brada e os preços disparatado s, pois variavam segundo o valor da m oeda em que as
m ercadorias tinham sido pagas. D orival T eix eira V ieira cita com o exem plo o preço de
um a saca de café em 1821 e 1829. No prim eiro ano ela custava, em m édia, 2 4 .8 6 4 réis
em notas do Banco do B rasil; cm m oedas de ouro cunhadas no Brasil, 19.424 réis; em
moedas coloniais, 2 2 .7 5 9 réis; e, em moedas dc prata, 23-623 réis. Essa m esm a saca
custava, porém , cm 1829, cm notas do Banco do B rasil, 14.600 réis; em moedas de
ouro nacionais, 5.675 réis; cm moedas coloniais, 6 .3 6 5 réis; e, em moedas de prata,
7-750 réis, Até o cobre era m ais valorizado que o papel-m oeda, pois podia com prar a
saca por apenas 10.696 réis.44 C om o os preços diferiam , era sempre difícil fechar os
negócios. A especulação cm torno da moeda acabava por fom entar a alta dos preços e
desequilibrar o m ercado. _
B a h ia , S é c u l o XIX

O aum en to dos preços ia de par com o a u m en to do nú m ero oe cédulas cm


circulação . H á u m a estreita correlação en tre o au m en to do v o lum e das em issões e a
elevação dos preços, a tal ponto q u e a co rrelação en tre os dois fenôm enos, calcu lad a
para um período de 130 anos, é dc +0,93 (q u an d o a correlação atin ge 1,0 ela é
com p leta, ou seja, um fenôm eno d eterm in a to talm en te o o u tro ).50 M lrcea Buescu,
porém , atrib u i um papel m enos im p o rtan te à expansão d a m assa m o netária. A dm ite
q ue era em parte ju stifica d a pelo d esen vo lvim en to das ativ id ad es econôm icas e em
parte podia representar a ad ap tação dessa m assa aos novos níveis de preços. M as
considera que esses dois fatores não b astam p a ra ex p lica -la, sendo preciso considerar
dois outros: os d éficits do governo e a d e m a n d a d e c ré d ito .31 Esta explicação sem
d ú vid a se aju sta m elh o r à situ ação fin a n c e ira do país.
B uescu m en cio n a a in d a, co m o possíveis causas d a in flação , as crises cíclicas dos
países m ais d esen vo lvido s, a p e q u e n a p ro d u ção de alim en to s (à q u a l d á m u ita im p o r­
tân cia) e, fin alm en te, o a u m en to do preço dos escravos depo is d a ab o lição do tráfico.
A constante in stab ilid ad e dos preços só p o d ia p re ju d ic a r a situ ação econ ôm ica e favo­
recer toda sorte de esp ecu lação . T o m a r u m em p réstim o era arriscado . T odos busca­
vam operações q ue p ro m etessem gan h o s im ed iato s e su b stan ciais, de m odo a poder
enfrentar prováveis catástro fes. T u d o era o b jeto de esp ecu lação : o preço das m ercado­
rias, o créd ito , o câm b io .
Entre esses tráficos bem co n h ecid o s,52 h avia u m a operação q ue m erece ser explicada
em d etalh e, po rq ue d u ran te d écad as a carreto u in calcu láv eis prejuízos à econom ia
local. Era a falsificação de d in h eiro , p rá tic a in tro d u z id a pela p ró p ria C o rte, por volta
de 1810, q u an d o m oedas d e p rata das co lô n ias espan ho las foram recunhadas. Com o
con tinh am u m a q u a n tid a d e de p rata m u ito su p erio r à do m il réis po rtuguês, bastava
com prar pesos por seu valo r o ficial de 7 5 0 réis, recu nhá-los e atrib u ir-lh es o valor de
960 réis. O peração tão lu crativ a q ue “o p róprio povo a com p reendeu e com eçou a
com prar pesos para recu nhá-los a d o m ic ílio ”.
A prática se difu n d iu pela Bahia. A li, porém , a fabricação de moedas falsas de
cobre teve conseqüências ainda mais nefastas para a econom ia popular. O exemplo
mais uma vez veio da Corte. C om o o cobre valia mais que a cédula, ela autorizou por
três alvarás (de 6, 9 e 2 0 de setem bro de 18 2 2 ) o envio de máquinas de cunhar cobre
para todas as províncias. “Porque isto seria uma fonte de renda para o país, uma vez
que uma libra de cobre, custava 3 6 0 réis, e am oendada permitia a fabricação de
moedas no valor de 2 ,0 0 0 réis, de onde um lucro certo de 1 .6 4 0 réis.”
A primeira cunhagem dc moedas de cobre na Bahia ocorreu em junho de 1823.
Eram peças dc 80 réis, dc peso o mais incerto. A partir de então, c por trinta anos, a
Polícia a todo momento descobria falsificadores de moedas. A prática era até incentivada
por membros influentes do mundo comercial c agrícola da Bahia e, ao que tudo indica,
foi a origem de algumas fortunas. Caso conhecido é o do comendador Antônio Pedroso
de Albuquerque, mais tarde Visconde de Pedroso de Albuquerque, Um dos maiores
negociantes da praça, não conseguia obter um título de nobreza brasileiro porque o
L iv r o V I Q C o t id ia n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m 513

acusavam de p raticar tráfico de negros e de falsificar moedas. Desta últim a acusação, ele
sc d efen d eu dizendo: “Q uando havia na Bahia cobre bem am oendado, cujo ágio sobre
o cobre d e m a q u alid ad e era de 4 0 % , o suplicante, infringindo as ordens da época,
operou a transferência entre a C orte e esta Província de cerca de 240 contos de réis. M as
rratava-se d a m elhor m oeda do Im pério, e esta foi entregue em mãos próprias à presidên­
cia [da P ro vín cia]! Será a isto que se cham a traficar com m oeda falsa? Não, Alteza, jam ais
tal espécie de tráfico m aculo u m in h a probidade.”53 Seja com o for, realizara-se sem
d u vid a u m a operação especulativa, porque os fundos tin h am sido transferidos ilegal­
m ente, com o o p róprio Pedroso de A lb u qu erqu e o confessou.
N ão se sabe o v o lu m e d a m o ed a falsa de cobre que circu lo u na B ahia. Segundo
u m a p etição ap resen tad a em 1 8 2 7 pelos com erciantes locais, o valor conjunto das
m oedas v erd ad eiras e falsas se ap ro x im aria de 3 :5 0 0 a 4 :0 0 0 de réis. M as, no fim do
m esm o an o , falav a-d e d e 5 m ilh õ es, talvez m ais, em circu lação .54 M alograram todos
os estratag em as im a g in a d o s para ‘lim p a r’ a circu lação . Em 1 8 3 4 , o governo im perial
se v iu o b rig a d o a p ro m u lg a r u m a lei p ela q u a l a m oeda de cobre da B ahia não teria
m ais curso no Im p ério ; só a m o ed a c u n h ad a no R ío de Jan eiro seria reconhecida
co m o o fic ial. F o ram en tão reco lh ido s 3 1 .2 2 5 :0 0 0 de réis em m oedas de cobre.55
N esse m esm o an o , a T e so u ra ria do M in isté rio da Fazenda d a B ah ia ordenou à A lfân­
d e g a q u e só recebesse em m o ed a de cobre a m etad e d a som a devida por aqueles que
p agavam im p o sto s a lfan d eg á rio s, p o r cau sa d a falsificação . D epois dessa lei, nenhum
p ag am en to foi feito nessa m o ed a, o q u e iev a a su p o r q u e to d a a m o eda de cobre em
c irc u la ç ão era fa lsa .56
D esn ecessário d iz er q u e o d in h e iro falso co n tin u o u circu lan d o , para bem dos
esp ecu lad o res e p reju íz o d e g ran d e p arte d a p o p u lação , q u e usava essa m oeda de baixo
v alo r n ão só em suas co m p ras com o p ara fazer suas even tu ais econom ias. O clim a de
d esco n fian ça fico u tão pesado q ue n in g u ém m ais q u eria ven der a créd ito , nem aceitar
o p ag am en to de d ív id a s, o q u e elevava os preços dos artigos de p rim eira necessidade.
O s p ró p rio s co m ercian tes afirm av am : “O s soidos das tropas, dos artífices e dos em pre­
gados p ú b lico s em b reve serão m u i in ad eq u ad o s a seu su sten to .”57 Em 1831, na
te n ta tiv a de co m b ater a d esco n fian ça geral, as au to rid ad es m u n icip ais acharam por
bem b aix ar u m a p o stu ra nos segu in tes term os: “T odo aq u ele q ue recusar as m oedas de
cobre d e 8 0 , 4 0 , 2 0 e 10 réis será m u ltad o p rim eira vez na q u a n tia de 3 0 .0 0 0 réis e
sofrerá o ito dias de p risão .” O s rein cid en tes p agariam m u lta de 6 0 .0 0 0 réis, acrescida
d e trin ta d ias de prisão. Pela m esm a postura, só p o diam ser recusadas com o falsas as
peças im p erfeitas em seu cu n h o ou com peso 1/8 m en o r q u e o legal, especificação
q u e d a ria lu g ar a contestações sem co n ta e sem fim .
A ssim , d u ran te seus trin ta p rim eiro s anos com o nação independente, o B rasil
sofreu os efeitos desastrosos dessa circulação ilegal, q u e solapava sobretudo o orçam ento
das classes p o p u lares. D ura v id a a d aq u ela gente, ob rigada a enfrentar, por um lado,
o ab astecim en to precário e, por outro, um sistem a de crédito e um m odo de circulação
d a m o ed a q u e estim u lav am os com erciantes a especular.
B a h ia . S êcato XIX

D a d o s so bre o M o v im e n t o C o m e r c ia l

As poucas séries de in d icad o res eco n ô m ico s d isp o n íveis sobre a B ahia no século XIX
referem -se essen cialm etn e ao co m ércio exterio r e com outras províncias de 1808 a
1 816 e d e 1 85 0 a 1888. E m bora não possam fu n d ar um a análise global da situação
econ ôm ica e fin an ceira da P ro v ín cia, dão um a visão ap ro x im ativa da circulação das
m ercad orias nos m ercados in tern acio n a l e lo cal, revelando os im passes criados pelas
estrutu ras p ro d u tiv as. A co m p aração de d ad o s fragm en tad o s dos dois períodos é tam ­
bém reveladora.
Os dados sobre as trocas co m erciais d a B ah ia entre 1 80 8 e 1816 abrangem ,
além do in te rcâm b io in te rn a c io n a l, as trocas com o R io G rande do S u l, antigo par­
ceiro d a p ro v ín cia, q u e lhe fo rn ecia so b retu d o carn e-seca e farin h a de m andioca.
N esses o ito anos, a b a lan ç a co m ercial d a B ah ia ap resen to u um d éficit constante,
p rin cip alm en te nas trocas com a E uropa — com destaque para Portugal — e a África,
seus p rin cip a is p arceiro s.

TABELA 87

B a la n ç a C o m e r c i a l d a B a h ia , 1 8 0 8 -1 8 1 6 (em c o n t o s d e r è i s )

1808 1809 1810 1813 1814 1815 1816

Europa -8 0 -17 1 -7 7 1 -3 .2 7 9 -3 .1 9 1 -2.700 -3 .5 6 6

Portugal -3 9 6 -4 3 2 1.15 0 477 1.270 1.606 2.113

África —478 —420 -4 3 7 -6 6 3 -1 .4 4 0 -1 .0 0 6 -1 .4 1 0

Rio Grande do Sul 15 -4 5 5 -6 0 3 -4 19 -6 6 2 -6 8 -7 8

Goa 9 10 12 26 23 36 13

Total -9 3 0 -1 .4 6 8 -6 4 9 -3 .8 5 8 -4 .0 0 0 -2 .13 2 -2.928

Fonce: Ca th cri nc Lugar, The M erchant C om m unity o f Salvador, Bahia, 1780-1830, p. 112.

Em 1 8 0 8 , com a ocu p ação do territó rio p o rtuguês pela França, o com ércio da
B ahia com o restante d a E uropa (7 3 5 :0 0 0 de réis em exportações e 8 1 5 :0 0 0 em
im portações) foi bem m aio r do q ue com P ortugal (8 0 :0 0 0 de réis em exportações e
4 7 6 :0 0 0 cm im po rtaçõ es), j á no ano segu in te a M etró p o le foi responsável por 44,5%
das exportações européias para a B ah ia, en q u an to o valor das exportações baianas para
Portugal cra tam bém quase m etade do valor exportado para toda a Europa. M as essa
retom ada foi cu rta: dc 1810 a 1816, as exportações portuguesas foram em média
2 2,6% das exportações da Europa para a B ahia. Esse declínio corrobora o que foi dito
sobre a sub stituição dos negociantes portugueses por estrangeiros, sobretudo ingleses.
A perda sofrida pela praça com ercial de Salvador com a partida dos portugueses
afetou o fin an ciam en to da produção agrícola, mas não reduziu as importações a
Bahía. A lterou-as: ao passo que a balança com ercial com os dem ais países europeus
passou a ser d eficitária a partir de 1808, a Província passou a ter superávit nas trocas
JJ\"R o V I - O C o t id ia n o

com P o rtu gal, exceto em 1808 e 18 00, anos da ocupação francesa. Entre 18 10 e 18 16,
as exportaçocs da B ahia para a M etrópole foram 7 0 ,3 % do total exportado para a
E uropa, sin al do q u an to P ortugal d ep en d ia do Brasil, mas tam bém do pouco interesse
das outras nações européias pelos produtos baianos.
A surp resa nesses dados é o volum e das transações com o Rio G rande do Sul, que,
entre 1S0S e 1 8 1 6 , representaram nada m enos que 14,8 e 1 1,6% do total das expor­
tações e im po rtaçõ es b aian as. A b alan ça com ercial baiana era deficitária nesse inter­
câm bio, exceto em 1808, em q ue houve um sup erávit de 1 5:000 de réis. Surpreende
tam bém saber q u e, n aq uele in ício do século XIX, a B ahia ainda m antinh a relações
com o E xtrem o O rien te, em bo ra as trocas com G oa fossem insignificantes. Já o
com ércio com a Á frica (C o sta d a M in a , A ngo la, B enguela e São T om é) era deficitário:
a im p o rtação de escravos co n tin u av a pesando m uito na balança com ercial.
C o m relação ao p erío d o 1 8 1 6 -1 8 5 0 , a carên cia de dados é com pleta. Com o teria
evo luíd o a situ ação a p artir do in ício da década de 1820, com a balança com ercial
d e fic itá ria e m aio res im p o rtaçõ es do co n ju n to da E uropa que de Portugal? G uerra,
revoltas, p ro b lem as p o lítico s por certo afetaram gravem ente as trocas com erciais, de­
sorganizan do a p ro d u ção de bens de exportação e perturbando m ais ain d a os termos
das trocas. A c o n ju n tu ra eco n ô m ica esrava em depressão, com o indica o estudo da
evolução dos preços dos gêneros alim en tares. M as em 1845 houve um a retom ada que
se p ro lo n go u até 1 8 6 0 .59
Para os anos 1 8 5 0 -1 8 8 8 , tem os um a série elab orada pela Fundação de Pesquisas
d a B ah ia sobre o v alo r das exportações e im portações da p ro vín cia.60 Sem dúvida útil,
ela tem o in co n v en ien te de não in c lu ir dados sobre as quantidades de m ercadorias
exportadas e im p o rtad as. A crescentam os o valor das exportações e im portações em
libras inglesas. C o m dados in co m p leto s, a série deve ser u tilizada com precaução,
com o os próprios autores ad vertem ,61 m as ain d a assim fornece um a idéia geral da
evolução da b alan ça co m ercial da B ahia.
S egu ndo esses dados, em 39 anos a balança com ercial da B ahia só apresentou
superávit em cinco: 1 8 5 8 -1 8 5 9 , 1 8 6 2 -1 8 6 3 , 1 8 6 5 -1 8 6 6 , 1 8 6 7 -1 8 6 8 e 1 87 1 -1 8 7 2 .
Os m elhores anos foram 1 8 5 8 -1 8 5 9 e 1 8 6 7 -1 8 6 8 , quando o valor das exportações
excedeu, respectivam ente, em 60% e 4 5 % o das im portações. Só houve dois anos de
eq uilíb rio cm todo o período: 1 8 6 9 -1 8 7 0 e 1 8 7 0 -1 8 7 1 - Nos dem ais, a Bahia expor­
tou cerca de 40% menos do que im portou. ^
Im portava-sc, portanto, m ais do que se exportava, mas a análise fica incompleta
por falta dc dados sobre o balanço dc pagam entos, que provavelmente era ainda mais
desfavorável. Por outro lado, o déficit da balança com ercial da Bahia — no final da
década dc 1880 as im portações chegaram a corresponder a 2/3 do movimento comer­
cial — m ostra a im portância que, apesar de tudo, a Província conservava como centro
distribuidor de mercadorias importadas.
Entre 18 5 1 e 1 8 7 1 , o valor das exportações esteve, no conjunto, em alta, exceto
de 18 5 7 a 1 8 6 1 , em que ocorreu sensível baixa. O valor máximo nas exportações foi
B a h ia , S fc n o XIX

alcan çad o em 1 8 7 1 - 1 8 7 2 : 2 2 .5 3 1 :9 0 6 dc réis (2 .3 4 3 :3 2 8 lib ras). A p artir dc então


esse valo r d e c lin o u ra p id am en te , ch eg an d o a 1 1 .9 4 2 :0 7 0 de réis (1 .0 7 4 .7 8 libras) em
1 8 8 2 -1 8 8 3 . D epois h o u v e u m a lig e ira elevação , q u e d u ro u até 1 8 8 7 -1 8 8 8 . Em
c o n trap artid a , as im p o rtaçõ es a u m en ta v a m c o n sta n tem en te, salvo en tre 1 8 5 7 -1 8 5 9 ,
por certo em d eco rrên cia do có lcra-m o rb o q u e a tig iu a cap ital e o R ecôncavo cm
1 8 5 5 - 1 8 5 6 , m as talvez tam b ém p o r cau sa d a im p o rtação m aciça feita em 1 8 5 6 -1 8 5 7 .
A liás, nesse c u rto p erío d o , os valores das expo rtaçõ es e das im p o rtaçõ es flu tuaram da
m esm a m an eira, m as d ep o is só o v a lo r das im p o rtaçõ es passou a a u m en ta r, aceleran ­
do-se a p a rrir de 1 8 8 1 - 1 8 8 2 ,
Fazendo flu tu a r os valo res das exp o rtaçõ es e im p o rtaçõ es em to rn o da m édia
desses valo res por to d o o p e río d o , e u tiliz a n d o m éd ias m ó veis por triên io s, os econo­
m istas b aian o s to rn aram suas ten d ên cias d iv erg en tes m ais visíveis, com o m ostram os
gráfico s ab aix o . .
E x p o r t a ç õ e s B a ia n a s '

Im p o r t a ç õ e s B a ia n a s

O b se rv a-se a í q u e , a p a r tir d o s a n o s 1 8 6 7 - 1 8 6 8 , o v a lo r d as ex p o rtaç õ es b aix o u


r a p id a m e n te , rccupcrou-.sc lig e ir a m e n t e c m 1 8 7 2 —1 8 7 3 , p a r a c o n t in u a r em q u e d a até
1 8 8 6 —1 8 8 7 . A c u r v a d as im p o r ta ç õ e s re v e la a b a ix a d o s an o s 1 8 5 5 —1 8 5 6 , m a s m ostra
n ít id a te n d ê n c ia a u m a a lt a c o n s ta n te . O g rá fic o a se g u ir m o stra q u e a taxa d e c âm b io
a p re se n to u n o tá v e l e s ta b ilid a d e , c o m breve q u e d a e n tre 1 8 6 4 e 1 8 6 8 .
L n RO V I Q C o t id ia n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T ro c a v a m
517

T axa de C â m b io

O gráfico das exportações sugere a d istin ção entre dois períodos: 1 8 5 2 -1 8 6 7 e


1 8 6 7 -1 8 8 8 . O p rim eiro se caracterizo u por u m a alta no valor das exportações e das
im p o rtaçõ es, ao passo q ue no segundo as exportações baixaram e as importações
cresceram . C o m o explicar essa inversão de tendência no tocante às exportações? Tentarei
respon der p ela an álise dos dados referentes aos p rin cip ais produtos que a Bahia tro­
cava, tan to com o estran geiro com o com outras províncias.

P r in c ip a is P r o d u t o s d e E x p o r t a ç ã o

Q u e parte tin h am os vários produtos no co n ju n to das exportações da Bahia? Os bem


conhecidos — açú car, fu m o , cacau, café, algodão, diam antes, carbonatos, peles e
couros — co m p u n h am cerca de 9 0% do total.
A série só fornece inform ações com pletas sobre o período de 1 8 5 0 -1 8 5 1 a 18 7 5 ­
1876. P ara os anos segu in tes, até 1 8 8 8 -1 8 8 9 , os dados escasseiam . A série mais
com pleta é a relativ a ao cacau. P ercen tu alm en te, o açúcar predom ina. No início desse
período, representava m ais de 2/3 das exportações baianas, mas nos anos seguintes
d eclino u, chegan do a não com por m ais de 1/4 das exportações ou mesmo 1/5. com
ligeira recuperação em 1 8 8 0 -1 8 8 1 , q uando representou um pouco mais que 2/5.
A partir de 1 8 7 0 -1 8 7 1 , o declínio da participação do açúcar nas exportações se
acelerou. Em parte, isto pode ser atribuído à brusca queda da demanda, ■'«ulrante ula
depressão econôm ica vivida pela Europa a partir de 1873- Aliás, entre e .
o preço do açúcar sõ em 1 8 7 7 atingiu o Indicc do ano 18 5 2 . P r o b l e m a s de produção
também ocasionaram essa queda das exportações de açúcar. A part.r de 18 7 2 187d a
cana-de-açúcar foi atingida por uma praga c a produtiv.dade caiu. Alem disto, avia
agudos problemas de mão-de-obra em face da interrupção do tráfico de escravos, da
sua baixa taxa de reprodução e, sobretudo, da sua venda maetça para a regtao Cen­
tro-Sul do país. por razões ainda mal elucidadas (talvez pelo aumento da oferta mter-
B a h ia , S éculo XIX
518

n acio n al d e a çú car, co m o c o n se q ü e n te d c se stím u lo aos p ro d u to re s b a ia n o s). U m a


b aixa d a p ro d u ção po de rer d e re rm in a d o a p erd a de m e rc a d o s ex tern o s, q u e te riam
passado a co m p rar de o u tras p raças. S e ja co m o fo r, esses d a d o s se riais c o n firm a m a
h isto rio g rafia tra d ic io n a l da B ah ia , q u e s itu a na d é c a d a de 1 8 7 0 o in íc io d a g ran d e
* ■* fi 2
crise d a eco n o m ia a çu c a reira . . .

T A B E L A 88

P r in c ipa is P r o d u t o s E x p o r t a d o s p e l a B a h i a , 1 8 5 0 - 1 8 8 9
( % DA PAUTA DE EXPORTAÇÕES)

A çúcar T abaco C acau C afé A lgodão D iamantes C ouros SUBTOTAL


Anos
69,8 12,6 0,5 4,6 3,3 3,6 - 94 ,4
18 5 0 -18 5 1

18 5 5 -18 5 6 49,4 12,7 0,9 8,0 2 ,0 15 ,2 5,6 93,8

18 6 0 -18 6 1 32,0 18,3 2,4 12 ,0 0,1 15,0 8,9 88 ,7

18 6 5 -18 6 6 36,5 20,4 1,1 9,0 20,0 7,2 1,6 95,8

187 0 -18 7 1 38,8 28,6 2,0 5,6 ' 9,2 5,1 9,1 98,4

18 7 5 -18 7 6 20,4 4 0 ,7 - 2,4 23,3 0,3 2,8 2,9 92,8

188 0-18 81 42,3 22,4 5,6 15,4 - - - -

188 5-188 6 - - 14,9 - - - - -

188 8 -18 8 9 - - 4,7 - - - - ■ -

Fonte: A inserção da B ahia na evolu çã o n acional, p. 85.

TABELA 89 ’

P reços po r T o n e lad a* de P r o d u t o s de Ex po r t aç ã o
(m é d ias m ó v e is t r ie n a is, 1 8 5 2 = 1 0 0 )

A nos Açúcar A lg o d ã o C acau C afé T aba co Í n d ice G eral *

1841 102 107 115 92 92


1845 104 81 112 67 87
1850 97 103 97 96 105
1855 141 no 189 106 136
137
1860 117 147 255 141 195 158
1865 106 276 265 143 133 137
1870 107 153 195 108 175 140
1875 96 109 326 205 164 143
1880 93 96 303 186 130
1885 60 100 316 118 1 17
1889 92 122 234 1 90 138
«ua^parridpa^o^nas export* ® Índice geral foi obtido pela ponderação dos índices de cada produto, segundo

Fome: U b iriu n C astn, de Araújo, 'A Bahia no século XIX", p. 58 .


L iv ro M Q C o t i p l a n o d o s H o m e n s q u e P r o d u z ia m e T r o c a v a m 519

S egu n d o p ro d u to m ais im p o rtan te da p au ta de exportações b aian a, o fum o teve


u m co m p o rtam en to inverso ao do açúcar: en tre 1850 c 1881, não só sua participação
nas expo rtaçõ es b a ian as cresceu co n stan tem en te — em bo ra com flutuações bastante
irregu lares — , com o seu preço a u m en to u , só sofrendo um a q u ed a forte em 1 88 1,
q u an d o ch eg o u a 7 9 em relação ao ín d ice-b ase cem , de 1 85 2.
N o m o m en to m ais desfavorável (1 8 6 0 - 1 8 6 1 ) o açú car e o fum o ain d a com p u­
nham m ais d e m etad e das expo rtaçõ es d a B ahia. S u a p articip ação no total das ex­
portações, q ue era de 4/5 n o in íc io do p erío d o ( 1 8 5 0 - 1 8 5 1 ), ain d a chegava a 2/3
em 1 S S 0 - 1 S 8 1 , ap esar d a e n tra d a em cen a do cacau, a in d a tím id a, e do café, m ais
forte.
O ra, e n q u an to a d e m a n d a do açú car no exterio r se restrin gia, a do café au m en ­
tava, A q u e d a b ru tal (p ara 1/10) de sua p articip ação nas exporrações em 1 8 7 8 -1 8 7 9 ,
q u an d o nos dois anos an terio res rep resen tara quase 1/5, só pode ser exp licada por um a
q u ed a d a p ro d u ção o u p o r p ro b lem as de tran sp o rte, já q u e cra cu ltiv ad o em regiões
d istan tes d a c a p ita l. T a n to m ais q u e, no ano segu in te, v o lto u a representar 1/5 das
exportações. F a lta m -m e dados p a ra aco m p an h ar sua evolução posterior.
A co n stan te progressão das exportações de cacau in d ica q ue a produção avançava
de m an eira re g u lar, em b o ra só após 1 8 8 3 - 1 8 8 4 ten h a sofrido expansão sign ificativa e
acelerad a. A liás, os preços do café e do cacau apresen tavam ten d ên cia geral de aita, o
que in d ic a u m a d e m a n d a extern a estável.
O algo d ão e os d iam an tes tiv eram evoluções b astan te sem elh an tes, com altas m ais
notáveis para o p rim eiro nos anos consecutivos à G uerra de Secessão (1 8 6 1 -1 8 6 5 ) nos
Estados U n id o s. A liás, co m p aran d o a p articip ação nas exportações e o índice do preço
do algodão en tre 1 8 6 0 -1 8 6 1 e 1 8 6 7 -1 8 6 8 , observa-se que a p rim eira (que passa de
0,1 a 2 0 ,6 % ) aco m p an h o u a a lta do segu n d o (de 157 em 1860 para 175 em 1868),
N ão tenho dados q ue in d iq u em se a produção de algodão cresceu nesse período. Em
co n trap artid a, é de todo provável q u e os com erciantes baianos, dian te dessa conside­
rável alta dos preços, tenh am ido em busca do p ro du to no interio r, pois o custo do
transporte poderia scr com pensado. A q ued a da participação do produto nas exporta­
ções após 1 8 6 8 -1 8 6 9 , q uando os preços caíram , corrobora a hipótese.
Q u a n t o aos d ia m a n t e s , a d e s p e ito d as e sp e ra n ç a s q u e h a v ia m d e sp e rta d o n a d é c a ­
d a d e 184(1, n u n c a p a ssa ra m d e 1 5 % d o c o n ju n t o das e x p o rtaç õ es e n tre 1 8 5 0 - 1 8 5 1
c 1 8 7 7 - 1 8 7 8 . N ão h á d a d o s so b re p e río d o s p o sterio res. As peles e os cou ros m a n tiv e ­
ram u m a p resen ç a b a s ta n te re g u la r no c o n ju n to das ex p o rtaç õ es, m a s n u n c a a tin g ira m
. n íveis s ig n ific a tiv o s , ap esar d o papel d a p e c u á ria ta n to na B ah ia c o m o nas p ro vín cias
v iz in h a s co m q u e c o m e rc ia v a .
O d e c lín io d o a ç ú c a r nas ex p o rtaç õ es b a ia n a s e n tre 1 8 5 0 e 1881 (de 6 1 .9 5 1
to n elad as p a ra 4 7 .0 5 S ) não foi a c o m p a n h a d o , p o rtan to , dc u m a d iversificação da
p au ta d e ex p o rtaçõ es. N e m o cacau (2 9 9 ton e m 1 8 5 0 - 1 8 5 1 e 6 .7 6 5 ton em 1880­
1 8 8 1 ), o café ( 1 .8 8 4 ton cm 1 8 5 0 - 1 8 5 1 c 6 .7 6 5 ton cm 1 8 8 0 - 1 8 8 1 ) e o fum o (6 .1 8 4
ton em 1 8 5 0 —1851 e 1 2 .0 1 8 ton cm 1 8 8 0 —18 8 1 ) c o n se g u iram d estro n á-lo . N o e n -
520
B a h ia , S é c u l o XIX

TABELA 90

E x p o r t a ç õ e s B r a s i l e ir a s ( % )

IS G IATE RRA* Esta d o s U n id o s F rança* P rata C H


Avos id a d e s a n s e a t ic a s O lT R O S

1 8 52-1853 29,0 31,5 5,9 1,4 4,5 27,7

1 8 55-1856 30,7 32,2 6,5 5,2 5,3 20,1

1860-1861 38.4 32,5 11,2 3,2 3,8 10,9

1865-1866 44,2 19,1 12,2 4,8 2,7 17,1

18 67-1868 29,8 21,5 11,2 6,2 2,8 28,1


(*) Indui possessões.
Fonte: A inserção da Bahia na evolução nacional.

TA.BELA 9 1

Expo rtaçõ es da B a h ia para P a íse s E s t r a n g e ir o s ( % )

Avos Inglaterra* Estad o s U n id o s F rança* P rata C idades H anseaticas O utros

18 5 2 -18 5 3 . 46 5 5 1 9 34
18 5 5 -18 5 6 42 7 6 4 13 28

18 6 0 -18 6 1 52 8 2 I 18 19

1 8 6 5 -18 6 6 59 3 13 3 13 10

1 8 6 7 -18 6 8 60 2 12 3 13 10

(*) Indui possessões.


Fonte: A inserção da Bahia na evolução nacional.

tan to , em 1 8 8 0 —1881 a B a h ía exp o rtav a sete vezes m ais cacau , três vezes e m eia mais
café e q uase o dobro de a çú car q u e em 1 8 5 0 - 1 8 5 1 . O bserva-se, p o r outro lado , que
foram os novos p ro d u to s — cacau e café — q u e m ais gan h aram im p o rtân cia relativa
nas exportações, e isto n u m a progressão m u íto regu lar. O a çú car e até o fum o sofreram
oscilações bem m ais acen tu ad as, o p rim eiro após 1870 e o segu n d o antes.
Fum o, café e cacau eram cu ltiv ad o s po r m ão -d e-o b ra livre, em geral fam iliar,
não assalariada; já o açúcar d ep en d ia exclu sivam en te da m ão-de-obra escrava. A pro­
gressão regular dos volum es exportados de café e cacau (e, após 1 8 6 7 -1 8 6 8 , de fum o),
m ostra que esses produtos tin h am boa penetração no exterior. Por que, então, os
senhores dc engenho não su b stitu íam o açú car por eles, q uando as condições clim áti­
cas e pedológicas do R ecôncavo p em itiam seu cu ltivo , pelo m enos em terras que não
fossem dc massapê?
O ra, quando sc discutiram nos anos 1850 os problem as da com ercialização do
açucar, jam ais se cogitou dc diversificar a produção do Recôncavo. O que se defendia
(sem jam ais tentar pôr em prática, depois) era a m ecanização, a form ação de engenhei­
ros agrônomos e de operários especializados, e até a substituição da m ão-de-obra
escrava por im igrantes assalariados/’3 A prevalência de idéias antigas e o medo da
m udança pareciam paralisar qualquer projeto.
L iv r o V I - O C o t i d i a n o d o s H o m e n s que P r o d u z ia m e T rocavam
521

M as ha o u tro s asp ecto s a co n sid erar, ligad o s tan to à extensão e à q u a lid ad e das
terras co m o à fo rm a da p ro p rie d a d e . C erto s senhores de en g en h o exp lo ravam u m a só
p ro p rie d a d e : se a terra fosse m assap ê, era im p ró p ria para a c u ltu ra do café e do cacau;
por vezes, a ex te n são d a faz en d a não p e rm itia e x p e rim e n tar as novas cu ltu ras ju n to
com a p ro d u çã o d a c a n a -d e -a ç ú c a r. A d e m ais, o ú n ico créd ito d isp o n ível era o forne­
cid o peíos n e g o c ia n te s, q u e d ific ilm e n te esp erariam os três a cinco anos necessários
para q u e u m a rb u sto de c a c a u o u de café co m ecem a p ro d u zir. O utro s senhores de
e n g en h o tin h a m v ária s p ro p rie d a d e s, m as estas eram posse co letiv a de diferentes ra­
m os d e u m a m e sm a f a m ília e o n ú m e ro de co -p ro p rietário s não facilitav a a to m ad a
de d ecisõ es d e v u lro . A lém d isto , as g ran d es u n id ad e s p ro d u ziam a custos m enores e
com m a io r r e n ta b ilid a d e , m esm o q u e os lu cro s fossem rep artid o s. M as o q ue atuava
com m ais fo rça so b re to d o s era, p o r u m la d o , a cren ça d e q ue o R ecôncavo só se
p restav a à c u ltu r a d a c a n a -d e -a ç ú c a r e, p o r o u tro , a co n vicção de q ue a m ão-de-ob ra
a ssalariad a, s o b re tu d o e u ro p é ia , lo g o c o n q u ista ria a posse d a terra, p o r força de sua
te n a c id a d e e b o a o rg a n iz a ç ã o no tra b a lh o . O ra, era nessa posse q ue resid iam o poder
e o p restíg io d essa c a te g o ria . O s n e g o cia n tes, g raças às suas p ró p rias lim itaçõ es, refor­
çavam essa in é r c ia e a ssim se c o n tin u a v a a p la n ta r can a, apenas can a, sem con siderar
alte rn ativ as.

E x po rta çõ e s para o Ex t e r io r

A série d e q u e d isp o n h o , em b o ra lim ita d a a dezesseis anos, de 1 8 5 2 -1 8 5 3 a 1867­


1 8 6 8 , tem a v a n ta g e m d e p e rm itir c o m p a ra r as expo rtaçõ es do B rasil e as da B ahia.
E ntre 1 8 5 2 - 1 8 5 3 e 1 8 5 5 - 1 8 5 6 , 2/5 das expo rtaçõ es d a B ah ia foram para a Grã-
B retan h a e suas possessões. A pós 1 8 5 7 —1 8 5 8 , m ais de m etad e, às vezes quase 60% ,
das expo rtaçõ es d a P ro v ín c ia tiv e ra m o m esm o destin o . A B ah ia vivia, pois, sob
forte d e p en d ên cia do co m ércio in g lês. C o m o este tin h a p o uca necessidade de açú ­
car, sendo su p rid o p o r suas co lô n ias, nao esp an ta que o açú car baiano tivesse pro­
blem as d e m ercad o . Já nas exportações de todo o B rasil, a parcela destin ada à Gra-
B rctanha ia d e 1/3 a 2/5, o q ue sugere q ue as outras praças com erciais do país
d e p e n d ia m m e n o s d a I n g la t e r r a q u e a d e S a lv a d o r .
As e x p o r t a ç õ e s d a B a h ia p a r a os E s ta d o s U n id o s n ésse p e r ío d o fo ram m e d ío c re s,
n u n c a m a is q u e 8 % d o v a lo r e x p o r t a d o , ao passo q u e o B rasil d e s tin a v a a esse p aís, em
m é d ia , 1/4 d a s su as e x p o r t a ç õ e s . O s n ív e is m a is b a ix o s, p o r v o lta de 1 6 ,6 % , c o in c i d i­
ra m c o m a G u e r r a d e S e c e s s ã o , q u a n d o a c o m p r a d e p r o d u to s p r im á r io s brasileiro s
d eve te r sid o s u b s t it u íd a p o r im p o r ta ç õ e s d e g u e r r a e talv ez te n h a o c o rrid o u m a b a ix a
m o m e n t â n e a d a d e m a n d a . Km 1 8 6 5 - 1 8 6 6 as e x p o rta ç õ e s do B rasil p a ra os E stados
U n id o s já c h e g a v a m a 1 9 ,1 % d o total.
As e x p o rta ç õ e s d a B a h ia p a ra a F ra n ç a a s s e m e lh a ra m - s e m u it o às e x p o rtaçõ es
g lo b a is d o B rasil. E n tre 1 8 5 6 e 1 8 6 0 , p o ré m , seu v a lo r c a iu c o n sid e r a v e lm e n te , b a i­
522 B a h ia , S é c u l o XIX

xando de 6 a 2 % do to tal, o q u e não oco rreu no restan te do país. M ais u m a conse­


q ü ên cia do có lera-m o rb o , q u e deve ter afastado m u ito s navios do porto de Salvador.
Os co m an d an tes franceses parecem ter recebido orden s m ais severas q ue os ingleses ou
os no rte-am erican o s.
As exportações da B ah ia d iferiram das do co n ju n to do B rasil tam b ém no tocan­
te às cid ad es h an seaticas, so b retu d o por cau sa do fu m o . E n q u an to o país enviava
para elas, em m éd ia, 4 % do v alo r to tal de suas exp o rtaçõ es, a B ah ia rem etia até
12% . Em co n trap artid a, a P ro v ín cia p arece ter p a rtic ip a d o po uco do com ércio com
os países do R io da P rata, com q u e as o u tras p raças co m erciais m a n tin h am relações
constantes, m an ten d o -se o valo r das exp o rtaçõ es n o tav elm en te estável. A exceção
foi 1 8 6 6 -1 8 6 7 , q u an d o o v alo r das exp o rtaçõ es b a ian as p a ra esses países chegou a
11% do to tal.
Em resum o, tan to o B rasil com o a B a h ia tin h a m a G rã -B re ta n h a e suas possessões
com o seu m aio r im p o rtad o r, o q u e m ais u m a vez c o n firm a a su p rem acia desse im pério
nas relações co m erciais do B rasil e de suas p ro v ín cias. P or o u tro lad o , a B ah ia tin h a
relações com erciais m ais in ten sas com as c id ad es h an seaticas do q ue com a F rança, os
Estados U n id o s e os países do R io d a P rata, e n q u a n to , p a ra o c o n ju n to do B rasil, eram
os E stados U n id o s q ue v in h a m em segu n d o lu g a r, sçgu id o s p ela F ran ça, os países do
R io d a P rata e só d ep o is as cid ad es h a n seática s.

O C o m é r c io d a B a h ia c o m o E s t r a n g e ir o e a s O u t r a s P r o v ín c ia s

A tab ela 9 2 tem a v an tagem de a b ra n g er o p erío d o de 1 8 5 0 - 1 8 8 7 e fornecer dados


referentes à p articip ação d a B ah ia tan to no co m ércio in te rn ac io n a l com o no com ércio
n acio n al, q u e no m o m en to m e in teressa p a rtic u la rm e n te .
R etom o as relações co m erciais d a B ah ia com o estran g eiro apenas para assina­
lar m ais u m a vez a p erd a de im p o rtân c ia d a p raça d a B ah ia com o exportadora. En­
quanto em 1850—1851 a B ah ia era respon sável p o r 1 4 ,5 % do v alo r das exportações do
B rasil, em 1886—1 88 7 essa p articip ação se lim ito u a 4 ,1 % . Essa q u ed a teve in ício nos
anos 1 8 5 9 -1 8 6 0 , mas se acelero u em 1 8 7 2 - 1 8 7 3 , q u an d o caiu abaixo de 10% , nível
que nao ultrapassou m ais até o ftm do perío do . C o m b in ad o ao aum en to das im por­
tações, isso só con firm a a d eterio ração dos term os do in tercâm b io da Bahia com o
exterior. M as, sobretudo a p artir de 1 8 7 3 —1874, até as im po rtaçõ es da B ahia declina­
ram. C om eçava cia a perder seu papel de red istrib u id o ra de m ercadorias? As im porta­
ções sc distrib uíam m elhor pelo con jun to do país? O u o m ercado baiano tinha menores
possibilidades de absorver os produtos im portados?
Q u a n t o à b a la n ç a d o c o m é r c io d a B a h ia c o m as o u tr a s p r o v ín c ia s , t e n h o d ad o s
sobre 2 8 an o s, ao lo n g o d o p e río d o 1 8 5 0 - 1 8 5 1 a 1 8 8 6 - 1 8 8 7 . N eles, su rp re e n d e
c o n statar q u e h o u v e q u in z e an o s d e d é fic its e treze de su p e rá v its . O in íc io d o p e río d o
( 1 8 5 0 —1 8 6 2 ) foi d e d é f ic it c o n sta n te . M a s n o ú lt im o d e c ê n io a s itu a ç ã o se in v erte u :
Li\ RO V I - Q C o t id ia n o d o s H om en s que P r o d u zia m e T r o c ava m 523

TABELA 9 2

E x f o r t a ç O es e I m portaçõ es da B a h ia com o Percen tagem dos T o t a is B r a sile ir o s

A nos P ara P aísf .s E st r a n g e ir o s P ara O u t r a s P r o v In c ia s

E x p o r t a ç Oes I m portações E x p o r t a ç Oes I m po r t a ç õ e s

1 8 5 0 -1 8 5 1 1 4 ,5 - . - -

1 8 5 5 -1 8 5 6 1 3 ,6 1 4 ,7 - -

1 8 6 0 -1 8 6 1 6,8 1 1 ,4 - -

1 8 6 5 -1 8 6 6 12,2 12,8 - - '

1 8 7 0 -1 8 7 1 1 0 ,9 1 4 ,4 8,1 9 ,5

1 8 7 5 -1 8 7 6 8 ,4 12,0 4 ,4 5 ,0

1 8 8 0 -1 8 8 1 6,6 11,6 2 0 ,3 7 ,6

1 8 8 6 -1 8 8 7 4 ,1 1 5 ,9 1 3 ,3 5 ,4

Fonte: Adaptado de A in serçã o d a B ahia n a evolu çã o nacional, p, 35, 40, 45 e 50 (Anexo estatístico).

a B ahia au m en to u suas exportações para as dem ais províncias e passou a importar


m enos. O s valores das exportações chegavam a ser m uitas vezes superiores aos das
im portações. Esses superávits no com ércio interprovincial compensavam então o dé­
ficit do com ércio com o estrangeiro. Q uem ganhou, sobretudo a partir de 1 86 9-1 87 0,
foram os com erciante locais, que finalm ente conseguiam se safar, naquela segunda
m etade do século XIX em que m entalidades e estruturas pareciam combinadas para
tornar o jogo da vida d ifícil para os baianos.
LIVRO VII

O D in h e ir o d o s B a ia n o s
C A PÍT U LO 28

O M ercado de T rabalh o

F alar d c m e rc a d o de tra b a lh o n u m a ec o n o m ia escrav o crata e sem d ú v id a correr um


risco, u m a vez q u e e sta é u m a te rm in o lo g ia a tu a l, o u , pelo m eno s, a d ap tad a de socie­
d ad es livres do sécu lo X IX . P enso, p o rem , q u e v ale a p e n a co rrer tal risco, pois as
h ip ó teses q u e isso p e r m itir á le v a n ta r são su fic ie n te m e n te ricas p ara ju stific a r um ap a­
ren te a n a c ro n ism o . A in d a q u e p o r vezes não p assem de sugestões, essas hipóteses são
novas, p o is nesse d o m ín io a h is to rio g ra fia b a ia n a é p eq u en a. T o d as as m in h as in fo r­
m ações v êm d e fo n tes in d ire ta s .
C o m exceção d as e scrav istas, as relaçõ es de tra b alh o dos séculos passados pouco
in te ressa ram aos h is to ria d o re s b rasileiro s. Q u an d o ab o rd ad o s, os p roblem as de m ão-
d e -o b ra fo ram tra ta d o s do p o n to de v ista d a o ferta in te rn a , em função das unidades
q u e p ro d u z ia m m e rc a d o rias de e x p o rta ç ã o .1 A pós o fim do tráfico , os produtores
d e a çú c a r se q u e ix a v a m a m a rg a m e n te d a fa lta de m ão -d e-o b ra. As queixas eram u m a
co n stan te ta n to nas m an ifestaçõ es p ú b lic a s q u e faziam através do In stitu to Im perial
de A g ric u ltu ra d a B ah ia , fu n d a d o em 1 8 5 9 , com o em suas ‘rep resen taçõ es’ aos pre­
sid en tes d a P ro v ín cia . T a m b é m estes, aliá s, em seus relató rio s, rep etiam ano após
ano a m esm a reclam ação , q u e se re su m ia n u m a cu rta frase: “F altam braços para a
la v o u ra .” C o m o os p ró p rio s p ro d u to res de açú car, o go vern o p ro vin cial nao era ca­
paz de o p tar en tre d iferen tes projetos q u e p ro p u n h am a im p o rtação de m ão-de-obra
ch in esa e eu ro p éia. As poucas exp eriên cias feitas com estes ú ltim o s foram fiascos
co m p leto s, q u e a rru in a ra m os p ro d u to res. O caso m ais típ ico parece ter sido o de
T o m az P ed reira G erem o ab o , rico sen h o r de en gen h o do R ecôncavo que, em 1858­
1 8 5 9 , fin an cio u a v in d a dc 105 colonos dc P o rtu gal, tendo em vista a introdução
de um sistem a dc arren d am en to a m eias em sua propriedade. A experiência nao
d u ro u um an o , pois só dois colonos p erm an eceram no engenho, com os dem ais
o p tan d o por retorn ar, no próprio R ecôncavo ou em Salvado r, aos seus ofícios no
com ércio ou no artesanato , (je re m o a b o perdeu assim um a som a equivalente ao pre­
ço de um bom engenh o na região .2

527
52S B ai u a , S é c u l o X I X

A lém d e co m p lexo , o p ro b lem a d a m ão -d e-o b ra cra p erm ead o de am b igü id ad es.


E ntre todas as ativ id ad es ru rais, a ú n ic a q u e d e m a n d av a braços era a lavoura. E,
m esm o nesse d o m ín io , só h á referên cia à c a n a -d e -a ç ú c a r, com o se não existissem
outras cu ltu ras. A té certo p o n to isto se ju s tific a : a c u ltu ra d a can a, por sua natureza e
d im ensões, e x ig ia u m c o n tin g e n te de m ã o -d e -o b ra m u ito m aio r q u e as de fum o , café
ou cacau . M as, se o fu m o e o caca u eram em g e ra l p ro d u zid o s em escala fa m iliar e
em terras rec ém -d esb rav ad as,3 a p ro d u çã o do café te ria p o d id o o cu p ar extensões com ­
paráveis às q u e tin h a em regiõ es m ais c e n tra is do B rasil. D e fato, po uco sabem os
sobre as d im en sõ es das p ro p rie d a d e s cafeeiras b a ia n a s no sécu lo XIX. O silên cio das
fontes a esse resp eito su g ere q u e a c u ltu r a d o café tam b ém era feita em escala fam i­
liar, o q u e e x p lic a ria a p e q u e n a e n v e rg a d u ra d a p ro d u çã o e o silê n c io sobre a questão
d a m ão -d e-o b ra.
F u m o , café e cacau era m p o is p la n ta d o s e m u n id a d e s fam iliare s, de pequen as
d im en sõ es, q u e só s a z o n a lm e n te d e m a n d a v a m u m a m ã o -d e -o b ra co m p lem en tar. Esta
era fa cilm e n te re c ru ta d a , p o is, nas reg iõ es lo n g ín q u a s d a P ro v ín cia, u m a população
flu tu a n te , liv re e n ão p r o p rie tá ria de terras fo rm av a a v a sta c ateg o ria dos ‘agregados
ru rais1 o u ‘m o rad o res1. E ram fa m ília s in te ira s q u e p assav am de u m a p ro p ried ad e para
o u tra, o ferecen d o seus serviço s p o r tem p o g e ra lm e n te in d e te rm in a d o , em troca de um
teto e de u m p ed aço de te rra q u e lh es g a ra n tiss e a su b sistê n c ia. Em con dições ótim as,
esses tra b alh ad o re s a g ríc o la s c o n se g u ia m a té p ro d u z ir a lg u n s exceden tes e vendê-los
nos m ercad o s lo cais. A lg u n s, b afejad o s p ela so rte, após a lg u n s anos de ocupação efe­
tiva to rn av am -se p ro p rie tá rio s de terras d e v o lu ta s, e m regiõ es em q u e não existiam
escritu ras. A fig u ra do ‘posseiro* é tão a n tig a co m o a do ‘m orador* e do ‘agregado
rural*. A p esar de a L ei d e T e rra s d e 18 5 0 n ã o reco n h ecer q u e o desbravam ento ou a
sim p les posse gerassem d ire ito s d e fin itiv o s, essas — e não a co m p ra, com o d eterm in a­
va a le i — foram as fo rm as m ais co m u n s de fo rm ação das p ro p ried ad es rurais no
B ra sil/ Por o u tro lad o , a fra g ilid a d e d a red e u rb an a, as po ucas o p o rtu n id ad es que
ofereciam os v ilarejo s d issem in ad o s p o r u m vasto te rritó rio e a falta de transportes
fixavam essa p o p u lação no cam p o . Só g ran d es catástro fes, com o secas prolongadas ou
chuvas d ilu v ian as, co n seg u iam e m p u rrá -la p ara o lito ra l. C o m o já observei, porém , no
século XIX esses d eslo cam en to s foram raros e de cu rta d u ração : passada a crise, os
flagelados voltavam para casa/ As ativ id ad es agríco las q u e se desenvolviam no in te­
rior da P ro víncia d isp u n h am po rtan to de m ão -d e-o b ra su ficien te. A liás, os poderes
públicos da época cogitavam dc d eslo cá-la para o lito ral, para q ue trabalhasse na
produção do açúcar, o que sugere q ue era até ab u n d an te/ '
S eria a situação no R ecôncavo m u lto diferente? Em 1872, suas duas sub-regiões
(Recôncavo e Recôncavo Su l) tin h am um a população de 3 8 5 .5 9 9 habitantes. Cerca
de 15% da população m ascu lin a e 13,5% da fem in in a eram escravos. Sendo m ajori­
tária, a população livre podia scr ú til aos produtores de açúcar com carência de escra­
vos, mas esta é um a afirm ação puram ente teórica, pois faltam dados sobre como a
população dessas duas sub-regiões se d istrib u ía, seja no tocante à cor, seja à idade.
^n ~RO ^ - O D in h eir o w s B a ia n o s 529

Em c o n tra p a rtid a , há dados sobre a idade e a cor da p opulação do co n jun to da


P ro vín cia A d m itin d o a h ip ó tese, m u ito plausível, de que eles rellitam tam bém a
situ açao d o K econcavo. co n clu o q u e a população m ascu lin a econ om icam ente ativa
(dc o n ze a sessen ta anos) tia P ro vín cia cra com posta em m édia por cerca de 6 5 % da
p o p u lação m a sc u lin a livre e 6 9 % da po pu lação m ascu lin a escrava; a fem in in a reunia
6 4 .5 % das m u lh eres livres e 7 0 % das escravas. Por o u tro lado, negros e m ulatos —
su p o stam en te p erten cen tes as cam ad as m enos favorecidas — representavam 71% da
p o p u lação livre m ascu lin a e 7 4 % da fem in in a nessas regiões próxim as de Salvador.
A liis . tom ad os iso la d a m e n te , h o m en s e m ulheres negros particip avam com o m esm o
p ercen tu al (cerca de 2 3 % ) na p o p u lação livre do R ecôncavo. H avia então um a reser­
v a d e m ã o -d e-o b ra q u e não era u tiliz a d a nas ativ id ad es açucareiras.
E sta a n álise , a p a ren te m e n te im p recisa, é am p lam en te corroborada pela docum en­
tação q u a lita tiv a d a ép o ca. Em 1 8 5 7 , o p resid en te d a P ro víncia, Jo ão V ieira Líns
C a n san ção d e S in im b u , d eclarav a à A ssem b léia P ro vin cial: "N inguém ignora que nas
p lan taçõ es a çu careira s e em suas p ro xim id ad es existem in d iv íd u o s ou fam ílias pobres
que, nao p o ssu in d o terras, n elas h a b ita m g ra tu ita m e n te ou pagam um alu gu el insig­
n ifican te , seg u n d o a b o a v o n tad e do p ro p rie tá rio .” A crescenrava q ue essas fam ílias,
m esm o q u a n d o , p o r acaso , p ro p rietárias de um p eq u en o terreno, se v iam m uitas vezes
o b rigad as a v en d ê-lo s a senho res de en gen h o m ais poderosos, parrindo depo is/ Em
1 8 7 0 , o u tro p resid en te d a P ro v ín cia, o Barão de São Lourenço, retom ava a m esm a
cantilena.** E xistia, p o rtan to , m ão -d e-o b ra p o ten cial. Por q ue não era utilizada?
A in d a q u e não en tre em d etalh es, a resposta deve ser m atizada, um a vez que não
se deve p erd er de v ista nem a a titu d e dos senhores de engenh o, nem a dos trabalhado­
res agríco las. P ara os p rim eiro s, em p reg ar m ão-de-ob ra livre significava pagar diárias.
N a p rátic a da ép o ca, u m a d iá ria envolvia, além de u m a som a em d in h eiro , a m an u ten ­
ção a lim e n ta r do trab alh ad o r, o q ue au m en tava con sideravelm en te o ônus do contra­
tan te, so b retu do em perío dos em q u e a co m ercialização da produção era incerta. A
solução teria sido o arren d am en to a m eias, sobretudo q u an d o se sabe que as plantações
tom avam m enos de 10% das terras cu ltivaveis. Essas terras, porém , constituíam reser­
vas: q u an d o a p ro d u tiv id ad e da terra cu ltiv ad a d im in u ía, era preciso deslocar o cultivo
para outras terras, até então nao u tilizad as. Por outro lado, a idéia de ver sua plantação
rodeada por u m nó m cro m ais ou m enos gran d e de pequenos produtores não agradava
aos senhores de en gen h o , q ue tem iam a concorrência. Q uando se com eçou a discutir
a intro d ução de im igran tes europeus na B ahia, esse tem or ficou patente. Em 1884, o
Barão de São T iag o , rico proprietário do vale do Iguapc, declarava: A cessão gratuita,
ou cm m ódicas condições, de terrenos incultos a im igrantes não pode ser feira pelos
agricultores desta Província. Estes não possuem terrenos incultos. A zona beira-m ar, a
m elhor c bastante extensa, em que sc acham estabelecidos canaviais e outras proprie­
dades agrícolas, com põc-sc de terrenos todos aproveitados.”tJ Havia, portanto, recusa
cm ad m itir a existência de terras não cultivadas e rejeição aos im igrantes; mas, sobre­
tudo, havia recusa em partilhar a atividade agrícola com descendentes de escravos, sob
B a h ia , S é c u l o X I X
530

o pretexto de que eram incapazes e, com o tem po, poderiam tornar-se exigentes, A
produção só podia ser concebida num a relação de trabalho de tipo escravista, o que já
não era viável.
A aversão do baiano ao trabalho agríco la, sobretudo na can a-d e-açú car, está m uito
ligada a esse tipo de relação. A ssalariado ou m eeiro, o ag ricu lto r, à força de trabalhar
lado a lado com escravos, sen tia-se recon duzido à escravidão. P referia viver na m iséria
que se subm eter a um p ro p rietário de m e n ta lid ad e escravista. Após a A bolição, m uitos
escravos co n tin u aram a trab alh ar com seus ex-senhores, m as n u m novo regim e: traba­
lhavam quatro dias da sem an a p ara os patrões e três dias p ara si m esm os, quebrando
um ritm o de trabalho antes co n sid erad o in d isp en sável no cu ltiv o d a cana-de-açúcar.
, Para pagá-los com o trabalh ado res agríco las, os an tigo s senhores só p o d iam contratar
1/3 ou até 1/4 dos seus cx-escravos.
N ão se sabe q u al era o salário dos trab alh ad o res agríco las. A ntes d a A bolição,
porém , nenhum senhor de en gen h o parece ter p raticad o a co n tratação de m ão-de-obra
assalariada. A m an u ten ção de relações de trab alh o dc caráter escravista foi sem dúvida
responsável por p arte dos p ro b lem as en fren tad o s p ela a tiv id a d e açu careira a partir de
m eados do século X IX , N o c o n ju n to d a P ro v ín cia, trab alh o liv re e escravo coexistiam
nas zonas ru rais. M as no R ecôn cavo p red o m in av am relações d e tip o escravista, en­
quan to na eco n o m ia p o uco m o n etizad a do S ertão as relações eram diferen tes, ainda
que em gran de p arte d itad as pelos chefes lo cais. S e ja com o for, a gen te das zonas rurais
v ivia m elho r q u e a das cid ad es. Q u ase sem p re p o d ia p ro d u z ir seu p ró p rio alim en to e,
d ian te de flagelos o casio n ais, p o d ia fu g ir. O v erd ad eiro S ertão , m u ito pouco povoado,
tin h a terra d isp o n ível e, nas regiões m ais p ró xim as do lito ra l, u m p ed acin h o de terra
já g aran tia m an d io ca e a lg u m a b an an a p ara o su sten to d a fa m ília.

A D upla E st r u t u r a d o T rabalh o U r b a n o :
M ã o - de- O bra L iv r e , M â o - d e - O b r a E sc r a v a '

Em Salvador, a situ ação p arecia à p rim eira vista d iferen te d a do A greste ou m esm o do
Recôncavo. Q u e m ercado de trab alh o a cap ital oferecia a seus h abitantes? A questão
raram ente aparece nas fontes d a época, pois se tratava de um m ercado não produtivo,
na m edida em que a in d ú stria era in cip ien te e a econ om ia da região era em inen tem en­
te agrícola. M as, se a produção in d u strial era m ín im a, a construção civil pública e
privada — freqüentem ente esqu ecida — teve na S alvad o r do século XIX considerável
expansão. Por outro lado, sede de intensa ativ id ad e com ercia! — im portação, expor­
tação e red istrib uição regional de m ercadorias — e centro ad m in istrativo da Província,
a cidade tinha m uitos e apreciáveis em pregos a oferecer.
A estrutura e os m ecanism os desse m ercado de trabalho interessam por diversas
razões. Com o na zona rural, mas de m odo m uito m ais acen tuado -— e este é um ponto
essencial , havia na cidade dois m ercados de trabalho: um para brancos, m ulatos e
L i v r o V II - O D i n h e i r o dos B a ia n o s
531

negros ivres, e o u tro exclusivo para escravos. Essa coexistência gerava problem as tanto
^fe oferta com o dc d em an d a dc rnao^de-otara
À p rim eira vista, a oferta de m ão-de-obra em Salvador era sem elhante à de um
m ercado em que nao houvesse trabalho escravo: hom ens livres e escravos ofereciam
igu alm en te sua força de trab alh o , in d iv id u al ou coletiva, negociavam contratos e
eram rem u n erad o s da m esm a m aneira. Q uase sem pre eram contratos verbais, pois,
com o verem os, só se en co n tram atos registrados em cartórios ou outros órgãos com ­
petentes q u an d o estavam envolvidos trab alh o s de vulto ou contratações de serviços
por longos p erío d o s. H av ia, no en tan to , u m a diferen ça fu n d am en tal entre o trabalho
dos hom ens livres e o trab alh o dos escravos: estes eram obrigados a repassar, a seus
donos, parte su b sta n cial de seus ganh os.
N a re a lid a d e , as coisas não eram sim p les, com o se pode visu alizar a partir de
alguns casos rep resen tativo s. Em caso de co n co rrên cia en tre um grupo de trabalhado­
res livres e um sen h o r q ue alu g av a escravos, este não tin h a d ificu ld ad es para se enten­
der d ire tam e n te com o em p reg ad o r (co n ven to , h o sp ital, ad m in istração p ú b lica ou um
sim ples p a rtic u la r), co n seg u in d o o trab alh o para seus hom ens, em detrim ento de
trab alh ad o res livres iso lad o s ou recém -alfo rriad o s. T an to m ais que, no caso de traba­
lho de certa en v erg a d u ra , o sen h o r de escravos p o d ia atu ar tam bém com o m estre-de-
obras, m e stre-p ed reiro , m estre-m arcen eiro etc.
, Por o u tro lad o , os escravos — e, por extensão, os alforriados — eram proibidos de
exercer alg u m as fu n çõ es a d m in istra tiv a s ou p ú b licas, m esm o as m ais h u m ildes, como
as de so ld ad o ou p o lic ia l (essa in terd ição foi desresp eitad a nas guerras da In d ep en d a
da B ah ia e do P a ra g u a i, m as nesses casos o serviço m ilita r assegurava a alforria). Em
certos p erío d o s, por força d a co n ju n tu ra , o exercício de algun s ofícios era tam bém
p ro ib id o à m ão -d e-o b ra escrava. Em 1 8 5 0 , por exem plo, escravos e estrangeiros foram
proibidos de trip u la r saveiros, usados na navegação de cabotagem . Para in viab ilizar sua
co n tratação , as au to rid ad es p ro vin ciais im p u seram u m a taxa de 1 0 0 .0 0 0 réis anuais
por escravo em b arcad o , o q ue representava p arcela sub stancial do aluguel dos serviços
do escravo (cerca de 3 6 0 .0 0 0 réis por ano) e pelo m enos 10% do seu preço. Em 1861,
os estivadores do porto de Salvad o r protestaram ju n to ao presidente da Província
contra o ingresso de um núm ero crescente de escravos na ativ id ad e, o que considera­
vam p reju d icial aos trab alh o s portuários. De fato, isso estava proibido desde 1850,
mas as perturbações ocasionadas pelo cólera-m orbo tinh am provocado um relaxam en­
to no cu m p rim en to d a norm a, "de tal m odo que os cidadãos pais de fam ília se viam
sem em prego, q u an d o os senhores poderiam igu alm en te u tilizar seus escravos que
aliás não têm f a m ília — com o dom ésticos ou gan h ado res’ em terra firm e", declara­
vam os requeren tes, que foram aten d id o s.10 No m esm o espírito, os poderes locais
d ecid iram , em 1848, não m ais u tilizar escravos nas construções públicas, ficando o
setor, a partir de então, in teiram en te reservado aos trabalhadores livres.11
Esses exem plos m o s tr a m a com plexidade do problem a. Refletem tam bém a luta
surda que sc cravou ao longo dc todo o século entre os trabalhadores livres e os
532 B a h ia , S é c u l o XIX

pro p rietário s de escravos. A an álise dos in v en tário s post mortem m ostra que, até por
volta de 1870, h avia p ro p rietário s de escravos em todas as catego rias da sociedade.
M u ito s ho m ens Üvres e alfo rriad o s v iv iam do a lu g u e l de escravos. O ra, o m ercado de
trabalh o era lim itad o . As m o d ificaçõ es foram len tas. S eria necessário m u ltip licar as
pesquisas, fazendo cortes cro n o ló gico s — antes e depois de 1 8 5 0 , por exem plo — para
ten tar ap reen d ê-las. S eria ú til sab er a p a rtir de q u an d o o trab alh o livre se tornou um
im p erativo para a so cied ad e b a ian a, o u , o q u e d á no m esm o, a p artir de q uand o o
trabalh o escravo d eixo u de ser ren táv el, passan d o a ser g rad ativ am en te su b stitu íd o , de
tal m odo que, em 1 8 8 8 , a A b o lição veio ap en as co n firm ar u m m o vim en to iniciado
várias décadas a n te s .12
T rab alh o liv re e trab alh o escravo ap resen tav am traços co m u n s, m as cada um tin h a
suas características p ró p rias. São essas sem elh an ças e diferen ças q u e m e perm itirão
m elh o r ex p licar o q u e era o m ercad o de trab alh o n a cid ad e de Salvador.

A O f e r t a df. E m p r e g o

C o n tin u em o s a d m itin d o q ue o m ercad o de trab alh o de S alv ad o r funcio nava como


q u alq u er o u tro . Q u e em pregos eram nele oferecidos? O setor in d u stria l, reduzido a
um as poucas m an u fatu ras têxteis e p eq u en as in d ú strias de transform ação, nao podia
absorver m uitos assalariad o s. Em 1 8 7 5 - 1 8 7 6 , os em pregado s das m anufaturas têxteis
não passavam de 4 7 8 p essoas.13 N ão tem os inform ações sobre o núm ero de em prega­
dos desse setor no perío do p o sterio r, até 1 8 8 7 , q u an d o várias m an u fatu ras se fu nd i­
ram , m as não chegavam a q u in h en to s.
Salvado r tin h a tam b ém m an u fatu ras de fum o (que preparavam rapé, cigarros e
charutos) e fábricas de calçados, biscoitos e m óveis. T in h a ain d a pequenas fundições
de ferro e bronze, d esrilarias de álco o l e lugares p ara a produção de óleo, serrarias e
oficinas que esm altavam ferro. A lém de pregos, anzóis, velas, fósforos e açúcar, fabri­
cavam -se sabões, chocolates, cerveja, m assas e até roupas, inclusive lu v as.14 Não temos,
porém , inform ação sobre o núm ero de operários engajados nessas atividades. Prova­
velm ente esse gênero de in d ú stria de transform ação proliferou e evoluiu com o au­
m ento da população da cidade e de suas necessidades, sobretudo a partir da segunda
m etade do século XIX. O A lm anaque de 1860 relaciona 98 estabelecim entos desse
gênero. A d m itindo que cada um em pregasse em m édia vinte operários, chegamos a
um total de 1.920 pessoas em pregadas. A esse núm ero é preciso acrescentar alguns
m ilhares que trabalhavam no preparo do fumo. Nesse setor, não há registro do nume­
ro de estabelecim entos ou de em pregados.15 Seja como for, é evidente que essas ativi­
dades de tipo industrial ofereciam cm seu conjunto escassas possibilidades de empre­
go. As alternativas abertas à massa de trabalhadores eram as empresas de construção
civil e naval, além das atividades do setor terciário, em expansão num a cidade que
necessitava de um núm ero crescente de serviços para funcionar.
L i v r o VII - O D i n h e i r o n o s B a ia n o s
533

N os setores p u b lico e privado, a construção civil oferecia bom núm ero de em pre­
gos aos h ab itan tes de Salvado r, sobretudo na segunda m etade do século XIX, quando
a m u n ic ip a lid a d e em p reen d eu m uitas obras. O governo da Província era tam bém um
em p regad o r co n sid e rá v e l.1" M as. a ju lg a r pelas reclam ações constantes da população,
as ofertas de em p rego na con stru ção civil não correspondiam à dem anda, que partia
sobretudo da p o p u lação livre d a cid ad e. Esta enfrentava a concorrência constante da
m ão -d e-o b ra escrava, am p arad a por seus proprietários, que m uitas vezes estavam à
frente de p eq u en as em presas ligad as à construção. Sob a rubrica ‘Artes e ofícios’, o
A lm a n a q u e de 1860 d á u m a lista de m estres artesãos em ativid ad e em Salvador: seis
carp in teiro s, q u atro en talh ad o res de m ad eira, sete entalhadores de pedra, 29 m arce­
neiros, cin co p ed reiro s e dezessete pin tores. So m ariam 68 m estres artesãos, m as pro­
v avelm en te só estão m en cio n ad o s os m ais im p o rtan tes. N ão há registro do núm ero de
escravos q u e c ad a u m tin h a a seu serviço, m as, recorrendo novam ente aos inventários
post m ortem , vejo q u e seria algo en tre cin co c dez. A ssim , no con jun to dos ofícios
ligados à co n stru ção , os m estres artesãos citad o s no A lm ana que disporiam de um a
m ão -d e-o b ra cativ a de 3 4 0 a 6 8 0 escravos artesãos. Esse n ú m ero , em bora m odesto, era
su ficien te p ara afetar a d e m a n d a de em pregos no setor. Q u an to ao A rsenal da M ari­
nh a, q ue até a d écad a de 1 8 3 0 em p regav a cerca de tre-zentos artesãos livres, parece ter
reduzido aos p o uco s su a a tiv id a d e , pois em 1860 tin h a apenas onze mestres contra­
tados; nao se sabe q u an to s sim p les artesãos ain d a em p reg av a.17 A decadência dessa
in d ú stria d e co n stru ção n aval, o u tro ra co n sid erável, fez secar u m a boa fonte de em pre­
gos, tan to m ais q ue n ela só trab alh av am artesãos livres.
N ão é possível precisar, p o rtan to , quantos operários trabalhavam na construção civil
e naval no século XIX. M as o exam e das listas eleitorais — docum entos privilegiados,
pois trazem a profissão dos votantes — in dica que cerca de 2/5 dos artesãos da cidade,
distrib uído s por todas as paróquias, exerciam ofícios ligados a essas atividades. Tive
acesso a listas de nove paróquias, entre 1848 e 1862, nas quais aparecem 2 .5 9 7 artesãos
ligados à construção (carpinteiros, m arceneiros, pintores, operários de terraplenagem ,
pedreiros e escultores em m adeira ou em pedra), assim distribuídos: 4 2,7% na Sé, 46,5%
na C onceição da Praia, 6 3 ,1 % na Penha, 4 4 ,8 % no Pilar, 4 1 ,0 % em São Pedro, 41,5%
em Santo A ntônio, 5 0 ,3 % em V itória, 4 9 ,0 % em S an fA n n a e 34,5% em Brotas. Com o
a aprendizagem desses ofícios não era regulam entada, o operário se formava trabalhando
com um m estre, com o aprendiz. Em últim a análise, o que distinguia o mestre do
operário eram os anos de experiência, o dinheiro que teria podido am ealhar para se
estabelecer e, sobretudo, o consenso popular, que não hesitava em cham ar de mestre o
artesão verdadeiram ente com petente, mesmo que ainda fosse escravo.18
A lém dos casos não e s p e c i f i c a d o s , havia os ofícios artesanais praticados por m e­
nos de vinte pessoas: relojoeiro, serrador de m adeira, fabricante de mastros, tornei­
ro, tam anqueiro, caldeireiro , polidor de m adeira ou de m etal, fabricante de colchões,
gravador em m etal, ferrador, fabricante de baús, seleiro, cordoeiro, encaderna­
dor, enfiador, chapeleiro, lapidário, pirotécnico, padeiro, bordador, fabricante de
^>4 B a h ia , S é c l t o XIX

arm as, fab rican te de p a ssa m an aria , cin z e lad o r, tecelão , d o u ra d o r, san te iro , carvo eiro ,
ch o co lateiro , fab rican te de iscas e v io leiro .
Q u an to s artesãos h avia em S alv ad o r em m ead o s do sécu lo XIX? M a is u m a vez as
listas eleito rais são de a lg u m a u tilid a d e , pois rev elam o rd en s de gran d eza. C o m o
vim os, en tre as 6 .9 2 9 pessoas recen seadas nas listas q u e c o n su lte i, 2 .5 9 7 eram artesãos,
o q u e co rresp o n d e a 3 7 ,4 % do c o n ju n to dos v o tan tes das nove p a ró q u ias acim a
citad as. Em sua m aio ria esses artesão s e x erciam os o fício s de a lfaia te, c arp in te iro ,
sapateiro, pedreiro e m arcen eiro ; os m enos representados eram os b au leiro s e cordoeiros.
S eriam esses ofícios exercidos tam b ém p o r u m n ú m ero sig n ific a tiv o de escravos? Os
in v en tário s post m ortem arro lam m u ito s escravos artesão s, m as raros esp ecificam seus
ofícios. E ntre os q u e o fazem , os m ais fre q ü e n te m e n te citad o s são os m esm os que
p areciam c o n cen trar m a io r n ú m ero de artesão s liv res. P o r o u tro lad o , os escravos
n u n ca eram o u riv es, co lch o eiro s, fab rican tes de m astro s ou relo jo eiro s — ofícios
prestigiosos — , m as eram num erosos em ativ id ad es m ais h u m ild es, com o as de toneleiro,
cald eireiro , serrado r de m ad eira e calafate. S eja co m o for, nos ofícios m ais usu ais a
co n co rrên cia en tre livres e cativ o s era a cirrad a .
R esta o setor terciário . N u m a c id ad e tão im p o rta n te d o po n to de v ista a d m in istra ­
tivo com o S alv ad o r, os em p rego s ligad o s à fu n ção p ú b lic a e aos cargo s a d m in istrativ o s
privados m u ltip lic ara m -se ao lo n go do p erío d o . S e g u n d o V ilh e n a , p o r v o lta de 1800
a b u ro cracia go vern am en tal na C a p ita n ia era co m p o sta por m eno s de q u in h en tas
pessoas, in c lu in d o o ficiais m ilitares (1 8 0 ), fu n cio n ário s do T rib u n a l d a R elação (81 ),
funcionários de repartições fazen d árias, ju d ic ia is e a d m in istra tiv a s (1 2 3 ) e eclesiás­
ticos (6 6 ). Em listas eleito rais d esco n tín u a s, ap arecem 9 3 9 pessoas q u e recebiam salá­
rios do Estado. O A lm a n a qu e de 1 86 2 a p o n to u 7 5 3 servidores do governo, excetu an ­
do desse cálculo os oficiais (1 8 6 ‘ho m ens de le f , 4 9 4 fu n cio n ário s e 6 3 eclesiásticos).
N ote-se ain d a que, segundo Jo sé F rancisco S ilv a L im a, em 1841 os funcionários
representavam 1/20 do nú m ero existen te em 1 9 0 6 .19
Para ingressar na ad m in istração , po rém , era preciso ter um m ín im o de instrução e
sobretudo ser livre, o que deixava de lad o im p o rtan te parcela d a população. Para esta,
restavam os diversos tipos de com ércio am b u lan te ou outros trabalhos de rua (tran s­
porte, estiva ctc.) que dem andavam sobretudo força física. M as essas atividades -—
como tam bém os em pregos públicos — não podiam ser exercidas por um núm ero
indefinido de pessoas. f preciso ter cm m ente, aliás, que, num a sociedade escravocrata,
a dem anda dc em pregos tende a ser m aior que a o lerta, sobretudo quando é fácil
aum entar o num ero dc escravos, corno ocorreu até 1850. E lícito m esm o perguntar se
certos produtores agrícolas, dian te das dificuldades ligadas à cultura da cana-de-açúcar,
não teriam levado alguns dc seus escravos especializados para trabalhar em Salvador.
Seria, para o proprietário, um a lorm a dc tornar rentáveis as capacidades de sua mão-
de-obra cativa, N a ausência de um verdadeiro setor secundário capaz de m ultip licar as
possibilidades de em prego c dian te dc um setor terciário de dinam ism o bastante
relativo, toda pessoa cm busca dc trabalho via-se num a situação difícil.
L p /r o V U - O D in h e ir o d o s B a ia n o s
$35

O M e r c a d o de T rabalh o p a r a H o m e n s L iv res

A ^ c o m p u n W dc brancos, m u l«o s = negros. O s prim eiros eram


d escen d en tes d e p o rtu g u eses ch egado s ao B rasil m ais ou m enos recentem ente, ou, em
p eq u en o n u m e ro , de eu ro p eu s de o u tras n acio n alid ad es (espanhóis, italiano s, france­
ses, ingleses e alem aes). A lg u n s v in h am de outras provín cias ou do interio r da B ahia.
H at ia tam b em os ch am ad o s branco s d a te rra ’, m estiços de pele m ais ou menos clara
q u e, graças à su a d ilig ê n c ia ou ao p atro cín io de pessoas influen tes, conseguiam trans­
por a lin h a de d em a rcação ra c ia l e, por co n seq üên cia, tam bém a social.
A m en o s q u e estivessem m erg u lh ad o s em co m p leta m iséria física, m oral e espiri­
tu al, os b ran co s se b en e fic ia v a m das m elho res o p o rtu n id ad es. Eram em geral os mais
in stru íd o s, e, d esd e q u e fossem b rasileiro s, tin h am fácil acesso às funções públicas.
N ão e n c o n tra v a m m aio res p ro b lem as p ara se em p regar com o contadores, caixeiros
ou v en d ed o res n o seto r dos n eg ó cio s e do co m ércio , nos bancos, nas com panhias ou
nas in s titu iç õ e s de c a rid a d e . M as os branco s q ue trab alh avam com o artesãos eram
tam b ém n u m ero so s. P ed reiro s, c arp in te iro s, p in to res, en talh ad o res de pedra, estofa­
dores, fu n ile iro s, serralh eiro s etc. — era en tre eles q u e, o m ais das vezes, se recruta­
vam c o n tram e stre s e a d m in istra d o re s. Em geral, estava tam b ém restrito aos brancos o
ex ercício d e certo s o fício s rep u tad o s ‘n o b res’ e p restigio so s, com o os de joalheiro e
relo jo eiro . M a s era nas file ira s dos p ro p rietário s (term o que ab ran gia tanto grandes
p ro p rietário s im o b iliá rio s, m u itas vezes ex-co m ercian tes aposentados, com o senhores
de e n g e n h o ), d o s g ran d es n eg o cian tes, dos pro fissio n ais lib erais, dos altos funcioná­
rios e dos m ilita re s de a lta p a te n te q u e se co n cen trava a m aio ria dos brancos, ‘puros’
ou d a ‘te rra ’ .
Q u an to às m u lh e re s, as d a b u rg u esia em geral nao trabalh avam . H avia umas
po ucas, c o n tu d o , q u e d iv id ia m resp o n sab ilid ad es com os m aridos no setor com ercial
ou assu m iam a d ireção de u m a ativ id ad e agríco la, com o um a plantação de cana-de-
açú car. M as era e sp ecialm en te a viuvez, so m ada à falta ou à po uca id ad e de descenden­
tes m ascu lin o s, q u e levava a m u lh e r a to m ar a frente de um em preen dim ento com er
ciai ou ag ríco la. Q u an to ao g rau de au to n o m ia com que exerciam essas funções, é
possível e n co n trar todas as gradaçõ es: d a gerên cia pessoal à contratação de gerente,
passando e v id en tem en te p ela assessoria de um conselheiro, parente ou com padre,
m uitas vezes tam bém tu to r dos filhos m enores. M u lh eres brancas trabalhavam ainda
com o professoras p rim árias — a p artir de 1830 — , com o diretoras de asilos ou abrigos
c com o en ferm eiras de hospitais ou casas de caridade. Eram poucas, mas seja como or
o exercício dessas ativid ad es em p u rro u m ulheres brancas para fora do dom ínio priva­
do, exclusivam en te fa m iliar, pondo-as cm contato com o conjunto da sociedade. A
im agem de u m a m u lh er reclusa, exclusivam ente dedicada aos afazeres dom ésticos,
em bora correspondesse à m aio ria, deve portanto ser nuançada A lias, antes que o
século XIX chegasse ao fim já havia m ulheres form adas em m edicina, fato notável
dadas as características gerais da sociedade baiana.
B a h ia . S ícvío XIX

M as as m ulheres q ue p erm an eciam no lar eram sem d ú v id a m aio ria. N as classes


m édias. q u an d o era preciso e q u ilib ra r o o rçam en to fa m iliar, não eram raras as q ue se
dedicavam a trabalh os de bo rdado ou co stu ra, ou ao preparo de petiscos — sobretudo
doces — . vendidos depo is nas ruas por escravas 'g a n lu d c ir a s '. N egras c m u latas livres,
além de fazerem tam bém esses trab alh o s artesan ais, p o diam ser lav ad eiras, passadeiras
c e n g o m adeiras. M as. com exceção das professoras p rim árias, direto ras de ho spitais ou
casas dc carid ad e c en ferm eiras, q u e receb iam por m ês, no caso dessas m u lheres não se
pode falar dc v erd ad eiro trab alh o assalariad o .
Sabe-se pouco sobre as relações e n tre assalariad o s c em p regado res O s em pregados
do com ércio gozavam de u m a situ ação a p aren tem en te in vejável, pois, além de salário,
tinh am casa e co m id a por co n ta do p atrão . N ad a p erm ite afirm ar, co n tu d o , q u e essa
prática — certam en te co m u m e n tre co m ercian tes e co m erciário s portugueses — sc
estendia ao co n ju n to d a categ o ria . E provável q u e só prevalecesse q u an d o o caixeiro
era estrangeiro e so lteiro , cessando q u an d o c o n stitu ía fa m ília. A liás, m o rar com o
patrão, se era eco n o m icam en te v an tajo so , tin h a seus in co n v en ien tes, com o o dc viver
sob sua p erm an en te v ig ilâ n c ia . Foi a tal destin o q u e não pôde escap ar, por exem plo,
o pobre B arth o lo m eo P odestá, ch ap eleiro ita lia n o , o b rig ad o a p restar seus bons servi­
ços ao c o m p atrio ta A n gelo P o ggio , po r um perío do dc cin co anos, à razão de 4 0 0 .0 0 0
réis por an o , a fim de p agar os 2 :0 0 0 dc reis q ue este ú ltim o lhe em p restara na Europa
para socorré-Io e a ju d á-lo a a lim e n ta r sua fa m ília, q u e ain d a resid ia na I tá lia .'0
Entre os trab alh ad o res livres co n tav am -sc tam bém negros e m u latos, nascidos
livres ou alforriados. O s p rim eiro s tin h am os m esm os d ireito s q u e os brancos, ao passo
que os alforriados não gozavam de plena c id ad a n ia : não p o d iam , por exem plo, exercer
funções públicas e não tin h am d ireito de voto. M as, livres ou alforriados, eram eles
que exerciam os ofícios m ais h u m ild es. A lguns — em núm ero m aior do que se supõe
— conseguiam galgar degraus e se faziam barbeiro s, alfaiates, com positores, professo­
res de m úsica ou dc lín g u as estrangeiras (sobretu do francês) c professores prim ários.
O u, quando nascidos livres, o b tin h am em pregos sub altern o s em algum órgão ad m i­
nistrativo. Era nesse grupo q u e sc recrutavam , para as obras públicas, os estivadores,
os m arinheiros, os pescadores, os lavradores e os operários, pois o governo os preferia
aos escravos. Um docum ento recom endava exp licitam en te, aos contram cstrcs de obras
publicas, que despedissem um cativo sem pre que aparecesse um operário livre para
tomar seu lu g a r / 1
Em meados do século XJX, esses trabalhadores livres representavam , provavel­
mente, mais dc 50% da população votante. A resistência desse grupo a exercer ofícios
que os pusessem cm pé dc igualdade com os escravos provocava por vezes a indignação
das autoridades. Assim, no relatório de um dos mem bros da direção das Obras Públi­
cas do governo provincial, escrito cm I « 4 9 , lfi-sc: “Na llab ia, que possui uma popu­
lação numerosa, é no entanto difícil encontrar operários livres. Em geral nos falram;
tenho diante dc m im , Senhores, mais dc sessenta candidatos para cargos de mestre-de-
obra ou de apontador, mas trabalhar, ninguém quer. Há um a repugnância ao trabalho
L rv R o V i l - o D in h e ir o d o s B a ia n o s
537

e este é u m exem p lo ev id en te d i m m . ; , , - ■
trab alh o h o n esto q u e lhes d a ria o pio c o n d i ^ ^ V1VCm’ pre[erin d ° a oci« id a d e ao
i 1 d ian o para suas fam ílias e os prepararia para
s e . t o r n a i m es.res-d e-o h ras;o ll . p o n c W Q u an t0 . m im , prefir0
obras esco lh id o e n tre os m elho res tra h .lh a d o .e s a um hom em que nao conhece seu
o o e nJO e L jPaz’ Por 1SS° m esm o, de co m an d ar os outros operários ”22
N as listas e le ito ra is ap arecem 6 .9 2 9 profissionais assim discrim in ado s: 281 pro­
p rietário s, 1 .2 4 4 c o m ercia n tes, 201 em pregado s no com ércio, 2 2 7 profissionais libe­
rais, 1 86 p ro fissio n ais in d e p e n d e n te s’, 4 4 em pregados privados, 7 6 hom ens da Igreja,
189 'h o m en s d a le i’, 5 2 7 fu n cio n á rio s, 143 m ilitares, 2 .5 9 7 artesãos, 881 m arinheiros!
195 a g ric u lto re s e 138 p ro fissio n ais não especificados. É evidente que a população
livre, q u a n d o não c o n se g u ia o b ter u m a sin ecu ra ou u m bom ganho no exercício de um
ofício, p refe ria d e d ic a r-se aos p eq u en o s exp ed ien tes do com ércio am b u lan te, livrando-
se das p esad as im p o siçõ es de h o rário e de carga de trab alh o dos em pregos oferecidos
na c o n stru ção . As m u lh eres m u lata s e negras tam b ém preferiam esse tipo de trabalho
e v in h a m en g ro ssar o n ú m ero dos v en dedo res am b u lan tes que an im avam com seus
grito s as ru as estreitas d a c id ad e.
M as e ra ju s ta m e n te nessas ativ id ad es ligad as ao pequen o com ércio que os traba­
lhad ores livres e n c o n tra v a m a a cirra d a co n co rrên cia dos escravos, que, gradativam ente
excluíd o s do e x ercício de certas a tiv id ad es, pro curavam nas ruas um espaço de traba­
lho. A d em ais, os escravo s, m o vid o s pelo desejo de co m p rar a própria liberdade, não
recusavam n e n h u m tra b alh o , p o r d u ro q ue fosse, q ue lhes perm itisse am ealhar algum
d in h e iro , to rn a n d o m ais p ró x im a a realização do sonho. Sem dúvida, eram , porém , os
livres q u e tin h a m p o ssib ilid a d e s d e em pregos estáveis e lucrativo s, e não os escravos.

O s E sc r a v o s e o M e r c a d o de T rabalho

Por v o lta de 1 8 7 0 , os escravos, hom ens e m ulheres, ain d a eram m uitos. O recensea­
m ento de 1 8 7 2 m o stra q ue 1 1,6% d a p o pulação de cid ad e estavam nessa situação, os
dois sexos se eq ü iv alen d o em núm ero . N a falta de dados precisos, supus que essa massa
tivesse as m esm as características presentes em toda a Província e adm iti que a idade
ativa se situava en tre dezesseis e sessenta anos, chegando então a estim ar que 2/3 desses
escravos eram co n stitu íd o s por gente em idade de trabalhar nas residências de seus
senhores ou, alu gad o s, para terceiros. Entre eles havia negros africanos, negros nasci­
dos no Brasil e m ulatos. Cirande parte devia trabalhar na casa dos senhores, pois a
consideração social fundava-se no núm ero de escravos que se tinha a seu dispor. Até
hom ens c m ulheres considerados pobres pela A ssem bléia Provincial possuíam alguns,
sendo isentos d a taxa dc 2 .0 0 0 réis, criada em 1835, que incidia sobre quaisquer
escravos de doze a sessenta anos que morassem no perím etro urbano.
M uitos trabalhavam no mercado da cidade, nos s e r v iç o ;i,m a i^ s £ .p ^ d ^ ç o m o _
dc carea ou lim peza. Até 1850, as m ulheres escravas eram em pregadas como rraba-
B a h ia , S é c u l o XIX

lhadoras braçais nos canteiros de obras de construções públicas ou privadas. Mas


havia tam bém , entre os escravos, num erosos artesãos. Deve-se lem brar que as exi­
gências profissionais eram menos rigorosas que hoje, o que perm itia m últiplas qua­
lificações: o barbeiro tocava flauta, o sapateiro era tam bém alfaiate, o pedreiro era
pintor etc. A dem ais, era o m ercado que ditava o uso do escravo: se ele exigia um a
m ão-de-obra q ualificad a, os talentos pessoais eram explorados; na situação contrá­
ria, um artesão podia ser transform ado em carregador. O que im portava era a ren­
tabilidade da m ão-de-obra cativa. A m aior qualificação do escravo representava maior
rentabilidade não só a curto com o a longo prazo: aum entava seu preço de venda e
até o de sua alforria, que podia superar o preço pelo q u al fora com prado, dando
um lucro suplem entar ao proprietário. C abe observar ain d a que a distinção entre os
escravos ‘de ganh o’, que com erciavam ou ofereciam seus serviços nas ruas, e os do­
m ésticos era tênue, poís os proprietários se serviam d eles.o u os alugavam segundo
as necessidades do m om ento. As m esm as pessoas podiam trabalh ar tanto na casa do
senhor como na rua.
Nos livros que com põem a série E scritu ra de escravos dos A rquivos M unicipais de
Salvador existem vários 'Atos de locação de serviços’, que podem ser divididos em dois
grupos. N o prim eiro, o locador era um proprietário que cedia escravos a um empre­
gador. No segundo, um escravo recém -alforriado alugava seu trabalho, por tempo
determ inado, a um senhor que lhe havia em prestado a som a necessária (ou parte dela)
para com prar a alforria. Nesses casos, enquanto não pagasse a dívida, o ex-escravo era
tratado como um ‘líb ertável’, e não um liberto, devendo estar pronto para executar
qualquer tipo de trabalho “que suas forças o tornem capaz”, caso nao encontrasse
ocupação em sua especialidade, se a tivesse,25
De fato, os escravos eram negociados em Salvador em dois n p os de mercado.
H avia o mercado de escravos propriam ente dito, a que recorriam os que queriam
braços a seu serviço por longo tem po ou os que desejavam especular com a compra e
revenda (por exemplo, conduzindo-os até as plantações de café do C entro-Sul do
' Brasil); para conter essa prática, os legisladores baianos im puseram taxas sobre a reven­
da de escravos fora da Província. Por outro lado, havia todo um mercado de locação
de serviços para os que desejavam m ão-de-obra servil por curtos períodos: um dia,
uma semana, um mes e até alguns anos. Q uando o prazo era curto, o contrato de
locação costumava ser verbal, mas, para períodos mais longos, lavravam-se em cartório
atos de que constavam o preço e a duração da locação, a qualidade dos serviços
previstos e as obrigações m útuas das partes. O locador quase sempre se comprometia
a dar ao escravo casa, com ida, roupas, e cuidados médicos. O escravo ficava obrigado
a trabalhar um número fixo de dias e a repor aqueles em que estivesse doente. Por
vezes esses documentos previam até compensações pecuniárias precisas para o caso de
uma eventual fuga, prisão ou morte do escravo, enquanto seus serviços estavam aluga­
dos. Em 2/5 dos contratos de locação que pude consultar, tratava-se de mão-de-obra
qualificada.24
dos B aian o s

H avia tam bcm contratos firm id ■


T ratava-se de reccm -liberrados, cuja a l f n ^ f° prÓpn° trabalhad°r e o empregador,
assim an tecip ad o criava para o ex-escravo u m ^ ^ ° dinheiro
num trabalh ado r dc tipo m uito csnr ‘ i- * ° n ®açao’ 9 ue ° transformava
pagam ento (teórico) de um salário m rasál Me 1 ^ 0 0 0 ° ’ 20*000 “ S1’aria<Í0' P° 'S °
de 2 0 .0 0 0 a 3 0 .0 0 0 réis nos anos 18601 IKe u n<>5 an0S 185° '
vivia na estn ta d ep en d ên cia do pa r f c i l ! * ™ “ “ ' T ^ P° '
. . . . “ , patrao- Ia W ="quanto a dívida existisse, estava
obrigado a serv.r sem poder dispor dos seus ganhos. Ademais, no caso de trabalha­
dores d e feto q u al,ficad o s, o valor real de seu trabalho no mercado era sempre supe­
rior ao estip u lad o no contrato. C abe ab rir um parêntesis para explicar a razão desse
expediente. E xam inei 142 desses contratos, datados de 1854 a 1887; deles, quinze
tinham sido firm ados en tre 1854 e 1859 e apenas seis entre 1880 e 1887. A grande
m aioria, p o rtan to , datava das décadas de 1860 e 1870, e m uito poucos eram dos
anos subseqüentes à cessação do tráfico ou dos que precederam a Abolição. É que,
logo após a in terru p ção do tráfico, ain d a se podiam comprar escravos a preços relati­
vam ente baixos: o preço m édio era, na época, 8 74 .0 00 réis por homem e 695.000
réis por m u lh er. E ntre 1860 e 1880 os preços médios subiram : 924.000 réis por
m u lher e 1 :1 6 4 .0 0 0 de réis por hom em . M as, em 1880, os preços já haviam caído —
um a m u lh er cu stava 5 8 3 .0 0 0 réis e um hom em , 800.000 réis — e em 1888. eram
m uito m enores, chegan do a 3 6 5 .0 0 0 réis e 4 6 8 .0 0 0 réis, respectivamente. A razão da
baixa era sim ples: os escravos à venda eram velhos e sabia-se que o fim da escravidão
era im in en te.25
N a d écad a de 1 8 5 0 , a d iária m édia de um pedreiro era 1.200 réis, e a de um
m arceneiro, 1 .4 0 0 réis, quer fossem livres ou escravos. Com seis dias de trabalho por
sem ana, eles gan h avam por mês cerca de 2 8 .8 0 0 réis ou 33.600, respectivamente,
salário sup erior ao que se atrib u ía ao ex-escravo para abatim ento da dívida feita por
ocasião d a alforria. Essa diferença acentuou-se nas décadas de 1860 e 1870, quando
as d iárias dessas duas categorias chegaram a 2 .0 00 réis, perfazendo salários mensais
de 4 8 0 0 0 réis. Podcr-se-ia objetar que o locador do ex-escravo arcava com seu sus­
tento, mas, com o verem os no próxim o capítulo, essa despesa não superava 250 ré.s
por dia na década dc 1850 ou 3 50 réis por dia nas décadas de 1860 c 1870. Pagar
pela sua alforria e contar com os serviços do escravo era de todo conveniente numa
época em que os incipientes m ovim entos abolicionistas começavam a quesrronar esse
ripo de posse. A fórm ula era vantajosa tam bém para „ recém-alfornado, pors este,
além d e r e r sua m anutenção assegurada, podia ao poucos - se a concorrenc^ dc
escravos, outros alforriados ou livres o perm iusse - comprar sua hberdade eferrva,

aÍndDe, I o P°:scravoP; T rodas as caregorias, simples •ganhadores’ ou alugados, com­


, . ,ivre „ entre si. Isto se aplica em espec.al aos escravos dc
gi:;,:.::,;:,::::;;;. «h.»».»p™»
. i r « s e s acordos eram sem pre verbais,
hoje não è possível av aliar po rq ue esses a c u iu r
^ ^
540 B a h lv Séc u lo X IX

Q u an to à situação em que um ex-escravo trabalhava para pagar sua alforria, certos


atos de locação de serviço, bem com o a legislação d a época, fornecem inform ações
in d iretas sobre as relações dos p arceiros envo lvido s. Ficam os sabendo por exem plo
q ue, em 1 8 5 7 , o african o C ésar, ‘g a n h a d o r’ , ‘p o rq u e nao tem o u tra profissão’, a lu ­
gou seus serviços a Jo sé M a ria de S o u za C astro por 4 .0 0 0 réis — ou m ais, o que
sugere q ue p o d ia ter gan h o s m aiores — por sem an a, até q u ita r sua d ívid a de 4 5 0 .0 0 0
réis. Por o u tro lad o , C ésar, q ue n ão receb eria n en h u m b en efício m aterial de seu
credor, estava o b rigad o a p ag ar ao E stado 5 .0 0 0 réis para p o d er trab alh ar no m er­
cado de S a lv a d o r,26 O tem p o em q ue q u ita ria su a d ív id a d ep en d ia exclusivam ente,
p o rtan to , de sua cap acid a d e de tra b alh o . N a p io r das h ip ó teses, levaria pelo m enos
dois anos. C o m o tin h a de se su sten tar, certam en te d ev ia g a n h ar m ais q ue o dobro
de sua d ív id a . Em 1 8 7 0 o co ch eiro negro M a u ríc io dos San tos, nascido no Brasil,
recebeu 1 :0 0 0 de réís d a C o m p a n h ia V e ícu lo s E co nô m icos, com p rom eten do-se a
sald ar a d ív id a co m seu salário , fixad o em 3 5 .0 0 0 réis po r m ês. Por outro lado, a
c o m p an h ia p ro m etia en tre g ar-lh e 1 0 .0 0 0 réis p o r m ês p ara seu sustento. N este caso,
a d ív id a só p o d ia ser p ag a ao. cab o de três anos e q u atro m eses de serviço.27 O
co n trato não d eix a claro q u e m , nesse p erío d o , p ag av a os 4 0 0 .0 0 0 réis devidos ao
Estado pelo trab alh o de u m escravo esp ecializ ad o . F in alm en te, em 1879 a negra
Eva, b rasileira, de 28 anos, serviços d o m éstico s, to m o u em prestado s 5 0 0 .0 0 0 réis a
M a ria d a N a tiv id ad e R eis, p ara co m p rar su a lib e rd a d e , co m p ro m eten d o -se a servi-
la e aco m p an h á-la ao n d e fosse p o r q u atro anos e do is m eses, até a q u itação da d ívi­
d a .28 Estes exem plos m o stram a d iv e rsid ad e das co n diçõ es q ue regu lavam essas rela­
ções em p regad o r-em p regad o , q u e aliás não d iferia m m u ito das relações entre escravo
e senhor.
A m ão -d e-o b ra escrava su p lan ta v a m u ita s vezes a m ão -d e-o b ra livre, sobretudo
graças à facilid ad e q ue tin h am os senhores p ara p ro tegê-la, co lo cá-la e até Ímpô-Ia. Por
m ais q ue o governo d a época ten tasse favorecer os ho m ens livres, estes perm aneciam
trabalhadores isolados, fren te aos p ro p rietário s de escravos. E ntretan to, a tradição oral
— confirm ada por m uitos in d ício s reco lh ido s em testam ento s, inventários post mortem
e processos crim in ais — preten d e q u e, a despeito dessa inegável concorrência, algum
tipo de solidariedade se teria desen vo lvido entre os dois grupos. O alforriado nunca
se esquecia do escravo que fora e, q u an d o possível, au xiliav a escravos, seja em pregan­
do-os, seja dando lib erdade (aín d a cm vida) aos q ue possuía, seja em prestando-lhes
dinheiro para a com pra da c an a de alforria. E xistia sem dúvida um a ‘consciência da
condição do pobre’, m as seria absurdo falar de um a consciência de classe no seio dessas
populações, d ivid id as por suas origens étnicas e cu ltu rais e ainda tão próximas do
servilism o. O trabalhador, fosse quem fosse, abraçava im ediatam ente as atitudes das
categorias superiores e, pouco a pouco, se tornava capaz de oferecer ajuda aos que
estavam no seu nível, sem perder dc todo a solidariedade com os inferiores. Porque,
cm ú ltim a análise, o que fundava o prestígio social de um hom em ou de uma m ulher
era sua capacidade de reunir ã sua volta o m aior núm ero possível de ‘devedores , fosse
D in h e ir o d o s B a ia n o s
541

a ju sa n te ou a m o n tan te d a escala snriol a i -


tra b alh av am fora de casa podiam a ■^ &Ç° CS entre 05 sen^ores e os escravos que
tro ca d e u m a d iá ria fixa ° ***
artesãos de todas as especialidades m js s lb H Pr‘me‘r°LCaS0 era em 8eral ° d“
Neste caso todo o X i l d° ° S qUe , r l b l l h m “ •>» construção.
i „> , i T reC PC‘° SCnhor' quc P °d i> d“ cacravo um a
go r e ta p e o serv.ço prestado . O senhor p o d ia op tar entre assegurar o sustento do
escravo, faze-lo parctalmente ou isentar-se disto. Neste últim o c L - que se tornou
com um no seculo X IX repassava ao escravo uma pequena remuneração Quem
alugava um escravo assumia as obrigações do proprietário, que, neste caso, podia dar
teto e c u id a d o s m éd ico s a seus escravos, m as não com ida. O u podia perm itir-lhes viver
em p le n a in d e p e n d ê n c ia , n u m em p rego que lhes arranjasse, fórm ula que parecia agra­
d ar m u ito a am b as as p artes, em b o ra o escravo devesse repassar boa parte do seu ganho
ao senho r. N ão p u d e a p u ra r se a p arte q u e cab ia ao escravo oscilava com o nível dos
salário s ou o preço do a lu g u e l, das roupas e dos alim en tos. T am pouco posso inform ar
com o se fix av a essa so m a no caso d e escravos que trabalhavam por tarefa (transporte
d e m e rca d o rias o u de cad e irin h a s, por exem p lo ), ou dos que faziam com ércio am bu­
la n te , É certo q u e esses ‘g a n h ad o re s’ tam b ém eram obrigados a pagar aos senhores um a
so m a fix a d e d in h e iro , m as não foi possível d eterm in ar em que base essa quantia era
e stip u la d a. T a m b é m nesse caso o escravo p o d ia ser to tal ou parcialm ente sustentado
pelo sen h o r.
O tra b a lh a d o r q u e n ão tin h a salário fixo era evidentem ente m uito vulnerável,
so b retu d o p o r estar exposto a u m a co n co rrên cia ain d a m ais feroz que a existente em
setores m ais esp ecializ ad o s. Era por essa razão, aliás, que os escravos ‘de ganho ,
sem pre q u e p o d ia m , se agru p av am por etn ia — caso, por exem plo, dos carregadores
de c ad e irin h as — , ten d o cad a grup o u m responsável cu ja autoridade era reconhecida
tan to pelos seus m em b ro s com o pelas auto ridades m unicipais. Era esse chefe que
d istrib u ía as tarefas e, no fin al do d ia, rep artia os ganhos. O utros escravos ‘de ganho’,
porém , trab alh av am iso lad am en te, e seu sucesso depen dia apenas de talentos pessoais.
Seja com o for, nessa categ o ria se registrava o m aior núm ero de alforrias, o que mostra
que, apesar das incertezas do m ercado, o escravo ‘ganh ado r’ era o que tinha mais
condições de fo rm ar o p ecú lio necessário à com pra da própria liberdade. Devo ressal­
var, p o rém , q ue a alfo rria de um escravo sem qualificação era mais barata.e que os
p roprietários, d ian te d a perspectiva de um a rentabilidade aleatória, resistiam menos a
libertá-los do q u e aos escravos qualificado s.
Conhecemos as modalidades das relações que se estabeleciam en.re senhores e
escravos que trabalhavam nas ruas, mas muitas mames e, em especial,. sua evolução no
tempo permanecem desconhecidas. Em que momento se ter,a .nst.tu.do o costume de
fazer o escravo morar fora da casa de seu propr.eldr.o, o que lhe dava, ^ a o a liber­
dade, uma considerável independência? Os autos doproccsso da Revolta dos Males, de
18 35 , atestam que o costume já estava então muito difiindido. Mas como se conchava
ele com normas formais em vigor, como a que proibia a hvre crculaçao de escravos na
í 542 B a h ia , S é c u l o XIX

cidade, sobretudo à noite? T eriam todos autorizações escritas de seus senhores? Por
que estes corriam o risco de ver seus escravos fu girem , dando-lh es um a m argem de
in d ep en d ên cia q ue co rresp o n dia a u m a lib erd ad e co n d icio n al? H averia aí u m a estra­
tégia dos senhores, q ue teriam in v en tad o u m a v álvu la de escape eficaz con tra eventuais
revoltas in d iv id u ais? A hipótese é b astan te p lau sível q u an d o se con sidera q ue, ao longo
de três séculos e m eio de regim e escravocrata, só se registraram du as tentativas de
revolta de certa m o n ta, am bas frustrad as: a dos A lfaiates, em 1798, e a dos M alês, em
1835. M esm o esses dois m o vim en to s in su rrecio n ais, porém , n u n ca q uestionaram as
relações senhor-escravo e, so b retu d o , tiveram p o uca repercussão, por envolverem pou­
cos revoltosos.29 A q u a lid a d e das relações in d iv id u a is era tal q ue se tornava por vezes
d ifíc il d istin g u ir entre d o m in ad o r e d o m in ad o : am bos os parceiros eram com freqüên­
cia m u ito d ep en den tes u m do o u tro e estavam sub m etid o s às m esm as im posições de
u m a v id a c o tid ia n a ch eia de percalços.
N o to can te aos escravos do m éstico s — q u e m u itas vezes se co n fu n d iam com os
q ue trab alh av am fora — , o m ais im p o rtan te a d estacar é q u e sua presença era regra.
D esde os m ais ricos aos m ais h u m ild es lares b aian o s, era ao escravo que cabiam certos
trabalhos con siderados d egrad an tes, com o carregar o lixo o u fazer faxina. N as fam ílias
m u ito ricas, tarefas precisas eram d istrib u íd a s p ara u m b atalh ão de servidores: cozi-
n h eiro s(as), lacaios, cam areiras, babás e a m as-d e-leite, cocheiros, m ensageiros, borda-
d eiras, costureiras, lavad eiras, passadeiras. As não tão abastadas tin h am dois a três
escravos, em geral m u lh eres, e m esm o as q ue v iv iam no lim ite da pobreza não raro
tin h am um escravo. Ao q u e parece, esses servidores não receb iam rem uneração algu­
m a, mas os q u e co n q u istavam a afeição dos seus senhores p o d iam , quando estes
m o rriam , receber um legado ou m esm o a lib erd ad e. A lém disto, m uitas vezes lhes era
p erm itid o p raticar pequenos negócios pessoais nas horas de folga.
Isto não perm ite in ferir, co n tu d o , q u e os escravos dom ésticos eram privilegiados
em relação aos dem ais, pois os atrito s e vexações d a in tim id a d e perm anente com os
senhores não podem ser esquecidos. Se eram talvez m ais bem protegidos m aterialm en­
te, careciam por com pleto da lib erd ad e de m o vim en to . Ó dios e resistências explosivas
nasciam e se desenvolviam entre eles. S eria interessante estudar anúncios de jornais
sobre escravos fugitivos e tentar d eterm in ar a proporção de escravos dom ésticos envol­
vidos nesses episódios.30
Em sum a, considerar que os trabalhadores escravos eram m ais protegidos que
os trabalhadores livres é com eter um duplo erro. A inda que seus proprietários fos­
sem responsáveis por eles perante o conjunto da sociedade, nao se pode esquecer o
doce gosto da plena liberdade, sonho de todo cativo. Os laços de solidariedade en­
tre os escravos eram sem dúvida num erosos, mas nao chegavam a igualar os que
ligavam entre si livres e alforriados, am parados por suas família^, favorecidos pelo
estatuto de hom ens livres, interligados por inúm eras cum plicidades, por pertence­
rem à mesma paróquia, ao mesmo batalhão da G uarda N acional ou ao mesmo gru­
po de eleitores.
■ L iv r o V U _ o D in h e ir o d o s B a ia n o s

D e f a t o , l i v r e o u s e m i , o t r a b a l h o e m S a l v a d o r se e x e r c i a n o s e io d e u m s i s t e ­
m a e s c r a v is ta , s e m v e r d a d e ir o m e r c a d o d e sa lá rio s , u m a vez q u e os seto res s e c u n d á ­
rio e t e r c iá r io s ó p o d ia m a b s o r v e r u m a p a r c e la in s ig n if ic a n te d a m a ssa d e tr a b a lh a ­
d o r e s . N e s s a s c o n d iç o c s , o s a lá r io , q u a n d o e x is tia , a c a b a v a d e sp ro v id o d e se u c a rá te r
d e d a d o e c o n o m i c o e s o c ia l b á s ic o . A f in a l, q u e p o d e o s a lá r io s ig n ific a r n u m a so ­
c ie d a d e f u n d a d a n a e s c r a v id ã o ? P o r o u t r o la d o , q u a n d o h a v ia sa lá rio , e m q u e m e d i­
d a e le a t e n d i a a s n e c e s s id a d e s d o in d iv íd u o e d e s u a f a m ília em su a v id a c o tid ia n a
n a c id a d e ? ....
CAPÍTULO 29

S a l á r io s e P r e ç o s

O tra b a lh o em S a lv a d o r, a ssa la ria d o o u n ã o , era e m g ra n d e p a rte a rtesa n a l e de co m ér­


cio a m b u la n te e, co m o já m e n c io n a m o s , n u m a e s tr u tu r a e c o n ô m ic a escrav ista, o sa­
lário p erd e seu c a rá te r de d a d o so cial b á s ic o .1 E m b o ra n ã o d is p o n h a d e d ad o s estatís­
tico s p reciso s, e stim o q u e a p e n a s 1 0% a 1 5 % d a p o p u la ç ã o a tiv a m a sc u lin a liv re e 5%
d a c ativ a eram p ro p ria m e n te assala riad o s. A s lista s e le ito ra is in d ic a m u m a p resen ça de
cerca d e 1 3% de assala riad o s e n tre os tra b a lh a d o re s a lis ta d o s, e n q u a n to os in ven tário s
post m ortem e as cartas de a lfo rria in d ic a m p e rc e n ta g e n s d e a ssa la ria m e n to en tre escra­
vos q u e v a ria m de 3 ,4 % (en tre 1 8 1 9 e 1 8 5 0 ) e 6 ,0 % (e n tre 1 85 1 e 1 8 8 0 ). Se os dois
grup o s tivessem o m esm o peso relativ o n a c a p ita l e n o c o n ju n to d a P ro v ín cia (para o
q u a l ten h o os d ad o s do recen seam en to de 1 8 7 2 ), p a ra u m a p o p u laç ã o de 5 0 .5 1 9
ho m ens livres e 6 .0 8 3 escravos, S a lv a d o r c o n ta ria e n tã o co m cerca d e 2 7 -0 0 0 hom ens
livres (2 .7 0 0 a 4 .0 0 0 assalariad o s) e 3 .5 0 0 cativ o s (cerca de 175 assalariad o s) entre
q u in ze e sessenta anos. E m b o ra b asead o s em in fe rê n c ia s e n o uso de fontes distantes
no tem p o , os resu ltad o s m e p arecem c o e re n te s.2
O salário , por o u tro lad o , era m u ita s vezes ap en as p a rte d a rem u n eração de um
trab alh ad o r, pois, n u m a p e c u lia rid a d e d o m ercad o d e trab alh o b aian o — até hoje
observável, por sin al — , m u itas pessoas ex erciam d iversos o fícios, recebendo dois,
tres ou até q u atro salários, por vezes todos irrisó rio s. A ssim , p ara av aliar as rem unera­
ções globais reais, seria preciso ex am in ar com o os salário s se co m p u n h am em certo
num ero de casos in d iv id u a is, m as em geral só h á inform ações sobre o salário conside­
rado p rin cip al.
A avaliação se co m p lica tam bém po rque os salários em d in h eiro eram , em certos
casos, com p lem entados por um p agam en to in natura\ não cra raro, por exem plo, que
um pedreiro ou um pin to r fossem alim en tad o s pelo patrão. E ncontrei esparsas infor­
mações a esse respeito nos arquivos do H osp ital d a M isericó rd ia, que dava com ida a
alguns de seus artesãos, sem d im in u ir seu salário em relação a outros não beneficiados,
segundo critérios que não posso explicar. Esses 'ad ic io n ais’, que obviam ente alteravam

S44
i ^ VRQ 1/11 ~ O D i n - h f j r o lx s s B a i a n o s

porque
porque aa ^uocum
w i i m cntaçao
c n n ^ 0 e im nrec ^dificilm'" " P - l - * r• « m a b ilia d * . não sé
I er regulam
qualqu t entação. . " fo rque essas situações não obedeciam
w cucciam

P°r OU' r° Ud°' “ S<™ 5 dc sali™ s que P-dc estabelecer referem-se a operários da
construção ou a cmprcBados dc i„s,i,<liçócs públicas ou privada, que não são bons
indicadores do cusro da produção na economia d a Província no século XIX, que era
essencialmente agrícola, utilizava em larga escala a mão-de-obra escrava e se odentava
para a exportaçao. A ssim , os salários que conhecemos refletem m uito parcialmente a
realidade econôm ica de Salvador num a época em que só um a pequena parte da popu­
lação tin h a salário fixo.
M esm o esses poucos privilegiados não tinham emprego estável. O mercado de
trabalho era tao irregu lar que as ofertas de em prego eram , quase sempre, duramente
dispu tad as. A con corrên cia entre hom ens livres e escravos, em particular, era acirrada.
A falta de setores secundário e terciário bem estruturados, o aum ento da população e
o increm en to m ais que proporcional das alforrias (entre 1840 e 1880 esnma-se em
2 2 .0 0 0 o n ú m ero de alforriados, na proporção de um homem para duas mulheres)3
tornavam o m ercado relativam ente rígido, engendrando um grave e crônico subemprego,
agravado pelo gran de núm ero de dias santos ou feriados, em que não se trabalhava.
F in alm en te, com o os assalariados se concentravam nas obras públicas e na construção,
o trabalho era in terro m p id o ao sabor das estações: de abril ao final de agosto, meses de
chuvas inten sas, m u itas vezes os canteiros paravam .
D iante deste q u ad ro , pode-se m esm o falar de m ão-de-obra assalariada em Salva­
dor? E se falam os de salário, que valor atrib u ir, por exem plo, ao pagam ento por dia de
serviço, que nos interessa particularm ente? De fato, há grande diferença qualitativa
entre o p agam ento de um trabalhador por dia ou por mês, ou ainda por ano, sobre­
tudo q u an d o são m uitos os dias em que não há trabalho e em que, porranto, o diarista
não gan h a. A rrisco-m e a um cálculo: som ando os 52 dom ingos, os vinte dias das
m aiores festas religiosas e os oito dos feriados civis, temos oitenta dias; se a isto
acrescentam os os dias em que a chuva im punha a redução ou a cessação das atividades
— 3 5, em m édia — , chegam os a 115 dias; as diárias recebidas não passavam, assim,
de 2 50 por ano. A divisão do total dessas 250 diárias por 365 é que perm ite avaliar a
q u an tia efetivam ente recebida por cada um. Convém portanto ser prudente e atribuir
um valor m uito relativo às cifras dos salários na Bahia. Mesmo assim vale a pena
analisá-las, cm especial porque isto dá uma idéia geral das flutuações que esses paga­
mentos sofriam . A dem ais, a com paração dos salários com os preços dos produtos
alim entares de prim eira necessidade c um indicador dos níveis de vida na Salvador do
século XIX, cuja população era, cm grande pane, pobre ou mesmo indigente.
Com o já expus, a oferta dc bens de consum o cm Salvador, controlada por
oligopólios, era d e ficie n te c irregular; a moeda circulante e o crédito eram escassos.
D iante desse quadro, instituiu-sc um sistema oficioso dc crédito privado, que assumia
duas formas principais: venda a prestação pelos varejistas e empréstimos entre pessoas
B a h ia , S é c u l o X IX

físicas, a taxas q u e deviam ser superiores aos 6 ,1 5 % praticados pelos estabelecim entos
oficiais, pois eram q u alificad as de u su rárias pelos contem porâneos. C ertam en te eram
os m ais m al rem unerados que se su b m etiam a tais taxas. V o ltarei a este ponto adiante.
Por ora, quero destacar que, nas catego rias sociais m enos favorecidas, era m uito d ifu n ­
d id a a prática do en d iv id am en to para en fren tar necessidades prem entes do cotidiano.
A descrição q ue ap resen tei até o m o m en to tem por base dados colh idos na docu­
m entação q u alitativ a e na h isto rio g ra fia trad icio n al. Interessa-m e agora verificar até
que ponto ela en co n tra co n firm ação em séries estatísticas. Só posso me apoiar em
dois tipos de série: u m a de salário s e o u tra de preços de algun s gêneros alim entares.
Sobre preços dos a lu g u é is, de iten s de v estu ário e outros bens im p rescin d íveis à exis­
tência co tid ian a, v ejo -m e, lam en tav elm en te, sem q u alq u er in d icação . F altam tam ­
bém séries sobre o v o lu m e d e gên ero s d e su b sistên cia e outros bens de consum o que
circulavam no m ercado de S alv ad o r, assim com o séries dos preços dessas m ercadorias
no atacado e o v o lu m e d a circu lação m o n etária . Essas carên cias se devem não só à
falta de estatísticas p u b licad as m as, so b retu d o , à falta de d o cu m en to s prim ário s. O
h isto riad o r é forçado à m o d éstia: preços de alim en to s e v alo r de salários — dados
econôm icos po r certo fu n d a m en ta is, pois p erm item en trev er as con dições m ateriais
d a v id a d e u m a p arte dos b aian o s, por red u zid a q ue seja — não podem tu d o expli­
car. R esta-m e v erificar, com a precisão po ssível, o n ív el dos salário s percebidos por
p a n e dos b aian o s, os preços de alg u n s alim en to s básicos e, po r fim , o com p ortam en­
to dos salários em face das flutuações dos preços. Isto talvez p e rm ita delin ear m elhor
a c o n ju n tu ra eco n ô m ica d a cid ad e, até o m o m en to ab o rd ad a de m a n eira puram ente
q u alitativ a. A este respeito, p o rém , tu d o o q ue se p o d e fazer é aven tar hipóteses, e
com extrem a p ru d ên cia.5

Os S a l á r i o s
A p rim eira série de salários, referente ao trab alh o m an u al — especializado e não
especializado — , foi m o ntada a p a rtir de dados co lh id o s nos arquivo s do H ospital da
M isericórdia c do C o légio dos Ó rfãos de São Jo aq u im . E m bora essas instituições
em pregassem artesãos de m ú ltip las esp ecialidades, só pu de estabelecer séries suficien­
tem ente longas para seis categorias de operários d a construção: m estres-pedreiros e
pedreiros, m cstres-carpintciros e carp in teiro s e serventes, tan to hom ens como m ulhe­
res. Os salários anuais, calculados na base de 2 5 0 dias de trabalho efetivo, aparecem
expressos em mil réis. Encontrei outras profissões discrim in ad as, com o pintor, operá­
rio de terraplenagem , entalhador dc pedras, m arceneiro, serralheiro, caldeireiro, col-
choeiro e ferreiro. Os três prim eiros recebiam diárias e os dem ais era pagos por tarefa,
sem que os docum entos as especifiquem suficientem ente. O ganho dos pintores estava
na faixa do dos pedreiros. Q uan to aos operários de terraplenagem e entalhadores de
pedras, sua presença era esporádica dem ais para p erm itir a m ontagem de séries.
L i v r o V I I - O D j n h e i r o d o s B a ia n o s

O , d ad os do período 1 8 0 0 -1 8 4 0 provi™ do H ospiral da M isericórdia, que apa­


ren tem en te d e.xo u de g u a rd ar esse upo de inform ação depois desse ú ltim o ano. No
caso d o C o lég io Sao jo a q m m , fundado em 1827, os registros com eçaram em 1830,
T , “ * to m a ra m regu lares depois de 1840, form ando desde então um a série que vai
ate 1 8 8 9 . N o te-se q ue a com p aração dos dados relativos à década de 1830 m ostra que,
em g eral, am bas as in stitu içõ es pagavam os mesmos salários. Q uando, num mesmo
ano, h av ia d iferen tes salários p ara u m a m esm a profissão — caso dos pedreiros e dos
carp in teiro s — , op tam o s por ap resen tar a m édia (não ponderada). Considerar os
salários m ais baixos, o u os m ais altos, teria sido tam bém interessante. N a m aioria dos
casos, p o rém , esses arqu ivo s in fo rm am um ú n ico valor por ano, o que lim ita nosso
cam p o d e esco lhas e im p ed e elaborações m ais finas. A credito contudo que as séries que
m o n tei m o stram b astan te bem a ten d ên cia desses salários no período estudado.
A seg u n d a série de salário s refere-se a em pregados não m anuais do setor privado.
F oram co lh id o s tam b ém nos arquivo s do C o légio São Jo aq u im e, como os anteriores,
co rresp o n d em ao p erío d o 1 8 4 0 -1 8 8 9 . C o nsideram o s três categorias: professor prim á­
rio , p o rteiro e en ferm eiro . T o d o s recebiam salários m ensais, mas, para facilitar as
co m p araçõ es, tran sfo rm ei-o s em an u ais.
A te rc e ira série de salário s vem do setor p ú b lico : com preende os salários pagos à
P o lícia de S alv ad o r a p a rtir de 1835 e aos funcio nários do governo e da instrução
p ú b lica e n tre 1 8 6 0 e 1 8 8 9 .6 Dos trin ta salários que estas duas séries englobavam , optei
por co n sid erar doze, com base nos seguintes critério s: a co n tin u idade dos dados, a
h o m o g en eid ad e na com p osição dos salários e a representatividade destes no conjunto
dos salários pagos no setor. V am o s por partes. Os núm eros relativos aos diferentes
períodos têm c o n tin u id a d e , e, quase sem pre, a falta de dados de um ano para outro
in d ic a q u e o salário p erm an eceu estável. M esm o assim , preferi sublinhar a falta de
q u alq u e r in fo rm ação e aspear as som as m encionadas. Nos gráficos, as curvas são
in terro m p id as em cad a passagem de um nível salarial para outro. Nos casos em que
faltavam inform ações para u m lo n go período, tracei um a lin h a contínua sempre que
o núm ero en co n trad o m ais ad ian te fosse o m esm o. A ausência de oscilações salariais
nesse setor au to riza essa solução, desaconselhada para os salários referentes às ativida­
des artesanais. O segundo critério foi o de hom ogeneidade n a com posição dos salin o s,
pois havia casos em que estes eram com plem entados por gratificações e outros gan ,
tornando-se im próprios para uso em nosso trabalho. Q uanto à representatividade
(terceiro critério ), tentei agrupar os doze salários em três categorias: altos (funcionários
graduados, fossem civis ou m ilitares), m édios (funcionários e empregados de escalao
interm ediário) c baixos (funcionários subalternos e pequenos empregados do setor
privado). Esses doze salários perm itiram -m e m ontar os gráficos, nos quais incluím os
tam bém os salários do pessoal do setor privado referidos no parágrafo anterior
Só é possível fazer um a com paração que englobe rodas as três séries (trabalho
artesanal no setor privado e funções não m anuais no seror público e no setor privado)
nos trin ta últim os anos do período (1 8 6 0 -1 8 8 9 ). Comecemos pela mais longa, qpe
B a h ia , S é c u l o XXX

S a l á r io s A n u a is ( em m il r é is )

M « t t c s p e d r d ros

Mestres-earpinteiros

Carpinteiros
550
B a h ia , S é c u l o X I X

S a l á r io s A n u a is (e m m i l r é is )

Altos funcionários
B aian os 55|

co rresp o n d e aos trabalh ado res m anuais. As séries de « l á * j


dos m estres-carp in teiro s são l a c u n a r ^ n r m«tres-pedreiro$ e
tes e r a m c o m f r e q ü ê n c ia e ^ c Z Z Z , 1 " ° SéCUl° X K “
ra m d a s lista s do" t r a b a l h a d i Z c o Z > T b T ' ' ™ " t r a— '1 “ ' ■ * > ' » -
c o n f ia d o s a o s m e s t r e s '. c a t e g o r ia “ Z m o r l ° “ COn“ " o s eram
. c a t e g o r ia c u j a im p r e c is ã o já m e n c io n e i. Ê in teressan te consra
car. n o e n r a n r o q u e as c u r v a s d o s s a lá r io s d o s m estres a p re se n ta m r e „ Z as Z
s e m e l h a n t e s às d a s o u t r a s c a t e g o r ia s d e tr a b a lh a d o re s , livres o u escravos, pois entre
o p n . n o . s o h a v t a d t f e r e n ç a d e e s t a t u t o le g ah liv re , a lfo rr ia d o ou escravo. C a b e obser­
v a r n o e n t a n t o q u e o s s e r v e n te s , h o m e n s o u m u lh e te s , e ra m e m geral recru tad o s e n tre
os escravos.
A te n d ê n c ia secu lar das seis curvas de salários é inegavelm ente de alta e, nesse
in terv alo , é p o ssível d isce n ir q u atro períodos de m édia duração: 1801—1830, 1832—
1 8 5 5 , 1 8 5 6 -1 8 6 8 / 7 2 e 1 8 6 9 / 7 2 -1 8 8 9 . O bserva-se, ao longo do tempo, um a con­
c o rd ân cia q u ase p erfeita no m o vim en to de elevação desses salários. Em cada período,
eles o scilam d e m a n e ira b astan te brusca, para baixo ou para cim a, para se estabiliza­
rem d ep o is, m a n te n d o -se po r vezes quase inalterados por m uito tem po. Até 1855, as
o scilações p a ra b aixo ou p ara cim a são m u ito m ais freqüentes para os salários dos
trab alh ad o res m a n u ais esp ecializad o s do que para os dos serventes, que exibem uma
q u a se -e stab ilid a d e . Isto parece coeren te, porque os artesãos representavam um a mão-
d e-o b ra e sp ecializ ad a, m enos ab u n d an te no m ercado que os sim ples serventes. No
en tan to , até 1 85 5 os salário s dos pedreiros e dos carpinteiros oscilaram menos; de
fato, co n stata-se q u e baixas e altas eram m u ito regulares e suaves, tendo promovido a
passagem de u m nível de salário , vigen te de 1801 a 1831, a um outro, de 1832 a
1855 (um ú n ico pico de alta, em 1848, foi seguido de estabilidade). As baixas exi­
bem co m p o rtam en to sem elh an te, n u n ca levando a níveis inferiores àquele em que se
in ic ia ra a ten d ên cia d e elevação, exceto nos cinco prim eiros anos de nosso período,
em q u e h o u v e u m a ten d ên cia geral à alta.
E m r e s u m o : n a p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u lo , os sa lário s se a lte ra r a m , m as p a u la ti­
n a m e n t e , e s t a b ili z a n d o - s e e m d o is p a ta m a r e s q u e tiv e r a m d u ra ç ã o ap ro x im a d a : 1801
1831 e 1 8 3 2 - 1 8 5 5 . U m a a n á lis e m a is d e t id a , p o ré m , re v e la q u e no prrm eiro d estes
p e río d o s o s a lá r io d o s p e d r e ir o s r e n d e u a b a ix a e q u e , nesse ú ltim o ano, esses an esaos
L- io n i f l 6 0-0 00 de réis); em contrapartida, o salário dos
recebiam o m esm o q ue em lo U l
carp •in teiro
- Lé
s, tam bém a
de irn -n n o de
16U.0UU ae réisreis em
eu 1801, chegava a 2 0 0 :0 0 0 dej réis em
N ão tenho como explicar essa diferença,
1831, apresentando um a eievaçao de 23 /o. N ao tennt e ^ r „rn inrei-
* . . i nre ('1832—1855) os salários de pedreiros e carpintei
ta n to m a is q u e no p e r ío d o s e g u in te 13 ^ fc. qs

ros progrediram em rnm o desigual. E m 1855, p e d r e i r o s e carpintei-


p r im e i r o s s u b i r a m 56, 2% e os segundos ap - „™kinm esses dois
L u - v « 7 ‘SíH )00 d c réis. C o m o não se sabe q u a n to recebiam esses dois
ros re c e b ia m os m e s m o s 2 3 lí.u u u m. ^ rirhi em
1007 1 é n o s s í v e l q u e os salários dos carp in te iro s ten h am tido em
g ru p o s e n tre 1 8 2 7 c 1 8 3 0 , P 1 . . . l í i a o Fera hinótese suttere
1831 u m a e le v aç ão q u e os dos p ed reiros só v iria m a ter em 1832. Esta hipótese sugere
h Z , 1831 o , salários te n d e ram a baixa, m as seu nfvel no m i c o e
u m a o u tr a : e n rre 1801 e 1 o ? * >oí1
B a h lv S í c u o X IX

no fi.ni do p en o d o era o m esm o, e n tre 1 8 3 2 e 1855^ tiveram um au m en to real, pois


as oscilações o co rrid as nesse in terv alo eram todas de alta. O fenôm eno talvez se deva,
em parte, ao a u m en to d a c irc u la ç ão m o n e tária d eco rren te do d erram e de m oedas falsas
de cobre e das em issõ es b a n c á rias, m as ju lg o q u e é so b retu d o na flu tu ação dos preços
dos alim en to s q u e a ex p licação deve ser b u scad a. V o ltare i a isto.
R estam os p erío do s 1 8 5 6 -1 8 6 8 / 7 2 e 1 86 9/ 7 2 —1 8 8 9 . N eles, os salário s tam bém se
elevaram por p atam ares sucessivo s. M a s o q u e os m a rc o u de fo rm a esp ecial foi, por um
lado , u m a forte a lta e n tre 1 8 5 6 e 1 86 9/ 7 3 e, por o u tro , u m a n o táv el estab ilid ad e,
sobretudo após 1 8 7 5 . E m b o ra as o scilaçõ es tivessem em geral u m sen tid o de alta,
registravam -se tam b ém fo rtes q u e d a s, a in d a q u e os salário s n u n c a descessem abaixo do
n ív el em q u e se in ic ia r a o m o v im e n to a scen d en te. E n tre 1 8 5 6 e 1 8 6 9 , o salário dos
p edreiro s d o b ro u , assim co m o o d o s c a rp in te iro s e n tre 1 8 5 6 e 1 8 7 3 . Em seguid a, os
salários se e sta b iliz ara m em seus n ív e is de 1 8 6 9 e 1 8 7 3 , com exceção de au m en to s que
não ten h o co m o e x p lic a r: u m d o s p ed reiro s, de 2 5 % , en tre 1 8 7 3 e 1 8 7 4 , e outro dos
carp in teiro s, d e 2 0 % , em 1 8 7 4 . C ab e le m b ra r q u e em 1 8 6 8 as exportações da B ahia
co m eçaram a d e c lin a r. H a v e ria u m a relação en tre essas d u as ten d ên cias? A an álise do
c o m p o rtam en to d o s preço s dos a lim e n to s a ju d a rá a e lu c id a r esta q uestão .
N o c o n ju n to do p erío d o 1 8 0 1 - 1 8 8 9 , os salário s dessas d u as catego rias de artesãos
su b iram 2 1 2 ,5 % , m as foi en tre 1 8 3 2 e 1 8 7 3 q ue essa a lta oco rreu. O s salários dos
serventes tam b ém a u m e n ta ra m : os das m u lh eres em 1 6 6 % (os dados sobre m ulheres
na co n stru ção civ il p a ra ram em 1 8 4 8 ) e os dos h o m en s em 5 2 5 % , o que representa a
m aio r elevação e n tre todo s os salário s de 1801 a 1 8 8 9 . P ode-se n o tar a in d a que, se em
1801 u m servente receb ia 1/4 do salário d e u m p ed reiro o u de u m carp in teiro , em
1 88 9 receb ia ex atam en te 3/5. Isto p o d e ser in d íc io de u m a fa lta de m ão-de-ob ra não
esp ecializad a, id é ia q ue é co rro b o rad a pelo fato de q u e só esses trab alh ado res tiveram
aum en to salarial após 1 8 7 3 .
O s q u in ze salários pagos pelos setores p ú b lico e p riv ad o p ara a força de trabalho
não m an u al evo luíram do m esm o m o d o q ue os dos artesãos e serventes: longos perío­
dos de estab ilid ad e foram seguido s por altas b astan te expressivas, que precedem novos
períodos de estab ilid ad e. Ao co n trário , p o rém , do q ue ocorreu com os trabalhadores
m anuais, não se produziram q ued as, o q ue é no rm al no caso das categorias envolvidas.
N os períodos em que os dados são com paráveis os salários aum en tam nas mesmas fases
que os dos artesãos, com diferenças de q uatro a seis anos.
F o ra dessas fases, p o r é m , d o is g r u p o s d e sa lário s tiv e r a m u m c o m p o rta m e n to
d ife re n te : o dos o fic ia is e s u b o fic ia ís d c P o líc ia c o dos e m p r e g a d o s não m a n u a is do
setor p riv a d o . A liá s , p a r a esses d o is tip o s de a s sa la ria d o s , as séries c ro n o ló g ic as são m ais
lo n gas: c o m e ç a m em 1 8 3 5 p a ra o pesso al d a P o líc ia e e m 1 8 4 0 p a ra os e m p re g a d o s do
o rfan ato S ão J o a q u i m .
A pó s lo n g o p e r ío d o d e e s ta b ilid a d e ( 1 8 3 5 —1 8 5 0 ), os salário s d o pessoal d a P o­
líc ia tiv eram sucessivas elevações. E ntre 1 8 5 0 e 1 8 6 1 , o d o c o m a n d a n te geral su b iu
120 % , o d os c a p itã e s 8 5 % , o d os p r im e iro s -s a rg e n to s 6 6 % e o do restan te do pes
Llv*o V I1 - O D,n h e . r o n o s B a ia n o s 553

soal da p o lícia tam b ém aum en to u. Seguiu-se u m a fase de estabilidade até 1889, q uan ­
do o salário do c o m a n d a n te su b iu 2 5 % , o dos capitães 38% e o dos sargentos 2 0% .
Esses aum en to s, m u ito sup eriores aos q ue os artesãos tiveram no mesm o período
explicam -se p ela d ific u ld ad e q ue tin h a o governo para recrutar po liciais, função que
afugentava os jovens, so b retu d o por im p o r freqüentes e penosos deslocam entos para
o in terio r da P ro v ín cia. A cresce q u e o cólera-m orbo d im in u íra o núm ero dos que
teriam co n d içõ es de servir. O ferecer salários era, assim , o único m eio de atrair re­
crutas, tan to p ara o co rp o dos o ficiais com o para o dos suboficiais. A estabilização
desses salários após 1861 sugere q u e o p ro b lem a do recrutam ento fora resolvido,
pelo m enos até 1 8 8 9 , q u a n d o oco rreu no va alta. É preciso observar, no entanto,
que, se em 1861 os p o liciais gan h av am m ais q u e fu n cio n ário s civis de nível equiva­
lente, no p erío d o seg u in te v iram -se em desvan tagem , o que tam bém ju stifica o a u ­
m ento recebido em 1 8 8 9 .

T A B ELA 9 3 .

S a l á r io s de P o l ic ia i e F u n c io n á r io s C iv is d e N ív e l
E q u iv a l e n t e em S a l v a d o r {em c o n t o s d e r é is )

1861 1871 1889

Comandante 3:168 3:360 3:960

Diretor Geral da Instrução Pública 3:000 4:000 4:000

Capitão 1:560 1:560 2:160

Primei ro-escreven te (Governo) 2:100 2:100 2:600

Sargento :500 :600 :600

Tcrcciro-escrevente (Governo) :730 :800 1:200

C ad a m il réis a m ais co n tav a m u ito , pois um salário alto enobrecia a função e


conferia p restígio so cial, to rn an d o -a m ais atraen te, sobretudo nas fileiras dos que
exerciam funções su b altern as.
O segundo gru p o de salário s é o do O rfanato de São Jo aq u im . O bserva-se que os
salários dos em pregado s dc nível inferior dessa in stitu ição — os de porteiro e de
enferm eira — au m en taram ju n to com os dos po liciais: dobraram de valor entre 1855
e 1858, passando o porteiro dc 6 0 :0 0 0 a 1 2 0 :0 0 0 dc réis anuais e a enferm eira de
120:000 a 2 4 0 :0 0 0 dc réis. Este ú ltim o , porém , parece ter atin gid o então seu ponto
m áxim o, pois ficou in alterad o até 1899, ao passo que o do porteiro aum entou m ais
33,3% em 1868, tam bém sc im ob ilizando depois. O salário do escrevente, em pregado
dc nível m édio, aum en to u 122,2% (dc 4 5 0 :0 0 0 dc réis para 1 .0 00 :0 00 de réis) entre
1854 c 1858, ficando in alterado ate 1889. Essas elevações dc até m ais de 100% se
« p lic a m provavelm ente pelo cólcra-m orbo, que deve ter atingido tam bém o pessoal
do orfanato; m ais um a vez, porém , penso que um a outra explicação deve ser buscada
no m ovim ento dos preços dos alim entos de prim eira necessidade.
554 B a h ia , S é c u l o XIX

Esse grupo de salários do setor privado era n o to riam en te baixo, se com p arado ao
d o pessoal do setor público . O salário do escrevente, cu ja função devia ser m uito
sem elh an te à do p rim eiro -secretário do governo, ou m esm o de um p rim eiro -secretário
da Instrução P ú b lica, era 110% e 2 0 % in ferio r ao deles, respectivam ente. N ão se
pode, co n tu d o , gen eralizar esta co n statação ao co n ju n to dos salários do setor privado:
estes eram d e fato, no co n ju n to , inferiores aos do setor p ú b lico , m as em proporções
m ais m odestas. Q u an to aos salário s d e p o rteiro e en ferm eira, m u ito baixos m esm o
com parados aos dos artesãos, cab e lem b rar q ue eram com p ensado s pelas vantagens do
alo jam en to e d a a lim en tação , p ró p rias desses tip o s de funções.
A té o m o m ento, an alisam o s os m o vim en to s desses salário s, p ro cu ran d o seguir o
ritm o de suas variações no tem p o . A in d a q u e tal ritm o fosse id ên tico , as séries de que
d ispon ho têm durações d iferen tes, o q ue im p ed e co m p araçõ es m ais finas. Podem os,
con tud o , co m p arar o m o vim en to de três desses d ezo ito salário s en tre 1859/61 e 1889.
M e u interesse é v erificar tan to a p ro p o rção em q u e au m en taram com o o grau de
v ariação q u e exib iam .
A progressão m ais a cen tu ad a é a dos salário s dos fu n cio n ário s d a Fazenda. Setor
im p o rtan te do governo — pois d ele d ep en d ia a gestão das fin an ças d a P ro víncia — ,
seus fu n cio n ário s estavam en tre os m ais bem rem u n erad o s em todo o serviço público.
O inspeto r d a F azenda, por exem p lo , to rn o u -se em 1 8 7 6 o m ais bem p ago funcio nário
do governo (até então, gan h av a o m esm o q u e o d ire to r geral d a In stru ção P ú b lica). Por
outro lado, os altos fu n cio n ário s d a a d m in istra ç ão p ro v in cial tin h am em geral cam i­
nho aberto p ara a co n q u ista d e cargos p o lítico s d e p rim eiro p lan o , seja no P arlam ento,
seja na p ró p ria p resid ên cia ou v ic e-p resid ên cia d a P ro v ín cia, m u itas vezes ocupadas
por m agistrados de alto n ív el, ju iz es do T rib u n a l de Ju stiç a .
C onstata-se tam bém que, no setor público , foram os salários dos oficiais e suboficiais
da P olícia que m enos a u m en taram . A d em ais, ao co n trário do q ue se po deria prever, os
salários dos oficiais de grau m éd io foram m ais favorecidos q ue os dos suboficiais.
Q uan to às dem ais catego rias de servidores do E stado, os salário s avançaram em
percentuais p raticam en te d a m esm a ordem .
N o tocante aos em pregado s do C o lég io dos ó r fã o s de São Jo aq u im , vim os que os
salários dos escreventes e das enferm eiras ficaram p aralisado s. O s porteiros riveram um
aum ento de 5 0% , m as seu salário em 1861 era m u ito baixo (1 2 0 :0 0 0 de réis anuais,
contra 2 8 0 :0 0 0 de réis pagos ao cozinheiro e ao encarregado das bebidas). Por fim , os
artesaos e serventes tiveram aum en to s salariais d a m esm a ordem que os servidores
públicos. Tanto cm 1861 com o em 1889, nenhum fu n cio n ário pú blico , por modesto
que fosse, ganhava m enos que um artesão, exceto, talvez, o soldado da P olícia, que
trabalhava todos os dias (contra 2 50 días, em m édia, dos artesãos), mas não tinha
despesas de vestuário, com ida e alo jam en to.
Se classifica m o s os salário s e m três faixas o u n ív e is — altos, m é d io s e b aixo s — ,
e n c o n tra m o s g ra n d e s v a ria ç õ e s, in c lu s iv e d e n tro d e c a d a u m d eles. E m 1 8 6 3 o saJário
do d ir e to r d a I n stru ç ã o P ú b lic a e ra tr in ta vezes m a io r q u e o salário m a is b aixo e n tre
jJVTOVII - O D in h e ir o d o s B a ia n o s
555

TABELA 94

P r o g r e ssã o dos SaU r io s n o S e t o r P o b l ic o


no ò f.t o r P r i v a d o (% )
S eto r P ü b l ic o

Altos funcionários
Comandante de Polícia
c , ■ ^ , 1 8 6 1 -1 8 8 9 25 0
3*;»
r J 1 8 6 1 -1 8 8 9 35,0
Inspetor do Tesouro 18 6 3 -1 8 8 9 fi
Diretor Geral de Instrução Pública 18 6 0 -1 8 8 9 33^0
Funcionários médios "
Primeiro-escrevente (Governo)
1 8 6 1 -1 8 8 9 23.0
Primeiro-escrevente (Tesouraria) 18 6 3 -18 8 9 28.0
Primeiro-escrevente (Instrução Ptíblica) 1 8 6 1 -1 8 8 9 33,3
Capirão de Polícia 1 8 6 1 -1 8 8 9 38,0
Funcionários subalternos
TerceÍro-escrevence (Fazenda) 18 6 3 -18 8 9 64,4
Porteiro (Assembléia Provincial) 18 6 3 -18 8 9 50,0
Primeiro-sargento de Polícia 1 8 6 1 -1 8 8 9 20,0
Seto r P r iv a d o

Orfanato São Joaquim


Escrevente 1 8 6 0 -18 8 9 0,0
Porreiro 1 8 6 0 -18 8 9 50,0
Enfermeira _ 1 8 6 0 -18 8 9 0,0

Artesãos
Pedreiro 18 6 0 -18 8 9 25.0
Carpinteiro 1 8 5 9 -18 8 9 39.0
Serventes ‘ 1 8 6 1 -1 8 8 9 33.0

todos os q u e reg istram o s, o de p o rteiro do C o légio São Jo aq u im , m as só 3,5 vezes


m aior q ue o do escrev en te d a m esm a in stitu iç ã o , q u e recebia o salario m édio m ais
baixo; em 1 8 6 9 , o p o rteiro c o n tin u av a ten do o salário m aís baixo, e sua relação com
° m ais alto na o casião (o do in sp eto r do T eso uro ) era de 2 7 ,7 ; o escrevente ganhava
agora um salário cin co vezes m en o r q ue o m ais alto do perío do. Por outro lado, em
1861, o salário do escrev en te era 8 ,3 vezes m aio r que o do porteiro e, em 1889, apenas
6,5 vezes, em b o ra am bos fossem em p regado s d a m esm a in stitu ição . A tabela 95 mos­
tra a m édia dos salário s para os três níveis em 1863 e 1889. C onsiderei altos os salários
com preendidos en tre 2 :0 0 0 e 5 :0 0 0 de réis, m édios os com preendidos entre 1:000 e
2:000 de réis e baixos os inferiores a esse patam ar. Foram excluídos os salários — como
o de capitão de Polícia — que, em 1889, estavam num nível diferente do original.
Em 1863, as diferen ças entre esses tres níveis eram as seguintes: a m édia dos
d iário s altos era 2 ,2 vezes m aior que a m édia dos salários m édios e 6,2 vezes m ais alta
que a m éd ia dos sllá rio s baixos. A m édia dos salários m édios era 2 ,8 vezes superior à
mêdia dos salários baixos. Em 1889, o fim do período, as relações entre essas três
grandes faixas salariais eram praticam en te as m esm as, apesar da diferença nas propor-
B a h ja , S fc vio XIX

T A Í H A «A

M édia S aiarlm , 1863 f. 1889 ( fm t w r o s df: réis)

F«xo N* 1863
TotAi Mfí«\ Totm, Mtisv
SaLifW* 1ÍTO* 7 18:580 2654 24:920 3560
Salários medà» 7 8:400 1:200 10:500 1:500
5tb n » baixos 11 5il36 :428 6,314 :526

çõcs cm q u e algu n s dos salários tin h am a u m e n ta d o . N ão o b stan te, a d iferen ça entre o


salário m ais baixo e o m ais alto era en o rm e, com o não p o d ia d eixar dc ser, dada a
e stru tu ra eco n ô m ica e social d a ép o ca. Ê preciso ter cm m en te, a in d a, q u e os salários
baixos representavam m u itas vezes a to ta lid a d e do gan h o dc um assalariad o , enquanto
os m ais altos em geral não passavam de co m p lem en to s de rendas bem m ais elevadas,
o riu n d as d e ações, im ó veis, o b rigaçõ es b an cárias ou d o E stado, p ro p riedades rurais ou
do com ércio.
E m bora in su ficien te — à falta dc m aio r n ú m ero e v aried ad e de séries — , esta
an álise dos salário s p raticad o s no m ercad o dc S alv ad o r tem o m érito de oferecer
algu m as orden s de grandeza, Estas d em o n stram q u e os salário s su b iam por patam ares
sucessivos, q u e d u rav am por vezes vários an o s, cm reco rtad o s por elevações rápidas e dc
gran d e a m p litu d e . O s au m en to s d cstin av arn -sc, ao q u e parece, a recu p erar defasagens
dos salários cm relação aos preços. É v erd ad e tam b ém q u e a m aio ria dos salários aqui
analisad o s vêm do setor p ú b lico c de u m a in stitu iç ã o de carid ad e. T alvez sua evolução
no setor secu n d ário fosse d iferen te, com o o sugerem os salário s dos artesãos, em que
se registram baixas c altas em fases em q ue os dos em p regad o s dos setores públicos e
privados perm aneciam estáveis. Seja com o for, se h avia atrasos a recuperar, impõe-se
ten tar v erificar q uem os recu perava, c co m o . D e fato, a an álise m ostrou que alguns
salários sub iam m ais q u e outros, a d esp eito d a co n co rd ân cia geral do conjunto dos
m ovim entos ao longo do tem po. F in alm en te, as diferen ças entre os vários níveis
salariais não se alteraram , perm an ecen d o enorm es. Flstas três constatações oferecem
parâm etros suficientes para um exam e das relações entre os m ovim entos dos preços c
dos salários,

P r i ;ç o s f: N f c h s s í i m d k s A u m e n t a r k s

N os e s tu d o s so b re os m o v im e n to s d o s p reço s, os h is to r ia d o r e s p a re ce m ter segu id o


d u a s te n d ê n c ia s q u a n t o às fon tes dos d a d o s a scrcm p o s te r io r m e n t e su b m e tid o s a um
tr a ta m e n to p r o p r ia m e n te e s ta tís tic o . A p r im e ir a foi s u g e r id a poir Earl j . Hamilton,
q u e d e u p re fe rê n c ia às c o n ta b ilid a d e s d c in s titu iç õ e s h o sp ita la re s, c o n v e n to s e grandes
casas s e n h o ria is , o b r ig a d a s a fazer compras r c g u la r e s p a r a a l im e n t a r seu pessoai.
L tv ro VII - O D i n h e i r o d o s B a ia n o s
557

Segundo H a m ilto n , os preços dos gêneros registrados nesses livros c o n tá b e is seriam


interm ediários en tre os do atacad o e os do varejo, e po rtan to de d ifícil classificação.7
A outra ten d ên cia, q u e teve seu expo ente cm E rnest Labrousse, p rivilegia as tabelas
oficiais, em geral m o n tad as e p u b licad as pelas au to rid ad es m u n icip ais, que inform am
os preços p raticad o s no m e rc a d o .8 As cotações dessas tabelas, que podem ser sem anais,
bim ensais ou m en sais, resu ltam do aju ste en tre a oferta e a dem anda, pressupondo
portanto um m ercad o livre.
Estes dois p recu rso res d o estu d o dos m o vim en to s dos preços criticaram -se m u tua­
m ente. H a m ilto n ressalto u q u e as séries ap resen tad as po r Labrousse con tinh am dados
já elaborados, cu jas bases p erm an eciam desco n h ecid as. Labrousse, por sua vez, alegou
que as séries q u e H a m ilto n u sava não representavam to d a a gam a dos preços do
m ercado, c o m p o n d o -se ad em ais de v alo res in ferio res aos q ue nele se praticavam , um a
vez que as in stitu iç õ e s go zavam de certos p riv ilég io s em relação aos com pradores
com uns. V ito rin o M a g a lh ã e s G o d in h o ten to u co n c iliar os dois cam in ho s, propondo o
uso sim u ltân eo dos d o is tip o s de d o cu m en to , de tal m odo q ue u m a série controlasse a
o u tra.9 N a p rática, o h isto ria d o r só pode se d ar ao luxo de escolher entre esses três
cam inhos se d isp u ser de todas essas fontes e se as m esm as co n tiverem dados contínuos
e hom ogêneos o b a sta n te p a ra o e sta b elecim en to d e séries úteis.
N o B rasil, só fo ram feito s estu d o s de preços de gêneros de p rim eira necessidade
com relação a R ecife, S alv ad o r e R io de Ja n e iro . P or causa dos períodos estudados, só
os referentes às d u as ú ltim a s cid ad es p o d em ser úteis a q u i.10 A in d a assim , as com pa­
rações são d ifíceis, p o r cau sa das d iferen ças en tre as fontes u tilizad as na elaboração das
estatísticas, en tre os p ro d u to s co n sid erad o s e as abordagen s teóricas adotadas.
Os m o vim en to s dos preços no R ío de Ja n e iro foram estudados por H arold B.
Johnson J r ., E u lália M a ria L ah m eyer, h isto riad o res, e M ircea B uescu, econom ista.
O n o rte-am erican o Jo h n so n estu d o u a m o ed a e os preços no Rio de Jan eiro entre
1760 e 1 8 2 0 . M o n to u suas séries com dados colh idos em q uatro instituições: um
leprosário, a S an ta C a sa de M ise ric ó rd ia e as irm an d ad es da O rdem T erceira de São
Francisco d a P en itên cia e São F rancisco de P aula. Segu ndo ele, havia hom ogeneidade
entre os preços co n siderado s, pois co rresp o n diam aos praticados no m ercado e as
instituições envolvidas eram sim ilares (q u an d o h avia contrato entre a instituição e o
fornecedor, isso era m en cio n ad o nos d o cu m en to s).11 As fontes deste estudo apresen­
tam portanto as m esm as van tagen s (elaboração a p artir de dados brutos) e os mesmos
inconvenientes (preços m uitas vezes resultantes de contrato) que as utilizadas por
H am ilton no seu estudo sobre a Espanha no século XVI,
Johnson considerou dezoito produtos dividido s em quarro grupos, aguardente e
cana, farinha de m andioca, sal, tijolos, óleo de baleia, m ilho e feijão, gêneros pro u
ridos e consum idos localm ente (grupo I); arroz e açúcar, gêneros produzidos e consu­
mido s localm ente mas tam bém exportados, sendo seu preço determ inado pelos m er­
cados externos (grupo II); farinha de trigo, carne-seca e toucinho, gêneros produzi os
e consum idos localm ente, mas em quantidades insuficientes, sendo também im porta
558 B a h ia , S é c u l o X I X

dos d e ou tras partes do país ou m esm o d a A m érica E sp anh ola (gru p o III); e, por fim ,
vinhos, v in h o do P orto , v in ag re, azeirc de o liv a, m a n te ig a e cera, pro du to s im portados
d a E uropa (gru p o IV ). A p lican d o , para a an álise d a flu tu ação dos preços, a fó rm u la de
I. F isher — q u e m e p arece pouco in d ic a d a no caso — , o a u to r m o stra q u e a econ om ia
b rasileira dos séculos X V III e X IX não era fech ad a, o q u e a d is tin g u ia das econom ias
do C h ile e d a A rg en tin a, estu d ad as por R u g g iero R o m a n o .12
O estu d o de E u lá lia M a ria L ah m eyer Lobo, q ue ab arca o p erío d o de 1 8 2 0 a 1930,
tem q u atro o b jetivo s; a n alisar os ev en tu ais asp ecto s cíclico s de u m a eco n o m ia de
transição para u m a so cied ad e c a p ita lista ; u tiliz a r os preços com o in d icad o res para o
estab elecim en to de u m a p erio d ização m ais o b je tiv a ; p recisar a in flu ê n c ia dos m odelos
de exportação sobre os preços do m ercad o in tern o ; v erific ar as relaçõ es en tre os preços
do m ercad o in tern o e o processo d e in d u stria liz a ç ã o .
E scolhendo treze p ro d u to s, a au to ra d e c lara “ter ten ta d o o b ter preços de produtos
hom ogêneos e d a m esm a fo n te g e o g rá fic a ”. 13 N ão fica claro , co n tu d o , o q ue ela
en ten d e por pro du to s h o m o gên eo s; h o m o g ên eo s com relação a quê? Em relação a
séries cro n o ló gicas de ig u a l d u ração o u à q u a lid a d e d o p ro d u to , q ue po de variar
m uito? A s fontes u tiliz a d a s são de do is tip o s: por u m lad o , h o sp itais e irm an d ad es
(S an ta C asa de M ise ricó rd ia e O rd em T e rc e ira de São F ran cisco d a P en itên cia) e, por
o u tro , o J o r n a l do C om m erciô, q u e po de ser co n sid e ra d o u m a fo n te o ficial d a época,
com dados q u e têm as características das tab elas d iv u lg a d as pelas au to rid ad es. D e fato,
an alisan d o estas fontes, a a u to ra d iz: “O s preços das in stitu iç õ e s religio sas são m ais
baixos que os do m ercad o , p o r cau sa das redu ções o ferecid as pelo s fornecedores nas
com pras em grandes q u an tid ad es. O s preços o ficiais p u b licad o s no J o r n a l do Comm ercio
de 1 84 0 a 1 8 7 0 , sob a ru b rica ‘Preços co rren tes d a P ra ç a ’, e de 1 87 0 a 1 9 0 0 na Revista
do M ercado e em Gêneros de Consum o , são m ais baixo s q u e os d a v en d a no varejo e m ais
altos que os da ven da no atacad o . C o in c id e m com os das in stitu içõ es. H á um período
de superposição das diversas fontes, q u e p e rm itiu a co m p aração de suas co n tab ilid a-
des; foí necessário tam bém fazer u m a p esq u isa sobre a co rresp o n d ên cia en tre os diver­
sos pesos e m edidas utilizado s no curso desse lon go p e río d o .” 14 D eixando de lado,
nesta lon ga citação, a referência aos pesos e m ed id as, passo a ten ta r en ten d er o resto.
Se bem com preendi, L ahm eyer Lobo u tiliz o u , para o perío do 1820—1840, os
preços consignados nos livros do q ue d en o m in a 'in stitu içõ es religio sas'. O ra, Johnson,
que trabalhou exatam ente com as m esm as fontes en tre 1720 e 1820, afirm a textual­
m ente que esses preços “eram preços de m ercado, livres, exceto q u an d o a instituição
fazia um contrato extraordinário, quase sem pre m en cio n ad o ".13 O q u e Lahm eyer
Lobo sustenta é justam ente o con trário . Ela fala de “reduções oferecidas pelos fornece­
dores , sugerindo que, nesse período, essas instituiçõ es tin h am m udado de tática e já
não se abasteciam no m ercado varejista. A autora, no entanto , não dá explicação
algum a sobre o fato e parece ignorar a análise desse tipo de fonte feita po r Johnson.
Ficamos portanto na incerteza no tocante atjs o iten ta anos (1 7 6 0 —1840) abrangidos
pela com binação dos estudos de Johnson e de Lahm eyer Lobo. .
L iv r o VII - Q D in h e ir o d o s B a ia n o s
559

C om « b ç * > ao p m o d o dc 1840 a 189 0, L ahm eyer Lobo usou com o fontes o


Jo rn a ! do C om m ercio e a Remsta do M ercado. Segu n d o ela, os preços publicados nesses
dois jo rn ais eram m a.s b a.x o s q u e os da venda no varejo e m ais altos que os da venda
no atacado . M a is u m a vez estam os no rein o da incerteza. Q ue parâm etros em basam
essa afirm ação? E la só p o d eria ser v ílid a se houvesse séries de preços no atacado e no
varejo, caso em q u e d ev eriam te r sido u tilizad as pela au to ra. Q u e sign ificam , aliás, as
expressões m ais baixos e m ais a lto si C o n tu d o , é com base nessa nebulosa apreciação
que a auto ra d eclara q u e os preços “oferecidos às in stitu içõ es” eram ... ‘m édios’ (expres­
são m in h a). P reo cu p ad a talvez com a v ero ssim ilh an ça, apressa-se em dizer que houve
um período de su p erp o sição das diversas fontes q ue p erm itiu a com paração de suas
con tab iíidades. S e isso d e fato o co rreu , p o r q u e a au to ra não especificou tal período,
para fu n d am en tar a a n á lise de suas fontes? Em sum a, q ue valor podem os atrib u ir a
análises feitas a p a rtir de dados tão co n testáveis e apresen tadas n u m a H istó ria do Rio
de Ja n eiro : do c a p ita l co m e rcia l ao ca p ita l in d u s tria l e fin a n ce iro ?16
Não o b stan te, h á e co n o m istas q ue usam tais dados sem dar m ostras de inquietação
com suas im p recisõ es. Foi o caso de M irc e a B uescu, que u tiliz o u séries elaboradas por
ele, por Jo h n so n , p o r L ah m eyer Lobo e po r m im m esm a, explicando certas incoerên­
cias nas variaçõ es dos preços a p a rtir d a in co n sistên cia do m ercado, das diferenças no
núm ero e na n a tu rez a dos p ro d u to s q ue com p õem os índices de cada autor (por
exem plo, o peso m u ito a lto dos p ro d u to s n acio n ais de consum o intern o em certos
períodos), sem ja m a is q u e stio n a r, por u m lad o , a fid ed ig n id ad e dos dados que integra­
vam as séries e, p o r o u tro , a h o m o g en eid ad e dos produtos cujas variações de preços se
com p aravam .17 J á in d iq u e i o q u a n to as séries em q uestão deixam a desejar no tocante
à fid ed ignid ade; q u ero d estacar ap en as q u e, segundo M ircea B uescu, os preços dos
gêneros p u b licad o s nos jo rn ais seriam os do atacado .
No tocante à h o m o g en eid ad e dos pro du to s, o problem a que se coloca é da m esm a
ordem: além do peso, há a questão da q ualidade. N ão rerornarei ao problem a dos pesos
e medidas e suas co n v ersõ es,18 m as go staria de frisar m ais um a vez com o é im portante
ter certeza sobre a h o m o g en eid ad e dos gêneros cujos preços se com param e da clara
definição destes q u an d o da com p osição dos índices. De fato, no caso de quase todos
ns alim entos, os preços variam segundo a q ualidade, e um mesm o produto pode apresen
tar qualidades diversas, fi preciso, portan to, q u e a q u alid ad e seja claram ente definida
Para sc saher exatam en te o q ue se está com parando. Em sua série sobre os preços do
açúcar, Lahm eyer Lobo, por exem plo, tom a como ‘q u alid ad e’ o açúcar mascavo. Ora,
Buescu considera quatro q u alid ad es dc açúcar, en tre brancos e mascavos, e entre elas
há consideráveis diferenças dc preço; o açúcar mascavo dc tipo Santos era 12,2% mais
barato que o de tipo C am po s. Indo m ais longe, Lahm eyer Lobo náo hesita em subs­
tituir seu açúcar m ascavo dc C am pos pelos provenientes dc Pernam buco e de M aceió
cada vez que há um a lacuna cm sua série original. O preço do açúcar mascavo que
v'nha do N ordeste era m ais caro, m ais barato ou igual ao do flum inense? A autora não
* pronuncia a respeito. Exemplos assim poderiam ser m ultiplicados, mas seria enfa­
B a h ia , S é c u l o X I X

do n h o . D igo apenas, para c o n clu ir, q ue no estado cm q ue se en co n tram os estudos


sobre os m o vim en to s dos preços em S alv ad o r e no R io d e ja n e iro , as com parações
podem su g erir certas orden s de gran d eza, m as de m odo alg u m d e fin ir m ovim entos
cíclico s e c o n ju n tu ra is. Se as fontes p rim árias são escassas, as séries disp o n íveis, dado
o m odo com o foram p rep arad as, devem ser u sad as com a m ais extrem a prudência.
P ara m eu estu d o dos m o vim en to s dos preços na B ah ia , u tiliz e i a ú n ic a fonte — a
S an ta C asa de M ise ricó rd ia — q u e o ferecia as co n d içõ es necessárias à elaboração
estatística. D eixei de usar p esq u isas feitas nos co n ven to s do C a rm o , de São B ento, de
São F rancisco (a cu jo s dados não tive acesso d ireto ) e do D esterro (que não p erm itiu
dados ho m o gên eo s, n em c o n tín u o s), b em com o dos A rq u iv o s M u n ic ip a is d e Salvador
(em cujo s registros ap arecem ap en as as q u a n tid a d e s , sem preço s), l e n h o p len a cons­
ciên cia das lim itaçõ es in eren tes ao uso de u m a fo n te ú n ic a , m as não h avia esco lha, e
acred ito q ue ela po de fo rn ecer u m a base re la tiv a m e n te co rreta p a ra o aco m p an h am en ­
to dos preços em S alv ad o r ao lo n go do sécu lo XIX.
O s livros de despesas d a S a n ta C asa, an exad o s aos registro s das receitas e despesas,
com p õem -se de d o cu m en to s referen tes a to d o tip o de gasto efetu ad o p ela in stitu ição
em cad a an o c o n tá b il, seja p ara o h o sp ita l, seja p a ra o re c o lh im e n to de m u lh eres que
fu n cio n ava em an exo . Esses registro s co m eçaram a ser feito s no in íc io do século XVIII,
m as ap resen tam m u itas lacu n a s até 1 7 4 0 . A p a rtir de en tão to rn am -se regulares e
assim q uase sem p re se m an têm até nossos d ias. E stão m u ito b em con servado s, exceto
no to can te a alg u n s anos do sécu lo X V III, d a n ific a d o s p o r c o n su ltas.
A té 1 8 2 7 , as despesas do h o sp ital a b ra n g ia m u m a g a m a de p ro d u to s m u ito m ais
variad a q ue as do reco lh im en to , co n tab iliz a d as sep arad a m en te. A ssim , só recorri aos
dados referen tes a este seto r d a in stitu iç ã o p a ra os anos em q ue m e faltav am dados
referentes ao h o sp ital. N o to can te ao sécu lo X IX , aliás, essa su b stitu iç ã o só foi neces­
sária nos anos 1818/19 e 1824/25, L a m en ta v elm en te, há u m a la c u n a na d o cu m en ta­
ção entre 1 83 3 e 1 8 4 2 , o q ue nos im p ed e de a co m p a n h ar o m o v im en to dos preços
nesse período co n tu rb ad o na h istó ria d a c id a d e .19
U m a d u p la p reo cup ação n o rteo u m eu estu d o : tra b a lh a r com um lon go intervalo
de tem po c escolher produtos sign ificativ o s, cu jo s preços pudessem ser acom panhados
por longos períodos, sem d csco n tin u id ad es.
Para abranger o intervalo m ais lon go possível, d efin i com o ponto de p artid a o ano
de 1750 c com o lim ite final o de 1 9 3 0 , situ ad o s bem aq u ém e bem além do período
dc 89 anos que nos interessa (1 801 —1 88 9). Q u atro razões d eterm in aram essa escolha:
a existência dc docum entação bastante regu lar a p artir de m eados do século XVIII; o
desejo dc oferecer a historiadores c econ om istas u m a série tão longa quan to possível;
a intenção dc possibilitar com parações com estudos análogos existentes no Brasil e
sobretudo no exterior, ain d a que pautados por outros critério s; por fim , a razão p rin ­
cipal; quanto m ais lon ga for, inais bem u m a série Indica os ritm os observáveis num a
conjuntura, cujos m ovim entos não coin cidem necessariam ente com os cortes cronoló­
gicos tradicionais.
L iv r o V I I - O D in h e ir o dos B aianos 561

A e s c o lh a d o s p r o d u t o s a c o n s i d e r a r foi o r i e n t a d a p o r três c r it é r io s . E m p r im e ir o
lu g a r, já q u e se t r a t a v a d e e s t a b e l e c e r u m a s é r ie c r o n o ló g ic a , e r a p r e c is o d is p o r d e sé ries
an u ais d e d a d o s , c o m p r e ç o s e x p re sso s n a m o e d a c o r r e n t e d a é p o c a , c o m h o m o g e n e id a d e
de pesos e m e d i d a s e d e p r o c e d ê n c i a g e o g r á f ic a . E m s e g u n d o lu g a r , o q u e m e in te r e s ­
sava e r a m p r e ç o s d e g ê n e r o s b á s ic o s d a a l i m e n t a ç ã o c o t i d i a n a d a p o p u la ç ã o d e S a lv a ­
dor. E m t e r c e i r o , e r a d e s e já v e l d i s t i n g u i r , e n t r e ta is g ê n e r o s , p r o d u t o s d e im p o r t a ç ã o
e de e x p o r t a ç ã o , i n d i c a n d o q u a i s e r a m os d e c o n s u m o g e r a l. A e s c o lh a r e c a iu e m
d e z o ito p r o d u t o s — q u e c o n s i d e r e i r e p r e s e n t a t iv o s d a p r o d u ç ã o a g r íc o la d a B a h ia , p o r
u m la d o , e d o c o n s u m o b a i a n o , p o r o u t r o — , d i v i d i d o s e m três c a te g o r ia s : p r o d u to s
de e x p o r t a ç ã o ( a ç ú c a r , 1 7 5 0 - 1 9 3 0 ; e c a f é , 1 8 1 0 - 1 9 3 . 1 ) , p r o d u t o s d e im p o r t a ç ã o (fa ­
r in h a d e tr ig o , a z e it e d e o l i v a , b a c a l h a u , v i n a g r e , m a n t e i g a e c h á ) e p r o d u t o s d e o r ig e m
e c o n s u m o lo c a is ( f a r i n h a d e m a n d i o c a , c a r n e fre s c a , f e ijã o , a r r o z , c a r n e - s e c a , t o u c in h o ,
g a lin h a , ó le o d e b a l e i a e ó l e o d e r í c i n o ) . A l o n g a e x p l i c a ç ã o n e c e s s á r ia so b re as d i f i c u l ­
d ad e s d e m o n t a g e m d e n o s s a s é r ie e a m e t o d o l o g i a u t i l i z a d a e m c a d a c aso e stá nas
notas d e s te c a p í t u l o .20
E n tr e os p r o d u t o s d e e x p o r t a ç ã o , n ã o i n c l u í o c a c a u , o a l g o d ã o e o f u m o , e x p o r ­
tados e m g r a n d e s q u a n t i d a d e s , p o r q u e t a is it e n s , p o u ç o , c o n s u m i d o s n a S a n t a C a s a ,
m a l a p a r e c e m n o s d o c u m e n t o s . N o m á x i m o , e n c o n t r a m - s e a q u i e a l i v a g a s a lu sõ e s,
co m o “6 0 ré is p o r f u m o ” o u “ 2 8 0 ré is p o r c h o c o l a t e ” , s e m n e n h u m a m e n ç ã o d a
q u a n tid ad e c o m p ra d a .
A d iv is ã o d o s p r o d u t o s a l í m e n t a r e s e m trê s g r u p o s tã o r i g i d a m e n t e fix a d o s p o d e
p are ce r u m t a n t o a r b i t r á r i a , s o b r e t u d o n o t o c a n t e à d i s t i n ç ã o e n t r e p r o d u t o s i m p o r ­
tad os e os d e o r i g e m e c o n s u m o lo c a is . A f i n a l ; S a l v a d o r n a o e ra o b r ig a d a a im p o r t a r
q u ase to d o o a l i m e n t o q u e c o n s u m i a ? A s r e g iõ e s a g r í c o la s p r ó x im a s n ã o se d e d ic a ­
vam q u a s e e x c l u s i v a m e n t e à c u l t u r a d a c a n a - d e - a ç ú c a r ? É v e r d a d e q u e o s jo r n a is d a
ép o ca e stão r e p le to s d e r e f e r ê n c ia s a i m p o r t a ç õ e s d e f e ijã o , a rro z , t o u c in h o e tc. M a s ,
por a r b it r á r ia q u e p a r e ç a , e s s a d i s t i n ç ã o p o d e a j u d a r a d is c e r n ir ate q u e p o n to os
p ro d u to s d e c a d a g r u p o e r a m i n f l u e n c i a d o s p o r fa t o r e s e s p e c ífic o s , a fo ra os q u e d e ­
te r m in a m o c u r s o g e r a l d o s p r e ç o s . D e f a t o , os d a d o s i n d ic a m q u e isso n ã o o c o rre u .
A lim e n to s p ro d u / .id o s c c o n s u m i d o s l o c a lm e n t e , p r o d u t o s de e x p o r ta ç ã o ou d e i m ­
p o rtaç ão c to d o s os d e m a is p a r e c e m o b e d e c e r a o m e s m o r i t m o d e v ariaçõ es.
Essa c o e r ê n c ia r e s u lt a c e r t a m e n t e d o fato d e e s t a r e m e m jo g o os preços de m e r c a ­
do de a rtig o s de c o n s u m o d iá r i o , q u e se in f lu e n c i a v a m e se d is c ip lin a v a m uns aos
o u tros. D e fa to , n ã o se d e v e e s q u e c e r q u e , n u m m e r c a d o e sp e c u la tiv o c o m o o de
S a lv a d o r, o in te re s se e m o b te r o m a io r g a n h o p o ssív el s u p la n t a v a o d e fo rn ecer p ro d u
tos alte rn a tiv o s a p reç o s m a is c m c o m a , o q u e p o d e r ia p r o v o c a r u m a b a ix a dos g en ero s
m ais r e q u is ita d o s . N ã o h a v ia , p o r e x e m p lo , m u i t o in te re s se e m p r o p o r o arroz com o
su b stitu to d a f a r in h a d e m a n d i o c a , ou c a rn e - s c c a (o u m e s m o c a rn e de p o rc o d e o u
carn eiro ) em vez d a c a rn e d e boi fresca.
A m a io r ia d o s p r o d u to s c la s sific a d o s c o m o de p r o d u ç ã o e c o n su m o lo cais
farinh a d c m a n d io c a , c a r n e d e bo i fresca, fe ijã o , arro z , fra n g o , sal, óleo d e b aleia
562 B a h ia , S éc u lo X IX

e r a m p r o d u z id o s n a B a h ia ; a l g u n s , p o r é m , n á o c h e g a v a m à c a p i t a l , e m ra z ão dos
p r o b le m a s d e t r a n s p o r t e . A s s i m , g r a n d e p a r t e d a c a r n e - s e c a e d o t o u c i n h o c o m e r ­
c ia liz a d o s e m S a lv a d o r v i n h a s o b r e t u d o d a r e g iã o d o P r a t a , d o R io G r a n d e do S u l e,
n o c a s o d o s e g u n d o , a t é d e L is b o a , p o r q u e a p r o d u ç ã o lo c a l e r a in s u f ic ie n t e e d e m á
q u a l i d a d e e p o r q u e os n e g o c i a n t e s q u e d e t i n h a m o o l ig o p ó l i o d o a b a s t e c im e n t o do
m e r c a d o t i n h a m t o d o in te r e s s e e m m a n t e r o statu quo.
P o r t a n t o , a lis t a d o s p r o d u t o s “d e i m p o r t a ç ã o ” p o d e r i a i n c l u i r a c a r n e - s e c a e o
t o u c in h o . M a s e le s e r a m p r o d u z id o s t a m b é m l o c a l m e n t e , e a p a r c e l a i m p o r t a d a v in h a
p r i n c i p a l m e n t e d e o u t r a s p r o v í n c i a s b r a s i le ir a s . C o n s i d e r a m o s , p o r is so , q u e in te g r a ­
v a m u m c o m é r c i o n a c i o n a l , e n ã o i n t e r n a c i o n a l , c a s o e m q u e o u t r o s fa to re s in te r v i-
r i a m n a fix a ç ã o d e p r e ç o s . N o s s a li s t a r e ú n e p r o d u t o s q u e n ã o e r a m p r o d u z id o s no
p a ís o u o e r a m e m q u a n t i d a d e s í n f i m a s . E o c a s o d a m a n t e i g a , d o v i n a g r e e d o c h á,
c u j a p r o d u ç ã o lo c a l só fo i s u f i c i e n t e p a r a s u b s t i t u i r as i m p o r t a ç õ e s d o e s t r a n g e ir o após
o f im d o n o s s o p e r í o d o . C o m e x c e ç ã o d o c h á — c u j o c o n s u m o n a S a n t a C a s a era
m u i t o p e q u e n o , e m b o r a fo sse p r o v a v e l m e n t e m a i o r q u e o c o n s u m o g e r a l — , os d e ­
m a is it e n s , c o m o f a r i n h a d e t r ig o , a z e it e d e o l iv a , b a c a l h a u e v i n a g r e , e r a m a m p l a m e n ­
te c o n s u m i d o s p e lo c o n j u n t o d a p o p u l a ç ã o .
Q u a n t o a o s p r o d u t o s d e e x p o r t a ç ã o — a ç ú c a r e c afé — , s e u s p r e ç o s n o m e r c a d o
in tern o d e p e n d ia m in te ir a m e n te d as co taç õ e s q u e t in h a m n o m e r c a d o ex tern o , que
a b s o r v ia a m a i o r p a r t e d a p r o d u ç ã o .
Esses g ê n e r o s n ã o t i n h a m t o d o s i g u a l p e s o n o c o n s u m o g e r a l e m S a lv a d o r . A
f a r in h a d e m a n d i o c a , a c a r n e d e b o i e o f e ijã o n ã o p o d i a m f a lt a r n a m e s a d o b a ia n o , fosse
q u a l fosse s u a c la s se s o c i a l, m a s os d e m a i s n ã o e r a m d e c o n s u m o t ã o g e r a l, f ic a n d o fora
d o a lc a n c e d o s m e n o s f a v o r e c id o s . A s f lu t u a ç õ e s d e p r e ç o s d e s s e s it e n s a f e t a v a m ap e­
nas as c a t e g o r ia s d e m a i o r p o d e r a q u i s i t i v o , q u e p o d i a m c o n s u m i r u m a g a m a m ais
a m p l a d e p r o d u t o s e d iv e r s if i c a r s u a a l i m e n t a ç ã o . P o r o u t r o l a d o , f a l t a m à n o ssa lista
p r o d u t o s a m p l a m e n t e c o n s u m i d o s c o m o as f r u t a s e os l e g u m e s , c u l t i v a d o s e m h o rta s e
p o m a r e s . A c o n t a b i l i d a d e d a S a n t a C a s a r e g is t r a a l g u n s p r e ç o s , m a s c o m o n ã o há
m e n ç ã o d e q u a n t i d a d e s , n ã o p o d e m se r c o n s i d e r a d o s . O s liv r o s n ã o e sc la r e c e m
t a m p o u c o a t é q u e p o n to a b a t a t a - d o c e , o a i p i m o u o i n h a m e e r a m u s a d o s p a r a su b sti­
t u ir a f a r in h a d e m a n d i o c a q u a n d o e s ta f a lt a v a o u t i n h a p r e ç o s m u i t o a lto s.
S o b re os h á b ito s a l im e n t a r e s d o s b a ia n o s n o s é c u lo X I X , se o fe ijã o , a c a r n e fresca
e a f a r in h a d e m a n d i o c a e r a m o n ip r e s e n t e s , n ã o se d e v e c o n c l u i r d a í q u e o c a rd á p io
lo c a l fosse p o u c o v a r ia d o . A té os m e n o s a f o r t u n a d o s p o d ia m d iv e r s if ic a r s u a a lim e n ­
ta ç ã o d iá r ia , s e ja p e la m a n e ir a d e p r e p a r a r os p r a to s , se ja p e lo c o n s u m o d e certos
g e n e ro s q u e h o je já n ã o são a p r e c ia d o s , c o m o a c a r n e d e b a le ia o u d o rascasso (u m tipo
d e p e ix e ). Q u a n d o se c o m p r a v a u m a p e ç a d e c a r n e d e b o i, c o m e ç a v a - s e p o r c o m ê -la
n a f o r m a d e ro sb ife: e ra o p r a t o d o d o m in g o . C o m as so b ra s, p r e p a r a v a m - s e d ois o u ­
tros p rato s p a r a os d ia s s e g u in te s : o c o z id o , feito c o m le g u m e s , e o e s c a ld a d o , em q u e
a c a rn e e r a p r e p a r a d a c o m q u ia b o , a b ó b o r a e c o u v e . A f a r in h a d e m a n d io c a , e m d i­
v ersas a p r e s e n ta ç õ e s — p ir ã o , fa ro fa o u a o n a t u r a l — , e r a o a c o m p a n h a m e n t o
n o s B a ia n o s
563

in d efe c tív e l; a f i n a l , s e g u n d o u m d it o c o r r e n t e “só a farin í, u i-


^ U' a [de m a n d io c a l d á su s te n ­
to". O fe ijã o t a m b e m se p r e s t a v a ao p r e p a r o d e d if e r e n te s n r r
fe ijo a d a era soberana. O bacalhau (que era o prato da
roiolos de bo, (embora em geral depreciados) eram basrame c o n s u m id o s . Hábho
co m u m e ra c o n te r f r u ta s — b a n a n a , m a n g a , m e la n c ia , ab a c a x i e tc .21 — m o lh a d a s ’
isto é, p o lv il h a d a s c o m f a r in h a d e m a n d i o c a , s e m e s q u e c e r as g u lo s e im a s e d o c in h o s
de o rig e m a f n c a n a , s e m p r e a v e n d a n a s r u a s p o r a lg u n s tostões.
N a m e sa d o s r ic o s , o b v i a m e n t e m a is f a r t a e v a r ia d a , e s ta v a m p resen tes, além do
pão, q u e ijo , a z e it o n a s , m a n t e i g a , le it e , f r a n g o , p e r u , p o rc o , c a r n e ir o e u m se m -n ú m e r o
de bolos e g e lé ia s e m g e r a l fe ito s n o s c o n v e n t o s , p e la s freiras. N e la fig u ra v a m a in d a
vinhos e c e r v e ja s i m p o r t a d o s d e o u t r o s p a ís e s , m u i t o r a r a m e n t e acessíveis ao c o m u m
dos m o r t a is .22 *
M a is g r a v e a i n d a q u e a f a lt a d e in f o r m a ç ã o so b re os p reço s d as fru tas e dos
leg u m es, q u e m e i m p e d e d e c o n s i d e r a r esses g ê n e r o s , é a c o m p le t a ig n o r â n c ia e m q u e
me e n c o n tr o s o b r e p r e ç o s d e v e s t u á r io , a l u g u é i s e se rv iç o s , q u e s e ria m in d isp en sáv e is
para a a v a li a ç ã o d o c u s t o d e v i d a p a r a o h a b i t a n t e d e S a lv a d o r . F a lt a m - m c ad em ais,
com o já m e n c i o n e i , d a d o s s o b r e as q u a n t i d a d e s to t a is d o s v á rio s p r o d u to s q u e p assa­
vam p elo m e r c a d o d e S a l v a d o r . Isto l i m i t a o s r e s u lt a d o s d as a n á lis e s q u e se s e g u e m ,
em b o ra e u a c r e d it e q u e s e r á p o s s ív e l c h e g a r a u m a i d é i a g e r a l d o m e r c a d o dos preços
em S a lv a d o r n o s é c u lo X I X .
As cifras c o l h i d a s p e r m i t i r a m c o n s t i t u i r sé rie s m e n s a is d e preços p a ra d e te r m in a ­
dos p r o d u to s , a p a r t i r d e m é d i a s a r i t m é t i c a s d o s d if e r e n te s preços e n c o n tra d o s p ara a
m esm a q u a l i d a d e d o s m e s m o s . A s v a r ia ç õ e s a n u a is d o s p reç o s dos p ro d u to s foram
estab elec id a s c o m b a s e n o s p r e ç o s m é d i o s a n u a is — a m é d i a a r it m é t ic a dos preços
m en sais — d e c a d a u m . A p a r t i r d e sse s d a d o s b r u to s d e v a ria ç õ e s a n u a is , fo ram tr a ­
çadas o u tr a s c u r v a s : u s a n d o o m é t o d o d a s m é d i a s m ó v e is q ü in q ü e n a is (d u ra ç ã o a p ro ­
x im a d a d os c ic lo s c u r t o s , q u e v a r ia v a m d e trê s a se te a n o s ), e la b o re i ín d ic e s para c ad a
p ro d u to e s t u d a d o d e 1 7 5 0 a 1 9 3 0 . 23 P o r f im , m o s tr o o m o v im e n t o g eral dos a lim e n ­
tos na B a h ia r e u n in d o , n u m m e s m o g rá fic o , q u a tr o ín d ic es g erais: ín d ic e geral dos preços
n o m in ais d e 1 7 5 0 a 1 9 3 0 p a r a o n z e p r o d u t o s ( 1 7 5 0 = 10 0 ); ín d ic e g eral dos pre­
Ços n o m in a is d e 1 8 1 1 a 1 9 3 0 p a r a q u i n z e p r o d u to s (1 8 1 1 = 100 ); ín d ic e d o c a m b io
m ^dio cm L o n d re s d e 1 8 1 1 a 1 9 3 0 (1 8 1 1 = 10 0 ); ín d ic e d e fla c io n a d o dos preços,
to m an d o -se a lib r a in g le s a c o m o m o e d a d e re fe rê n c ia.
Como o período que nos interessa vai de 1801 a 1889, procurei uma data expres­
siva no ritmo da evolução dos p r e ç o s táo próxima quanto possível do início do seculo.
°p tei assim por 17 8 7 , ano em que claramente se iniciou o período de alta e um cic o
longo. Como já disse, os ciclos curtos duravam entre trés e sete anos. Ao longo do
s^ulo, os preços dos dezoito produtos flutuaram de maneira bastante semelhante,
sobretudo nos períodos de baixas e altas acentuadas. Mas certos produtos exibem um
comportamento diferenciado, como se observa na tabela 96, que mostra os períodos
de alta e d e baixa para os p reço s dos vários itens.
B a h ia , S é c u l o X IX

T A B E L A 9 6

P e r ío d o s d e A lt a e d e B a ix a
n o s P r e ç o s d e A lim e n to s , 1 7 8 6 -1 8 9 0
P ro d lto s K tkrno s A lta B a ix a

F arin h a d e m an d io ca 1 7 9 0 -1 7 9 6 1 7 9 6 -1 8 0 4
1 8 0 4 -1 8 1 7 1 8 1 7 -1 8 2 0
1 8 2 0 -1 8 2 5
1 8 4 5 -1 8 5 8 1 8 5 8 -1 8 6 3
1 8 6 3 -1 8 6 9 1 8 6 9 -1 8 7 3
1 8 7 3 -1 8 7 9 1 8 7 7 -1 8 8 2

C a r n e fresca de boi 1 7 9 2 -1 7 9 8 1 7 9 8 -1 8 1 0
1 8 1 0 -1 8 2 3 1 8 2 3 -1 8 2 5
1 8 4 5 -1 8 5 9 1 8 5 9 -1 8 6 4
1 8 6 4 -1 8 8 1 1 8 8 1 -1 8 8 9

F eijão 1 7 9 0 -1 8 0 1 1 8 0 1 -1 8 1 4
1 8 1 4 -1 8 2 3 1 8 2 3 -1 8 2 7
1 8 4 5 -1 8 4 7 1 8 4 7 -1 8 5 2
1 8 5 2 -1 8 6 1 1 8 6 1 -1 8 6 7
1 8 6 7 -1 8 7 8 1 8 7 8 -1 8 8 7

A rro z 1 7 9 5 -1 7 9 9 1 7 9 9 -1 8 0 8
1 8 0 8 -1 8 2 2 1 8 2 2 -1 8 2 6
1 8 4 5 -1 8 6 6 1 8 6 6 -1 8 7 1
1 8 7 1 -1 8 7 9 1 8 7 9 -1 8 8 7

C arn e -se c a I 8 0 5 —1 81 9 1 8 1 9 -1 8 2 4
1 8 4 5 -1 8 5 8 1 8 5 8 -1 8 6 5
1 8 6 5 -1 8 8 1 1 8 8 1 -1 8 8 8

T o u cin h o 1 7 9 0 -1 7 9 9 1 7 9 9 -1 8 0 6
1 8 0 6 -1 8 1 5 1 8 1 5 -1 8 2 0
1 8 2 0 -1 8 2 5
1 8 4 5 -1 8 5 9 1 8 5 9 -1 8 6 6
1 8 6 6 -1 8 7 1 1 8 7 1 -1 8 7 8 (p atam ar)
1 8 7 8 -1 8 8 6

Aves 1 7 8 9 -1 7 9 9 1 7 9 9 -1 8 1 1
1 8 1 1 -1 8 2 3 1 8 2 3 -1 8 2 9
1 8 4 5 -1 8 5 9 1 8 6 0 -1 8 9 0

Sal ' 1 8 0 1 -1 8 1 0 1 8 1 0 -1 8 1 6
1 8 1 6 -1 8 2 3 1 8 2 3 -1 8 2 7
1 8 4 5 -1 8 5 9 1 8 5 9 -1 8 6 6
1 8 6 6 -1 8 8 0 1 8 8 0 -1 8 8 5

Ó leo de b aleia 1 8 0 1 -1 8 0 1 1 8 0 5 -1 8 1 4
1 8 1 4 -1 8 2 2 1 8 2 2 -1 8 2 4
1 8 2 4 -1 8 3 0

ó le o de rícino IH 45-IH 59 1 8 5 9 -1 8 6 5

P ro d uto s I m po rtad o s

F arinha dc trigo . 1 7 9 0 -1 7 9 7 1 7 9 7 -1 8 0 4
1 8 0 4 -1 8 1 3 1 8 1 3 -1 8 2 2
1 8 2 2 -1 8 2 5 1 8 2 5 -1 8 2 7
1 8 4 5 -1 8 5 6 1856- 1862 .
1 8 6 2 -1 8 6 7 1 8 6 7 -1 8 8 9
U - r p V II - o D iNHEl RO n o s Bai a n o s

Ó leo d e o liva
1 7 9 1 -1 7 9 9 1 7 9 9 -1 8 0 3
1 8 0 3 - 1 808
1 8 0 8 -1 8 1 7 (patam ar)
1 8 1 7 -1 8 2 7
18 4 5 -18 6 9
1 8 6 9 -1 8 7 5
1 8 7 5 -1 8 8 0 1 8 8 0 -1 8 8 8
B acalh au 1 7 9 0 -1 8 0 0 1 8 0 0 -1 8 0 8
I8 0 8 -1 8 M 1 8 1 4 -1 8 2 0
1 82 0 -1825
1 8 2 5 -1 8 2 9
1 8 4 5 -1 8 6 8 ' 1 8 6 8 -1 8 7 3
1 8 7 3 -1 8 7 7 1 8 7 7 -1 8 8 6
V in ag re 1 7 8 8 -1 8 0 2 1 8 0 2 -1 8 0 5
1 8 0 5 -1 8 1 3 1 8 1 3 -1 8 3 0
1 8 4 5 -1 8 5 8 1 8 5 8 -1 8 8 8
M a n te ig a 1 8 0 5 -1 8 7 1 1 8 7 1 -1 8 8 9
Chá 1 8 4 5 -1 8 7 5 1 8 7 5 -1 8 8 9
Produtos de E xpo rtação

A çú car 1 7 8 6 -1 7 9 4 1 7 9 4 -1 8 1 0
1 8 1 0 -1 8 1 6 1 8 1 6 -1 8 2 1
1 8 2 1 -1 8 2 9
1 8 4 5 -1 8 5 9 1 8 5 9 -1 8 6 4
1 8 6 4 -1 8 7 0 1 8 7 0 -1 8 7 6
1 8 7 6 -1 8 8 2 1 8 8 2 -1 8 8 9

C afé 1 8 1 1 -1 8 2 1 1 8 2 1 -1 8 2 6
1 8 2 6 -1 8 3 0
■" - 1 8 4 5 -1 8 6 5 1 8 0 5 -1 8 6 8
1 8 6 8 -1 8 7 6 1 8 7 8 -1 8 8 4

A an álise d e s ta ta b e la c o n f ir m a o s in c r o n is m o g eral e n tre as variações dos preços


dos 18 p ro d u to s c o n s id e r a d o s , s o b r e tu d o nos p e río d o s de alta a c e n tu a d a , com o 1790,
1798, 1 8 1 1 - 1 8 2 2 , 1 8 4 5 - 1 8 5 9 - M a s re v e la ta m b é m exceções: d e 1811 a 1 8 2 2 , os
preços da f a r in h a d e tr ig o , d o az e ite de o liv a , do to u c in h o , d o b a c a lh a u , do v in ag re e
da m anteiga — to d o s im p o r ta d o s — c a ír a m , P o d e ter h a v id o um sim p les a c ú m u lo de
estoques, q u e era preciso liq u id a r ; m as h á u m a s e g u n d a hip ó tese, q u e aliás não excluí a
pnm cira: o e s ta b e le c im e n to , e m S a lv a d o r, d e n e g o c ian te s estrangeiros náo portugueses
P°dc ter ac arre tad o , a lé in d e u m a u m e n to dos esto q u es, u m a espécie dc d isp u ta entre
°s portugueses c os re c é m -c h e g a d o s . Essa b a ta lh a teria d csestab ilizad o um m ercado até
cntão h a b itu a d o às p rática s d o o lig o p ó lio , d a n d o lu g a r a u m a espécie dc concorrência,
4uc teria baixad o os p reç o s.M O u t r a d iscrep ân c ia pode ser observada no período 1845­
1859, mas nesse caso só o feijão b a ix o u ( 1847 —1852 ), o q u e não tenho com o explicar,
19o e n ta n to , ap esar d a elevação co nsiderável oco rrida ao longo dc todo o período,
sitas bruscas n ão sc e ste n d e ram por m ais q u e u n ia dezena de anos, per/odo em q ue
Ccrtamente os c o m e rc ian te s a c u m u la ra m lucros. A esses anos de vacas gordas segui-
r&ni-se, co n tu d o , baixas dc preço ig u a lm e n te bruscas. Os lucros acu m u lad o s no perío­
do dc alta foram gran d es o bastante para sustentar c com pensar os esforços das em p re­
sa* baianas? O u , ao co n trário , foram m edíocres, a lim e n tan d o a especulação?
566
B a h ia . Sêcvi.o XIX

S e ja c o m o for. essas v a ria çõ es p o d e m ser e x p lic a d a s a p a r t ir d a p r ó p r ia e s tru tu ra


d o m e rc a d o d e S a lv a d o r, c a r a c t e r iz a d o p elo m a u a b a s t e c im e n t o , a in s u f ic iê n c ia da
c irc u la ç ã o m o n e tá r ia e d o c r e d ito e por p rá tic a s o lig o p o lís t ic a s d o s a g e n te s c o m e rc ia is .
A esses vício s de o r d e m e s tr u t u r a l, em q u e a aç ã o e as a t it u d e s d o s h o m e n s d e s e m p e ­
n h a m p apel im p o r ta n te , e preciso a c re s c e n ta r m a is d u a s v a riá v e is q u e t a m b é m atu a m
sobre os preços.
A ntes de m ais n a d a , as c o n d iç õ e s c lim á t ic a s t in h a m u m a in f lu ê n c ia c o n sid eráv e l
sobre os preços. Se to d o b o m b a ia n o sa b ia d iz e r, p e lo v e n to , as c h u v a s q u e e stav am a
c a m in h o , é q u e ta n to as c h u v a s e x cessiv as q u a n t o as g r a n d e s secas e r a m c atastró fic as
n u m a região q u e v iv ia n a m a is e s tr e it a d e p e n d ê n c i a d a p r o d u ç ã o a g r íc o la para a
e x p o rtaç ão e a té , c m c e r ta m e d id a , d a s c o lh e it a s n o p r ó p r io q u i n t a l . O r a , c o m o já foi
m e n c io n a d o , o c lim a b a ia n o s e m p r e foi m a r c a d o p e la su c e ss ã o d e p e r ío d o s d e chuvas
v io le n ta s e de secas rig o ro sa s. As a lta s d e p re ç o s d e 1 8 5 8 e 1 8 7 8 , p o r e x e m p lo , d e co r­
reram c e r ta m e n te d e secas. P a r e c e - m e , c o n t u d o , q u e o p a p e l d a s c o n d iç õ e s c lim á tic a s
tem sido em g eral s u p e r e s tim a d o . D e fato , m u i t o p o u c o s d o s p r o d u to s a lim e n ta r e s de
p r im e ir a n e c e ss id a d e e ra m c u lt iv a d o s n as p r o x im id a d e s d e S a lv a d o r , e os q u e p ro v i­
n h a m d o in te r io r t in h a m acesso s e m p r e d if íc il à c a p i t a l , fosse q u a l fosse o c lim a.
A d e m a is , os p e río d o s de a lta d os p reç o s n e m s e m p r e c o r r e s p o n d e r a m às fases d e m aio r
ir r e g u la r id a d e c lim á t ic a (q u e c o r r e s p o n d e r a m , c o m o v im o s , a 3 6 a n o s no s é c u lo X IX ).
N a v e rd a d e, as v a ria ç õ e s d e p reç o n u n c a são d e t e r m i n a d a s p o r u m ú n ic o fato r; ten tar
e x p lic á -las u n ic a m e n t e p elas c o n d iç õ e s c lim á t ic a s é u m re c u rso fác il, q u e e sc am o te ia
v ariáveis de m a io r peso.
O u tr o e le m e n to q u e in flu i so b re os p reç o s é o fato r p o p u la ç ã o . D e fato , u m súbito
a u m e n to d a p o p u la ç ã o f lu t u a n t e d a c id a d e p o d ia a lte r a r a r e la ç ã o e n tre a oferta e a
d e m a n d a , e m p u r r a n d o os p reç o s p a r a c im a , e s p e c ia lm e n t e em S a lv a d o r , em q u e essa
p o p u laç ão flu tu a n te , c o m p o s ta s o b re tu d o d e m a r in h e ir o s , t in h a u m p o d e r a q u isitiv o
m u ito m a io r q u e o d a m a io r ia d o s b a ia n o s .
P o r o u tro la d o , sabe-se q u e a p o p u la ç ã o d e S a lv a d o r q u a s e tr ip lic o u e n tre 1 8 0 0 e
1 889 , apesar das gu erras e e p id e m ia s .25 T e r i a a o fe rta d e g ê n e ro s de p r im e ir a necessi­
dad e trip lic ad o ta m b é m ? P ara sa b ê -lo , seria p reciso c o n h e c e r as q u a n t id a d e s d is p o n í­
veis no m ercad o du c id ad e . É certo q u e as im p o rta ç õ e s a u m e n t a r a m c o n tin u a m e n te ao
longo d e todo o século, m as n ã o sei q u e p ro d u to s cias d c fato a s se g u rav am . A dem ais,
além dc ser um m erca d o c o n s u m id o r , S a lv a d o r c ra u m c e n tro d is tr ib u id o r , inclusive
para o u tras provín cias. S e ria d ifícil a p u r a r q u e p arc ela das im p o rta ç õ e s ficava na
capital, a m enos q u e sc d ispusesse dc d ad o s c o m p le to s so b re a c irc u la ç ã o p ro vin cial e
m tcrprovincial dessas m e rc a d o rias, o q u e está m u ito lo n ge d e ser o caso.
1 ode-se o b jetar ta m b é m q u e ho uve fases d c d e c lín io da p o p u laç ão . C o m o ter
certeza de q u e nesses períodos de g u e rras e e p id e m ia s a d e m a n d a de a lim e n to s tam bém
caía? A febre am arela, q u e grassou dc 1 8 4 9 a 1H51, c o c ò le ra -m o i bo, q u e teve seu
clím ax cm 1855 c 1 856 , co rresp o n d eram a u m p e río d o d c elevação bastan te acen tu ad a
os preços, in iciad o em 1 845 . Até q u e p o n to parte im p o rta n te da p o p u lação deixou
U v ro VII - o D in h e ir o d o s B a ia n o s

d e re c o rr e r a o m e r c a d o d e S a l v a d o r p o r fa lta d c p o d e r d e c o m p ra ? S u b a lim e n t a d a
essa
p o p u la ç a o ta lv e z t e n h a r e s t s u d o m a l ao s a t a q u e s e p id ê m ic o s . C o m o e ta p rovável '
m en te
nessas c a m a d a s s u b a l i m e n t a d a s q u e as e p id e m ia s fa z ia m m a io r n ú m e r o d e v ítim a s a
m a io r m o r t a l i d a d e ta lv e z n a o a lte r a s s e m u i t o o n ív ei d a d e m a n d a . Por o u tro lad o as
e p id e m ia s , a l e m d e m a t a r , d e s o r g a n i z a m a p r o d u ç ã o e o a b a s t e c im e n t o o q u e t fa m r
d e e le v a ç ã o d o s p r e ç o s . V i m o s , p o r e ite m p lo , q u e n a v io s e v ita v a m e n tr a r n a b a ía o u
a t r a c a r n o p o r t o . A s s t m , m e s m o q u e a m o r t a l i d a d e p r o v o c a s s e re d u ç ã o d a d e m a n d a
a o fe rta t a m b é m d i m i n u í a . O s p e r ío d o s d e b a ix a e r a m tã o n u m e r o s o s q u a n to os dê
a lta , m a s , c o m o v e r e m o s , s u a a m p l i t u d e e r a m u i t o m e n o r .
P a r a v e r i f i c a r a t é q u e p o n t o e s ta a n á li s e , b a s e a d a n o s m o v im e n t o s dos preço s de 18
p r o d u to s c o n s i d e r a d o s e m s e p a r a d o , r e f le te o m o v i m e n t o g e r a l d os preço s em S a lv a ­
d o r, c o n s t r u í m o s d o is í n d i c e s g e r a is : o p r i m e i r o le v a e m c o n t a p reç o s d e 11 p ro d u to s
(arro z, f a r i n h a d e t r i g o , f a r i n h a d e m a n d i o c a , f e ijã o , c a r n e b o v in a fresca, g a lin h a ,
t o u c in h o , ó le o d e o l i v a , a ç ú c a r , sa l e v i n a g r e ) e o a n o b a se é 1 7 5 1 (= 100 ); o se g u n d o
c o r r e s p o n d e a 1 5 p r o d u t o s (o s a n t e r i o r e s m a is c a fé , b a c a lh a u , m a n t e ig a e carn e-seca)
e o a n o b a se é 1 8 0 0 (= 1 0 0 ) . C o m o as t e n d ê n c i a s d e lo n g o p raz o d e stas d u a s curvas
são p r a t i c a m e n t e i d ê n t i c a s , e s c o l h e m o s p a r a n o s s a a n á li s e a s e g u n d a , q u e a b arc a o
p e r ío d o m a is l o n g o ( 1 7 5 1 —1 9 3 0 ) . A l é m d is t o , u t il iz e i os d a d o s d o ín d ic e geral de
p reço s (p r e ç o s n o m i n a i s ) c o m o b a s e d o s p e r í o d o s e c ic lo s q u e a p r e s e n to n a ta b e la 9 7 .

T ABE LA 97

■ Í n d ic e G e r a l NAo P o n d e r a d o (1 7 5 1 = 100)

D uração A no s d e P ic o 1 P er ío d o s d e A lta D esvio f.m % 2 P eríodos de B aixa D esvio f.m % j

18 1758 1 7 5 0 -1 7 5 9 3,9 1 75 8 -176 8 9,3

1 76 8 -1778 22 ,7 1 78 3 -1 78 8 6,7
15 178 3
(10)4 (1 7 6 8 -1 7 7 8 ) (8,2)
(5) (1 7 7 8 -1 7 8 3 )
1799-1804 16,1
16 1799 1 7 8 8 -1 7 9 9 68,5

23 1 8 0 4 -1 8 2 2 33,4 182 2-1827 .—.


1822
1859-1864 10,6
19 1859 1 8 4 5 -1 8 5 9 100,0
1 8 70 -18 74 2,5
10 1870 1 8 6 4 -1 8 7 0 13,8
1879-1885 18,9
12 1879 1 8 7 4 -1 8 7 9 10,9
1899-1905 32,1
19 1899 1 8 8 6 -18 9 9 105,4

23 1928 1 9 0 5 -19 2 8 248,5 --------------


(3) P ira precisar os ano* dc pico, usa mo* to m o referência os períodos p a ri tis quais 11 ^ dois subciclos do
« d o . (2) c (3) P rctisão dc cerca de 0,2 % . (4) O s dados entre p a rím esu definem as
clico 1 7 6 8 -1 7 8 3 .

Com o se observa, entre 17 51 e 1 9 3 0 distinguem-se claramente oito


que duraram de dez a 23 anos, ou seja, 16,5 anos em média. Essescic os, p ■
sc in sc re v e m e m c in c o p e r ío d o s o u fases q u e c o m e x ce çã o a p r im
568 B a h ia , S í c i t o X I X

Í n d ic e s E c o n ô m ic o s (m é d ia s m ó v e is q ü in q ü e n a is )

A = ín d ic t geral dc preçoi — 1 1 produtos {rtio ponderados). 1751 a 100; B = íhdiCC geral de preços - 15 produtos (nao ponderados). tS J l *
100, C = índice de preços (defladonado)* M (média) = 139» D - t it a de câmbio (libras esterlinas, segundo cotação em mil réis). 1811 = 100,

e 1 7 8 7 — a p r e s e n t a m r it m o s m a is o u m e n o s s e m e lh a n t e s , isto é, são m a r c a d o s pela


su c e ss ã o d e a ltas e b a ix a s b r u s c a s . S ã o eles: 1 7 5 0 - 1 7 8 7 ( 3 7 a n o s ); 1 7 8 7 - 1 8 2 1 (33
a n o s ); 1 8 4 5 - 1 8 8 7 ( 4 2 a n o s ); 1 8 8 7 - 1 9 0 5 ( 1 8 a n o s ) ; 1 9 0 5 - 1 9 2 8 (2 4 a n o s).
P o r q u e e ssa d if e r e n ç a d e d u r a ç ã o e n t r e as três p r im e i r a s fases e as se g u in te s? A
p r im e ir a c o n s t a ta ç ã o a q u e o e x a m e d a t a b e la c o n d u z é q u e foi nessas d u a s ú ltim as
fases q u e se p r o d u z ir a m as a lta s e b a ix a s m a is a b r u p ta s e m to d o o in te r v a lo de 1751
a 1930.
T e r i a isso s id o p r o v o c a d o p e lo E n c ilh a m e n t o ( p o lít ic a f in a n c e ir a c o m q u e o g o ­
v e rn o r e p u b lic a n o t e n t o u e n f r e n t a r a c ris e v ig e n te )? P o r u m d e c r e to d e 17 d e jan eiro
d e 1 8 9 0 , o g o v e rn o p e r m it i u a c ria ç ã o d e n o vo s b a n c o s , c u ja s em issões deveriam
fin a n c ia r o d e s e n v o lv im e n to a g r íc o la , in d u s tr ia l e c o m e r c ia l do p aís. O resu ltad o foi
b e m d ife re n te : a a b u n d â n c ia d e n u m e r á r io e as f a c ilid a d e s d e c ré d ito p ro p iciara m o
s u r g im e n to dc to d a so rte d c c o m p a n h ia s c u jo o b je tiv o p r in c ip a l era e sp e cu lar sobre as
flu tu aç õ e s dos v a lo re s d e suas re sp ec tiv as açõ es, c u ja e m issã o o Estado g a ra n tia , sem
ex ig ir dos fu n d a d o re s a d e v id a c o n tr a p a r tid a . A febre e sp e c u la tiv a , o jo g o nas bolsas,
to m o u c o n ta d c to d as as p ro v ín c ias, e a B a h ia não e sc a p o u . A in flação a u m e n to u em
ritm o g alo p an te e a taxa d c c â m b io não ficou atrás: o m ü réis, q u e cm 1 8 8 9 correspondia
a 2 6 ,4 p e n c e , e m 1 8 9 2 já n ã o valia m ais q u e dez.
Essa in flação to rn o u -se c m se g u id a e n d ê m ic a e ja m a is foi ju g u la d a , m algrad o
todos os esforços do g o v e rn o federal. Dc 1 8 9 0 a 1 9 3 0 , as em issões m o n etárias passa­
ram de 2 9 8 . 9 0 0 :0 0 0 a 2 . 8 4 2 . 0 0 0 : 0 0 0 d c réis, ao passo q u e em sessenta anos, de 1830
L iv r o V II - Q D tnheiro d o s B a ia n o s
569

a 1890, t in h a m c r e s c id o d e 2 0 . 5 0 0 : 0 0 0 a 2 9 8 . 9 0 0 : 0 0 0 de réis. E ntre 1 8 8 9 e 1898


emissão d e p a p e l- m o e d a a u m e n t o u 2 6 9 , 7 % , e n q u a n t o os preços a u m e n ta v a m 209 6 %
Entre 1 8 9 8 e 1 9 0 7 , p r e o c u p a d o e m r e d u z ir o d é f ic it, o g o v e rn o re d u z iu suas despesas'
investiu n a f o r m a ç a o d c c a p i t a l fixo e n e g o c io u no e s tra n g e iro u m funding loan que
aliviou a d ív id a e x te r n a . A c ir c u la ç ã o m o n e t á r ia d im i n u i u , h a v e n d o u m período dc
deflação e n t r e 1 8 9 8 e 1 9 0 5 , s e g u id o p o r n o v o p e río d o d e in flaç ão , co m au m e n to na
circulação m o n e t á r ia . M a s os p r e ç o s se m a n t i v e r a m estáveis, se g u n d o M . B uescu,
graças ao c r e s c im e n t o d o p r o d u t o re a l. A P r i m e ir a G u e r r a M u n d i a l afe to u p ro fim d a-
m ente as fin a n ç a s f e d e r a is , p o r c a u s a d a d i m i n u i ç ã o d as im p o rta ç õ e s e o crescim ento
das despesas g o v e r n a m e n t a i s . I m p o s s ib i lit a d o d e re c o rre r a e m p ré s tim o s externos, o
governo a u m e n t o u a e m is s ã o d e p a p e l - m o e d a e m 8 9 ,5 % e n tr e 1 9 1 3 e 1 9 1 8 . Os preços
a c o m p a n h a r a m e sse m o v i m e n t o , a u m e n t a n d o 1 0 4 % . O fim d a g u e rr a não trou xe
m elh o rias: e n t r e 1 9 1 9 c 1 9 2 4 a c i r c u l a ç ã o m o n e t á r ia a u m e n t o u 6 9 ,6 % e os m eios de
p a g a m e n to 1 1 , 6 % . 26
A c u r v a d o í n d i c e d e m a i o r d u r a ç ã o p a r a o s é c u lo X IX , no g ráfico , b e m co m o os
dados d a t a b e la 9 7 , m o s t r a m a r a p id e z c o m q u e p e río d o s de fortes elevações de preço
(m ais d e 2 0 % ) — 1 8 0 4 —1 8 2 2 , 1 8 4 5 - 1 8 5 9 — fo r a m s e g u id o s p o r p e río d o s de baixas
r e la tiv a m e n te c o n s i d e r á v e is ( 1 8 5 9 —1 8 6 4 , 1 8 7 9 —1 8 8 9 ) . A o q u e p a re ce , ap ós as altas, os
preços n o m i n a i s se e s t a b ili z a v a m e m n ív e is r e la t iv a m e n t e b aix o s e m relação aos do
início do p e r ío d o d e a lta . P o r o u t r o la d o , e n t r e 1 7 9 9 e 1 8 9 9 re g istrara m -se cinco
períodos d e a l t a e i g u a l n ú m e r o d e p e r ío d o s d e b a ix a . M a s , n o to tal, h o u v e c in q ü e n ta
anos de a lta e a p e n a s 2 6 d e b a ix a . É i m p o r t a n t e n o t a r q u e esses an o s d e elevação dos
preços a b s o l u t a m e n t e n ã o c o r r e s p o n d e m a p e r ío d o s d e p r o s p e rid a d e e c o n ô m ic a.
A n te s d e a p r o f u n d a r e s ta q u e s t ã o , p o r é m , c o n v é m c o m p a r a r a c u rv a do ín d ic e
geral d os p re ç o s n o m i n a i s c o m a d a s v a r ia ç õ e s d a ta x a d e c â m b io . U m a foi o inverso
d a o u tra: q u a n d o o p o d e r d e c o m p r a d a m o e d a b r a s ile ir a se d e te rio ra v a co m relação
ao das d e m a is m o e d a s , o í n d i c e n o m i n a l dos p reç o s s u b ia . Essa relação in versa só não
se v e rific o u e n tr e 1845 e 1 8 6 0 , q u a n d o os p re ç o s s u b ir a m m as a p a rid a d e lib ra ester­
lina/m il réis m a n t e v e - s e q u a s e in a lt e r a d a . A f ir m a r q u e esse foi u m p e río d o positivo
o ú n ic o — d a e c o n o m ia b a i a n a é te m e r á r io , u m a vez q u e essa elevação dos preços (no
período em q u e s u r g ir a m o s b a n c o s p r iv a d o s e m is s o r e s )27 foi im p u ls io n a d a , por u m
lado, p e la in fla ç ã o e, p o r o u t r o , p e la s e p id e m ia s e secas d a d e c a d a de
o b stan te, a h is to r io g r a f ia o f ic ia l c la s s ific a esse p e r ío d o c o m o um dos m ais d in âm ic o
desde a I n d e p e n d ê n c ia .2fl ís a n
A c u r v a d e v a r ia ç ã o d o c â m b io m o s tr a t a m b é m q u e nos in tervalo s e 18 a
c d e 1 8 8 9 a 1 9 3 0 , a d e p r e c ia ç ã o d o m il réis foi ig u a lm e n te ráp id a, ao passo q
1831 e 1 8 8 8 o s c ilo u m a ís s u a v e m e n te . N o e n ta n to , nesse p erío d o , a econo
con h eceu a p e n a s u m a fase de re la tiv a reativ aç ão e c o n ô m ic a ( 1845 —1860 ), a q u
inscreveu, aliá s, n u m q u a d r o g eral d e d e c lín io p rogressivo . D e fato, as exportaç
a ú n ic a v a riá v e l d e q u e d is p o n h o p a r a a v a lia r a v ita lid a d e d a e c o n o m ia aian
dirçiinuíram a p a r tir d e 1 8 6 7 .29
B a h ia , S é cu lo X IX

É a c u r v a d o ín d ic e d e f la c io n a d o d o s p re ç o s, p o r é m , q u e p o d e p r o p ic ia r a visão
m a is c o r r e t a d a s t e n d ê n c ia s d e lo n g o p r a z o d a c o n j u n t u r a b a i a n a (c u r v a C n o g ráfico )
A o q u e p a r e c e , h o u v e q u a t r o p e r ío d o s d e r e la t iv a p r o s p e r i d a d e e n t r e 1 8 1 1 e 1929
S u a s d u r a ç õ e s v a r ia r a m ( 9 , 10, 1 1 e 21 a n o s ) , m a s , c o m o se n o t a n a t a b e la 9 8 , as q ue
c o r r e s p o n d e m a o s é c u lo X IX , isto é, ao in t e r v a l o 181 1—1 8 8 1 , t iv e r a m p r a t ic a m e n t e a
m e s m a d u r a ç ã o , o q u e a b s o l u t a m e n t e n ã o o c o r r e u c o m o s p e r ío d o s d e d e p re s s ã o , entre
os q u a is se r e g is tr a u m d e 3 6 a n o s ( 1 8 2 0 - 1 8 5 5 ) e o u t r o d e a p e n a s três ( 1 8 6 7 - 1 8 6 9 ) .
A liá s , a s o m a d o s p e r ío d o s s u p e r i o r e s a p. (+JJ.) e in f e r io r e s a p, ( - p ) m o s t r a q u e , e n tre
1 8 1 1 e 1 8 8 9 , h o u v e m a is d e z e s s e t e a n o s d e b a i x a q u e d e p r o s p e r id a d e . A lo n g a
d e p r e s s ã o q u e se e s t e n d e u d e 1 8 2 0 a 1 8 5 5 — c e r t a m e n t e c o m i m p a c t o m u i t o n e gativ o
s o b re a e c o n o m i a b a i a n a — , m e s m o e n t r e m e a d a d e c u r t o s p e r ío d o s d e p r o s p e rid a d e ,
n a o p e r m i t i u a a c u m u l a ç ã o d e c a p i t a i s , q u e t e r i a p o d i d o e s t i m u l a r a in ic ia t iv a e a
i m a g in a ç ã o d o s d e t e n t o r e s d e v e r d a d e i r a s f o r t u n a s , p r o p i c i a n d o o d e s e n v o lv im e n t o de
a t iv id a d e s p r o d u t iv a s .
F in a lm e n t e , c o m p a r a n d o os m o v im e n t o s d e lo n g a d u r a ç ã o d e s s a c u r v a d e f la c io n a d a
d o s p r e ç o s c o m os m o v i m e n t o s d e l o n g a d u r a ç ã o d e s c r it o s p o r K o n d r a t i e v ,30 verifica-
se q u e as fases e m q u e se in s c r e v e m sã o as m e s m a s .
E ssa c o i n c i d ê n c i a m o s t r a o q u a n t o os p r e ç o s n a B a h i a e r a m c o n d i c i o n a d o s por
fa to re s e x te r n o s . D e f a t o , a m a i o r i a d o s p r o d u t o s q u e c o m p õ e m m e u ín d ic e d e pre­
ç o s e r a m e x p o r t a d o s o u i m p o r t a d o s , h a v e n d o p o r t a n t o i n t e r a ç ã o e n t r e a form ação
d o s p reç o s e m S a l v a d o r e a q u e l e s p r a t i c a d o s n o s m e r c a d o s e x te r n o s . P o r o u tr o lado,

TABELA 98

D if e r e n ç a M á x im a / M ín im a e m R e l a ç ã o à M e d ia n a ( 1 3 9 ,0 )

A n o s de P ic o V alo r D if e r e n ç a m Ax i m a
e de V ale M á x im o s A bso lu ta R e l a t iv a ( % )

1812 180,0 +41,0 +29,5

1829 70,9 -6 8 ,1 -4 9 ,0

1862 162,1 +23,1 + 16,7

1868 133,8 -5 ,2 -3 ,7

1875 172,9 +33,9 +23,4

1884 116,2 -1 2 , -9 ,2

1889 136,6 -2 .4 - 1 ,7

1897 98,1 -4 0 ,9 -29,4

1912 156,4 17,4 + 12,5

1919 235,4 +96,4 +69,3

1923 155,0 + 16,0 + 11,5

1927 173,7 +34.7 +24,9

1929ÍÍ) 127,8 -1 1 ,2 -8 .1
L iv r o V II _ O D in h e ir o d o s B a ia n o s
571

TABELA 99

P e r ío d o s de R e f e r ê n c ia

+ |l D uração
-R D uração
18 11-18 19 9 1820<?)-1855 36
18 5 6 -18 6 6 ' 10 1 8 6 7 -18 6 9 3
1 8 7 0 -1 8 8 1 11 18 8 2 -1 9 0 6 25
1 9 0 7 -1 9 2 8 21 1929-(?) L

Total 51 65

TABELA 10 0

C o m paração entre C ic l o s Longos

C ic lo s d e K o n d r a t ie v B ah ia

1" Ciclo; 1787/89 a 1849/51 1° Ciclo: 1787/90 a 1842/45


Máximo: 1810/ 17 Máximo: 1 8 2 1 -2 4

2» Ciclo: 1849/51 a 1895/96 2 ° Ciclo: 1842/45 a 1895/97


Máximo: 1872/73* Máximo: 1875

3 o Ciclo: 1895/96 a 1932/34 3 o C ido: 1895/97 a 1926


Máximo: 19 2 0 —26 Máximo: 1919

(*) Com exceção dos Estados Unidos, onde o máximo foi em 1865.

não é i m p r o v á v e l q u e os p r e ç o s f ix a d o s d o s p r o d u t o s d e im p o r t a ç ã o in flu e n c ia s s e m
os dos g ê n e r o s p r o d u z i d o s l o c a l m e n t e , e m b o r a n ã o se d e v a s u b e s t im a r o p a p e l d e ­
s e m p e n h a d o p o r f a t o r e s i n t e r n o s . S ó u m a c o m p a r a ç ã o e n t r e p reç o s de im p o rta ç ã o ,
no a t a c a d o e n o v a r e j o , r e v e l a r i a a i n f l u ê n c i a d o m e r c a d o in t e r n a c io n a l so b re o m o ­
v im e n to d o s p r e ç o s n a B a h i a . T a l c o m p a r a ç ã o p e r m i t i r i a a i n d a v e r if ic a r q u e g ru p o
de c o m e r c ia n te s o b t i n h a m a io r e s m a r g e n s d e lu c r o , o q u e n o s d a r ia u m q u a d ro m ais
c o m p le to d o s e le m e n t o s e m j o g o n u m m e r c a d o lo c a l m a r c a d o p e lo o lig o p o lio e o
o lig o p s ô n io . a
R e s ta e x p li c a r — c o m m u i t a p r e c a u ç ã o , d a d o o n ú m e r o li m i t a d o das estatísticas
d isp o n ív e is — c a d a u m d o s m o v i m e n t o s d e lo n g a d u r a ç ã o v e rific a d o s n a c o n ju n tu r a
b a ia n a , c o m s u a s p a r t i c u l a r i d a d e s . T o m a r e i fase p o r fase.

F ase A ( 1 7 8 7 - 1 8 2 1 )
A p ro d u ç ã o d e a ç ú c a r , m o t o r d a e c o n o m i a b a ia n a , foi b e n e f ic ia d a p o r fatores '
e ex tern o s. E n tre os p r im e ir o s , d e s ta c a - s e o p a p e l e x e r c id o a p a r tir d a d é c a a e
p ela M e s a d a I n s p e ç ã o d o A ç ú c a r e d o T a b a c o do g o v e rn o p o rtu g u ê s , c u ja p rm c ip ^
fu n ção e r a s u p e r v is io n a r a q u a l i d a d e d os v á rio s tip o s d e a ç ú c a r e x p o rta o
g e n e id a d e d o p eso n a s c a ix a s e m q u e e r a m r e m e tid o s . P o r o u tr o la d o , c o m a su p r^ .
d o m o n o p ó lio c o lo n ia l e a a b e r t u r a dos p o rto s ao c o m é r c io in te r n a c io n a l, c e r ta s t a x
q u e in c id ia m so b re a p r o d u ç ã o e a e x p o r ta ç ã o d o a ç ú c a r fo ram se n siv e lm e n te red u z i­
das. N a d é c a d a d e 1 8 1 0 , p r o c u r o u -s e m e lh o r a r a p r o d u ç ã o p e la in tro d u ç ã o d e novas
572 B ahia , S éculo X IX

v a r ie d a d e s d e c a n a - d e - a ç ú c a r . Essa fase foi d e t e r m i n a d a t a m b é m p o r u m a c o n ju n t u r a


in t e r n a c io n a l fa v o rá v e l, c o m as g u e r r a s d a R e v o lu ç ã o F ra n c e s a e as n a p o le ô n ic a s , e a
d e s o r g a n iz a ç ã o d a p r o d u ç ã o a ç u c a r e ir a nas A n t ilh a s , e m e sp e c ia l n o H a i t i e n a J a m a ic a ,
o q u e fa v o re c e u as e x p o r t a ç õ e s b a ia n a s . A p r o s p e r id a d e nas a t iv id a d e s aç u c a re ira s
r e p e r c u tiu so b re o u tr o s se to re s d a e c o n o m ia , in c e n t i v a n d o a p r o d u ç ã o e o c o m é r c io de
fu m o e in t e n s if ic a n d o o tr á f ic o n e g r e i r o . .

F ase B ( 1 8 2 1 -1 8 4 2 / 4 5 )

F o i u m lo n g o p e r ío d o d e d e p r e s s ã o a c a r r e t a d o p e la s g u e r r a s d a I n d e p e n d ê n c i a ( 1 8 2 1 ­
1 8 2 3 ) e p o r c o n t u r b a ç õ e s s o c ia is , q u e d e s o r g a n iz a r a m a p r o d u ç ã o . A s itu a ç ã o foi
a g r a v a d a p e la i m p l a n t a ç ã o d e u m n ú m e r o d e s m e s u r a d o d e e n g e n h o s n u m m o m e n to
e m q u e o c r é d it o e r a e scasso e a m o e d a f a ls a d e c o b r e c i r c u l a v a e m g r a n d e s q u a n t i d a ­
d e s. T a m b é m a im p o r t a ç ã o d e e sc ra v o s c o m p li c o u - s e , p o is tr a t a d o s a s s in a d o s a p artir
d e 1 8 3 0 d if i c u l t a v a m o tr á f ic o (a liá s , t i n h a m p o r o b je t iv o f in a l a c o m p le t a a b o liç ã o
desse tr á f ic o ). O r a , e r a c o m o tr á f ic o n e g r e ir o q u e os c o m e r c i a n t e s b a ia n o s — os
f in a n c ia d o r e s d a s a t iv id a d e s p r o d u t iv a s , s o b r e t u d o n o s e t o r a ç u c a r e ir o — au fe ria m
g r a n d e p a r te d e se u s lu c ro s . P o r o u t r o la d o , a r e p o s iç ã o d a m ã o - d e - o b r a to rn o u -se
d if íc il a p a r t i r d e 1 8 3 5 , s o b r e t u d o e m d e c o r r ê n c ia d a v e n d a d e g r a n d e n ú m e r o de
e sc rav o s b a ia n o s p a r a s e n h o r e s d e o u t r a s p r o v ín c ia s , o n d e a c u l t u r a d o c a fé se a m p lia ­
v a. A c o n j u n t u r a in t e r n a c io n a l r e f o r ç o u a c ris e , m o s t r a n d o - s e p o u c o r e c e p tiv a à p ro ­
d u ç ã o a g r íc o la b a ia n a : o a ç ú c a r , p o r e x e m p lo , p a s s o u a se r s u b s t i t u í d o p e lo p r o d u z id o
e m o u tr a s c o lô n ia s , o u p e lo d e b e t e r r a b a .

F ase d e R e c u p e ra ç ã o ( 1 8 4 2 / 4 5 - 1 8 6 0 ) .

M a r c a d a p o r u m a r e a n im a ç ã o r e la t iv a d a e c o n o m i a , e s t a fase n ã o p o d e , a rig o r, ser


q u a lif ic a d a de p ró sp e ra , t e n d o - s e in s c r it o , a liá s , n u m lo n g o p e r ío d o de d epressão
( 1 8 2 0 —1 8 5 5 ). A in t r o d u ç ao d e n o v o s p r o d u t o s — d ia m a n t e s , c afé , c a c a u — n a p a u ta
d e ex p o rtaç õ es, em q u e fo r a m g a n h a n d o m a io r p e so , e a c r ia ç ã o d e in s titu iç õ e s de
c ré d ito d e ra m a l g u m a le n to à e c o n o m ia e g e r a r a m m u i t a s e sp e ra n ç a s nos m e io s co ­
m erciais b a ia n o s, m a s estas lo g o se f r u s t r a r a m . A s e p id e m ia s q u e g r a s s a r a m n a décad a
d e 1850 e os p r o b le m a s d a e c o n o m ia a ç u c a r e ir a im p e d ir a m q u e essas c o n d iç õ e s rela­
tiv a m e n te favoráveis d e sse m lu g a r a u m a r e t o m a d a d o c r e s c im e n t o e c o n ô m ic o d e m ais
lo n go fôlego.

N o v a F a se B ( 1 8 6 0 - 1 8 8 7 )

Este ú ltim o m o m e n t o d a c o n ju n t u r a e c o n ô m ic a d a B a h ia n o p e río d o im p e ria l foi


m arcad o p o r u m a p ro fu n d a d e p re ssã o q u e d eu in íc io a u m d e c lín io sem retorno. As
causas fo ram m u ita s , in te rn a s e e x tern as. As e x p o rtaç õ es de d ia m a n te s en traram em
crise, por força d a c o n c o rrê n c ia dos d ia m a n te s do C a b o ; os carb o n a to s não p o d iam
c o m p en sar a perd a, p o rq u e as d e fic iê n c ias d o tra n sp o rte e n c a re c ia m o p ro d u to , que,
e m b o ra tivesse d e m a n d a re g u lar nos m erca d o s in te r n a c io n a is , t in h a b aixa cotação. As
L i™ VII - o D in h e ir o d o s B a ia n o s

e x p o rta ç õ e s d e a l g o d ã o , q u e t i n h a m c r e s c id o s e n s iv e lm e n t e d u r a n t e a G u e rr a d e Seces
são, c a ír a m a n ív e is m u i r o b a ix o s . P o r f im . a p r o d u ç ã o a ç u c a r e ir a . a d e sp e ito d e u m
esforço c o n s t a n t e p a r a a u m e n t a r a p r o d u ç ã o , v i u - s e p r e j u d i c a d a p e la d e te r io r a ç ã o d os
preços d o p r o d u t o n o m e r c a d o e x t e r n o . N a d é c a d a d e 1 8 7 0 . a c a n a -d e - a ç ú c a r foi
afe ta d a p o r d o e n ç a s e p a r t e d a p r o d u ç ã o foi p e r d id a . P o r o u tr o la d o , os p ro d u to re s d e
aç ú c a r, s e m m e io s d c c r e d i t o d i s p o n í v e i s , m o s t r a v a m - s e d e s a n im a d o s , avessos a in o v a ­
ções. e p e r m i t i a m q u e c o n t i n u a s s e o ê x o d o d e e sc ra v o s p a r a o u tr o s c e n tro s p ro d u to re s
de a ç ú c a r , e m o u t r a s p r o v í n c i a s . A d e p r e s s ã o e c o n ô m i c a q u e se in s t a lo u n a E u ro p a a
p a rtir de 1 8 7 3 v e io t o r n a r d r a m á t i c o u m q u a d r o já s o m b r io .
E m s u m a , S a l v a d o r — e c o m e l a t o d a a P r o v ín c ia — só c o n h e c e u , e m to d o o
século X IX , u m m o m e n t o d e v e r d a d e i r a p r o s p e r i d a d e : os a n o s d e 1 8 0 0 a 1 8 2 1 , in s­
critos n u m p e r í o d o f a v o r á v e l m a is lo n g o , q u e c h a m a m o s d e fase A ( 1 7 8 7 - 1 8 2 1 ) .
A v e lh a c a p i t a l c o l o n i a l a f i r m o u - s e e n t ã o — m a s p o r q u a n t o te m p o ? — c o m o a p r i­
m eira P r o v ín c ia , a p e d r a a n g u l a r d o I m p é r io q u e s u r g ia . A lo n g o p razo , a a n tig a e
se m p re e s r r e ir a d e p e n d ê n c i a d a B a h i a e m re la ç ã o a o s m e r c a d o s ex tern o s m o stro u -s e
e x t r e m a m e n t e d e s f a v o r á v e l p a r a a e c o n o m i a d a r e g iã o , c a d a vez m a is re strita ao p ap el
de im p o r t a d o r a d e p r o d u t o s a í i m e n t a r e s e i n d u s t r i a is e e x p o r t a d o r a de p r o d u to s p r i­
m ário s. A c o n t í n u a d e p r e c ia ç ã o d a m o e d a b r a s i le ir a a g r a v o u essa d e p e n d ê n c ia e exer­
ceu fo rte i m p a c t o s o b r e os p r e ç o s d o m e r c a d o lo c a l. A s v a ria ç õ e s nos preço s das
im p o rta ç õ e s, n u m a b a l a n ç a c o m e r c i a l s e m p r e d e f ic it á r ia , n ã o p o d ia m ser p revistas
nem c o n t r o la d a s . E s ta ta lv e z t e n h a s id o u m a d a s razõ es d a a u s ê n c ia d e c ap italiz aç ão e
de fo r m a ç ã o d e re se rv a s e n t r e o s b a ia n o s , s e m o q u e n a o h a v ia c o m o in v estir em novos
e m p r e e n d im e n t o s , c r ia r as p r e c o n d i ç õ e s d o d e s e n v o lv im e n t o d o se to r in d u s tria l, m e ­
lh o rar os t r a n s p o r t e s e m e s m o e x p a n d i r e d iv e r s if ic a r a p r o d u ç ã o a g ríc o la , so b retu d o
no c u ltiv o d e p r o d u t o s a í im e n t a r e s , o q u e t e r i a p e r m it i d o m in o r a r o d é fic it d a b a lan ça
c o m e rc ia l. D e fa to , a l é m d o in v e s t im e n t o p r iv a d o , s e m e lh a n t e e m p r e ita d a reria e x ig i­
do u m a m u d a n ç a d e m e n t a l i d a d e e a p o io d o E s ta d o . O ra , tal m u d a n ç a de rota era
d ifícil q u a n d o o s g o v e r n o s p r o v in c ia l e n a c io n a l t i n h a m su a p r in c ip a l fon te d e receitas
nas taxas q u e in c i d ia m so b re os p r o d u t o s d e im p o r ta ç ã o .
M a is ta rd e , a in d u s t r ia liz a ç ã o do S u l d o B rasil v e io se la r d e fin itiv a m e n te a sorte
da B ah ia: o m e r c a d o d as im p o r ta ç õ e s e e x p o rta ç õ e s foi s im p le s m e n te deslo cado, sem
ben efício a lg u m p a r a a e c o n o m ia b a ia n a , q u e se tr a n s fo rm o u e m fornecedora dc
m ão -d c -o b ra p a ra o s e stad o s d o S u l, e s p e c ia lm e n te R io d c J a n e ir o , S ão P au lo c M i ­
nas G erais, d o s q u a is c o m p r a v a a lim e n t o s , tecid o s e p r o d u to s m a n u fatu rad o s. A ssim ,
a B a h ia , a p r im e ir a p r o v ín c ia d a G o ló n ia , p arece ter-se e sp e cializ ad o e m ceder tant
suas elites c o m o su a m ã o - d c -o b r a às p ro v ín cias do C e n tr o e do S u l, p a r e c e n d o esm e­
rar-se em v iv er a c im a d e su as p o ssib ilid a d e s, com base em p rática s agrícolas cada vez
■ É-íiJn fr.AjL-ilS

m aís o b soletas. , .
À população, cm constante aumento, n ão restava m u ito mais que tentar sobrevi­
ver, cncapsulada numa economia que não soubera imaginar, prever ou se a aptar.
uma sociedade tã o desprovida de homens de iniciativa, verdadeiros em presários, que
B ahia , S êc lx o X IX

a o m e s m o te m p o t in h a t a m b é m p o u c o s v e r d a d e ir o s a s s a la r ia d o s , u m a vez q u e as
relaçõ es e ra m m a r c a d a s p e lo c s c ra v is m o . A a n á lis e d e ssa d u p l a c a r ê n c ia e u m a m elh o r
c o m p r e e n s ã o d e u m i m p o r t a n t e a s p e c to d a m e n t a li d a d e b a ia n a — o s ig n if ic a d o das
h ie r a r q u ia s s o c ia is — e x ig e u m a c o m p a r a ç ã o e n t r e p reço s e sa lário s.

Os S a i A r i o s e o P r e ç o lm F a r i n h a N o s s a d e C a d a D ia .

S e os a s s a la r ia d o s e ra m p o u c o s n e ssa s o c ie d a d e , c o n v é m l e m b r a r q u e a lg u n s escravos
c o n s e g u ia m d in h e ir o p a r a c o m p r a r s u a a l f o r r ia e m p e n h a n d o a lg u n s a n o s de trab a lh o
(e d e s a lá r io ) , e q u e p a r t e d a p o p u la ç ã o m a s c u l i n a a t iv a liv r e o b t in h a , g ra ç a s ao salário,
a c o n d iç ã o d e e le ito r . E m s u m a , o t r a b a lh o a s s a la r ia d o e r a u m p r iv ilé g io q u e situ ava
u m a p e q u e n a p a r c e la d a p o p u la ç ã o ( liv r e e e s c ra v a ) a c i m a d a g r a n d e m a s s a q u e se via
o b r ig a d a a lu t a r d e o u t r a f o r m a p e lo p ã o d e c a d a d ia .
P o r o u t r o la d o , v im o s q u e o s a lá r io m u i t a s v ez es r e p r e s e n t a v a a p e n a s p a n e da
r e m u n e r a ç ã o g lo b a l d e u m t r a b a lh a d o r , s e n d o c o m u m o e x e r c íc io s im u lt â n e o de
o u tr a s fu n ç õ e s c o m o m e i o d e re f o r ç a r o o r ç a m e n t o . A d e m a is , c e rta s c a te g o ria s de
a s s a la r ia d o s r e c e b ia m o u tr o s tip o s d e r e m u n e r a ç ã o , q u e c o m p le t a v a m o sa lário em
d in h e ir o e lh e c o n f e r ia m o u t r a s i g n i f ic a ç ã o . E ra o c a s o d o s e m p r e g a d o s d o c o m é rc io ,
d o s s o ld a d o s e d e a l g u n s e m p r e g a d o s d c in s t it u iç õ e s d e c a r i d a d e , q u e t in h a m d ireito
a c asa e c o m id a . É im p o s s ív e l, a liá s , a v a lia r a té q u e p o n t o essas v a n t a g e n s se e ste n d ia m
a o u tr a s c a te g o r ia s d e tr a b a lh a d o r e s , c o m o o s a r te s ã o s , q u a n d o t r a b a lh a v a m p a ra par­
tic u la re s o u p a r a in s t it u iç õ e s s e m i p ú b l ic a s . S e ja c o m o for, as f a m ília s desses assalaria­
dos n ã o d e s f r u ta v a m d as m e s m a s v a n t a g e n s : s a lv o e m c aso s e x c e p c io n a is , t in h a m que
ser m a n t id a s c o m o s a lá r io e m d in h e ir o .
A d e s p e ito d e sta s reservas e d a falta d e m u i t a s v a r iá v e is im p o r t a n t e s , creio ser
po ssível c o m p a r a r p reç o s e s a lá r io s , n ã o c o m a p r e te n s ã o d e sc c h e g a r a u m a an á lise do
c u s to d c v id a em S a lv a d o r , m a s a p e n a s d e fo r n e c e r a l g u m a s o r d e n s d e g ra n d e z a sobre
a e v o lu ç ã o do p o d e r d e c o m p r a d o s b a ia n o s . Esse e s t u d o se rá li m i t a d o ta m b é m no
te m p o , a b r a n g e n d o a p e n a s a s e g u n d a m e t a d e do s é c u lo X IX , p e r ío d o a q u e c o rresp o n ­
d em as séries d c sa lário s q u e p u d e le v a n ta r .
E ntre estas, a do c o rp o d c P o líc ia c a d os e m p r e g a d o s d o se to r p riv a d o c o m eç am ,
re sp e c tiv a m e n te , c m 1 8 3 5 c 1 8 4 0 ; to m a r e i p o r b ase a q u i o a n o d e 1 8 4 5 . Entre esse
an o c 1 8 6 3 , a fr e q ü ê n c ia dos a u m e n t o s s a la r ia is foi ig u a l p a ra to d o s os assalariados
co n sid erad o s.
O p r im e iro o b je tiv o será sa b e r q u a is a ssalariad o s não tiv e ra m reaju stes co rresp o n ­
d entes ao a u m e n to dos preços dos g ên e ro s d e p r im e ir a n ec essid ad e , ao m en os entre
18 4 5 e 1 8 5 4 , fase m a rc a d a pela elevação ta n to dos preços c o m o dos salários. A credito
q u e a esco lh a deste p e río d o — q u e foi, aliá s, u m a fase d e re c u p eraç ão d a eco nom ia
b a ia n a p e r m itir á alc a n ç a r um se g u n d o o b jetivo : ve rific ar q u a l foí o co m p o rtam en to
específico dos salário s nos an os de elevação m u it o b ru sca d os preços.
L iv ro V II - O D in h e iro d o s B a ia n o s
575

E n tre os p r e ç o s , t o m a r e i u m t r io d e p r o d u t o s a í im e n t a r e s - f a n n h a de m a n d io c a
carn e d e b o i fre sc a e f e ija o — q u e , c o m o v im o s , e r a m in d e fe c tív e is n a m e sa de ricos e
pobres e a p r e s e n t a m a v a n t a g e m a d i c i o n a l d e s e r e m p r o d u z id o s lo c a lm e n te O s salários
c o n s id e r a d o s s e rã o o s d e a l g u n s m e m b r o s d o c o r p o de P o líc ia , e m p r e g a d o s do C o lé g io
dos Ó rfã o s d e S ã o J o a q u i m , a r te s ã o s ( p e d r e ir o , c a r p in t e ir o ) e se rv e n te s h o m e n s
O s p r e ç o s d a f a r i n h a d e m a n d i o c a e d o f e ijã o tiv e r a m a u m e n t o s c o n sid e rá v e is de
18 5 4 a 1 8 6 3 ( 1 3 9 , 6 % e 1 4 3 , 9 % ) ; j á a c a r n e b o v in a , n o m e s m o p e río d o , b a ix o u 3 7 %
após ter s u b i d o 5 % e n t r e 1 8 4 5 e 1 8 5 4 . O s s a lá r io s t a m b é m a u m e n t a r a m , e s p e c ia l’
m e n te e n t r e 1 8 4 5 e 1 8 5 4 , m a s só o c o m a n d a n t e d a P o lí c i a p a r e c e te r tid o u m a u m e n ­
to q u e c o m p e n s a v a p l e n a m e n t e a a l t a d o p r e ç o d e sse s g ê n e r o s . A lg u n s salário s fic aram
estáveis ( e s c r e v e n t e , p e d r e i r o ) , o u t r o s a t é d i m i n u í r a m ( c a r p in t e ir o , se rv e n te ); j á os
c a p itã e s e p r i m e i r o s - s a r g e n t o s d a P o l í c i a e os p r o fe s s o r e s p r im á r io s d o C o lé g io São
J o a q u i m , se u s s a lá r io s só r e c u p e r a r a m p a r c i a l m e n t e o p o d e r a q u is itiv o

. T A B E L A I 0 1

V a r i a ç õ e s d e P r e ç o s , 1 8 4 5 - 1 8 6 3 (em r é i s )

1845 1854 1854/1845 (%) 1863 1863/1845 (%)

Farinha de mandioca (litro) 37,4 60,2 6 l ,0 89,6 139,6

Carne fresca (quilo) 2 17 ,1 227,9 5,0 209,0 -3,7

Feijão (quilo) 134,2 152,1 13,3 327,3 143,9

T A B E L A 1 02

V a r i a ç õ e s d e S a l á r i o s , 1 8 4 5 - 1 8 6 3 (em c o n t o s d e r é i s )

1845 1854 1854/1845 (%) 1863 1863/1845 (%)

Comandante geral da Polícia 1:440 2:265 57,3 3:360 133,3

Capitão da Polícia :840 1:080 28,5 1:560 85,7

25,0 :500 71,2


Primeiro-sargento da Polícia :292 :365
:800 100,0
Professor primário (S. Joaquim) :400 :500 25,0

R&cfevenre (S. Joaquim) 0,0 1:000 122,0


:450 :450
.

44.0
o

Pedreiro :250 :250 0,0


1

:400 42,8
Carpinteiro :280 :250 -7,1
-1 6 ,6 :250 108,3
Servente :120 ; 100

D e 1 8 5 4 a 1 8 6 3 , to d o s os sa lá rio s s u b ir a m , m a s só o c o m a n d a n te de p o lícia, os
serventes re c ru ta d o s e n t r e os escravo s, os professores p r im á rio s e os escreventes tive
ram a u m e n to s c o r r e s p o n d e n te s à e le v aç ão dos preço s. O s o u tro s fic aram perto disso,
exceto os arte são s, q u e p a re c e m ter atrav essad o u m p e río d o crític o . Para todas essas
catego rias, os a u m e n t o s d e sa lário o c o rrid o s e n tre 1 8 5 4 e 1 8 6 3 p a re c e m ter sido
provocados p e lo a u m e n t o d os preços o c o rrid o an tes de 1853-
576 B a h ia , S é c u l o XIX

P a r a u m a a n á lis e d o p o d e r d e c o m p r a d e sse s s a lá r io s , t o m a r e i c o m o b a s e o dos


p e d r e ir o s , q u e c o n s id e r o r e p r e s e n t a tiv o s d o s t r a b a lh a d o r e s m a n u a i s e s p e c ia liz a d o s ,
Esses a r te s ã o s , ao c o n t r á r i o d o s s u b o f ic ia is d e P o líc ia , d o s s o ld a d o s o u d o s e m p r e g a d o s
d o o r fa n a to , n ã o r e c e b ia m b e n e f íc io s a d i c i o n a i s a o s a lá r io , c o m o a l im e n t a ç ã o . Eram
p a g o s n a f o r m a d e d iá r ia s , q u e f o r a m a q u i c o n v e r t i d a s e m a n u a l i d a d e s c o m base no
p r e s s u p o s to , j á d is c u t i d o , d e q u e u m o p e r á r i o d a c o n s t r u ç ã o , n o s e to r p r iv a d o ou
p ú b lic o , tr a b a lh a v a 2 5 0 d ia s p o r a n o .
P a ra a v a lia r o c o n s u m o , t o m e i p o r b a s e u m a f a m í l i a c o m c in c o m e m b r o s . N a
é p o c a, as f a m ília s ta lv e z fo s se m u m p o u c o m a i s n u m e r o s a s , m a s os jo v e n s d e m a is de
d o z e a n o s e as m ã e s p o d i a m g a n h a r a l g u m d i n h e i r o , a u m e n t a n d o a s s im a re n d a
f a m ilia r ; o m e s m o o c o r r ia c o m a c o n t r i b u i ç ã o d e u m e v e n t u a l e s c ra v o . H o r t a s e frutas
d e p e q u e n o s q u i n t a is e m o d e s t a s c r ia ç õ e s d e g a l i n h a s , p o r c o s o u c a r n e i r o s — q u e e ra m
b a s ta n te c o m u n s , m e s m o n o c o n t e x t o m u i t o u r b a n i z a d o d a S a l v a d o r d a é p o c a — não
fo r a m c o n s id e r a d a s . A t r i b u í m o s ao s c i n c o m e m b r o s d a f a m í l i a - p a d r ã o u m c o n s u m o
s e m a n a l d e 2 5 litr o s d e f a r in h a d e m a n d i o c a , tr ê s q u i l o s d e c a r n e b o v in a fre sc a e três
q u ilo s d c fe ijã o .
P a ra u m c o n s u m o f a m i l i a r a n u a l d e 1 . 3 0 0 li t r o s d e f a r in h a , 1 5 6 q u ilo s de feijão
e 1 5 6 q u ilo s d e c a r n e fre sc a , u m p e d r e ir o g a s t a v a 3 7 , 6 % d e s e u s a lá r io e m 1 8 4 5 ,
4 7 , 0 % e m 1 8 5 4 e 5 8 , 6 % e m 1 8 5 8 . R e s t a v a - l h e a l g u m a m a r g e m p a r a a c o m p r a de
o u tr o s p r o d u t o s b á s ic o s , c o m o sa l, b a n h a , a ç ú c a r , p e ix e e t c ., e a i n d a p a r a o v e stu á rio
e a m o r a d ia . E n f r e n t a r ia u m g r a n d e a p e r t o , c o n t u d o , se a d o e c e s s e o u n ã o pudesse
tr a b a lh a r 250 d ia s p o r a n o p o r a l g u m a o u t r a ra z ã o . T a n t o m a is q u e , e n t r e 1 8 4 5 e
1 8 5 8 , os p reço s tiv e r a m fo rtes a lta s : 2 3 5 % p a r a a f a r i n h a d e m a n d i o c a , 4 2 % p a r a o
feijão , 1 1 , 6 % p a r a a c a r n e fre sc a, n u m a e le v a ç ã o g lo b a l q u e s e u a u m e n t o d e salário
( 6 0 % ) a b s o lu t a m e n t e n a o a c o m p a n h o u . O s p r e ç o s d e sse s três p r o d u t o s s u b ir a m a tais
n íveis q u e , m e s m o ap ó s os a u m e n t o s d e s a lá r io o b t id o s e n t r e 1 8 5 4 e 1 8 5 8 (d e 2 5 0 .0 0 0
p a ra 4 0 0 . 0 0 0 ré is), s u a c o m p r a d e m a n d a v a , c o m o v i m o s , u m a p o r c e n t a g e m m a io r do
se u salário .
E sta c o n s ta ta ç ã o d á lu g a r u m a q u e s tã o i m p o r t a n t e : n o c o n j u n t o d as despesas
a n u a is do p e d re ir o ( m o r a d ia , v e s tu á r io , se rv iç o s e a l i m e n t a ç ã o ) , q u a l s e ria a parcela
m ais elástica? Em o u tr a s p a la v ra s , q u a n d o os p re ç o s desses três p r o d u t o s de base
a u m e n ta v a m m u it o , p assav a-se a c o n s u m i- lo s e m m e n o r q u a n t i d a d e , b u sc av a -se su bs­
titu í- lo s p o r o u tro s, re d u z ia -s e o c o n s u m o d e o u tr o s g ê n e ro s a í im e n t a r e s o u se faziam
e c o n o m ias cm o u tro s iten s, c o m o v e stu á r io ? E m b o r a n ã o t e n h a d a d o s q u e p e rm ita m
re sp o n d e r a esta q u e s tã o f u n d a m e n t a l, posso s u g e r ir q u e o c o n s u m o desses três gên e­
ros d im in u ía , m as q u a n d o d e s c ia a q u é m de d e t e r m in a d o li m i a r (m e n o s 5 0 % ? ) a
situ aç ão se to rn av a in to le rá v e l.
U m a o u tr a in d ic a ç ã o seria in teressan te: o a u m e n to d a d e sp e sa a n u a l com esses tres
p ro d u to s in d ic a a m e s m a d e te rio ra ç ã o do p o d er de c o m p r a nos p erío d o s 1 8 4 5 —1 8 6 3 e
1 8 6 3 —18 8 8 ? A q u e stã o se co lo ca p o rq u e esse s e g u n d o p e río d o é c o n sid e ra d o d e e stab i­
lid a d e re la tiv a en tre preços e salário s. N ossas contas m o str a ra m q u e o m e sm o c o n su m o
J-iv R O VII - O D in h e ir o d o s B a ia n o s
577

a c im a in d ic a d o d c f a r in h a , fe ijã o e c a r n e e q ü i v a li a a 4 4 , 9 % do sa lá rio d e 1 8 6 6 ( 4 0 0 000


réis), a 3 5 , 9 % d o d e 1 8 7 3 ( 6 2 5 - 0 0 0 réis) e a 4 1 , 0 % d o d e 1 885 ( 5 0 0 . 0 0 0 réis) '
E m b o r a a d e s p e s a c o m esses três p r o d u t o s c o n t in u a s s e a p e sa r m u it o no o r ç a m e n to
do nosso p e d r e ir o , é p r e c is o a d m i t i r q u e a p e q u e n a e le v a ç ã o d e seus preços ( 7 , 5 % p a ra
a f a r in h a d e m a n d i o c a . 4 , 2 % p a r a o f e ijã o e 3 3 , 5 % p a r a a c a r n e b o v in a fresca) n ão
d e te r io r o u d e m a s i a d a m e n t e o s e u p o d e r d e c o m p r a , u m a v e z q u e ele teve n o p e río d o
u m a u m e n t o s a la r ia l d e 2 5 % ; O b s e r v a - s e m e s m o q u e , e m 1 8 7 3 , a n o e m q u e os preços
desses três g ê n e r o s m a i s s u b i r a m , os p e d r e ir o s t iv e r a m u m a u m e n t o s a la r ia l b a stan te
a p re c iá v e l ( 5 6 , 2 % ) , a i n d a q u e p o s t e r i o r m e n t e se u s g a n h o s t e n h a m b a ix a d o . O p e río d o
1 8 6 3 - 1 8 8 8 r e v e la - s e p o r t a n t o m a i s p r o p í c i o , c o m p a r a d o a o d e 1 8 4 5 - 1 8 6 3 . S e ria esta
a razão d a q u a s e t o t a l a u s ê n c i a d e m o v i m e n t o s p o p u la r e s n e s s a é p o c a? D e fato, os
ü n ic o s q u e se v e r i f i c a r a m d a t a m d e 1 8 7 8 , a n o e m q u e os p re ç o s s u b ir a m e o s a lá rio dos
p e d re iro s b a i x o u . N e s s e a n o , 5 8 , 8 % d o s a lá r io d e 4 5 0 . 0 0 0 ré is s e r ia m c o n su m id o s
n a q u e la s q u a n t i d a d e s d e f a r i n h a , f e ijã o e c a r n e c o m q u e e s ta m o s tr a b a lh a n d o .
S e t o m a m o s 1 8 6 6 c o m o a n o - b a s e , v e m o s q u e a f a r in h a d e m a n d i o c a a u m e n t o u
4 3 ,8 % , o f e ijã o 6 3 , 6 % e a c a r n e b o v i n a f r e s c a 4 3 , 1 % , e n q u a n t o o s a lá r io dos p e d re iro s
s u b iu a p e n a s 1 2 , 5 % . P o r o u t r o l a d o , o p e r c e n t u a l d e s e u o r ç a m e n t o n e c essário p ara
a d q u ir ir esses tr ê s p r o d u t o s e m 1 8 7 8 e r a d e 5 8 , 8 % , o m e s m o q u e e m 1 8 5 8 , q u e foi
ta m b é m u m a n o d e a g i t a ç ã o s o c ia l. E r a e sse o p a t a m a r a b a ix o do q u a l n a o se p o d ia
descer? A liá s , ao q u e t u d o i n d i c a , a m a n i f e s t a ç ã o d a c ó le r a p o p u la r teve a lg u m êxito ,
e, p r e s s io n a n d o o s p o d e r e s p ú b l i c o s e o s q u e m o n o p o li z a v a m o a b a s te c im e n to d a
c id ad e , c o n t r i b u i u p a r a r e s t a b e l e c e r u m e q u i l í b r i o — a liá s b a s ta n te re la tiv o — e n tre
os preços e os s a lá r io s .
E m r e s u m o , n a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u lo X I X , m a s s o b r e tu d o a p a r tir de 1 8 6 3 ,
o p o d er de c o m p r a d e u m t r a b a l h a d o r a s s a l a r i a d o d e s s a c a t e g o r ia e ra su fic ie n te , ao q u e
parece, p a r a d e s p e s a s e s s e n c ia is c o m a m o r a d i a , a a l i m e n t a ç ã o e o v e stu á rio . Isto é
c o n f ir m a d o p e lo f a t o d e q u e e n t r e os a s s a la r ia d o s e s ta v a a m a i o r p o r c e n ta g e m dos que
tin h a m c a sa p r ó p r ia , c o m o v e r e m o s a d i a n t e ,
Esses d a d o s s u g e r e m q u e n ã o d e v e m o s d e s c r e r p o r c o m p le t o das c rô n icas da
época, q u a n d o f a la m d c a b u n d â n c i a e d e v i d a f á c il, d e s d e q u e n ã o e sq u e ç am o s q u e
essa s itu a ç ã o e r a p r iv i lé g io d e u m a p e q u e n a p o r c e n t a g e m d a p o p u la ç ã o d e Salvador.
V e ja m o s , p o r e x e m p lo , c o m o J o s é F r a n c is c o S i lv a L i m a d e sc re v e a S a lv a d o r d a déca­
d a d e 1 8 4 0 : “A a l i m e n t a ç ã o e r a fru g a l e b a r a t a . S e n ã o h a v ia g r a n d e s fo rtu n as com o
h á h o je, t a m b é m as d e sp e sa s e r a m m o d e r a d a s . Q u e m p o ssu ísse c e m co n to s d e réis
era já u m r ic a ç o . A s f o r t u n a s e ra m m a is s ó lid a s , não s u je ita s a rá p id a s oscilações de
c âm b io , dos t ít u lo s d e c o m p a n h ia s c d e b a n c o s, e a a v e n tu r a s do jo g o d a bolsa. Os
m ais c a u te lo s o s g u a r d a v a m o o u r o n as b u rr a s, te m e n d o c o n fiá-lo à a d m im s tr a ç a o
alheia. U m a f a m íl ia d e a té d e z pessoas n ã o g a sta v a n o p assad io d iá rio m a is d e dois
m il réis, o u se te p a ta c a s . A c a rn e fresca n ã o c u s ta v a m a is de u m a p a ta c a a lib ra no
m á x im o , e o m « m o a lib r a d a m a n t e ig a in g le s a d e b arril; u m q u e ,,o fla m e n g o , doas
patacas, e t u d.o m a is
. a p ro p o r ç ã- o . ”31
578 B a h ia , S é c u l o XIX

O q u a d r o é d e m a s i a d o l i s o n j e i r o e i d í l i c o p a r a q u e se l h e c o n f i r a u m v a l o r a b s o ­
lu to , ta n to m a is q u e são r e m in is c ê n c ía s d e u m a n c iã o , q u e e v o c a v a o te m p o de sua
j u v e n t u d e , 6 0 a n o s a n t e s . E le a t e s t a , n ã o o b s t a n t e , q u e a t r a d i ç ã o o r a l g u a r d o u u m a
im a g e m o t im is t a d as c o n d iç õ e s d e v id a n o s é c u lo X IX , a p e s a r d e to d a s as c atástro fes.
U m c r e n ç a m u i t o e n r a i z a d a p r e t e n d e q u e , n a q u e l e s b o n s t e m p o s , a v i d a e r a m a i s f á c il,
m a is b a ra ta .
C o m o c h e g a r h o j e a u m a a v a l i a ç ã o j u s t a d e s s e t e m p o , q u a n d o h á tã o p o u c o s
te s te m u n h o s d is p o n ív e is ? A lg u n s a le g a r ia m , a liá s c o m ra z ã o , q u e os p e d re iro s d a é p o ­
c a , já p r iv ile g ia d o s p o r s e r e m a s s a la r ia d o s , e r a m a d e m a is t r a b a lh a d o r e s q u a lific a d o s .
M a s c o m o e s tim a r a r e n d a d a g r a n d e m a s s a d o s b a ia n o s q u e e x e r c ia m tr a b a lh o não
q u a lific a d o , m a r in h e ir o s , p e sc a d o re s , m ilh a r e s d e v e n d e d o re s a m b u la n te s , carreg ad o ­
r e s , d e s e m p r e g a d o s m a i s o u m e n o s c r ô n i c o s , b i s c a t e i r o s q u e a l u g a v a m s e u s b r a ç o s p a ra
q u a l q u e r s e r v i ç o ? A d e m a i s , e s s a g e n t e , q u e m u i t a s v e z e s o c u l t a v a s u a m i s é r i a s o b traje s
d e l u x o , s e m p r e p o d i a c o n t a r c o m a s o l i d a r i e d a d e d o s q u e p o s s u í a m u m p o u c o m a is .
M u ito s v iv ia m n a d e p e n d ê n c ia d e o u tro s q u e , p o r s u a vez, tin h a m ap en as u m pouco
m a is q u e o e s t r it a m e n t e n e c e s s á rio p a r a n ã o m o r r e r d e fo m e . T o d a s as e stru tu ra s —
a fa m ília , o E stad o o u a I g r e ja — c o n tr ib u ía m p a r a m a n t e r e s s e t i p o d e r e la ç ã o ,
r e f o r ç a n d o a i d é i a d e q u e o s r i c o s d e v i a m s o c o r r e r o s p o b r e s . N ã o h a v i a f a m í l i a sem
s e u s p r o t e g i d o s , s e u s a g r e g a d o s m a i s o u m e n o s p r ó x i m o s . A p o p u l a ç ã o e r a a s sim
m a n t id a , a d e s p e ito d a p r e c a r ie d a d e d e s u a s c o n d iç õ e s d e v id a , lo n g e d e q u a lq u e r
te n ta ç ã o d e c a rá te r re iv in d ic a tó r io . A h a r m o n ia so c ia l era p re s e rv a d a ao preço de
s u b m i s s õ e s e s e r v i l i s m o s ( q u e , a l i á s , a i n d a h o j e p e r s i s t e m ) . O p r e ç o d o s u c e s s o so cial
era, m u ita s vezes, c u r v a r -s e d ia n t e d as re g ra s d e u m jo g o e s ta b e le c id o h a v ia m u ito , e
q u e n e m a m o d e r n i z a ç ã o d o E s t a d o , n e m a r o m a n i z a ç a o d a I g r e j a p u d e r a m m o d if ic a r .
E m m e i o a t u d o is s o , q u e m a s c e n d i a s o c i a l m e n t e ? Q u a l e r a a f o r t u n a r e a l d o s b a ia n o s
n o sé c u lo X IX ? É o q u e p a sso a c o n s id e r a r .
t' a r I i r i o In

H ihrarquias S ociais

T o d a o r g a n iz a ç ã o e c o n ô m ic a g e r a s u a s p r ó p r ia s h ie r a r q u ia s s o c ia is . E m Salvador e no
R e c ô n c a v o , r e in o u d e s d e m e a d o s d o s é c u lo X V I u m s is te m a a g r o in d ú s tr ia ! m e rc a n til
c u jo e ix o e ra a p r o d u ç ã o q u a s e e x c lu s iv a d a c a n a - d e - a ç ú c a r . A essa c u lt u r a a c re s c e n ta ­
ra m -se , p o u c o a p o u c o , as d o f u m o c d o s g ê n e r o s a l im e n t íc io s in d is p e n s á v e is à su b sis­
tê n c ia d e u m a p o p u l a ç ã o s e m p r e c r e s c e n t e .
A e m p r e it a d a a ç u c a r e ir a e x ig ia m ã o - d c - o b r a a b u n d a n t e . A p o p u la ç ã o in d íg e n a ,
a l é m d c p o u c o n u m e r o s a , r c v c l o u - s c p o u c o a p t a à f i x a ç ã o n a t e r r a , e x i g i d a p e lo t r a b a ­
lh o a g r í c o l a , a p e s a r d o s e s f o r ç o s f e i t o s p e l o s j e s u í t a s c p o r c o l o n i z a d o r e s le ig o s p a r a
to rn á -la s e d e n t á r ia , 1 C o m c e r c a d c 1 ,5 5 m ilh ã o d e h a b it a n t e s , a p e q u e n a n ação p o r­
tu gu esa, la n ç a d a à c o n q u is t a d o m u n d o , n ã o t in h a m u ito s b raço s p ara exp o rrar. A d e­
m a is , o p o r t u g u ê s q u e s c d i s p u n h a a e m i g r a r , p o r m i s e r á v e l q u e fo s s e , n ã o a d m i t i a
a l u g a r s u a f o r ç a d e t r a b a l h o p a r a c u l t i v a r u m a t e r r a q u e n ã o l h e p e r t e n c i a . E ra p r e c is o
b u sc a r a lh u r e s a m ã o - d c - o b r a in d is p e n s á v e l. O t r á f ic o d e a f r ic a n o s , c o m os lu c ro s q u e
p ro p ic io u , c o m p le t o u c a u m e n t o u o flu x o c o m e r c ia l q u e se e s ta b e le c e u e m to rn o do
a ç ú c a r e, m a i s t a r d e , d o f u m o e d c o u t r o s p r o d u t o s , c o m o a l g o d ã o e caf<5.
A d i s p o n i b i l i d a d e q u a s e i n e s g o t á v e l d c m ã o - d c - o b r a e s c r a v a i m p r i m i u a essa s o c i e ­
d a d e c m f o r m a ç ã o , d e s d e s e u s p r i m ó r d i o s , u m c a r á t e r m u i t o p a r t i c u l a r , p o is f a v o r e c e u
a id é ia d e q u e n e l a a c . s t r a t i f i c a ç ã o f u n d a v a - s c e x c l u s i v a m e n t e n a c o r d a p e le c no
e s t a t u t o l e g a l d o s m e m b r o s d a c o m u n i d a d e . S e g u n d o ta l v i s ã o , h a v i a n o B r a s il d o is
segm en to s; d c u m la d o os b r a n c o s , os se n h o re s, q u e c o m a n d a v a m ; d o o u tro a m assa
escrava, q u e p r o d u z ia .
E s ta v a c r i a d a , d e m a n e i r a p e r e m p t ó r i a e d e f i n i t i v a , a m a i s p o b r e d a s v is o e s , a
m a is i m p r e c i s a d a s d e s c r i ç õ e s d c u m a s o c i e d a d e . P n h r c p o r q u e d e s c o n s i d e r a t o d a
m o b i l i d a d e , t o d a e v o l u ç ã o h a v i d a n a s h i e r a r q u i a s s o c i a i s n o B r a s il e n t r e o i n í c i o d a
c o lo n iz a ç ã o c a i n d u s t r i a l i z a ç ã o t n o d e r n a , n o s é c u l o X IX . I m p r e c i s a p o r q u e n ã o le v a
c m c o n t a a i m e n s i d ã o d a s t e r r a s b r a s i l e i r a s , a d i v e r s i d a d e d a s r e a l id a d e s r e g io n a is e
s u a s r e s p e c t iv a s e v o l u ç õ e s .

579
B ah ia , S é c u o X IX

S e r i a a b s u r d o , p o r e x e m p lo , t e n t a r faz e r u m a m e s m a d e s c r iç ã o d a o rg a n iz a ç ã o
s o c ia l d as p o p u la ç õ e s d a c id a d e d e S a lv a d o r , d o R e c ô n c a v o a ç u c a r e ir o e d o Sertão
p e c u á r io , c m t u d o e p o r t u d o d if e r e n te s : p o r s u a o r ig e m , p e lo m o d o c o m o se e sta b e le ­
c e r a m e e n r a iz a r a m , p o r fo r ç a d a s c a r a c t e r ís t i c a s d o m e i o fís ic o e m q u e v iv e r a m e
e v o lu í r a m ; d if e r e n te s e n f im p e la m e n t a l i d a d e , in c lu s iv e p o r q u e p a r t e d e ssa g e n t e vivia
e m m u n d o s fe c h a d o s , se m c o n t a t o c o m o e x t e r io r , e m q u e e r a p r e c is o a p r e n d e r a
c o n s t r u ir e p r o d u z ir e m c o n j u n t o p a r a s o b r e v iv e r .
C a d a r e g iã o d a P r o v ín c ia d a B a h i a e v o l u i u n u m r i t m o p r ó p r io . A e v o lu ç ã o da
c id a d e d e S a lv a d o r e d o R e c ô n c a v o é m a is b e m c o n h e c i d a , m a s isso se d e v e a q u e a
r iq u e z a d e sse in d is s o c iá v e l c o n j u n t o c i d a d e - c a m p o s e m p r e a t r a i u m a is a c u r io s id a d e
d o s h is t o r ia d o r e s q u e as te r r a s d is t a n t e s , p o b r e s e q u a s e in a c e s s ív e is . M e s m o o c o n h e ­
c im e n t o so b re S a l v a d o r e o R e c ô n c a v o , a liá s l i m i t a d o e p o u c o s a t is f a t ó r io , ap ó ia -s e o
m a is d as v ezes e m e s c r ito s d e s o c ió lo g o s q u e p e n e t r a r a m n o c a m p o n a h is t ó r ia , sem
c o n t u d o c o n h e c e r e m as im p o s iç õ e s d a h i s t ó r i a s o c ia l. G e r a r a m - s e a s s im g e n e ra liz a ç õ e s
a p r e s s a d a s , e s p e c i a l m e n t e p e r ig o s a s q u a n d o se t r a t a v a d e d e s c r e v e r o q u a d r o so cial não
só d as v e lh a s re g iõ e s a ç u c a r e ir a s c o m o d a s d iv e r s a s s o c i e d a d e s d e t o d o o B r a s il. D o is
d esses a u t o r e s c o n t i n u a m s e n d o t o m a d o s c o m o r e f e r ê n c ia .
U m d e le s, o m a r x i s t a C a i o P r a d o J ú n i o r , j u l g a só se r p o s s ív e l c la s s if ic a r com
p r e c is ã o d o is g r u p o s s o c ia is : os s e n h o r e s e o s e s c ra v o s . “E n t r e essas d u a s catego rias
n i t i d a m e n t e d e f in id a s e e n t r o s a d a s n a o b r a d a c o lo n iz a ç ã o c o m p r i m e - s e o n ú m e r o ,
q u e v a i a v u l t a n d o c o m o t e m p o , d o s d e s c la s s if ic a d o s , d o s i n ú t e i s e in a d a p t a d o s ; in ­
d iv íd u o s d e o c u p a ç õ e s m a is o u m e n o s in c e r t a s e a l e a t ó r ia s o u s e m o c u p a ç ã o a lg u ­
m a . ” N o n ív e l m a is b a ix o d e s s a ‘ s u b c a t e g o r i a ’ c o lo n ia l, C a i o P r a d o s i t u o u os v a g a­
b u n d o s se m e m p r e g o q u e se t o r n a v a m c r im in o s o s , a q u e m r e s p o n s a b iliz a p o r todas
as co n tu rb açÕ es s o c ia is d a é p o c a d a I n d e p e n d ê n c i a . E ssa c a m a d a in t e r m e d iá r i a c o m '
p u n h a - s e p r i n c ip a lm e n t e , d iz e le , d e “ín d io s , n e g r o s e p a r d o s ”, q u e , n ã o se n d o es­
c rav o s e n ã o p o d e n d o se t o r n a r s e n h o r e s , v i a m - s e e x c l u í d o s d e q u a l q u e r situ ação
e s tá v e l .2
A d e s p e ito d e u m e sfo rç o d e p r e c is ã o , u m a v e z q u e l i m i t a o u n iv e r s o d e sc rito ao
N o rd e s te , o p o n to d e v is t a d e F e r n a n d o d e A z e v e d o p o u c o d if e r e d o p r e c e d e n te : “Se
q u is e r m o s te r u m a im a g e m d a d iv e r s id a d e d a e s t r u t u r a s o c ia l e e c o n ô m ic a d a so cied a­
d e c o lo n ia l, n o N o r d e s te e n o R e c ô n c a v o , te m o s d e f ig u r a r to d a u m a h ierarq u ia
la n ç a d a so b re a b a se d a e s c r a v id ã o , e m q u e se s u c e d e m d e a lto p a ra b aix o , com o
c a m a d a s s u p e rp o sta s, a a r is t o c r a c ia d a te r r a , a b u r g u e s i a u r b a n a d e c a rá te r m erca n til,
a r isto c ra tiz a d a sob as in f lu e n c ia s d o p a tr ia r c a lís m o , a p e q u e n a b u r g u e s ia m al d e fin id a,
a m assa in fo rm e d o p o vo c a p leb e, in d is c ip lin a d a e t u r b u le n t a , s e m p r e d isp o sta a se
ac e n d e r à reação o u a a b a la r, p e la re v o lta, o e d if íc io s o c ia l .”3
E m b o ra estas an á lise s d as h ie r a r q u ia s e e stra tific a ç õ e s so c ia is n a o se ac o m p a n h e m
de n e n h u m a in d ic a ç ã o d os c ritério s u tiliz a d o s , in fe re -se q u e a m b o s os a u to re s co n si­
d e ra r a m u n ic a m e n t e a o rd e m in s t it u c io n a l, q u e se p a ra v a a p o p u la ç ã o e m livres e
escravos. P o r o u tr o la d o , essas d e sc riç õ e s fo ram c e r ta m e n te feitas a p a r tir d e dados
L u -R O V l i ~ ° D [X H K 1R ^ ih is B a ia n o s
581

colhidos cm documentos oficiais c relatos dc viajantes. De fato. o discurso oficial no


século XIX. embora fizesse freqüentes referências às diferentes classes de cidadãos
opunha quase sempre a ehre agrária e comercial ao povo _ quando não opunha
Simplesmente os l.vrcs aos escravos sen, jamais definir o que se entendia por povo
Era constituído somente por homens livres? Por todos cies ou só pelos que faziam
parte da Guarda Nacional e do corpo eleitoral? Que lugar tinha entre esse povo livre
0 conjunto dos alforriados, essa gente que pagava taxas e impostos mas não tinha
cidadania plena? E os escravos, gente sem existência porque sem personalidade jurídica
própria, faziam ou não parte desse corpo social chamado povo’? Se havia oposição
entre elites e povo, que características fundavam a inclusão numa ou noutra dessas
c a te g o ria s s o c ia is ?
P o r o u t r o la d o , h i s t o r i a d o r e s e s o c ió lo g o s u t i l i z a m a m p l a m e n t e , p a ra descrever a
s o c ie d a d e d o p a s s a d o , r e la t o s d e v i a j a n t e s e s t r a n g e ir o s . S e m q u e r e r re d u z ir em d em asia
a i m p o r t â n c i a d e s s a f o n t e , d e q u e e u m e s m a m e se rv i, le m b r o q u e m u ito s desses relatos
fo ram e s c r ito s p o r p e s s o a s q u e p a s s a r a m a l g u n s d ia s , q u a n d o não a lg u m a s horas, no
p o rto d e S a lv a d o r . M e s m o q u a n d o s e u s a u t o r e s r e s i d ir a m a n o s no B rasil, essas fontes
d e v e m se r u t i l i z a d a s c o m a l g u m a d e s c o n f ia n ç a . O s q u e p a s s a r a m ra p id a m e n te , por
m a is a r g u t o s o b s e r v a d o r e s q u e f o s s e m , e v i d e n t e m e n t e n ã o p o d ia m c a p ta r m ais q u e a
a p a r ê n c ia : v i n d o s d a E u r o p a , v i a m c i r c u l a r p e la s ru a s n e g r o s e m estiço s, q u e não
p o d ia m d i s t i n g u i r d o s e s c ra v o s . N o s c o n t a t o s q u e t i n h a m c o m a e lite — q u an d o
t in h a m — , e r a s o b r e t u d o c o m b r a n c o s q u e se e n c o n t r a v a m , a i n d a q u e fossem ‘brancos
d a t e r r a ’. E r a q u a s e in e v it á v e l q u e le v a s s e m c o n s ig o u m a v isã o s im p lif ic a d a e d icotô m ica
( b r a n c o s -I iv r e s / n e g r o s - c a tiv o s ) d e s s a s o c ie d a d e . P o r o u t r o la d o , os estrangeiros que
re s id ira m m a is t e m p o e m S a lv a d o r , c o m o L í n d l e y o u W e t h e r e l l , e sta v a m m ais interes­
sado s e m c o m p r e e n d e r o f u n c i o n a m e n t o d a s r e la ç õ e s s o c ia is d o q u e em descrever
h ie r a r q u ia s . S u a s o b s e r v a ç õ e s f o r a m f e ita s e m t e r m o s d e r a ç a e d e co r, pois sua visão
c o n f o r m a v a - s e e m ú l t i m a a n á li s e à q u e l a q u e a e lit e b a ia n a q u e r ia ter de si m esm a:
b ra n c a , c m o p o s iç ã o a n e g r o s e m e s t iç o s . É e s p e c i a l m e n t e la m e n t á v e l q u e essas descri­
ções sc t e n h a m t o r n a d o fo n te s ú n ic a s , o q u e lh e s c o n f e r e u m peso excessivo. Tam bém
nelas, n e n h u m c r it é r io o b je t iv o p e r m i t e c o m p r e e n d e r o q u e d e fato d is tin g u ia essas
d ife re n te s c a m a d a s d a p o p u la ç ã o .
U m a a n á lis e s o c ia l c o r r e ta d e v e b u s c a r c a p t a r o c o t id ia n o de c a d a g ru p o - seja ele
restrito o u n u m e r o s o — , s u a s c o n d iç õ e s e c o n ô m ic a s , su as m a n e ir a s d e a g ir e pensar.
P ara c o n h e c e r as n u m e r o s a s fac e tas d e u m a s o c ie d a d e , é p re c iso b u sc ar relações e
ligaçõ es ló g ic a s q u e m o s tr e m o jo g o das ações e reações d e to d o s os fatores eco n o m i-
cos, s o c ia is , p s ic o ló g ic o s . As m u d a n ç a s q u e to d as essas relações sofrem ao longo o
te m p o d e m o r a m a sc fazer p e rc e p tív e is . Para n ã o fo r m a r d elas u m q u a d ro estático, é
necessário m u l t ip lic a r o s c rité rio s de referên cia.
Em defesa do, analistas da sociedade brasileira que citamos h i pouco, devo con­
fessar que. à época em que fizeram seus estudos, f a l t a v a , n dados empfr.cos. O que
espanta é a insistência com que são utilizados e reutilizados princip mente cm
>«2 B ahia . Secvio XIX

m a n u a is e s c o la re s — p a r a d e s c r e v e r as r e a lid a d e s s o c ia is b r a s ile ir a s , p o is nos ú ltim o s


v in t e a n o s . g r a ç a s a o s e sfo rç o s c o n j u g a d o s d c h is t o r ia d o r e s b r a s ile ir o s e e s tra n g e iro s , o
c o n h e c im e n t o n e sse c a m p o ío i m u i t o a p r o f u n d a d o . Isto e e s p e c i a l m e n t e v e rd a d eiro
n o c a so d a B a h ia nos s é c u lo s X V t l e X V II I . I lo je . m u i t o s e s t u d o s p e r m it e m repensar
os p r o b le m a s d as h i e r a r q u ia s s o c ia is n a P r o v ín c ia , e s o b r e t u d o n a c id a d e d e Salvad o r
e n o R e c ô n c a v o n o s é c u lo X I X .s
T e n d o r e lid o a h i s t o r io g r a f ia t r a d ic io n a l h a ia n a c o m u m n o v o o lh a r e re c o rrid o a
p e s q u is a s re c e n te s , te n t a r e i p r o p o r a l g u m a s h ip ó t e s e s d e t r a b a lh o . A n te s d e m a is nada.
n ã o se d e v e a p r e s e n t a r u m q u a d r o s im p le s d a s o c ie d a d e b a ia n a , p o s t u la n d o u m a
o p o s iç ã o d e m a s ia d o r íg i d a e a b s o l u t a e n t r e as e s t r u t u r a s s o c ia is a g r á r ia e u rb a n a . Não
te n d o e n f r e n t a d o a n e c e s s id a d e d e se s u p e r p o r a n e n h u m a e s t r u t u r a s o c ia l preexistenre
— c o m o o c o r r e u e m n u m e r o s a s re g iõ e s d a c o lo n iz a ç ã o e s p a n h o la — a so cied ade
c o lo n ia l b a ia n a c a r a c t e r iz o u - s e d e s d e o p r i m e i r o s é c u lo d e s u a fo r m a ç ã o p o r um a
e n o r m e c a p a c i d a d e d e a s s im il a ç ã o e u m a g r a n d e m o b i l i d a d e s o c ia l, a liá s a s c e n d e n te e
d e s c e n d e n t e (n ã o s u r g iu d o n a d a o d i t a d o “p a i ric o , f ilh o n o b r e , n e to p o b r e " , q u e se
refere ao d e s a p a r e c im e n t o d e f o r t u n a s e m a p e n a s trê s g e r a ç õ e s ).
C o m o p a ssa r d o t e m p o — e a m e s t iç a g e m foi u m fa to r d e c is iv o nesse m o v im e n to
— , p a r te n ã o n e g l ig e n c i á v e l d a m a s s a s e rv il, d e p o sse d e u m a c a r t a d e alfo rria , m os­
tr a v a -s e i n t e i r a m e n t e c a p a z d e in t e g r a r - s e a c e r ta s c a t e g o r ia s q u e t i n h a m p o d er de
m a n d o . O p ro c esso d e ssas a s c e n s õ e s a i n d a n ã o foi b e m e l u c i d a d o , m as h o u v e fatores
cap a z es d e a t e n u a r os a n t a g o n i s m o s e as te n s õ e s e n tr e s e n h o r e s e e scravo s. A s m u d a n ­
ças se d a v a m p o r re a ju ste s c o n t í n u o s , p o r f o r ç a d e u m a d i n â m i c a f u n d a d a 110 talento
i n d iv i d u a l e n a c a p a c i d a d e d e e n r i q u e c e r . G r u p o s d c h o m e n s d e c o r, to rn a d o s social­
m e n t e 'b r a n c o s ’ , c o n s e g u i r a m 'su b ir* n a s o c ie d a d e , m u i t o e m b o r a a le g is la ç ã o ditada
p e la M e t r ó p o le — c o m o a q u e im p e d i a o ac e sso d e h o m e n s d e co r ou crisrãos-novos
a certo s c a rg o s a d m in is t r a t i v o s e m ili t a r e s — p r e te n d e s s e i m p e d ir essa m o b ilid a d e.
A s o c ie d a d e b a ia n a c o n f i g u r o u - s e a s s im c o m o u m a s o c ie d a d e a b e r ta , cm q u e os
p re c o n c e ito s raciais e r a m a t e n u a d o s : te s t a m e n t o s , in v e n t á r io s post mortem e atos dc
filia ç ã o m o s tr a m c la r a m e n t e q u e , n o s sé c u lo s X V II e X V II I , h a v ia u m a sociedade
to le r a n t e , d o t a d a d c g r a n d e c a p a c i d a d e d e a s s im ila ç ã o : esses d o c u m e n t o s raram ente
m e n c io n a m A o r ig e m so cial — le ia -s e ra c ia l o u a té c o n fe ssio n a l — d o in d ivíduo .
Passadas as d u a s p r im e ir a s g e ra ç õ e s — isto é, a g e r a ç ã o v in d a d a Á frica e a dc seus
filhos b rasile iro s — , a cor f r e q ü e n t e m e n t e d e ix a v a d e s e rv ir d e c rité r io para d isc rim i­
n a çã o , s o b re tu d o se, nesse m e io te m p o , a lg u m b r a n q u c a in e n t o já houvesse ocorrido.
O s ú n ico s d o c u m e n to s q u e m e n c io n a m a c o r são os re c cn sea m c n to s e os aros registrados
nos livros p a ro q u ia is, m a s seu efeito social era n u lo .
I ratava-se, e v id e n te m e n te , d c urna to le r â n c ia lim ita d a , pois estava sem p re à nictcé
das c irc u n stâ n c ias: o ju íz o social usava d o is pesos c d u as m ed id as. Hasta re m o n tar no
tem p o e an alisar, por e x e m p lo , corno sc processava a ad m issão na m u ito ilustre — e
fe ch ad íssim a — co n fraria d a S a n ta C a s a d e M is e r ic ó r d ia d a B ahia. Pelo regulam ento,
os p o stu lan tes tin h a m de p rovar n ã o só su a h o n e s tid a d e e c a p a c id a d e de g an h a r a vida,
L iv r o VII - O D in h e ir o dos B a ia n o s
583

com o a p u r e z a d e s e u s a n g u e . T e r s a n g u e p u r o e ra n ã o ser ‘ c r is tã o - n o v o ’ (isto é, n ão


ter o rig e m j u d a i c a ) , m a s c r a t a m b é m n ã o te r h o m e m o u m u l h e r d e c o r c o m o as c e n ­
d ente ou c o m o c ô n j u g e . M a s esse r e g u l a m e n t o e r a a p lic a d o ao s a b o r das c o n v e n iê n ­
cias. Se o im p e t r a n t e fosse u m p e r s o n a g e m d e d e s t a q u e , a c o n f r a r ia ‘ e s q u e c ia ’ suas
origens, o q u e n ã o i m p e d i a q u e m a is t a r d e e las v ie s s e m a se r le m b r a d a s , se p o r a lg u m a
razão o m e m b r o se to r n a s s e in d e s e j á v e l. E m 1 6 7 9 , o c o n f e ite ir o p o rtu g u ê s D o m in g o s
Roiz p le it e o u s e u in g r e s s o n a c o n f r a r i a . S u a a d m is s ã o foi r e c u s a d a p o r u m d u p lo
‘p e c a d o ’ : e ra c a s a d o c o m T e o d o r a B a r b o s a , m u l a t a , f il h a d e n e g r a , e n ã o s a b ia le r n e m
escrever. E m 1 7 0 9 , o p r o v e d o r e os m e m b r o s d o d ir e t ó r io d a S a n t a C a s a v e ta r a m
ta m b é m o in g r e s s o n a c o n f r a r i a d e J o s e p h d o s R e is d e O liv e ir a e se u c u n h a d o , o
ourives J o s e p h d e A l m e i d a P a c h e c o , p o r i m p u r e z a d e s a n g u e . O r a , a a u s ê n c ia desses
dois n o m e s n a s lis t a s — s e m p r e e x a u s t iv a s — e m q u e , n a é p o c a , a I n q u is iç ã o a r ro lo u
os n o vo s c r is t ã o s b a ia n o s s u g e r e q u e a i m p u r e z a e m q u e s t ã o e ra a p r e s e n ç a d e u m
a s c e n d e n te n e g r o e m s u a s o r ig e n s . N ã o o b s t a n t e , e m 1 7 1 4 , o d ir e t ó r io d e c id iu a d m it ir
o m e s m o o u r iv e s J o s e p h d e A l m e i d a P a c h e c o , “p o r t e r c o n s t a t a d o a p u r e z a do sa n g u e
d e s u a m u l h e r p e lo c o n t r a t o d e d o t e d a m e s m a ”. A s s i m , c in c o an o s ap ó s ter sido
re c u sad o (e d e f o r m a q u e s u g e r i a q u e o e m p e c i l h o e r a s u a a s c e n d ê n c ia ) , o re q u e re n te
se v iu a c e ito m e d i a n t e a s ú b i t a o b t e n ç ã o d e u m c e r t if i c a d o d a ‘b r a n c u r a ’ d a esposa.
Por su p o s to , se u s a n c e s t r a is e os d a m u l h e r c o n t i n u a v a m o s m e s m o s , m as ele e n c o n tra ra
ap oio s q u e p e r m i t i a m ta is t r a n s g r e s s õ e s .6 S e u c u n h a d o , p o r é m , n ã o re n o v o u o p leito .
Q u a n d o as c la s s e s c o m p o d e r d e m a n d o se v i a m e m d if i c u l d a d e e c o n ô m ic a , os
efeitos d a t o l e r â n c i a p o d i a m a r r e f e c e r - s e o u a t é e s t a n c a r . U m e x e m p lo é o q u e se
p assou n o m e r c a d o d e t r a b a l h o d e S a l v a d o r e m m e a d o s d o s é c u lo X IX : a re c u sa d e d a r
tr a b a lh o ao s e s c r a v o s n a o e r a f a l t a d e t o l e r â n c ia ? S e r á q u e só e n t ã o a s o c ie d a d e b a ia n a
se t o r n a r a i n t o le r a n t e ? O u o m e s m o t e r i a o c o r r id o e m o u t r o s p e r ío d o s d e crise?
S e ja c o m o fo r , esse m o m e n t o m a r c o u d e fa to u m a m u d a n ç a n a a t it u d e d a socie­
d ad e b a ia n a . A p a r t i r d e e n t ã o e l a se f e c h o u , e n r i je c e n d o - s e n u m e s q u e m a d e estrati-
ficação r a c ia l c u jo c r it é r io d e d e m a r c a ç ã o — d e in íc io o e s t a t u t o c iv il (livre/escravo)
— passo u a se r, a p ó s a A b o liç ã o , a c o r d a p e le . Isto e r a f a c ilit a d o p o r d ois fatos: a
im ig ra ç ã o d e b r a n c o s p o b r e s d i m i n u í r a c o n s i d e r a v e lm e n t e e as o c u p a ç õ e s e ofícios
m en o s p r e s tig io s o s e r a m , c a d a v e z m a is , e x e r c id o s p o r u m a p o p u la ç ã o in t e ir a m e n t e de
cor, m a s liv re . E ssa li n h a d e d e m a r c a ç ã o o p ô s ‘b r a n c o s ’ , s e n h o re s , de u m la d o , a
negros, p o b re s, d e o u t r o . O e m i n e n t e s o c ió lo g o T h a le s A z e v e d o , n u m a a n á lis e m u ito
c o rreta d a s o c ie d a d e b a ia n a p o r v o lt a d a d é c a d a d e 1 9 5 0 , d is t in g u iu três c ate g o ria s.
A e lite se c o m p u n h a d e três g r u p o s : as f a m ília s t r a d ic io n a is , as f a m ília s ricas e as
fam ília s se m t r a d iç ã o . T r a d i c i o n a i s s e ria m to d a s as q u e d e s c e n d ia m d o a n t ig o g r u p o
de p ro p r ie tá rio s r u r a is , e s p e c ia lm e n t e os se n h o re s d e e n g e n h o ; ricas e ra m as d os g r a n ­
des c o m e r c ia n te s ; as s e m tr a d iç ã o t in h a m se e sta b e le c id o e m S a lv a d o r ap ó s terem
e n r iq u e c id o e m o u t r a s re g iõ e s d o E stad o . A s e g u n d a c a te g o ria e r a a classe m é d ia ,
c o m p o sta d e g r a n d e s e p e q u e n o s c o m e r c ia n te s , p r o p r ie tá rio s , fh n c io n á rio s , p ro fissio ­
nais lib e ra is, té c n ic o s e e m p r e g a d o s d o c o m é r c io , to d o s g o z a n d o d e c e r ta in d e p e n d e m
534 B a h i a , S é c u l o X IX

c ia e c o n ô m ic a . A c la s se p o b re e n g lo b a v a to d o s os q u e v i v ia m d o t r a b a lh o m a n u a l .7
A m a io r ia d o s b r a n c o s e n c o n t r a v a - s e nas d u a s p r im e ir a s c a te g o r ia s , ao passo q u e os
m e m b r o s d a classe p o b re e r a m to d o s n e g r o s e m e s t iç o s . N e s s a a n á lis e , T h a le s de
A z e v e d o c o m b in o u três c r it é r io s : p r e s t íg io e c o n ô m ic o , p r e s tíg io s o c ia l e c o r d a pele.
N a r e a lid a d e , tr a ta - s e d e e s t u d a r u m a e s t r u t u r a s o c ia l d e t e r m i n a d a , n u m p e río d o
t a m b é m d e t e r m i n a d o (e m n o sso c a s o , o s é c u lo X I X ). C o n v é m a i n d a c a p t a r , m esm o
im p e r f e it a m e n t e , as m u d a n ç a s q u e essa e s t r u t u r a s o fre u n e sse la p so d e te m p o . M a lg r a d o
a te n d ê n c ia d as e s t r u t u r a s e c o n ô m ic a s — e, a té c e r to p o n to , d as p o lít ic a s — a p e r m a n e ­
c er, to d a so c ie d a d e p r o d u z e le m e n to s q u e v ã o p o u c o a p o u c o tr a n s f o r m a n d o o arcab o u ço
p r im it i v o , s e m n o e n t a n r o d e m o l i - l o . P o r o u t r o la d o , se, c o m o a c r e d it o , certas h ie r a r ­
q u ia s se e x p r e s s a m d e m o d o d if e r e n t e n a s c o m u n i d a d e s r u r a is e u r b a n a s , é preciso
le m b r a r q u e , n o c aso d e S a l v a d o r — d e i n í c i o c a p i t a l d a C o l ô n i a , d e p o is m e tró p o le
r e g io n a l — , h o u v e s e m p r e u m a í n t i m a r e la ç ã o e n t r e a c i d a d e e o R e c ô n c a v o ru ra l.
P o r f im , a o r g a n iz a ç ã o s o c ia l q u e se e s t a b e l e c e u a p a r t i r d e m e a d o s d o s é c u lo XVI
não nasceu ex nihilo\ os p o r t u g u e s e s , se u s a r t íf ic e s , t r o u x e r a m c o n s ig o u m m o d e lo de
s o c ie d a d e . N ã o h á c o m o p e n e t r a r a e s s ê n c ia d a s o c i e d a d e b a i a n a s e m c o n h e c ê - lo e
a n a li s a r o m o d o c o m o se a d a p t o u à r e a l i d a d e d o N o v o M u n d o . É o q u e e m p re e n d o
a s e g u ir , p a r a d e p o is in v e s t ig a r c o m o se o r g a n i z a r a m os g r u p o s s o c ia is e m S a lv a d o r e
n o R e c ô n c a v o n o in íc io d o s é c u lo X IX . F in a lm e n t e , p r o c u r a r e i d e s ta c a r as especificid ad es
d o m o d e lo b a ia n o d e s o c ie d a d e .

O M o d e lo P o r t u g u ê s d e S o c ie d a d e

O s h is t o r ia d o r e s p o r t u g u e s e s s e m p r e a t r i b u í r a m c a r á t e r c o r p o r a t iv o à s u a so cied a d e.
S e u s p o n to s d e p a r t i d a t ê m s id o d o c u m e n t o s le g a is e a d m i n i s t r a t i v o s , s o b re tu d o as
O r d e n a ç õ e s d o R e in o , le is f u n d a m e n t a i s d o E s ta d o p o r t u g u ê s , c o n s t a n t e m e n t e reno­
v a d a s p e lo s m o n a r c a s . A s m a is r e c e n te s e m a i s in t e r e s s a n t e s p a r a m i m são as de F ili­
p e II (O r d e n a ç õ e s F il ip i n a s , d e 1 6 0 3 ) , p o r q u e p e r m a n e c e r a m e m v ig o r no Brasil até
d e p o is d o p e río d o c o lo n ia l. A s o c ie d a d e p o r t u g u e s a te r ia tid o u m a o r g a n iz a ç ã o trip artite
c lássic a, d iv id in d o - s e e m trê s e s ta d o s : n o b r e z a , c le r o e p o v o . N o in t e r io r d e c a d a u m , a
o rg a n iz a ç ã o so cial s e ria d e c a r á te r c o r p o r a tiv o , c a d a g r u p o so c ia l g o z a n d o d e cerros privi­
légios e d c u m e s ta tu to ju r í d ic o e p o lític o p a r t ic u la r . N o m o m e n t o dc su a g r a n d e ex p an ­
são a lé m - m a r , a s o c ie d a d e p o r t u g u e s a e s ta r ia p o is h í e r a r q u iz a d a d a s e g u in te m an e ira.
E m p r im e ir o lu g a r , os f id a lg o s , os n o b re s. N o s é c u lo X V , d is t in g u ia m - s e e n tre eles
três c a te g o ria s : os ‘v a ssa lo s d o r e i', q u e f o r m a v a m a a lta n o b re z a t it u la d a , os ‘cavaleiros
e os e s c u d e ir o s . D e fato , foi nesse s é c u lo q u e c o m e ç a r a m a ser u sa d a s as palavras
f id a lg o e l i n h a g e m ', esta ú lt i m a t e n d o se t o r n a d o o s ig n o d e u m a a u t ê n t ic a nobreza.
T e o r ic a m e n t e , a n o b re z a re p r e s e n ta v a a c lasse d o s g u e r r e ir o s , te n d o p o r ta n to o e n c a r­
g o de p r o te g e r o p a ís e d e v e n d o e star à d is p o s iç ã o d o rei p a r a to d a s as suas e m p re ita d a s
d e c o n q u is ta . E m tr o c a desses serviço s, g o z a v a d e ise n ç õ e s fiscais, d e u m a p o sição
L iv r o M I - O D in h e ir o dos B a ia n o s 585

privilegiada diante da lei e ocupava posições de autoridade e com ando no governo.


Esse co n ju n to de atrib utos conteria a essa categoria o mais alto prestígio social. Em seu
T ratado prático de morgados. dc 1814, o jurista português M anuel de A lm eida e Souza
de Lobão en u m ero u as diferentes categorias da nobreza portuguesa de seu tempo:
fidalgos titulados (duques, m arqueses, condes), fidalgos de solar (isto é, possuidores de
um solar, um a senhoria, um a lin h a g em ), fidalgos de solar co nh ecid o (nobres de linha­
gem conhecida), fidalgos de cora de armas, fidalgos cavaleiros, fidalgos escudeiros,
cavaleiros fidalgos e cavaleiros e scu d eiro s.8
E m s e g u i d a v i n h a o c le r o , q u e t i n h a s u a p r ó p r ia o r g a n iz a ç ã o h ie r á r q u ic a e não
c o n s titu ía u m a c la s se h o m o g ê n e a . O a l t o c le r o e ra r e c r u t a d o e n t r e os m e m b ro s d a
nobreza, ao p a sso q u e o b a ix o c le r o t i n h a e m su as file ira s as d ife re n te s c a te g o ria s q ue
c o m p u n h a m o t e r c e ir o e s t a d o , o p o v o . O s e c le s iá s tic o s se d iv i d i a m a i n d a e n tre os q u e
p e rte n c ia m a o r d e n s r e lig io s a s e os s e c u la r e s , q u e g o z a v a m d e m u it o s p riv ilé g io s,
e m b o ra se m j a m a i s i g u a l a r o s n o b r e s .
O t e r c e ir o e s t a d o e r a o ‘ p o v o ’, c u jo s m e m b r o s f o r a m d e f in id o s p elo A lv a rá de
1 5 7 0 e o C ó d i g o F i l i p i n o c o m o o s q u e v i v i a m c o m o s e n h o r o u p a trã o ; t in h a m u m
ofício p e lo q u a l g a n h a v a m a v i d a ; o u c o m e r c i a v a m , p a r a si m e s m o s ou p a ra te rc e iro s .9
P o rta n to , a le g is l a ç ã o p o r t u g u e s a r e c o n h e c ia c o m o p e r te n c e n te s ao ‘p o v o ’ to d as as
pessoas q u e t i n h a m p o s iç ã o e f u n ç ã o b e m d e f in i d a s n o c o r p o so c ia l. A c a te g o ria dos
sen h o res o u p a tr õ e s e n g l o b a v a d e fato to d o s o s q u e v i v ia m de re n d a s e lu c ro s : p ro p rie ­
tários ru ra is, n e g o c ia n t e s o u p r o f is s io n a is a p o s e n t a d o s . C id a d ã o s e m certo se n tid o
passivos, s u a p r ó p r i a i n a t i v i d a d e os g u i n d a v a à c a t e g o r ia d e s e n h o r e p atrão , pois,
c o m o o s n o b r e s , já n ã o t r a b a l h a v a m c o m as m ã o s , N ã o se to r n a v a m n o b res, m as seu
estilo d e v i d a fa z ia d e le s a s p ir a n t e s à n o b r e z a , o u p e lo m e n o s ao títu lo d e fidalgo.
A d e m a is, p e r t e n c ia m t a m b é m ao c o r p o s o c ia l to d o s os q u e e ra m capazes d e g a n h a r a
v id a, fosse p e la p r á t ic a d e u m o f íc io , fosse p e lo c o m é r c io .
N o topo dessa h ie ra rq u ia estava o burguês: aquele que vivia de rendas, mas so­
bretudo o grande negociante. Buscava escapar à c o n d iç ã o de plebeu, pela obtenção
de um rím lo de fidalgo ou fazendo valer sua riqueza e seu papel econômico. Com o
Magalhães C o d in h o assinala com m uita pertinência, tornava-se d ifícil distinguir o
grande negociante, que sem pre acabava p o r obter a ‘fídalguia’, tão grande era seu
desejo dc integrar-sc á nobreza, do nobre que sc tornava'1comerciante, pois em P ortu­
gal a prática do com ércio não era desabonadora para a nobreza. A liás, segundo esse
autor, tamanha aspiração à nobre/.a foí o p rin cip al obstáculo a que a burguesia se
constituísse em grupo autônom o c desenvolvesse seus próprios valores.10
A o lad o d o s g r a n d e s b u rg u e s e s e stav am os ‘le trad o s . O s m e m b ro s desse g ru p o
doutores c lic e n c ia d o s egressos da u n iv ersid a d e, form ados em teologia, direito canonico,
d ireito civil c m e d ic in a — serviam nas fileiras da Igreja, ex erciam os ofícios de ad vo­
gado c m é d ic o , m as, so b re tu d o , eram servidores d o Estado, nas ad m in istraç õ e s civil e
judiciária. M a g a lh ã e s G o d in h o n a o separa esse g ru p o e a nobreza, a q u e estava forte­
mente lig a d o , e a s sin a la q u e as carreiras n a m a g is tr a tu ra e n a ad m ín isrraç ão pó blica
586 B a h ia , S éc u lo X IX

c o n d u z i a m c o m f r e q ü ê n c ia à o b t e n ç ã o d e t í t u l o s d e e s c u d e i r o , c a v a le ir o o u m e s m o de
fid a lg o -c a v a le iro .n
E m s u m a , essas d u a s c a t e g o r ia s — n e g o c i a n t e s e le t r a d o s — só p e r t e n c i a m ao
p o v o , ao t e r c e ir o e s ta d o , p o r d e f i n i ç ã o e s t a t u t á r i a , p o is s u a h a b i l i d a d e p e s s o a l, seus
c o n h e c im e n t o s , s u a s p r o f is s õ e s e s u a s f o r t u n a s o s s i t u a v a m a c i m a d o s c o m e r c ia n t e s ,
d o s p r o p r ie t á r io s r u r a is e d o s a r t e s ã o s , a p o n t o d e lh e s p e r m i t i r o in g r e s s o n a n o b re z a .
A b a ix o d o s b u r g u e s e s e d o s l e t r a d o s v i n h a m o s ‘c i d a d ã o s ’ , o u ‘h o m e n s b o n s ’,
g ru p o in te g ra d o e m geral p o r p ro p rie tá rio s d e im ó v e is o u d e terras, c o m e rc ia n te s e
m e s t r e s - a r te s ã o s . E sse g r u p o , q u e c o m p u n h a o s c o n s e lh o s m u n i c i p a i s , f a z ia p a r t e da
‘g e n t e l i m p a ’ , is to é, d e ‘ s a n g u e p u r o ’ , s e m m i s t u r a d e s a n g u e m o u r o , j u d a i c o o u
n e g r o . A s v á r ia s c a t e g o r ia s d e c i d a d ã o s t i n h a m r e p r e s e n t a n t e s n a s C o r t e s ( P a r la m e n t o
p o r t u g u ê s ) , ao la d o d a n o b r e z a e d o c le r o , m a s é e v i d e n t e q u e s ó o s m a i s p r e e m in e n t e s
c o n s e g u i a m m a n d a t o s n o s c o n s e lh o s m u n i c i p a i s o u n o P a r l a m e n t o . A e s s a s c a te g o r ia s
c a b e a c r e s c e n t a r o n ú m e r o c o n s i d e r á v e l d e h o m e n s d e d i c a d o s a o s o f íc io s a r t e s a n a is e
os t r a b a lh a d o r e s a g r íc o la s , c o m o c a m p o n e s e s s e m t e r r a e p a s t o r e s , s e m e s q u e c e r os
p e s c a d o r e s e m a r i n h e i r o s , p o is a p e s c a e o u t r a s o c u p a ç õ e s l i g a d a s a o m a r d e s e m p e ­
n h a m i m p o r t a n t e p a p e l e m P o r t u g a l . P o r h u m i l d e s q u e fo sse m ^ e ssa s a t i v i d a d e s g a r a n ­
t i a m o in g r e s s o n o â m b i t o d o s q u e t i n h a m u m o f í c i o p a r a g a n h a r a v i d a .
N o n ív e l m a is b a ix o d a e s c a la s o c i a l e s t a v a m o s e m p r e g a d o s d o m é s t i c o s — na
m a i o r i a e s c ra v o s , m o u r o s o u n e g r o s v i n d o s d a Á f r i c a 12 — e o s d e s o c u p a d o s e v a g a b u n ­
d o s d e t o d a s o rte . E r a m o s r e le g a d o s d e s s a o r g a n i z a ç ã o s o c i a l, o u p e l a c o n d i ç ã o de
e sc rav o s, o u p o r q u e s e u e s t ilo d e v i d a n ã o se e n q u a d r a v a e m n e n h u m d o s trê s estilos
q u e g a ra n tia m c id a d a n ia p le n a .
A n te s d e e n c e r r a r e s ta d e s c r iç ã o d a s o c i e d a d e p o r t u g u e s a , d e v o s u b l i n h a r o u tro s
p r in c íp io s q u e i n f l u e n c i a v a m s u a o r g a n iz a ç ã o . E m 1 4 9 7 , a n u m e r o s a c o m u n id a d e
j u d a i c a d e P o r t u g a l foi o b r i g a d a a e s c o lh e r : c o n v e r t i a - s e à fé c a t ó l i c a o u a b a n d o n a v a
o p a ís. F o r a m a s s im c r ia d a s , n o i n í c i o d o s é c u lo X V I , as c a t e g o r ia s ‘c r is tã o s v e lh o s e
c ris tã o s n o v o s , q u e se m a n t i v e r a m a t é m e a d o s d o s é c u l o X V I I I . O s c r is ta o s -n o v o s e
seus d e s c e n d e n te s c o n t i n u a r a m a s o fr e r m u i t a s l i m i t a ç õ e s , a i n d a q u e s u a co n v e rsão
tivesse sid o p r o f u n d a e v e r d a d e i r a . T a m b é m u m n a s c i m e n t o i l e g í t i m o , so b re ru d o
q u a n d o a c o m p a n h a d o d e u m a tez m a is e s c u r a , p o d i a a c a r r e t a r s é r ia s d if ic u ld a d e s p a ra
o r e c e b im e n t o d e u m a h e r a n ç a o u o in g r e s s o n o s e rv iç o d o rei. D e fa to , a id é ia de
p u r e z a d e s a n g u e a b a r c a v a t a n t o a i l e g i t i m i d a d e c o m o a r e li g i ã o p r o f e s s a d a p e la f a m í­
lia* T u d o o q u e se a f a s ta v a d e m a n e i r a p e r c e p tív e l d o p a r a d i g m a — o s a n g u e sem
m is c ig e n a ç ã o , a fé c a t ó lic a s e c u la r — e r a o b je t o d a r e je iç ã o p o r p a r te d e u m a so cie ­
d a d e e m q u e , n o e n t a n t o , a m is t u r a ra c ia l r e m o n t a v a à c o n q u is t a d o p a ís p e lo s m o u ro s,
e e m q u e o c r is t ia n is m o so fre rá fo rte c o n c o r r ê n c i a d o s c re d o s h e te ro d o x o s m u ç u lm a n o
c h e b r a ic o . A n a lis a r c o m o essa r e p u g n â n c ia foi v i v id a e v e n c id a e m P o r t u g a l e sc ap a ao
n o sso p r o p ó s ito , m a s é c e rto q u e , n a B a h ia , os n a s c im e n t o s ile g ít im o s e r a m bem
to le ra d o s , e n q u a n t o as c re n ç a s h e te ro d o x a s s u s c it a r a m c o m f r e q ü ê n c ia a titu d e s de
r e p u g n â n c ia c re je iç ã o p o r p a r t e d o c o rp o so c ia l. J á e m 1 5 9 2 , d o ze d o s 41 e n g e n h o s
0 x 1 ,0 DlNHtlRO DOS B.UtNOS

e x is te n te s n o R e c ô n c a v o p e r t e n c i a m a 'c r is t ã o s n o v o s ’ - e m ir .is ,
i n q u i s iç ã o m e n c i o n a m 3 4 e n g e n h o , , d o s q u a i s v i n t e nas' m ã o s d e s s ^ ^ n t ^ T i u d c u s
q u e , g r a ç a s a o c a s a m e n t o , o n h a m se m i s t u r a d o às f a m íl ia s d e ‘c rtstáo s v e lh o s ’ 11 P
o u tr o la d o , as r n . s n . n s e n t r e b r a n c o s e p e s s o a s d e c o r e r a m n u m e r o s a s , m a s d ifíce is dé
d e te c ta r, p o is n a o h a v i a p e r s e g u i ç ã o le g a l a essa p r á t ic a .
V o l t e m o s a o n o s s o t e m a . A b r e v e d e s c r iç ã o d a o r g a n iz a ç ã o so cial p o rtu g u e sa
m o s tr a , e m p r i m e i r o l u g a r , q u e a d iv is ã o j u r í d i c a d a p o p u la ç ã o e m três e stad o s era
p u r a m e n t e t e ó r i c a . A m o b i l i d a d e s o c ia l e r a g r a n d e , p e r m i t i n d o a p a ssa g e m d e u m a
o r d e m a o u t r a . A n o b r e z a c o n f i g u r a v a u m id e a l d e v id a , a q u e a s p ir a v a m todos os
m e m b r o s d a s o c i e d a d e , d e s d e o g r a n d e n e g o c i a n t e a o m e s t r e a r te sã o p ró sp e ro , i n c l u i n ­
do o le t r a d o . A p a s s a g e m e r a u m a q u e s t ã o d e o p o r t u n i d a d e e d e te m p o . O d e s e n v o l­
v im e n t o d o c o m é r c i o e a f o r m a ç ã o d o E s t a d o p o r t u g u ê s , e m fin s d o s é c u lo X IV ,
f a v o r e c e r a m m e r c a d o r e s , f u n c i o n á r i o s d o re i e o u t r o s le t r a d o s q u e d e s e ja v a m in gressar
n a n o b r e z a . A p o s s e d e u m a b o a f o r t u n a e a c o n s i d e r a ç ã o s o c ia l e r a m os a t r ib u to s q u e
lhes p e r m i t i a m a s p i r a r a r e c e b e r d o r e i, d e q u e m e r a m p r e c io s o s a u x ilia r e s , a fid a lg u ia ,
o u m e s m o o in g r e s s o i m e d i a t o n o r o l d o s n o b r e s t i t u l a d o s . S e r n o b r e e r a ser se rv id o r
d o re i, m a s e r a t a m b é m se r o s e n h o r d e u m a g r a n d e c a s a — c o m p o s ta d e vasta
p a r e n t e la , s e r v i d o r e s , m u i t o s f r e q ü e n t a d o r e s — , te r i n d e p e n d ê n c i a e c o n ô m ic a e d o m í­
n io s e n h o r i a l , m a n t e r u m a t r a d i ç ã o f a m i l i a r e a c a l e n t a r e s p e r a n ç a d e q u e a p ró p ria
d e s c e n d ê n c ia se t r a n s f o r m a r i a , c o m o t e m p o , n u m a li n h a g e m . N a d a im p e d ia , aliás,
q u e os n o b re s d e p r i m e i r o g r a u c h e g a s s e m às f ile ir a s d a m a is a lta n o b re z a, caso aprouvessé
ao rei a s s im r e c o m p e n s a r b o n s s e r v iç o s a e le p r e s t a d o s . P o r o u tr o la d o , m e s m o q u e não
o b tiv e sse a ‘ f i d a l g u i a ’ , u m g r a n d e n e g o c i a n t e o u u m le t r a d o p o d ia e m n a d a d is tin g u ir -
se d o s n o b r e s , t a l a s u a f o r t u n a , e s t il o d e v i d a e f u n ç ã o .
N ã o se s a b e q u a n t a s g e r a ç õ e s e r a m n e c e s s á r ia s p a r a se te r acesso à n o b re z a, m as a
ra p id e z c o m q u e s e f a z i a m f o r t u n a s n o s s é c u lo s X V , X V I e XVTI su g e re q u e a n o b ílitação
p o d ia o c o r r e r n a p r ó p r i a g e r a ç ã o d o r e c é m - e n r i q u e c i d o . J á a asce n sã o dos m e m b ro s de
c a te g o r ia s m e n o s p r e s t ig io s a s d o t e r c e ir o e s t a d o ( p r o p r ie t á r io s d e im ó v e is e d e terras,
artesão s ric o s) e r a m a i s l e n t a . O c a n d i d a t o à f i d a l g u i a , o u m e sm o a u m a íu n ç ao
n o b ilit a n t e — n a a d m i n i s t r a ç ã o r e a l, p o r e x e m p lo — d e v ia p ro v a r q u e seus pais
tin h a m v iv id o d e m a n e i r a n o b r e , se m e x e r c e r o f íc io m a n u a l , p e rte n c e n d o pois à cate­
g o ria d c p e sso as q u e v iv ia m "c o m o s e n h o r e s o u p a trõ e s . A s s im , se u n i nego . ^
u m le t r a d o p o d ia m a s c e n d e r d i r e t a m e n t e à n o b re z a , as d e m a is c a te g o ria s do terceiro
e stad o d e v ia m p r im e i r o g u i n d a r - s e — p elo p r e s tíg io e c o n ô m ic o , p o lític o ou soei
ao to p o d e s e u g r u p o o u c o r p o r a ç ã o . O s o n h o d a a sc e n sã o à fid a lg u ia só se rea izava,
nesse c a so , n a g e r a ç ã o d o s filh o s o u n a d o s netos.
Esse e s q u e m a d e m o b i l i d a d e s o c ia l - em q u e , a d e s p e ito d e to d o u m sistem a
categorias sociais no-interior de cada ordem, eram possíveis passagens frequen e
contínuas de uma ordem p ara outra

grupos bÍSÍC° S: "“ N a e q u i desfrutavam. Em dirima análise, era no seio de


os p r iv ilé g io s e a e s t im a so c ia l d e q u e
5SS Bahea, S é c u lo X JX

c a d a u m desses g r u p o s b á sic o s q u e se o r d e n a v a m as c a te g o r ia s so c ia is . A ssim , na


p r á t ic a , a s o c ie d a d e p o r t u g u e s a r e p o u s a v a n u m a o r g a n iz a ç ã o so c ia l d ic o t ô m ic a , o que
a liá s se r e fle tia n a o p o s iç ã o q u e essa s o c ie d a d e t e n t a v a e s ta b e le c e r , q u a s e in c o n s c ie n ­
t e m e n t e , e n t r e c a tó lic o e h e r e g e , s a n g u e p u r o e s a n g u e i m p u r o , c o m o se p o r a í passas­
se m as v e r d a d e ir a s li n h a s d e d e m a r c a ç ã o .
H i e r á r q u i c a , a s o c i e d a d e p o r t u g u e s a o r d e n a v a - s e p o r t a n t o e m d o is g ra n d e s
g r u p a m e n t o s q u e p o s s u ía m as p r ó p r ia s re g r a s d e c o n d u t a e d e m o b i lid a d e so cial. O
m o d o c o m o e ste m o d e lo foi a d a p t a d o as r e a l id a d e s d o n o v o m u n d o b a ia n o éo que
passo a e x a m in a r .

O M o d e lo B a ia n o d e S o c ie d a d e

A o r g a n iz a ç ã o s o c ia l b a i a n a e n g e n d r o u u m m o d e l o d e s o c i e d a d e q u e , e m b o r a in sp ira ­
d o n o m o d e lo p o r t u g u ê s , fo i a d a p t a d o às c o n d iç õ e s p r ó p r ia s d a C o l ô n i a . A estru tu ra
s o c ia l c o n t i n u o u h i e r a r q u iz a d a , m a s so b o u t r a b a s e j u r í d i c a . A s e g m e n t a ç ã o nobres-
p le b e u s fo i s u b s t i t u í d a p o r o u t r a , d e m o d o q u e a d i c o t o m i a s o c ia l d o m o d e lo p o r tu ­
guês, em b o ra m a n tid a , m u d o u de n atu reza.
N o n o v o m o d e lo , os n o b r e s f o r a m s u b s t it u íd o s p e lo s b r a n c o s liv res e os escravos
t o m a r a m o lu g a r d o s p le b e u s . N o n o v o c o n t e x t o c r ia d o p e lo r e g im e e sc rav o crata, o
b r a n c o , fosse q u a l fosse s u a o r ig e m s o c ia l, f u n ç ã o o u r iq u e z a , t i n h a u m a posição
p r e e m in e n t e p elo m e r o fato d e se r liv r e p a r a d i s p o r d e s u a p e s s o a e d e s e u d e stin o . Q u e
u m s im p le s a r te s ã o , f e ito r o u p e q u e n o c o m e r c i a n t e a s s u m is s e ares d e n o b re z a e afetas­
se s u p e r io r id a d e n ã o c a u s a v a q u a l q u e r e s p a n t o . M e s m o o s q u e se s itu a v a m e m níveis
m a is a lto s d a e s c a la s o c ia l e v it a v a m c e n s u r a r t a l a t i t u d e , n u m m e io e m q u e os brancos
e ra m u m a m i n o r i a a m e a ç a d a p o r to d o s os la d o s.
C o m o p a s s a r d o t e m p o e a m u d a n ç a d a s c o n d iç õ e s , esse e s q u e m a se alterou.
A n te s d e m a is n a d a , a lg u n s b r a n c o s f iz e r a m f o r t u n a , a té g r a n d e fo r tu n a ; depois, a
m e s tiç a g e m e a p r á t ic a d a a lf o r r ia c r ia r a m u m a n o v a e c a d a vez m a is n u m e r o s a cate­
g o ria d e h o m e n s livres e n ã o b r a n c o s , ao s q u a is e r a p re c is o a t r ib u i r u m lu g a r na escala
so cial. P o r f im , n a m e d i d a e m q u e a p o p u la ç ã o liv re d e c o r a u m e n t a v a , certos ofícios
(c u ja té c n ic a a n tes só os b r a n c o s d o m in a v a m ) p a s s a r a m a se r e x ercid o s p e la po pulação
d c cor. C o m isto, b r a n c o s q u e a n te s v in h a m à B a h ia p a ra e x e rc e r u m o fício m anual
p assaram a só a d m it ir fazê-lo c o m a c o n d iç ã o d e p o d e r g u in d a r - s e im e d ia ta m e n te ao
top o d a profissão, de m o d o a p o d e r ex erce r a lg u m p o d e r de c o m a n d o . G aran tiam
assim certa p r e c m in c n c ia em re lação aos d e m a is m e m b r o s d e s u a c ate g o ria profissional
e certa p r o x im id a d e d os b r a n c o s q u e , te n d o e n r iq u e c id o n a a g r ic u lt u r a ou no co m ér­
cio, se c o n sid e ra v a m a n a ta d a so cied a d e.
O ra , u m a vez q u e a s o c ie d a d e se e s tru tu ra v a e m bases ju ríd ic a s q u e separavam a
p o p u laç ão em livres e escravos, não seria d e m a s ia d o p rete n sio so p a r a os brancos que
tin h a m feito fo r tu n a e x c lu ir de seu m eto ou tros brancos, c ujas origens sociais eram
L iv r o VII - O D in h e ir o d o s B a ia n o s

m u ir a s v e z es s e m e l h a n t e s às s u a s ? N a v e r d a d e , o s q u c c h e g a r a m p r im e ir o e s ta b e le c e ­
ram re g ra s d e c o n d u r a q u e d e v i a m s e r o b s e r v a d a s p o r q u e m q u is e s s e v e n c e r s o c i a l m e l
te. Essas re g r a s n a o i m p e d i a m o p r o c e s s o d c a s c e n s ã o s o c i a l se a cnr ; j a
g u e s a e r a a h e r r a , a b a i a n a o e r a a i n d a m a is , u m a ver. q u e , t a n t o d c d ir e it o q J a n m d ê
fato . o p o r t u g u ê s n a o o c u p a v a n e l a u m a o r d e m d e t e r m i n a d a . D e fato a n o b reza
p o r t u g u e s a i g n o r o u o B r a s i l , c o s ‘f i d a l g o s ’ e n v ia d o s a s e rv iç o d o r e i, q u e a q u i fic a ra m
p a r a e n r i q u e c e r , n ã o e r a m n u m e r o s o s o b a s t a n r e p a r a c o n s t i t u i r u m a c lasse n o b iiiá r ia
O s p o r t u g u e s e s q u e se h a v i a m t o r n a d o s e n h o r e s d e e n g e n h o f o r m a v a m se m d ú v id a
u m g r u p o s o c i a i q u e , p e l a r i q u e z a , o p o d e r e o e s t il o d e v i d a , a s s e m e lh a v a - s e à nobreza
p o r t u g u e s a . M a s e s s a n o b r e z a d a t e r r a ' — d e s i g n a ç ã o q u e e la m e s m a se o u to r g o u e
c o n s e g u iu i m p o r — n ã o e r a m a i s q u e u m a a r is t o c r a c ia , n o s e n t id o a n t ig o do te rm o .
F a l t a v a m - l h e o s t í t u l o s ; f a l t a v a m - l h e s o b r e t u d o a s t r a d iç õ e s f a m il ia r e s q u e ao lo n g o d o
te m p o c o n s t i t u e m a l i n h a g e m . A s f a c i l i d a d e s o f e r e c id a s n o B ra sil a to d o s os re c em -
c h e g a d o s d e a l é m - m a r p e r m i t i a m - l h e s e n r i q u e c e r p e l a p r á t i c a d e u m o ficio o u no
c o m é r c io , c o m p r a r t e r r a s o u c a s a r c o m a f i l h a d e u m s e n h o r d e e n g e n h o , até f in a lm e n ­
te e n c o n t r a r u m l u g a r n o s e io d a ‘ n o b r e z a d a t e r r a ’ . S e , e m 1 7 2 5 , 7 0 % dos sen h o res
d e e n g e n h o e r a m n a s c i d o s n o B r a s i l e 30 .% e r a m f ilh o s d e im ig r a n t e s p o rtu g u e se s, em
1 8 1 8 a p r o p o r ç ã o d e s e n h o r e s d e e n g e n h o d e i m i g r a ç ã o r e c e n t e era a in d a m a io r; em
3 1 6 e n g e n h o s , 9 2 p e r t e n c i a m às v i n t e f a m íl ia s m a is im p o r t a n t e s , q u e h a v ia m c h e g ad o
à B a h ia n o s s é c u lo s X V I e X V I I . 15
O b r a n c o e r a s e m p r e , e m s u m a , u m a r i s t o c r a t a e m p o t e n c ia l, assim c o m o eram
n o b re s e m p o t e n c i a l o s g r a n d e s n e g o c i a n t e s e os le t r a d o s d e P o r t u g a l. A d ife re n ç a é
q u e , d e s t e la d o d o A t l â n t i c o , p r a t i c a m e n t e n i n g u é m p a r e c ia in te r e s s a d o e m in v e stig ar
m u it o a o r i g e m s o c i a l d o s c a n d i d a t o s . S ó q u a n d o n ã o lh e in te r e s s a v a a d m it ir a lg u é m
e m s e u s e io o g r u p o d o m i n a n t e t r a z ia à t o n a a q u e s t ã o d a im p u r e z a d a o r ig e m . 16
Esse g r u p o d o m i n a n t e , a r is t o c r á t i c o e m s u a e s s ê n c ia m as n ã o n o b re e m u ito
m e n o s p o r t a d o r d e l i n h a g e m , t o m a v a p o r m o d e l o a n o b r e z a p o rtu g u e s a , m a is p a rtic u ­
la r m e n t e , a a l t a n o b r e z a . I m i t a v a s e u e s t ilo d e v id a e te n ta v a a trib u ír-s e poderes
e q u iv a le n t e s ao s d e la , o q u e a liá s n ã o c o n s e g u i a p o r q u e a a d m in is tr a ç ã o real, q u e lhe
d e u c e r ta m a r g e m d e a ç ã o n o s p r im e i r o s c e m a n o s d a c o lo n iz a ç ã o , re to m o u seus
d ir e ito s assim q u e as c o n d iç õ e s o p e r m i t i r a m . P o li t ic a m e n t e forte nos séculos XVI e
X V II, t e n d o m e s m o a s s e g u r a d o a p r o te ç ã o d a C o l ô n i a p elas a rm a s nos prim eiros
séculos d a c o lo n iz a ç ã o , essa e la s se d o m i n a n t e p e r d e u nos fins do século X V II seus ois
a trib u to s e s s e n c ia is — c o m a n d o m ili t a r e p o d e r p o lític o — , q u c lh e teriam p erm iti o
u m a p r o m o ç ã o m a c iç a às fileira s d a n o b re z a . M e s m o o títu lo dc ‘fid a lg o ’ , de tao ci
o b te n ç ã o n a M e t r ó p o l e , a q u i era c o n c e d id o c o m cerra e c o n o m ia , e só para fami ias
q u e t i n h a m , d c u m a m a n e ir a o u d c o u tr a , se rv id o d ir e t a m e n t e ao Estado.
Essa p a r c im ô n i a d o rei r e s u lta r ia d a re sistê n c ia a n o b ilita r pessoas q u e tin h am
a s c e n d id o s o c ia lm e n t e c o m e x cessiva ra p id e z ou d a p re o c u p a ç ã o d e não estan car u m a
ap reciável fon re d e re c u rso s p e la co n cessão d e isenções fiscais? C a b e co n sid erar a m d
u m a te rc e ira r a z ã o : na B a h ia , era o s e n h o r de e n g e n h o q u e m u n ia em su a pesso
B a h ia , S é c u lo X IX
590

riq u e z a e p o d er, e essa c o n d iç ã o n ã o e ra s e m p r e p e r m a n e n t e . L o n g e d is to ; as fo rtu n as


se faziam e se p e r d ia m c o m ig u a l r a p id e z e as p la n t a ç õ e s a ç u c a r e ir a s p a s s a v a m d e u m a
m ã o a o u tr a f a c ilm e n te ; o to d o - p o d e r o s o s e n h o r d e e n g e n h o p o d ia s u b i t a m e n t e tran s­
fo rm a r-se em b r a n c o p o b re , e u m f id a lg o e m p o b r e c id o j á n ã o p o d ia m a n t e r su a
p o siç ão . S t u a r t S c h w a r t z c o m p a r t ilh a d e ssa o p in i ã o : “A c o n s i d e r a ç ã o p r in c ip a l a ser
re ssaltad a a q u i é que, a p e s a r d a a s p ir a ç ã o ao statusd e n o b reza, os sen h o res de engenh o
c o n s r itu ia m - s e e s s e n c ia lm e n te e m u m a a r is t o c r a c ia d e r i q u e z a e p o d e r , q u e d e s e m p e ­
n h o u e a s s u m iu m u it o s d o s p a p é is t r a d ic io n a i s d a n o b r e z a p o r t u g u e s a , m a s n u n c a se
to r n o u u m e sta d o c o m b ases h e r e d it á r ia s .
D e fàto , os h is to r ia d o r e s d a B a h i a p u d e r a m c e l e b r a r c e r t a s a s c e n s õ e s s o c ia is f u lg u ­
ran tes, m a s os m u it o s d e c lín io s q u e as a c o m p a n h a r a m p e r m a n e c e m d e s c o n h e c id o s .
P o r p u d o r? T a lv e z , m a s s o b r e t u d o p o r f a l t a d e i n f o r m a ç õ e s : o d e c l í n i o s o c ia l g e r a l­
m e n te a c a r r e ta o e s q u e c im e n t o . N o m e s q u e u m d i a f o r a m ilu s t r e s r e t o r n a m ao a n o ­
n im a to , d e o n d e e m e r g ir a m p o r u m t e m p o d e m a s i a d a m e n t e c u r t o .
N o o u tr o e x tr e m o d a e s c a la s o c ia l e s t a v a m o s e s c r a v o s . D e i n íc io , n o s é c u lo X V I,
fo ram os ín d io s , d e p o is o s a f r ic a n o s . E ssa d u p l a e x p e r i ê n c i a d e e s c r a v is m o e m p r e e n d i­
d a p elo s p o r tu g u e s e s n a B a h ia foi a d m i r a v e l m e n t e e s t u d a d a p o r S t u a r t S c h w a r t z .18 O
q u e im p o r t a s u b l in h a r a q u i é q u e , e m b o r a f o s s e m d a d a s a o s e s c ra v o s o p o r t u n id a d e s
e x t r e m a m e n t e v a r ia d a s d e se li b e r t a r e as a lf o r r ia s fo s s e m f r e q ü e n t e s , e la s n ã o b e n e fi­
c ia r a m a m a io r ia , e m u i t o m e n o s p e r m i t i r a m à m a i o r i a d o s b e n e f ic ia d o s u m a asce n são
fácil n a e sc ala so c ia l.
E m p r im e ir o lu g a r , p o r q u e o e s c r a v o m u i t a s v ezes e r a li b e r t a d o q u a n d o já nao
t i n h a c a p a c id a d e n e m d e p r o d u z ir , n e m d e se r e p r o d u z i r . D e p o is p o r q u e , p o r m aio re s
q u e fossem se u m é r ito e t a le n t o , o a l f o r r ia d o n ã o p o d i a t r a n s p o r d e t e r m i n a d o lim ia r ,
a m en o s q u e c o n ta sse c o m u m b o m n ú m e r o d e c u m p l i c i d a d e s , n ã o a p e n a s entre
o u tro s ex-escravos, m as t a m b é m — e s o b r e t u d o — n o m u n d o d o s b r a n c o s , o u n o dos
q u e assim se c o n s id e r a v a m . F in a lm e n t e , o a lf o r r ia d o n e m s e m p r e se d is p u n h a a se
c u rv ar às regras do jo g o d o m u n d o b r a n c o : h a v i a o s q u e p r e f e r ia m v iv e r à p a rte , sem
fazer d e m a s ia d o esforço e s e m a c a l e n t a r g r a n d e s a m b iç õ e s , s a b e n d o q u e n ã o p o d e ria m
c o n se g u ir m u ito m a is q u e fazer a c e it a r a c o r d e s u a p e le e s u a c o n d i ç ã o d e ex-escravo.
P o r o u tro la d o , fa lta v a m e m g e r a l ao s e x -e sc ra v o s — in c lu s iv e e m ra z ã o d o a lto preço
q u e m u ito s p a g a v a m p e la a lf o r r ia — as c o n d iç õ e s m a t e r i a is q u e lh es p e r m itir ia m
deslocar-se de u m a c a te g o r ia a o u tr a , A in d a a s s im , a c o n q u is t a d a li b e r d a d e sig n ific a v a
e n o rm e progresso: cra p assar d c c o isa a p esso a, fazer-se liv re p a r a to m a r u m lu g a r n u m
corpo so cial d e q u e até e n tã o se v ira e x c lu íd o .
E ntre os e x tre m o s re p re s e n ta d o s p o r b ran c o s liv res e n e g ro s escravos — diferentes
pelo e statu to ju r íd ic o , a cor d a p ele, as o rig e n s re lig io sa s e c u ltu r a is e as a titu d e s
m e n ta is alocava-se u m a m assa h e te ro g ê n e a , c o m p o s ta d e b ran c o s, m u la to s e negros
e todas as to n a lid a d e s . Essa c a m a d a e m c o n s ta n te c re s c im e n to fo rm a v a o m eio em
q u e se g erav am as p ró p rias c o n d iç õ e s p a r a a asce n são so cial. M a s , se p e r m it ia p ro m o -
çoes espantosas, a c o lh ia t a m b é m — m u it a s vezes p a r a o c u ltá -la s — os so c ia lm e n te
L ivro V I í - o D i n h e i r o d o s B a ia n o s
591

d e caíd o s e to d o s o s m a r g i n a i s q u e a s o c i e d a d e s e c r e ta v a . E stav a lo n g e d e ser, c o n tu d o ,


c o m o já se a f i r m o u , u m a m a s s a d e g e n t e i n ú t i l , í n a d a p t a d a e d e s c la s s if ic a d a ” A o
c o n trá rio . E ra u m g r u p a m e n t o c m q u e os in d iv í d u o s se o r d e n a v a m e m c a te g o ria s
fu n d ad a s n a c o r — as c o n f r a r i a s r e lig io s a s sã o u m b o m e x e m p lo d isso — , m as ta m b é m
no o fício e x e r c i d o e n o p r e s t íg io s o c ia l. O m o d e l o d e s o c ie d a d e id e a l c u lt iv a d o nesse
g ru p o tã o h e t e r ó c li r o d o p o n t o d e v i s t a d a s o r ig e n s e d o s g r a u s de a c u lt u r a ç ã o de seus
m e m b ro s e ra , c o m o n ã o p o d i a d e i x a r d e se r, o p r o p o s t o p e lo s b r a n c o s .
A a s s im ila ç ã o p o r a c u l t u r a ç ã o — ta l c o m o foi f o r m u l a d a n a d é c a d a de 1 9 3 0 p o r
R. R e d f ie ld , R . L i n t o n e M . J . H e r s k o v i t s (“c o n j u n t o d e f e n ô m e n o s re s u lt a n te s d o fato
de q u e g r u p o s d e i n d i v í d u o s d e c u l t u r a s d if e r e n t e s e n t r a m e m c o n ta to s c o n tín u o s e
diretos c o m as m u d a n ç a s q u e s u r g e m n o s m o d e lo s c u l t u r a i s o r i g i n a i s ”) 19 a p r e s e n ta ­
va-se d e fato c o m o a ú n i c a s o l u ç ã o p o s s ív e l. M a s , a i n d a q u e p r a t i c a m e n t e in e v itá v e l e
vista c o m o i m p o s i ç ã o d o m u n d o d o s b r a n c o s , a a s s im il a ç ã o n u n c a foi fo r ç a d a , c o m o
a c re d ito te r m o s t r a d o a o lo n g o d e t o d o e s te e s t u d o . O q u e o c o r r e u foi u m a tro ca
c o n tín u a , s e m p r e e n r í q u e c e d o r a , d e p r i n c í p i o s , v a lo r e s e a t it u d e s , q u e c u l m i n o u n a
c riação d e u m a n o v a i d e n t i d a d e e d e u m a o r d e m s o c ia l o r ig in a l.
O c a r á te r e s p o n t â n e o d a a c u l t u r a ç ã o foi b e m d e m o n s t r a d o p o r R o g e r B a stid e , q u e
estab eleceu u m a d u p l a c a u s a l id a d e p a r a e x p lic á - la : u m a e x te r n a (a pressão o u in f lu ê n c ia
exercida p e lo g r u p o d o a d o r ) , o u t r a i n t e r n a (d e in ic ia t iv a d o g r u p o to m a d o r, q u e favore­
cia o u v e ta v a d e t e r m i n a d a m u t a ç ã o o u e m p r é s t im o ) . A p a r t ir d essa d is tin ç ã o , B astid e
d e fin iu u m a s é r ie d e c o n c e it o s ■
— - s e le ç ã o , r e c u s a , a c e ita ç ã o , a d a p ta ç ã o , sin c re tísm o ,
c o n tr a - a c u ltu r a ç ã o , r e in t e r p r e t a ç ã o 20 — q u e v im o s t r a d u z id o s e m fatos e atitu d e s , ações
e in teraçõ es, a o fa la r d a f a m ília , d o E s ta d o e d a I g r e ja . O q u e im p o r t a s u b lin h a r aq u i é
que as c a m a d a s d o m i n a n t e s s e m p r e se r e c u s a r a m a a d m i t i r q u e a n o v a id e n tid a d e fosse
resultado d esse p ro c e ss o , p o is s e u p r ó p r io id e a l d e s o c ie d a d e — co m o seus d e m a is
conceitos e li n g u a g e m — p e r m a n e c ia d e s e s p e r a d a m e n t e c o la d o ao m o d e lo europeu .
R eto rnarei a este p o n to , m a s q u e r o frisar q u e , n a o r g a n iz a ç ã o social b aian a, não se pode
d is tin g u ir e n tre g r u p o s d o a d o r e s e to m a d o r e s : h o u v e u m in te r c â m b io c o n tín u o .
Esse e sb o ç o d a e s t r u t u r a ç ã o g e ra l d a o r g a n iz a ç ã o so c ia l b a ia n a ex ige especificações.
As diversas c o m u n i d a d e s r u r a is e s ta b e le c e m re g ra s p r ó p r ia s d e m o b ilid a d e , q u e c o n fi­
guram o r d e n s h i e r á r q u ic a s q u e as d is t in g u e m e n tr e si e d as c o m u n id a d e s urbanas.
Im põe-se, p o r t a n t o , e x a m i n a r as q u a lid a d e s e os lim it e s d a s d ife re n te s relações sociais
que se f o r m a ra m e se d e s e n v o lv e r a m nesses d if e re n te s c o n te x to s.
N o q u a d r o d a C a p i t a n i a d a B a h ia , n o fin al d o sé c u lo X V III, as c o m u n id ad e s
rurais se d is t in g u ia m e n tre si p o r su as a t iv id a d e s e c o n ô m ic a s (áreas d e pecuária, de
a g ric u ltu r a d c s u b s is tê n c ia , dc a g r ic u lt u r a de e x p o rta ç ã o ), p elas fo rm a s q u e assu m ia o
p o v o am e n to (d isp e rso , c o n c e n tr a d o ) e p e la m a io r o u m e n o r d is tâ n c ia d a c a p it a l. Os
traços d as so c ie d a d e s c a m p o n e s a s do in te r io r m ais re m o to já fo ram ap resentado s, m as
as h ie ra rq u ia s e as relaçõ es so ciais c a ra cterística s das c o m u n id a d e s ru rais d o R ecôncavo
m erec e m a te n ç ã o e s p e c ia l, so b re tu d o e m d e c o rrê n c ia d a ín tim a relação q u e m a n ti­
nh am c o m a c a p it a l, d c q u e e sta v a m tão p ró x im as.
B ahia , S ê c lt o X IX

A s E s t r u t u r a s S o c ia is R u r a is .

P o r v o lta d e 1 8 0 0 , a a t iv id a d e a g r íc o la n o R e c ô n c a v o d iv e r s ific a v a - s e . À sociedade


ru ra l f o r m a d a e m to r n o d a a t iv id a d e a ç u c a r e ir a v i n h a m a c r e s c e n ta r -s e as q u e se esta­
b e le c ia m e m to rn o d a s c u lt u r a s d o f u m o e d e g ê n e ro s d e s u b s is tê n c ia . V iv e n d o em
u n id a d e s d e p r o d u ç ã o d e t a m a n h o b e m m a is m o d e s t o , essas s o c ie d a d e s d ife r ia m m u it o
d a d os e n g e n h o s , ta n to p o r se u s c o m p o n e n t e s s o c ia is c o m o p e la s relaçõ es q u e estes
m a n t i n h a m e n tr e si.
N o R e c ô n c a v o a ç u c a r e ír o o h a b it a t e ra c o n c e n t r a d o : c a d a e n g e n h o a b rig a v a uma
c o m u n id a d e r u r a l c ir c u n s c r i t a a o s se u s l i m i t e s t e r r it o r ia is . N a s d e m a is áreas, ao con­
trá rio , o h á b it a t e ra d is p e rs o , e os ra ro s lu g a r e jo s e r a m p o u c o m a is q u e lo cais a que a
p o p u la ç ã o a c o r r ia p a r a c u m p r i r su as o b r ig a ç õ e s r e lig io s a s . T o m a r e i c o m o prim eira
u n id a d e d e e s tu d o s a c o m u n i d a d e r u r a l d o e n g e n h o .
O s h a b it a n t e s dos e n g e n h o s n o f in a l d o s é c u lo X V I I I p o d e m ser classificad o s em
d iv e rsa s c a te g o r ia s sociais,^ o r d e n a d a s e m p i r â m i d e : n o to p o , o s e n h o r d e engenho,
s e g u id o d o s ‘la v r a d o r e s ’; d e p o is , d iv e r s o s g r u p o s d e a s s a la r ia d o s , e m q u e os serventes
o c u p a v a m o n ív e l m a is b a ix o . E stes g e r a lm e n t e e r a m r e c r u t a d o s e n t r e os ‘m oradores’,
c a m p o n e s e s liv re s, m u i t a s v ezes e x -e s c ra v o s o u d e s c e n d e n t e s d e e scravo s, g en te sem
te rr a c u ja e x is t ê n c ia e p e r m a n ê n c ia n o d o m í n i o d e p e n d i a d a b o a v o n ta d e do senhor.
S u a fu n ç ã o e ra p r o d u z ir g ê n e r o s d e s u b s i s t ê n c ia e a l u g a r s u a fo r ç a d e trab alh o para
tarefas b e m p rec isas; p o r f im , n a b a se d a p i r â m i d e , o s escravo s.
O s e n h o r d e e n g e n h o r e s id ia p e r m a n e n t e m e n t e e m s u a s te rr a s , c e r c a d o pela m u­
lh e r e os filh o s, g r u p o f r e q ü e n t e m e n t e a m p l i a d o p e la p r e s e n ç a n ã o só d e p arentes mais
o u m e n o s p r ó x im o s — p a i, m ã e , ir m ã o s , p r im o s — c o m o d e a f ilh a d o s e a té de filhos
b a sta rd o s. S e t i n h a p r e s tíg io e u m e n g e n h o d e c e r to v u lt o , o s e n h o r c o n ta v a com os
serviços e x clu sivo s d e u m c a p e lã o , p o r v ezes s e u p r ó p r io filh o , s o b r in h o o u afilhado.
O s la v ra d o re s, b r a n c o s o u m u l a t o s b e m c la r o s , e r a m c o m f r e q ü ê n c ia parentes do
sen h o r. C o m su as f a m ília s e se u s e sc rav o s, v iv ia m e m te rras s e p a ra d a s, q u e podiam
lh es p e rte n c e r ou se r a r r e n d a d a s d o s e n h o r , p o r c o n t r a t o , tr a n s fo r m a n d o -s e com fre­
q ü ê n c ia em v e rd a d e ira s e n f ite u s e s .21 P la n t a v a m c a n a , p a r t ilh a n d o c o m o senhor de
e n g e n h o as re s p o n s a b ilid a d e s e os risco s d a p r o d u ç ã o . E ra m d ito s ‘liv re s’ quando
p o d iam m o e r, no e n g e n h o de su a p r e fe rê n c ia , a c a n a q u e c o lh ia m ; e ‘obrigados
q u a n d o tin h a m q u e se re s tr in g ir ao e n g e n h o d o se n h o r. Q u a n d o arre n d av am as ter­
ras, eram m ec íro s do s e n h o r d e e n g e n h o ; q u a n d o e ra m p ro p rie tá rio s, geralm ente
p agav am em gên ero s p ela m o a g e m d e s u a c a n a ; se p o d ia m e sc o lh e r o n d e faze-la, esse
g a n h o p o d ia ir para a lg u m se n h o r v iz in h o . P o r v o lta d e 1 7 0 0 , u m a p lantação de
certo vu lto c o n tav a até q u in z e desses faze n d e iro s, m as no fin al d o século eles já não
passavam d e três ou q u a tr o .22
O s en gen h o s re u n ia m a in d a q u a tr o g ru p o s d e assalariad o s, c a d a u m dos quais
en glo b av a d iferen tes catego rias. O p r im e iro éra c o m p o sto p o r aq u ele s empregados
cujos c o n h e c im en to s e h a b ilid a d e s c o n tr ib u ía m p a ra a b o a ad m in istra ç ã o do domínio-
L iv r o VII - O D in h e ir o d o s B a ia n o s

A n te s d e m a is n a d a o s a d v o g a d o s , q u c a t u a v a m m u i t a s v ezes c o m o p r o c u r a d o r e s d o
se n h o r, r e p r e s e n t a n d o - o j u n t o a n e g o c i a n t e s d e S a l v a d o r o u d e f e n d e n d o - o n a o c o r re u
d a d e a l g u m l i t í g i o . E m g e r a l r e s i d i a m n a c a p i t a l o u e m S a n t o A m a r o e r e c e b ia m
sa lá rio s a n u a i s . C o m o p o d i a m s e r p r o c u r a d o r e s d c d iv e r s o s s e n h o r e s , f r e q ü e n t e m e n t e
a c u m u la v a m m u i t o s s a l á r i o s . O u t r a c a t e g o r i a d e a s s a la r ia d o s q u e t a m b é m n á o r e s id ia
nos e n g e n h o s e r a a d o s c h a m a d o s ‘ c a i x e i r o s d a c i d a d e ’ . T i n h a m p o r f u n ç ã o c u id a r d o
re g istro d a s c a ix a s d e a ç ú c a r n o s a r m a z é n s d a p r o p r i e d a d e , d e s e u tr a n s p o r te até o
po rto , d o p a g a m e n t o d a s t a x a s q u e i n c i d i a m s o b r e o p r o d u t o e d a re m e s s a , ao e n g e ­
n h o , d a s m e r c a d o r i a s , i n s t r u m e n t o s e f e r r a m e n t a s n e c e s s á r io s .
J á os c a p e lã e s e o s m é d i c o s , t a m b é m p a r t e d e s s e p r i m e i r o g r u p o , e m g e ra l m o r a v a m
no e n g e n h o e r e c e b i a m s a l á r i o s a n u a i s . N ã o r a r o t o r n a v a m - s e p la n t a d o r e s d e c a n a , na
c o n d iç ã o d e l a v r a d o r e s d o s e n h o r q u e a l u g a v a se u s s e rv iç o s . N o f in a l d o s é c u lo X V II I ,
p o ré m , o s p a d r e s r e s i d e n t e s c s c a s s e a v a m , e o s v e r d a d e ir o s m é d ic o s e r a m a i n d a m a is raros.
A s a ú d e d a p o p u l a ç ã o d o s e n g e n h o s f i c o u e n t ã o a c a r g o d o s p e r s o n a g e n s m a is v a r ia ­
dos: c ir u r g iõ e s ( q u e d e f a t o n ã o i a m a l é m d a s a n g r i a ) , e n f e r m e ir o s e e n fe rm e ira s ,
p a rte ir a s , c u r a n d e i r o s e h e r b o r i s t a s r e c r u t a d o s e n t r e a p o p u l a ç ã o liv r e e e sc rav a lo cal.
N o s e g u n d o g r u p o e s t a v a m t r a b a l h a d o r e s a s s a la r ia d o s m e d i a n t e c o n tr a to a n u a l,
e n tre os q u a i s se d e s t a c a v a m os e s p e c i a l i s t a s n a f a b r ic a ç ã o d o a ç ú c a r e os feitores:
m estre s a ç u c a r e i r o s , p u r g a d o r e s , r e s p o n s á v e i s p e la m a d e i r a o u p e lo m o s to , p elas caixas
de e m b a l a g e m , t i m o n e i r o s d a s b a r c a s q u e t r a n s p o r t a v a m o a ç ú c a r , fe ito res q u e s u p e r­
v is io n a v a m o t r a b a l h o n a p l a n t a ç ã o e n o e n g e n h o , e a d m in is t r a d o r e s em g e ra l. R e c e ­
b ia m se u s a lá r io e m d i n h e i r o , m a s h a v i a l u g a r p a r a a ju s t e s q u a n d o t in h a m d ir e ito a
casa e c o m id a .
Esses d o is g r u p o s p a r e c e m t e r s id o o s m a is f a v o r e c id o s n o c o n ju n t o dos tr a b a lh a ­
dores a s s a la r ia d o s : s e n d o e s p e c i a l iz a d o s e r e l a t i v a m e n t e p o u c o n u m e r o so s , tin h a m
relações p r iv i l e g i a d a s c o m o s e m p r e g a d o r e s , q u e n ã o p o d i a m p r e s c in d ir d e seus se rv i­
ços n e m s u b s t i t u í - i o s c o m f a c il id a d e .
R e s ta m d o is o u t r o s g r u p o s , c o m p o s t o s p o r t r a b a lh a d o r e s q u e re c eb iam p o r d ía ou
por serviço : o s a r te s ã o s e o s s e rv e n te s . A r tíf ic e s (c o m o f e rre ir o s, ferrad o res, c a rp in te i­
ros, p e d re ir o s , c a la f a t e s , c o n s t r u t o r e s d e e m b a r c a ç õ e s e c a ld e ir e ir o s ) tra b a lh a v a m para
os e n g e n h o s d c m a n e i r a c o n s t a n t e o u e s p o r á d ic a , m a s p e lo m e n o s u m a vez por ano
seus serviço s e r a m s o lic it a d o s . Q u a n d o h a v ia m u it o s tr a b a lh o s de m o n ta a fazer,
p o d iam até g a n h a r m a is q u e os q u c re c e b ia m sa lário s a n u a is . A os ferreiros e caldeireiros,
em e sp e cial, n u n c a fa lta v a s e r v iç o .21 E n tre esses tr a b a lh a d o re s — q u e fo rm av am um a
elite, u m g r u p o tão p r iv ile g ia d o no m u n d o do tr a b a lh o q u a n t o o d os especialistas do
açú car — h a v ia d if e r e n ç a s h ie r á r q u ic a s a c e n tu a d a s . As d is tin ç õ e s e n tre m estre, c o m ­
p a n h e iro e a p r e n d iz e r a m c u id a d o s a m e n t e c o n se rv ad as, a in d a q u e , c o m o j á tivem os
ocasião d e o b se rv ar, n ã o tiv essem u m s ig n ific a d o ríg id o .
O q u a r t o e ú l t i m o g r u p o , e n tre os assalariad o s, e ra o dos q u c n ã o tin h a m espe­
c ia lid a d e o u o f íc io (o s s e r v e n te s ), c u jo s serviço s e ra m d e m a n d a d o s o c a s io n a lm e n te
e por p o u c o t e m p o . A esses h o m e n s liv res e ra m c o n fia d a s tarefas co m o as d e per-
B a h ia , S é c u l o X IX
594

s e g u ir e c a p t u r a r n e g r o s e m fu g a , a b r ir t r i n c h e i r a s , c o r t a r á r v o re s n a m a ta para
a lim e n t a r os fo rn o s e le v a r m e n s a g e n s a p r o p r ie d a d e s v iz in h a s , ta re fa q u e , por razoes
ó b v ia s , c o n s id e r a v a - s e im p o s s ív e l c o n f i a r a e s c r a v o s . R e c r u t a d o s e n t r e os ‘ m o rad o ­
re s’ d o e n g e n h o , e r a m os t r a b a l h a d o r e s q u c m e n o s r e c e b i a m , f o r m a n d o a classe
r u r a l p o b r e .-4
A rte sã o s, e s p e c ia lis ta s d o a ç ú c a r , s e r v e n te s , e n f e r m e i r o s e e n f e r m e ir a s , cirurgiões
e h e rb o ris ta s e r a m em g e r a l r e c r u t a d o s e n t r e a p o p u la ç ã o liv re d e co r, m as havia
n ít id a p r e f e rê n c ia p e lo s m u l a t o s , c o n s id e r a d o s m a is in t e l ig e n t e s , c ap a z e s d e apren­
d e r m a is d e p re ssa . N ã o e r a ra r o , c o n t u d o , o e m p r e g o d e e sc ra v o s c o m o artesãos ou
e sp e c ia lista s d o a ç ú c a r , c o m o o p r o v a m n u m e r o s a s c a r t a s d e a lf o r r ia . Isso p o d ia pôr
o escravo e m p é d e i g u a l d a d e c o m u m t r a b a l h a d o r liv r e , m a s a p e n a s n o tocan te ao
tr a b a lh o .
F in a lm e n t e , n a b a s e d a p i r â m i d e , os e s c ra v o s a f r ic a n o s o u n a s c id o s no Brasil,
d e d iv e rsa s e t n ia s , d iv id ia m - s e e m trê s g r u p o s c o m f u n ç õ e s m u i t o d ife re n c ia d a s: os
escravo s d o m é s tic o s , e s c o lh id o s d e p r e f e r ê n c ia e n t r e m u l a t o s e b r a s ile ir o s ; os escra­
vos q u a lif ic a d o s , q u e d o m i n a v a m a l g u m o f íc io , e o s q u e t r a b a l h a v a m n a plantação
o u n o e n g e n h o .25
A c o m u n i d a d e r u r a l n o s e n g e n h o s d o R e c ô n c a v o a p r e s e n t a v a - s e p o rta n to , por
v o lta d e 1 8 0 0 , c o m o u m a s o c ie d a d e d e e s t r u t u r a c e r t a m e n t e p i r a m i d a l , m as de com­
p o siç ão d iv e r s if ic a d a : u m a p o p u la ç ã o d e t r a b a lh a d o r e s liv re s m a i o r q u e no prim eiro
sé c u lo d a c o lo n iz a ç ã o , e a g o r a d e c o r , e x e r c i a o fíc io s q u e t i n h a m s id o o u t r o r a apanágio
dos b ra n c o s. Essa p o p u la ç ã o se o r d e n a v a e m c a t e g o r ia s q u e s e g u i a m c rité rio s ligados
ao e sta tu to le g a l, à co r, ao s o fíc io s e x e r c id o s e à r e m u n e r a ç ã o p e r c e b id a , se m esquecer
a c o n sid e r a ç ã o s o c ia l d e q u e g o z a v a o i n d i v í d u o , s e m p r e d e s u m a im p o r t â n c ia . Cabe
le m b r a r , aliá s, q u e essa c o n s id e r a ç ã o p o d ia se r d if e r e n t e , s e g u n d o e m a n a s s e do senhor
e d e s e u c ír c u lo m a is p r ó x im o o u d a c o m u n i d a d e .
A s relaçõ es so ciais, e m se u c o n j u n t o , g a n h a r a m e m q u a li d a d e ? S e r ia tentador
a firm a r q u e s im , c o m b ase n o fato d e q u e , e n t r e os s e n h o r e s b r a n c o s e os escravos
negros, v iera in se rir-se u m a p o p u la ç ã o liv r e d e c o r, q u e , fa z e n d o u m a m e d ia ç ã o entre
os p rim e iro s c os s e g u n d o s , e v it a r ia c h o q u e s v io le n to s . M a s as p ro vas in d icam o
c o n trário ; e ram m u ito s os escravo s q u c re c u s a v a m q u a l q u e r r e la ç ã o c o m os brancos, e
isso cra feito pelo is o la m e n to , p e la f u g a o u p e la re sistê n c ia . P o r m a io r q u e pudesse ser
o p o d er m e d ia d o r d a g e n te liv re d e c o r, esse g r u p o , q u e c o n s e g u ir a elevar-se social­
m en te, cra c m seu c o n ju n to s o lid á r io c o m os q u e re p r e s e n ta v a m o p o d er branco, dos
q u aís d e p e n d ia sua so b re v iv ê n c ia . T a lv e z ja m a is v e n h a m o s a sa b e r o q u c essa solidarie­
d ad e custou em sa crifíc io s e co n cessõ es, m a s u m a c o isa é c la ra : essa p o p u laç ão repre­
sentava, p ara os escravos, de c u jo m e io e m e r g ir a , u m a p ro v a d e q u e a lib e rd ad e não era
um so nbo im p o ssív el, d e sd e q u c se a c e ita sse m as n o rm a s d e c o n d u ta im po stas pela
so ciedade branca.
Q u a n t o ao s e n h o r d e e n g e n h o , é p o s s ív e l q u e t e n h a p e r d id o p a r t e d a s o b e r b a q u e
e x ib ia n o s p r ím ó r d io s d a c o lo n iz a ç ã o . A f in a l, v ia s e u s p o d e r e s p o lít ic o s m in g u a r e m
• ■ I i - «V í t.
p r e s tig io q u c c u c o n l t T .a o U < » s a v . „ . „ „ l o ,,o J a rs c l| a ^ P(,,o
R e c ô n c a v o . p o r q u e , u c , J * l c t i n h a d e p a r t i l h a , esse p r e s tíg io c o ra m u ita s ou [ras
c a te g o ria s.

C o m o fa m e n c i o n e i , o e n g e n h o n ã o e ra o ú n ic o m o d e lo d e o r g a n i z a ç ã o ru ral da
B a h ia d o s é c u lo X I X . D e s d e a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u lo X V II , a d iv ersifica çã o d a
p r o d u ç ã o a g r í c o l a d e u o r i g e m a n o v o s a g e n c i a m e n t o s d o e sp aço e c o n ô m ic o . Ao c o m ­
plexo a g r o i n d u s t r i a l d a c a n a - d e - a ç ú c a r , f u n d a d o n a g r a n d e p r o p r ie d a d e — ain d a q u e .
co m o t e m p o , e s t a t e n h a se s u b d i v i d i d o e m u n id a d e s m e n o r e s p a ra o p la n tio d a cana
— , v ie r a m se a c r e s c e n t a r p e q u e n o s e m é d i o s e m p r e e n d i m e n t o s ag ríc o la s . N estes, o
se n h o r p o r q u e s e m p r e os h a v ia , s o b r e t u d o o n d e h a v ia e sc rav o s — re in av a sobre
u m a p e q u e n a g l e b a c u m a m ã o - d e - o b r a r e d u z id a . D e fato, o p e q u e n o p r o d u to r de
fu m o o u d e m a n d i o c a , q u e m u i t a s v e z e s c u l t iv a v a s u a te rra c o m a a ju d a d e dois ou
três e s c ra v o s , e m n a d a se a s s e m e lh a v a a o s e n h o r d e e n g e n h o . N o m á x im o , q u a n d o
su a p l a n t a ç ã o e x i g i a m a i o r n ú m e r o d e b r a ç o s , p o d ia se r c o m p a r a d o ao lavrad o r de
c a n a - d e - a ç ú c a r , O f u m o e o s g ê n e r o s a l i m e n t í c i o s e r a m p r o d u z id o s e m u n id a d es
t i p ic a m e n t e f a m il ia r e s . N ã o fosse p e la p r e s e n ç a d c a lg u n s escravo s e n tre a m ão -d e-
o b ra, e las s e r i a m c o m p a r á v e i s às u n i d a d e s a g r íc o la s fa m ilia r e s do N o rte d e P o rtugal
n a m e s m a é p o c a . 26
T i n h a - s e n e s te c a s o , p o r t a n t o , u m a o r g a n iz a ç ã o so cial sim p le s. O s d ois o u três
escravo s q u e v i v i a m n a p l a n t a ç ã o g o z a v a m m e s m o d e u m a a p a r e n te lib e rd ad e : estando
n a i n t i m i d a d e d o s s e n h o r e s , p a r t i l h a v a m s u a s in q u ie t a ç õ e s e aleg rias e acab av am por
sc in te g r a r à f a m í l i a , u m p o u c o c o m o os ra p az e s e m o ç a s q u e tra b a lh a v a m nas g ran jas
no N o rte d c P o r t u g a l , n e s s a é p o c a , c o m a d if e r e n ç a de q u e estes em geral eram
p aren tes d o p a t r ã o . N o s d o is caso s, p e r m a n e c ia m c e lib a t á r io s .27
Esse tip o d e u n i d a d e p r o d u t iv a a g r íc o la n ã o g e r a v a q u a lq u e r e stru tu ra h ie rai-
q u iz a d a ; n a o d e m a n d a v a m ã o - d e - o b r a e s p e c ia liz a d a c o tr a b a lh o de artesãos (ou dos
in d u s tr ia is , c h a m a d o s ‘ t r a f ic a n t e s ’, q u c f a b ric a v a m ro los de fu m o ) só era contratado
o c a s io n a lm e n te , p a r a fin s e sp e cífic o s. A l i n h a d c d e m a r c a ç ã o so cial p assa v a nesse
caso e n tr e os q u e t in h a m a po sse d a terra c os q u c e ra m m eros a r r e n d a t á r io s , ou
a in d a e n tr e os liv re s e os e scravo s, c o n d iç ã o 110 e n ta n to a m e n iz a d a pela vida
c o m u m .28 .
O c c rto é q u c , e n tr e p a trõ e s, b ran c o s e de cor, só o se n h o r de engen h o reunia os
dois p r in c ip a is a t r ib u to s d a riq u ez a: p restíg io c d o m in a ç ã o . Ê ta m b é m fora de du vid a
quc, no in te r io r re m o to e p r ó x im o , o m o d e lo de o rg a n iz a çã o s o c a ! mais divers,ficado
c m a , rico cm categorias c o n t in u a v a a ser o da região açucareira. Ser.a possível encon­
trar traços desse modelo na organização social da cidade?
B a h ia . S é c u lo X I X

E s t r a t if ic a ç à o S o c ia l e m S a l v a d o r

A t e n ta tiv a de c o lo n iz a ç ã o d a a t u a l B a h ia , e m p r e e n d i d a nos a n o s 1 5 3 0 p e lo sistem a de


c a p ita n ia s h e r e d it á r ia s , p e r m it i r a o e s t a b e l e c im e n t o d e u n s c i n q ü e n t a h o m e n s de ori­
g e m e u r o p é ia no lo cal o n d e S a lv a d o r v e io a e x is tir . M a s foi c o m a im p la n ta ç ã o do
g o v e rn o g e r a l q u e a c id a d e n a s c e u . O s 1 . 5 0 0 h o m e n s q u e T o m é d e S o u s a trouxe
c o n sig o em 1 5 4 9 já f o r m a v a m u m a m ic r o s s o c ie d a d e h i e r a r q u iz a d a , q u e ab rig av a de
o ficiais c o m t ít u lo d e n o b r e z a a s o ld a d o s , p a s s a n d o p o r r e lig io s o s s e c u la r e s e regulares,
re sp o n sá v eis p e la c a te q u e s e d o s g e n t io s , e p o r to d o s os tip o s d e a r te s ã o s e técnicos
n e c essário s à e d if ic a ç ã o d e u m a c id a d e . C o m o c o n q u i s t a d o r v i e r a m t a m b é m homens
q u e , p o s s u in d o re c u rso s f in a n c e ir o s o u s ó lid o a p o io n a M e t r ó p o l e , m o s tr a ra m - s e ca­
pazes d e c o n s t r u ir u m s i s t e m a d e p r o d u ç ã o q u e a t r a v e s s o u v á r io s s é c u lo s.
Esse esb o ço d e s o c ie d a d e fo i g a n h a n d o m a i o r n i t i d e z e c o m p l e x i d a d e à m edida
q u e S a lv a d o r c re s c ia e m t a m a n h o e i m p o r t â n c i a . N o f in a l d o s é c u lo X V II I , era uma
v e r d a d e ir a c id a d e , c u ja s h i e r a r q u ia s s o c ia is f o r a m r e t r a t a d a s , d e f o r m a p r e c is a e suges­
tiva, p o r L u iz d o s S a n to s V í l h e n a .
N a s c id o e m P o r t u g a l, V i l h e n a fo i p a r a S a l v a d o r e m 1 7 8 7 c o m o professor de
g re g o , f u n ç ã o q u e e x e r c e u a t é 1 7 9 9 , q u a n d o , p o r fa lta d e a l u n o s , foi ju b ila d o . Entre
1798 e 1 7 9 9 , escreveu a Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas^ n a form a de
v in te c artas e n d e r e ç a d a s ao a m i g o F il ip o n o , q u e n ã o s e r ia o u t r o s e n l o o rei de Portu­
g al. R ic a em in f o r m a ç õ e s d e to d a s as o r d e n s , a Recopilação é u m a p e r s p ic a z análise da
so c ie d a d e b a ia n a . N e la , V i l h e n a p r o p u n h a a o g o v e r n o re a l e aos s e n h o r e s d e engenho
a m e lh o r ia d o s m é t o d o s d e e x p lo r a ç ã o d a C o l ô n i a . A o q u e p a r e c e , p o r é m , não teve
ê x ito . M o r r e u p o b re , n a B a h ia , e m 1 8 1 4 . 29
V il h e n a d is t in g u iu sete g r u p o s s o c ia is : m a g is t r a d o s e f u n c io n á r io s das finanças,
c o rp o ra ç ã o e c le s iá s tic a , c o r p o r a ç ã o m i l i t a r , c o rp o d o s c o m e r c ia n t e s , ‘p o v o n o b r e ,
povo dos a r te s ã o s ’ e e sc ra v o s.30 É in t e r e s s a n t e n o t a r q u e e le c o lo c o u o corpo dos
c o m e r c ia n te s a n te s do ‘ p o vo n o b r e ’ , f o r m a d o e m s u a m a i o r i a p o r se n h o re s de engenho
c seus d e s c e n d e n te s q u e e x e r c ia m p ro fissõ e s lib e r a is . P o r o u tr o la d o , c o m o bo m reinol.
d e u p r io r id a d e , em su a c la s s if ic a ç ã o , à q u e le s c u ja s a t iv id a d e s e sta v a m lig a d as direta­
m e n te ao p o d er q u e e m a n a v a d a M e t r ó p o le , m e s m o q u e se tra ta s se de pequenos
fu n c io n á rio s ou d e so ld ad o s, c u ja s re n d a s e r a m e q u iv a le n te s o u m e s m o inferiores às
dos artesãos e d os p e q u e n o s c o m e r c ia n te s , T r a t a v a - s e d c u m o lh a r d o c o lo n i z a d o r
sobre os b rasileiro s c o lo n iz a d o s.
U tiliz a n d o d ad o s q u c V ilh e n a a p r e s e n to u so b re os re cu rso s a n u a is desses sete
g ru p o s, e ac re sc e n tan d o a esse c rité rio e c o n ô m ic o os d e p re stíg io so cial e poder»
p ropu s a d is tin ç ã o de q u a tro g ru p o s so ciais em S a lv a d o r .31
O p rim e iro re ú n e todos a q u e le s cujos r e n d im e n to s líq u id o s u ltrapassavam um
c o n to de réis: alto s fu n c io n á rio s g ra d u a d o s d a a d m in is tr a ç ã o real (g o vern ad o r geral,
ch an celer e d e se m b a rg ad o res do T r ib u n a l d a R elação , o u v id o r geral d o c rim e, ouvidor
geral do cível, teso u reiro g eral d a R eal J u n t a de A rrec ad a çã o d a R eal Fazenda, juizes
L m to v il - O D i n h e i r o d o s B a ia n o s
597

de a lç a d a , d e p u r a d o d a R e a l j u n t a d c A r r e c a d a ç ã o d a R e a l F a z e n d a , se c re tá rio de
Estado e G o v e r n o , i n t e n d e n t e g e r a l d o o u r o , in t e n d e n t e d a M a r i n h a e p ro v e d o r da
A l f â n d e g a ) o h c i a i s d a s p a te n te s m a is e le v a d a s (c o ro n é is, te n e n te s-c o ro n é is , sargen to s-
m o r e s ) . - o a lt o c le r o s e c u l a r ( a r c e b i s p o e m e m b r o s d o a lto c le r o ) ,34 os g ra n d e s n c c o -
c i a n t c V 1 e, p o r f im , os g r a n d e s p r o p r ie t á r i o s d e te rr a s , se n h o re s de e n g e n h o ou
p e c u a ris ta s . E ra a c h a m a d a e l i t e ’ d a s o c i e d a d e b a ia n a , g e n t e á v id a de h o n ra ria s or­
g u lh o s a d a ‘ n o b r e z a ’ d e s u a s o r ig e n s , s e m p r e d e m a n d a n d o títu lo s q u e , aliá s, dep o is
d a I n d e p e n d ê n c i a , o g o v e r n o i m p e r i a l c o n c e d e u c o m p r o d ig a l id a d e a o s 'g r a n d e s p r o ­
p r ie tá r io s r u r a is . E x c l u í m o s d e s s a l i s t a o s la v r a d o r e s d a c a n a e os p r o d u to r e s d e ta b a ­
co e d e p r o d u t o s d e s u b s i s t ê n c i a , p o is , a p e s a r d e a u f e r i r e m m a is de u m c o n to de réis,
c o m a n d a v a m e x p lo r a ç õ e s d e p o r t e p e q u e n o o u m é d io , s e n d o p o r isso p ro p rie tário s
de s e g u n d o e s c a lã o , e m u i t a s v e z e s s e q u e r e r a m d o n o s d as te rras q u e c u ltiv a v a m ; seu
p re s tíg io s o c i a l e s u a p a r t i c i p a ç ã o n o p o d e r e r a m n i t i d a m e n t e in ferio res.
O s e g u n d o g r u p o é o d o s q u e a u f e r i a m e n t r e 5 0 0 . 0 0 0 réis e u m c o n to d e réis po r
an o. E r a m f u n c i o n á r i o s d e n í v e l m é d i o ( j u i z e p r o c u r a d o r d a C o r o a e F a z e n d a , escrivães
d e a g ra v o s e a p e l a ç õ e s , c o n t a d o r e s d a R e a l J u n t a d e A r r e c a d a ç ã o d a ReaJ F az en d a,
escrivães d a C â m a r a M u n i c i p a l , j u i z e s d e p r i m e i r a in s t â n c i a , ta b e liã e s, a lm o x arife s do
A rs e n a l, d i r e t o r e s d a C a s a d a M o e d a e t c . ) , 36 o f ic ia is d e n ív e l m é d io (c a p itã e s, te n e n te s
e s u b o f ic ia i s ) , m e m b r o s d o b a ix o c le r o ( p á r o c o s , v i g á r io s e c a p e lã e s d e co n frarias
r e lig io s a s ), lo jis t a s ( r e p r e s e n t a n t e s d e c a sa s p o r t u g u e s a s , d is tr ib u id o r e s d e m e rca d o rias
i m p o r t a d a s p o r n e g o c i a n t e s b a ia n o s e o s q u e i n t e r m e d i a v a m o e n v io de p ro d u to s p a ra
o in t e r io r ) , a l g u n s p r o p r i e t á r i o s r u r a is ( p r o d u t o r e s d e c a n a , d e ta b a c o e de a lim e n to s),
p r o f is s io n a is l i b e r a i s ( a d v o g a d o s e m é d i c o s d i p l o m a d o s , p o r é m n ã o o r iu n d o s dos es­
trato s m a is e le v a d o s ) , p e s s o a s q u e v i v i a m d e r e n d a s , e m e stre s-a rte sã o s e m ofícios
c o n s id e r a d o s n o b r e s . A s d u a s ú l t i m a s c a t e g o r ia s e x ig e m m e l h o r d e fin iç ã o .
E n tre os q u e V i v i a m d e r e n d a s ’ a r r o l a v a m - s e t a m b é m os ap o se n ta d o s (do servi­
ço p ú b lic o o u d a a t i v i d a d e c o m e r c i a l) e os q u e a u f e r i a m a lu g u é is d e im ó veis ou de
serviço s d e e s c r a v o s .37 N e s t a ú l t i m a c a t e g o r ia i n c l u í a m - s e m u it a s v iú v a s e m u lh eres
so lte iras, b e m c o m o h o m e n s d e p r o fis s ã o m a l d e f in i d a , liv re s o u recém -alfo rriad o s,
q u e t i n h a m m u i t o m a is e sc ra v o s q u e o n e c e s s á r io p a r a o se rv iço d o m é stic o . O s 3 9 5
in v e n tá rio s post mortem d o p e r ío d o 1 8 0 0 - 1 8 5 9 q u e e x a m in e i e v id e n c ia m q u c 2 1 ,3 %
dos in v e n t a r ia d o s v iv ia m e x c lu s iv a m e n t e d o tr a b a lh o d e se u s e s c ra v o s .18 A p artir de
1 8 5 0 , a e n o r m e e le v a ç ã o d o p r e ç o d a m ã o - d e - o b r a c a tiv a , c a u s a d a p ela ab o lição do
tráfico, s o m a d a a o a p a r e c im e n t o dc n o vas o p o r tu n id a d e s de in v e s tim e n to (ações b an­
cárias, a p ó lic e s d o g o v e r n o , b en s im o b iliá r io s ) , p r o v o c o u nos in vestid o res u m a m u ­
d a n ç a d e a t it u d e q u c sc re fle te c la r a m e n t e nos in v e n tá r io s post mortem: u m a m aio r
p r e o c u p a ç ã o cm p o u p a r sc m a n if e s ta cm todas as cate g o ria s sociais, e até os pobres
passam a .cr suas apólices ou açócs da Caixa Econômica. Adema,s, cm Salvador
todo dinheiro liquido - renda ou salário, aluguel de .m dves ou de trabalho es­
c o ro . lucro em investimentos bancários ou imob.hárms ou ,uros sobre cmpr&r mo
de curro prazo - fazia do possuidor um agiota em po.encait fosse qual fosse a
S98 B a h ia , S é c u l o X IX

q u a n t i d a d e d e d in h e ir o e n v o lv id a , e m p r e s t a v a - s e e t o m a v a - s e e m p r e s t a d o em todas
as c lasses d a s o c ie d a d e .
Q u a n t o aos ‘ m e stre s a r t e s ã o s ’ , t a m b é m e n g l o b a d o s n e sse g r u p o , j á m e n c io n e i a
a m b i g ü i d a d e d a d e s ig n a ç ã o . N e s t e c a s o , t r a t a v a - s e d a q u e l e s q u e e r a m d e fato p eq ue­
nos e m p r e it e ir o s e m se u s re s p e c tiv o s o f íc io s , o u m e s t r e s e m o fíc io s c o n s id e r a d o s no­
b res p o r su as e x ig ê n c ia s té c n ic a s o u a r t ís t ic a s , c o m o o s o u r i v e s , p in t o r e s , en talh ad o res
d e p e d ra , m a r m o r is t a s , t o r n e a d o r e s e e s c u lt o r e s d e m a d e i r a , f r e q ü e n t e m e n t e q u a lific a­
d os d e ‘a r t is t a s ’ n a d o c u m e n t a ç ã o d a é p o c a . E s p e c ia liz a d o s c p o u c o n u m e r o s o s , esses
a rte são s g o z a v a m d e u m a e s t i m a s o c ia l m u i t a s v e z e s ig u a l à d o s o f ic ia is d o E xército .39
O t e r c e ir o g r u p o , o d a q u e l e s c u j o s r e n d i m e n t o s n a o p a s s a v a m d e 5 0 0 . 0 0 0 réis
a n u a is , c o m p r e e n d ia f u n c io n á r i o s p ú b l ic o s e m i l i t a r e s d e b a ix o e s c a lã o , in te g ra n te s de
pro fissõ es lib e r a is s e c u n d á r i a s ( s a n g r a d o r e s , b a r b e ir o s , p ilo t o s d e b a rc o s , músicos,
p rá tic o s d e m e d i c i n a ) , a r te s ã o s e os q u e c o m e r c i a v a m f r u t a s , l e g u m e s e d o c e s nas ruas.
M u it a s v ezes e r a m a m b u l a n t e s , e e n t r e e ste s p r e d o m i n a v a m os a lf o r r ia d o s . In clu íam -se
a in d a neste g r u p o os p e s c a d o r e s e m a r i n h e i r o s d o R e c ô n c a v o e to d o s os q u e gan h avam
se u p ã o e m to r n o d o m a r e d o p o r t o .
O q u a r t o e ú l t i m o g r u p o e r a o d o s e s c ra v o s , d o s m e n d i g o s e d o s v agab u n d o s.
L e g a lm e n t e m a r g in a li z a d o , u m a v e z q u e n ã o t i n h a q u a l q u e r d ir e i t o c iv il, o escravo de
fato d e s e m p e n h a v a u m p a p e l c a p i t a l n a d i n â m i c a e c o n ô m i c a d a c id a d e , o q u e , in clu ­
sive, m u it a s vezes lh e v a l i a c e r ta i n d e p e n d ê n c i a m a t e r i a l . P o r v o l t a d e 1 8 0 0 já era
po ssível d is t i n g u i r d o is t ip o s d e e s c ra v o s u r b a n o s : os d e u so d o m é s t ic o e os destinados
a tr a b a lh a r fo ra, p a r a g a n h a r d i n h e i r o p a r a o s e n h o r . N o t o c a n t e a essa c ate go ria, as
fo rm as de t r a b a lh o e as re la ç õ e s s o c ia is n ã o se a l t e r a r a m a o lo n g o d o s é c u lo XIX.
N o d e g r a u m a is b a ix o d e sse g r u p o e d a e s c a la s o c ia l u r b a n a , s it u a v a m - s e os vaga­
b u n d o s , m e n d ig o s e p r o s titu ta s . A a c r e d it a r n a s d e s c r iç õ e s d o s c o n t e m p o r â n e o s , via­
ja n te s e stra n g e iro s o u m e m b r o s d o g o v e r n o m u n i c i p a l , o n ú m e r o desses deserdados
cra c o n s id e r á v e l. M a s a h is t ó r ia d o s m a r g i n a i s b a ia n o s a i n d a n ã o foi c o n ta d a , e, dada
a a u s ê n c ia d e in s tit u iç õ e s d e p r o te ç ã o e r e in t e g r a ç ã o d e in d ig e n t e s , n ã o h á in fo rm a­
ções so b re os v e r d a d e ir o s p o b re s d o in íc io d o s é c u lo X IX . É v e r d a d e q u e , a p a rtir de
m e a d o s d o sé c u lo X V II I , f u n d a r a m -se d iv e r s o s ‘ r e c o lh im e n t o s ’ p a r a ‘m u lh e re s peca-
d o r a s . É u m sinal d a p r e o c u p a ç ã o d o s p o d e r e s p ú b lic o s c o m a p ro stitu iç ã o que
g rassava n a q u e la c id a d e - p o r to . M a s só e r a m r e c o lh id a s a essas in s titu iç õ e s algum as
d ezenas de m u lh e re s, c e r ta m e n te u m a p a r c e la ín f im a d a s q u e p r a tic a v a m o m ais ve­
lh o oficio do m u n d o .
Entre os m e n d ig o s e os v a g a b u n d o s sem lu g a r n a s o c ie d a d e , en contravam -se
deserd ado s dc to d a so rte — s o ld a d o s, m a r in h e ir o s , escravo s — , d o e n te s e loucos
a b an d o n ad o s pelas fa m ília s o u pelos se n h o re s, fru to s d o su b e m p re g o crô n ic o o u oca­
sional, N o fim d o século X V III c a in d a p o r m u it o te m p o , o ú n ic o h o sp ital d a cidade
era o d a S a n ta C a s a , fu n d a d o c m I 5 5 3 . A m o n to a v a m - s e n ele d o e n te s d e estatuto livre
ou escravo, p o rtad o re s d e ro do tip o d c e n fe rm id a d e s , c o n ta g io sas o u n ão , com exceção
dos leprosos, q u e tin h a m d isp e n sário afastad o do C e n tr o d a c id ad e . C rian ç as ab and o­
L í y r o V II - O D i n h e i r o n o s B a i a n o s

nadas e lo u c o s s o m a v a m - s e a eles, n u m a te rr ív e l p r o m is c u id a d e , f r e q ü e n t e m e n t e d e ­
n u n c ia d a p elo s m e m b r o s d a c o n f r a r ia d a M is e r ic ó r d ia .
S e ria m estes os c o m p o n e n t e s d a q u e l a “p le b e i n d is c ip lin a d a e t u r b u le n t a , s e m p r e
pronta a d e r r u b a r a o r d e m e s t a b e l e c i d a ”, dc q u e fa la m a lg u n s a u to re s? A b a n d o n a d o s
pelos p o d e re s p ú b l ic o s , v iv ia m d a c a r i d a d e d o s p a s s a n te s o u d e a l g u m a f a m ília q u e os
acolhia. S u n , p o r q u e to d a f a m íl ia q u e e s c a p a v a d a p e n ú r ia t in h a seus p o b re s, aos q u a is
não só a l im e n t a v a c o m o c o n t e m p l a v a c m t e s t a m e n t o , q u a n d o t in h a o q u e le g a r. S e ja
com o for, essa m a s s a i n d i g e n t e p e s a v a so b re a e c o n o m ia d a c id a d e . P o d e m o s a v a lia r
m elh o r esse p eso se p e n s a r m o s e m t o d a s as m is é r ia s e s c o n d id a s p o r u m a g e n te altiv a
e o rg u lh o sa. Essa c a t e g o r i a f o r m a v a a m a io jú a dos b a ia n o s , m u l t i d ã o de re le g ad o s q u e
viviam ao d e u s - d a r á , o u a o s a b o r d o s c a p r ic h o s d o s m a is a q u in h o a d o s .

C omparações '

Apesar d e s u a s m u i t a s l a c u n a s , e ssa d e s c r iç ã o d a h i e r a r q u ia s o c ia l u r b a n a p e r m ite fixar


os c o n to rn o s d e c a d a g r u p o , d a s c a t e g o r ia s q u e os c o m p õ e m , e c o m p a r á - lo s às c o m u ­
nidades ru ra is . A i m a g e m q u e se g u a r d a é a d e u m a e s t r u t u r a s o c ia l d iv e rsific a d a , em
que a p o p u la ç ã o liv r e p a r e c i a se r c o n s id e r á v e l. A s c a te g o r ia s p ro fis sio n a is u rb a n as eram
m u itas, e os b a ia n o s d a é p o c a — ■a i n d a q u e n ã o m u i t o s — p o d ia m e n c o n tr a r tra b a lh o
tanto nos se to re s m i l i t a r e s e a d m in is t r a t i v o s d a b u r o c r a c ia real c o m o n as ativ id a d e s
m a rítim a s e c o m e r c ia is . A s c a m a d a s in t e r m e d iá r i a s j á f o r m a v a m u m a classe m é d ia q u e
en glo b av a to d o s os q u e c o n s e g u i a m g a n h a r a v id a p e lo e x e r c íc io d e u m ofício ou d o
c o m ércio . .
A d iv e r s id a d e n o s o fíc io s e n a s o p o r t u n id a d e s a b ria vias d e m o b ilid a d e social,
po ssib ilitad as t a m b é m p o r u m a e s t r u t u r a so cial m u it o m a is a b e rta q u e a ex isten re nas
c o m u n id a d e s r u ra is d o R e c ô n c a v o . A b e rta , e m p r im e ir o lu g a r, p o r q u e a riqu eza — e
com ela o p r e s tíg io o u a p r e c m in ê n c ia so c ia l — e stav a d iv id id a e n tre vários parceiros.
O senho r d e e n g e n h o , p e r s o n a g e m ú n ic o , e ra a q u i s u b s t itu íd o p o r u m a e lite m ú ltip la ,
urn g ru p o d c pesso as c o m a u t o r id a d e a n a lo g a à sua.
A pesar d e to d o s os c o m p r o m is s o s fir m e m e n te e stab elec id o s por laços de fam ília
° u c o m p a d r io , p e lo e x e r c íc io d e u m m e sm o o fício ou profissão, o b aian o, cid ad ão de
São S a lv a d o r, tin h a o p ç ã o . P o d ia esc o lh e r su as a lia n ç a s m u ito m ais fac ilm e n te q u e o
l e m b r o d c u m a c o m u n id a d e p o u c o n u m e ro sa c re la tiv a m e n te fechada. U m c arp in te i­
ro naval, p o r e x e m p lo , sc c o n se g u isse tim e m p re g o no A rsenal d a M a r in h a , tornava-se
funcionário p ú b lic o , a lç a n d o -s c a u m a c ate go ria social m ais prestigiosa. U m m u lato
W m a lg u m a e s c o la rid a d e p o d ia c o n se g u ir u m e m p re g o no serviço do rei. N ão há
t e m p l o s a n álo g o s no in te rio r. A li, por m ais q u e conseguisse se im p o r p o r seu trabalho
e crescer n a e s tim a d o seu se n h o r c d a c o m u n id a d e , u m artesão jam ats transporia os
lim ites d e su a classe. D ific ilm e n te podia converter-se em p la n ta d o r de cana, m u ito
menos em se n h o r d e e n g e n h o , pois esse d o m ín io era dos brancos. U m m ulato na zona
B a h ia . S íc r to XIX
600

r u r a l, m e s m o le t r a d o , n u n c a p a s s a r ia d e m c s t r e - e s c o l a . A ú n i c a s a íd a e r a ir para a
c id a d e , o n d e o a r t e s ã o , o p e q u e n o c o m e r c i a n t e , o t i m o n e i r o d e u m b a r c o p o d iam
a c a l e n t a r a m b i ç õ e s , p a s s ív e is d e c o n c r e t i z a ç ã o p o r m e i o d o t r a b a l h o e d a s relações
m a n t i d a s c o m o s m a is b e m a q u i n h o a d o s . E ra p o s s ív e l f a z e r - s c e m p r e i t e i r o im p o rta n te ,
c o m e r c i a n t e d e p e s o . p r o p r i e t á r i o d e e m b a r c a ç ã o . D e f a r o , a m o b i l i d a d e so cial era
m a io r n a c i d a d e q u e n o c a m p o p o r q u e a l i os h o m e n s e r a m m e n o s d e p e n d e n t e s , Essa
m a io r a u t o n o m i a e ra d e s f r u t a d a a t é p e lo s e s c r a v o s , q u e a l c a n ç a v a m a a lf o r r ia em
n ú m e r o m u i t o m a io r .
S e m d ú v i d a m a is a b e r t a , a e s t r u t u r a s o c i a l d a c i d a d e p e r m i t i a a v io la ç ã o d c lim ites
s u p o s t a m e n t e r í g i d o s e o f e r e c i a u m l e q u e d e o p o r t u n i d a d e s m u í t o m a is a m p lo : este
e r a s e u p r i m e i r o t r a ç o c a r a c t e r í s t i c o . O s e g u n d o , já m e n c i o n a d o , e r a o c a r á t e r plural
d o g r u p o d o m i n a n t e , d a e l i t e u r b a n a . E r a m m u i t o s o s h o m e n s r ic o s e p r e s tig io s o s que,
d e u m a m a n e i r a o u d e o u t r a , e x e r c i a m p o d e r s o b r e o c o n j u n t o d o c o r p o so c ia l. Por
c e r t o n e m t o d o s e r a m c l a r o s , e m b o r a s e ja i m p o s s í v e l e s t a b e l e c e r c o m e x a t id ã o a pro­
p o r ç ã o d a s p e s s o a s d e c o r q u e i n t e g r a v a m e s s a e l i t e , j á q u e o s d o c u m e n t o s n ã o m en ­
c io n a m a c o r d a p e le n e m f a z e m r e f e r ê n c i a a r a ç a . I s to p o d e r i a s e r e x p lic a d o pelo
p u d o r , m a s i n c l i n o - m e a n t e s a p e n s a r q u e a q u e s t ã o e r a e v i t a d a s o b r e t u d o p o r causa
d a a m p l i d ã o d a m e s t i ç a g e m , q u e p e n e t r a r a e m t o d a s as c a m a d a s s o c ia is , m e s m o na­
q u e la s q u e o n e g a v a m , a p o n t o d e a t é h o j e se r e c u s a r e m a a d m i t i - l o . E ssas pessoas de
c o r q u e f i g u r a v a m n a e lit e n a o e r a m ‘ b r a n c o s d a t e r r a ’ — e sse s j á e r a m e fetiv am e n te
b r a n c o s , n ã o só p e l a c o m p l e t a a s s i m i l a ç ã o , c o m o p e l a p e le . S e r i a m a n t e s pesso as que,
t o t a l m e n t e a c u l t u r a d a s — p o r t a n t o , n a t u r a l m e n t e v is t a s c o m o b r a n c a s — , g u a rd a v a m
s in a is n o tó r io s d a m e s t i ç a g e m . E r a o c a s o d o V i s c o n d e d e J e q u i t i n h o n h a o u d o m édi­
co J o sé L in o C o u t i n h o , q u e f o r a m c h a m a d o s a d e s e m p e n h a r u m p a p e l p o lít ic o im p o r­
t a n t e p o r o c a s iã o d a I n d e p e n d ê n c i a . E se a ‘ n e g r i t u d e ’ d e sse s p e r s o n a g e n s foi mais
o b s e r v a d a q u e a d e m u i t o s o u t r o s , é p o r q u e s u a s p o s iç õ e s e c o m p o r t a m e n t o s políticos
c o n t r á r io s às d o g r u p o a q u e p e r t e n c i a m — o s p u s e r a m e m d e s t a q u e .
A líá s , e ssa c a r a c t e r ís t i c a p l u r a l d a e lit e se r e p e t i a e m to d o s o s o u tr o s g ru p o s e
c a te g o r ia s d a e s c a la s o c ia l, q u e s e c r e t a v a m , c a d a u m , s u a s p r ó p r ia s e lite s . E lites d e que
p o u c o sa b e m o s , m as q u e s e m p r e t i n h a m p r e s s a e m a s c e n d e r a o e s c a lã o s u p e r io r ou em
fazer crc r q p c n e le j á e s t a v a m , z e la n d o p e la q u a l i d a d e d e s u a s re la çõ es so ciais, tanto a
m o n t a n t e q u a n t o a ju s a n t e d a p o s iç ã o e m q u e e s t a v a m . P a ra p le it e a r u m n ível social
m a is a lto , era p re c iso a p r e s e n t a r p r o v a s : p r im e ir o , d e q u c se e sta v a d is p o s to a aceitar
n o rm a s c regras im p o s ta s d c c i m a ; d e p o is , d e q u c sc g o z a v a d e a m p l o p r e s tíg io no nível
c m q u e sc estav a; f in a lm e n t e , d e q u e se e x e r c ia p o d e r so b re os q u e e stav am abaixo.
So b essas c o n d iç õ e s sc lo rn ia v n m os laço s q u c p r e s id ia m as relaçõ es sociais. Eram
relações q u c e v id e n c ia v a m as s o lid a r ie d a d e s n o in t e r io r d o g r u p o , m a s superavam
seus lim ite s , fo r m a n d o u m a c a d e ia d c a p a d r i n h a m e n t o s de n a tu re z a h ie r á rq u ic a , ca­
paz d e atrav e ssa r o c o n ju n t o d o c o rp o so cial. Esses a p a d r in h a m e n t o s p e r m itia m , p ° r
su a vez, a fo rm a ç ã o de c lie n te la s c u ja f id e lid a d e se a p o ia v a n u m p a c to se m p re rene
g o c iad o e a d a p ta d o às c ir c u n s tâ n c ia s do m o m e n t o . N e sse jo g o c o n t í n u a , feito de
11 Vli - ° _E>:\hu*o ívx Bsuntk
--------- _____— _. •

o b n p ç o c s e c o m p ro n m io s q u e r e n o s .n ,m i n c c ^ n i c m e n t c o p a c t o s o c ia l. « u v a
K m d u w d a o s e g r e d o d a e s t a b i l i d a d e d c . s e , u r p „ h e t e r o g ê n e o . S c h a v ia c m S a lv a d o r
m a io r m o b t h d a u c q u e n a . . o t m . m d a d e s u g r u o U d o I W m e a v » . o s m e s m o s p n V ,
p io s d c a u t o r i d a d e , d c . o h d a n e d . u i e c d e c l i e n t e l a u , , , 1(„ n o s d o is c aso s a w e l a ç é x s
so ciais c f a z i a m d e s s e s o n m m o u d a d e / s a m p n UI„ m , u l c |0 l i n i a i d c em
q u e a* d i f e r e n ç a . n a s r c l a s o c s m k í .u s e r a m m a i s d c g r a u q u e d c q u a l i d a d e
A is t m sc a p r e s e n t a v a a s o c i e d a d e b a i a n a n o f in a l d o s é c u lo X V I I I ; o r ig in a i, d i n â ­
m ic a . e f ic a z . E n t r e s e u s p ó lo s — a e s t a b i l i d a d e e a p e r m e a b i l i d a d e — to d o s te n ta v a m
n a v e g a r . A p r e o c u p a r ã o m a i o r d o s q u e t i n h a m l o g r a d o a a s c e n s ã o s o c ia l é b e m c o ­
n h e c id a : t r a t a v a - s e . p a r a e le s . d e p r o v a r s u a n o b r e z a , o q u e , p a r a a m a io r ia , cra esfo r­
ço v ã o . V i l h e n a , c o m s e u s e n s o d e o b s e r v a ç ã o e s e u d e s d é m s u p e r io r d c e u r o p e u ,
d e s c r e v e u m u i t o b e m e s s e c a p r i c h o c n ã o sc d e i x o u e n g a n a r p o r n e n h u m a b a s ta r d ia .
n e n h u m a f a l s i f i c a ç ã o d c á r v o r e g e n e a l ó g i c a . A o c o n t r a r i o , z o m b o u d e to d o s a q u e le s
d e s c e n d e n t e s d c c a m p o n e s e s o u c a i x e i r o s p o r t u g u e s e s i m i g r a d o s p a r a fazer fo r tu n a
— q ue, a d e m a is , n ão tin h a m e sc a p a d o à m e stiç a g e m — e q u c , n ã o o b s ta n te , se
a p r o p r ia v a m d e n o m e s i l u s t r e s c p o s a v a m c o m o d e s c e n d e n t e s d e a l g u m g o v e r n a d o r
g eral d c s a n g u e a z u l , q u a n d o n a o b u s c a v a m s im p le s m e n te c o m p ra r na C o rte u m a
n o b re z a n o v a e m f o l h a , q u c o s f a z ia t ã o s u p e r i o r e s q u e "o i m p e r a d o r d a C h in a é
in d ig n o d c s e r s e u c r i a d o " . Ul ■
A s o c i e d a d e b a i a n a c r a a b e r t a a t o d o s . E ssa a b e r t u r a , h e r a n ç a d a p á tr ia - m a e ,
a m p i ia r a - s c c m ra/ ü o d a e s p e c i f i c i d a d e d a s c o n d i ç õ e s lo c a is . I m p ò s - s c a fle x ib iliz a ç ã o
de in t e r d iç õ e s f u n d a d a s c m c o n c e i t o s c o m o o d c p u r e z a d o s a n g u e ou d c le g it im id a d e
d e n a s c i m e n t o , i n c a p a z e s d c p e r m i t i r , n o B r a s i l , o t r a ç a d o d e lin h a s d e d e m a r c a ç ã o
n ítid a s e fix a s e n t r e b r a n c o s c p e s s o a s d c c o r . E r a t a m b é m u m a s o c ie d a d e h ic r a rq u íz a d a ,
m a s os c o n t o r n o s d o s g r u p o s s o c i a i s q u e a c o m p u n h a m n ã o c ra iti r íg id o s n e m
in t r a n s p o n ív e is a o s h o m e n s d c t a l e n t o d is p o s t o s a a c e i t a r s u a s n o r m a s . P o r o u tr o lad o ,
era u m a s o c i e d a d e e m q u c o fo sso e n t r e ric o s e p o b r e s sc a la r g a v a c a d a vez m ais,
faz e n d o d o s p r i m e i r o s u m a m i n o r i a , c m c o n t r a s t e c o m a g r a n d e m assa in d ig e n te ,
f i n a l m e n t e , c r a u m a s o c i e d a d e a m b i v a l e n t e , d i v i d i d a e n t r e o m o d e lo b r a n c o o da
p á t r ia - m ã e , o d a d i s t a n t e c p r e s t ig io s a E u r o p a , q u c r e a liz a v a d e m a n e ir a im p e rf e ita
(à m ín g u a d c n o b r e s c d c s a n g u e p u r o ) — c u m a r e a l id a d e a u t ó c t o n e c u ja d in â m ic a
o r ig in a ! c ra tã o fo r te q u c a c a b a v a p o r se im p o r , m e s m o q u e isso fosse o c u lta d o c
n e g a d o . A o lo n g o d o s é c u lo X IX , e ssa a m b i v a l ê n c i a g e r o u a t it u d e s q u c tra n sfo rm a ra m
o d iá lo g o s o c ia l n u m v e r d a d e i r o d iá lo g o d e s u r d o s , s u s c it a n d o o b s tá c u lo s revelados
por c e rto s c o m p o r t a m e n t o s q u c e x p u s ao fa la r d a f a m ília , d o E stad o c d a ig re ja . Esses
o b stá c u lo s c re s c e r a m q u a n d o , à q u e le s s u s c ita d o s p e la s h ie r a r q u ia s so ciais q u e p a re
c ia m re sistir a sc t r a n s f o r m a r c o m o t e m p o — , a c r c s c c n ta r a m -s c os d e c o rre n te s a
d is tr ib u iç ã o d a r i q u e z a m a t e r ia l. Q u c b a ia n o s t in h a m a l g u m a c o is a de seu? E n tre 1 8 0 0
e 1 8 8 9 , c m q u e c o n s is t ia m as f o r tu n a s n a B a h ia ?
C A P Í T U L O 3 1

A F o r t u n a d o s B a ia n o s

N um a cid ad e em que o m ercad o de tra b alh o só ab so rv ia de m an eira perm anente


p equena p arcela da p o p u lação a tiv a e o n d e u m a p ro p o rção a in d a m enor dos que
trabalh avam era favo recid a p ela fo rtu n a, p o u ca g en te tin h a bens para legar. Encon­
trei apenas 3 .4 6 8 testam en to s do p erío d o 1 8 0 5 - 1 8 9 0 , e n tre os q u ais 505 de alforria­
dos. Esta série in c lu i ap en as testam en to s d ito s ‘m ístic o s’ o u ‘secreto s’ , redigidos pelo
próprio testador o u por terceiro s e reg istrad o s p o r escrivão p ú b lic o na presença de
cinco testem u n h as. D os outro s d o is tip o s tam b é m classificad o s p o r lei com o ‘ordiná­
rios’ — o testam en to p ú b lico (o u ab erto ) e o p riv ad o — só ficaram traços em alguns
inventários post mortem. Em su a m a io ria , os testam en to s feitos pelos baianos eram
‘m ístico s’, ou de ‘m ão c o m u m ’, isto é, re d ig id o s c o n ju n ta m e n te pelo casal, e as for­
mas extrao rd in árias previstas em lei — os testam en to s m arítim o s, m ilitares e nun-
cupativos (feitos de viva voz) — ao q u e p arece eram raram en te p raticad as. N ão pude
averiguar se os testam en to s qu e lo c alize i co rresp o n d iam aos arquivos de apenas um
tabelião ou de vários, pois os livros em q u e estão registrad o s nao fornecem indicações
a respeito.
A inda que a série que u tilizo rep resente ap enas p arte dos testam entos baianos, é
preciso considerar que o costum e de testar nao era gen eralizad o : testava quem era
solteiro, sem herdeiros au to m ático s; testavam tam b ém os que previam a ocorrência de
litígios entre os herdeiros, ou q u eriam reconhecer a p atern id ad e de filhos naturais,
testavam , por fim , os que q u eriam p ro clam ar a p ró p ria fé crista ou instruir sobre o
funeral desejado.
Os p o u c o s q u e f a z i a m t e s t a m e n t o p e r t e n c i a m a d i v e r s a s c a m a d a s s o c i a i s . E m b o r a
a p e n a s c e rc a d c 1 6 % d o s te s ta m e n t o s m a s c u lin o s m e n c io n e m a p ro fis s ã o d o s testad o
res, aí e n c o n t r a m o s g e n t e d c to d a s as s it u a ç õ e s s ó c io - p r o f is s io n a is : d o ric o p ro p rie tá
rio , o u s e n h o r d e e n g e n h o , a o h u m ild e r e m a d o r d e s a v e ir o , p a s s a n d o p o r g ra n d e s e
p e q u e n o s c o m e r c i a n t e s , p r o f is s io n a is lib e r a i s , f u n c i o n á r i o s c iv is e m ili t a r e s , re lig io s o s
e artesão s. O a to d e te s ta r n ã o e ra p o r ta n to p r á tic a e x c lu s iv a d a e lite , e m b o r a n ao

602
J í ^ V H - O D^ hbko o o s b a i a n o s

d e ix asse d e e s t a r r e s e r v a d o a u m a r e s t r it a c a m a d a d o c o rn n ■i
fazia q u e m t i n h a a l g u m a c o is a d e s e u . Cí 5 111113 Vez ^ só °
E s p e lh o s d a h i s t ó r i a m u i t a s v e z e s c o m o v e n t e d e seu s a u t o r a ,1
co m o p a s s a d o e t e m o r e s e m r e la ç ã o a o f u t u r o , os t e s t a m e n t ^ - C P re° CUpações
in s u f ic ie n t e p a r a u m e s t u d o s ó l i d o d a s f o r t u n a s : n a m a i o r i a áol c T o s ^ 1^ 0 ^
m al o u i n c o m p l e t a m e n t e d e s c r i t o s . A s c if r a s , q u e s e r ia m i n d i s p e n X ^ V a n “ °
c em q u a n d o se t r a t a d e e v o c a r s o m a s r e f e r e n t e s a le e a d o s H ív irW . ■’ ’
. • . i - r • •, B ’ a m a a s em ativ o o u pas-
s,vo. OU ainda doaçoes feitas em vid a a filhos e que entravam em colação Mas foi
sobretudo o núm ero incalculável de vezes em que neles aparecem frases como “o
resto d e m e u s b e n s é d o c o n h e c i m e n t o d e m i n h a m u l h e r ” o u “os h^nc „
j j ' ■ 'k i - » ( •\ • j- , , q P ° ssuo
sao d e d o m í n i o p u b l i c o (ric) q u e m e i m p e d i u d e le v a r e m c o n ta esta série, tanto
m a is q u e só p u d e e n c o n t r a r p o u c o s i n v e n t á r i o s post mortem c o rre s p o n d e n te s a esses
testam en to s.
E ssa f a l t a d e c o r r e s p o n d ê n c i a se e x p l i c a , e m p r i m e i r o lu g a r , p e lo fato d e q u e nem
ro do t e s t a m e n t o d a v a l u g a r a i n v e n t á r i o , E s t e só e r a o b r ig a t ó r io e m três casos: q u a n d o
o t e s t a d o r t i n h a , e n t r e o s h e r d e i r o s , c r i a n ç a s m e n o r e s , c u jo s b e n s d e v ia m ser resg u ar­
dados; q u a n d o m o r r ia ab intestato e q u a n d o , n a o t e n d o h e r d e ir o s , s u a f o r tu n a passava
às m ã o s d o E s t a d o . A l i á s , u m a l e i d e 1 7 5 4 , a i n d a e m v i g o r n o s é c u lo X IX , prescrevia
q u e os h e r d e i r o s d i r e t o s e n t r a v a m d e i m e d i a t o n a p o s s e d e s u a h e ra n ç a , d e m o d o a
e v ita r p r e t e n s õ e s d e h e r d e i r o s n ã o n e c e s s á r i o s . 1 A d e m a i s , a té 1 8 8 0 , os h e rd e iro s d ire ­
tos ( a s c e n d e n t e s e d e s c e n d e n t e s ) n ã o p a g a v a m q u a l q u e r ta x a p e lo d ir e ito d e sucessão.
J á os h e r d e ir o s n a o n e c e s s á r i o s p a g a v a m t a x a s q u a n d o e r a m d e s ig n a d o s e m testam ento
o u q u a n d o se b e n e f i c i a v a m d a t e r ç a p a r a f a v o r e c e r p a r e n t e s d is t a n t e s o u o u tras pessoas.
N e ste s d o is c a s o s , e r a o t e s t a m e n t o q u e s e r v i a c o m o d o c u m e n t o p ro b a tó rio para
e s ta b e le c e r o m o n t a n t e d a s t a x a s q u e i n c i d i a m s o b r e a h e r a n ç a d e c a d a c atego ria de
h e r d e ir o s n ã o n e c e s s á r io s .
A l g u n s m o m e n t o s d a h i s t ó r i a d a s ta x a ç õ e s a p lic a d a s p e lo E s ta d o às sucessões
m e r e c e m ser e v o c a d o s . E m 1 8 0 9 , o ‘se lo d e h e r a n ç a ’ — c o m o e r a c h a m a d o o im posto
so hre a s u c e s s ã o — e r a p a g o à ra z ã o d e 1 0 % d o v a lo r d a h e r a n ç a p o r p a re n te s p ró x i­
m os d o f a le c id o ( s e g u n d o g r a u c a n ô n ic o ) e d e 2 0 % p o r o u tr o s h e rd e ir o s , parentes
d is ta n te s o u n ã o - p a r e n t e s . A p a r t i r d e 1 8 3 8 , os filh o s n a t u r a i s fo ram ta m b é m obriga
dos a p a g a r u m a ta x a d c 1 0 % , s e n d o a s s im e q u ip a r a d o s aos p a re n te s p ró x im o s. Em
1 8 6 1 , os m e s m o s f ilh o s n a t u r a i s t o r n a r a m - s e is e n to s, r e c e b e n d o d e sd e e n tã o o m esm o
tr a t a m e n t o d c d e s c e n d e n t e s e a s c e n d e n te s le g ítim o s ; m as os filh o s d e u m p rim e iro
c a s a m e n to p a s s a r a m a ter q u c p a g a r o se lo q u a n d o h e r d a v a m d e tios e rias. Essa nova
lei r e a f ir m a v a a i n d a u m d is p o s itiv o a n t e r io r , p e lo q u a l as ap ó lic e s e m itid a s p e io Estado
eram is e n ta s d c q u a l q u e r ta x a ç ã o , fosse q u a l fosse a c a te g o ria do h erd eiro . s lt^ ^
dos filhos naturais voltou a ser alterada em 1877: já não eram considerados herde.ros
oecessirios, mesmo quando reconhecidos pelos pais por aro carronal ou testamento e
deviam pagar uma « a s a d e 2 0 % pelo direito à sucessão parental. igual à que pagavam
os p a re n te s d is t a n t e s do te s ta d o r o u os n ão -p aren tes.
604 B a h i a , S é c u l o X IX

N a o p u d e a p u r a r se e ssa d i s c r i m i n a ç ã o d o s f ilh o s n a t u r a i s , m e s m o re c o n h ecid o s


s u s c it o u re a ç õ e s. O fa to é q u e p o u c o s a n o s d e p o i s , e m 1 8 8 0 , n o v a le i d as sucessões
n o v a m e n t e e q u i p a r o u filh o s l e g í t i m o s e n a t u r a i s , a l é m d e r e d e f in i r os d ir e ito s das
d e m a is c a t e g o r ia s d e h e r d e ir o s . E s t i p u l o u q u e f ilh o s l e g í t i m o s e le g it im a d o s p a g a ria m
ta x a s d e su c e s s ã o d e 1 % e f ilh o s n a t u r a i s d e 2 % , i g u a i s às q u e d e v ia m p a g a r irm ãos,
tio s e s o b r in h o s . T i o s - a v ó s d e v i a m p a g a r 5 % . A g r a n d e n o v i d a d e d e s s a lei foi im por
ao s e sp o s o s, a té e n t ã o is e n to s , u m a t a x a d e 5 % q u a n d o h a v i a t e s t a m e n t o e d e 1 0 % em
c aso d e su c e s s ã o ab intestato. N e s t e ú l t i m o c a s o , a t a x a a se r p a g a p e lo c ô n ju g e sobre­
v i v e n t e e r a ig u a l à c o b r a d a d e p a r e n t e s a t é o d é c i m o g r a u e d e r e lig io s o s professos
s e c u la r iz a d o s . P a r a os n ã o - p a r e n t e s a t a x a e r a d e 2 0 % . E s ta le i v i g o r o u , in a lt e r a d a , até
o advento da R e p ú b lic a .2
O e x a m e d e sse s te x to s le g a is s u g e r e q u e a in t e n ç ã o d o s le g is l a d o r e s e r a s u p r im ir as
m i l fo r m a s d e a b u s o a q u e as h e r a n ç a s d a v a m l u g a r , e m p r e j u í z o d o T e s o u r o p ú b lico .
B o m e x e m p lo d is t o é a d u p l i c a ç ã o d a t a x a c o b r a d a d o c ô n j u g e e m su cessõ es não
t e s t a m e n t á r ia s , b e m c o m o a o b r i g a ç ã o i m p o s t a d e s d e 1 8 6 1 a o s v ig á r io s d e fornecer, a
c a d a m ê s , a lis t a d e s e u s p a r o q u i a n o s li v r e s q u e f a l e c i a m , so b p e n a d e se re m privados
d a c ô n g r u a ( p e n s ã o d o E s t a d o ) e d o a u x í l i o e x t r a o r d i n á r i o q u e r e c e b ia m p a r a a c o m ­
p ra do g u isa m e n to (p a ra m e n to s e u te n s ílio s n e c essário s ao c u lto ).
Se o te sta m e n to n e m se m p re d av a lu g a r a u m in v e n tá rio post mortem, m a is de
m e t a d e d o s in v e n t á r io s d i z i a m r e s p e it o ao s b e n s d e p e s s o a s q u e f a le c ia m ab intestato,
e m p e c ilh o a d i c i o n a l ao c o t e jo d o c o n t e ú d o d e s s e s d o is tip o s d e d o c u m e n t o . C om o
t a m b é m n a o h a v ia c o n t r a t o s d e c a s a m e n t o , os in v e n t á r i o s post mortem se to r n a r a m a
ú n ic a fo n te d is p o n í v e l p a r a o e s t u d o d a s f o r t u n a s b a ia n a s .
C o m o os t e s t a m e n t o s , o s in v e n t á r io s n o s f a l a m e m e s p e c ia l d a ‘e lit e a f o r t u n a d a ’ da
B a h ia , e s tr a to e m q u e c la s s if ic a m o s to d o s os q u e t i n h a m b e n s , a d q u ir id o s p o r seu
tr a b a lh o p esso al o u h e r d a d o s . O A r q u i v o P ú b l i c o d e S a l v a d o r c o n s e r v a u m a série de
in v e n tá r io s c u j a o r ig e m n a o p o d e se r p r e c i s a m e n t e d e t e r m i n a d a . O s q u a t r o tabeliães
q u e h a v ia n a c id a d e n o s é c u lo XÜX n a o e s t a v a m o b r ig a d o s a r e c o lh e r s e u a rq u iv o m orto
ao a r q u iv o d o E stad o , q u e a liá s só fo i c r ia d o e m 1 8 8 0 . T e r i a m to d o s, nesse an o , enviado
seus a r q u iv o s m o rto s à n o v a in s t it u i ç ã o ? T u d o i n d i c a q u e s i m , po is e n c o n tr e i livros
c a rto riais c o r r e s p o n d e n te s d e 1 6 8 4 a 1 9 1 2 . É p ro v áv e l q u e esses in v e n tá r io s p o s t m ortem
■ q u e f o r m a v a m m a ç o s s e p a r a d o s , a s s in a d o s p o r ‘e sc riv ã es p ú b l ic o s ’ — te n h a m feito
parte d essa re m e ss a , p r o v in d o d o s q u a t r o c a r tó r io s d a c id a d e , m a s n ã o posso a f ir m á - lo .
C r o n o lo g ic a m e n t e , essa série fic o u m a is o u m e n o s r e g u la r nas d u a s ú ltim a s déca­
das do sécu lo X V III. E n tre 1 7 8 0 e 1 8 3 0 , p o ré m , os in v e n tário s fo ram po ucos: em m édia
q u a tro p o r an o , no fin al d o sé c u lo X V III, e o ito p o r a n o , nas três p r im e ira s d écad as do
sé c u lo X IX . A p a r tir d e e n tã o o n ú m e r o c re sc e u , m a s m o d e s ta m e n te . E ntre 1853 e
1 8 5 7 reg istro u -se a m a io r m é d ia a n u a l: 4 4 in v e n tá rio s. E n tre 1881 e 1 8 8 5 — anos sub
se q ü e n te s à im p o siç ã o d e novas m e d id a s le g ais d e s tin a d a s a e lim in a r frau d es com uns
no p a g a m e n to dos d ir e ito s de sucessão — c a ír a m a 3 8 p o r an o . S e c o n sid erarm o s u m a
m é d ia a n u a l d e o ito in v e n tá r io s e n tre 1801 e 1 8 3 0 e de q u a r e n ta e n tre 1831 e 1889,
í í : : *
« tE —^ M ;"“ |.....
c: mr a p o d e >t, ju r i. i a l n i c n t c c , U r e c id o p c ,„ 5<frie f o r m a d a ^

• r r .J j <
„ dc hcr.u;.s, v
u ' a: r , , u h m , d K " "*> - <
1,,,,-ta.u lo -* cm ,8 .w , imlo
» « * Pw
a queda d<) ImpP.rio cm
^ « « w

a b r a n g e n .a .s d c m e t a d e d o p e r í o d o q u c n o s in t e r e s s a . C o m p r e e n d e 2 0 6 8 in v en tário s'
d o s q u a i s 1 . ^ 6 est.to d c v . d a m c . u c d a t a d o s , m a s a p r e s e n ta la c u n a s e n ão obedece
en ren o s u n ifo r m es: ora os t lo c u m c n to s dão a soma total d a hcranca e as rav.c n„„
I I * *J 1 1 1 l í l Aa a QUC
so b re e la i n c i d e m , o r a , n o c a s o d e le g a d o s , r e g is t r a m a p e n a s a s o m a a eles c o rresp o n ­
d e n te e as t a x a s p a g a s , s e m m e n c i o n a r o t o t a l d a h e r a n ç a . M a s , se n ã o p o d e ser útil
p a r a u m e s t u d o s o b r e as f o r t u n a s , e s s a f o n te d á u m a b o a p is ta q u a n t o ao n ú m e r o total
dos i n v e n t á r i o s p o s t m o r t e m .
S o m e n t e c o m r e l a ç ã o a d o is a n o s — 1 8 5 5 e 1 8 8 1 — p u d e r e u n ir d ad o s c o m os
r e q u is it o s n e c e s s á r i o s p a r a u m a in v e s t ig a ç ã o : os r e g is tr o s n ã o e x ib ia m la c u n a s, e p u d e
fazer p e s s o a l m e n t e o e x a m e d o s d o c u m e n t o s . O b t i v e a s s im , e m relação a 1 8 5 5 , um
to ta l d e 1 1 9 i n v e n t á r i o s , 5 3 d o s q u a is p e r t e n c e n t e s à sé rie q u e e n g lo b a v a arq u iv o s de
to d o s os c a r t ó r i o s e 6 6 à d o s liv r o s d e r e g is t r o d a s su c e ssõ e s; e m re lação a 1 8 8 1 , obtive
110 in v e n tá rio s, 46 p r o v e n i e n t e s d o s a r q u i v o s d o s c a r tó r io s e 64 dos livro s de registro.
A p ó s e l i m i n a r d u p l i c a t a s , c o n s e r v e i 1 0 5 in v e n t á r io s d e 1 8 5 5 e 9 7 de 1 8 8 1 .
Q u e p e r c e n t a g e m d o c o n j u n t o d a p o p u la ç ã o a d u l t a liv re fa le c id a em Salvad o r
nesse p e r í o d o t e r i a b e n s a i n v e n t a r i a r ? C o m o j á o b s e r v e i,4 é im p o ssív e l re sp o n d e r essa
p e r g u n t a d e m a n e i r a c l a r a e d i r e t a . É p r e c is o p r o c e d e r p o r h ip ó te se s.
J o h i l d o L o p e s d e A t h a y d e c a l c u l o u e m 2 . 7 5 5 o n ú m e r o d e ó b ito s d e 1855 e em
2.664 o d e 1 .8 8 1 , s e m p r e e m S a l v a d o r . S e a d m i t i r m o s q u e 3 0 % d eles co rresp o n d iam
a e sc rav o s, c r ia n ç a s e jo v e n s , t e r e m o s 1 . 9 2 0 a d u l t o s liv res m o rto s e m 1885 e 1.865 em
1 8 8 1 . É u m a h i p ó t e s e , m a s b o a p a r t e d e le s , c o m o sa b e m o s , nao tin h a bens a legar.
F ico p o r a q u i n e sse t e r r e n o d o s a r d is e p a sso a te n t a r v e rific a r q u e resu ltad os é possível
o b te r c o m p a r a n d o o n ú m e r o d e in v e n t á r io s q u e e n c o n t r e i c o m o n ú m e ro estim ad o e
ó b ito s e n t r e a p o p u l a ç ã o a d u l t a liv re :

T A B E L A 103

I n v e n t A iu o s e Ó b it o s e n t r e a Potulação A dulta L ivrf.

A nos I n v e n t á r io s O h m xjs rN V iiN rA H K W O p n o ^

ToT 1 .9 20 5 .3 »

1 ,8 65 5 .2 %
1881 97

Esse resultado parece bastante coerente. Suponho que n5o se afora m u lto da
realidade da época, embora eu não queira afirmar que sd 5 * da populaçao hvre de
c i , . 1 r n i a He seu o e ru p o p o d e ter sido m aio r, m as nao m enor
S a lv a d o r tiv essem a l g u m a j c ^ á v e l dos in v en tário s envolve heranças
do q u e isto. D e u m la d o , p e rc e n ta g e m
606 B a h ia , S écu lo X IX

m o d e s ta s ; d e o u t r o , m u it o s d e ix a v a m b e n s q u e n u n c a fo ra m in v e n ta r ia d o s . Seja c o m o
for, d o to ta l d c 4 . 6 1 8 in v e n tá r io s q u e e n c o n t r a m o s , só c o n s id e r a m o s e m nossos estu­
d o s os in v e n tá r io s post mortem p r o v e n ie n t e s d e a r q u iv o s d e ta b e liã e s . D os 2 . 5 5 0 in ven­
tá rio s re fe re n te s a o n o sso p e r ío d o , fo r a m e x a m i n a d o s 1 . 1 1 5 , isto é, 4 3 ,7 % desse
c o n j u n t o e 2 4 , 1 % d o to ta l e n c o n t r a d o . E ssa a m o s t r a m e p a r e c e u estatistica m e n te
c o r r e ta e — n a im p o s s ib ili d a d e , à fa lta d e fo n te s m a is ric a s, d e a v a lia r em cifras a
r iq u e z a e a p o b r e z a d o s b a ia n o s — s u f ic ie n t e p a r a u m a a v a lia ç ã o d a s o rd e n s d e gran­
d e z a e m q u e se s i t u a v a m as f o r t u n a s e d o s b e n s q u e a s c o m p u n h a m .
E s ta b e le c i a a m o s t r a t o m a n d o o it o in v e n t á r io s p o r a n o e n t r e 1 8 0 1 e 1 8 8 9 , já que
p a r a os a n o s d a s três p r im e i r a s d é c a d a s d o s é c u lo n ã o d i s p u n h a d e n ú m e r o maior.
E sco lh i e m s e g u i d a d o is p e r ío d o s — 1 8 5 3 - 1 8 5 7 e 1 8 8 1 —1 8 8 5 , c o m o já referi — para
o s q u a is e x a m i n e i a t o t a l i d a d e d o s in v e n t á r io s , d e m o d o a te r , p a r a a lg u n s an os, uma
q u a n t i d a d e ra z o á v e l d e d o c u m e n t o s , q u e p e r m it i s s e c o m p a r a ç õ e s m a is só lid a s. Para os
a n o s e m q u c e x a m i n a m o s a p e n a s o ito in v e n t á r io s , q u a n d o s e u n ú m e r o to ta l se apro­
x im a v a d o s q u a r e n t a , c o n s i d e r a m o s s i s t e m a t i c a m e n t e , n a m e d i d a d o p o ssív el, o últim o
d e c a d a sé rie d e c in c o .
O s d a d o s fo r a m c la s s if ic a d o s e m n o v e r u b r ic a s e, e m s e g u i d a , q u a n d o possível —
po is os in v e n t á r io s n a o a c o m p a n h a d o s d e t e s t a m e n t o r a r a m e n t e m e n c i o n a m a ocupa­
ção d o fa le c id o — , os in v e n t á r io s f o r a m a g r u p a d o s e m q u i n z e c a te g o r ia s sócio-econô-
m ic a s q u e n o s p a r e c e r a m r e p r e s e n t a t iv a s d a s ‘o c u p a ç õ e s* d o s b a ia n o s . .
O p r o c e s s a m e n to d e sse s d a d o s e m c o m p u t a d o r te v e d o is o b je tiv o s : classificar a
f o r t u n a d o s b a ia n o s in v e n t a r ia d o s , d e m o d o a d i s t i n g u i r n ív e is o u lim ia r e s , e verificar
c o m o essas fo r tu n a s se d i s t r i b u í a m e n t r e as c a t e g o r ia s s ó c ío - e c o n ô m ic a s q u e havíam os
d is t ín g u id o . I m p o r t a v a a i n d a s a b e r d e q u e se c o m p u n h a m essas fo r tu n a s e com o ti­
n h a m e v o lu íd o n o te m p o , u m a ve z q u e , ao lo n g o d o s é c u lo , a lg u n s co m p o n e n te s tinham
s id o s u b s t itu íd o s p o r o u tr o s . I n te r e s s a v a t a m b é m , f in a lm e n t e , c o n h e c e r o peso de cada
c o m p o n e n te n a f o r tu n a d e c a d a c a t e g o r ia s ó c io - e c o n ô m ic a . C o m o a av alia ç ã o era feita
em c o n to s d c réis, m e n o s n o caso d as f o r tu n a s m a is m o d e s ta s , u tiliz a m o s a grafia das
cifras c o rre n te no s é c u lo X I X p a r a f a c ilit a r a le it u r a d o s d a d o s e t o r n a r os com entários
m a is c laro s. A ssim , o c o n to d e réis (u m m ilh ã o d e réis) é s e p a r a d o d o s m il réis restantes
por d o is p o n to s ( 1 :0 0 0 ) . P a ra e v ita r c ifra s d e m a s ia d o lo n g a s , e lim in a m o s quantias
in feriores a esse p a t a m a r , s u p r im in d o as m e n o re s q u e q u in h e n t o s réis e arredondando
as m aio res. .

C l a s s if ic a ç ã o d a s F o r t u n a s

O q u e s a b e m o s s o b re a e s tr a tif ic a ç ã o s ó c io - e c o n ô m ic a d e S a lv a d o r s u g e re q u e o le q u e
d a s fo rtu n a s e r a b a s ta n te e x te n s o , to r n a n d o -s e in d is p e n s á v e l v e r if ic a r s e n o s s a am o stra
é re p re s e n ta tiv a d e to d o s os n ív e is d e r iq u e z a a li e x is te n te s e, em s e g u id a , em q u e
classe s o u c a te g o ria s d e f o r tu n a se c o n c e n tr a v a m o s in v e n tá rio s .
U v r o V 11 - O D in h e ir o n o s B a ia n o s

As fortunas foram inicialm ente distribuídas cm catorae .


indo dc alguns m i l réis a 1 : 0 0 0 d e re is c a s s e g u i n t e s distribuind ’ ^ T " 0 pnme,ras
de réis a 1 . 0 0 0 : 0 0 0 ou mais 6 ^ t n b u md o - s e n a fa.x a dos 1 :1 0 0

TABELA 104

C las sih c a ç ã o das Fortun as em S alvador,

C l a sse
F req ü ên cia F reqüência F reqüência
absoluta RELATIVA ACUMULADA
1, até : 100 6 0,5 0,5
2. : 101 a :2 0 0 8 0,7 1,2
3. :201 a :5 0 0 55 4,9 6,1
4. :501 a 1:000 97 8,7 14,8
5, 1 :10 0 a 2:000 128 11,5 26,3
6. 2 :1 0 0 a 5:000 2 33 20,9 47,2

7. 5 :1 0 0 a 10:000 181 16,2 63,4

8. 10 :10 0 a 20:000 139 12,5 75,9

9. 2 0 :1 0 0 a 50:000 145 13,0 88,9

10. 5 0 :10 0 a 100:000 67 6,0 94,9

11. 100 :100 a 200:000 31 2,8 9 7,7

12. 2 0 0 :10 0 a 500:000 22 2,0 99,7

13. 50 0 :1 0 0 a 1.000:000 2 0,2 99,9

14. + de 1.000:000 1 0.1 100,0

1.115 100,0 100,0


T o tal

A o q u e t u d o i n d i c a , n o s s a a m o s t r a é r e p r e s e n t a tiv a : as fo r tu n a s das c in c o p rim e i­


ras c la s se s ( a t é 2 : 0 0 0 d e réis) c o r r e s p o n d e m a 2 6 , 3 % d os in v e n tá rio s, ao passo q ue
e n c o n t r a m o s p a r a to d o o p e r ío d o a p e n a s u m in v e n tá r io de fo rtu n a su p e rio r a 1 .0 0 0 :0 0
d e réis). A s f o r t u n a s q u e p o d e m ser c o n s id e r a d a s m é d ia s (d e 2 :1 0 0 a 1 0 :0 0 0 d e réisX
classificadas na sexra e sétima classes, correspondem a 3 7 ,1% do total de mventános.
Dois inconvenientes desta classificação - o número excessivo de classes e a exten­
são do intervalo cronolúgico dificultam, porém, a andl.se do conteudt
fortunas. Isto me levou a rcclassificar os dados em o.to novas categoria, e a esta
novos cortes cronolúgicus. r<li diftól encontrar alguns que
E x p o re i a d i a n t e os c rité r io s q u básicas se
^ D e fato, a in d a q u e as estru tu ras Daan-ais »>.
fossem válidos de 1 8 0 0 até a Repu ^ ^ BaMa 5nfreu transformaç6es
tenham m ant.do malteradas ao I g A sin)p|es obscrvaç5o da estrutura
q u e r e p e r c u t ir a m n as f o r tu n a s d cresceram as o p o rtu nid ades de
do m e r c a d o d e t r a b a lh o , p o r e x e m p >
608 B a h ia , S é c u l o XIX

e m p r e g o n o s e to r d e se rv iç o s , e o t r a b a lh o e s c ra v o foi p r o g r e s s iv a m e n t e su b stitu íd o
p e lo t r a b a lh o liv re .
A o c o r r ê n c ia d e p a s s a g e n s d e u m n ív e l d e f o r t u n a a o u t r o , s o b r e t u d o n a s e g u n d a
m e t a d e d o s é c u lo , p a r e c e m a is q u c p r o v á v e l. A liá s , v e r if ic a - s e q u e , c o m o passar dos
a n o s , a p r o p o r ç ã o d a s p e q u e n a s f o r t u n a s se r e d u z iu . F o r t u n a s d e 1 0 : 0 0 0 d e réis eram
m a is s ig n if ic a t iv a s n o in íc io d o s é c u lo q u e n o f in a l, s e ja p o r q u e o n ú m e r o d e grandes
f o r tu n a s e r a m e n o r e o te to m a is b a ix o , s e ja p o r q u e t i n h a m m a io r v a lo r real, pois a
in f la ç ã o o c o r r id a n o p e r í o d o n a o p o d e se r e s q u e c id a .
É v e r d a d e q u e , n o e s p í r it o d o p o v o , o d e v i d o d e s c o n t o n a o e r a f e ito . Q u e m tinha
u m a f o r t u n a d e s s e v a lo r c o n t i n u a v a a se r c o n s i d e r a d o r e m e d i a d o . T e r u m a casa térrea
— q u a n d o ta lv e z se s o n h a s s e c o m u m s o b r a d o — , a l g u n s m ó v e is to sco s e u m dinhei-
r in h o n o b o lso j á c o n f e r i a p r e s t íg io e i n t r o d u z i a a p e s s o a n o r o l d o s a b o n a d o s . Aliás,
n u m a c id a d e o n d e a m a i o r i a v i v ia n a p e n ú r i a , a l g u m a s c e n t e n a s d e m i l réis n o bolso
j á e r a riq u e z a ,
V o l t a r e i aos c o n c e i t o s d e r i q u e z a e p o b r e z a , m a s d e s d e j á q u e r o d e ix a r claro que
n a o p r e t e n d o ir m u i t o lo n g e n a b u s c a d e c r it é r io s p a r a e s s a d e f in i ç ã o : n a B a h ia , a posse
d e q u a l q u e r b e m c o n f i g u r a v a f o r t u n a , e e ste s e r á u m p r e s s u p o s t o d e to d a a m in h a
a n á lis e .

TABELA 105

C l a s s i f i c a ç ã o d a s F o r t u n a s em S a l v a d o r ,
1 8 0 1 - 1 8 8 9 (e m c o n t o s d e r é i s )

I. Muito pequenas até :200

2. Pequenas :201 a 1:000

3. Médias baixas 1:100 a 2:000

4. Médias 2:100 a 10:000

5. Médias alcas 10:100 a 50:000

6 . Grandes baixas 50:100 a 200:000

7. Grandes médias 200:100 a 500:000

8 . Grandes 500:100 a 1.000:000

R e d u z i a d u a s as q u a t r o p r im e i r a s c a t e g o r ia s d a c la s s if ic a c á o a n te r io r . As fortunas
até 2 0 0 . 0 0 0 réis — q u e f o r m a m a g o r a a p r im e i r a c lasse — lim ita v a m - s e em geral a
b en s de u so p esso al, c o m o ro u p a s c m ó v e is . N e m s e m p re , p o r é m : nos in ven tários de
até 1 8 5 0 e n c o n tr a - s e p o r vezes u m e sc rav o a r r o la d o e n tr e os p o ssu id o res d e bens nessa
faixa. Q u a s e s e m p re e ra id o so , d e p o u c o v a lo r, o u ‘c o a r t a d o ’, isto é, prestes a ser
alfo rria d o , d e v e n d o a p e n a s p a rte de seu p reç o ao se n h o r. N esse caso, ap ós a m orte do
d o n o , ia a le ilã o , e o v a lo r a p u r a d o c a b ia aos h e rd e iro s. O s bens p o d iam co m p o r se
ta m b é m d e c ré d ito p o r e m p r é s tim o feito a u m te rc e iro , d ív id a a ser c o b rad a n a Justiçs»
d o n d e aliás a n e c essid ad e d o in v e n tá rio . O s in v e n tá r io s d a se g u n d a m e ta d e do século
L iv r o V I I - O D in h e i r o d o s B aianos

f r rCf f ' MVam eSS\ em >’r« ' im os- »P «cciam t.m bém ações bancária, co.no as
da C a ,.a F.cononnca. Nesses casos, em geral só esse erédi.o era levado em contT o
b e n s — m o v e is , r o u p a s — r a r a m e n t e e r a m a v a lia d o s .
A s e g u n d a c U s s c . a d a s ' p e q u e n a , f o r t u n a s ’ , a b r a n g e a fa ix a d e 2 0 1 . 0 0 0 réis a
1 :0 0 0 d e rc ,s . O s q u e e s t a v a m p r ó x i m o s d o p is o d e s s a fa ix a p o u c o se d ife re n ç a v a m dos
d a c a t e g o r i a a n t e r i o r , c o m a l g u n s m il ré is a m a i s . T e r i a m u m g u a r d a - r o u p a m en o s
e x íg u o , u m m o b t l t á r m m a is c o m p l e t o , a l g u m a j ó i a m o d e s t a , u m o u d u a s im a g e n s d e
s a n to s , b o m . 5 0 0 . 0 0 0 r é is j i s e p o d i a a t é c o m p r a r u m c a s e b r e e, d e p e n d e n d o d a é p o c a
p o s s u ir u m o u d o i s e s c r a v o s q u e , m e s m o s e m g r a n d e q u a lif ic a ç ã o , s o m a v a m a lg u m a
c o is a a o o r ç a m e n t o f a m i l i a r . E r a t a m b é m f r e q ü e n t e a p r á t i c a d e e m p r é s tim o s e a
c o m p r a d e u m a o u d u a s a ç õ e s , o q u e , n e s t a c la s s e c o m o n a a n t e r io r , e r a u m a m a n e ir a
d e se a l ç a r a u m a c a t e g o r i a m a i s a b a s t a d a . A t é e ste n ív e l d e f o r tu n a , n u n c a se e stav a ao
a b r ig o d e u m r e v é s . U m a d o e n ç a p r o l o n g a d a , u m a fa lta d e t r a b a lh o , e a h e r a n ç a p o d ia
r e d u z ir - s e a d í v i d a s .
A s f o r t u n a s m é d i a s — t e r c e i r a c la s s e — se d i s t i n g u i a m d as d u a s p r im e ir a s p o rq u e ,
e m g e r a l, s e u s d e t e n t o r e s p o d i a m d i v e r s i f i c a r u m p o u c o m a is os se u s b en s, ac re sc e n ­
ta n d o a o p r i m e i r o c a s e b r e u m s e g u n d o , p a r a a l u g u e l , o u c o m p r a n d o m e lh o r e s m óveis.
N o s i n v e n t á r i o s , a p a r e c e m c a d e i r a s , b a ú s , m a is e m e lh o r e s ro u p a s, u te n sílio s d e cozi­
n h a m a is v a r i a d o s , a l g u n s t a lh e r e s . O p r i n c i p a l é q u e , d e sse n ív e l e m d ia n te , já era
p o ssív e l te r u m a c a s a d e v e r d a d e — t é r r e a , c o m ja n e la e p o r t a d a n d o p a ra ru a, dois
q u a r t o s , c o r r e d o r e u m q u i n t a l z i n h o n o s f u n d o s — , isto é, a d q u ir ir p restíg io de
v e r d a d e i r o p r o p r i e t á r i o . A li a s , as c a sa s té rr e a s , c o n s id e r a d a s casas de p o b re, eram
is e n ta s d o i m p o s t o d e lo c a ç ã o q u e i n c i d i a s o b r e o s im ó v e is m a is valo riz ad o s, o que
e x p lic a s e u g r a n d e n ú m e r o , p o r t o d a a c id a d e .
S c a c a sa t é r r e a e s t a v a ao a l c a n c e d e s s a s p e sso as, a in d a pobres em relação aos
v e r d a d e ir o s r ic o s , o s o b r a d o f ig u r a v a q u a s e s e m p r e e n t r e os bens d os q u e tin h am entre
2 : 1 0 0 c 1 0 : 0 0 0 d e ré is — a q u a r t a c lasse . A f a m íl ia a lo ja v a -s c e m geral 110 segu nd o
p a v im e n t o e o p r o p r ie t á r i o u s a v a o té rre o p a r a se u t r a b a lh o d e artesão ou co m ercian te.
Por vezes o té r r e o c ra a l u g a d o a e sc ra v o s, p e q u e n o s c o m e r c ia n te s o u artesãos. Alguns
in v e n tá r io s d e ssa fa ix a a r r o la m u m s e g u n d o s o b ra d o ou u m a casa térrea, c,
A b o liç ã o , q u a s e s e m p r e m e n c i o n a m e sc rav o s, a g r e g a d o s , m óveis e jóias. M as ™
nessa d a s s e os h e r d e ir o s n e m s e m p r e e s ta v a m e c o n o m ic a m e n t e g arantid o s, u o
d e p e n d ia d a g e s tã o d e ssas p e q u e n a s fo rtu n a s, e a a b e r tu ra do in v e n tá rio não t-ir ■
a m a r g a s re v e la ç õ e s: e x ce sso d e d ív id a s o u e m p r é s tim o s c o n c e d id o s sem as 1 cvii
p re c au ç õ e s p o d ia m r e p r e s e n ta r a r u ín a . As p r im e ir a s e ra m c o m u n s, pois um prop™-’
lário tinha crédito fácil; quanto » > empréstimos. conccdé-lo., cra quase obng. .
por u m a o u c.s tão d c p o s i ç ã o c p r e s t í g i o . do
Com l i . dc lo CliO O dc réis
J U O U C r c i.t já sc
^ c
v r. rico.
— especialmente
- , p
- r.m e tra mcr.,dc
. do
z 1 e 1 d a s s e a q u in t a q u e di.stingui, situava-se 1/4 dos quc
sécu lo , c o m o v e re m o s. N esta d a s s e 1^ c|aramentc> u m a característica
tin h a m b e n s. P o r o u tr o la d o , sc < ■ jt QS diferentes com ponentes
das fo rtu n a s dc m a io r v u lto : a rcn d én cm ao c q u ilít
610 B a h ia , S é c u lo XI X

d a r i q u e z a . E m q u a s e t o d o s os in v e n t á r i o s f i g u r a m b e n s im ó v e is , d e p ó s i t o s b a n c á r io s ,
a ç õ e s e a p ó lic e s d o T e s o u r o e, s a lv o e x c e ç õ e s , as d í v i d a s e m a t iv o c o r r e s p o n d e m m ais
o u m e n o s às q u e a p a r e c i a m e m p a s s iv o . I n v e s t i m e n t o s n o c o m é r c i o e r a m t a m b é m
f r e q ü e n t e s ; d e fa to , n e ssa f a ix a se c o n c e n t r a v a m o s lo jis t a s b e m - e s t a b e í e c i d o s , q u e
c o n t r o l a v a m o v a r e jo , a l é m d e f u n c i o n á r i o s e m a g i s t r a d o s , a l g u n s p r o f is s io n a is lib e ra is
e m e m b r o s d o a lt o c le r o . E r a m f o r t u n a s s ó l i d a s , c o r r e s p o n d e n t e s à e lit e d a classe
m é d i a d e S a l v a d o r , c u j o s h e r d e i r o s j a m a i s se v i a m c o n t e m p l a d o s c o m u m s a ld o n e g a ­
t iv o , c o m o o c o r r i a n a s q u a t r o c a t e g o r ia s a n t e r i o r e s .
A s trê s c la s s e s s u b s e q ü e n t e s r e p r e s e n t a m as g r a n d e s f o r t u n a s b a ia n a s . P a r a d is tin -
g u i - l a s , u s e i s u a f r e q ü ê n c i a . P o r e x e m p l o , f o r t u n a s d e 5 0 : 1 0 0 a 2 0 0 : 0 0 0 d e ré is , a sexta
d a s s e , r e p r e s e n t a v a m 8 , 8 % d o t o t a l d o s i n v e n t á r i o s ; j á a s d a s é t i m a c la s s e , n a f a ix a dos
2 0 0 : 1 0 0 a 5 0 0 : 0 0 0 d e ré is , e r a m a p e n a s 2 % d o t o t a l . C a b e o b s e r v a r a i n d a q u e 9 0 %
dessas g ra n d e s riq u e z a s p e r te n c ia m a n e g o c ia n te s q u e tin h a m a t i v i d a d e s m u it o
d iv e r s if i c a d a s , c o m i n v e s t i m e n t o s q u e a b r a n g i a m t a m b é m b a n c o s , c o m p a n h i a s de
segu ro s e d e tran sp o rte s e e m p re sas in d u s tria is . E m certo s d o c u m e n to s sao cham ados
d e ‘c a p i t a l i s t a s ’ , m a s a d e s i g n a ç ã o é a m b í g u a ; a m e s m a p e s s o a a p a r e c e e m d ife re n te s
p a p é is , o r a c o m o n e g o c i a n t e , o r a c o m o c o m e r c i a n t e , o r a c o m o c a p i t a l i s t a . O s 1 0 %
r e s ta n te s d e s s a d a s s e d e f o r t u n a e r a m p r o f i s s i o n a i s l i b e r a i s e s e n h o r e s d e e n g e n h o .
V e r e m o s q u e e ste s p e r d e r a m s u a p o s iç ã o p o r v o l t a d e m e a d o s d o s é c u l o , d e s c e n d o à
q u i n t a c a t e g o r i a , a d a s ‘b o a s f o r t u n a s ’ .6
F iz r e c o r te s c r o n o l ó g i c o s e m tr ê s p l a n o s . N o p r i m e i r o , d i v i d i e m d o is o p e río d o
1 8 0 1 - 1 8 8 9 , c o m u m c o r t e e m 1 8 5 0 , u m a v e z q u e as a n á li s e s m o s t r a m q u e esse an o
m a r c o u n í t i d a r e v i r a v o lt a n a e v o l u ç ã o d o s p r e ç o s , d o s s a lá r io s e d a s c o n d iç õ e s do
m e r c a d o e m S a l v a d o r . N o s e g u n d o , o m e s m o p e r í o d o f o i r e c o r t a d o e m q u a tr o
s u b p e r ío d o s , s e g u n d o o s m o v i m e n t o s d a c o n j u n t u r a b a i a n a , ta l c o m o s u g e r id o s pelo
estu d o d e preços: 1 8 0 1 - 1 8 2 1 , 1 8 2 2 - 1 8 4 5 , 1 8 4 6 - 1 8 6 0 e 1 8 6 1 - 1 8 8 9 .
O t e r c e ir o r e c o r te , p o r f im , n ã o e s t a b e l e c e u m a p e r i o d i z a ç ã o : s i m p le s m e n t e des­
ta c a d o is m o m e n t o s p a r a u m e x a m e c o m p l e t o d o s i n v e n t á r io s : 1 8 5 3 - 1 8 5 7 e 1 8 8 1 ­
1 8 8 5 . 0 p r im e i r o foi e s c o lh i d o p o r q u e n e le a t a x a d e m o r t a l i d a d e a t i n g i u s e u m á x im o ,
o q u e p r o m e t i a u m m a i o r n ú m e r o d e i n v e n t á r io s . A e x p e c t a t iv a se c o n f i r m o u : nesse
in te r v a lo , h á u m a m é d i a d e 4 4 in v e n t á r io s p o r a n o , a o p a sso q u e le v a n ta m e n to s
re fe re n te s ao s a n o s 1 8 6 3 - 1 8 6 5 , 1 8 6 8 - 1 8 6 9 , 1 8 7 3 - 1 8 7 5 e 1 8 7 8 - 1 8 7 9 in d ic a m m é­
d ia s a n u a is n u n c a s u p e r io r e s a q u a r e n t a . E u s u p u n h a , a liá s , q u e as leis d e 1861 e 1 8 7 0
c, s o b r e tu d o , a d e 1 8 8 0 , q u e i m p u n h a m n o r m a s m a is e s t r it a s à su c e ss ã o , p o d ia m ter
feito c re sc er o n ú m e r o d e in v e n t á r io s . M a s c o n s t a t e i o c o n t r á r i o : e n tr e 1881 e 1 8 8 5 ,
p o r e x e m p lo , b a ix a r a m a 3 8 p o r a n o . C o n v é m le m b r a r , e n t r e t a n t o , q u e os d o c u m e n ­
tos e n c o n tr a d o s n o A r q u iv o P ú b lic o d a B a h ia são a p e n a s u m a a m o s t r a : m e s m o no
ac e rv o d essa in s t it u iç ã o p o d e h a v e r o u tr o s in v e n tá r io s n ã o c a ta lo g a d o s .
O s d a d o s d a s ta b e la s 1 0 6 c 1 0 7 , o r d e n a d o s s e g u n d o a d iv is ã o do p e río d o 1 8 0 1 —
1 8 8 9 no a n o d e 1 8 5 0 , são b a s ta n te e lu c id a t iv o s , m o d if ic a n d o a im a g e m s u g e r id a pelas
d u a s ta b elas a n te r io r e s , q u c a b r a n g ia m to d o o sé c u lo .
k
L iv r o VII - Q D in h e ir o d o s Baianos

& be lem brar, porem , antes dc mais nada, que temos um número reduzido de
inventários fe.tos no m tervalo 1 8 0 1 - 1 8 5 0 . É verdade que concentrei minhas investi
gações na segunda m etade desse período, mas 2 1 5 , de um total de 3 95 teoresentam
a totalidade dos inventários dos anos 1 8 0 1 - 1 8 3 0 . Faziam-se menos inventários post
mortem n a p r i m e i r a m e t a d e d o s e c u l o d o q u e n a s e g u n d a ? É p ro v áv e l, p o is p a r a as d u as
ú ltim as d é c a d a s d o s e c u l o X V I I I a p u r a m o s u m a m é d i a a i n d a m e n o r , d e ap e n a s q u a tro
por a n o . D o s in v e n t á r i o s f e ito s a t é 1 8 5 0 , 3 5 , 4 % p e r f a z ia m u m m o n t a n t e m ed ío c re ,
e q u iv a le n te a a p e n a s 1 6 , 4 % d a s o m a d a s f o r t u n a s d o c o n j u n t o d esse p e río d o . '

T A B E L A 106

C la s s if ic a ç ã o d as F o rtu n a s em S alvador,
1 8 0 1 -1 8 5 0 (em c o n t o s d e r é is )

C lasse N1 % T o ta l 2 M édia % r
1 9 2,3 :130 0,0

2 81 20,5 :601 1,0

3 65 16,4 1:426 2,0

4 14 7 3 7 ,2 4:950 16,0

5 75 19,0 20:56 7 34,0

6 17 4,3 102:945 38,6

7 . 1 0 ,2 3 7 1 :3 2 5 8.2

(1) N = n° d c in ven tário s; (2) T o tal de in ven tário s = 395; (3) £ 1 som a d a s fortunas =
4.534:258 d e réis.

TABELA 107

C la s s ific a ç ã o d a s F o r tu n a s em S a lv a d o r ,
1 8 5 1 -1 8 8 9 ( e m c o n t o s de ré is )

C ia s s e N1 % T o tal 2 M é d ia

1 5 0.7 :098 0,0

2 72 10,0 :639 0,2

1:480 0,4
3 62 8,6

4 3 7 ,0 5:063 5,8
267

29,0 23:857 21.5


5 209
90:526 31.6
6 61 1 1 .2

325:679 29.5
7 21 2 .9

0,4 841:900 10,9


8 3
( 1 ) N - n' ■ dc in v e n t á r io * ; (2) T otal d e in v e n t á r io * - 720; (J) 1 * * ° n ia d a * fortunas =
23.179:974 de rdi*.

T a n t o a n t e s c o m o d e p o is d e 1 8 5 0 , e n c o n t r a m o s a s m e s m a s c a te g o r ia s s d c io -
e c o n ò r n ic a s , M a s a d i s t r i b u iç ã o d e s ig u a l d a s g r a n d e s f o r t u n a s in f lu e n c ia v a o to
in v e n t á r io s d a p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u lo , s ó 6 , 8 % c o r r e s p o n d ia m a g r a n d e s c o m e r -
612 B a h ia , S eculo XIX

c ia n re s, q u a n d o e n tr e 1 8 5 1 e 1 8 8 9 esse p e r c e n t u a l c h e g o u a 1 1 ,2 % . T o m a d o s is o la ­
d a m e n t e , t i n h a m as m a io r e s f o r tu n a s d a c id a d e e m a m b o s os p e r ío d o s , m a s n o p r i m e i ­
ro d e t in h a m 2 3 , 5 % d a f o r t u n a to ta l e n o s e g u n d o essa p a r t i c i p a ç ã o e le v o u - s e a 3 5 , 4 % .
S e ja c o m o for, os d a d o s d a s ta b e la s 1 0 6 e 1 0 7 r e v e la m in e g á v e l e n r i q u e c i m e n t o
dos b a ia n o s n a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u lo , o q u e é t a m b é m in d i c a d o p e la d im i n u i ç ã o
n o n ú m e r o d e p e q u e n a s f o r tu n a s e p e la r e d u ç ã o d e s u a p a r t i c i p a ç ã o n o c o n j u n t o . Esse
e n r iq u e c im e n t o se to r n a a i n d a m a is e v id e n t e q u a n d o se c o n s i d e r a q u e a té 185.0 in e-
x is t ia m f o r tu n a s s u p e r io r e s a 5 0 0 : 1 0 0 d e ré is. P o r o u t r o la d o , a u m e n t o u a p e r c e n ta ­
g e m dos d e te n to r e s d e f o r tu n a s c o n s id e r á v e is .
F in a lm e n t e , c a b e a s s in a la r q u e , n a p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u lo , os m a is rico s (fo r­
tu n a s s u p e rio re s a 1 0 : 1 0 0 d e réis) d e t i n h a m 8 0 , 8 % d a f o r t u n a g lo b a l e e r a m a p e n a s
2 3 , 5 % d os in v e n t a r ia d o s , e n q u a n t o n a s e g u n d a m e t a d e d e t i n h a m 9 3 , 5 % d a f o r tu n a
e c o r r e s p o n d ia m a 4 3 , 6 % d o s in v e n t a r ia d o s . O n ú m e r o d o s m e n o s ric o s (a té 2 : 0 0 0 de
réis) d i m i n u i u d e 3 9 , 4 % n o p r i m e i r o p e r í o d o p a r a 1 9 , 3 % n o s e g u n d o , e a d is t â n c ia
e n tre rico s e p o b re s t o r n o u - s e m a io r : a o p a s s o q u e e n t r e 1 8 0 1 e 1 8 5 0 essas fo rtu n a s
c o r r e s p o n d ia m a q u a s e 2/3 d o s i n v e n t á r i o s e a 3 % d a f o r t u n a g lo b a l, d e 1 8 5 1 a 1 8 8 9
re p r e s e n ta v a m m e n o s d e 1/5 d o s i n v e n t á r i o s e 0 , 6 % d a f o r t u n a g lo b a l,
O n ív e l d as f o r t u n a s b a ia n a s p a r e c e p o r t a n t o t e r a u m e n t a d o n a s e g u n d a m e t a d e
do sé c u lo , m e s m o le v a n d o - s e e m c o n t a a in f la ç ã o , c a l c u l a d a e m 1 1 8 , 7 % p o r M ir c e a
B u e s c u , to m a n d o c o m o b a s e os p r e ç o s d e 1 8 2 6 . O ü v e r O n o d y , p o r s u a v e z , e s tim o u
e m 9 1 % o a u m e n t o d o c u s to d e v i d a e n t r e 1 8 5 0 e 1 8 8 9 . 7 E m q u a l q u e r c a so , a u ­
m e n to u o n ú m e r o d a s b o a s f o r t u n a s ( m a i s d e 1 0 : 1 0 0 d e ré is ) e d a s g r a n d e s fo r tu n a s
(m a is de 5 0 : 1 0 0 d e ré is). A s f o r t u n a s m é d i a s ( 2 : 1 0 0 a 1 0 : 0 0 0 d e réis) a p r e s e n ta r a m
n o táv e l e s ta b ilid a d e e m t e r m o s d e p a r t i c i p a ç ã o p e r c e n t u a l n o n ú m e r o d e c aso s ( 3 7 , 2 %
até 1 8 5 0 e 3 7 % d e p o is ), m a s s e u p e so n o c o n j u n t o d a r i q u e z a m e n s u r a d a d i m i n u i u
a c e n tu a d a m e n te , p a s s a n d o d e 1 8 % a 5 , 8 % . E s ta c o n s t a t a ç ã o é corroborada p e la a n á ­
lise d os m e sm o s d a d o s , s e g u n d o o s d o is o u t r o s re c o r te s c r o n o ló g ic o s q u e p r o p u s : um
d e q u a tro p e río d o s, q u e a c o m p a n h a os m o v im e n t o s d a c o n j u n t u r a , e o u t r o e m q u e
destaco d ois m o m e n t o s p a r a u m e x a m e e x a u s tiv o d o s in v e n t á r io s .
R e a g r u p a n d o d a d o s , p u d e m o n t a r a t a b e l a 1 0 8 , q u e c o m p r e e n d e os d a d o s re fe re n ­
tes às fo rtu n as n a fa ix a d e a té 1 0 : 0 0 0 d e réis. P o d e -s e c o n s id e r a r q u e f o r m a m u m
c o n ju n to c o e re n te , e m q u e A c o r r e s p o n d e às fo r tu n a s d e a té 2 : 0 0 0 d e réis e B às
c am ad as su p e rio re s a essa faix a. A ta b e la 1 0 9 r e a g r u p a as f o r tu n a s q u e p o d e m ser c o n ­
sid erad as só lid a s, isto é, de v a lo r s u p e r io r a 1 0 :1 0 0 d e réis. A s f o r tu n a s de 1 0 :1 0 0 a
5 0 .0 0 0 de réis c o n s t itu ía m o p r im e ir o sig n o d e v e r d a d e ir a riq u e z a.
Esta no va c lassificacão , e s tu d a d a s e g u n d o recortes c ro n o ló g ic o s d ife re n te s, p e rm ite
c o m p araç õ es e sc larec e d o ra s. A re d u ç ã o do n ú m e r o c do p e r c e n tu a l de p a rtic ip a ç ã o das
p e q u e n a s fo rtu n a s no c o n ju n to sc c o n f ir m a d c fo r m a n ít id a : e n tr e 1801 e 1 8 2 2 elas
rep resen tav am m a is d e m e ta d e dos in v e n tá r io s e c o r r e s p o n d ia m a 4 ,4 % d a fo rtu n a
total; no fim do p e río d o c o rr e s p o n d ia m a 1 8 ,7 % dos in v e n tá r io s e a a p e n as 0 ,4 % d a
riqu eza arro la d a .
i ^ E ^ Í H E m o DOS B a ia n o s
613

T A B E L A i ob

C l a ssif ic a ç ã o das Fortun as até 10:


0 0 0 d e r é i s ( 0/0 )
P e r ío d o s

%N A +B
%X %N %X NT %XT
1. 18 0 1 -18 5 0 39.2 3,0 3 7 .2 16,0 76.4
18 5 1-18 8 9 19.3 0,6 3 7,Ô 19,0
5,8 56.3 6.4
2. 18 0 1-18 2 1 52.7 4.4 32.2 15.0 84,9
182 2 -18 4 5 32,0 2.5 19.4
17.0 73.3
1846-1860 21,4 1,1 41.8 19.5
11,3 63,2
18 8 1-18 8 9 18.7 0,4 12,4
3 3.8 4,4 52.5 4,8
3. 18 5 3 -18 5 7 22,3 1,1 41,8 10,3 64,1 31,4
18 8 1-18 8 5 15,6 0,3 34,4 4 ,5 50,0
4,8
A = até 2 :0 0 0 de réis; B = 2 :1 0 0 a 1 0 :0 0 0 de réis; % N = percentagem sobre o número de inventários- % V
sobre a soma dos valores inventariados no período. ' ' pcrccncagem

TABELA 109

C la s s ific a ç ã o das F o rtu n a s de 1 0 :1 0 0 a 1 .0 0 0 :0 0 0 d e r é is (% )

Períodos C D E F C +D t E+F
%N %X %N %x %N %X %N %x %NT %XT
1. 18 0 1-18 5 0 19,0 34,0 4,3 38,6 0,2 8,2 _ _ 23,5 80,8
18 5 1-18 8 9 29,0 21,5 11,2 31,6 2,9 29,5 0,4 10,9 43,5 93,5
2. 18 0 1-18 2 1 10,9 19,2 3,4 37,0 0,7 24,2 __
15,0 80,4
182 2-1845 22,3 41,3 4,4 39,2 —
— — — 26,7 80,5
184 6 -18 6 0 28,3 32,0 6,9 29,5 1,6 26,0 — — 36,8 87,5
18 6 1-18 8 9 29,6 18,8 13,7 32,6 3,5 29,7 0,6 14,0 47,4 95,1

3* 1853-1857 25,9 28,3 8,2 32,4 1,8 27,9 — _ 35,9 88,6


188
18 8 1-18
1-18885 32,8 19,7 13,5 30,7 2,6 19,0 1,0 25,6 50,0 95,2
50,z

C = 10:100 a 5 0 :0 0 0 de réis; D - 5 0 :1 0 0 a 2 0 0 :0 0 0 de réis; E = 200 :1 0 0 a 500 :0 0 0 de réis; F - 500:100 a 1.000:000 de réis;


9bN - percentagem sobre o número dc inventários; % X - percentagem sobre os valores inventariados no período.

For q u e o n u m e r o d e ssas fo r tu n a s te r ia d e c r e s c id o ta n to no c o n ju n to dos in ven­


tários? H á d u a s e x p lic a ç õ e s p o ssív eis: o e n r iq u e c im e n t o g eral teria provocado um
au m en to do n ú m e r o dos in v e n tá r io s e m o u tra s faixas; ou fo rtu n as dessa faixa teriam
passado a scr m a is r a r a m e n te in v e n ta r ia d a s . A le g isla ç ã o referente às heranças não
sustenta, c o n tu d o , a s e g u n d a h ip ó te se : h e rd e iro s n a o necessários ou Jegatários estavam
Sujeitos a taxas, por p e q u e n a q u e fosse a fo r tu n a (e m 139 testam en to s d atad os de 1865
a 1 8 6 8 , e n c o n tre i seis c o m m e n o s d e 1 0 0 .0 0 0 reis, ou tros sete inferiores a 5 0 0 .0 0 0
mais dez in ferio res a 1 :0 0 0 de réis). É b em provável, pois, q u e o n ú m ero dessas
pequenas fo rtu n as te n h a d e fato d e crescid o , m as convém ser p ru d en te e não ^
plausível p o r certo. D e fato, ao lo n go d e todo o período, esses pequenos patr
correspond eram a 1 8 ,7 % d as fo rtu n as in ven tariad as. Por outro lado, a re uçao a s
Participação no c o n ju n to d a fo rtu n a, d e 4 ,4 % ( 1 8 0 1 - 1 8 2 1 ) p ara 0 .4 % , m ostra que
esses p é s-d e -m e ia se c o m p u n h a m de bens cad a vez m ais parcos.
B a h ia , S éculo X IX

O e n r iq u e c im e n to tr a d u z iu an tes o a u m e n to do fosso e n tre pobres e ricos do que


u m a su p eração d a pobreza. L e v an d o a d ia n t e esta reflexão, p o d e m o s su p o r q u e a redu­
ção do n ú m e r o de in v en tário s post mortem referentes a p e q u e n a s fortu n as r e f le t iu o
e m p o b re c im e n to d e pessoas anres capazes d e a m e a lh a r a lg u n s m i! réis, lançadas pe |as
novas c o n d içõ es d a c o n ju n tu r a no rol dos q u c n ão t in h a m n a d a , o u q u a se nada.
O s d ad o s sobre as fo rtu n as d e 2 : 1 0 0 a 1 0 :0 0 0 d e réis p arecem corroborar esta
h ip ó tese. D e fato, seja q u a l for o recorte c r o n o ló g ic o a d o ta d o , q u e r se considerem os
in v en tário s d e um p erío d o d e c in c o an o s ou u m a a m o s tra d e u m in terv alo m ais amplo,
observa-se q u e essa classe d e fo r tu n a c o n s t itu i a m a io r p a rte dos in v en tário s (n u n c a
m en os d e 1/3). P o r o u tro la d o , su a p a r tic ip a ç ã o n a f o r tu n a g lo b a l d e c lin o u , com
exceção d o p e río d o 1 8 2 1 - 1 8 4 5 , q u a n d o c h e g o u a 1 7 % (é preciso c o n sid erar, contu­
d o , q u e nesse in te rv a lo os in v e n tá r io s d e ssa classe e r a m 4 1 , 3 % do to tal).
O ra , essa c a te g o ria re p re s e n ta v a a c a m a d a m a is a lta do q u e p o d e m o s q u a lific ar de
p e q u e n a s fo rtu n as, em g eral fo r m a d a s p o r h o m e n s e m u lh e re s s itu a d o s nas cam adas
m éd ias d a p o p u la ç ã o d a c id a d e , o n d e se e n c o n tr a v a de tu d o u m p o u c o : g en te q u e vivia
d e re n d a , artesãos, m e m b ro s do b a ix o c le ro , p e q u e n o s c o m e r c ia n te s , funcionários
p ú b lico s e d o seto r p r iv a d o e h o m e n s e m u lh e re s d e o c u p a ç ã o in d e fin id a . Aliás,
q u a n to m e n o r era a fo r tu n a , m e n o s os d o c u m e n to s in f o r m a m so b re o inventariado.
D e fato, essa classe se c o m p u n h a d e g e n te lig a d a a to d o tip o de a tiv id a d e econôm ica
— e de ociosos, ta m b é m — , d e a p o se n ta d o s a lo c a d o re s d e escravos, passando por
usu rários, n u m a m is tu ra sem c o rr e s p o n d e n te nas classes m a is elevad as.
A o c o n trá rio , p o ré m , dos q u c t in h a m b en s d e v a lo r in fe rio r a 2 :0 0 0 de réis, o
n ú m e ro dos in v e n ta ria d o s dessa c a m a d a s u p e rio r d a classe d as p e q u e n a s fortunas
a u m e n to u e n tre 1821 e 1 8 6 0 , a in d a q u e s u a p a r tic ip a ç ã o n a fo rtu n a global tenha
caíd o de 1 5 % e n tre 1801 e 1821 p a r a 4 , 4 % e n tre 1861 e 1 8 8 9 . C o m o ocorreu com
as fortunas m en o res, não h o u v e v e rd a d e iro e n r iq u e c im e n t o nesse n ív el. A com paração
das m éd ias das fortu n as nessas d u a s classes fo rn ece u m a p r o v a s u p le m e n ta r disto:

T A B E L A 110

M édia d a s F o r t u n a s ( em con tos DE RÉIS)

Pkriodos A B

1801-1821 :889 4:897

1822-1845 . :928 4:900

1846-1860 :984 5:086

1861-1889 1:013 5:077


A = até 2:000 dc réis; 8 - de 2 ; 100 a 10:000 dc réli.

A in sig n ifican te progressão dessas m édias explica a clara ten d ên cia a baixa na
participação dessas categorias na fortuna glo b al. C o m p o n d o 8 4 ,9 % dos inventários,
am bas correspondiam a q uase 2 0 % d a fortuna in v en tariad a entre 1801 e 1821; de
L a ? o M I - O DiNTiEmo dos B aianos

1861 a 1880 eram .lim l.i m a is d a m e t a d e m a s su a p a r t ic ip a ç ã o n a f o m m a


10 “ ,u J •'■S'V ' N " J » iv rú u l» 1S 0 1-18 8 '), „ MS J uas d .lsscs pcrfj7|lm
66.3°ó i n v e n t á r i o s c c o r r e s p o n d i a m a 12.~<’ n d a f o r t u n a
N o csc.il.u i m a is b a ix o d a s v c r d .u lc ir .is f o r tu n a s - v e r d a d e ir a s p o r q u e estáv eis
d a d a a d i v e r s i d a d e d e Mi a c o m p o s i ç ã o — e s tã o as q u e q u a li f ic a m o s ‘ b o a s ’ . Q u e m tin h a
m a is d e 1 0 : 1 0 0 d c ré is e m b e n s d e to d o s os tip o s e r a , t a n t o no in íc io c o m o no final
d o s e c u lo . ' r i c o ’. H tá c il c o m p r e e n d e r , c o n t u d o , q u c essa q u a n t i a e ra m u it o m ais
s ig n if ic a t iv a n a p r i m e i r a q u e n a s e g u n d a m e t a d e d o s e c u lo , fosse p o r seu m a io r valo r
real. fosse p o r q u e , a t é 1 8 5 0 . o l e q u e d a s f o r t u n a s e r a m a is e s tr e ito : n ã o h a v ia n e n h u m a
s u p e r io r a 5 0 0 : 1 0 0 d e r é is ; a l iá s , r e g is t r e i u m a ú n i c a d e m a is d e 2 0 0 : 1 0 0 d e réis. P ode-
se c o n c lu ir , p o r t a n t o , q u e , n a s p r i m e i r a s d é c a d a s d o s é c u lo , as f o r ru n a s de 1 0 :1 0 0 a
5 0 : 0 0 0 d e ré is t i n h a m p e s o e p a p e l e q u i v a l e n t e s a o s d a s s u p e r io r e s a 5 0 :1 0 0 de réis na
s e g u n d a m e t a d e d o s é c u lo : b o a s r i q u e z a s , n e m m u i t o g r a n d e s , n e m e x c e p c io n a is .
As f o r t u n a s d e 1 0 : 1 0 0 a 5 0 : 0 0 0 d e ré is d o p e r ío d o q u e vai até 1 8 5 0 e ra m e q u i p a ­
ra d a s às d a f a ix a d e 5 0 : 1 0 0 a 2 0 0 : 0 0 0 d e ré is d e 1851 a 1 8 8 9 , o q u e im p lic a v a u m a
e q u i v a lê n c ia e n t r e as c la s s e s d e 5 0 : 1 0 0 a 2 0 0 : 0 0 0 d e ré is e d e 2 0 0 : 1 0 0 a 5 0 0 : 0 0 0 de
réis d e sse p r i m e i r o p e r í o d o à q u e l a s s i t u a d a s d e 2 0 0 : 1 0 0 a 5 0 0 : 0 0 0 d e réis e d e 5 0 0 : 1 0 0
a 1 . 0 0 0 : 0 0 0 d e re is , r e s p e c t i v a m e n t e , d o s e g u n d o p e r ío d o . Q u e p a p e l se d eve en tão
a t r ib u i r às f o r t u n a s s i t u a d a s e n t r e 1 0 : 1 0 0 e 5 0 : 0 0 0 d e réis no s e g u n d o perío do ?
A n t e s d e m a is n a d a , a p o sse d e s s e m o n t a n t e a s s e g u r a v a , a p a r tir d e a p r o x im a d a ­
m e n t e 1 8 6 0 , a in c l u s ã o n u m a c lit c e c o n ô m i c a q u e , se p o r u m la d o se destacava
n i t i d a m e n t e d a s p e q u e n a s f o r t u n a s , n ã o se c o n f u n d i a c o m as v e rd a d e ira s forrunas,
s u p e r io r e s a 5 0 : 1 0 0 d e ré is . E ste e ra d c fato o l i m i a r q u e g a r a n t ia a in c lu s ã o — fosse
q u a l fosse o v a lo r d a f o r t u n a — n o rol d o s m u i t o rico s, d o q u a l sc so b ressaíam apenas
as r iq u e z a s d c fato e x c e p c io n a is , d c m a is d e 5 0 0 : 0 0 0 d e réis.
N a c a t e g o r ia d c 5 0 : 1 0 0 a 2 0 0 : 0 0 0 d e réis, e m q u e m u it o s e ra m co m ercian res
v a re jis ta s, as fo rç a s e c o n ô m ic a s — v a le d iz e r, c o m e r c ia is — d a B a h ia e n c o n trav am
se u s in t e r lo c u t o r e s p o t e n c ia is p a r a o e s t a b e le c im e n t o d c re la ç õ e s c o m e rc ia is . Era a eles
q u e re c o r r ia m e m b u s c a d e c a p it a l p a r a a c r ia ç ã o d e e m p re s a s in d u s tr ia is e d e scrsiços.
O n ú m e r o d c in v e n t a r ia d o s d e ssa c la s se d u p li c o u e n tr e 1821 e 1 8 4 5 . Posterior­
m e n te , a p r e s e n t o u u m c r e s c im e n t o c o n s t a n te , m as su a p ro p o rç ã o no to tal dc in v en tá­
rios d e c lin o u m u it o até 1 8 8 9 . J á s u a p a r t ic ip a ç ã o n a fo rtu n a g lo b a l do perío d o , após
a tin g ir 4 1 , 3 % a n te s d e 1 8 5 0 — o q u e dá m a io r im p o r tâ n c ia a seu papel de gran d es
fo rtu n as tias p r im e ir a s d é c a d a s d o s é c u lo — , c a iu b r u s c a m e n te , p assan do a 18,8%
entre 1861 c 1 8 8 0 , A ssim , essas fo rtu n a s c re sc e ra m a c c n tu a d a m c n tc cm n ú m ero e em
p a rtic ip a ç ã o na riq u e z a to tal e m I 8 2 2 c 18 4 S , m as c m se g u id a foram su p lan ta d as pelas
fortunas dc m a io r m o n ta , c u jo n ú m e r o cresceu le n ta m e n te até 1 8 6 0 m as d u p icou
entre 1881 e 1 8 8 0 . M a is u m a vez, a e x ceção foram as fortunas m aio res, q u c ahás só
su rg iram a p a rtir dc 1 8 6 1 . -
N o c o n ju n to , o n ú m e r o das ve rd a d eiras fortu n as a u m e n to u , po d endo-se a t a ir
tnar q u e a classe dos ricos cresceu : d c 1801 a 1821 eles eram 15% dos inventaria
616 B a h ia . S éc u lo X IX

p a r t i l h a v a m 8 0 , 4 % d a f o r t u n a g lo b a l; d e 1 8 6 1 a 1 8 8 9 , e r a m 4 7 % , p a r t i lh a n d o 9 5 ,1 %
d a fo rtu n a.
A q u e d a d o v a lo r m é d i o d e ssa s f o r t u n a s é c o r r e l a t o ao a u m e n t o d o n ú m e r o de pro­
p r ie t á r io s e i n d i c a m e l h o r d i s t r i b u i ç ã o d a r iq u e z a e n t r e ric o s e a b a s t a d o s . N o in terior
d e ssa s c la s s e s q u e t i n h a m a l g u n s b e n s , s e r i a e n t ã o p o s s ív e l, n u m a p r i m e i r a co n clu são ,
o p o r os m e n o s a b a s t a d o s a o s m a is r ic o s , s e m n o e n t a n t o e s q u e c e r q u e , n o s d o is casos
e s ta v a e m jo g o a p e n a s u m a fra ç ã o p r i v i l e g i a d a d o s b a ia n o s ? E n tr e 1 8 0 1 e 1 8 5 0 , esses
m e n o s a b a s t a d o s , q u e f o r m a v a m 7 6 , 4 % d o s i n v e n t a r i a d o s , p a r t i l h a v a m 1 9 % d a fortu­
n a r e g is t r a d a n o s i n v e n t á r io s ; n o r e s t a n t e d o p e r í o d o , p o r é m , e m b o r a co rresp o n d e sse m
a 5 6 , 3 % d o s i n v e n t a r i a d o s , s u a p a r t i c i p a ç ã o n a r i q u e z a g l o b a l c a i u a 6 , 4 % . S e houve
e n r i q u e c i m e n t o n a B a h i a n a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o , ele n ã o a u m e n t o u o n ú m ero
dos q u e tin h a m p o u c as po sses, n e m in c r e m e n to u o n ív e l d e su as fo rtu n as.

TABELA 111

M é d ia s das F ortun as (em con tos de r é is)

P eríodos C D E F

1 8 0 1 -1 8 2 1 18:452 113 :8 0 7 371:324 -

18 2 2 -18 4 5 2 2 :0 14 106:788 - -

18 4 6 -18 6 0 21:221 80:038 2 9 6 :12 9 -

1 8 6 1 -1 8 8 9 24:970 93:293 334:913 841:900

C = 10:100 a 50:000 de r6 s; D = 50:100 a 200:000 dc réis; E - 200:100 a 500:000 dc réis; F - 500:100 a 1.000:000 de réis.

Q u em P o ssu ía ?

N a a u s ê n c ia q u a s e t o t a l d e i n f o r m a ç õ e s p r e c is a s s o b r e as o c u p a ç õ e s , profissionais
o u n ã o , d o s in v e n t a r ia d o s e d i a n t e d e u m a p e r c e n t a g e m r e la t iv a m e n t e e le v ad a de
in v e n t á r io s re fe re n te s a m u l h e r e s ( 3 5 , 2 % ) , n ã o é p o s s ív e l d is t r i b u i r as fortu n as em
c a te g o r ia s e c o n ô m ic a s m u i t o v a r ia d a s . P r o p o n h o a g r u p a m e n t o s q u e re fle te m as de­
fic iê n c ia s d o s p r ó p r io s d o c u m e n t o s . A q u a li f ic a ç ã o de 1/3 d o s in v e n ta r ia d o s como
se m o c u p a ç ã o ’ e x e m p lif ic a isto. P u d e e s ta b e le c e r q u i n z e c a te g o ria s : n e go cian te s, in­
d u s tr ia is , c o m e r c ia n t e s , se n h o re s d e e n g e n h o , p r o p r ie t á r io s a g ríc o la s , profissionais
lib e rais, c lc to , fu n c io n á r io s p ú b lic o s , o fic ia is g r a d u a d o s , o fic ia is su b a lte rn o s, artesãos,
d o n o s d e b a rc o s, p e s c a d o r e s e m a r ít im o s , pesso as q u e v iv ia m d e ren d as e os ditos
sem o c u p a ç ã o ’.
As fo rtu n as a v a lia d a s e n tr e 1801 c 1 8 8 9 s o m a m 2 7 - 7 1 3 : 9 8 9 d e réis. A m édia das
fo rtu n a s d as várias c a te g o ria s s ó c io - e c o n ô m íc a s serve tã o -s o m e n te p a ra d e fin ir sua
p o sição re la tiv a . T r a t a - s e d c u m q u a d r o m u it o g e ra l, q u e a p a re n te m e n te não traz
su rp resas: n o to p o e sta v a m os n e g o c ia n te s , no d e g r a u m ais bauio os m a r ítim o s e pes
cadores, g e n te c u jo o fício n ã o e x ig ia g ra n d e q u a lif ic a ç ã o e c u jo s re n d im e n to s anuais
e ra m p o r certo in ferio res aos dos artesãos.
VII - O D in h e iro d o s R a ja n o s

C o m m en o s d e 1 0 % dos in v ?n M n »« .
to ta l, o q u e c o n f i r m a t u d o o q u e foi d it o s o b r e c s M c i t c è ” ' e ' ln h í.m . ' /3 d a fo rtu n a
se n h o re s d e e n g c n b u , a d e s p e it o d e se u p o d e r e T ™ T
p r o v in h a a m a i o r p a r t e d o s p o l í t i c o . e le s f ig u r a m a p e n a s em q u a rto lu g a r c Z

* * - i- ** í z

C a b e o b s e r v a r q u e o q u a l i f i c a t i v o ‘ in d u s t r i a l ' é a m b í g u o , so b re tu d o c o n sid e ra n ­
d o -se a t n c t p i e n c i a d a s a t i v t d a d e s i n d u s t r i a i s n a B a h ia d a ép o c a. D e fato e ra m as
sim q u a l i f i c a d o s o s p r o p r i e t á r i o s d e p e q u e n a s e m p re s a s d e to d o tip o : n u m ú n ic o
caso e r a u m a f á b r i c a d c t e c i d o s , e m d o is t r a t a v a - s e d e m a n u f a t u r a s de c h aru to s e
c ig a rr o s ; o m a i s e r a m o l a r i a s , s a b o a r ia s e d e s t ila r ia s . A té o n d e p u d e av e rig u a r, todos
esses e m p r e s á r i o s , e x c e t o o s d a s o l a r i a s , e r a m t a m b é m c o m e r c ia n te s c u ja ativ id a d e
‘ i n d u s t r i a l ’ s u p l a n t a r a a c o m e r c i a l , s e m c o n t u d o s u p r im i- la .

TABELA 112

H ie r a r q u ia S ó c i o -E c o n ô m i c a , 1 8 0 1 - 1 8 8 9 ( em c o n t o s de réis )

C ategorias N % N I % £ X

N ego cian tes 1 08 9 ,7 9 .2 1 8 :7 2 5 3 3 ,3 85:35 9

In d u striais 13 1,2 8 8 8 :0 7 6 3 ,2 6 8 :3 1 4

P ro fissio n ais lib e ra is 19 1.7 1 .1 9 2 :6 3 6 4 ,3 62:77 0

Sen h o res de e n g e n h o 17 1,5 9 8 8 :0 8 5 3,6 5 8:12 3

R en tistas 310 2 7 ,8 9 .8 4 1 :8 2 2 3 5 ,5 3 1 :7 4 8

D onos de b arco s 1 2 6 :2 4 6 0 ,4 21:041


6 0 ,5

1 .4 7 9 :9 8 6 5,3 20:274
C o m e rc ian te s 73 6 ,5

1 .4 8 6 :7 1 2 5,4 19:060
P ro p rietário s agrfeo las 78 7 ,0

1.1 13:340
Padres 23 2,0 3 0 6 :8 4 3
0,6 12:882
F' U ncionáríos 14 1,2 1 8 0 :3 6 2

0,5 10:749
O ficiais su b altern o s 14 1,2 1 50 :4 8 7

0 ,7 10:315
O ficiais sup erio res 18 1,6 185 :6 6 4

1,0 9:2 49
A rresjos 32 2 ,9 2 9 5 :9 8 4
4.8 3 :5 30
Sem o cupação 378 3 3 ,9 1 .3 3 4 :4 7 5
0,1 3:157
M arítim o s 12 1,0 3 7 :8 8 8
100,0 24:856
T o ial 1. 113 100,0 2 7 .7 1 3 :9 8 9

N - ntlm cio tie in ven iirio »; % N « pctc.ctMüK«Ri s»b rr *• lulm ern de in venci rim. X *
% X - percentagem «ihrc a toma <Í€»* vaforrn invrtitariaclua; X * míMia dtíí vaforw *>i

O s p ro fissio n ais lib e r a is — c a te g o r ia c o m p o s ta s o b r e tu d o d e ad v o g ad o s


— e r a m , e m g e r a l, filh o s o u n e to s d e s e n h o re s d e e n g e n h o , e n eg o e
c o m e r c ia n te s r ic o s , d e m a g is tr a d o s e d e a lto s fu n c io n á r io s . M u ito s n ao es
618 B a h ia , S éculo XIX

arrisc a r, em a v e n t u r a s c o m e r c ia is o u b a n c á r ia s o u e m a l g u m o u tr o n e g ó c io da m oda
o d in h e ir o d e q u e d is p u n h a m , h e r d a d o d a f a m ília e a n g a r ia d o n o ex ercício de sua
p ro fissão . Eles n a o v iv ia m d e fato d e s u a a t iv id a d e p r o fis sio n a l: q u a s e todos exerciam
fu n ç ã o p ú b lic a , r e m u n e r a d a c o m s a lá r io o u e m o lu m e n t o s ; e ra m d e p u ta d o s , professo­
res (d a F a c u ld a d e d e M e d ic in a , d a E sco la N o r m a l e d o L ic e u P r o v in c ia l), m em b ro s ou
fiscais d o C o n s e lh o d e E d u c a ç ã o , fiscais d e s a ú d e . E sta lis ta n ã o é e x au stiv a. E ncontra­
m o s e n tre eles a té u m d ir e t o r d o P asseio P ú b lic o . Esse a c ú m u lo d e u m a v aried ad e de
o c u p a ç õ e s — q u e m e p a re c e ter c o m e ç a d o d u r a n t e o I m p é r io e m d e c o rrê n c ia do
e le v ad o p r e s tíg io a s s o c ia d o ao s a b e r — n ã o c h o c a v a n i n g u é m . D o to p o à base d a escala
d as fo r tu n a s, a s o c ie d a d e e s ta v a h a b it u a d a ao e x e r c íc io d e fu n ç õ e s e o fício s m últiplos,
p r á tic a q u e p e r m it i a a a lg u n s s o b r e v iv e r e a o u t r o s e n r i q u e c e r p a r a m a n t e r su a posição;
e q u e se t r a n s m it iu , c o m o u m a h e r a n ç a n e g a t iv a , p o r m u it a s g eraç õ es de baianos,
d is p e r s a n d o su as c a p a c id a d e s , im p e d i n d o - o s d e d a r s u a p l e n a m e d i d a n u m a só função,
n u m só o fíc io .
M a is d e 2 5 % d os in v e n t á r io s c o r r e s p o n d e m à c a t e g o r ia d o s q u e v iv ia m de rendas.
C a b e a s s in a la r d e s d e já , p o r é m , q u e , sa lv o n o c a so d a s a p ó lic e s d a d ív id a pública
(e m it id a s p elo g o v e r n o c e n t r a l o u p r o v in c i a l) , n ã o se tr a t a v a d e re n d a s constituídas
p e lo E stad o o u v i t a lí c i a s ( q u e a liá s p a r e c e m n a o te r s id o le g a lm e n t e p raticad as na
B a h ia ). D e fato , e r a m s o b r e t u d o r e n d i m e n t o s a n u a is v a r iá v e is , p r o v e n ie n te s fosse do
a lu g u e l d e im ó v e is e e sc rav o s o u d o s ju r o s so b re e m p r é s t im o s fe ito s a terceiros, fosse
de a ç õ e s, a p ó lic e s e d e p ó s ito s b a n c á r io s .
‘ B o a p a r te dos q u e v i v i a m d e r e n d a s e ra f o r m a d a p o r e x -n e g o c ia n te s e co m ercian­
tes. D e fato , n ã o é p o ssív el ir m u i t o a lé m d is to n a id e n t if ic a ç ã o dos c o m p o n e n te s desta
c a te g o r ia , à fa lta d e in f o r m a ç õ e s so b re su as id a d e s e p ro fissõ e s. E m 1 .1 1 5 inventários,
a p e n a s d o is a p o s e n ta d o s — u m m a jo r d o E x é rc ito e u m p ro fe sso r p r im á r io — tiveram
su a a t iv id a d e p r in c ip a l re fe rid a . É p o s s ív e l p o r t a n t o q u e h o u v e ss e nesse g ru p o pessoas
q u e , te n d o h e rd a d o f o r tu n a s , v iv ia m d e su as re n d a s . C o m o e ra d e esp e rar, as mulheres
e ra m m u ita s nessa c a t e g o r ia ( 4 4 , 5 % ) , e b o m n ú m e r o d e la s g e r ia bens de valor superior
a várias d e z e n a s d c c o n to s, c h e g a n d o à c e n t e n a .8
A lém d e m u lh e r e s e h o m e n s d e te n to re s d e fo rtu n a s c o n sid e rá v e is — a m aio ria dos
q u e v iv ia m d e re n d a s t in h a m fo r tu n a s d e m a is d e 1 0 :0 0 0 d e réis, d o n d e a média
e lev ad a d e 3 0 :0 0 0 d c réis — , f ig u r a v a m ta m b é m nessa c a te g o ria fortu n as m enores e
até a lg u m a s na faixa d os 1: 0 0 0 a 2 : 0 0 0 d e réis. É q u e o g r u p o a b ra n g ia os q u e viviam
ap en as do tr a b a lh o d c seus escravo s o u d a a g io ta g e m , isto é, h o m e n s e m ulheres que
faziam dessas d u a s a tiv id a d e s v e rd a d e ira s profissões. É in teressan te, aliás, mostrar
co m o essas p rática s e v o lu íra m no te m p o , a c o m p a n h a n d o os cortes cronológicos.
C o m o se vê, 138 m u l h e r e s ( 2 1 % ) c 172 h o m e n s (2 8 % ) d e c lara ra m e x p lic it a m e n te
viver do ju ro sobre e m p ré s tim o s o u do tr a b a lh o dc seus escravos, percentuais que
c o n firm am o q u e já foi d it o sobre a e s tru tu ra d o m ercad o d e Salvad or. Homens^
m ulh eres q u e a lu g a v a m escravos situ a v a m -se n u m a faixa d c fo rtu n a q u e em geral não
u ltrapassava os 1 0 :0 0 0 dc réis. M a s h a v ia m a is m u lh e re s q u e ho m en s entre os que
H omens
M ulh eres
A g io t a g e m A lu g u el
A g io t a g e m A lu g u el
1. 18 0 1-18 8 9 37
2. 18 0 1-18 5 0
1 8 5 1 -1 8 8 9

3. 1 8 0 1 -1 8 2 1
1 8 2 2 -1 8 4 5
1 8 4 6 -1 8 6 0
18 6 1-18 8 9

4. 1 8 5 3 -1 8 5 7
1 8 8 1 -1 8 8 5

v i v ia m d o t r a b a l h o d e s e u s e s c r a v o s . P r o v a v e lm e n t e s e u n ú m e r o real era a in d a m aior,


a j u l g a r p e la s m u i t a s d e c l a r a ç õ e s c o n t i d a s n a s c a r t a s d e alfo rria . N elas, os senhores
e v o c a v a m , p o r v e z e s c o m o r e c o n h e c i m e n t o , o s a n o s q u e o escravo g a n h a d o r ’ passara
a c o r r e r as r u a s d a c i d a d e e m b u s c a d e u m a p a g a p o r u m tra b a lh o m ais ou m enos
e s p e c ia liz a d o o u v e n d e n d o a l g u m a c o is a .
P o r o u t r o l a d o , a s m u l h e r e s p u n h a m m e n o r n ú m e r o de escravos para trabalhar
q u e o s h o m e n s : q u a s e n u n c a m a i s d e u m o u d o is, e m g e r a l d o sexo fem in in o , q ue
v e n d i a m d o c e s , q u i t u t e s v a r ia d o s , b e b id a s e b o r d a d o s d e p o rta e m po rta. A m ercadoria
e r a p r e p a r a d a p e la p r o p r i e t á r i a e m p e s s o a , q u e , te n d o u m a po sição social a m anter,
n ã o p o d ia se r e x p o r , v e n d e n d o - a n a s r u a s p a r a a s s e g u ra r seu su sten to . O s ho m ens, ao
c o n t r á r io , t e n d i a m a a l u g a r os se rv iç o s d e e sc rav o s do sexo m a sc u lin o , em geral q u a­
lific a d o s , e m n ú m e r o q u a s e n u n c a in f e r io r a d o is e ja m a is su p e rio r a quatro. U m
m e s m o s e n h o r p o d i a a l u g a r e sc ra v o s c o m d ife re n te s ofícios, de barb eiro a pintor, mas
to d o s a p t o s a t r a b a l h a r a té c o m o c a r r e g a d o r , se as c irc u n stâ n c ia s o exigissem . Por
o u tr o la d o , os d a d o s d a t a b e la 1 1 3 in d ic a m q u e os escravos serviam com o m eio de
s u b s is tê n c ia ’ s o b r e t u d o n a p r i m e i r a m e t a d e do sécu lo , q u a n d o essa m ão-de-o bra ainda
e r a a b u n d a n t e , se u p r e ç o b a ix o e o m e r c a d o n ã o c o m e ç a ra a se m ostrar reticente em
re lação ao t r a b a lh o e sc rav o . A p a r t ir d e m e a d o s do século essa fonte de ren a parece
ir s e c a n d o , p a r a p r o v a v e lm e n t e sc e s g o ta r p o r c o m p le to apõs 1870.
E m p r é s t im o s , t a m b é m e n c o n tr a d o s c o m o fontes e x c lu siv a s de ren a, garan ^ ^
s u b s is tê n c ia d e 1 0 % d as m u lh e re s e de 2 1 % dos h o m e n s q u e viviam e
t n re ceb im en to ucsscs
ú lt im o s se m o s t r a v a m , p o is, m a is d isp o sto s a c o rrer riscos, p ^ fácil a
c ré d ito s — p o r vezes s o m a s rid íc u la s , d e u m ou d o is m il réis nao
t r J . a . J _ _______ oonto
d e sp e ito d a h o n e s tid a d e do b a ia n o , q u e co n sid erava ponro de honra
- o -pagam ento jdee
- . pesar
sen d o esfolado vivo Por um agiora. Apesar de de
d ív id a s , m e s m o q u a n d o s a b ia q u e estava
sideradas usurárias, creio que d a s não
não ter in fo rm a ç õ e s re g u la re s sobre as taxas con
u ltra p a ssa v a m 2 0 % a o an o .
620 B ah ia , S écu lo X IX

C o n t r a í a m - s e e m p r é s t im o s m u it a s vezes p a r a e n f r e n t a r u m a n e c e s s id a d e p r e m e n ­
te, s e m p r e d e b o a fé, a c r e d it a n d o - s e q u e p o d e r ia m s e r c o b e r to s p e lo s b e n s d isp o n íveis,
o u s u p o n d o q u e se p o d e r ia p a g a r q u a n d o as c o n d iç õ e s m e lh o r a s s e m . M a s q u a n d o os
b e n s e r a m m e d ío c r e s (a b a ix o d e 1 :0 0 0 d e ré is ), isso r e s u lt a v a e m h e r a n ç a n e g a tiv a (nos
p e r ío d o s a n a lis a d o s , e n c o n t r e i d e z e n o v e c aso s d e s s e s ). P o r f im , c a b e o b se rv a r q u e , a
p a r t i r d e 1 8 5 0 , a u m e n t o u o n ú m e r o d e h o m e n s q u e v iv ia m d o s ju r o s d e e m p ré stim o s,
ao p a sso q u e o d e m u lh e r e s b a ix o u . E ssa d if e r e n ç a d e c o m p o r t a m e n t o tr a d u z prova­
v e lm e n t e o fato d e q u e , d e m e a d o s d o s é c u lo e m d i a n t e , os risc o s a u m e n t a r a m , sen­
tin d o - s e os h o m e n s m a is a p t o s a e n f r e n t á - l o s , m a s n a o h á d a d o s q u e p e r m it a m afirm á-
lo c a t e g o r ic a m e n t e .
A d e sp e ito d o a m p lo le q u e d as f o r tu n a s d e s s a c a t e g o r ia (d e c e n te n a s d e m ilh ares de
réis a várias d e z en as d e c o n to s d e réis) e d a s d if e r e n ç a s n a o r ig e m d os recursos em jogo,
su a p a r tic ip a ç ã o n a f o r t u n a g lo b a l b r u t a e r a d e 3 5 , 5 % , o q u e lh e c o n fe ria in discutível
p r im e ir o lu g a r e n tr e as d e m a is . N e g o c ia n t e s e p e sso as q u e v iv ia m d e re n d a s respondiam
p o is, e m c o n ju n t o , p o r 6 8 , 8 % d a f o r t u n a g lo b a l d o s in v e n t á r io s p e sq u isa d o s,
O fato d e m u i t o s n e g o c i a n t e s a p o s e n t a d o s , c o m g r a n d e s f o r t u n a s (m a is de 5 0 :0 0 0
d e ré is ), o u s u a s v iu v a s , se i n c l u í r e m e n t r e os q u e v i v i a m d e r e n d a s e x p lic a o peso da
f o r tu n a d e ssa c a te g o r ia :

TABELA t 14

N e g o c ia n t e s e Ex -N e g o c ia n t e s, 1 8 0 1-18 8 9

N %N I . X

Negociantes 108 9,72 9.218:725 85:359

Ex-negociantes 49 15,8a 6.250:721 127:565 63.5

( 1) Percentagem sobre o som atório das fortunas dos rentístas; (2) percentagem sobre o total dos inventários; (3) percentagem
sobre os inventários dos rentistas.

A s s im , 6 3 , 5 % d a f o r t u n a d o s q u e v iv ia m d e r e n d a s c o r r e s p o n d ia m às fortunas de
n e g o c ia n te s a p o s e n ta d o s o u d e su as v iú v a s , c o m b o m e q u i líb r io e n tr e os sexos: regis­
trei 2 5 h o m e n s (c o m 3 . 2 3 9 : 1 1 3 d e réis) p a r a 2 4 m u lh e r e s (c o m 3 - 0 1 1 :6 0 8 de réis).
Em c o n tr a p a r tid a , o q u e os d o is sexos d e ix a v a m a se u s h e rd e ir o s era sensivelm ente
d ife re n te , se s u b tr a ím o s d o to t a l as d ív id a s e m p assiv o q u e in c id ia m sobre as heranças,
e m 2 4 in v e n tá r io s re fe re n te s a m u lh e r e s , seis c o n t i n h a m d ív id a s c u ja m é d ia se situava
e m to rn o d o s 1 0 % d o s h a v eres. R e g is tr e i u m a ú n ic a e x ce çã o : em 1 8 8 4 faleceu
H e r m e lin d a d a C o s ta F crraro , d e ix a n d o u m a h e ra n ç a d e 1 5 9 :1 5 7 d e réis e dívidas
alíás, h e rd a d a s d o m a r id o , L u iz F erraro , fa le c id o e m 1881 — no v a lo r d e 7 5 :9 1 0 de
réis, o q u e s ig n ific a q u c q u a se 4 8 % d a h e ra n ç a se d e s tin a v a m ao p a g a m e n to de d/vi
d a s .10 J á M a r ia L op es A r ia n i, o u tr a rica h e r d e ir a , fa le c id a ta m b é m em 1 8 8 4 , deixou
u m a fo rtu n a d e 2 1 9 : 9 3 6 d e réis c d ív id a s d e 5 :1 1 8 de réis. M a s seu m arid o , Ju sto
A rian i, m o rto c m 1 8 8 3 , lhe d e ix a r a 3 3 7 :2 8 1 d e réis líq u id o s , após o p agam e n to de
5 3 :6 9 7 d e réis d e d ív id a s .11
L iv r o VII - O D in h e ir o dos B a ia n o s

E m p a ssiv o o u c m a t iv o , a p a r e c ia m d ív id a s e m q u a se todo s os in v en tário s d e


m e r-
cad o res e c o m e r c i a n t e s . V o l t a r e m o s a is ,o . D ív id a s a p a g a r e ra m a in d a m a is f r e o ü ..........
u en tes
nos in v e n t á r io s d o s n e g o c i a n t e s , a p a r e c e n d o e m c e r c a de 2 3 % deles. C o e lh o iM esseder
fa le c id o c m 1 8 6 9 . d e n to u b e n s n o v a lo r d c 7 7 : 1 8 6 d c reis e d ív id a s d c 49 3 6 4 d c réis
( 6 3 . 9 % d o s h a v e r e s ) . C o u b e a s s im , à f a m íl ia , u m s a ld o d e 2 7 : 8 2 2 d e réis o q u e fazia
d essa v i ú v a d c u m n e g o c i a n t e p o r t u g u ê s , s e n ã o u m a p o b r e to n a , a lg u é m q u e d evia
re s ig n a r-s e a p a d r õ e s d e v i d a b e m m a i s m o d e s t o s q u e os a té e n tã o d e sfru ra d o s, c o m o
ela m e s m a a d m i t i u , c o m t r i s t e z a . 12 O s a lt o s p e r c e n t u a is d e d ív id a s ig n ific a m , aliás,
q u e esses h o m e n s n ã o se t i n h a m d e s li g a d o p o r c o m p le t o d o s n e g ó c io s. ' '
O s p r o p r i e t á r i o s d e e m b a r c a ç õ e s e r a m e x a t a m e n t e o q u e se u n o m e in d ic a : pos­
s u ía m b a r c o s d e p o r t e m é d i o — la n c h a s , s u m a c a s e sa v eiro s q u e s in g r a v a m , tra n sp o r­
ta n d o m e r c a d o r i a s , as á g u a s d o R e c ô n c a v o , o u m e s m o á g u a s m a is d is ta n te s. A surpresa
n este c a so é s e u p e q u e n o n ú m e r o , u m a v e z q u e a c id a d e v iv ia d e se u p o rto . A u x iliare s
d o c o m é r c io , esses d o n o s d e b a r c o s f o r m a v a m e n t r e t a n t o u m a c a te g o ria à parte, a dos
t r a n s p o r t a d o r e s , q u e o C ó d i g o C o m e r c i a l d i s t i n g u i a d as d e m a is classes c o m e r c ia is .13
O n ú m e r o d o s c o m e r c i a n t e s p a r e c e p e q u e n o e m re la ç ã o ao d os n e g o cian te s po r­
q u e só p u d e i n c l u i r n e s t a c a t e g o r i a in v e n t á r io s a c o m p a n h a d o s d e testa m e n to s, ou
d e q u e c o n s t a v a m in f o r m a ç õ e s p r e c is a s — p o r e x e m p lo , so b re a e x istê n c ia d e u m
e s to q u e d e m e r c a d o r i a s — q u e p e r m it i s s e m c la s s ific á -lo s c o m o referentes a c o m er­
c ia n te s . S u s p e i t o , a l iá s , q u e a c a t e g o r ia d o s ‘se m o c u p a ç ã o ’ in c lu ía m u ito s peq uen o s
c o m e r c ia n t e s n ã o i d e n t i f ic a d o s . O s q u e p u d e r e g is tr a r e r a m d e tod o s os calibres, de
lo jis ta s b e m in s t a l a d o s e m e s t a b e l e c im e n t o s s o r tid o s a t a b e m e ir o s e até a m b u la n te s,
C o m 6 , 5 % d o s i n v e n t á r io s e 5>3% d a f o r t u n a g lo b a l, esse m u n d in h o de lojistas e
a m b u la n t e s fa z ia b o a f ig u r a : s u a f o r t u n a m é d i a s u p e r a v a a dos p ro p rie tário s ag ríco ­
las, q u e c u l t iv a v a m c a n a - d e - a ç ú c a r , f u m o o u g ê n e ro s d e su b sistê n c ia .
A s q u a t r o c a t e g o r ia s s e g u in t e s (p a d r e s , f u n c io n á r io s , o ficiais su b altern o s e supe­
riores) e ra m in t e g r a d a s p o r a s s a la r ia d o s d o E s ta d o . É preciso le m b ra r, p o rém , q u e um
f u n c io n á r io p o d ia h e r d a r , o u faz e r f o r t u n a p o r o u tro s m eio s. As m éd ias das fortunas
dessas c a te g o r ia s e r a m a p a r e n t e m e n t e m u i t o p r ó x im a s . E n tre a fo rtu n a m éd ia de um
fu n c io n á rio e a de u m p a d r e a d if e r e n ç a era de a p e n a s 3,5%> em b o ra alg u m as di eren
Ças alc a n ç a ss e m p e r c e n tu a is n ã o in s ig n if ic a n te s , s o b re tu d o no tocan te aos m i irares
( 2 4 ,1 % p a ra os o fic ia is s u b a lte r n o s e 2 9 , 3 % p a r a os d e alta p a ten te). ^
Esses n ú m e r o s n ã o re fle te m a r e a lid a d e . T o m a r e i em p rim eiro lu gar o J
c o n h e c id o dos p a d re s. E lim in a n d o as seis fo rtu n a s d e p ad re s q u e superavam os
dc réis — to d as d c m e m b r o s d c fa m ília s im p o rta n te s — , c ta m b é m as quatro in enores
a 2 :0 0 0 dc réis, ta m b é m e x c e p c io n a is p o r su a e x íg ü id a d e , o b tem o s, para o c ertn u
m é d ia de 8 :1 0 2 de réis, m u ito in lc r io r á das c atego rias dos funcion ários e os o
D evo e x p lic a r, p o ré m , d c q u e fu n c io n á rio s estou falando. Entre os inve ^
referentes a essa c a te g o ria q u c e x a m in e i, ap en as dois eram de altos funcion nos,
d em ais e ra m dc e s e m u r á r io s , professores p rim ário s, g u a rd as alfandegários g ^
q u a lific a d a s im p le s m e n te c o m o ‘ fu n c io n á rio p ú b lic o , o u fu n cio n ário a a 6a
622 B a h ia , Sécu lo XIX

se m m a io r e s e s p e c if ic a ç õ e s . A liá s , a c a t e g o r i a ‘ f u n c i o n á r i o ’ só a p a r e c e n e ssa d o c u m e n ­
t a ç ã o a p a r t i r d e 1 8 2 1 , e n ã o c o m m u i t a f r e q ü ê n c ia .
N e s s a c a t e g o r i a e n c o n t r e i trê s f o r t u n a s d e m a is 3 0 : 0 0 0 d e réis: a d e B e r n a r d o
R o d r i g u e s F e r r e ir a , e x - m o n g e e e x - p r i o r d o C o n v e n t o d o C a r m o , q u e foi a u x ilia r d e
c a r t ó r io e c a p i t ã o d a s m i l í c i a s , m o r t o e m 1 8 3 1 ; a do d esem b argad o r e dep u tad o
p r o v in c ia l e m v á r ia s le g i s l a t u r a s J o ã o L a d i s l a u J a p i a s s u F i g u e i r e d o e M e l l o , f a l e c i d o
e m 1 8 8 3 ; e a d o f u n c i o n á r i o a l f a n d e g á r i o — a q u e t í t u l o ? — L u iz M a r t i n s Alves,
m o rto em 1 8 8 6 .^
T o d a s as d e m a i s f o r t u n a s v a r i a v a m e n t r e 4 0 0 . 0 0 0 ré is e 1 9 : 2 8 9 d e réis. A s mais
m in g u a d a s e r a m as d o s p r o f e s s o r e s ; u m d e le s , p a i d e f a m í l i a n u m e r o s a , d e ix o u dívidas.
A liá s , p a i d e f a m í l i a n u m e r o s a e r a t a m b é m o f is c a l a l f a n d e g á r i o e c a p i t ã o d a G u a rd a
N a c io n a l, J o s é E g íd i o N a b u c o , c o m s e u s d o z e f i l h o s e d u a s f ilh a s , a m a is n o v a c o m dez
m e se s e a m a is v e l h a c o m d e z e n o v e a n o s ! A v i ú v a e a s e u s c a t o r z e f ilh o s — q u a tr o dos
q u a is fru to s d e u m p r i m e i r o c a s a m e n t o — J o s é E g í d i o d e i x o u b e n s n o v a lo r de 1 9 :2 9 0
d e réis: u m b o m s o b r a d o , a v a l i a d o e m 1 2 : 0 0 0 d e ré is , u m r ic o m o b i liá r io , d e que
c o n s t a v a u m p i a n o P le y e l a v a l i a d o e m 4 2 0 . 0 0 0 r é is , f a q u e ir o s e b a ix e la s d e p ra ta no
v a lo r d e 3 : 6 0 5 d e ré is , s e m c o n t a r 1 : 3 8 5 d e ré is e m d i n h e i r o e trê s e sc rav o s h o m en s
a v a lia d o s e m 2 : 3 0 0 d e ré is . M a s as d í v i d a s s o m a v a m 4 : 8 0 8 d e ré is . C a s a d o e m regim e
d e c o m u n h ã o d e b e n s , d e i x o u à m u l h e r b e n s n o v a l o r d e 7 : 0 5 3 d e réis, a m e ta d e do
t o t a l l í q u i d o . O q u e r e s t o u p a r a c a d a f il h o n ã o p a s s o u , p o r t a n t o , d e 5 0 0 . 0 0 0 réis.15
N ã o sei c o m o e ssa f a m í l i a v i v e u a p ó s a m o r t e d e s e u c h e fe . T e r á s id o a j u d a d a pelas
f a m ília s J u n q u e i r a , C a v a l c a n t i e N a b u c o , q u e t i n h a m b o a p o s iç ã o n a c id a d e ?
E x p u r g a n d o as f o r t u n a s e x c e p c i o n a l m e n t e a lta s o u b a ix a s d a c a t e g o r ia dos fu n c io ­
n á rio s p ú b l ic o s , c o m o fo i fe ito n o c a s o d o s c lé r ig o s , c h e g a - s e a u m a m é d i a d e 8 :1 2 9 de
ré is , q u a s e i d ê n t i c a à q u e o b t iv e m o s n a q u e l e c a s o .
R e s t a a ú l t i m a c a t e g o r i a d e sse c o n j u n t o d e f u n c i o n á r i o s : a d o s o f ic ia is . N a d a mais
d if íc il d o q u e d i s t i n g u i r os tít u lo s m ili t a r e s c o n f e r id o s p e la G u a r d a N a c io n a l, o Exército
e a M a r i n h a , ra z ã o p e la q u a l só c o n s i d e r e i a q u e l e s h o m e n s c u j a v i n c u l a ç ã o c o m as for­
ças a r m a d a s n ã o d a v a m a r g e m a d ú v id a . P o d e s u r p r e e n d e r q u e os o fic ia is su b altern o s
te n h a m s id o c la s sific a d o s a c i m a d o s s u p e r io r e s , q u a n d o as m é d ia s d e su as fo rtu n as eram
p r a t ic a m e n t e ig u a is : 1 0 : 7 1 9 d e ré is p a r a o s s u b a lt e r n o s e 1 0 :3 1 5 p a t a os d e alra pa­
te n te . M a s a e x p lic a ç ã o é s im p le s : a n a li s a n d o os in v e n tá r io s re fe re n te s às d u a s categorias
de o fic ia is s e g u n d o os c o rte s c r o n o ló g ic o s e s ta b e le c id o s c o m b a se n a c o n ju iir u r a obser-
va-sc q u e , em p r im e ir o lu g a r , s e g u n d o o p e r ío d o c o n s id e r a d o eles se c o lo c a m d iferen ­
te m e n te n a e sc a la h ie r á r q u ic a b a s e a d a n a f o r tu n a m é d i a d e c a d a u m a ; e m segundo
lu g a r, nos d iversos p e río d o s os o ficiais s u b a lte rn o s e ra m re c ru ta d o s e m m eio s diferentes.
N o s d o is p r im e ir o s p e río d o s (1 8 0 1 —1821 e 1 8 2 2 —1 8 4 5 ) , os o ficiais d e a lta patente
situ a v a m -s e n ã o só a b a ix o d os s u b a lte r n o s , c o m o ta m b é m n a base dessa escala eco­
n ô m ica. E ram todos po rtu gu eses, com a exceção d o m a jo r M a n o e l G om es d e Figueiredo.
N a s c id o e m S a lv a d o r , m a s ta m b é m filh o d e p o rtu g u ê s , e le m o rr e u e m 1 8 2 8 , deixan d o
u m a fo rtu n a a v a lia d a e m 5 :6 2 0 de réis, dos q u l i s 3 : 1 3 7 e sta v a m c o m p ro m e tid o s por
L i v r o V II _ o D in h e ir o d o s B a ia n o s
623

d ív id a s . A s s im , n o in íc io d o s é c u lo , o s a lto s p o sto s m ilita r e s e ra m o c u p a d o s p o r


p o rtu g u e s e s t ju e t m h a m v .n d o s e r v ir n o s e x é r c ito s re a is e a q u i fic a r a m d e p o is d a
I n d e p e n d ê n c ia . S u a f o r t u n a e ra m e d ío c r e , c o m o d e m o n s tr a r e i c o m p a r a n d o d o is
caso s
d e o fic ia is d e a lt a p a t e n t e c o m d o is d e o f ic ia is s u b a lte r n o s n a s c id o s n o B rasil
O te n e n t e - c o r o n e l F r a n c is c o J o s é d a S ilv a , n a s c id o e m L is b o a , v e io p a ra a B a h ..
ia
com a m u lh e r p a r a s e r v ir n o E x é r c ito re a l e m d a t a q u e ig n o r o . M o r r e u e m S alv ad o r"
em 1 8 1 5 , d e ix a n d o u m t e s t a m e n t o e s c r ito d ia s a n te s . A f ó r m u la In Nomine Domine
não é a c o m p a n h a d a d e in v o c a ç õ e s e s p e c ia is a o s s a n to s d a c o rte c e le s te o u a M a r i a __
c o m u n s n o s t e s t a m e n t o s d a é p o c a — , e m b o r a n ã o se p o ssa a c u s a r o o f ic ia l d e fa lta de
p ie d a d e : r e c o m e n d o u q u e m a n d a s s e m r e z a r 2 5 m is s a s p e lo re p o u s o d e s u a a lm a , d ez
p ela a lm a d e s e u s p a is e p e la d a q u e le q u e o e d u c a r a , m a is d e z p o r s u a fin a d a esposa.
S eu c o rp o d e v e r ia se r c o n d u z id o p o r q u a t r o p o b re s a té a s e p u ltu r a , n a ig r e ja d e N o ssa
S e n h o ra d e P a lm a . M a s a h e r a n ç a q u e o te n e n te - c o r o n e l F ra n c isc o Jo s é d e ix o u aos
q u a tro a f ilh a d o s , v is to q u e n ã o t i n h a f ilh o s , r e s u m ia - s e a b e m p o u c a c o isa : u m a casa
té rre a s itu a d a a tr á s d a ig r e ja d e S a n t o A n t ô n io d a M o u r a r ia , n a p a r ó q u ia d e S a n d A n n a ,
v a le n d o 3 0 0 .0 0 0 r é is , u m e s c ra v o h o m e m a v a lia d o e m 1 5 0 .0 0 0 ré is, 2 7 .0 0 0 em m ó ­
veis, 2 2 .0 0 0 e m jó ia s , 2 4 .0 0 0 e m o b je ro s d e p r a t a e 2 .0 0 0 e m ro u p a s, n u m to ta l de
5 2 5 .0 0 0 ré is , d o s q u a is d e v e r ia m se r d e d u z id o s 1 9 8 .0 0 0 ré is re fe re n te s a d ív id a s . E ra,
sem d ú v id a , u m a f o r t u n a b e m m o d e s ta p a r a u m o f ic ia l d e a lt a p a t e n t e .17 T e r ia e le u m a
pensão? F a r ia s e u e s c ra v o t r a b a lh a r fo r a d e c asa? N ã o sa b e m o s .
J á o c a p itã o M a n o e l C a r lo s G o m e s , f a le c id o em 1 8 0 3 , d e ix o u à s u a m u lh e r,
L eo n o r M a g d a le n a d o s R e is , e ao s c in c o f ilh o s , 1 3 :8 3 0 d e ré is , u m a p e q u e n a , m as
não d e s p re z ív e l, f o r t u n a n a q u e le in íc io d e s é c u lo . N a s c id o n a B a h ia , casad o co m u m a
b a ia n a , e ra p r o p r ie tá r io d e u m a fa z e n d a n o v a le d o J a g u a r ib e o n d e , co m a a ju d a de
2 4 escrav o s, a v a lia d o s e m 2 :8 7 5 d e ré is , c r ia v a b o v in o s e, s o b re tu d o , c u id a v a de u m a
p la n ta ç ã o d e trê s m il c o q u e ir o s , a v a lia d a e m 6 :1 1 8 d e réis. U m a vez n a reserva,
p assara a m o ra r n a fa z e n d a , o n d e d e ix o u , c o m o su c e sso r, o te n e n te Jo a q u im C arlo s
G o m es, se u ú n ic o filh o v a rã o . T r ê s d e su a s q u a tr o filh a s e stav am casad as. S u as terras
tin h am sid o a v a lia d a s e m 2 :5 0 0 d e ré is , a c a sa em q u e m o ra v a em 6 0 0 .0 0 0 réis, u m a
can o a e u m a la n c h a em 2 2 .0 0 0 e 7 0 0 .0 0 0 ré is, re sp e c tiv a m e n te , e seu g ad o em 3 2 9 .0 0 0
réis. A fa z e n d a tin h a a in d a se te se n z a la s a v a lia d a s e m 1 2 .0 0 0 réis e u m a casa e
farin h a a v a lia d a e m 3 2 .0 0 0 ré is. O m o b iliá r io , se m se r ric o , era c o n fo rtáv e l, cam as,
c ad e ira s, m esas e b a n c o s d e ja c a r a n d á , d o is b a ú s p a ra g u a r d a r ro u p as e o in d isp
vel o ra tó rio , c o m as im a g e n s d o s sa n to s p a d ro e iro s d a fa m ília . Esse m o b iliá r ^
C om pletado p o r u te n s ílio s d e c o b re p a ra c o z in h a , fa q u e iro e b a ix e la de prat
lo uças, a v a lia d o s e m c o n ju n to em 2 0 3 .0 0 0 réis. E n tre esses bens, são d ign o s ^
a
2 3 6 .0 0 0 réis em jó ia s e ro u p as c 2 9 3 .0 0 0 ré is d e d ív id a s cm ativ o , o q u e p r o v a a
o
ab astan ça em q u e v iv ia esse c a p itã o d a reserv a tran sfo rm ad o em fazen *
seria an tes d e e n tra r p a ra o E x é rc ito ?18 * , .
Esies d o is caso s são típ ic o s d a d ife re n ç a e x iste n te e n tre o o íc i p o rtu g ,
Patente, q u e p e rm a n e c ia p o b re , e o o fic ia l b a ian o su b a lte rn o , q u e, graças às su
624 B a h ia , S é c u l o XIX

lo c a is , se m p re d e tin h a b e n s se m re la ç ã o c o m os p o sto s q u e o c u p a v a n as forças arm a ­


d a s. É p re c is o d iz e r, a d e m a is , q u e u m a p a te n te m ilit a r , p o r m o d e s ta q u e fosse, co n feria
p r e s tíg io s o c ia l s u p le m e n ta r , a ju d a n d o a p ro m o ç ã o d a f a m ília e p e r m itin d o à segu n d a
g e ra ç ã o in g re sso fá c il n o se rv iç o re a l.
E m 2 6 d e a g o sto d e 1 8 4 0 , m o r r e u o te n e n te -c o r o n e l F ra n c isc o S im õ e s O novo
n a sc id o e c ria d o e m P o rtu g a l. S e u te s ta m e n to re v e la q u e se c a so u d u a s vezes, am b as no
p a ís n a ta l, e d a s s e g u n d a s n ú p c ia s te v e d u a s f ilh a s . A p r im e ir a , q u e fa le c e ra an tes do
p a i, d e ix a r a - lh e u m n e to e h e r d e ir o , B r á u lio ; a s e g u n d a , s o lte ir a , v iv ia co m os pais
M o ra v a m n u m so b ra d o a v a lia d o e m 1 :6 0 0 d e ré is , c o m m ó v e is n o v a lo r d e 4 9 .6 6 0
ré is. T in h a m 1 6 1 .0 0 0 ré is em jó ia s e 1 :1 0 0 d e ré is e m e sc ra v o s. E stes e ra m ad u lto s,
d o is h o m e n s e d u a s m u lh e r e s ; u m d e le s fo i a lf o r r ia d o p o r c lá u s u la te s ta m e n tá ria , mas
p o r 2 0 0 .0 0 0 ré is. N o to t a l, os b e n s s o m a v a m 2 :9 1 0 d e ré is . O te n e n te -c o r o n e l m orreu
se m d e ix a r d ív id a s , m a s a v iú v a e a f ilh a f ic a r a m se m r e n d a a lg u m a , ex ceto a pensão,
c u jo m o n ta n te se ig n o r a , p o is n ã o fo i m e n c io n a d o , c o n fo r m e o c o stu m e d a é p o c a.19
O alferes A n tô n io G ü G a r c ia P a c h e c o n a s c e u n a B a h ia , f ilh o d e A n tô n io G il
G a rc ia B a rre to e Isa b e l F lo r in d a d e S á Q u e ir o z A z e v e d o , ta m b é m b a ia n o s. C asan d o -
se co m R o sa B r a s id a M e n d e s B a rre to P a c h e c o , to m o u o s o b re n o m e d a m u lh e r. Isto
lh e p e r m itia d is tin g u ir - s e d o p a i, c u jo n o m e d e b a tis m o h e r d a r a ; é p ro v á v e l q u e, por
u m a q u e stã o d e p r e s tíg io , t e n h a e s c o lh id o o s o b re n o m e d a e sp o sa e m v ez d e u m dos
d a p r ó p r ia m ã e . A o m o rre r, d e ix o u à m u lh e r e ao s filh o s — d u a s m e n in a s e um
m e n in o , m a is u m A n tô n io G il G a rc ia ! — u m a f o r tu n a im o b iliá r ia c o n sid e rá v e l: três
so b rad o s — u m d e le s , a r e s id ê n c ia d a f a m ília , c o m três p a v ím e n to s — av aliad o s em
1 6 :2 0 0 d e ré is ; q u a tro c asa s té rre a s n o v a lo r d e 4 :0 0 0 d e ré is , u m s ítio n as cercan ias da
c id a d e , p la n ta d o c o m á rv o re s fr u tíf e r a s , v a le n d o 1 :8 5 6 d e ré is . N o c o n ju n to , um
p a trim ô n io im o b iliá r io d e 2 2 :0 5 6 d e ré is . A n tô n io G il t in h a a in d a 2 :9 9 0 d e réis em
escravo s e 1 8 2 :7 6 5 d e ré is e m e s p é c ie , 2 6 5 .6 4 0 ré is e m m ó v e is e 7 9 .3 8 8 réis em jóias.
U m a c o n fo rtáv e l h e r a n ç a d e 2 5 :5 7 4 d e ré is, ta n to m a is q u e os im ó v e is u rb an o s e o
s ítio d av am re n d im e n to s , a q u e se s o m a v a o so ld o a q u e o a lfe re s tin h a d ire ito , n a sua
c o n d iç ã o d e m ilita r re fo r m a d o .20
É d esn ecessário c o te ja r os p a rc o s b e n s d o t e n e n te - c o r o n e l p o rtu g u ê s com os do
alferes b a ia n o ; im p o r t a a q u i re ssa lta r q u e n ã o se tr a ta d e casos ex cep cio n ais: tanto
e n tre 1801 e 1821 c o m o e n tr e 1 8 2 2 e 1 8 4 5 , os o fic ia is s u b a lte rn o s d e origem baiana
t in h a m fo rtu n a m é d ia m a io r q u e a dos o ficiais d e a lta p a te n te , a in d a q u e os últimos
p u d essem gozar d e m a io r p restíg io . A q u e stã o é sab er q u e c rité rio s a so cied ad e privile­
g iava ao p o sic io n a r as c a te g o ria s s ó c io -e c o n ô m ic a s n a h ie r a r q u ia social.
A p a rtir d e 1 8 4 5 o p a n o r a m a m u d o u . C o m a I n d e p e n d ê n c ia e a partida do
Exército p o rtu g u ê s, o ficiais nascid o s no B rasil fo ram p ro m o v id o s aos postos majs
elevados do c o m a n d o m ilita r . N a B a h ia , o n d e h o u v e iu ta a r m a d a c o n tra o coloniza
d o r, m u ito s filhos de senho res dc e n g e n h o q u e h a v ia m feito serviço m ilita r no E x é r c i r o
real com o cadetes passaram ra p id a m e n te p a ra o lad o brasileiro e logo se tornaram
oficiais g rad u ad o s d o E xército n a cio n a l. E ram das fam ílias Balchazar d a Silveira, Sodre
u ™ V II - oD in h e ir o d o s B a ia n o s

P e re ira , F a lc ã o B r a n d ã o , V ila s B o a s , P ir e s d e C a r v a lh o e ^ b u q u e r q u e , C a ld e ir a B r a n ,
e A rg o lo F e r r a o . A m d a q u e n e m to d a s fo sse m m u it o ric a s , se u s filh o s se m p re p o ssu ía m
a lg u n s b e n s , p o r h e r a n ç a o u g r a ç a s ao c a s a m e n to .

C a s o t íp ic o é o d o B a r ã o d e C a j a íb a , A le x a n d r e G o m e s d e A rg o lo F errão , filh o d e
jo s e J o a q u im d e T e iv e e A r g o lo e d e M a r ia J o a q u in a G o m e s F errão C a s te lo B ran co
am b o s d e s c e n d e n te s d e f a m ília s im p o r t a n t e s d o R e c ô n c a v o . N a s c id o em 1 8 0 0 no
e n g e n h o p a te r n o d e M a t a r ip e , c o m s e te a n o s A r g o lo F e rrã o já era c a d e te do E xército
real. T e n e n t e e m 1 8 2 0 , fo i p r o m o v id o a m a jo r e m 1 8 2 4 e a te n e n te -c o r o n e l em 1 8 2 6
E m 1 8 5 2 r e f o r m o u - s e , c o m a p a t e n t e d e m a r e c h a l. E m 1 8 5 9 , a s sim o d e sc re v ia a
C o n d e s s a d e B a r r a i: “ F a m ília A r g o lo . B a rã o d e C a ja íb a , d is tin t o c a v a lh e iro , n in g u é m
tem m e lh o r e s m a n e ir a s , b o m m ili t a r , p r e s to u r e le v a n te s se rv iç o s d u r a n te a S a b in a d a ,
m as h o m e m m a u , a q u e m se a t r ib u i te r a s s a s s in a d o a s u a m u lh e r e m u ita s o u tras
p e sso as. N ã o q u e r o g r a ç a s c o m e le . T e m u m b e lo e n g e n h o d e fro n te d a v ila de S. F ra n ­
c is c o .”21 O n d e a C o n d e s s a o u v ir a e sse s m e x e r ic o s q u e fa z ia m d e C a ja íb a o assassin o de
su a e sp o sa? A v e r d a d e é q u e , a o m o r r e r , e le d e ix o u u m filh o le g itim a d o , q u e tin h a
n o m e ig u a l ao s e u , e q u e , g r a ç a s a s e u s fe ito s m ilit a r e s , re c e b e u o títu lo d e V isc o n d e dc
I ta p a ric a , E ste p e r m a n e c e u s o lte ir o e m o r r e u n o m e s m o a n o q u e o p a i, em 1 8 7 0 .22
E ste c aso te m u m a p e c u lia r id a d e : o B a rã o d e C a ja íb a fo i o u n ic o se n h o r de
e n g e n h o q u e c o n t in u o u n a c a r r e ir a m ilit a r a p ó s a I n d e p e n d ê n c ia e fez d e seu filh o
ta m b é m u m m ilit a r . D e fa to , o p o u c o p r e s tíg io d e q u e g o z av a a co rp o ração m ilita r
e n tre a d é c a d a d e 1 8 3 0 e a G u e r r a d o P a r a g u a i fa z ia c o m q u e as e lite s d a B ah ia
p refe risse m o r ie n t a r os filh o s p a r a o e s tu d o d e d ir e ito o u d e m e d ic in a . O s c an d id ato s
às a c a d e m ia s m ilit a r e s p a s s a r a m a s e r r e c r u ta d o s n as classe s m é d ia s a lta s, nas c ate g o ­
rias d o s lo jis ta s e n o s f u n c io n á r io s d e e s c a lã o m é d ío . O s o fic ia is su b a lte rn o s — g e r a l­
m e n te fo r m a d o s n a tr o p a , se m p a s s a g e m p e la s a c a d e m ia s m ilita r e s — v in h a m das
classes m é d ia s , N ã o se e n c o n t r a e n tr e e le s n e n h u m d o s so b re n o m e s p restig io so s das
fa m ília s im p o r ta n te s . S e e s ta a n á lis e é c o r r e ta , h o u v e u m a re v ira v o lta q u e e x p lica p o r
q u e , ap ó s 1 8 4 5 , a c a te g o r ia d o s o fic ia is s u p e rio re s se so b re p ô s e c o n o m ic am e n te à dos
o fic iais s u b a lte r n o s .
F in a lm e n t e , e x p u r g a n d o - s e d a s fo r tu n a s d os o fic ia is su p e rio re s e subalterno s as
m aio res d e 2 0 : 0 0 0 d c réis e as m e n o r e s de 2 : 0 0 0 d e réis, o b te m -se para essas quatro
c atego rias d e f u n c io n á r io s as s e g u in te s f o r tu n a s m é d ia s : fu n c io n ário s, 8 . 1~9 d e ’ ,
padres, 8 :1 0 2 : o fic ia is s u b a lr e r n o s , 6 : 6 8 6 ; o fic ia is su p e rio re s, 6 :6 1 6 . ^
A líg c ir a in f e r io r id a d e d a f o r tu n a m é d ia d os o ficiais su p erio res em r e a ç " ^ ^
su b a lte rn o s, re fle tid a n e ste q u a d r o , sc d eve ao fato d c q u e , d e 1801 a ^18 ,
registrava e n tre os p r im e ir o s n e n h u m a fo rtu n a s u p e rio r a 6.00 0' de réis.
lado, fu n c io n á rio s e p ad res e sta v a m e c o n o m ic a m e n te m ais bem -siruados q
tares, o q u e talvez e x p liq u e 3 p o u ca atração q u e esta carreira exercia.
E ntre as três ú ltim a s c a te g o ria s q u c d ís tin g u i. d u as envolvem pessoas q ^
ciam ofício q u a lif ic a d o : os artesãos e o pessoal lig a d o ao m ar. A seu p ^ -
fazer d u as o b servações im p o rta n te s . A p r im e ira delas diz respeito aos arte ,
626 B a h ia , Sêcuio XIX

f o r tu n a m é d ia ( 9 :2 4 9 d e réis) p o d e p a re c e r a lta . D e fa to , n o p e río d o 1 8 6 1 - 1 8 8 9 , os


a rte sã o s e s ta v a m à fre n te n ã o só d o s m a r ítim o s c o m o d o s s e n h o re s d e e n g e n h o , dos
o f ic ia is s u p e rio re s , d o s p a d re s e d o s f u n c io n á r io s . O r a , m e sm o q u a n d o e ra m e m p re i­
te iro s, e le s d e ix a v a m fo r tu n a s d e no m á x im o 2 0 :0 0 0 d e ré is ; e sta m o s d ia n te d e um
a b s u rd o e s ta tís tic o , d e c o r r e n te d e u m a e x c e ç ã o : e m 1 8 8 3 , o o u riv e s p o rtu g u ê s A n tô ­
n io M a r tin s d e O liv e ir a N e v e s d e ix o u à s u a m u lh e r u m a h e r a n ç a d e 1 2 1 :1 5 6 d e réis.
A s jó ia s d e s u a o f ic in a , c o n tu d o , re p r e s e n ta v a m a p e n a s 6 :7 5 0 d e ré is, 5 ,6 % desse
m o n ta n te . O s o u tro s h a v e re s e ra m b e n s im o b iliá r io s ( 4 0 :5 0 0 d e ré is ), e n tr e os q u ais
u m so b ra d o n a r u a d o s O u riv e s , n a C id a d e B a ix a , e s o b re tu d o u m d e p ó s ito d e 6 0 :0 0 0
d e ré is n o B a n c o M e r c a n t il. H a v ia a in d a 5 4 8 .0 0 0 ré is e m e s p é c ie , 6 5 8 .0 0 0 réis em
m ó v e is, u m e sc rav o n o v a lo r d e 6 0 0 .0 0 0 ré is e u m c r é d ito d e 1 2 :1 0 0 d e ré is. T r a ta ­
v a -se p o is d e u m a r te s ã o - c o m e r c ia n te q u e a c u m u la r a g r a n d e f o r tu n a . E u te r ia p o d id o
c la s s ific á -lo e n tr e os c o m e r c ia n te s e a té e n tr e o s n e g o c ia n te s , d a d o o v a lo r d e seus
b e n s, m as o p te i p o r m a n tê - lo e n tr e os a r te s ã o s p a r a s u b lin h a r q u e os q u e ex erciam
u m a ‘ a rte n o b re ’ tin h a m a p o s s ib ilid a d e d e a c u m u la r f o r tu n a s d e v u lto . A liá s , em seu
te s ta m e n to , n o sso h o m e m q u a lif ic a a s i p r ó p r io d e o u r iv e s , n ã o d e c o m e rc ia n te ,
e m b o ra d e fato ta m b é m o fo s s e .23 E lim in a n d o e ssa f o r tu n a e x c e p c io n a l d o ro l dos 32
in v e n tá r io s re fe re n te s a a r te s ã o s , c h e g a -s e a u m a m é d ia d e 5 :6 4 0 d e ré is, q u e já não
tr a n s to rn a a h ie r a r q u ia s ó c io - e c o n ô m ic a e s it u a o s a r te s ã o s n o d e v id o lu g a r n a estru ­
tu r a e c o n ô m ic a d a c id a d e .
A s e g u n d a o b se rv a ç ã o d iz re s p e ito às p e sso a s s it u a d a s n o n ív e l m a is b aix o dessa
h ie r a r q u ia s ó c io -e c o n ô m ic a . S ã o p e s c a d o r e s , m a r in h e ir o s , ‘s a v e ir is ta s ’ e ‘c o n tram estre s
d e n a v io ’ , q u e c o m a n d a v a m tr ip u la ç õ e s o u e q u ip e s d e p e s c a d o r e s . Q u e ro d e ix a r claro
q u e , a té 1 8 6 0 , essa ‘g e n te d o m a r ’ t in h a p o s iç ã o m a is e le v a d a n e ssa h ie r a r q u ia .
A lg u n s e x e m p lo s e x p lic a m is to . P a r a o p e r ío d o d e 1 8 0 1 a 1 8 2 1 , te n h o d o is re­
p re se n ta n te s d e ssa c a te g o ria : o a lf o r r ia d o J o ã o N u n e s e J o s é D o r m e n te A n tu n e s, am ­
bo s d e S a lv a d o r. O p r im e ir o tr a b a lh a v a c o m o m a r in h e ir o e m v e le iro s q u e faziam
trá fic o d e e scrav o s a p a r tir d o s p o rto s d e L u a n d a e A n g o la . E screv e u se u testam en to
em 1 8 0 8 , às v é sp e ras d e u m a v ia g e m d e q u e n ã o v o lto u . V iú v o , tin h a u m a filha
n a tu ra l d e d o ze a n o s, c e g a , e u m a n e ta , d e o u tr a f ilh a n a tu r a l, já m o r ta .24 D eixou
u m a h e ra n ç a d e 1 :0 9 6 d e ré is , p ro d u to d o le ilã o d e se u s b e n s, co m p o sto s p o r duas
casas té rreas ( 9 0 0 .0 0 0 ré is ), d o is e sc ra v o s ( 1 3 8 .0 0 0 ré is ), m ó v e is ( 3 9 .0 0 0 réis), jóias
(1 1 .0 0 0 réis) e ro u p as ( 8 .0 0 0 ré is ).
Jo sé D o r m e n te A n tu n e s , fa le c id o e m 1 8 0 5 , era m e stre d e pesca n u m a em p resa de
caça a b aleias. A o m o rr e r , se m te s ta m e n to , d e ix o u à v iú v a e aos cin co filhos um
so brad o ( 1 :0 0 0 de réis) — cm c u jo s e g u n d o a n d a r re sid ia , a lu g a n d o o térreo — , cinco
casas térreas ( 1 :4 5 2 de réis), q u a tr o escravo s c u jo s serviço s d e p e sc ad o r alu g av a e que,
va le n d o 5 2 0 . 0 0 0 réis, lh e t in h a m d a d o 2 4 9 . 0 0 0 réis n o ú ltim o an o . T in h a ain d a um a
ro c in h a no v a lo r d e 4 0 0 . 0 0 0 réis, 5 1 1 , 0 0 0 réis d e d ív id a s em ativo , 2 9 .0 0 0 réis em
m óveis e 1 :0 8 0 d e réis em d in h e iro . D ív id a s no v a lo r d e 3 :0 9 0 d e réis red u z iram a
h e ra n ç a (5 :2 4 1 d e réis) a m e n o s d a m e ta d e .2*
V II-O D in h e ir o d o s B a ia n o s ,
627

0 S rrês r e p r e s e n t a n te s d a g e m e d o m a r ' d o p e río d o s e g u in te ( 1 8 2 2 - 1 8 4 5 )


eram
u m c o n tr a m e s tr e e d o is p e s c a d o r e s . F ra n c is c o D ia s d a S ilv a , fe le cid o em , 8 3 o „
v iúv o e d e ix o u d o is filh o s ; e m te s ta m e n to , te c o n h e c e u u m te rc e iro F ?
•ab astad o ’, p o is t in h a u m a c a n o a e q u a tr o e sc ra v o s, u m d o s quais^ ^ ^ 0
in v e n ta rio . A c a n o a n a o v a lia g r a n d e c o is a ( 2 4 .0 0 0 ré is ), c o m o ta m p o u c o os i„
m en to s d e p e s c a ( 3 .7 2 0 r e is ); m a s os e sc ra v o s v a lia m 1 :2 0 0 d e ré is e ele tin h ' A
q u a tro c asa s té r r e a s ( 1 :7 6 3 d e r é is ), 4 7 7 .0 0 0 ré is d e d ív id a s em a tiv o , além de m óveis
av aliad o s em 2 3 - 0 0 0 ré is . D u z e n to s m il ré is d e d ív id a s fiz e ra m co m q u e a h eran ça an «
três filh o s c a ís s e p a r a 3 :9 2 0 d e r é is .26
T a m b é m p e s c a d o r , M a n o e l d a P a ix ã o F a v ilia d e ix o u à m u lh e r e aos cin co filhos
m en o res 2 :1 7 4 d e ré is , d e d u z id a s as d ív id a s d e 2 9 5 .0 0 0 ré is. S e u s b en s eram quase os
m esm o s q u e os d e F r a n c is c o D ia s d a S ilv a : trê s e sc rav o s (1 :1 0 0 d e ré is), u m a casa
‘a s so b ra d a d a 1 ( 8 0 0 .0 0 0 r é is ), u m a c a s a té r r e a ( 4 0 0 .0 0 0 réis) e d u a s cab an as d e m ad eira
(8 5 .0 0 0 ré is ) e m q u e g u a r d a v a s u a c a n o a ( 8 0 .0 0 0 réis) e se u s in stru m e n to s de pesca
(1 0 .0 0 0 ré is ). T in h a a in d a 3 6 .0 0 0 ré is d e m ó v e is e 8 .0 0 0 réis d e d ív id as em ativo .
C o m o d e v ia 2 9 5 .0 0 0 ré is , a m u lh e r e os filh o s re c e b e ra m ap en as 2 :2 2 4 d e ré is.27
O q u a r to e x e m p lo é o d o m e s tr e d e tr ip u la ç ã o M ig u e l A ffo n so R o d rig u es, p o rtu ­
guês d e L a m e g o , s o lte ir o . S e u s b e n s v a lia m 1 :1 7 8 d e ré is, in c lu in d o dois escravos
(7 6 0 .0 0 0 ré is ), d in h e ir o e m e s p é c ie ( 3 5 0 .0 0 0 ré is) e o b je to s p esso ais: ro u p as no valo r
de 3 5 .0 0 0 ré is , r e ló g io d e 3 0 ,0 0 0 ré is e u m b a ú a v a lia d o em 3 .0 0 0 réis. H o m em com
p assag em n o p o r to , se u s b e n s n ã o r e p r e s e n ta m u m a fo rtu n a b a ia n a , m as eu quis
d e stac á-lo p o r se r o ú n ic o c aso d e sse tip o q u e e n c o n tr e i n o c o n ju n to do p e río d o .28
O ú ltim o e x e m p lo é o p e s c a d o r M a n o e l T im ó te o P e re ira , d a c o m u n id ad e de
p escad o res d a p r a ia d e I ta p o a . A o m o rr e r , e m 1 8 5 7 , d e ix o u p a ra a m u lh e r e os q u atro
filh o s, d o is d e le s m e n o re s , u m a h e r a n ç a líq u id a d e 3 :1 0 9 d e réis: três escravos (2 .8 0 0
d e ré is ), u m a la n c h a ( 1 5 0 .0 0 0 ré is ), d u a s c a s in h a s té rreas so b re p ilo tis (2 0 0 .0 0 0 e
1 5 0 .0 0 0 ré is) e 4 5 ,0 0 0 ré is d a v e n d a d e d o is c a rn e iro s .2^1
Estes c in c o e x e m p lo s f a la m p o r si m e s m o s . As pessoas do m a r cujos inventários
e x a m in e i, s o b r e tu d o os p e sc a d o re s , e r a m d e fato p e q u e n o s em p reiteiro s, q u e tinham
sua p ró p ria m ã o - d e - o b r a e sc ra v a e os m e io s p a r a a pesca. N a o eram , portanto, repre
sentativos d e sta c a te g o r ia de tr a b a lh a d o r e s , c o m p o s ta p o r m u ito s hom ens que aluga
vam seu tr a b a lh o e q u e p o r c e rto n ã o d e ix a r a m bens. Por fim, cabe dizer que estes
peq ueno s e m p re ite iro s c o n t in u a r a m u tiliz a n d o escravos na pesca m esm o após
Entre os bens d e ix a d o s p e lo p e sc ad o r M a n o e l d a P urificação, falecido em 1882, p
exem plo, fig u ra m o ito escravo s, no va lo r de 3 :4 0 0 de réis, o q u e representava 7
sua fo rtu n a .30 . - a r d i '
A ú ltim a c a te g o ria tr a ta d a é a d a g en te sem profissão ou ocupação e
expressei m eu s te m o re s: só d everiam estar in clu íd o s a q u i os q u e viviam de ren >
suponho q u e a lista ab ra n g e , n a ve rd ad e, in d ev id am en te, m uitas pessoas q
atividades c o m e rc ia is ou artesanais. Para d is tin g u ir estes últim o s, usei o únic ^
q ue m e pareceu v iá v e l: a presença, no inven tário, de inform ações so re a Ç
«28 Bahia, S é cu lo XIX

e scrav o s p a ra se rv iço s e x te rn o s, o r e c e b im e n to d e ju ro s so b re e m p ré stim o s feitos a


p a rtic u la re s o u in d ic a ç õ e s re fe re n te s a r e n d im e n to s s u p e rio re s a 1 0 0 .0 0 0 réis n a form a
d e a lu g u é is o u ju r o s so b re açõ es e a p ó lic e s . .
N e sta c a te g o ria , as m u lh e re s , c o m 1 9 8 in v e n tá r io s , e ra m m a is n u m e ro sas que os
h o m e n s. A p a re c e a q u i m a is d e m e ta d e d a fo r tu n a f e m in in a q u e a p u ra m o s no período
1 8 0 1 - 1 8 8 1 . S e é d if íc il a t r ib u ir u m o fíc io o u p ro fis sã o a u m h o m e m q u e v iv ia m uitas
vezes e m c o n d iç õ e s d e tr a b a lh o p re c á ria s , m a io r p r o b le m a a in d a su sc ita v a m as m u lh e­
res. A e sp e c ific a ç ã o ‘p r e n d a s d o m é s tic a s ’, m u ito f re q ü e n te , n ã o e lu c id a g ran d e coisa,
a m en o s q u e se tra ta s s e d e u m a e sc ra v a . P o r o u tro la d o , c e rta s a tiv id a d e s , com o a
p r o s titu iç ã o , n a o e ra m a b e r ta m e n te d e c la ra d a s ; ta m b é m n ã o se d e c la ra v a m as m u lh e ­
res c h a m a d a s ‘c a p o n a s ’, a lc o v ite ir a s n o tó r ia s , p a ra a m o re s líc ito s o u ilíc ito s , assim
c h a m a d a s p o rq u e c ir c u la v a m p r o te g id a s p o r c a p a s n e g ra s . A q u i m e d e te n h o , sabendo
q u e e sta c a te g o ria g u a r d a se g re d o s. P o sso s e q u e r te r s u s p e ita d o m u ito s d eles, mas
ta lv e z a a n á lis e d a c o m p o s iç ã o d e ssas fo r tu n a s a ju d e a d e s v e n d á -lo s .

Q u e m P o ssu ía o Q u ê ?

O s in v e n tá rio s post mortem a n a lis a d o s r e v e la ra m a lg u n s d o s c o m p o n e n te s d a fortuna


d o s b a ia n o s, q u e p asso a p re c is a r, c la s s if ic a n d o -o s e m d ez ru b ric a s .

TABELA I 15

E l e m e n t o s C o n s t it u in t e s d a s F o r t u n a s , 1 8 0 1 - 1 8 8 9

E lem en to s V alo r ( em c o n t o s d e r é is )

1, Im óveis 8 .0 8 2 :2 4 5

2. T erras 1 .7 9 7 :3 9 2

3. Escravos 2 .0 0 8 :6 4 4

4, D in h eiro líq u id o 4 5 7 :5 2 5

5. D epósitos bancários 4 ,6 2 0 :1 2 9

6. Ações e ap ó lices 3 .4 4 7 :0 4 5

7. D ívidas em ativo 4 .4 5 4 :4 4 3

8, M óveis 5 9 6 :9 6 !

9. Fundos dc c n m írc ío 1.888:401

10 . Rendas 3 6 1 :0 6 3

T o tal 2 7 .7 1 3 :8 4 8

A ru b ric a ‘ im ó v e is’ c o m p re e n d e ap en as os situ ad o s na c id ad e, pois no cam po o


valor dos im óveis foi c o n ta b iliz a d o ju n to co m as terras q u e c o m p u n h a m cada proprie­
dade. N a ru b ric a ‘te rra s’ in clu e m -se aq u elas d estin ad as A a g ric u ltu ra e os terrenos
L iv r o VII - Q D in h e ir o d o s B a ia n o s

urbanos, mas foram tomadas precauções para distinguir os dois casos, quando isso
fosse relevante. D m he.ro l.qu.do era aquele encontrado no domicilio do inventariado
por ocasião de seu falecim ento, enquanto os 'fundos dc comércio' são as raras avalia
çóes que encontre, sobre os bens comerciais. A rubrica 'ações e apólices’ compreende
ta m b é m o s c e r tif ic a d o s d e e m p r é s tim o s d o E sta d o .
C o m o se o b s e r v a , im ó v e is , d e p ó s ito s b a n c á r io s , d ív id a s e m a tiv o , açõ es e ap ó lice s
e ram os e le m e n to s m a is im p o r t a n t e s d e ssa s fo r tu n a s . M a s n ão e sta v a m ig u a lm e n te
p r e s e n te s n o s i n v e n t á r io s ; c o m f r e q ü ê n c ia e s t a v a m in t e ir a m e n t e a u s e n te s , o u
c o rr e s p o n d ia m a p e n a s a u m a p e q u e n a p e r c e n ta g e m d a h e ra n ç a , d e ac o rd o co m a
c a te g o ria s ó c io - e c o n ô m ic a d o in v e n t a r ia d o e o in te r v a lo — p r im e ir a o u se g u n d a m e­
tad e d o s é c u lo — c o n s id e r a d o .
M in h a p r im e ir a a n á lis e , d e c a r á t e r g e r a l, a b r a n g e r á to d o o p e río d o 1 8 0 1 - 1 8 8 9 A
ta b e la a b a ix o a p r e s e n ta o s p e r c e n t u a is d e c a d a u m d o s d e z c o m p o n e n te s q u e d is tin g u i-
m os n a f o r tu n a d e c a d a c a t e g o r ia , r e p r e s e n ta d o s p e lo s n ú m e r o s d e 1 a 1 0 , se g u in d o a
o rd em e s t a b e le c id a n a t a b e la 1 1 5 .

TABELA 116

C o m p o s iç ã o d a s Fortun as po r C a t e g o r ia s S ó c io -E c o n ô m ic a s , 1 8 0 1 - 1 8 8 9 {% )

C a t e g o r ia s 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Negociantes 2 6 ,9 4 ,5 2 ,5 0 ,8 21,1 10,1 1 7 .4 1 ,7 1 3 ,6 1,2

Industriais 2 6 ,0 1,1 8 ,7 2,1 2 ,0 1 5 ,4 7 ,4 2,8 3 2 ,5 1,8

Profissionais liberais 2 0 ,4 1 .3 3 ,6 1,6 1 9 ,4 4 4 ,4 7 ,0 2,0 - 0,2

Senhores de engenho 4 ,0 5 0 ,8 1 9 .1 0 ,6 3 ,7 1 ,9 1 7 ,1 1,0 - 0 ,9

Ren listas 3 7 ,9 2 ,6 5 ,9 2,0 1 5 ,8 1 5 ,8 1 5 ,6 2 ,3 - 1.8

Donos de barcos 4,4 2,8 5 ,1 0,1 4 ,0 1,2 5 ,5 3 ,3 7 3 ,4 -

Comerciantes 16,1 2,6 9 .6 1,2 4,4 2,6 4 4 ,6 2,0 16,2 0 ,4

Proprietários agrícolas 1 0 ,4 9 ,5 8,8 1,6 - 1,2


9 ,5 3 2 ,0 2 3 ,5 3 ,5

Padre* 4,6 9 ,0 2 ,7 - 5,1


3 5 ,0 6,8 1 4 ,3 3 ,9 1 8 ,5

Funcionários 2 5 .6 6 ,4 1.0 3 8 ,1 14,0 7 ,2 5 .8 -


1 .4

3 ,7 - —
Oficiais subalternos 3 5 ,5 6 ,4 12,0 0.1 1 5 ,6 - 2 6 .6

1 3 ,6 2.8 0,02
Oficiaii superiores 4 0 ,7 4 ,9 1 4 ,2 0,2 1 1 ,7 11,8 -

2,0 5 .3 0 ,4
Artesão* 3 2 ,2 4 ,4 1 1 ,5 4 ,9 2 3 .6 8,0 7 ,7

4 ,0 - 0 ,3
Sem ocupação 4 2 ,7 1 .4 1 7 ,4 2,6 1 7 .0 10,0 4 .5

4 .2 1 ,4 5 ,2
Marítimos 10,8 0 .5 8 .9 - 2 ,4
2 6 ,3 4 0 ,3

E stes ciados m o stra m o peso d o s ben s im o b iliá rio s n a fo rtu n a dos baianos qu
ex erciam o fício s o u p ro fissõ es q u c p o d e ria m ser q u a lific a d o s co m o tip ic am en te u
nos. R e p re se n ta m m a is d e 1/4 d a fo rtu n a d o s n e g o c ian te s, in d u s tria is , fu n cio n ário
pessoal lig a d o ao m a r, m ais d e 1/3 d a fo rtu n a d a q u e le s q u e viv iam d e ren as,
630 Bahia, S é cu lo X IX

p a d r e s , d o s o f ic ia is s u b a lte r n o s e d o s a r te s ã o s e m a is d e 2/5 d a d o s o f ic ia is g rad u ad o s


e d o s c h a m a d o s ‘se m o c u p a ç ã o ’ . P o r o u tr o la d o , e sse tip o d e b e m c o n s t itu ía apenas
1/5 d a f o r tu n a d o s p r o f is s io n a is lib e r a is , p o u c o m a is q u e 1/6 d a d o s c o m e rc ia n te s
e c a ía a m e n o s d e 1/10 d a f o r t u n a d o s s e n h o re s d e e n g e n h o , p r o p r ie tá r io s ag ríco las e
d o n o s d e e m b a r c a ç õ e s . P a r a o s b a ia n o s d a s c a t e g o r ia s s o c ia is m e n o s a b a s ta d a s , a pro­
p r ie d a d e d e c a s a s , m e s m o d e u m a s im p le s c a s a ‘ t é r r e a ’ , e r a u m s in a l e x te r io r e n o tório
d e r iq u e z a , p e r m it in d o a f ir m a r d e m o d o in c o n t e s t á v e l c e r t a p o s iç ã o s o c ia l, a lé m de dar
a o p r o p r ie tá r io e à s u a f a m ília a lg u m a s e g u r a n ç a e m r e la ç ã o a o f u tu r o . A a n á lise de
a lg u n s in v e n tá r io s d e o f ic ia is o u d e p e s s o a l d o m a r m o s t r o u , a d e m a is , q u e a p ro p rie­
d a d e im o b iliá r ia , q u a n d o c o n s t it u íd a d e m a is d e u m a c a s a , p r o p o r c io n a v a re n d im e n ­
to s b a s ta n te s e g u r o s , o q u e e x p lic a a p r e f e r e n c ia d e q u e e sse tip o d e in v e stim e n to
g o z a v a e n tr e o s q u e v iv ia m d e r e n d a s , os a s s a la r ia d o s d o s e r v iç o p ú b lic o e os m uitos
c u ja p ro fis s ã o n ã o p ô d e s e r d e t e r m in a d a . E n tr e o s n e g o c ia n t e s e o s in d u s tr ia is , ao
c o n tr á r io , a p r o p r ie d a d e im o b iliá r ia in t e r e s s a v a , p o r u m la d o , c o m o m e io se g u ro para
d iv e r s if ic a r os h a v e r e s e , p o r o u t r o , p e la p o s s ib ilid a d e q u e o f e r e c ia d e le v a n ta r d in h e i­
ro , m e d ia n te h ip o te c a , se n e c e s s á r io .
E n tre os c o m e r c ia n te s , q u e só t in h a m 1 0 % d e s e u s b e n s e m p r o p r ie d a d e s im o b i­
liá r ia s , o b se rv a -se q u e , n a q u e le s q u e o p e r a v a m n o v a r e jo e n o c o m é r c io am b u la n te ,
as d ív id a s e m a tiv o e r a m d e lo n g e o p r in c ip a l c o m p o n e n t e d a f o r t u n a , c o m 4 4 ,6 %
d o to t a l. Isto r e v e la q u e o p e q u e n o c o m é r c io e n v o lv ia g r a n d e s r is c o s , p o is essas d ív i­
d as e ra m c r é d ito s n e m s e m p r e d e f á c il c o b r a n ç a a p ó s a m o r te d o c re d o r.
Isto é c o n f ir m a d o p e lo f a to d e q u e , e m d in h e ir o líq u id o , d e p ó s ito s b an cário s e
aç õ e s o u a p ó lic e s , o s h a v e r e s d e s s a c a t e g o r ia s o m a v a m a p e n a s 8 ,2 % d o to ta l d a fortu­
n a , ao p asso q u e , e n t r e o s n e g o c ia n t e s e os in d u s t r ia is , e ssas trê s r u b r ic a s re p resen ta­
v a m , r e s p e c tiv a m e n te , 3 2 % e 1 9 ,4 % d e s s e t o t a l. M a s e r a e n t r e os p r o fis s io n a is liberais
q u e elas a s s u m ia m m a is im p o r t â n c ia , c o r r e s p o n d e n d o a 6 5 ,4 % d a fo r tu n a to ta l, dos
q u a ís 4 4 ,4 % e m c a r t e ir a d e a ç õ e s, a p ó lic e s e e m p r é s tim o s d o E sta d o . C o m os fu n cio ­
n á rio s p ú b lic o s — q u e t in h a m 4 0 ,5 % d e se u s h a v e re s n e ssa s r u b r ic a s — , esta era a
c a te g o r ia q u e m a is se a r r is c a v a n e sse tip o d e in v e s tim e n to .
V im o s q u e a p r o p r ie d a d e im o b iliá r ia t in h a p a p e l m u ito re d u z id o n a com posição
d a fo rtu n a d o s s e n h o re s d e e n g e n h o , p r o p r ie tá r io s a g r íc o la s e p r o p r ie tá rio s d e em b ar­
caçõ es. A s te rra s c u ltiv a d a s e o s e sc rav o s fo rm a v a m 6 9 ,9 % d a fo r tu n a dos sen h o res de
e n g e n h o e 5 5 ,5 % d a d o s p r o p r ie tá r io s a g ríc o la s , fo ssem p e c u a ris ta s ou c u ltiv a d o re s de
c a n a -d e -a ç ú c a r, fu m o e a lim e n to s , M a s a f o r tu n a d esses p r o p r ie tá rio s e ra m ais equ iü
b r a d a q u e a d o s se n h o re s d c e n g e n h o : tin h a m 3 ,5 % em d in h e iro líq u id o (ru b ric a 4)
c o n tr a 0 ,6 % d o s p rim e iro s ; se u s d e p ó siro s b a n c á rio s (r u b ric a 5) e ra m m ais consisten
te$, so m a n d o 1 0 ,4 % , c o n tra 3 ,7 % p a ra os p rim e iro s ; seu s in v e stim e n to s em ações e
a p ó lic e s (r u b ric a 6 ) e ra m d c 9 ,5 % , p a ra 1 ,9 % d o s se n h o re s d e e n g e n h o .
A re d u z id a p e rc e n ta g e m re p re s e n ta d a p e la fo rtu n a im o b iliá r ia d essas d u as catego
rías é fa c ilm e n te e x p lic á v e l: se u s im ó v e is e ra m casas ru ra is, sem v a lo r p ró p rio ; m e sm o
q u e fossem p o rte n to sa s, n ão p o d ia m ser v e n d id a s se p a ra d a m e n te d as terras e do enge
n h o . O p e r c e n t u a l a lc a n ç a d o p e la f o r tu n a im o b iliá r ia d n , ■
c u ja s c a s a s e r a m m a is r ü s tic a s q u e as d o s s e n h o re s d e c n c e n i r 1" 3" 05 ~
m a is a lr o p o r q u e , c o m o os in v e n tá r io s re v e la m e le s n o , - ■" * rela" ' ,am<™ e
m a is f r e q ü ê n c ia q u c o s s e n h o r e s d e e n g e n h o Ò m n to SU'a m ' m ° V C ,s u rb a n os com
çóes, 7 3 , 4 % de sua |brnm a c o rre sp o n d lm a seus bens 7 P rO P n e tÍr,° 5 d' “ - W
lh o : e n t r e s e is d e le s , a p e n a s d o is tin h a m u m a c a s a n a c i d l & 3i m m im en tO S ^ " “h " '
t E sta p r im e ir a a n á lis e d e i » c la r a o p a p e l e s s e n c ia l d a fo r tu n a im o b iliá ria u rb an a na
n q u e a a d a m a ,o n a d a s c a t e g o n a s s ó c io - e c o n ô m ic a s , a in d a q u e em a lg u m as fossc “ ”
ritutda p e la p ra p n e d a d e a g r .c o la e a m ã o - d e - o b r a e s c ra v a n e la empregada ou ZL
p e lo in s t r u m e n t a l d e t r a b a lh o . E s te , a liá s , n ã o é o caso a p e n a s dos p ro p rietário s de
e m b a r c a ç õ e s : e n t r e o s in d u s t r ia is , a e m p r e s a (im ó v e l e m a q u in a r ia ) rep resen tav a 3 2 5%
dos b en s. ’

I m p r e s s io n o u - m e , p o r é m , a b a ix a p e r c e n ta g e m re fe re n te ao b en s m óveis dos ne­


g o c ia n te s e c o m e r c ia n t e s : a p e n a s 1 3 ,6 % p a r a o s p r im e ir o s e 1 6 ,2 % p a ra os segund o s.
M a s os in v e n t á r io s r e f e r e n t e s a e ssa s c a te g o r ia s c o n tin h a m in d íc io s claro s de u m a
t e n d e n c ia a e s c a m o t e a r t o d a in f o r m a ç ã o p r e c is a so b re os e sto q u e s d e m ercad o rias e
se u s v a lo r e s . I s to só n ã o o c o r r ia q u a n d o h a v ia u m s ó c io , se n d o n ecessário p ro ced er à
p a r t ilh a d o s b e n s , o u q u a n d o u m h e r d e ir o , ju lg a n d o - s e le sa d o , c o n te sta v a o in v en tá­
rio . E m to d o s o s d e m a is c a s o s , q u e r e p r e s e n ta m 6 5 ,3 % , os e sto q u es fo ram av aliad o s
g lo b a lm e n t e , h a v e n d o ra z õ e s p a r a se s u s p e it a r d e s u b a v a lia ç ã o .
O s p e r c e n t u a is r e f e r e n te s a d in h e ir o líq u id o — isto é, o n u m e rá rio em ouro ou em
p r a ta e n c o n t r a d o n a c a s a d o in v e n t a r ia d o p o r o c a s iã o d e s u a m o rte —- eram tam bém
b a ix o s , c o n t r a d iz e n d o a t r a d iç ã o , q u e re z a q u e os b a ia n o s n ão c o n fiav am a n in gu ém
se u s p é s - d e - m e ia . M a s t a m b é m e sse it e m d e v e e s ta r s u b e s tim a d o , p o is p aren tes ou
ín tim o s d o f a le c id o p r o v a v e lm e n t e se a p re s s a v a m e m e sc o n d e r esses valo res. J á os fu n ­
c io n á r io s p ú b lic o s r e g is t r a v a m c o m m a io r m in ú c ia su a s d ív id a s em a tiv o e em passivo,
os d e p ó s ito s b a n c á r io s e a ç õ e s , a p ó lic e s e c e r tif ic a d o s d e e m p ré stim o do E stado,
N o c o n ju n t o , a f o r t u n a d o s b a ia n o s — e isto se a p lic a às q u in z e catego rias sóc
e c o n ô m ic a s — e r a b a s ta n te d iv e r s if ic a d a , a in d a q u e os d iv erso s co m p o n en tes
d ife r e n te s p e so s e m c a d a u m a , c o m o m o s tr a m c la r a m e n te os d ad o s d a tab e a '
m o n ta r e s ta ta b e la , c o n s id e r e i: (1 ) b e n s im o b iliá r io s , (2 ) escravo s, (3 ) ep hso Iuto
c á rio s e a ç õ e s / a p ó lic e s c (4 ) d ív id a s e m a tiv o . S ã o a in d a referid o s, o ' * um a
d e in v e n tá r io s d c c a d a c a te g o r ia (N ), a p e rc e n ta g e m d e in v e n tário s qu ^ ^
d e sta s q u a tr o n o v a s r u b r ic a s , o p e r c e n tu a l to ta l d essas q u a tro ru n ' , ^ evu en_
p e rc e n tu a l d o q u a l fo ra m d e d u z id a s as d ív id a s em a tiv o c u jo rece
te m e n te p r o b le m á tic o . „„rr~=nnndentes a
O s r e s u lta d o s fo r n e c id o s p e la ta b e la são c la ro s. O s e em en to s j csses
essas q u a tr o r u b r ic a s fo rm a vam , em c o n j u n t o , p e o menos nroDrietários de
b a ia n o s p r iv ile g ia d o s , co m exceção d o s senhores d e e n g e n o aD($jices vinham

í s r fc s a » * 1 —
652 B a h ia , S éclro XIX

tin h a fá c il ac e sso ao d in h e ir o líq u id o . U m a c o n fo r tá v e l f o r tu n a im o b iliá r ia (2 6 % ) lh cs


a s s e g u ra v a r e n d im e n to s e e ra h ip o te c á v e l, p e r m it in d o le v a n ta r d in h e ir o em caso de
n e c e s s id a d e . A s d ív id a s a r r o la d a s cm se u s a tiv o s ( 1 7 ,4 % d o to t a l) n ã o c h e g a v a m a
c o m p ro m e tê -lo s , sa lv o e m u m c aso is o la d o , a q u e r e to r n a r e i.
N o c aso d o s in d u s t r ia is , o im p o r t a n t e e r a a f o r t u n a im o b iliá r ia ( 2 6 % ) ; seu s h ave­
res e m b a n c o e e m c a r t e ir a d e a ç õ e s e ra m r e la tiv a m e n te m o d e s to s ( 1 7 ,4 % ) , com o
ta m b é m su a s d ív id a s e m a tiv o ( 7 % ) . A m a r g e m e n tr e s e u s p re ç o s d e p ro d u ç ã o e de
v e n d a e ra c o n fo r tá v e l, e s u a r iq u e z a e r a a p a r e n t e m e n t e s ó lid a .

T A B E L A 117

C o m p o s i ç ã o das F o r t u n a s p o r C a t e g o r i a s S ó c i o - E c o n ô m i c a s , 1 8 0 1 - 1 8 8 9 (% )

C a t e c o r ia s * 1 % N 2 % N 3 % N 4 % N % T otal % T o tal - 4

Negociantes (108) 26,9 63,0 2,5 70,0 3 1,2 77,7 17,4 59,2 78,0 60,6

Industriais (13) 26,0 69,2 8,7 76,9 17,4 69,2 7,4 69,2 59,5 52,1

Profissionais liberais (19) 20,4 57,9 3,6 63,1 63,8 89,4 7,0 36,8 94,8 87,8

Senhores de engenho (17) 4,8 41,1 19,1 100,0 5,6 52,9 17,1 47,0 46,6 29,5

Rentistas (310) 37,9 72.6 5,9 67,4 3 1,6 66,7 15,6 53,5 91,0 75,4

Donos de barcos (6) 4,4 33,3 5,1 83,3 5,2 50,0 5,5 33,3 20,2 14,7 '

Comerciantes (73) 16,1 57,5 9,6 75,3 7,0 37,0 44,6 55,0 77,3 32,7

Proprietários agrícolas (78) 9,5 59,0 23,5 82,0 19,9 21,8 8,8 39,7 61,7 ' 52,9

Padres (23) 35,0 60,9 14,3 65,2 23,1 43,5 9,0 47,8 81,4 72,4

Funcionários (14) 25,6 57,1 6,4 57,1 52,1 7 1,4 7,2 35,7 91,3 84,1

Oficiais subalternos (14) 35,5 64,3 12,0 85,7 15,6 50,0 26,6 35,7 89,7 63,1

Oficiais superiores (18) 40,7 61,0 14,2 72,2 23,5 55,5 13,6 44,4 92,0 78,4

Artesãos (32) 32,2 46,8 11,5 75,0 31,6 21,8 7,7 25,0 83,0 75,3

Sem ocupação (378) 42,7 62,4 17,4 54,2 27,0 27,0 4,5 15,6 91,6 87.1
Marítimos (12) 26,3 66,6 40,3 75,0 8,9 33,3 2,4 16,6 77.9 75.5

( ) E n tíe parêntests. número dc inventários; 1 = imóveis ( p e rc e n ta g e m sobre o total das fortunas, em valor); 2 - escravos
(j Cfn)i 3 ■ depósitos bancários e ações/apólices (idem); 4 = dívidas cm ativo (idem); N * rt° de inventários: % N *
percentagem aobre o n 1* dc inventários; % FJ otal = percentagem das quatro rubricas sobre o n ° de inventários; ^ Total - -
o mesmo que o a n te rio r, caduindo-sc as dividas em atívo.

O s p ro fissio n ais lib e ra is tin h a m 6 3 ,8 % d e s u a fo rtu n a in v e stid o s c m açõ es/apóli­


ces, e m p ré stim o s d o E stad o c cm d e p ó sito s b a n c á rio s; su as d ív id a s em ativ o eram
in sig n ific a n te s (7 % ) e as p ro p rie d a d e s im o b iliá ria s c o rre s p o n d ia m a 2 0 % d e seus bens.
F o rtu n a só lid a , d esd e q u e os b a n c o s h o n ra sse m seu s co m p ro m isso s e q u e as ações/
ap ó lices p ro p o rcio n a sse m u m g a n h o real (os ju ro s g ira v a m em to rn o d e 7% )*
O s sen h o res d e e n g e n h o tin h a m no s escravo s o p r in c ip a l co m p o n e n te d e sua
fo rtu n a (1 9 ,1 % ). N este caso , p o ré m , os d ad o s são d isto rc id o s, p o rq u e faltam à tab ela
os v alo res referen tes ao s p ró p rio s e n g e n h o s. O alto p e rc e n tu a l referen te às d/vidas que
L fvTto Vil - O D in h e jr o d o s B a u n o s

aparc « rr■ em ativo (1 7 .1 % ) „5o ,cm s ig n if i ^ J » rcal. uma vct quc cs,as não foram
c o m p arad as as d o p a ssiv o . ‘ '- « - « i

A fortuna dos quc viviam dc rcrnlus corresponde ao que sc poderia esperar os


principais bens «ram os imóveis (3 7 .9 % ). os depósitos tuncírios c as acões/apólices
(31.6% ). bnibor.i consideráveis, em geral as dividas em arivo ( 15.6%) não chegavam
a ser comprom etedoras. No con|tmto dos inventários que deixaram herança negativa
não re g is tre i n e n h u m p e r te n c e n te a e s ta c a te g o r ia . *
N o caso d o s d o n o s d e b a rc o s , os e le m e n to s d is c r im in a d o s na ta b e la 117 — im ó ­
veis, e sc rav o s, d e p ó s iro s b a n c á rio s/ a ç õ e s/ a p ó lic e s e d ív id a s e m a tiv o — d esem p en h am
p apel in s ig n if ic a n te . J á e n tr e os c o m e r c ia n te s , n a d a m en o s q u e 4 4 ,6 % d a riq u eza
eram c o n s titu íd o s p o r d ív id a s e m a tiv o . O s b en s q u e c o m p u n h a m os restan tes 5 5 ,4 %
nem se m p re c o m p e n s a v a m is to , p o r q u e p o d ia m e s ta r c o m p ro m e tid o s po r d ív id as
em p assiv o .
N ão e s p a n ta q u e os e sc ra v o s re p r e s e n ta s s e m 2 3 ,5 % d a riq u e z a d o s p ro p rietário s
ag ríc o las e ta m p o u c o q u e a p e n a s 8 3 ,3 % d e le s p o ssu ísse m escrav o s: já m en cio n am o s as
em p resas a g r íc o la s d e c a r á te r f a m ilia r . A c a te g o r ia tin h a p o u c a s d ív id a s em seus ativo s
(8 ,8 % ) e m a is h a v e re s e m b a n c o s e e m a ç õ e s o u a p ó lic e s q u e os sen h o res d e en gen h o .
N a f o r tu n a d o s q u e c h a m a m o s d e a s s a la r ia d o s d o E stad o (p a d re s, fu n c io n ário s e
o fic ia is ), os b e n s im o b iliá r io s c os h a v e re s em b a n c o s e em açõ es/ ap ó lices eram co n si­
d eráv eis: os e le m e n to s r e u n id o s n e ssa s r u b r ic a s fo rm a v a m m ais de 4/5 d elas: 8 1 ,4 % da
fo rtu n a d o s p a d re s , 9 1 ,3 % d a d o s f u n c io n á r io s , 8 9 ,7 % d a d o s o fic ia is su b altern o s e
9 2 % d a d o s o f ic ia is g r a d u a d o s . O s f u n c io n á r io s , c o n tu d o , p a re c ia m p refe rir pôr seu
d in h e iro no b a n c o o u in v e s tir e m aç õ e s o u a p ó lic e s a te r d ív id a s em ativ o , d ife re n te ­
m en te d o s o fic ia is s u b a lte r n o s : m a is d e 1/3 d e le s tin h a m d ív id a s em ativ o , co rresp o n ­
d en tes a 2 6 ,5 % d c s u a fo r tu n a .
O s b e n s im o b iliá r io s d e s e m p e n h a v a m ta m b é m p a p e l im p o rta n te n a fo rtu n a dos
artesãos ( 3 2 ,2 % ) , d o s se m o c u p a ç ã o o u p ro fissão d e fin id a (4 7 ,2 % ) e d o pessoal do
m ar ( 2 6 ,3 % ). N e ssa s três c a te g o r ia s , m a is d e m e ta d e d o s in v e n ta ria d o s tin h am ao
m en os u m a casa c , se os e sc ra v o s e ra m re la tiv a m e n te n u m e ro so s na fo rtu n a do pessoal
do m ar — p o r ra/,õcs já m e n c io n a d a s — , e n tre os arte são s e os sem profissão eram os
dep ó sito s em b a n c o , e m p ré s tim o s d c E stad o c açõ es/ ap ó lices q u c d esem p en h av am um
papel dc re le v o , co m 3 1 ,6 % p a ra os p rim e iro s c 2 7 % p a ra os segu n d o s. N o tocan te aos
artesãos, c o n tu d o , essa p e rc e n ta g e m não rc flc tc a re a lid a d e , ten d o sid o elevad a em
d e co rrê n c ia d o s 6 0 :0 0 0 d c réis d e p o sita d o s cm b an co po r nosso artcs 3o-ourívcs-co-
m crcian tc A n tô n io M a r tin s d c O liv e ira N eves. E lim in a n d o essa fo rtu n a excepcion ,
ob tém -se o re su lta d o in o s tr a d o na tabela IIH. ^
Estes no vos d ad o s n ão m o d ific a m ra d ic a lm e n te os resu ltad o s an terio res, m as, no
to can te ao s h a v eres cm d e p ó sito s b an c ário s c açõcs/apóliccs com a passag
3 1 ,6 % a 1 9 ,2 % — , p ro v av elm e n te sc ap ro x im a m m ais da com posição
m éd ia cm b an co d essa c a te g o ria d e trab alh ad o res esp ecializad o s. Por ou t
p articip aç ão dos escravo s — p resen tes nos in v en tário s dc 3/4 dos artesãos
654 B a h ia , S éculo X IX

TA BE LA 118
C o m p o s iç Ao das Fo rtunas de A r te sã o s E l im in a n d o - se a M a io r D e u s

I %N 2 % N 3 %N 4 %N % T o ta l % T o ta l - 4

Anesão7(31> ~ ” 3 1 ,3 4 5 ,2 1 9,2 7 4 ,2 1 9 ,2 1 9,3 6 ,9 2 2 ,6 7 6 ,6

d e 1 1 ,5 % p a ra 1 9 ,2 % . S e ja c o m o fo r, n e ssa c a te g o r ia a p e r c e n ta g e m re fe re n te a bens
im o b iliá rio s e ra a lta , a in d a q u e m e n o s d e 5 0 % d o s a rte s ã o s tiv e s se m u m a casa.
P a ra to d a s as c a te g o ria s s ó c io -e c o n ô m ic a s q u e e x e r c ia m (o u t in h a m e x e rc id o ) a ti­
v id a d e s e c o n ô m ic a s u rb a n a s , as c asas e os h a v e re s e m b a n c o o u e m ações/apólices
c o n s titu ía m , p o is, o e s s e n c ia l d a f o r tu n a . O u tr o s b e n s, c o m o e sc ra v o s, e ra m secu n d á­
rio s, a n ao se r q u a n d o in d is p e n s á v e is c o m o m ã o - d e - o b r a , c o m o n a a g r ic u lt u r a ou no
a rte sa n a to . A p re s e n ç a d e e sc rav o s n o s in v e n tá r io s d e 5 4 ,2 % d o s ‘ se m p ro fis sã o ’ (com ­
p o n d o 1 7 ,4 % d e s u a fo r tu n a ) re fo r ç a a id é ia d e q u e essa c a te g o r ia a b r a n g ia pesso as que
se faz iam a ju d a r e m se u s o fíc io s p o r m ã o - d e -o b r a e s c ra v a o u a a lu g a v a m .
U m a d as q u e stõ e s q u e fo r m u la m o s n o in íc io d e s ta a n á lis e d iz ia re sp e ito à evo lu ­
ção , ao lo n g o d o s é c u lo , d a p a r tic ip a ç ã o d o s v á rio s c o m p o n e n te s n a fo r tu n a g lo b a l de
c a d a c a te g o ria só c io -e c o n ô m ic a , P a ra re s p o n d ê -la , d is t in g u i d o is p e río d o s: 1 8 0 1 - 1 8 5 0
e 1 8 5 1 - 1 8 8 9 , a p re s e n ta d o s n a s ta b e la s 1 1 9 e 1 2 0 .

TA BE LA 119
C o m p o s i ç ã o d a s F o r t u n a s p o r C a t e g o r i a s S ó c io -E c o n ô m ic a s , 1 8 0 1 - 1 8 5 0 (% )
C ategorias* 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

N egociantes (2 7 ) 2 2 ,4 6,2 5 ,8 0,1 9 ,4 - 3 5 ,8 2,8 17,4 -

In d ustriais ( 1) 12,9 1 7 ,6 4 2,1 - 8,6 - 8,1 0 ,4 10,1 -

Profissionais lib erais (4) 4 2 ,8 4 ,2 1 0 ,9 - 2 2 ,7 - 1 0 ,5 7 ,5 - 1,4

Senhores de en genho ( 7 ) 5 ,0 5 7 ,6 13,1 0,8 1,9 - 2 0 ,5 0,8 - 0,2

R cntistas ( 86) 4 0 ,8 12,2 0 ,7 1 5 ,9 0 ,9 21,8 3 ,6 - 0,3


. 3-7
D onos de barcos (5) 12,1 5 ,0 1 3 ,9 0 ,4 1 0 ,9 3 ,2 15,0 5 ,6 3 3 ,8 -

C o m ercian tes (3 4 ) 23,1 0,2 8 ,7 1,6 2,8 - 3 7 ,7 3 ,4 2 2 .4 -

Proprietários agrícolas ( 3 7 ) 9 ,9 38,1 18,4 0 ,9 9 .0 4,1 15,3 2,6 - 1.5

Padres ( 8) ’ 2,6 - -
47,1 10,8 1 7 ,2 - - 14,9 7 ,3

F uncionários (5) - -
3 0,8 4 .6 8 ,9 0 ,4 2 4 ,8 - 22,8 7,7

O ficiais subalternos (9) 4 8 ,5 9 ,7 U ,4 0,2 6,8 - 21,0 2,1 -

Oficiais superiores (11) 6,2 - -


3 4 ,4 7 ,2 11,9 0,6 14,0 - 2 5 ,5
Artesãos (14) 7.6 2 ,7 3,4 0,7
1 8 ,0 - 6 6 ,3 0 ,5 0 .7 -
Sem ocupação (14 2 ) 5 0 ,5 0,8 2 4 ,8 4 ,2 7 ,3 - 6 ,3 5 ,8 - _

M arítimos (3) - 6 .7 3,8 14,6 —


3 9 ,6 2 .9 2 7 ,5 0 ,7 4,1
(*) Entre parèntesu, número dc invcnciriot cnniukadoi.
A leitura com parativa dor dados destas tabelas mostra em orim ,' I
propriedade im obiliária foi um com ponente importante da f a ° c 8" ’ qU' 3
dois períodos. N o entanto, na prm teira metade do s" ulo ^
grande peso, sobretudo nas fortunas dos profissionais ' . i b ^

vmd; o t r e r P^ a t r : í s ’ d o s <£
Na segunda m etade do século esse peso aum entou - embora em percentuais não
m uito elevados - na fortu na dos negociantes, dos industriais, dos oficiais graduados
e d o s a r te s a o s . E m c o n t r a p a r t id a , r e d u z iu - s e — e m p e rc e n tu a is ex p ressivo s - na
f o r tu n a d o s p r o f is s io n a is lib e r a is (p a s s o u d e 4 2 ,8 % a 1 8 ,9 % ), d o s p a d re s (d e 4 7 1%
a 3 2 ,5 % ) e d o s o f ic ia is s u b a lt e r n o s ( 4 8 ,5 % a 1 0 ,5 % ) , Isto se d e v e u so b re tu d o ao
s u r g im e n to d e n o v a s o p o r t u n id a d e s d e in v e s tim e n to a p a r tir d e 1 8 4 0 , c o m a criação
d e b a n c o s e s o c ie d a d e s a n ô n im a s e as p o s s ib ilid a d e s d e e m p re s ta r ao E stad o D e fato
as r u b r ic a s r e la t iv a s a e sse s d o is c o m p o n e n t e s p e r m ite m n o ta r , n o c o n ju n to , u m n ítid o
a u m e n to d o s d e p ó s it o s b a n c á r io s e s o b r e tu d o d o s in v e s tim e n to s n a c o m p ra d e valores,
ao p a sso q u e , n a p r im e i r a m e t a d e d o s é c u lo , só o s q u e v iv ia m d e re n d a s, os p ro p rie ­
tá r io s d e e m b a r c a ç õ e s e o s p r o p r ie r á r io s a g r íc o la s p o s s u ía m u m a p a rte d e seu s b ens —
a liá s ín f im a — n a s r a r a s s o c ie d a d e s a b e r ta s e x is te n te s . A s s im , p o r e x e m p lo , n a catego -

TABELA 120

C o m p o s iç ã o das F ortun as por C a t e g o r ia s S ó c i o -E c o n ò m i c a s , 1 8 5 1 - 1 8 8 9 (% )

C ategorias* 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Negociantes (81) 27,5 •4,3 2,0 0,9 22,7 11,4 15,0 1.6 13,0 1.3

Industriais (12) 7,8 2,2 1,9 15,8 7,4 2,9 33,0 1,9
26,3 0,7

Profissionais liberais (15) - 3,2 1,7 19,2 47,4 6,8 1,6 - 0,1
18,9
- 9,3 7,6 6,9 1,6 - 2.8
Senhores de engenho (10) 4,2 30,2 37,2
16,1 14,7 2.1 - 2,0
Rentistas (224) 37,4 2,4 5,0 2,3 17,8

- - 2,0 96,5
t)onos de barcos ( 1) _ 1,5 - - -
46,6 1,6 1 4 ,4 0,5
Comerciantes (39) 14,1 3,3 9,9 1.0 4.9 3,4

11.0 6,8 1,2 — 1,1


Proprietários agrícolas (41) 9.4 30,1 25,0 4,3 10,8
7,7 1.7 — 6,1
Padres (15) 32 ,5 7,6 15,0 1.2 5,5 22,3
5.0 “ 0,6
43.8 19,8 0.7
Funcionários (9) 23,5 - 5,3 1,2
- 34,7 6.7
Oficiais subalternos (5) 10,5 13,2 _ 34.9

11,0 15,4 10,0 1,7


Oficiais superiores (7) 42,6 4.2 14,9 -
3.0 5.3 0,6
12,4 9,0 6.3 15.4 5,9
Artesãos (17)** 3 3 .2 8,6
3.5 — 0,3
2.2 19,7 12,7 4,0
Sem o cup ação (2 3 6 ) 40,6 1.6 15,4
4,4 2,2
M arítim o s (7) 1 8 .9 15,2 47.4 0,3 11,6 —
m aior fortuna, «Tenda n o .».»■
(*) Rmrc parímesb, t»dmero de inventário* co m i iltado*. (’ *) Com exceção da
6 3 6 B ahia, S é cu lo XIX

r ia d o s q u e v iv ia m d e re n d a s , as d ív id a s e m a t iv o , q u e re p r e s e n ta v a m 2 1 ,8 % d a fo rtu n a
e n tr e 1 8 0 1 e 1 8 5 0 , b a ix a r a m a u m p e r c e n tu a l d e 1 4 ,7 % n a s e g u n d a m e ta d e d o sécu lo .
O r a , n o p r im e ir o in te r v a lo , 2 2 % d e ssa c a t e g o r ia v iv ia m d e e m p r é s tim o s fe ito s a te r­
c e iro s , ao p a sso q u e n o s e g u n d o se r e d u z ir a m a 1 4 ,7 % . P a r a le la m e n t e , a p a rtic ip a ç ã o
d o s v a lo r e s n a f o r tu n a d e ssa c a te g o r ia s u b iu d e 0 ,9 % a 1 6 ,1 % . S e r ia fá c il m u ltip lic a r
os e x e m p lo s , c ita n d o ta m b é m os p a d re s , o s f u n c io n á r io s e o s o f ic ia is g ra d u a d o s . A
ú n ic a e x c e ç ã o fo ra m os o f ic ia is s u b a lte r n o s , c u ja s d ív id a s e m a tiv o a u m e n ta r a m de
2 1 % p a ra 3 4 ,7 % , p e lo m e n o s n a a m o s tr a e s t u d a d a , o q u e se e x p lic a p o r se u re c ru ta ­
m e n to e m c a te g o r ia s s o c ia is m a is h u m ild e s .
A o lo n g o d e to d o o s é c u lo X IX , o v a lo r d a s te r r a s fo i u m fa to r im p o r ta n te d a
fo r tu n a d o s p r o d u to r e s a g r íc o la s , in c lu s iv e o s s e n h o re s d e e n g e n h o . N o e n ta n to , na
s e g u n d a m e ta d e d o s é c u lo as te r r a s r e p r e s e n t a v a m a p e n a s 3 0 % d a f o r tu n a d essas duas
c a te g o ria s d e p r o d u to r e s , ao p a sso q u e e n t r e 1 8 0 1 e 1 8 5 0 t in h a m u m p eso d e 5 7 ,6 %
n a fo r tu n a d e s e n h o re s d e e n g e n h o e d e 3 8 % n a d o s p r o p r ie tá r io s a g ríc o la s . Em
c o n tr a p a r tid a , a p a r tic ip a ç ã o d o v a lo r d o s e sc ra v o s n a f o r t u n a d e ssas c a te g o ria s a u ­
m e n to u s ig n if ic a tiv a m e n te a o lo n g o d o p e r ío d o : p a s s o u d e 1 3 ,1 % a 3 7 ,2 % n o caso
d o s se n h o re s d e e n g e n h o e d e 1 8 ,4 % a 2 5 % n o d o s p r o p r ie tá r io s a g r íc o la s . P a ra todas
as d e m a is c a te g o r ia s — s a lv o o s c o m e r c ia n te s e o p e s s o a l d o m a r , c u ja s ativ id a d e s
g e r a lm e n te e x ig ia m m a is m ã o - d e -o b r a — o p e r c e n t u a l r e la tiv o a esse ite m b aix o u ,
p ro v a d e q u e , c o m a c e s sa ç ã o d o tr á f ic o e a d e c o r r e n te e le v a ç ã o d o p re ç o d o s escravos,
este s já n ão e r a m u m b o m in v e s tim e n to .
E s ig n if ic a tiv o q u e o s e s c ra v o s r e p r e s e n ta s s e m 6 6 ,3 % d a f o r tu n a d o s artesão s na
p r im e ir a m e ta d e d o s é c u lo e n ã o m a is q u e 1 2 ,4 % n a s e g u n d a . A in d a a s s im , n o se g u n ­
d o in te r v a lo , e m 2/3 d o s in v e n tá r io s d e ssa c a te g o r ia e s ta v a m a r ro la d o s esc rav o s (co n tra
6/7 n o p r im e ir o ); o q u e b a ix o u fo i s o b r e tu d o o n ú m e r o q u e c a d a u m p o ssu ía : a m éd ia
d e escrav o s p o r p r o p r ie tá r io c a iu d e 4 p a r a 1 ,3 , e as e s p e c ific a ç õ e s a p re se n ta d a s nos
in v e n tá rio s in d ic a m q u e os e sc ra v o s e ra m id o s o s , c o m m a is d e c in q ü e n t a an o s.
A c e ssaç ão d o tr á fic o , a e le v a ç ã o d o s p re ç o s d o s e sc ra v o s, a a m e a ç a d e ab o liçã o da
e sc ra v a tu ra e as v e n d a s p a ra as re g iõ e s c a fe e ira s n o C e n t r o - S u l d o p a ís c ertam en te
a fa sta ra m os b a ia n o s d e ssa fo r m a t r a d ic io n a l d e in v e s tim e n to . D e fa to , reto rn an d o
a in d a u m a v ez à c a te g o ria d o s q u e v iv ia m d e re n d a s , o b se rv a -se q u e a m a io r ia dos q ue
a lu g a v a m escravo s v iv e u e m o rr e u n a p r im e ir a m e ta d e d o sé c u lo : c o rresp o n d e m a
d e zo ito in v e n tá rio s a n te r io r e s a 1 8 5 0 e a d e z p o ste rio re s, se n d o q u e , d estes, sete são d a
d é c a d a d e 1 8 5 0 e só trê s p o ste rio re s a 1 8 6 0 .
O s p reço s d a m ã o -d e -o b ra e sc rav a , c o m o já e v o q u e i m u ita s vezes, so freram eleva­
ção c o n stan te a p a rtir d c 1 8 1 9 . A tin g ira m seu p ico c m 1 8 5 9 - 1 8 6 0 e, e m b o ra ten h am
d e c lin a d o até a A b o liç ã o , e ram m ais alto s no fin al do p e río d o e sc rav ista do q u e no
in íc io d o sé c u lo , p ro v a d e q u e essa m ã o -d e -o b ra c o n tin u a v a a se r d e m a n d a d a .32
C o m o se o b serv a, o p reço d as escrav as a d u lta s e ra c erca d e 7 5 % do p reço dos ho­
m en s. Isto p o u co se a lte ro u co m o te m p o : o p reço d as escravas o sc ilo u en tre 7 1 % c
8 5 % d o preço d o s escravo s. C o m o e stam o s tra ta n d o d e escravo s u rb an o s, o m en o r va-
ÜVRO V II - Q D in h e ir o B m a M )s
637

I A B F. L A 12 1
P reços de
E sc r a v o s L ib e r t a d o s ( f. m m il r e is )

Homens
M “ HFRi-.s M e n in o s

N úm fro P reço
M f.ninas
HUMKKU 1REÇO N cmf. ro P reço
1619-1820 59 214 104 151 11 33 12 36
1825-1826 77 207 153 170 18 63 12 50
1829-1830 70 266 102 197 4 34 10 100
1535-1836 102 292 179 249 27 52 17 47
1839-1840 158 483 194 368 15 108 18 109
1843-1846 156 558 210 417 8 114 15 80
1S 49-1850 161 543 210 407 26 134 19 150

1855-1856 199 874 214 695 16 233 25 222

1859-1860 184 1.2 6 1 217 1.0 0 4 29 294 56 346

1865-1866 170 1.16 5 280 887 29 267 35 212

1869-1870 172 1.0 6 7 325 882 45 242 77 237

1875-1876 188 784 332 616 10 370 20 323

1879-1880 134 800 218 583 1 300 3 233

1885-1886 71 482 104 382 - - - -

1887-1888 11 468 32 365 - - - -

lo r d a m ã o - d e - o b r a f e m i n i n a d e v ia - s e ao fato d e q u e e ra m os h o m e n s sobretudo os
' ■ 33
q u e t i n h a m q u a li f ic a ç ã o o u o f íc io — q u e p o d ia m ser v e n d id o s p a ra o utras províncias.
Isto e x p lic a o g r a n d e n ú m e r o d e m u lh e r e s a lfo rr ia d a s , b e n e fic io d e q u e gozavam
ta m b é m as c r ia n ç a s : d e 1 8 1 9 - 1 8 2 0 a 1 8 6 9 - 1 8 7 0 , u m a m e n in a escrava custava 31%
do p reç o d e u m a e s c r a v a a d u l t a , e u m m e n in o escravo 2 5 % d o preço de um adulto.
A ssim , e n t r e os m a is jo v e n s , os p reç o s d o s d o is sexos e ra m m a is ap ro x im ad o s do quc
e n tr e os a d u lt o s , o q u e é c o n f ir m a d o p e la m a io r ia d as séries de preços d e escravos.
O preço d a s escravas s u b iu m a is r a p id a m e n t e q u e o dos escravos, e a m é ia
preços d as m e n in a s escravas c ra ig u a l c às vezes s u p e rio r à m é d ia do preç ^
nos. S e ria p o r q u e as m e n in a s a m a d u r e c ia m m a is ra p id a m e n te . N áo á c m aioria
der, pois as c artas d c a lf o r r ia ra ra m e n re p re c is a m a id a d e dos escravo^,
e m p re g a fo rm a s v agas, c o m o m e n in o , m e n in a , c rio u lin h o e crioulir) ^ eVC|ha(no
cria n ç as), e ra p az , ra p a r ig a , m o ç o , m o ç a , a in d a m o ço , a in d a m oça ,
caso d os a d u lto s ). _ . dados da
A in d a q u e estas in fo rm a çõ e s não p e rm ita m d isc e rn ir faixas e f ri . n<J
ta b ela d e ix a m c la ra a a c e n tu a d a elev ação dos preços dos escravos, 9 ^ ^ ^ ^
fim d os an o s 1 8 3 0 e, c o m o vim o s, a tin g iu seu m áx im o em habitan-
su b se q ü en te, n ã o m u ito g ra n d e , prova q u e a d e m a n d a p ersistia, as
638 B a h ia , S écu lo X IX

TABELA 122

I n v e n tá r io s p o st m o rte m e E s c r a v o s , 1801 - 1 8 89
N.E. N.I, N.I.S.E. % l.S.E.

1 8 0 1 -1 8 1 0 543 65 6 9 ,2

1 8 1 1 -1 8 2 0 1 .0 8 7 71 10 1 3 ,1
1 8 2 1 -1 8 3 0 ' 947 85 8 9 ,4
1 8 3 1 -1 8 4 0 426 . 88 11 1 2 ,5
1 8 4 3 -1 8 5 0 545 86 17 1 9 ,2

S ue t o t a l 3 .5 4 8 395 52 1 3 ,2

1851-1860 1 .1 5 5 240 55 2 2 ,9
1 8 6 1 -1 8 7 0 501 83 27 3 2 ,5
1 8 7 1 -1 8 8 0 385 159 82 5 1 ,6
1 8 8 1 -1 8 8 9 311 238 171 7 1 ,8

SUBTOTAL 2 .3 5 2 720 335 4 6 ,5

N.E. = núm ero de escravos; N .L = núm ero de inventários; N .I.S.E . = núm ero de inventários
sem escravos; % I.S.E . = percentagem de in ven tário s sem escravos no total.

te s d e S a lv a d o r e la c e r ta m e n te d e c r e s c e u : o s in v e n tá r io s m o s tr a m q u e m e n o r n ú m e ro
d e b a ia n o s p a sso u a p o s s u ir m e n o r n ú m e r o d e e sc ra v o s.
A p a r tir d a d é c a d a d e 1 8 7 0 os e s c ra v o s f ig u r a m e m m e n o s d e m e ta d e d o s in v e n ­
tá rio s . P r o fis s io n a is lib e r a is , p a d re s e a lto s f u n c io n á r io s j á n ã o o s t in h a m p a r a o serv iço
d o m é s tic o . O q u e r e s ta v a c o m o e sc ra v o s d o m é s tic o s e r a m m u lh e r e s id o s a s , c o n se rv a ­
d as e m c a sa p o r c o m is e r a ç ã o o u c o s tu m e . S ó p r o p r ie t á r io s a g r íc o la s , s e n h o re s de
e n g e n h o , a lg u n s n e g o c ia n te s e c o m e r c ia n te s c o n t in u a v a m a te r g r a n d e n ú m e r o de
e sc ra v o s, p o r v ezes m a is d e v in t e , e m g e r a l tr a b a lh a n d o e m p la n ta ç õ e s o u c o m o au x i-
lia re s d e c o m é r c io . O p r e s tíg io a n te s a s s o c ia d o à p o sse d e e sc ra v o s e s f u m a v a -s e : p assa­
v a a té a ser d e b o m to m n ã o os p o s s u ír , r e c o r r e n d o a e m p r e g a d o s d o m é s tic o s a s sa la ­
ria d o s o u s im p le s m e n te ao s a g r e g a d o s e a g r e g a d a s q u e p o v o a v a m a s c a sa s a b a sta d a s.
Q u a n to ao s o u tr o s c o m p o n e n te s d a s f o r tu n a s b a ia n a s , d e v e -s e n o ta r u m a q u e d a
d as d ív id a s e m a tiv o . N a v e r d a d e , n o s in v e n tá r io s d o s c o m e r c ia n te s , e sse e le m e n to ,
q u e já e ra fo rte a n te s d e 1 8 5 0 ( 3 7 ,7 % ) , to r n o u - s e a in d a m a io r a p a r t ir d e m e a d o s do
sé c u lo , c h e g a n d o a 4 6 ,6 % . E n tre os n e g o c ia n te s , e n tr e ta n to , o c o r re u u m a n ít id a re d u ­
ç ã o , p a ssa n d o esse rip o d e ^ a v e r p r o b le m á t ic o ’ d e 3 5 ,8 % a 1 5 % d a fo r tu n a to tal.
I n te rro m p o a q u i estas a n á lise s fu n d a d a s e m d a d o s b ru to s. S e r ía p o r c e rto in te re ssa n ­
te te n ta r c o m p re e n d e r o q u e r e p r e s e n ta v a m as d ív id a s em p a ssiv o p a ra c a d a c a te g o ria
só c io -e c o n ô m ic a . A s ta b e la s 1 2 3 e 1 2 4 , q u e o b e d e c e m a o c o rte d o p e río d o e m 1 8 5 0 ,
d ão o n u m e ro d e in v e n tá r io s (N ), o p e r c e n tu a l d o s q u e tê m d ív id a s em p assiv o (% N ),
o p e rc e n tu a l d o p assiv o d e c a d a c a te g o r ia so b re o m o n ta n te d o p a ssiv o n o p e río d o , o
p e rc e n tu a l d o p assiv o so b re o m o n ta n te d a fo r tu n a d e c a d a c a te g o ria só c io -e c o n ô m ic a
e o p e rc e n tu a l d as d ív id a s e m a tiv o so b re o to ta l d a fo r tu n a d e c a d a c a te g o ria .
N e n h u m a c a te g o r ia só c io -e c o n ô m ic a e sc a p a v a ao e n d iv id a m e n to , q u e e ra m a io r
o u m e n o r se g u n d o o p e río d o d o sé c u lo e a c a te g o r ia c o n sid e ra d o s . G lo b a lm e n te ,
p o ré m , o e n d iv id a m e n to q u a s e d o b ro u n a s e g u n d a m e ta d e d o sé c u lo : 1 4 ,5 % c o n tra
L iv r o V H - O D in h e ir o d o s B a/an o s

TABELA í 23

D Iv id a s em Pa ss iv o e em A ttvo nos I n v e n t a r ,o s. i k o i o k r .
O.TEGOffiAS N ^ N % P csstvq
% P a ssiv o / T o t* l % \~T,’o / T o r m
N ego cian te* 27 4 8 ,1 1 5 ,6 5 ,2 3 5 ,8
ía d u s tr ía is 1 3 0 0 ,0 -
1 ,7 8 1
P ro fissio n ais lib e ra is 4 7 5 ,5 !,0 4 ,7 10,5
S e n h o r a d e e n g en h o 7 4 2 ,8 1 8 ,4 8,8 2 0 ,5
R m datas 86 3 9 ,5 1 7 ,7 4 ,7 21,8
D ono* d e b arco s 5 8 0 ,0 5 ,5 4 2 ,1 3 5 ,8
C c m e ra a n t« 34 5 4 ,0 5 ,9 5 ,0 3 7 ,7
P ro p rietário * a g ríc o la s 37 6 2 ,1 1 1 ,7 1 2 ,3 153
P adres 8 1 2 ,5 - 0,6 14,9
F u c d o n ir ío * 5 100,0 1,6 1 0 ,9 22,8
O ficiais su b altern o s 4 100,0 10,2 3 6 ,8 21,0
O ficiais su p erio res n 7 2 ,7 1.0 8,6 2 5 ,5
A n e sã m 14 5 0 ,0 2 ,3 3 6 ,8 7 ,6

Sem o cu p ação 142 3 1 ,7 10,0 1 2 ,4 6 ,3

M arítim o * 5 6 0 ,0 0,2 4 ,5 6 ,7

(*j T o tal das dividas em passivo = 3 5 6 :9 3 1 de réis; to tal das d ív id as em ativo = 1 .0 91 :8 3 3 de réts.

TABELA 124

D ív id a s e m P a s s iv o e em A t iv o n o s I n v e n t á r io s , 1 8 5 1 - 1 8 8 9 *

O.TEGGÍIAS N % N % P assivo % P assivo /T otal % A tívo /T otal

Negociante* 81 74,0 35,4 14,6 15,0

3,4 133 7,4


Industriais 12 66,7
6,8 20,4 6,8
Profissionais liberais 15 733
41,1 6,9
Senhores de engenho 10 100,0 3,0
9,4 14,7
Rentístas 224 5 1,3 23,7
105,8 0,0
Dono* de barcos 1 100,0 2,5
39.0 46,6
Comerciante* 39 74,3 13,3
6,8
Propriedades agrícolas 41 41,5 6,2 18,3
7,7 7.7
Padre* 15 66,7 0,6
0,7
Funcionários 9 55,5 0,4 10,7
10,5 34,7
Oficiais subalterno* 5 40,0 0,2
10,2 10,0
Oficiais superiores 7 42,8 3.0
5.9 7,/
Artesãos 18 553 " 0,3
4,0
3 ,8 12,2
Sem ocupação 236 30,0
0,4 0.0
Marítimos 7 14,2 0,0
_ ^ 4 r* Al
. 3.362:974 de réis. ("1
i r) Total áas dívidas em putiva • 3.371 * 4 3 de réis; total das dividas cm ativo
maáor fortuna, referida no testo.
640 B a h ia , S é c u l o X IX

7 ,9 % n a p r im e ir a . A s d if ic u ld a d e s e n fre n ta d a s p e la e c o n o m ia b a ia n a tiv e ra m p o r certo


a lg u m a re s p o n s a b ilid a d e n isto . A e s tr u tu r a d o m e rc a d o d e c o n s u m o e ra ta l q u e , não
ra ro , se c o n tr a ía m d ív id a s p a ra c o m p r a r a lim e n to s o u ro u p a s; os p e q u e n o s c o m e rc ia n ­
tes to m a v a m e m p re s ta d o p a ra re n o v a r o e s to q u e ; os a rte sã o s , p a ra c o m p ra r in stru m e n ­
tos d e tr a b a lh o e e sc ra v o s. F a z ia m -s e e m p r é s tim o s ta m b é m p a ra c o m p ra r jó ia s ou
ro u p as im p o r ta d a s d a E u ro p a . C o m o a b a lo d a s o c ie d a d e ap ó s a I n d e p e n d ê n c ia , o
c re s c im e n to d as c a m a d a s m é d ia s e o a u m e n to d o n ú m e r o d o s a lf o r r ia d o s , generalizou-
se o c o s tu m e d e v iv e r e m p a d rõ e s s u p e rio re s ao s p e r m itid o s p e lo s re c u rso s existen tes,
M u ito s in v e n tá r io s r e g is tr a m o p a sm o d e h e r d e ir o s a n te h e ra n ç a s q u e su p u n h am
m u ito m a io re s , o q u e a liá s a c a r r e ta v a f r e q ü e n te s c o n te s ta ç õ e s , q u e fa z ia m o processo
se a r ra s ta r d u r a n te a n o s.
N a p r im e ir a m e ta d e d o s é c u lo , m a is d e 1/3 d o s in v e n ta r ia d o s d e to d a s as catego ­
ria s tin h a m d ív id a s , e x c e to os p a d re s (e m o ito c a so s, só u m as re g is tr a v a , e b astan te
m o d e s ta s ). N o o u rro e x tre m o — c o m d ív id a s q u e se u s c r é d ito s n ã o c o b riam —
e sta v a m os p r o p r ie tá r io s d e e m b a r c a ç õ e s , o s o f ic ia is s u b a lte r n o s , o s a rte sã o s e os ‘sem
p ro fis sã o ’ , N a s d e m a is c a te g o r ia s , p o ré m , o e n d iv id a m e n t o e r a in s ig n if ic a n te , corres­
p o n d e n d o a m e n o s d e 1 0 % d a f o r tu n a to ta l e , e m g e r a l, a m p la m e n te c o b e rto pelas
d ív id a s e m a tiv o .
N a s e g u n d a m e ta d e d o s é c u lo , a s itu a ç ã o m u d o u d e f ig u r a . O p e rc e n tu a l de
in v e n tá r io s q u e re g is tr a v a m d ív id a s a u m e n to u . A ú n ic a c a te g o r ia e m q u e ap en as 1/3
d o s in v e n ta r ia d o s a p r e s e n to u d ív id a s fo i a d o s ‘se m p r o f is s ã o ’ ; e m c o n tr a p a rtid a , elas
s u p e ra v a m os c ré d ito s , q u c é a f in a l o q u e im p o r ta . N o s in v e n tá r io s d e to d as as dem ais
c a te g o ria s , a p e n a s u m — d e u m p r o p r ie tá r io d e e m b a r c a ç ã o — re g is tra v a dív id as
su p e rio re s ao v a lo r d a to t a lid a d e d o s b e n s, r e s u lt a n d o n u m a h e r a n ç a n e g a tiv a . C om o
a s itu a ç ã o d o s p r o p r ie tá rio s d e e m b a rc a ç õ e s já n ã o e r a m u ito fav o rá v el n a p rim eira
m e ta d e d o sé c u lo , p o d e -se su p o r q u e a c a te g o r ia e sta v a e m g ra n d e s d ific u ld a d e s. Os
b e rg a n tin s , la n c h a s e a lv a re n g a s a r ro la d o s n o s in v e n tá r io s e ra m co m fre q ü ê n c ia d escri­
tos co m o v e lh o s, o q u e faz su p o r q u e essas e m b a rc a ç õ e s já n a o n a v e g av a m , co n sn -
■ tu in d o m ais u m peso q u e u m a fo n te d e re n d a s p a ra seus. p ro p rie tá rio s .
N ão se d e v e, p o ré m , g e n e ra liz a r, c o m o o p ro v a a h e ra n ç a n e g a tiv a d e E ufrosm a
C o u to d a S ilv a . C a s a d a , m ã e d e o n ze filh o s , m o rta em 1 8 8 2 , d e ix o u aos h erd eiro s um a
v e rd a d e ira fro ta d c p e q u e n a s e m b a rc a ç õ e s, sem d ú v id a em e x c e le n te estad o : nove alv a­
ren gas e seis la n c h a s , n o v a lo r d c 7 5 :0 0 0 d e réis. A isto sc ac re sc e n ta v a m um terreno
d e 1 :2 0 0 d e réis em I ta p a jíp c , 1 :6 3 5 d e réis em m ó v eis e 2 :0 0 0 d e réis em diversos
tip o s de m a d e ira p a ra re p a ro das e m b a rc a ç õ e s. M a s este b elo p a trim ô n io estava crivado
de d ív id a s a d iv erso s g ra n d e s n e g o c ia n te s, no v a lo r d e 8 4 :5 1 3 d e réis. So m ad as à
despesa de 8 5 2 .0 0 0 réis referen te ao in v e n tá rio , estas re su ltara m n u m a h eran ça negativa
d e 5 :5 6 0 d e réis. O m a rid o , cu jo s b ens e p ro fissão não fo ram d eclarad o s, m as que era
o tu to r leg al d o s filh o s d e E u fro sin a, v iu -se o b rig a d o a re je ita r a h e ran ç a.
As d ív id a s su p erav am os c ré d ito s no caso dos in d u s tria is , d o s p ro fissio n ais liberais,
dos senho res d c e n g e n h o , d o s p ro p rie tá rio s ag ríc o la s, d o s fu n c io n ário s e do pessoal do
J j v X o M I - Q DtSHBKO DOS B m .cíos

mar- A fortuna dos profiss.onais liberais « u v a em prom erida nor lí N ,

c “ ro ü s í ‘ n|h " r” d c 7 7 h7 tmk* “ >*” r » * - » a c j r ^ i Z r i r b ;


c rn n ru m o s unham grandes d.v.das (4 1 .1 % de suas fortunas) e créditos insienif,
1(01%). Isto nao surpreende, pois são conhecidas as dificuldade dessa classe d
d u to re s, p a rti il u d a s ta m b é m p e lo s d e m a is p ro p rie tá rio s ag ríco las, ^ ^
m as em níveis m ais
m o d e ra d o s ( 1 8 ,5 % d e d ív id a s p a ra 6 ,8 % d e c ré d ito s ).
N as o u tr a s c a te g o r ia s s ó c io -e c o n ô m ic a s . c o m o n e g o c ia n te s e pad res, as d ív id as em
p assiv o e q u ilib r a v a m - s e c o m as re g is tra d a s em a tiv o , ou estas su p eravam as p rim eiras.
N ão o b s ta n te a e le v a d a p e rc e n ta g e m d e in v e n tá rio s q u e registram d ívid as, as
h e ra n ç as n e g a tiv a s fo ra m p o u c a s e m to d o o sé c u lo : c o rresp o n d e ram a 2 ,5 % do toraí
d o s in v e n tá r io s d e 1 8 0 1 a 1 8 5 0 c a 5 % d a q u e le s d e 1 8 5 1 - 1 8 8 9 . T ip ic am e n te , per­
te n c ia m a a rte s ã o s , a p e q u e n o s f u n c io n á r io s , aos q u e v iv ia m d e rend as ou aos ‘sem
p ro fis sã o ’, b e m c o m o a p e q u e n o s a g r ic u lto r e s c c o m e rc ia n te s. E ntre as fortunas de
m a io r v u lto , só e m d o is in v e n tá r io s h o u v e sa ld o n e g a tiv o : a d e E ufro sin a C ou to da
S ilv a e a d o n e g o c ia n te p o r tu g u ê s R a im u n d o F ran cisc o d e M aced o M agarao , que
m o rreu s o lte ir o cm 1 8 7 2 . N e ste c aso , o in v e n ta ria d o su p e re stim a ra seus haveres:
a v a lia n d o -o s e m 1 9 4 :2 6 9 d c réis, d e ix o u le g a d o s no v a lo r d e 5 2 :2 0 0 de réis, mas
su as d ív id a s fo ra m a v a lia d a s cm 1 8 1 :1 5 8 d c r é is .^ A tab ela q u e se segue m ostra a
d is tr ib u iç ã o , p e la s d iv e r s a s c a te g o r ia s , d e sse s in v e n tá rio s q u e ap resen taram saldo
n e g a tiv o :

. T A B F .I.A 125

1801-1850" 1851-1889"
T a m a n h o das F o rtunas'

7 12
at<É 1 : 0 0 0

3 * 4
1: ] 0 0 a 2 : 0 0 0

- 9
2 :1 0 0 a 1 0 :0 0 0

2 10
1 0 :1 0 0 a 5 0 :0 0 0
2
5 0 :1 0 0 a 2 0 0 :0 0 0 -

(*) P.m c o n t i n lie « íis . (**) N íim e r o alisolm r» d c invcnfíírJOi.

N a se g u n d a m e ta d e do sécu lo , as p e q u e n a s h c ia n ç as cnn " j qqq r^;s), nías


re p resen tan d o 1/3 d o c o n ju n t o d os in v en tário s (o valoi m éi to cuj fl fortUna
ig u a lm e n te n u m e ro sa s foram as heran ças negativas deixai ( N newts condições,
sc situ av a na faiaa d<» 10:00(1 a 1 0 :0 0 0 tlc réis. lintre tlca m v en lár. ^ ^ mni£rciantes
sete fo rn e ce m in fo rm aç õ e s precisas: três p ertenciam a. agrict fortuna média
(dois q u ira n d e iro s e u m a p a d e ira) e o sétim o a um farmacêuttco. A lo
desses in v e n tá rio s era 1 7 :0 0 0 de réis.
64 2 B a h ia , S écu lo X IX

I g u a lm e n t e n u m e r o s o s fo r a m os in v e n t á r io s c o m s a ld o n e g a tiv o c o rresp o n ­
d e n te s a fo r tu n a s n a f a ix a d e 2 :0 0 0 e 1 0 :0 0 0 d e ré is . E x a m in e i n o v e d e le s, m as só um
tr a z ia in fo rm a ç õ e s p re c is a s: o d o p o r tu g u ê s E m ilia n o M o r e ir a d e C a rv a lh o e Silva,
q u e , a té 1 8 7 4 , s u s te n ta r a m u lh e r e filh o s c o m a lo c a ç ã o d e se u s o ito e sc rav o s, aliás seus
ú n ic o s b e n s. D e ix o u 7 :4 0 0 d e ré is em e sc ra v o s, m a s ta m b é m d ív id a s n o v a lo r de 9 :4 6 8
d e ré is, d o s q u a is 6 :8 6 8 d e ré is e ra m d e v id o s ao ric o e in f lu e n t e c ô n e g o e p o lítico
H e n r iq u e d e S o u z a B r a n d ã o , q u e lh e e m p r e s ta r a a ju r o s . D o e n te , E m ilia n o foi se
tr a ta r e m P o r tu g a l e lá m o rr e u , d e ix a n d o d e s a m p a r a d a s u a f a m ília b r a s ile ir a .35
P o u co n u m e r o s o s n o c o n ju n t o , o s in v e n t á r io s c o m s a ld o n e g a tiv o têm um a
fre q ü ê n c ia q u e d e ix a c la ro q u e os b a ia n o s p o u c o o u m e d ia n a m e n te a b a sta d o s — cujas
h e ra n ç a s v a ria v a m e n tre a lg u m a s c e n te n a s d e m il ré is e 1 0 :0 0 0 d e r é is — e stav am m ais
ex p o sto s a esse re v é s. E n ã o se p o d e a t r ib u ir ta l d e s fe c h o a m á g e s tã o : q u a n d o a fo rtu n a
era m o d e s ta , os b e n s e ra m n e c e s s a r ia m e n te p o u c o d iv e r s if ic a d o s e m u ita s vezes in su ­
fic ie n te s p a ra a s s e g u ra r o s u s te n to d e u m a f a m ília o u m e s m o d e u m a p esso a.
A ra iz d o p r o b le m a e stá , a n te s , n u m e s tilo d e v id a . O s b a ia n o s d essas faixas de
fo rtu n a v iv ia m se m se p r e o c u p a r m u it o c o m o a m a n h ã , c o n tr a in d o d ív id a s freq üen tes
e e m p re s ta n d o d in h e ir o c o m p r o d ig a lid a d e . P o r m o d e s to s q u e fo ssem os bens, eles
situ a v a m o p r o p r ie tá r io a c im a d o s q u e n a d a t in h a m . B a s ta v a e n tã o u m a d o e n ç a para
q u e as d ív id a s se m u ltip lic a s s e m , c o m as d e sp e sa s d e m é d ic o e fa r m á c ia . A liá s , dívidas
d e ú ltim a h o ra c o n s ta m d e 6 6 % d e sse s in v e n tá r io s , a o p a sso q u e n o s d e faix as d e m aior
fo rtu n a , se m re g is tr o d e o u tr a s d ív id a s , n a o p e s a m ta n to .
A d e s p re o c u p a ç ã o c o m o f u tu ro n ã o e r a , a liá s , e x c lu s iv id a d e d o s m e n o s afo rtu n a­
do s o u d o s q u e d e ix a v a m h e ra n ç a s n e g a tiv a s . E ra u m a a t it u d e d ía n te d a v id a que
m a rc a v a to d o s os b a ia n o s , fosse q u a l fo sse s u a c a te g o r ia s o c ia l o u n ív e l d e fo rtu n a. Os
in v e n tá rio s n e g a tiv o s só fa z e m r e v e lá -la , v e r d a d e ir a e p if a n ia q u e tra z à to n a u m traço
a rra ig a d o q u e , a liá s , a f ó r m u la ‘D e u s d a r á ’ — d it a n u m to m e n tre a o rd e m e a prece,
ja m a is c o m o in te r ro g a ç ã o — e x p re ssa la p id a r m e n te . E sse ‘D e u s d a r á ’ e stav a nas bocas
de to d o s os b a ia n o s. D e u s ‘ d a r ia ’ ao ric o p a ra fa z ê -lo m a is ric o ; d a r ia ta m b é m ao pobre
o seu q u in h ã o , m as n ão d ir e t a m e n t e : e le p r e c is a v a d e u m p a tro n o , u m m ed iad o r. As
riq u ezas q u e D eu s d a r ia n a o e ra m n e c e s s a ria m e n te m a te r ia is : q u a lq u e r no vo laço de
p are n te sc o , re la ç ã o so c ia l o u d e tr a b a lh o e s ta b e le c id o e ra v isto co m o d o m precioso,
su sc ita n d o a e sp e ra n ç a d e g a n h o s m a te r ia is . É p re c iso te r c o n v iv id o com esse traço
sa lie n te d a m e n ta lid a d e b a ia n a p a ra c o m p re e n d e r o p a p e l re la tiv o d a riq u e z a m aterial
co m o c rité rio d e c la ssific a ç ã o so c ia l.

R iq u e z a s e P o b rezas

E n tre os in v e n tá rio s q u e e stu d a m o s, vário s e ra m sem d ú v id a de baian os m u ito ncos,


m as apen as 1 1 % dos in v e n ta r ia d o s p a re c ia m a salvo de u m revés. Por outro lado,
tem o s bons in d íc io s d e q u e , se não tod as, a g ra n d e m a io r ia das pessoas m u ito abasta
d a , m o r c a , n o « c u l o X IX c r a v a e n r r e n o v « , in v c n r a .ia d o , « o - ■ ,
i o d e 1 8 6 1 a 1 8 8 9 . E „ m . ,,u a ,c „ Hh , . f. i c a , no c n ^ o
Oi n ce g o c umnut c xs . t uo rmn o ja ^ mSUoK. d e tin h a m
u to i, u *V \. ,1
*VN. ,í, , t.
t u n a. 1s, c ra
m a io re s f o r tu d c M ig
r , ,a ,lo iwue l| ,I W
V rc„ita, |1 hWa s dZ » , sX " <m_., T■ “ ' 1^ m i d^ js
h f a lc u d o c m 1 8 8 1 . N ão p u d e
a p u r a r wr « , ^ n u p K . . l. , „ m u , c , u m c m n K„ mrmh: ^
d a A s s o c ia ç ã o
' ; Jj ";jl’ U d " ' r " » u [ U „ b a n o , d a C idade. T in h a
ram b em aa ppoo l u c , d o I c e rn iu » d a I W í n . i , c d o R„ v c r n » « m M |. Q lu n d u dc sua

m o rte , j i e n c e r r a r a seu p r ó p r io n e g ó c io , p o is n á o c o n sta d o m v c n tã n o n e n h u m ã


av aS iaçao d e se u s b e n s m o v e is . I-.ra p o is u m m e r o ‘c a p ita lis ta . d e s ig n a ç ã o c o m u m c n tc
c o n te n d a a esves c .x - c o m e r c ia m e s q u e p e r m a n e c ia m lig a d o s aos n e g ó cio s, fosse pela
p a rtic ip a ç ã o c m o u tr a s s o c ie d a d e s c o m e r c ia is , fosse in v e s tin d o seu d in h e iro cm em p reen ­
d im e n to s b a n c á r io s o u in d u s t r ia is . A f o r tu n a d e M ig u e l F e rre ira D ias d o s S an to s —
u m a g r a n d e lo r t u n a b a ia n a t íp ic a — t in h a a s e g u in te c o m p o s iç ã o : im ó v e is (1 6 7 :3 3 8
d c r e is ;, a ç õ e s b a n c á r ia s ( 1 7 4 :7 1 0 d e r e is ) . a ç õ e s d e c o m p a n h ia s d e se g u ro (1 :1 6 0 de
ré is ), a ç õ e s d e c o m p a n h ia s c o m e r c ia is ( 6 2 :1 2 0 d e re is ), a p ó lic e s do g o v ern o p ro v in cial
( 1 0 :3 0 0 d e r é is ), a p ó lic e s d o g o v e r n o c e n tr a l ( 1 0 1 :6 0 0 d e re is), d in h e iro cm co n ta
c o rr e n te c m b a n c o ( 3 0 : 6 7 9 d c re is ), d in h e ir o d c u m a h ip o te c a (3 3 :5 5 3 de réis),
d in h e ir o líq u id o e n c o n t r a d o n a c a s a ( 1 3 :4 0 0 d e r e is ), d in h e ir o e n tre g u e aos h erd eiro s
( 1 0 0 :0 0 0 d e r e is ), m ó v e is ( 3 3 3 .0 0 0 re is ), b a ix e la ( 6 0 3 .0 0 0 ré is), ta lh e re s em prata
( 1 3 5 - 0 0 0 r e is ), u m p a r d c c a s tiç a is ( 5 5 - 0 0 0 re is) c jó ia s cm o u ro ( 2 6 1 .0 0 0 réis).
U m a s ó lid a f o r tu n a , p o r c e r to , q u e p e rfa z ia o to ta l d c 7 1 6 :2 4 7 d c réis. M as o
n e g o c ia n te d e ix o u d ív id a s . A lg u m a s , c o n tr a íd a s ju n t o a c o m e rc ia n te s com q u e o
in v e n ta r ia d o fiz e r a n e g ó c io s , e r a m p o n d e r á v e is , s o m a n d o 8 8 :8 8 9 d c réis; as o u tras,
c o n tr a íd a s ju n t o a m e m b r o s d a f a m ília — c u n h a d o s , c u n h a d a s e p rim a — , m o n tav am
a 4 7 :2 4 5 d c ré is. E sses 1 3 6 :1 3 4 d e ré is d e d ív id a s p o d ia m ser fa c ilm e n te co b erto s por
u m a tiv o 5 ,5 v ezes m a io r , c se u s d e z filh o s , d o s q u a is a p e n a s u m m en o r, h erd aram
5 8 :0 0 0 d c ré is c a d a u m . ^
N o m e s m o a n o , m o r r e u c te v e se u s b e n s in v e n ta r ia d o s o c a p itã o M a n o e l A gosti
n h o d a U ru z e M e llo , q u e d e ix o u à m u lh e r e ao filh o 4 5 3 .0 0 0 réis, m ó 'e is c um
te rre n o v a g o .37 A in d a em 1 8 8 1 , fa le c e u M a n o e l A n tô n io Vaz. C ru z , q u e tin h a por
ú n ic o b em u m a e sc ra v a , no v a lo r d c 4 5 0 .0 0 0 ré is, lib e rta d a po r c láu su la tcstam cn tária
p elo s h o n s se rv iç o s p r e s ta d o s " . Isto p a ra g ra n d e p re ju íz o d c su a m u lh e r, qu ,
dos 2 3 8 .0 0 0 réis d o e n te r r o , tev e q u e g a sta r 1 9 3 .0 0 0 réis p ara fazer o in v c n tán t
ú n ic o b e m , já q u e tin h a u m a filh a m e n o r .3*1
P or firn , foi ta m b é m n esse an o q u e m o rre u J o a q u in a A n a assim , sc -
m e — , a lfo rria d a n a sc id a na Á frica e s o lte ira . S e u s ‘ b e n s’ eram 832.0ÍM r is. nu
(2 0 .0 0 0 ré is ), jó ia s (1 5 7 .0 0 0 ré is ), ro u p as ( 5 5 .0 0 0 réis) c 4 1 8 .0 0 0 réis c c c ois cr
tos q u e tin h a ju n to ao s a fric a n o s D c lfin a c G a ld in o . A liás, foram cn co n t ^ m 3ior.
Casa 1 8 2 .0 0 0 ré is p ago s p e la m esm a D clfin a , o q u e su gere q u e <i vi a ^
Jo a q u in a A n a d e ix o u to do s os seus b en s p ara q u a tro m ui icrcs
a lfo rria d a s.37
644 B a h ia , S é c u l o X IX

N ao te n ta re i c o m p a r a r os m a g ro s b en s d e ix a d o s p o r esses três b a ia n o s com os de


M ig u e l F e rre ira . Q u e ro é s u b lin h a r a e n o rm e d is p o n ib ilid a d e q u e e x is tia en tre esses
m en o s fav o re cid o s, q u a n d o se tr a ta v a d e a ju d a r ao s m a is p o b re s. S o lid a rie d a d e s tecidas
n a m isé ria e q u e , se eram in s u fic ie n te s p a ra tir a r a lg u é m d a su a c o n d iç ã o d e p enúria,
m u ita s vezes a ju d a v a m a d a r u m p r im e ir o p asso .
Esse g o sto p e la a ju d a m ú tu a , p e la s o lid a r ie d a d e , n ão p o d e ser d e te c ta d o apenas
e n tre os p o b re s: e stav a p re s e n te e m to d a s as c a m a d a s so c ia is , e os m ais abastados
sa b ia m ser tão g en ero so s q u a n to os m u ito p o b re s.
M a r ia d a C o n c e iç ã o , a fr ic a n a a lf o r r ia d a , m o rr e u em 1 8 5 4 c o m " m a is ou menos
7 0 a n o s”. M o ra v a n a ru a d a C o n c e iç ã o d o B o q u e irã o , n u m a c a sa d e su a pro p ried ad e,
q u e foi a v a lia d a e m 9 0 0 .0 0 0 ré is. P o s s u ía a in d a u m e sc ra v o ( 8 1 1 .0 0 0 ré is), móveis
(1 0 .0 0 0 ré is ), jó ia s ( 5 8 .0 0 0 ré is) e 6 8 0 .0 0 0 ré is em d in h e ir o , n u m to ta l d e 2 :4 5 9 de
réis. S o lte ir a e se m filh o s, M a r ia d a C o n c e iç ã o e x p r im iu s u a s o lid a rie d a d e através de
le g ad o s à I g r e ja — p o rq u e e ra p ie d o sa e p e r te n c ia a tres ir m a n d a d e s re lig io sa s — e a
a lg u m a s p esso as. G e rv á sío d e S o u z a V ie ir a — f ilh o d e s u a e x -p a tro a , M a r ia L u ísa da
C o n c e iç ã o — , n o m e a d o se u h e rd e iro , re c e b e u a m a io r p a rte . A ir m ã d e G ervásio
receb eu u m le g a d o d e 2 5 -0 0 0 ré is . F o ra m a in d a c o n te m p la d a s d u as a filh a d a s, M aria
Jo sé e M a r ia d o s P asso s, q u e re c e b e ra m c a d a u m a 3 0 .0 0 0 ré is e d o is afric an o s ainda
escravo s, à g u is a d e a u x ílio p a ra a c o m p ra d e s u a lib e r d a d e . A ssim , ao la d o dos legados
à Ig re ja, h a v ia o u tro s a p a rtic u la re s d c d iv e rsa s p o siç õ e s n a e sc a la so c ia l, u n s tam bém
a lfo rria d o s, o u tro s liv re s a n te s d e la , p o is q u e e ra m filh o s d e s u a e x -p a tro a , o u tro s ain d a
escravo s. Esses le g ad o s e x p re ssa m re c o n h e c im e n to , p o r u m la d o , e g en e ro sid a d e, por
o u tro . N o e n ta n to , M a r ia d a C o n c e iç ã o n a o a lfo rr io u se u p ró p r io escrav o , q u e passou
à p ro p rie d ad e d e G e rv ásio .40
C ip ria n o das C h a g a s , ta m b é m a lf o rr ia d o , e ra a fric a n o d a n a ç ã o Je je . C asad o com
A n a L u ísa d e B ith e n c o u rt, n a o tin h a filh o s. E ra ceg o e m o rre u em 1 8 5 6 , tendo
en co m en d ad o sua a lm a a N o ssa S e n h o ra d as P o rtas C e le s te s e p e d id o q u e seu corpo
fosse carreg ad o po r seis p o b res, a q u e m se d a r ia a e sm o la d e 1 .0 0 0 réis. O inventario
dos b ens d e C ip r ia n o n ão a rro la m ó v e is, n e m jó ia s , n e m ro u p as. E m co n trap artid a,
são in v en tariad o s dez escravo s, d o s q u a is três m u lh e re s e q u a tro c rian ç as. Os tres
escravos h o m en s, ta m b é m d a n ação Je je , fo ram lib e rta d o s p o r c lá u su la testam en tária,
m as não g ra tu ita m e n te : c ad a u m d e v ia p a g a r 6 5 0 .0 0 0 réis à m u lh e r e h erd eira de
C ip ria n o . P or o u tro lad o , este lhes d av a o u su fru to , até a m o rte, d e u m a casa térrea.
C ip ria n o tin h a três casas, no v a lo r d e 1 :9 0 0 d e réis, e os sete escravos não alforriados
v aliam 4 :0 0 0 d e réis, A a lfo rria dos três escravos — em b o ra a um preço declarado
in ferio r a seu v alo r — foi a h e ran ç a q u e d e ix o u à esp o sa. M as C ip ria n o rogou aos ex
escravos q u e velassem po r ela e a au x iliassem em caso de necessid ad e. P ara garantir
esse apoio , ofereceu -lh es m o rad ia g ra tu ita . S u a a titu d e é p rova de gen ero sid ad e, mas
u m a genero sidade lim ita d a p ela n ecessid ad e d e m an te r laços de d ep en d ên cia que
fariam dos recém -alfo rriad o s os ‘c lie n te s’ d e su a m u lh e r.41
C o m os inventários d e Jo ão F ran cisco de A lm e id a e de B ento Jo sé de Almeida,
J j v r o MI - o D in h e ir o d o s Baianos

m u d a m o s d e m e io s o c ia l e d e fa ix a d c f o r tu n a O n r lm ,; m -
S a lv a d o r e m 1 7 9 6 , e ra f ilh o d e J o á o d e O liv e ir a e A lm e id a
Ribeiro, bolre.ro, em seu resramenro, escriro ..lguns dias anres de sua morte e m T ssT
nomeou se.s resram enre.ros: sua prima e comadre Inês de Castro e Abreu Coelho (oue
aceitou o encargo) as duas .rmãs solteiras, Umbelina e Ângela do Bonfim, o pá oco
V.cente F errara O I,ve,ra, e do.s amigos, jo sé Pedro de Souza Parafzo e Consranrino
L u cas P e sso a d a S ilv a . E ra m e m b r o d a ir m a n d a d e d o S a n tís s im o S a c ra m e n to d a R u a
d o P asso e t a m b e m d a S a n t a C a s a , o q u e in d ic a p o s iç ã o so c ia l e le v a d a . E n carreg o u a
p r im a In ê s d e C a s t r o d e e n t e r r á - lo c o m o b e m lh e p a re c e sse e n ão p e d iu m issas p a ra o
re p o u so d e s u a a lm a . T a m p o u c o in v o c o u sa n to s m e d ia n e ir o s n o in íc io d e seu te sta­
m e n to : só a S a n t ís s im a T r in d a d e . J o ã o F r a n c is c o , q u e e ra d ir e t o r d a E sco la d e M e d i­
c in a , d e ix o u a s e g u in t e f o r t u n a : u m s o b r a d o ( 1 4 :0 0 0 d e ré is ), açõ es d a C a ix a E conô­
m ic a ( 3 9 :7 0 0 d e r é is ), d in h e ir o líq u id o ( 1 :2 4 0 d e ré is ), sa lá rio c o m o d ire to r d a faculdade
( 1 :2 0 0 d e r é is ), d iv id e n d o s d a C a i x a E c o n ô m ic a ( 8 0 1 .0 0 0 ré is ), a lu g u e l d a lo ja que
f u n c io n a v a n o s o b r a d o ( 1 4 0 .0 0 0 r é is ), e s c ra v o s ( 4 :4 5 0 d e ré is ), m ó v e is (4 4 8 .0 0 0 réis),
jó ia s ( 1 7 0 .0 0 0 ré is ) e o b je to s ( 5 4 . 0 0 0 r é is ). N o to t a l, 6 2 :2 0 3 d e réis.
N ã o h a v ia d ív id a s a s u b t r a ir . D e s p e s a s re fe re n te s a g asto s c o m a h o sp italiz aç ão de
d o is e sc ra v o s ( 1 0 6 .5 6 0 r é is ) , o e n te r r o d e u m d e le s ( 4 ,8 0 0 ré is ), o e n te rro do p ró p rio
J o ã o F r a n c is c o ( 7 9 2 .6 2 0 r é is ) e o in v e n t á r io ( 4 7 3 .0 0 0 ré is) so m a ra m 1 :3 7 7 d e réis.
R e s ta ra m , p a r a h e r d e ir o s e le g a t á r io s , 6 0 :8 2 6 d e ré is . C o m o fo ram d istrib u íd o s?
J o ã o F r a n c is c o t in h a o n z e e s c ra v o s (tr ê s h o m e n s e o ito m u lh e re s ). L ib erto u três
(d u a s m u lh e r e s e u m h o m e m ) , n a o só g r a t u it a m e n t e , c o m o d e ix a n d o 4 0 0 .0 0 0 réis a
c ad a u m . D u a s ir m ã s c a s a d a s r e c e b e r a m le g a d o s d e 8 :0 0 0 d e ré is e o restan te d a h e­
ra n ç a fo i p a r t ilh a d o e n t r e as ir m ã s s o lte ir a s , q u e m o ra v a m co m ele, e a p rim a Inês de
C a s tro , v iú v a e mãe d e tr ê s f ilh o s . A s ir m ã s s o lte ira s re c e b e ram 2 0 :0 0 0 de réis e a
m e ta d e d o s e sc ra v o s, e a p r im a h e r d o u a c a s a , co m to d o s os m ó v e is, jo ía s e ob jetos de
p rata, a s sim c o m o a m e ta d e d o s e sc ra v o s, 3 :7 0 0 d e ré is em açõ es e 2 :0 0 0 de réís em
d in h e iro líq u id o . F ic a v a , p o ré m , c o m o e n c a rg o d e a b r ig a r sob seu teto as d u as irm ãs,
até q u e m o r r e s s e m .42 A ,
C o m B e n t o J o s é d e A l m e i d a r e e n c o n t r a m o s u m g r a n d e n ego cian te. Português e
n a s c im e n t o , d a r e g iã o d o P o rto , t i n h a 7 2 a n o s e m 1 8 5 6 , q u a n d o escreveu seu
m e n to , p o u c o a n te s d e m o r r e r . Era s ó c io d o ir m ã o , Jo s é P in to R o d rigu es da os ^
cra este o n o m e d c f a m íl ia d o p a i, e n ã o se sa b e p o r q u e B e n to Josc se rrarj^ ^
n u m A lm e id a — n u m n e g ó c io d c fe rra g e n s. M a s a so c ie d a d e possuía ta ^ ^
barcos e escravo s, c n e n h u m desses ite n s foi in v e n ta r ia d o : j á v i m o s q u e nao rar■
p a rte d a fo r tu n a e n tr a v a no in v e n tá r io . S o lte ir o , B en to Jo sé tin h a tres /~nnrei-
— L u ís G o n z a g a d e A lm e id a , B e n to Jo sé d c A lm e id a e A m á lia Leopo m a a ^
Ção — , q u e d e c la ro u seus h e rd e ir o s u n iv ersais. O n e g o c ian te era ® 'T,erceira de
m e m b r o d a p r e s t i g i o s a c o n f r a r i a d a S a n t a C a s a d e M ise ric ó rd ia , a r . nedíu
São F ran cisc o e d e p e lo m e n o s dez o u tra s irm a n d a d e s religiosas. ui ^ « y j rgein
em seu te s ta m e n to — e sc rito a liá s em estilo u m ta n to c o m ercia q
646 B a h ia , S éc u lo X IX

M a r ia e to d o s o s S a n to s e S a n t a s d a C o r t e C e le s t e ” se d ig n a s s e m a “g e r ir e d e fe n d e r”
se u s " in te r e s s e s p e r a n te o T r ib u n a l D iv in o ” e q u e s e u “A n jo d a G u a r d a ” se d ig n a sse
a a s s is t i- lo e a c o m p a n h á - lo “ n a h o r a f in a l d e s e u tr e s p a s s e ” . A s m is s a s a re z a r eram
m u it a s : q u in h e n t a s , c e m d a s q u a is p e la a lm a d e s e u s ir m ã o s e ir m ã s , as d e m a is p e lo re­
p o u s o d a s u a p r ó p r ia . D e v ia s e r e n t e r r a d o n a ig r e ja d e S ã o D o m in g o s , c o m o tra je da
O r d e m T e r c e ir a d o m e s m o n o m e . S e u s b e n s c o m p r e e n d ia m : im ó v e is ( 3 7 :4 0 0 d e réis),
aç õ e s b a n c á r ia s ( 1 1 1 :3 0 5 d e r é is ), d ív id a s e m a t iv o ( 1 3 4 : 2 9 5 d e r é is ) , e sc ra v o s (9 :7 0 0
d e r é is ), m ó v e is ( 4 4 2 .0 0 0 r é is ) , jó ia s ( 1 5 0 .0 0 0 r é is ) e o b je to s ( 1 8 7 .0 0 0 r é is ). T o ta l,
2 9 3 :4 7 0 d e ré is .
P r o p r ie tá r io d e q u in z e e s c r a v o s , e le lib e r t o u q u a t r o g r a t u it a m e n t e e u tiliz o u os
re c u rso s d is p o n ív e is p a r a fa z e r n u m e r o s a s d o a ç õ e s : 1 :2 0 0 d e r é is p a r a d u a s m o ças
a lf o r r ia d a s , 9 0 0 . 0 0 0 r é is (v a lo r d e d u a s c a s a s ) p a r a d o is e s c r a v o s n a m e s m a situ a ç ã o ,
8 0 0 .0 0 0 ré is p a ra d o is g ê m e o s , 1 0 0 .0 0 0 r é is p a r a o f ilh o d o c o m p a d r e B a rb o s a funileiro,
1 :0 0 0 d e ré is a u m a a f ilh a d a q u e v iv ia c o m e le , 1 :2 0 0 d e ré is a c a d a a f ilh a d o , 5 0 0 .0 0 0
ré is a se u c a ix e ir o A n t ô n io A lv e s , 4 0 0 . 0 0 0 r é is a s e u s o b r in h o J o s é d e S á P in t o , 1 :2 0 0
d e ré is a to d o s os q u e t r a b a lh a v a m h á m a is d e d o is a n o s e m s u a lo ja , 3 :0 0 0 d e réis a
se u ir m ã o e s ó c io , 1 :2 0 0 d e ré is a s e u o u t r o ir m ã o e 5 0 0 . 0 0 0 ré is a se u p r im o A n tô n io
R o d r ig u e s , n u m t o t a l d e 1 4 :4 0 0 d e ré is .
A e ste s le g a d o s p r o f a n o s a c r e s c e n t a v a m - s e o s p ie d o s o s : 1 :0 0 0 d e ré is a o C o lé g io
d o s ó r f ã o s d e S ã o J o a q u im , 5 0 0 . 0 0 0 ré is a o C o lé g io d o s Ó r fã o s d o S a g r a d o C o ra ç ã o
d e Je s u s , 1 :0 0 0 d e ré is à S a n t a C a s a d e M is e r ic ó r d ia , 1 :0 0 0 d e r é is à I r m a n d a d e do
S a n to S a c r a m e n to d a I g r e ja d a C o n c e iç ã o d a P r a ia , 1 :0 0 0 d e ré is à V e n e r á v e l O rd em
T e r c e ir a d e S ã o D o m in g o s , 5 0 0 .0 0 0 ré is à I g r e ja M a t r iz d e N . S r a . d e B ro ta s , 1 :6 0 0
d e réis p a ra o d o te d e q u a t r o m o ç a s p o b r e s e h o n e s ta s e , f in a lm e n t e , 1 2 0 .0 0 0 ré is para
os p o b res d o C o n v e n to d e S ã o F r a n c is c o , p e r f a z e n d o u m t o t a l d e 6 :7 2 0 d e réis.
O re sta n te d a te rç a d e q u e p o d ia d is p o r — 7 6 :7 0 6 d e ré is — d e v ia ser d is tr i­
b u íd o a se u s ir m ã o s q u e v iv ia m e m P o r t u g a l.43 T o d o m u n d o re c e b e r ia a s u a p arte,
p o rta n to , d a fo r tu n a q u e D e u s p e r m it ir a J o s é B e n to a c u m u la r : filh o s n a tu ra is , em
p r im e iro lu g a r , d e p o is ir m ã o s , p r im o s e s o b r in h o s , n a o p o r q u e e ste s estiv essem em
d ific u ld a d e s , m as p o rq u e a s s im g u a r d a r ia m v iv a a le m b r a n ç a d o f a le c id o e os laços de
f a m ília se e s tr e ita r ia m . N ã o fo ra m e s q u e c id o s os q u e tin h a m tr a b a lh a d o ou ain d a
tra b a lh a v a m p a ra o su c esso d o s n o g ó c io s d o f in a d o : g e sto d e re c o n h e c im e n to e, ao
m esm o te m p o , fo rm a d c re fo rç a r os laço s d e f id e lid a d e q u e d e v ia m u n ir p atrõ es e
e m p re g a d o s. Em s e g u id a v in h a m os a f ilh a d o s , n u m e r o s o s , p o rq u e Jo sé B en to já não
se le m b ra v a d o n o m e d c b o m n ú m e r o d e le s (to d o b a ia n o , ric o ou p o b re , tin h a afi­
lh a d o s, m a n e ir a d e a m p lia r as re la çõ es so c ia is e a c lie n te la p ro n ta a se rv ir e a ser ú til,
m as q u e im p u n h a ta m b é m d e v e re s ). P o r fim , e x p re sso u su a g ra tid ã o ao s escravos quc
o tín h a m se rv id o , c o n te m p la n d o in c lu s iv e os filh o s d e le s. P e d iu às ex -escrav as q u e
p e rm an ec esse m fié is a seu s filh o s n a tu ra is c os ‘v is ita s s e m ’ se m p re , p o is sa b ia q u e tal
p e d id o te ria re sso n â n c ia e q u e ta is v isita s se ria m o casiõ es se m p re re n o v ad as d e trocas
dc serviços.
L1V H 0 V q i^ ^ D i n h f i r o d o s B a ia n o s m ?

Esta evocação contínua dos laços quc unem pessoas de condições tão diferentes
esta presente em m u,tos testamentos, pois nessa sociedade na qual L homens v nh m
de toda parte e de ugar nenhum , na qual a riqueza era muitas vezes efêmera e ”
amanha .m prev.stvel, o que contava, afinai de contas, eram justamente os laços que se
te c ia m em to d a s as o c a s iõ e s e q u e se d e s e ja v a fo ssem im p e re c ív e is
N a e s c a la d e v a lo r e s , a r iq u e z a d e s e m p e n h a v a u m p a p e ] im p o rta n te , m as não
e sse n c ia l. E n tre u m n e g o c ia n te q u e d e ix a v a v á ria s c e n te n a s d e c o n to s d e réis e alg u é m
q u e n ã o p o d ia le g a r m a is q u e a lg u m a s d e z e n a s d e m ilh a r e s d e ré is h a v ia u m a im e n sa
d is tâ n c ia . M a s u m m é d ic o , u m f u n c io n á r io , u m p a d r e , u m s e n h o r d e e n g e n h o , q ue
m o rria m d e ix a n d o a lg u m a s d e z e n a s d e c o n to s d e ré is , g o z a v a m d e u m p re stíg io so cial
s u p e rio r a o d o ric o n e g o c ia n t e . P o rq u e s e r m e m b ro d e u m a p ro fissão lib e ra l, serv ir ao
E stad o o u à I g r e ja , p e r t e n c e r à c la s se d o s s e n h o re s d e e n g e n h o a u re o la d o s p o r p restíg io
a n tig o e d u r a d o u r o e r a , a o s o lh o s d e to d o s , s in a l d e g ra n d e z a e d e e le v aç ão . Era preciso
‘sa b e r’ p a r a se r m é d ic o , f u n c io n á r io o u p a d re , e e ra p re c iso te r c e rta tra d iç ã o p a ra ser
se n h o r d e e n g e n h o . A liá s , ao c o n f e r ir t ítu lo s d e n o b re z a e re c ru ta r p o lític o s nessas
c a te g o ria s , o m o n a r c a m a r c a v a b e m a p r e f e r ê n c ia q u e lh e s c o n c e d ia , a h o n ra q u e lh es
e ra d e v id a .
S e m d ú v id a o d in h e ir o p e r m it ia ‘ in tr o d u z ir - s e ’ n a s o c ie d a d e , a d q u ir ir u m a p o si­
ç ão , m as a p o b re z a n a o e r a u m o b s tá c u lo in tr a n s p o n ív e l, d e sd e q u e se fosse h u m ild e ,
h o n e sto , fie l e s e r v íç a l. E stes q u a tr o p r e d ic a d o s p o d ia m g u in d a r , a u m a p o sição eleva­
d a n a e s tim a s o c ia l, g e n t e p o b re e m e n o s p o b re , b ra n c o s, n e g ro s ou m u la to s, livres ou
a lfo rria d o s . E sta p o s iç ã o c o n f e r ia p r e s tíg io , e ta l p r e s tíg io , p o r su a vez, era in stru m en to
p a ra a a q u is iç ã o d a r iq u e z a q u e p e r m ite c o n s o lid a r a p o siç ã o so c ia l. F oi este o segredo
do ê x ito — à p r im e ir a v is ta , in c o m p r e e n s ív e l — d e c e rta s c a rre ira s, U m desses casos
é o d e u m a f r ic a n o , r e c é m - a íf o r r ia d o , q u e c o n s e g u iu fo rm a r u m a p e q u e n a fo rtu n a de
m ais d e 1 0 :0 0 0 d e ré is . Q u e m sa b e d e q u e re d e d c re la ç õ e s, d e q u e laço s d e p aren tesco ,
d e e le iç ã o o u d e c o n s id e r a ç ã o , d e q u e se rv iç o s p re s ta d o s e ta m b é m d e q u e co ragem no
tra b a lh o c o tid ia n o essas a sc e n sõ e s so c ia is e ra m fru to ?
Essa s o c ie d a d e b a ia n a , e m q u e r iq u e z a s e p o b re z a s n ã o sig n ific av a m apenas d i ­
n h eiro e falta d e d in h e ir o , o n d e os c a m in h o s q u e le v a v a m d a in d ig ê n c ia à ab astança
o u v ic e -v e rsa — d iv a g a v a m p o r m i! c u rv a s a d m ir á v e is , era tão barro ca q u an to as
igrejas d e S a lv a d o r , re v e stid a s d e o u r o p o r g e n te p o b re. Ser rico n a B ahia do século
XIX era, e v id e n t e m e n t e , n a sc e r b r a n c o c d e s c e n d e n te de p o rtu gu ê s q ue, chegado ao
B rasil em te m p o s lo n g ín q u o s c glo rio so s, o c u p a r a u m a terra fértil e sc dedicara a
produzár e e x p o rta r a ç ú c a r. M u it o m a is n u m e ro so s, p o ré m , eram os portugueses q^
tin h a m im ig r a d o re c e n te m e n te , sem to stão , p ara tra b a lh a r n u m a lo ja ate q u e li
seus d e sc e n d e n te s (c o m e r c ia n te ou n e g o c ia n te ) con seg uisse co m p rar u m a terra ou^
casar co m a filha de uni se n h o r d e e n g e n h o . M a s , d ad o este passo, até d in e
p o d ia faltar: to d o se n h o r d e e n g e n h o cra c o n sid e rad o rico, m esm o se estivesse
d a ru ín a. Era visto c o m o rico e c o m o tal d evia ag ir, p rotegend o ou até su
toda u m a c lie n te la , c u ja e x istê n c ia e ra pro va de sua riqu eza e dela depen ta.
648 Bahia, S écilo XIX

v ic io s o p a r a q u e m n ã o c o n s e g u ia m a n t e r u m a f o r tu n a , p o r q u e n a B a h ia n in g u é m
g o s ta v a d e n e g a r u m p e d id o , d e ix a r d c s o c o r re r a u m p o b r e , r e n u n c ia r a se u s h áb ito s
C o m o p e r m a n e c e r ric o o u c o m o e s c a p a r d a p o b re z a : e ra m e ste s os p ro b lem as
c r u c ia is q u e se c o lo c a v a m p a r a o s b a ia n o s , c o m m u it o p o u c a s e x c e ç õ e s , a ju lg a r p e]a
a n á lis e d a s fo r tu n a s . E ram in s tá v e is e f r á g e is o s b e n s a d q u ir id o s , e h a v ia d ific u ld a d e s
p a ra a d q u ir i- lo s . V e n c e r e m a n t e r a p o s iç ã o e x ig ia m ig u a is e sfo rç o s d e fid e lid a d e aos
c o m p r o m is s o s , à c lie n t e la , à f a m ília . O E s ta d o já n ã o s a b ia r e c r u t a r se u s se rv id o re s sem
u m a r e c o m e n d a ç ã o , o c lie n t e n ã o t in h a c o r a g e m d e m u d a r se u s h á b ito s c o m e rc ia is . A
im a g in a ç ã o se r e f u g ia v a e m u n s p o u c o s h o m e n s e m u lh e r e s q u e , e m b o r a p reserv an d o
o s la ç o s te c id o s p e la v id a a s s o c ia tiv a o u d e f a m ília , o u s a v a m n o v a s a v e n tu r a s . Estes
p a s s a v a m d a p o b re z a à a b a s ta n ç a , e r a m r e c o n h e c id o s c o m o ric o s e c o m eç av a m a
d a n ç a r n a c o r d a b a m b a q u e e r a s e m p r e , p a r a o s b a ia n o s , a p o s s e d e u m a fo rtu n a : por
re a l e s u b s t a n c io s a q u e fo sse , n u n c a e ra s e g u r a . _
N a B a h ia , r iq u e z a s e p o b re z a s se p e r d ia m e se g a n h a v a m , m e s m o q u e o d e c lín io de
q u e m e m p o b re c e s s e p o r fo r ç a d e d ív id a s , d e m á g e s tã o d o p a t r im ô n io o u excesso de
filh o s p a ra c r ia r p u d e s s e se m a n t e r n ã o só in c o m p r e e n s ív e l c o m o in v is ív e l p a ra o m eio
s o c ia l. P a ss a r p o r ric o n a o e r a se r r ic o : e r a m u it a s v e z es te r s id o , o u se r p a re n te de
q u e m já t in h a s id o . U m a f a m ília e m p o b r e c id a p o d ia c o r ta r n a c a r n e p a r a a ju d a r seus
p o b re s, n ã o p o r o s te n ta ç ã o , m a s p o r o b r ig a ç ã o m o r a l, p o r h á b ito , p o r v e rd a d e ira
p ie d a d e . E, m e s m o e m p o b r e c id a , o b t in h a f a c ilm e n t e p a te n te s n o E x é rc ito o u postos
n o se rv iç o p ú b lic o q u e lh e p e r m it ia m , m a l o u b e m , s o b re v iv e r. C o n tin u a v a a passar
p o r ric a , c o m a c u m p lic id a d e d e to d o o m e io s o c ia l.
E sta d if ic u ld a d e q u e h a v ia e m c o n s e r v a r u m a f o r tu n a n a B a h ia d e v la -se sem
d ú v id a ao c re s c e n te e s m o r e c im e n to d a c o m b a tiv id a d e , p r e s a n a s m a lh a s d as redes e
d o s laço s q u e a ju d a v a m ta n to s p o b re s a s o b re v iv e r. P o r q u e ta n to s a lfo rria d o s conse­
g u ia m fazer fo rtu n a ? P o r c e r to p o r q u e e ra m c o ra jo s o s , o b s tin a d o s , h u m ild e s e eficazes.
T in h a m sa b id o lu t a r p o r s u a lib e r d a d e , c o n tin u a v a m lu ta n d o e m su as v id in h a s m odes­
tas. A lg u n s c o n s e g u ia m v e n c e r o u p ro m o v e r os filh o s . A s o c ie d a d e b a ia n a era a um sé
te m p o a b e rta e fe c h a d a , a r iq u e z a e a a sc e n sã o s o c ia l e ra m in te ir a m e n te possíveis no
sé c u lo X IX . M a s e ra ta m b é m u m a s o c ie d a d e q u e p o d ia f a c ilm e n te e m b a la r seu s filhos
no c o n fo rto d as red es d c a ju d a m ú tu a . F in a lm e n te , tu d o o q u e o e stu d o q u a lita tiv o das
h ie ra rq u ia s so c ia is b a ia n a s re v e la ra e n c o n tro u c o n firm a ç ã o em m ín h a s te n ta tiv a s de
e stu d o q u a n tita tiv o d as fo rtu n a s q u c , ao m o rre r, os b a ia n o s d e ix a v a m : g en te q u e, para
a lé m d a m o rte , te n ta v a d o lo ro sa m e n te c o n tin u a r h u m ild e p e ra n te D eu s e os ho m ens,
h o n e sta , p a g a n d o to d a s as su as d ív id a s , fie l p a ra co m to d o s os q u c so u b eram am á-la e
d a r-lh e u m a se g u ra n ç a c u m re c o n h e c im e n to so c ia l, q u c co n sid erav am o bem suprem o.
N a m e d id a em q u e fu n c io n o u b e m , o siste m a ac ab o u p o r se esclero sar, se ens
ta liz a r. S u a fle x ib ilid a d e sc c o n v e rte u cm rig id e z , seus e q u ilíb rio s se tran sfo rm aram
em falta d e a m b iç ã o , c o m o b em o d e m o n stra a c o m p araç ão e n tre o d esenvolvim en
to de o u tras p ro v ín c ias b ra sile ira s e o m arasm o em q u e , le n ta m e n te , m ergu lh o u , no
século X IX , a o p u le n ta B a h ia do sécu lo X V III.
C o n c lu sã o

A letargia q u e se apossava da B ahia no final do século XIX seria então, em grande


parte, co n seq ü ên cia d a esclerose de sua econom ia e das resistências obstinadas de
relações sociais já d em asiad o gastas? Q ual seria, nesse caso, a relação de causa e efeito
entre o econôm ico e o social? S eria possível discernir os anos em que a passagem se
deu, em que o gosto pelo desenvolvim ento e a criação cedeu o passo à preocupação de
preservar e de garan tir? .
São três p ergun tas que eu desejaria poder responder.
Do ponto de vista econôm ico, é certo que os termos de troca se degradaram no
finaí da décad a de 1860, quando a balança com ercial passou a apresentar déficits quase
constantes. A isto se som aram : a crescente insuficiência dos meios de comunicação,
tanto com o in terio r com o com o exterior; o m alogro das tentativas de diversificação
na m ineração, no setor rural e na cidade; a obstinada fidelidade à sua majestade o
açúcar, que passava a sofrer forte concorrência no mercado internacional, ou ao fumo,
que, cessado o tráfico — em que era usado como moeda de troca , dependia quase
unicam ente do m ercado alem ão; e, por fim, a persistência de uns tantos mitos, forte­
mente enraizados nas m entalidades. ^ t
O m ito da dem ocracia racial que, ignorando a escravidão e suas conseqiiênc. ,
persuadia os b aian o , do século XIX de que todo bomem livre tinha iguais oportuni­
dades dc sc realizar no lugar que lhe era conferido, mas os fazia agir como se
fo s s e b r a n c o c t o d o n e g r o , p o b r e . . , ,
O m i t o d a f a l t a d e m ã o - d c - o b r a , q u e se e s p r a i o u n a s e g u n d a m eta c i o s
p e r m a n e n t e c o n t r a d i ç ã o c o m a s v e n d a s d e e s c r a v o s f e ita s a o C e n t r o e a o
c co m o a u m e n t o c o n s t a n t e d as a lfo rria s . , t _ , _ r -adubo
O m ito d a s t e r r a s f é r t e i s inesgotáveis, do m a s s t ip ê q u e d is p e n s a r ia q u . q J
d o s ‘sa lõ e s1 m a is a r e n o s o s q u c p o d ia m s c r p la n ta d o s d a m e sm a n •

a r g i lo s o s . . . . R frô n cav o — d a s q u a is .n o
O m i t o d a r iq u e z a r e p r e s e n t a d a p e la s p r o p r i e d a d e s a u e se r o m p ia q u a n d o
e n t a n t o , 2 / 3 d e v i a m f i c a r s e m c u l t i v o — e r a m a i s u m a i u s' , q

649
B a h u . S fc o -o X JX

o s p r o p r ie tá r io s , c o m o te m p o , c p o r e f e ito d a s p a r t ilh a s , se v ia m d e s titu íd o s de


e x te n s õ e s d e te r r a s u f ic ie n te s paPa a u m e n t a r s u a p r o d u t iv id a d e .
A g ló r ia d e q u c to d o s e n h o r d e e n g e n h o se v ia in c o n d ic io n a lm e n t e a u rc o la d o
o c u lta v a seu e m p o b r e c im e n to . A p r o d u ç ã o d o a ç ú c a r c ra d e fa to g e r id a p e lo s n e g o ­
c ia n te s , q u e a f in a n c ia v a m , c m fac e d a in c ip iê n c ia c in o p c r ã n c ia d a s in s titu iç õ e s de
c r é d ito . ‘
N ã o o b s ta n te , a té o f in a l d o s é c u lo a B a h ia o c u p o u u m lu g a r d e d e s ta q u e e n tre as
p r o v ín c ia s b r a s ile ir a s , ta n to p o r se u s p o lít ic o s e r e lig io s o s c o m o p e la im p o r tâ n c ia de
su as o p e ra ç õ e s c o m e r c ia is o u p e la in ic ia t iv a d e a lg u n s e s p ír ito s e m p r e e n d e d o r e s , d e c i­
d id o s a c o n s t r u ir p o rto s e v ia s d e c o m u n ic a ç ã o , a im p la n t a r f á b r ic a s o u in s titu iç õ e s de
c r é d ito . É v e r d a d e q u e p o u c o s c o n s e g u ir a m e n c o n t r a r o a p o io n e c e s s á r io , ta n to n o R io
d e J a n e ir o c o m o , p r in c ip a lm e n t e , n a p r ó p r ia B a h ia , o n d e o m e r c a d o o lig o p ó lic o e
o lig o p s ô n ic o s u fo c a v a o s e m p r e e n d im e n t o s in d iv id u a is .
D e fa to , à im a g e m d e s e u s h a b it a n t e s , o m e r c a d o d e S a lv a d o r e r a e sc ra v o d e sua
o r g a n iz a ç ã o h ie r á r q u ic a d e tip o a s s o c ia tiv o , e m q u e o s n e g o c ia n t e s e s tra n g e iro s —
s o b re tu d o in g le s e s — d o m in a v a m as im p o r ta ç õ e s e as e x p o r ta ç õ e s e e m q u e os c o m e r­
c ia n te s b r a s ile ir o s e p o r tu g u e s e s d is t r ib u ía m as m e r c a d o r ia s e f in a n c ia v a m as a tiv id a ­
d es a g r íc o la s . F o r m a v a m u m a e lit e d e ric o s m u it o p r u d e n t e s , q u e in v e s tia m q u ase
u n ic a m e n te e m im ó v e is e v a lo r e s s e g u r o s , se m c o g it a r d e a t iv id a d e s n o v a s e a rrisc a d a s.
O g o sto p e la a s s o c ia ç ã o , a n e c e s s id a d e d e se in s e r ir n u m a o r g a n iz a ç ã o tu te la r
m a rc a v a to d o s o s b a ia n o s . E ra o s e g r e d o d a s e s t r a t é g ia s m a t r im o n ia is e d a v id a c o tid ia ­
n a , e m f a m ília o u n o t r a b a lh o . N e s s e q u a d r o , a I g r e ja d e s e m p e n h o u , d e sd e o sécu lo
X V I, p a p e l n ã o n e g lig e n c iá v e l, a u x ilia n d o o p o d e r p o lít ic o a e n q u a d r a r se u p esso al em
c o n fra ria s e p a r ó q u ia s e e m p e n h a n d o to d o o s e u p r e s tíg io n a p r e s e r v a ç ã o d a p az so cial.
N ã o p o d ia , a liá s , te r sid o d if e r e n te , n u m a é p o c a e m q u e , n o m u n d o to d o , a p ró p ria
I g re ja C a t ó lic a a s s o c ia v a o p o d e r a o a lta r .
E n re d a d o , c o m o os fié is , n a t r a m a d e u m te c id o s o c ia l im p r e g n a d o d e h eran ças
re lig io sa s p o rtu g u e s a s , a f r ic a n a s e in d íg e n a s , o c le ro b r a s ile ir o tev e o g ra n d e m érito
d e n ão a b a fa r a r e lig io s id a d e d e su a s o v e lh a s . M a s as a s so c ia ç õ e s e fo rm a s d e o rg a n i­
z ação q u e p ro p ô s n e m s e m p re e ra m p r o p íc ia s ao e n s in a m e n to d a d o u tr in a . A fé dava
liv re c u rso a p rá tic a s m u ita s vezes im p r e g n a d a s d e s u p e rs tiç õ e s : p rá tic a s in d iv id u a is e
c o le tiv a s q u c c o a d u n a v a m m u íto b e m c o m o c lim a a s s o c ia tiv o tão c a ra c te rístic o d a
so c ie d a d e b a ia n a . A ta! p o n to q u c , q u a n d o a I g r e ja q u is g a n h a r q u a lid a d e , ro n ia n i-
z an d o -se , c o n sta to u q u c c ria ra u m n o v o p a d re , a lh e io a seu p o v o , d is ta n te d e le , nao
m ais d e p o sitá rio d e su a c o n fia n ç a . M a s o p a d re c o n tin u o u a se rv ir fie lm e n te à Ig reJa
c o m o o fu n c io n á rio p ú b lic o se rv ia ao E stad o ; c o m o e ste , era u m a m e ra p eça dessa
e n g re n a g e m q u e e n q u a d ra v a os c id a d ã o s.
E ra o E stad o , sem d ú v id a , q u e a u fe ria g an h o s im e d ia to s d e to d a essa rede de
su p e rv isão e c o n tro le : o c o b iç a d o in g resso n a G u a rd a N a c io n a l, a a lm e ja d a in scrição
nas listas e le ito ra is , a c o rrid a ao s títu lo s e c o n d e co raç õ e s b aliz a v am o p ercu rso das
ascen sõ es in d iv id u a s. E las eram b e m -v in d a s, O in g resso n a c a rre ira p ú b lic a q ue
651

nunca enriqueceu um h a ,,n o _ de homens que relegavam a gesráo de seus engenhos


pondo em risco seus negocios, representava a vitdria de um poder central L t e E
rambem ,sso u n h a um efeuo ncurralizador; funcionários e políticos de alto bordo
um a vez no Rto de Ja n e.ro , cercados de honrarias, tendiam a esquecer que eram
baianos. Q u an to ti outra ponta da cadeia, a base da escala social, o sistema de vigilância
e controle parecia igualm ente eficaz, com o o prova o fracasso de todas as tentativas de
sublevação.
A h is t ó r ia d e s s a P r o v ín c ia d o n o v o I m p é r io b r a s ile ir o é, no sé c u lo X IX , u m a
h is tó r ia d e r ic o s . N a B a h ia , o s p o b r e s e r a m a f o r tu n a d o s . N ã o p o rq u e tivessem no
b o lso c o m q u e c o m p r a r s u p é r f lu o s ; à m a io r ia , fa lta v a m m e sm o os ‘ co b res1 p a ra o
n e c e s s á r io . E r a m r ic o s , p o r é m , d a s e g u r a n ç a q u e lh e s c o n f e r ia m re la çõ es so ciais
a r c a iz a n te s , o r iu n d a s d o s is t e m a e s c r a v is ta e c o n s e rv a d a s p o r to d a u m a so c ie d a d e p resa
d e s u a s p r ó p r ia s a r m a d ilh a s .
P o r to d a s e s s a s r a z õ e s , e s te e s t u d o d a B a h ia é , a n te s d e tu d o , u m a h istó ria so cial,
a h is t ó r ia d e u m t e m p o q u e p r e c e d e e e x p lic a u m a d e c a d ê n c ia só e fe tiv a m e n te co n s­
t a t a d a n o s a n o s 1 9 2 0 . O s é c u lo X I X b a ia n o , ju s t a m e n t e p o rq u e n e le se p reservaram
c e r to s e q u i líb r io s , fo i a i n d a u m s é c u lo d e g ló r ia . M u it o le n ta m e n te , e sem m aio res
c h o q u e s , a p a r t i r d o s a n o s 1 8 6 0 n o ssa P r o v ín c ia fo i d e s a p re n d e n d o as n ecessárias
a d a p ta ç õ e s e c o n ô m ic a s im p o s t a s p e lo m u n d o q u e a c e rc a v a .
F o i u m m o v im e n t o le n t o , m u it o le n to . U m m o v im e n to ao m e sm o te m p o fread o
e a c o m p a n h a d o , s u s t e n t a d o e e x p lic a d o , p e la s e x p e c ta tiv a s e os c o m p o rta m e n to s de
to d o u m p o v o q u e se c o m p r a z ia , e a in d a se c o m p r a z , e m p e rp e tu a r c ertas atitu d e s.
N ã o s e n te o p e s o d e c e r to s ju g o s , o c u p a d o q u e e s tá e m m a q u in a r e stra té g ia s em s
re la ç õ e s s o c ia is , q u e sã o a v i a r e a l p a r a o b te r e s tim a e a p o io so c ia is.
T entei descrever essas estratégias, mas cabe-me reconhecer, com humildade, que
apenas com eço a com preender essa sociedade, onde os humildes e os P°bresJ e
espírito’ são tantos que suas vozes deveriam abafar a dos gloriosos e os e oq
■í

N otas

N otas da In trodução

i . G a io P r a d o J r . , Formação do Brasil contemporâneo, p. 5.


1. I d e m , ib id c m , p . 6 .

3- I d e m , ib id c m , p . 7 - 8 .

4 . I d e m , ib id c m , p . 3 8 1 - 3 9 0 . ,

5. I d e m , íb id e m , p . 2 7 0 - 2 7 1 .

6. C om o lem brança, cito ainda dc C aio Prado J r , Evolução poU tica do B rasil e m tro3 t 3tudoS
rtistona economica do Brasil e A revolução brasileira.
é u m b o m e x e m p lo d e s s a c o r r e n te : Formação histórica do Brasil
7 . N e lso n W e r n e c k S o d r é
História da burguesia brasileira-, As razões da Independência e tc .
Casa-grande & senzala. D o m e s m o a u to r : Nordeste, Sobrados e mocambos
8 . G ilb e r to F r c y r e ,
- Decadencia do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano-, Vida social no Brasil nos
meados do século XIX e tc .
9 . C h a r le s W a g le y , A revolução brasileira-, Introduction to Brazil; Races et classes dans le Brésil
rural. M e J v ille J . H c r s k o v it s , “T h e s o c ia l o r g a n iz a tio n o f th e c a n d o m b lé " ; Pesquisas etno­
lógicas na Bahia. R o g e r B a s t id e , As religiões africanas no Brasil; O candomblé da Bahia —
Rito Nagô.
O algodão em São Paulo, 186l~!875\ O comércio português no
19. A lic e P jffc r C a n a b r a v a ,
Rio da Prata: }580—1640 e tc . C e ls o F u r ta d o , A formação econômica do Brasil etc. M ircea
B u e sc u , História econômica do Brasil—Pesquisas e análises-, Evolução econômica do Brasilac.
11 ■ A i n s t i t u i r ã o u n iv e r s it á r ia 6 r c c c n t c n o B r a s il. F a c u ld a d e s e escolas su p erio res tinham sido
f u n d a d a s n a B a h ia , n o R ío d e j a n e i r o , e m P e r n a m b u c o e e m S ão P au lo desde o princfpío
d o s é c u lo X IX , m a s sés fo r a m r e u n id a s p a r a f o r m a r u n iv e r s id a d e s no século XX. A prim eira
foi a d o R io d c J a n e i r o , f u n d a d a cm 1 9 2 8 , c a s e g u n d a foi a d c S ão Paulo, quc festejou seu
c in q ü e n t e n á r i o c m 1 9 8 3 . C o m a f u n d a ç ã o d a s u n iv e r s id a d e s , n asceram as faculda es e
f il o s o f ia , C i ê n c i a s c J x t r a s , c u jo p r in c ip a l o b je tiv o cra fo r m a r professores p ara o ensino
s e c u n d á rio .
História da fundação da cidade do Salvador. Pedro Calmon, Histé *
12. 1 h c o d o ro S a m p a i o ,
da fundação da Bahia. K dson C a r n e i r o , A cidade do Salvador. T h ales d e Azeve o, f v0^
■ tnento da cidade do Salvador. A fo n so R u y d e S o u z a , História política e administrativa

653
654 B a h ia , S éculo X IX

cid a d e d o S alvador, A rnold W ild b erge r, Os p resid en tes da P rov ín cia da Bahia. Edgard de
C e rq u e ira Falcáo, A fu n d a çã o d a cid a d e d o S a lva d or em 1549. C arlos B. O tt, Form ação e
evo lu çã o étn ica d a cid a d e do Salvador.
13. José W an d e rley de A raújo P inho, H istória d e um en g en h o d o R ecôn ca vo . Este estudo foi
com plem entado pelo excelente trabalho do historiado r norte-am ericano, professor da
U niversidade de M in n eso ta, S tu art B. Schw artz, S egredos in tern os. E ngenhos e escravos na
so cied a d e colon ia l. B ahia, 1550—1835.
14. Francisco M arq u es de Goes C a lm o n , Vida eco n ô m ico -fin a n ceira da B ahia (elem entos para
a h istória ) d e 1808 a 1899.
15. A expressão é de um outro eco n o m ista b a ian o , P in to de A g u iar, q u e oferece também uma
tentativa de interpretação e m seu livro N otas so b re o en ig m a baiano.
16. R ôm ulo de A lm eid a, T raços d a h istória e co n ô m ica d a B a hia n o ú ltim o sécu lo e meio.
17. Cf. Katia M . de Q ueiró s M atto so e István Jancso, “C o m o e stu d ar a história quantitativa
d a Bahia no século X IX ”.
18. Francisco M arq u es de Goes C a lm o n , Fala à Assembléia Legislativa, 1 924 , p. 30.
19. R ôm ulo de A lm e id a , T raços d a h istória e co n ô m ica d a B a hia ..., p. 15.
20. R egistros eclesiá sticos d e terra s (1852—1860).
21. Johildo Lopes de A thayde, La v ille d e S a lva d or a u XIXe stècle. A spects d ém og r aphiq ues (daprès
les registres paroissiaux ).
22. Essa d ocu m entação estatística, essen cialm en te co m p o sta de d ado s relativos aos intercâm­
bios com erciais e à navegação nos anos d e 1 8 5 0 - 1 8 8 9 , está in crem e n tad a por numerosas
variáveis para o período d ito rep u b lican o ( 1 8 9 0 - 1 9 7 8 ) .
23- C ath erine Lugar, T he M erch a n t C o m m u n ity o f S alvador, B ahia, 1780—1830.
2 4 . Os m étodos utilizados para a elaboração dessas séries estão indicados no decorrer deste
trabalho, no próprio texto ou em notas.
25- Destaco especialm ente os livros B ahia: a cid a d e d o S a lva d or e seu m erca d o no sécu lo XIX e
S er escravo n o Brasil.

N o ta s d o C a p ít u lo 1

1. Sobre os problem as dos lim ites adm in istrativos, cf. Livro II, capítulo 7. As fronteiras da
cidade correspondem àquelas do an tigo ‘term o da c id ad e ’. C f Katia M. de Queirós
Mattoso, B ahia: a cid a d e d o S a lvad or e seu m erca d o no sécu lo XIX, p. 5 —88. Aí estão mais
am plam ente desenvolvidos alguns dados geográficos m encionados neste capítulo.
2. Eram capitanias gerais: G rão-Pará, M aran h ão , Pernam buco, Bahia, Rio, Minas, São Pau
lo, Rio Cirande dc São Pedro, Goiás e M ato Grosso. Além delas, tornaram-se províncias
do Império as antigas capitanias subalternas: Rio Negro, Piauí, Ceará, Rio Grande d°
Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe dcl Rcy, Espírito Santo e Santa Catarina. Com a Repu
blíca, transformaram-se cm estados federados as províncias imperiais e o Paraná.
3. Luís H e n r iq u e D ias T av ares, H istória d a Bahia, p. 51.
4. Luiz dos Santos V ilh e n a , A B ahia no sécu lo XVIII, v. 2, carta XVI, p. 55 1 —5 7 5 ­
5. Luís H en riq u e D ias Tavares, H istória da Bahia, p. 5 1 —58 e 9 5 —96. F .W .O . M orron, The
■ C onservative R evolution o f In d ep en d en ce: E conomy, S ociety a n d P olttics tn Bahia> 17
1 8 4 0 , m ap a p. 4 1 2 , '
655

N o ta s d o C a p it u lo 2 .

T h alis d* A ze ved o ■ d ., cidnde do Sn/radcr, p i7 4


potesc de que a estatura relativamente alta dos h ab itam / ' , 7 7 . 7 ' aUt0r aventa 3 ^
ricas cm sais minerais. Em Sergipe, por exemplo, onde Í á J *d° r d' corra
pessoas sao em m edia mais baixas. ‘ g carecem de potássio, as
2. josé Wanderley de Araújo Pinho, “A abertura dos por,os- Cairo” A r -a
eipc-nrgemc dom João, abrindo os por,os brasileiros em 28 de janeiro d eT sóT f Pr‘"'
da na Bahia, quando a fam ília real chegou de Portugal. aSS1IU'
3. TenenteMaury, ExpUnatiom a n d sailing d ir e cio m to accompany the utind and
current
chartt... W ashington, 1851. Cf. Frédéric M auro, Uex/andon curopéenne, p. 31
4. Frédéric M auro, V expansion européenne, p, 111-112.
5. As entradas de vasos de guerra e de navios ligados ao grande comércio internacional são
escudadas no Livro VI.
6. Sobre a participação das tripulações no reabastecimento da cidade, cf. Livro II, capítulo 8.
7. Amade E.B. M ouchez, Les cotes du Brésil, p. 40ss.
8. Robert A vé-Lallem ent, Viagem p elo norte do Brasil no ano de 1859, v. 1, p. 17-18.
9. Cf. José Roberto A m aral Lapa, A Bahia e a carreira da índia, p. 143-144. Amade E.B.
M ouchez, Les cotes du Brésil, Cf. Instruções náuticas sobre a baia de Salvador (p. 3 0-6 0) e,
mais adiante, a descrição geográfica do Recôncavo.
10. Citem os, entre outros, Thom as Lindley e W illiam Scully. O primeiro escreveu em 1802:
“Há espaço suficiente no porto para que ali possam ser reunidas, sem confusão, todas as
esquadras do m undo” ( N arrativa de uma viagem ao BrasiL, p. 160). William Scully diz, em
1866: “As frotas podem entrar [na baía] com toda a segurança e fundear num golfo que
parece ter sido criado pela natureza para se tornar o empório do mundo e receber suas
frotas” {Brazil, its P rovinces a n d C h ief Cities, the M anners and Customs o f the People,
Agricultural, C om m ercial a n d other Statistics takenfrom the Latest Official Documents wtth
a Variety o f U seful a n d E ntertaining Knowledge. both fo r the M erchant an d the Emigrant,
p. 3 4 8 -3 4 9 ).
11- Katia M . de Q ueirós M attoso, Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século X IX
p. 7 7 -7 8 .
12. É o número estimado por grande número de viajantes e confirmado por Amade . .
Mouchez, Les cotes du Brésil, p. 52.
13. Para o desenvolvimento da navegaçao a vapor, cf. Livro VI, capft

N otas do C a p ít u l o 3

1. C f. Livro II, cap ítu lo 5. „ ■ z n/l n 75


2. “Le laboureur et scs enfants” in Jean de La Fonraine, Fables choisrn ( tvres . •
3. M aurice Le Lannou, Le Brésil, p. 4 4 -4 7 . „ , voju,
4. Estudos básicos p a ra o projeto agropecuário do Recôncavo, especi men
me 1: “Recursos naturais ,
5. C f. Livro II, cap ítu lo 6.
6. Estudos básicos p a ra o projeto agropecuário do Recôncavo, p. 2 .
656 B ah ia , S éculo X IX

7. André João A ntonil, C ultura e op u lên cia do B rasil p o r suas m inas e drogas , p. 150.
8. Estudos básicos p a ra o p ro jeto a grop ecu á rio do R ecôncavo, p. 2 6 - 3 5 . Sobre os solos, foram
realizados cinco levantam entos pela Seplantec entre 1945 e 1970. O primeiro em Cruz das
A lm as (grande altitude); o segundo em Itaparica (região m arítim a); o terceiro em Santo
A ntônio de Jesus (no lim ite do Recôncavo); o quarto em Salvador; o quinto em São
Francisco do C onde, sobre o q ual nos derivemos porque o m un icíp io é exemplar, dada a
sua situação geográfica.
9. Certas reflexões deste parágrafo m e foram sugeridas oralm ente pelo Sr. Perraud, pedólogo
do Office de Recherches Scientifiques et T ech n iq u es d ’O utre-M er, hoje Institut Français
de Recherches Scientifiques pour le D éveloppem ent en C oopération.
10. Luiz dos Santos V ilh en a d á u m a descrição m agnífica do massapê em A Babia no século
XVIII, v. 1, p. 175.
11. Cf. o exemplo de Iguape, no Livro VT, capítulo 2 5 , consagrado às estruturas econômicas.

N otas do C a p ít u l o 4

1. Sobre as estradas de ferro e seu desenvolvim ento na Província d a Bahta, cf. Joaquim
W an d e rley de A raújo Pinho, “A v ia ç ã o na B a h ia”.
2. Cf. Rôm ulo de A lm eida, T raços d a história eco n ô m ica d a Bahia...
3. Cf. Jo aq u im W an d e rley de A raújo Pinho, “A viação n a B a h ia”, p. 1 3 2 -1 4 3 .
4. Arquivo do Estado da Bahia, Seção Histórica/Avulsos, Livro de m atrícula dos engenhos da
Bahia, 1 8 0 7 -1 8 7 4 .
5- Katia M . de Q ueirós M attoso e A n g elin a N obre R o lim Garcez, “Fontes para o estudo da
propriedade rural: o Recôncavo baiano, 1 7 6 4 - 1 8 8 9 ”.
6. Cf. João Capistrano de Abreu, C am inhos e p o v o a m e n to do Brasil, p. 88.
7. Cf. Jean T ricard e T eresa Cardoso da Silva, Estudos d e geom orfologia d a Bahia e Sergipe,
p. 75. '
8. Cf. Euclides da C u n h a, Os sertões, p. 54.
9. Cf. Katia M . de Queirós M attoso, B ahia: a cid a d e d e S alvador e seu m ercado no século XIX
p. 2 0 - 2 8 ; Euclides da C unha, Os sertões; Conselho N acional de Geografia, Atlas do Brasil,
sobretudo os artigos de Nelson M oreira da Silva e de P. von Luetzelburg.
10. João Capistrano de Abreu, C am inhos ep o v o a m en to do Brasil, p. 8 8 —102.
1 1 . C f. L ivro V I , c a p ítu lo 2 5 ,
12. M anuel Jesuíno Ferreira escreveu em 1875; “Por causa da falta de comunicações rápidas
com os centros povoados e ricos do interior, perdem-se muitos produtos de valor que
poderiam ser utilizados com proveito, em benefício de toda a Província.’ (A P r o v i n c t a
Bahia: apontam entos, p. 7 7 - 8 2 )
13. Cf. Livro VI, capítulo 25, quanto aos esforços efetuados em favor da unificação das
diferentes regiões da Província da Bahia.
14. Euclides da Cunha, Os sertões , p. 46.
1 5 . F .W .O . M o rto n , The C onservative R evolution.,., p. 168.
16. Sylvestre H o n ó rio , “O sul da Bahia”, p. 2 5 j- 2 9 .
17. F .W .O . Morton, The C onservative R evolution..., p. 70.
18. Cf. Stuart B. Schw artz, B u ro c r a c ia , / i ,
' - M », ~ '" * * ~ •+•<* a .v,v , „ w , w * * *

t9. João C a p i s . ™ dc A b r e . C a m in h o, , f a m a m n u , d t lir a ,,, 23r,


N otas do C apíiuo 5

1. José W a n d e r le y de Araújo Pinho, H istória social d a cidade do W /


Entre os estu d os m ais ou m enos p o lê m ico , a respeito de C a r a m u r T - ’ ^ } 'f ' 4 9 “ 83'
Alvares por seus am ig o s índios — citem os A rtur Nciva *lYu tr Al n° m " dado a 0 ,f ^
franceses”; S e ra fim Leite, H istória d a C om panhia d e Jesus no T V™"? muru e °*
p. 3 1 2 ; F rederico H d e lw c i» . 'D io g o Al 'p* * ’ ’ P' ' 5 ' * *

-• QUCÍrÓS MattOSO- * * * • < * « * * „ rarrea io na srru h X,X.

3. T h eo d o ro S a m p a io , H istória d a fu n d a çã o d a cid a d e d o Salvador, p. 138- Pedro Calmnr.


H istória d a fu n d a ç ã o d a B ahia, p. 9 L L a,m on’

4. Edson C a r n e iro , A cid a d e d o S alvador, p. 59; T h eodo ro Sam paio, História da fu n da ção da
cid a d e d o S a lvad or, p. 185 c 2 5 6 (planos da cidade).
5. T h eo d o ro S a m p a io , História da fundação da cidade do Salvador, p. 255.
6. Idem, ib id e m , p. 2 6 1 .
7. S e g u n d o G an d avo ( T ratado d a P rovíncia do B r a s il..), havia dezoito engenhos em 1572;
doze anos d ep o is, G abriel Soares dc Souza contou mais de trinta; nos anos de 1620, frei
V icen te do Salv ad o r in d ic o u o núm ero de cinqüenta; em 1663, de acordo com o padre
Sim ão de V asco ncellos, h a v ia 69. C em anos depois (1759), segundo o engenheiro José
A n tô n io C a ld a s, e x istiam 126 engenhos. No fim do século XVIII, Vilhena incluiu 260 no
recen seam ento . .
8. José W a n d e r le y de A raújo Pinho, H istó ria social d a cidade do Salvador, p. 7 - 6 9 . Para o
engenh o jesu íta d e S e rg ip e do C o n d e , cf. Frédéric M auro, Le Portugal et lAtlantique,
p. 2 1 3 - 2 2 5 , m as so bretud o o estudo m agistral de Stuart B. Schwartz, Segredos internos...
9. Sobre as diferenças entre lavradores livres e ‘obrigados’, cf. Livro VII, capítulo 30.
10. João C ap istran o dc A breu , Cam inhos epovoam ento do Brasil, p. 193. Sobre a população
indígena d a Bahia, cf. Luís H .D . Tavares, H istória da B ahia , p. 2 5 - 3 1 .
11. Luís M .I). Tavares, H istória d a B ahia, p. 9 4 - 9 5 .
12. bernand Braudcl, Vida m a te ria l e capitalism o (séculos XV—X\ IH), p. 40 41.

13. Miitori Santos, “O papel m etropolitano da cidade de Salvador , p. 183.


14. Cf, verbete metrópole, da G rande Enciclopédia Delta-Larousse.
15. M ilto n Santos, “O papel m etropolitano da cidade de Salvador , p. 185.
16. Idem, ibidcm.
17. Frédéric M auro, l e HréVddu XV* au X V I!!' siécle, p. 2 9 -3 6 ; 11.B- Johnson Jr., ' I c onarary
captaincy in perspective: portugticsc backgrounds to scttlcmcnt in -
M archant, “Feudal and capitalistíc elemem s in the portuguese sett cnitnt o
18. Sônia A. Siqueira. A tn^m sição portu gu esa e a sociedade colon ia l ^ ^ ^ ^ J a p o U t k a
E volução urbana do Brasil, 1500-1720, Ç>. 6 ò 71; Afonso uy cjãade d e Sal-
e adm in istrativa d a cidade do Salvador, História da Câm ara Mumctp
vador.
B a h i a , S é c u l o XEX
658

19. Stuart B. Schw artz, B u rocra cia e so cied a d e n o B ra sil colon ia l, D avid G . S m ith , The M ercam ile
Class o f P o rtu ga l a n d B razil in th e S ev en tccn th C en tu ry: A S ocio-E con orn ic S tudy o f the
M erch a n ts o fL isb o n a n d Bahia-, A n ita N o v in sk y , C ristã os-n ovos n a B a h ia .
20. A .J.R . R ussel-W o o d , F idalgos a n d P hilan thropists. T he S anta Casa d e M isericórd ia o f Bahia,
1550-1755', R .J.D . Flory, B a hia n S ociety in th e M id -C o lo n ia l P eriod , Su zan A. Soeiro,
A B a rroq u e N u n n cry . .
2 1 . N estor G ou lart Reis Filho, E volu ção u rb a n a d o B rasil, 1 5 0 0 -1 7 2 0 , p. 7 3 .
2 2 . J.R . A m aral L ap a , A B a hia e a ca rreira d a ín d ia , p. 5 - 9 3 ; F réd éric M a u r o , Le B résilduX V *
a u X \ m ie siècle, p. 8 7 - 9 0 ; F ern an d o A. N o v ais, P o rtu g a l e B ra sil na crise do a n tigo sistema
colon ial, 1 7 7 7 -1 8 0 8 , p. 5 7 - 9 2 .
2 3 . Katia M . de Q ueiró s M atto so , “Des B a h ia n aís c o m m e les autres? 2 0 N o u v ea u x Chrétiens
d u d éb u t d u X V II I e siècle”, p. 3 1 3 - 3 3 2 .
2 4 . Katia M . d e Q ueirós M a tto so , “Parã u m a m e to d o lo g ia e m h istó ria so cial: a história social
de Salvador no século X IX ”. ,
25- M ilto n Santos, O cen tro d a cid a d e d o S a lva d or . '
2 6 . Frédéric M a u ro , Le B rêsil d u XVe a u XVIIIe siècle, p. 1 5 1 —157.
2 7 . Katia M . de Q ueirós M atto so , “C o n jo n c tu re et société au Brésil à la Fin d u XVIIIe siècle.
Prix et salaires à la veille de la R é v o lu tio n des A lfaiates - B ah ia 1 7 9 8 ”. ■
28 . M ilto n Santos, O cen tro d a cid a d e d o S alvador, p. 3 0 - 4 0 .
29. C f. Livro V I.
30. N a décad a de 1 9 5 0 , 4 5 % da ativ id ad e in d u strial d a cid ad e g ira v am em torno de produtos
aíim entares, correspondendo o setor têxtil a apenas 1 5 % dessa ativ id ad e. M ilto n Santos,
“O papel m etropo litano d a cid ad e de S a lv a d o r”, p. 188.
31. A história dos transportes d a P rovíncia (m ais tarde Estado) da B ahia está por fazer-se,
sobretudo no quc diz respeito às ferrovias. Esse desenvolvim en to relativam ente precoce
nunca se traduziu em u m a p o lítica constante (cf. Livro V I). F altam tam bém estudos sobre
a política rodoviária. A B ahia, q u e no século X IX o cu pava um bom lugar em matéria de
transportes m arítim os, possuía no século X IX u m a frota insignificante. Cf. M ilto n Santos,
“O papel m etro p o litan o ...”, p. 190.
32. Idem, ibidcm , p, 188,
33. Idem, O cen tro d a cid a d e do Salvador, p. 42. V erem os nos capítulos 25 e 26 do Livro VI
como o esforço dc m odernização concretizado pela criação de engenhos centrais não
conseguiu tirar a Bahia de sua letargia.
34. Idem, ibidcm, p, 43.
35. Idem, “O pape! m etropolitano...”, p. 189.

N o t a s d o C a iM tu lo 6

1 . É interessante notar quc existe uma docum entação ampla c variada — constituída por
listas nominais, rcccnscatnentos c registros paroquiais — relativa às capitanias de São
Paulo e Minas Gerais. H á ccrca dc quinze anos cia vetn servindo a estudos que têm
ajudado a esclarecer os comportamentos c a dinâm ica da população brasileira nos séculos
XVIII e XIX. Citarei os excelentes trabalhos de Maria Luiza Marcílio, La v ille d e S ã o P a u lo ,
p e u p le m e rtt e t p o p u la t io n , 1750-1850 (cd. brasileira: A c id a d e d e S ã o P a u lo , p o v o a m e n to e
p op u lu çS o, 1750-1850)-. Iraci dcl N cro d l C m ,-, Vilu ff.v ,
p u tã ço cs m in eira s. S ch r r cstm tu r.t />„»„/,„ „„„,/ J r , (!7 1 9 -1 8 2 6 ) e P„-
tc c u lo AV.Y; F . n c i s c o V id .,1 Í/ L
p o p u L ta o n .,! c e co n ô m ica d c a lg u m cen tro t m in cra tâ rw s (1 7 1 8 -1 8 0 4 ? f ' W " ' ^
**"? f ' « » » « » « <•W r f , P a ra o S £ x ^
tese de do u to rad o ( m e d iu ) de Robert W Slcnec T i» n , ” secul° AX, a notável
S la r cn . 1 8 5 0 -1 8 8 8 . ’ ^ ^ ^ “P b n n d E cu n u m ictofB ru tiiia n
2. Jo h ild o Lopes d e A th a y d c , La v ille d e S a lva d or a u XlXf siècle.
3. C f. Livro I, c a p ítu lo I.

4. Ignácio d c C e r q u e ir a c S ilv a A c cio li, M em ória s histórica s cp o lítica s da P rovíncia da Bahia


v. nota 56 , p. 3 4 3 . ««««*,
5. T h ale s d e A zevedo, P o v o a m en to d a cid a d e d o S a lvador, p. 191.
6 . Ignácio de C e r q u e ir a e S ilv a A ccio li, M em ória s h istórica s ep o lítica s..., v. 5, p. 343.
7- C f. T h ale s de A zevedo , P o v o a m en to d a cid a d e d o S a lvad or, p. 196 e F.W .O . Morton, The
C o n serva tive R evo lu tio n ..., p. 3 8 1 . N a verdade, o recenseamento data de 1779, conforme
se lê no cab e ç alh o do m a p a o resu m o , p u b lic ad o por Braz Am aral (c f Ignácio de Cerqueira
e Silva A c c io li, M em ó ria s h istó rica s e p olítica s..., v. 3, nota 12, p, 83).
8 . F .W .O . M o r to n , T he C o n serv a tiv e R evolu tion ..., p. 3 8 1 . É interessante notar que Morton
propõe o n ú m e ro de 2 8 0 . 4 0 7 hab itan tes, en q u an to o meu total, para o mesmo censo, dá
2 7 7 .0 2 5 . U m terceiro to tal ( 2 8 7 .8 5 0 habiranres) é apresentado por Thales de Azevedo,
P o v o a m en to d a c id a d e d o S a lvad or, p. 196.
9. Jo sé d a S ilv a L isboa, “C a r t a para D o m in g o s V an d elli em que se dá notícia desenvolvida
sobre a B a h ia (1 8 d e o u tu b ro de 1 7 8 1 )”, p. 503.
10. Luiz dos S a n to s V ilh e n a , A B a h ia n o sécu lo XVIII, v. 2, p. 460.
11. D au ril A ld en , “T h e p o p u la tio n o f Brazíl in the late eighteench century. A prelimínary
stu d y ”, p. 191.
1 2 . S e g u n d o esse recen seam en to , a população do Brasil era de 3,1 milhões de habitantes, dis
tribu íd o s geo g raficam en te d a segu in te m aneira: M in as Gerais, 611 mil ( 1 9 ,7 /o , a ia,
5 3 0 m il (1 7 ,0 % ); P e rn am b u c o , 4 8 0 m il (1 5 ,5 % ); Rio de Janeiro, 380 mil (12,2/o); todas
as d em ais, ju n ta s, u m m ilh ão (3 2 ,2 % ). .
13. A rquivo M u n ic ip a l dc C ac h o e ira, M aço dc docum entos para embrulhar (sécu
C ad astro da população d a Província da Bahía, 1808.
14. F .W .O . M o rto n , T he C on serva tive R evolu tion ..., 1790-1840, p. 381; Daun en> c
population o f Bra/.il...”, p. 191.
15- Thales dc Azevedo, P ovoa m en to d a cid a d e do Salvador, p. ^32.
16. J.J. Reis, R ebelião escrava no B rasil: a história do leva n te dos malês, ^ ^
17. Katia M . dc Q u e iró s M a tto s o , “C o iijo n c tu r c et société au BrésiL. . P- " '
18. Katia M . dc Q ueirós M attoso, R a b i a : a c id a d e d e S a l v a d o r e se u m e r c a o

P* l 4 4 “ H 7 * ., , 39 (cd. brasileira: Ser escravo


19. Katia M . de Q ueirós M attoso, Etre esc la ve a u B rêstl , p. 13 -
n o B rasil). a 8 i _ 3 8 2 ‘ Thales de Azevedo, P o v o a-
20. F .W .O . M o rton , The C o n serv ativ e R ev o lu tio n ,.., p. 3 -
m e n to d a c id a d e d o S a l v a d o r , p. 2 0 1 —210.
21. G iorgio M o rtara, Aspectos gera is da p op u la ção do Brasil, p. .
660 B a h ia , S écu lo X IX

22. J.B . Sá O liv eira, Evolução psíquica do povo baiano, p. 8.


23. C aracterísticas d em o grá fica s d o Estado d a B ahia, p. 3 1 3 .
2 4 . J . W eth erell, Brasil. A pontam entos sob re a B ahia..., p. 2 2 4 .
2 5 . P ara to rn ar possível a co m p aração em u m períod o longo, escolhi com o quadro dessa
an álise a an tig a divisão a d m in istrativ a d a B ah ia, ta l q u a l se ap resentava no século XVIII,
isto é, rep artid a em q u atro co m arcas. P ara os anos de 1 7 7 9 e de 1 8 0 8 , foram excluídas as
cap itan ias d e Sergip e d ei R ey e do E spírito S a n to , q u e se to rn aram in d ep en d en tes depois
de 1 8 2 0 . E m co m p en sação , não h o u ve m eio de in c lu ir, p ara 17 79 e 180 8 , os dados
relativo s ao territó rio p erten cen te à a n tig a C a p ita n ia d e P ern am b u co , anexado pela Bahia
n a época d a In d ep en d ên cia. T o d av ia, a falta de d ad o s sobre esse te rritó rio , situado na área
' do São Francisco, não deve alte rar m u ito o q u ad ro g eral referente à população da Bahia,
pois tratava-se d e terras com p o vo am en to escasso. A co m arca da B ah ia, nos anos dc 1872
e de 189 0 , ab ran g ia os m u n ic íp io s d e S alv ad o r e do R ecô n cavo , de po voam ento antigo, e
as co m u n id ad es situ ad as ao n o rte da c id ad e (n a m aio ria , an tigo s ald eam en to s indígenas,
anexados a p a rtir de m eados do século X V III p e la ad m in istraç ão ía íc a). A com arca de
Ja co b in a co m p reen d ia todo o territó rio situ ad o no cen tro -o este, no norte, no extremo
norte e no extrem o oeste, q u e co rresp o n d ia às terras do in te rio r d a C ap itan ia, tornada
pro vín cia em 1 8 2 2 e estado em 1 8 9 0 . A co m arca d e Ilh éu s c o m p reen d ia os m un icípios da
região ch am ad a de R ecôncavo S u l e d e u m a p arte do L ito ral S u l: M acau, Barra do Rio das
C o n tas, B arcelos, Ilh éus, O liv en ça, U n a , C an a v ie íras, B elm o n te, S an ta C ru z (187 2 e
1 8 9 0 ). A C o m arc a de Porto Seguro co m p reen d ia os m u n ic íp io s restan tes do L itoral Sul:
Porto Seguro, V ila V erde, T ran co so , C arav elas, P rado, A lco b aça, V içosa, Porto Alegre
(187 2 e 1 8 9 0 ). R egistre-se ain d a q u e o estudo dos fenôm enos dem o gráficos contem porâ­
neos se faz, em gran d e m ed id a, graças à co m b in ação de dados extraídos do registro civil e
daqueles fornecidos pelos recenseam entos: n a talid ad e , n u p c ia lid a d e , fecu n d id ad e, m orta­
lidade. Os recenseam entos com q u e aq u i lid am o s não fornecem esses dados. Fica difícil
calcu lar as taxas de crescim en to n atu ral d a p o p u lação b aian a, pois não é possível obter as
taxas de n atalid ad e e de m o rtalid ad e dessa p o p u lação . P or o u tro lad o , nao se conhecem as
m igrações líq u id as d a B ah ia nesse m esm o p erío d o , o q u e confere à an álise aqui proposta
um cun ho precário.
2 6 . Foram de seca os anos de 1809, 1 810 , 1 8 1 6 , 1817, 1824, 1 8 2 5 , 1830, 1831, 1832, 1844,
1845, 1857, 1858, 1859, 1860, 1868, 1869, 1870, 1877, 1878, 1882, 1884, 1885, 1888
e 1889. De pluviosidade anorm al, foram 1813, 1833, 1843, 1852, 1 8 6 1 , 1862, 1865,
1872, 1873, 1879 e 1880. Séries estabelecidas a partir de informações colhidas nas seguin­
tes obras: Braz do Am aral, R esenha histórica da Bahia, p. 55 e 6 7 ; monsenhor Manoel de
Aquíno Barbosa, E fem érides da freg u esia d e N.S. da C on ceição da Praia, v. I, p. 164; Afonso
R uy de Souza, H istória p o lítica e a dm in istrativa d a cid a d e do Salvador, p. 591; Souza Co­
lombo, A seca, sua incidência e medidas para m inorar seus efeitos ”.
27. Para 1800, Luiz dos Santos V ilhena, A Bahia no sécu lo ATT//, v. 2, tabela inserida entre as
páginas 460 e 461. Para 1872, dados do recenseamento de 1872. Para 1890, dados do
recenseamento de 1890.
28. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 2 , p. 4 6 0 —461.
29. Para maiores detalhes, cf. Livro V.
30. Cf. Luiz dos Santos Vilhena. A Bahia n o sé c u lo XVIII, v. 2 , p. 4 6 0 - 4 6 1 . Em 1893, Fran­
cisco Vicente Viana escreveu: “A Carta Régia de 8 de maio de 1758 mandava recolher
jesu ítas q u e p a ro q u ia sse m missões e aldeias de ínH'
Foi e m c o n s e q ü ê n c ia d e ™ ré g i„ d(. , c r m i,
v.las d e T ra n c o so . \ ila V e d e . O liv e n ç a , B arcelos S a n r w e “ ‘" « g n ific a n ro
ca. M ir a n d e la , A b ra m e s. e u " {Mrméri* ,ob,c „ f t W w « Pom bl1- Pcd™. Bran-
3 1 . o s d ad o s p u b lic a d o s p e lo h istl>ria d „ r n o r r e - a m e i c l „
aos m eu s: em 1 8 1 7 - 1 8 1 8 a p o p u lação livre h r ^ ll ■ ' nrad Sao> ^ á s , análogos
1 8 7 4 , 8 4 .2 4 „ ; e e ,n 1 8 8 8 . 9 5 % 0 S 1 Z 1 X * » » *> W * L
p. 3 4 6 (ra b c la IV ). ™ - Brasil: ,850-1888,

3 2 . K atia M . d e Q u e iró s M a tto s o , B a hia : a cid a d e d o ,


p. 2 3 9 - 3 7 6 . e seu m er™do no século XIX,
3 3 . Id em , ib id e m . *

3 4 . L u iz dos S a n to s V ilh e n a , A B a h ia n o s écu lo XVIII, v. 2 d 497_4<iít a: j ^ „


c brasihca,
grafia l 't' tt i « o i nn.
to m o II, p. 1 0 8 - 1 0 9 .
* zvires de L asaí, Coro-

3 5 . W a ld ir F re ita s d e O liv e ira , “A s fáb ricas de tecidos em V alen ça no século XIX”


3 6 . F ran cisco V ic e n te V ia n a , M em ó r ia so b r e o E stado d a Bahia, p. 28 4 ; RomuIo de Almeida,
T raços d a h istó ria e c o n ô m ic a d a B a h ia ..., p. 9; H en riq u e Jo rge Buckingham Lyra, Colonos
e co lô n ia s, p . 2 5 - 2 9 .
3 7 . F ran cisc o V ic e n te V ia n a , M em ó r ia so b re o Estado d a Bahia, p. 2 8 4 -2 8 5 ; Luiz Amaral,
H istó ria g e r a l d a a g r ic u ltu r a b ra sileira , v. II, p. 3 7 6 - 4 0 9 ; R ôm ulo de A lm eida, Traços da
h istó ria e c o n ô m ic a d a B a hia ..., p. 9 - 1 0 ; M ilto n Santos, Z ona do cacau. Introdução ao estudo
g e o g r á fico , p, 1 0 7 ; A n g e lin a N o b re R ohm G arcez & A nto nío Fernando Guerreiro de
F reitas, H istória e c o n ô m ic a e s o c ia l d a reg iã o ca ca u etra .
3 8 . F ran cisco V ic e n te V ia n a , M em ó ria so b re o E stado d a B ahia , p. 4 1 9 —472; Joaquim W anderley
d e A ra ú jo P in h o , “A v ia ç a o n a B a h ia ”, p. 1 3 2 - 1 4 3 .
3 9 . R o llie P o p p ín o , F eira d e S antana, p. 1 9 7 .
4 0 . Id em , ib id e m , p. 19 8 .
4 1 . C f. L ivro V I, c a p ítu lo 2 5 .
4 2 . Ib id e m .
4 3 . F ran cisco V ic e n te V ia n a , Memória sobre o Estado da Bahia, p. 4 1 9 —472.
4 4 . Esses d ado s regionais são coerentes com os apresentados para todo o país p
C o nrad e m Os ú ltim o s a n os d a escra va tu ra n o Brasil, p. 3^ 4 “ 3 4 6 ‘ ^ ‘fTvres; de
Dontilarão h n s il e i r a cra dc 3 8 1 7 .0 0 0 pessoas em I 8 1 / - I 8 1 » , senao
9 76, “ 7 * 4 , sendo 8 4 ,2 % livres, e, finalm enrc, de ,4 .3 3 4 .0 0 0 pessoas em
1888, sendo 9 5 , 0 % livres. X[y ^
45. Cf. T â n ia P en ído M o n te iro , P ortu gu eses na B ahia na segunda m etade o s cu
g r a çã o e co m ércio, p. 6 8 . .
4 6 . C f. Livro III, capítu lo 1 1 . o n d e sc fala das práticas m atrim ° n,Íl^ u^ jcí^ ° da prOVíncia
4 7 . N ão existe nen h u m cadastro dc terras pertencentes aos ■- Segundo os dados
no século XIX. Os dados disponíveis sc referem todos ao « j Q enormes: por exem-
relativos ao ano de 1949, as diferenças de m unicípio a r n u n i p ^ ^ ^
pio, o m u n ic íp io d e São Felipe de M aragojipe, SIEua ° no Aareste) tínha 10.103 b*11
população d c 3 0 m il habitantes; o m un icípio de ( * rinha , 5 mil habitantes
e 2 2 m il habitantes, enq uanto o m unicíp.o de Sento Sé (no berta j
662 B a h ia , S é cu lo X IX

distribuídos por um território de 14.479 k m 2. A densidade populacional, nessas regiões,


era m uito variável: 8 8 habitantes por k m 2 em São Felipe, dois habitantes por k m 2 em
Jerem oabo e um habitante por k m 2 no m un icípio dc Sento Sé. M esm o em 1949 a popu­
lação dim in uía à m edida que a costa ficava mais longe. Cf. “Q uatro séculos de história da
B ah ia”. , ,
48. Cf. Livro VI. Para o conjunto dc dados acim a cf. A in serção da Bahia na evolu çã o n a cion a l
v. 4, p. 1 3 - 1 4 .

N otas do C a p it u l o 7

1 . Carlos Dias M alheiro, H istória d a colon iz a çã o p ortu gu esa d o Brasil, p. 3 4 5 - 3 4 6 .


2. Arquivo do Estado da Bahia, Seção Ju d ic iária, Série Testam entos (1 8 0 5 —1891, 64 volu­
mes manuscritos) e Série Inventários (1 8 0 1 - 1 8 8 9 ) .
3. Nestor G oulart Reis Filho, E volução u rban a d o Brasil, 1 5 0 0 -1 7 2 0 , p. 112.
4. Katia M . de Q ueirós M attoso, B ahia: a cid a d e d o S a lvador e seu m erca d o no sécu lo XIX,
p. 8 8 - 1 0 5 ­
5. Ignácio de C erq u eira ç Silva Accioli, M em órias h istórica s e p olítica s..., v. 5, p. 371.
6 . Luiz dos Santos V ilh en a, A B ahia n o sécu lo XVIII, v. 2, p. 4 6 0 —46 1 .
7. Arquivo M u n ic ip a l de Salvador, Livro de Posturas M u n icip ais, 1 8 2 9 - 1 8 5 9 (n° 119.5),
fl. 19 e 35 (m anuscrito).
8 . Afonso R u y de Souza, H istória d a C âm ara M u n icip a l d a cid a d e d e S alvador , p. 3 0 9 e 310.
9. Idem, ibidem , p. 310.
10. Alguns resultados do estudo dem ográfico consagrado à cidade de Salvador no século XIX
por Johildo Lopes de A thayde serão utilizados nesse capítulo e nos livros III e VII deste
trabalho. V er La v ille d e S a lvador au XIXe siècle.
11. Thales de Azevedo, P ovoa m en to d a cid a d e do Salvador, p. 182.
12. Afonso R u y de Souza, H istória p o lítica e a d m in istra tiva d a cid a d e do Salvador, p. 315;
Sebastião d a Rocha Pita, H istória d a A m érica P ortuguesa, 1500—1724, p. 51—61. Os re­
censeamentos já analisados fornecem as seguintes m édias de habitantes por fogo: 1 7 0 6 -
5,0; 1755 ~ 5,6; 1757 - 7,1; 1759 - 5,9; 1775 - 5,7; 1779 - 5,9.
13. Thales dc Azevedo, P ovoam en to d a cid a d e do S alvador, p. 188.
14. Ignácio dc C erqueira e Silva Accioli, M em órias h istérica s ep o lítica s..., v. 5, p. 3 4 3 ­
15- Thales de Azevedo, P ovoam en to da cid a d e d o Salvador, p, 191—194.
16. A .J.R. Russcl-W ood, “C olonial Brazíl”, p. 97.
17. Luiz dos Santos V ilhena, A Bahia no século XVIII, v. 2 , p, 1 5 9 - 4 6 0 .
18. T h a les dc Azevedo, P ovoam en to da cid a d e d o Salvador , p. 1 9 3 - 1 9 4 c 195 e tabela IV.
19. Idem, ibidcm, p. 1 9 3 - 1 9 4 .
20. Katia M . d e Q ueirós M attoso, "Os preços na Bahia de 17 50 a 1 9 3 0 ”, p. 178.
21 . Fernao C a rd im (S .j.), Tratado da terra e gen te do Brasil, p. 2 8 8 .
2 2 . G abriel Soares faleceu cm 1591, sendo governador da C o n q uista e de M inas. Cronista
fino, etnólogo antes do tem po, cie descreveu m inuciosam ente os usos e costumes das
tribos indígenas, q u e ch am o u de “povoadores e possuidores desta terra da Bahia . Lm
c o m p c n u ^ o . o j u t o r n j , . lc , „ m in im ., c>fur<„ ,
d c n u m e r o s a s p i p n a s co n sa g rad as c n r r n h o s ,1 c s T “ “ tHTO‘ nciw s ' * P « a r

I rei V ic c m c .Io S.dv.,.1,,,. ' * l4 6 ‘ ,6 ~


do ÍK.1 0 I s u b s titu iu o dc " rta t.id n descritivo". M u d tl) , ‘>*UC"K ^ u<; ° título “História
por uni Lido. peto m elh o r c o n h e c im e n to do novo X ! ÍS^ t,iv a se justifica,
respeito ao seu litoral — c . por o u tro , pelo Hm de u u e T , - , . PCl° mcm” no < !« ^
'h isto ria a ser c o n ta d a . " <>ím CHnitV v a a ter uma

Ní. Erançots ib r u r d de 1 av al. \ o Y,t ^ At F ra n çois PyrarA At L a r , ! ,


h a (W u ia . . V , R r é n l: William D am p^. a Z ^ Ã w 8 £ 7 “
:n :í>t \tar }6 9 9 , p. 5 S - S 2 . uLaZe t0 tio lla n d a c.

2v Cd. m ais a d ia n t e o Livro IV, c o n sa g rad o às estruturas do Estado.

- 6- 7 l 'u Jo ; p; rd L; * * * ? * * c « « « ■ » « «■» * « » m . dc ^ , às Kimao *


J o h ild o Lopes de A th a y d e , E pidem tas c flutuações de preços na Bahia no século
p. I S 3 - I 9 8 . A1A ■

2 ". Katia M . de Q u e ir ó s M a tto s o , “S o cied a d e c c o n ju n tu ra na Bahia nos anos de luta nela


In d e p e n d ê n c ia " .

28. Katia M . dc Q u e iró s M a tto s o & Jo h ild o Lopes dc A thayde, “Epidemias e flutuações de
p reç o s...”, p. 1 8 5 - 1 8 6 .

N o ta s d o C a H tu i.o 8

1. N o m eio ru ral, os ag ric u lto re s pohrcs, tam b ém conhecidos como ‘ moradores’, trabalha­
vam co m o ren d eiro s nas terras do senho r sem nen h u m a garantia, podendo ser expulsos a
q u a lq u e r m o m e n to . C h a m a v a m -s e ‘ lavradores livres* quando tinham a possibilidade de
m oer sua c a n a -d c -a ç ú c a r em m o in h o q u c nao pertencesse ao senhor dc engenho dc quem
arren d av am as terras. Eram ‘ lavradores o b rig ad o s’ q uando seu contrato os forçava a moer
sua cana no m o in h o do p ro p rietário das terras. Essa distinção entre lavrador livre e
‘o b rig a d o ’ já não existia no século XIX. O s lavradores dc antanho haviam sido substituídos
por cu ltivad o res (q u e eram proprietários ou alugavam suas terras) e por moradores.
C u rio so conrraste: no cam p o , m esm o q uan d o não eram proprietários da terra, os a\ra o
res, suas fam ílias ç seus escravos eram contabilizados cm fogos separados. Como aca
de ver, o m esm o não ocorria nas cidades com os agregados. Cf. Stuart B. Schwartz. re
labor ín a slavc ecortoiny: Lhe ‘lavradores dc cana o f colonial Bahia .
2. Katia M . flc Q u eiró s M attoso, S tr escra vo n o Brasil ( p. 6 5 - 6 7 .
5. H enrique Jorge B u ckin g h am I.yra, C o l o n o s e colônias, p. 12—13.
4. T h o mas Lím lley, N arrativa d e um a via gem ao Brasil,, p. 171.
5. Aniadc E.B, Mouchc/., Les còtes d u Brésil, p. 52.
6. A in serçã o da B ahia na evo lu çã o nacional, p. 2 0 7 ­
7. Amade E.B. M o uchez, Les côtts du Bréstl, p. 50.
8 . Sobre as m entalidades religiosas, cf. adiante, no Livro V deste ' ^ io«;n
9. Cf., por exem plo, Fala do p resid en te da P ro vín cia (F rancisco G onçalves artms ,
p. 1 1 - 1 2 , na época da ep id em ia dc febre amarela. Livro VI. .
J 0. Sohrc o desenvolvim ento das estradas de ferro que modificaram esse qua ro, c . .
664 B ahla , S éc u lo X IX

11. P or exem p lo , “R elató rio do P resid en te d a P ro v ín c ia, o V isco n d e de São L ourenço, à


A ssem bléia P ro v in cial d e 18 7 1 ". H o uve, nessa ép o ca, três anos co nsecutivos de grande
seca.
12. C f. K atia M . d e Q ueirós M a tto so , Ser escravo no Brasil, p. 6 5 - 6 7 ­
13. Idem , ib id e m , p. 5 3 - 6 5 ­
14. M a u ríc io G o u lart, A escravidão africana do Brasil P ierre V erg er, Flux et reflux de la traite
des nègres entre le golfe du Bénin et de Bahia de Todos os Santos du XVIIe au XlXe siècle,
p. 114 (ed. b rasileira; Fluxo e rcfluxo do tráfego de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia
de todos- os Santos: dos séculos XVII a XIX); L u ís V ia n a F ilh o , O negro na Bahia; N ina
R o d rigu es, Os africanos no Brasil
15. M a u ríc io G o u lart, A escravidão africana do Brasil, p. 2 6 6 .
16. Luís V ian a F ilh o , O negro na Bahia, p . 9 8 .
17. Pierre V erger, Flux et reflux de la traite des nègres..., p. 6 6 5 - 6 6 6 (ed. b rasileira; Fluxo e refluxo
do tráfego de escravos...).
18. P ara m aio res d etalh es: K atia M . d e Q u e iró s M a tto so , Ser escravo no Brasil p- 6 9 - 7 7 .
19. A. C o sta, “D escen den tes d e D io g o Á lv ares”, e F rei Ja b o a tã o , “C atá lo g o gen ealó gico ”.
2 0 . C f A. C o sta, “As órfãs d a ra in h a (base d a fo rm ação d a fa m ília b ra sile ira )”.
2 1 . T h ales de A zevedo, Povoamento da cidade do Salvador, p. 2 2 4 .
2 2 . Idem , Les élites de couleur dans une ville brésilienne, p. 2 1 .
2 3 . A rquivo M u n ic ip a l de S alv ad o r, L ivro d e P osturas M u n ic ip a is, 1 8 2 9 —1 859 , fl. 21.
2 4 . T h ales de A zevedo, Povoamento da cidade do Salvador, p, 2 4 .
25. H en riq u e Jo rg e B u c k in g h am L yra, Colonos e colônias, p. 12—13 e 111. ■
26. D onald P ierso n, Brancos epretos na Bahia, p . 3 3 , in clu siv e n o ta 5 5 ­
2 7 . Lem brem os q ue, segu n d o o h isto riad o r C a io P rado J r ., “a co n trib u ição do escravo preto
ou ín dio para a form ação b rasile ira é além d a q u e la e n e rg ia m otriz, quase n u la ” ( Form ação
do Brasil contemporâneo, p. 2 7 0 ).

N o ta s d o C a p ít u lo 9

1. V itorino M agalh ães G o d in h o , A estrutura da antiga sociedade portuguesa, p. 65.


2. C f Katia M . de Q ueirós M a tto so , “A fam ília e o direito no Brasil no século XIX, Subsí­
dios jurídicos para os estudos cm história so cial”.
3. Antônio T eixeira dc Freitas (em in en te ju rista do século XIX)\ C ódigo Civil. Esboço, Li­
vro 2. A afirmação do autor c corroborada pela evidencia encontrada nos livros dos
tabeliães baianos, nos quais figuram poucos contratos de casamento.
4 . Outrora, esses contratos podiam ser redigidos por ato privado (Ordenações Filipinas*
Livro III, T ítu lo 59, § 11 c 21). Fssc dispositivo foi suprim ido pela lei de 6 de outubro de
1784 , reforçada pela lei n° 1.237, de 24 dc setembro de 1864, art. 3, § 9,
5. Cf. A ntônio T eixeira dc Freitas, C ódigo Civil, Livro 2, p. 486.
6. Idem, ibidem , p. 4 9 1 - 4 9 2 .
7. Idem, ibidem , p. 4 9 9 —502.
s. Dom Sebastião Monteiro de Vide [Ar, .k’ ,
Ar. v f c . ^ o <U fl..-/.,, |.ivro p rim i» , 4 .
9. Idem,
IUIIIm iIL'!UVIil.
b i d e m, tLUIIIO C, n.
i t ul o ~2, p 3()- i - - 5|’ "'

1 0 . E k k v ü - , . . po r c « m , . U "O , , , , a v „ „ l , v « - . . . P„ r
G r.H o . d e A t c v i i u l f i i u l ú l w i g c V i.m , , , m u (i ' , ' n, c nnr H e n ilia de S o u r ,
p u d o e ,c o p o r » « « . . . ■ . A r ,,u iv o d „ k I jd o d j ™ ' 1 ™ 1" " M i m , ™ que
Livro» de N o tas c hac m u r a s , Livro 7 6 0 (1 8 8 5 ), fl 4 4 ’ Ç 0 J udlciária, Serie
11. Idem . ib id e m . Livro 4 0 3 (1 8 7 0 ) , 0. 741 José M i n , \f -
H-sp.rito . W ' ™ M o u r “ ™ " " a M « « Senho,inha do

12. C.lovis B e v ilá q u a . Direito das sucessões, p. 30,

^ " 1 ' v i v QUeirÓS M a t t “ ° - ; p " » “ ">» •>««<**> social seriada da cidade do Salvado, no
> cc Io XIX: os c es,am em o s e m v c n iir io s co m o fom e dc csmdo da es,rutura Mcial c d t
m e m a iid a d e s . *uc
14. C f. Livro VII.

15. Este foi o caso, por e x e m p lo , d a fam ília Sodré Pereira, cujo morgadio tinha sido instituído
com bens p red iais situ ad o s c m P ortugal e no Brasil. U m representante do ramo brasileiro,
J e ró n im o S o d ré P ereira, foi seu ú ltim o adm in istrad o r. M ario Torres, “Os M o ra d o s do
Sodré". ■

16. C ló v is B e v iláq u a, D ireito das sucessões, p. 30,


17. Katia M . d e Q u e iró s M a tto s o , “Para u m a história social seriada da cidade do Salvador no
seculo X IX ...”, p. 1 4 7 - 1 5 0 .
18. A d tlin e D a u m a rd , Les b o u rgeo is d e P aris au XIX' siècle-, Les fortu n es fra n ça is es au XIX' siècle,
“Les fo n d em en ts dc la so ciété buurgcoise . I; , Furet & A. Daumard, Structures et relations
socia les a P aris a u XVIII' siècle. jc a n Sento u, F ortunes et grou pes sociaux à Toulouse sous la
R evolu tion , 1 78 9 —1799. Essai d ’h isto ire siatiítiejue.
19. A u torização q u c d e u , por exem p lo , M a n u e l Frederico C hiappe a sua mulher. Dona Caro-
lina O c tav ia Ferreira A daes C h ia p p e , Livro dc Notas e Escrituras 343 (1 8 5 8 -1 8 5 9 ), fl. 80.
O u Francisco G om es M a g a rão a sua m ulher, M a ria Francisca Magarão, Livro de Notas c
Escrituras 3 4 3 ( 1 8 5 8 - 1 8 5 9 ) , fl. 128.
20. Karia M . de Q ueiró s M attoso, “Párocos e vigários em S a l v a d o r n o século XIX. as múl p
riquezas do clero secular d a capital b a ia n a ”.
2 1 . Daí a facilidade corri (pie foi rejeitada a petição dos filhos naturais dc Jeri ^ |^irU1_
Pereira, que exigiam sua inclusão na herança dos bens p rediais quc, no ra. jvforea-
gal, tinham co n stitu íd o o m orgadio da família Sodré Pereira. Maiío orres,
dos dos So d ré”, p. 3 2 - 3 4 ,

N otas ikj C apitulo 10


1. Katia M . d e Q u e iró s M atto so , R a h i a : a c id a d e d o S a l v a d o r e seu m e rc ad o no séeu
p . 1 5 1 - 1 6 9 . O rnesm o tem a é retom ado no capítulo 3 0 d o uvro ■
2. Luís A g u ia r da C o sta P into, L u t a s d e f a m í l i a s no B r a s il, P- 2% ^ para
3. M aria Isaura Pereira dc Q ueiro z, O m a n d o n is m o lo c a l n a ^|hos legítimos) e
esta auto ra, a fam ília patriarcal tinh a um centro (o casal branco e seus f *
666 B a h ia , S éc u lo X IX

u m a p e riferia m al d e fin id a (escravos, ag regad o s, afilh ad o s, co n cu b in as e filhos ilegítim os)


O s ascen d en tes, irm ão s, irm ãs e co laterais não são m en cio n ad o s.
4 . A d em o grafia h istó ric a no B rasil deve m u ito a M a ria L u iz a M a rc ílio , verd ad eira pioneira
nesse cam p o d e estu do s, fu n d ad o ra e d ire to ra do C e d a l d a U n iversid ad e de São Paulo
C f. La vitle de São Paulo... (cd. b ra sile ira : A cidade de São Paulo...), C o m o d efin iu Louis
H en rt, “em e sta tístic a , a fa m ília é fo rm ad a p elo casal ou o c ô n ju g e sobrevivente e, even
tu alm e n te , os filhos so b re v iv e n te s”.
5- E ntre 1741 e 1 8 4 5 , a fre q ü ê n c ia dos b atism o s d e crian ças ile g ítim a s v ario u entre 10,24%
e 3 1 ,4 9 % , em c o n stan te p ro gressão . N o m esm o p erío d o , em m éd ia, 1 4 ,8 % dos batismos
foram feito s em c ria n ç as e n je íta d a s. M a ria L u iz a M a rc ílio , La ville de São Paulo..., p. 1 83—
184 (ed. b rasile ira : A cidade de São Paulo...). ■
6. A d o lp h e L an d ry , Traité de démographie.
7. A au to ra c h am a a aten ção p ara o fato d e q u e , nesse trab a lh o , foi u sad a u m a lista nom inativa
d e 1 7 6 5 q u e não in c lu ía os escravo s, n em lev av a em c o n ta a co m p o sição racial das fam ílias,
N os lares com ap en as um ch efe, h a b ita v a m u m casal co m o u sem filh o s, viúvo ou viúva
com filh o s, esposa co m m a rid o au se n te , m ãe o u paí so lte iro , chefe de d o m icílio e seus
filhos m o ran d o co m os p ais. N os d o m ic ílio s co m ap en as u m chefe de fa m ília habitavam :
u m casal legal co m ou sem filh o s, v iú v o ou v iú v a co m filh o s, esposa com m arid o ausente,
m ãe ou p ai so lte iro , v iú v o ou v iú v a v iv en d o so zin h o s, ch efe d e d o m ic ílio e seus filhos
viven d o com seus irm ão s o u irm ãs so lte iro s, ch efe d e d o m ic ílio e seus filhos m orando com
os pais, chefe d e d o m ic ílio e seus filh o s m o ran d o com d ep en d en tes (agregados) solteiros.
N os d o m ic ílio s com vário s ch efes de fa m ília h a b ita v a m : u m o u vário s filhos casados
m o ran do com pai ou m ãe, u m chefe d e d o m ic ílio m o ran d o com a fa m ília de seu empre­
gado (fe ito r), u m n ú cleo p rin c ip a l e o u tro a p a re n ta d o , n ú cleo s não aparentados. Nos
d o m ic ílio s sem chefe, to do s eram so lteiro s sem filh o s. E sta ú ltim a categ o ria não é precisa,
pois alu d e a casos m u ito d ife re n te s, co m o , e n tre o u tro s, irm ão s e írm as vivendo sob o
m esm o teto ou escravos alfo rriad o s u n id o s p o r u m a m esm a o rigem étn ica. C om o se verá
ad ian te, essa associação sob u m m esm o teto era m u ito freq ü en te n a B ah ia do século XIX.
M a ria L u iza M a rc ílio , La ville de São Paulo..., p . 148 (ed . b rasileira: A cidade de São
Paulo...). .
8 . L argam en te in sp irad a nos trab alh o s de P etér L aslett (“La fam iíle et le m énage: approches
h isto riq u es”) e d e Je a n -C la u d e P eyro n n et (“F am ille é larg ie ou fam ille n ucléaire. L exemple
lim o usin d u début du XIXC siècle”), Iraci dei N ero d a C osta, em Vila Rica:população (1719­
1826), d istin g u e q u atro catego rias de fam ílias: in d ep en d en tes (fam ília do chefe da casa,
fam ílias dos filhos d o chefe da casa e fam ílias d c parentes do chefe da casa), dependentes
(as dos agregado s), escravas c p seu d o -fam ílias (viúvos ou viúvas so litários, viúvos ou viuvas
q uc vivem com filhos quc co n stitu íram fam ília, viúvos ou viúvas dependentes ou escravos
que não c o n stitu íram fam ília).
9 . A noção dc fa m ília sim ples p o d e scr a s s im ila d a á d e casal, pois sc refere, essencialm ent ,
ao laço co nju gal. C o rresp o n dc à expressão atual ‘jovem casal . Cf. M artin e Segalen, Socto g
de la famille, p. 15.
10. Idem, ib idcm , p. 15.
11. CircunscriçÕes n° 2 1 e 22 da Sé, n° 1 6 de Santo Antônio, n° 1 de São Pedro e n 10 do ^
lar, Existem dados para duas outras circunscrjções (a 13a de Santo Antônio e a
Pilar), mas os d ocum entos são ilegíveis.
12. jo h i l d o I x ip c , d c A th a y d e . U VÜU /
13- Idem . ib id c m . p. 32V d ia d o r ,JU ,\/\v ^
14. Idem , ib id c m , p 32S r
15. M a r ia I.ui/J M a r u l i n , /,/ I7// / ,

^ a ***** íe *l- tw ailrira: A erdbdír J e Sát


16. Joh,l.lo 1 ope, J A.hxydc. U ,,//, * „u

, •’ •*u , w u , , h ' u “ » 1 '•*>"<» « m c u l i n m c 455 “i t- rLn in' i,f i o s , 's tP- m H " 'm « ­
dd cc cc m
in uq uuccnnttja aa rnmo*S. o r r A _____ ^ p r c d c p c ^ co"
mau
r . K a m M . d c Q u e iró s M atto so . “A c a r n de -df
c u d o da rentabilidade .la m i o ^ - . d . r a ' . ^ , ^ °
IS. A .H . d c O liv e ira M a rq u es, A iociedaíie m ídirvalportugursa. p | „
19. Cd. Livro VII, c a p ítu lo 31.

20. Jo h ild o Lopes d c Athayde. “ F ilh o . iU-e /,im n, c c rian ça. rap o sl„ . ,
2 1 . C f. Livro VII, c a p ítu lo 3 1 , c c ap ítu lo 1 1 deste Livro.
22. Jo h ild o L op es d e A th a y d e . “F ilhos ilegítim o s e crianças expostas".
23- T h a le s d c A zevedo , Povoamento da cidade do Salvador, p. 2 0 5 -2 0 7
24. Jo h ild o Lopes de A th a yd e , Filhos ilegítim o s c crianças expostas”, p. 15,
25- Idem , ib id c m .

2 6 . íh a le s d e A zeved o , Povoamento da cidade do Salvador, p. 157-180 .


27. I.u t 7. dos S an to s V ilh e n a , A B ahia no século XV!II, v. 1, p. 126.
28. V era L. A lves, lhe Santa Casa da Misericórdia of Bahia, 1870-1900, p. 48,
29. Jo h ild o Lopes d e A th a y d e , “Filhos ilegítim o s c crianças expostas”, p. 22.
3 0 . Sobre as c ria n ç as d evo rad as pelos an im ais errantes, ver Antonio Joaquim Damazio, Tomba-
mento dos bens móveis da Santa Casa da Misericórdia da Bahia em 1862, p. 59. Um rela­
tó rio da co m íssão m éd ica da M isericó rd ia, datado de 1873, declarou quc havia mães tão
■ d e sn a tu rad a s q u e ch egavam ao p o n to de ab ando nar crianças que nasciam franzinas, para
evitar despesas m édicas c funerárias. C itad o por Johildo Lopes dc Athayde, I ilhos ilegítimos
c crian ças ex p o stas”, p. 23.
3 ) . A rq u ivo d o lista d o da B ah ia, Seção Ju d ic iá ria , Série I estamentos, Livro 4 (8/1 /1 3
7/7/1814), T e sta m e n to dc C lara Josc M au rícia, fl. 227/2.30.
32. Jo h ild o U p c s d c A th ayd e , “Filhos ilegítim o s c crianças expostas”, p. 21.
3 3 . tdem , ib id c m , p. 2 2 . .
34. Km 1859, o casal im p e rial, dom Pedro H e dona J c r e z a - C r i s t m a tfiy i0 Brc a
ás p ro vín cias tia costa leste e nordeste do Brasil. Para « c arcc ^ ( ()nj o u J c Barrai,
sociedade local, a b aiaiilssirn a Luiza M argarid a í nrtuga c sobre a aristocracia
prcceptora das p rim esa* Isabel c I x o p o ld in a , redigiu um texio relação is mulheres,
da B ah ia, com urna ferocidade que is vezes surpricm c, s<> ^ cunhado Visconde
Por exem plo : “D, Ana B andeira, irm á da I cté, d '/cn’ 1 Muniz Ferrão, Irmão de
dos F iais, hom em im oral em fingim entos de Santo ; A C outinho”; “D. Maria
I ) . E m ilia B ulcão, casado com a viúva dc um c e re m „ (-fcmcntina Vaz de
Adelaide Sodré, ex-beleza que u,a de deulo. a«uM, ricó prop,iecário. Joio Vaz
Carvalho, o o .r . Sodré, casada com um excelen.e homem e r P
668 Bahia, S eo/lo XIX

C arv alh o — am b as tiveram m ocid ade alegre"; “Leopoldina de Sá Barreto, cunhada d


Barão de C ajaíb a, tem péssimo co m p o rtam en to e escandaloso com a única causa atenuan
te de ser casada com um m arido doido que anda nu cm casa que não se lava e que viv
com o um an im al. Desse desgraçado teve duas filhas crétin quc não falam etc., é uma in
feliz"; “A Baronesa dc São Francisco (Ana Rita M a rin h o C avalcan ti) tanto tem de ca 32
com o sua mãe (M a ria n a R ita M enezes Brandão) dc desprezível — é uma célebre don
M a ria n a , que teve filhos d o Sodré, do Rira L im a etc., e tc .”; “D. Luiza Pires, senhora do
Engenho Pantaleão, tem a m esm a co n d u ta quc a D. M aria n a "; “Brasília Nabuco, que foi
m u ito b o n ita (filha do D esem bargad or Ju n q u e ira ), é a m esm a coisa que as duas outras1"
C ondessa de Barrai (L uiza M a rg a rid a P ortugal de Barros), Cartas a Suas Majestades, 1859­
1890; p. 3 5 2 - 3 5 4 . ' ~
35. Lem brem os q u c o filho ileg ítim o p e rm an ec ia nesta co ndição se não fosse reconhecido pelo
pai. O bastardo era reconhecido pelo pai (casado ou viúvo) ou a m ãe (casada ou viúva)
Segun d o os inventários post mortem, cinco das 103 m ulheres casadas tiveram filhos natu­
rais antes de casar. Entre 2 9 8 ho m ens, dezessete tiveram filhos nas mesmas condições;
cinco viúvas (n u m total de 65) e q u in z e viúvos (entre 94) tiveram filhos naturais após a
m orte d o cônjuge. L em brem os, para constar, q u e n a Europa do século XIX o maior índice
d e filhos naturais era o d a Baviera (2 7 ,3 % ) e os m enores eram os da Bulgária e da Sérvia
(0 ,2 % ). Infelizm ente, não tenho dado s sobre Portugal. A Espanha tinha um índice de
5 ,9 % , mas as estruturas fam iliais espanholas eram m u ito diferentes das porruguesas. Cf.
E m m anu el T o d d , La troisièmeplanète. Structuresfamitiales et systèmes idéologiques, p. 10 1 .
36. Cf. Livro V , capítu lo 20. '
37. C f. Katia M . de Q ueirós M a tto so , “A carta de alforria...", p. 1 5 0 - 1 6 3 ; “A propósito de
cartas de alforria”; Testamentos de escravos libertos na Bahia no século XIX: umafontepara
estudo de mentalidade-, Ser escravo no Brasil, Stuart B. Schwartz, “T he m anumission ofslaves
in colonial Brazil: Bahia, 1 6 8 4 - 1 7 4 5 ”; M .I. C ortes O liveira, O liberto: 0 seu mundo e os
outros. Salvador, 1790—1890; J.J. Reis, Rebelião escrava no Brasil.
38. Cf. Katia M . de Q ueirós M attoso, Ser escravo no Brasil p. 1 7 6 - 1 9 8 .
39. J.J. Reis, Slave Rebellion in Brazil,., p. 8 (ed. brasileira: Rebelião escrava no Brasil..).
40 . Idem, ibidem , p. 26 5 .
41. Cf. Gcorge P, M u rd o ck, Á frica: itsp eo p le a n d th eir cu ltu ra lh istory , p. 143, 246-248 e 255­
256; Katia M . de Queirós Mattoso, S er escravo no B rasil p. 122-134 ; J.J. Reis, Slave Rebellion
in Brazil..,, p. 2 5 1 - 2 5 2 e 3 2 5 —397 (ed. brasileira: R ebelião escrava no BrasiL..).
42. Cf, Livro V , capítulo 22.
43. J.J. Reis, Slave Rebellion in B razil..., p. 2 4 6 - 2 4 7 (ed. brasileira: Rebelião escrava no Bra
s ii..).
44. Katia M. dc Queirós Mattoso, Ser escravo no B rasil p- 1 4 4 -1 7 2 ; J.J. Reis, Slave Rebellio
in B razil..., p. 3 3 5 - 3 4 7 (ed. brasileira: Rebelião escrava no Brasil...).
45. M ary Karash, Slave lifr in Rio d e Ja n eiro, 1808-1860-, Robert W . Slenes, The Demography
a n d E conom ia o f Brazilian Slavery, 1850—1888.
4 6 . Cf. Livro VII, capítulo 28.
47. Adelíne Daumard, Les bourgeois de Paris au XJX* siècle, p. 6 9 —76, Pierre Guiral 7
T h u iU ic r, La vie quotidiene des domestiques en France au XIXe siècle.
48 . Katia M . d e Q ueiró s M attoso, Ser escravo no B rasil p. 1 8 6 - 1 9 8 .
49. A u rélio B u arq u e d e H o lla n d a F erreira t■
50. Era comum que as mulheres conservassem m llUgUaportuSuaa^P- 3?-
soheirã. E*e sobrenome podia, aliis, ser trinsmiddo Tsem ^ i.CaSadas- “ ™'>«nome de
mulheres que teriam assim um nome de fam(lil diferenr d lT cl^ d filh“
itmas. Suger, que as duas mulheres citadas fossem irmãs N a 1a j * “ «
Antòn.o José também poderia ser afilhada, ou mesmo filha d u j * mulh" de
um dos filhos homens dos Souza Mattos chamava-se G erm inoM endeslaucm N 't ^
passo que seus irmãos eram todos Souza Mattos! Barreto Neto, ao

51. O apadrinhamento espiritual é um desses numerosos laços que teeem a rrama das relações
sociais no Brasil. O padrinho pode ser 'de barismo' ou 'de crisma'. Além disso, as m Z u
podem ser madrinhas quando consagram a criança a Nossa Senhora, cerimônia que tem
lugar apos o batismo e exige uma madrinha diferente da de batismo. Não era raro quc pais
muno abastados escolhessem entre seus alforriados a 'madrinha de apresentação a Nossa
Senhora , quc desempenhava o papel de Simeão, personagem que, outrora, levou Cristo ao
Templo de Jerusalém.
52. É sig n ific ativ o q u e o recen sead o r ten h a an otado o nom e de M aria Jo aq uin a dos Passos,
chefe do g ru p o fa m ilia r, sem q u a lific á -la de ‘d o n a ’. M as a agregada, porque é branca e
C e r q u e ir a (f a m ília m u ito c o n h e c id a ), foi assim qualificada, apesar de ser mãe solteira. O
tratam e n to d e ‘d o n a ’ o u d e ‘se n h o r’ não p o d ia ser dado aos alforriados.
53. C o n s id e re i casos p a rtic u la re s três grupos de ‘estrutura in d eterm in ada’. Seus membros
tin h a m laços de p a ren tesco , m as é d ifícil inseri-los nas categorias que eu quis distinguir. O
p rim eiro era o g ru p o de d o n a M a r ia dos Prazeres, m u lata de 70 anos, mãe solteira de três
filhos: H e n r iq u e t a J o a n a d e N e p o m u c e n o (50 anos, m ulata, solteira), M aria Constança da
Silva (m u la ta , m ãe so lteira d e q u a tro filhos) e Epifânio Francisco Ramos (35 anos, mulato,
escrevente p ú b lic o ). N o te -se q u e c a d a u m tin h a um sobrenome diferente. No sobrado,
não h a v ia ag regad o s o u escravos, m as vivia e m concubinato José Alberto Ramos, 40 anos,
branco, solteiro, escrivão do T r ib u n a l. Im possível saber se havia laço de parentesco entre
os dois g ru pos, m a s o n o m e R am o s (que não era com um na Salvador de então) pode ser
co n sid erad o um in d íc io n este sen tid o .
O u trò g ru p o com p lex o era o do italian o Rafael Gastet, 4 4 anos, solteiro, tintureiro, q
vivia co m três agregados: C a m illa R afaella (14 anos, solteira, mulata), anue
anos, m ulato ) e d o n a M a ria Jo a q u in a do Sacram ento (20 anos, branca, so tetra
com eles o escravo A ndré (1 2 anos, crioulo). Tratava-se de um pai so tetro q l c_
filhos com u m a m u lh e r de cor e lhes dera seu próprio prenome. rarn t os
cidos? Q ual o lugar dc d o n a M a ria Jo a q u in a junto ao nosso italiano.
O terceiro e ú ltim o grupo nessa situação era o de dona M ariana da Silva ( t>ranca) e
branca) e de suas duas filhas: U m b elin a A delaide de Souza (30 an° s’ fíjho os
M aria M arq u es de Souza (2 6 anos. solteira, branca). U m belm a tmh,« t r « hihos
com menos de 13 anos. O grupo não possuía nem agrega os,

N otas do C a p it u l o 11

1. M artin e Segalen, S o cio h g ie d e U fa m ille, p. 4 0 - 4 2 . tn„(hÍo- A cultural


2 . Idem, ibidem, p. 4 2 - 4 3 . Também cf. Dayid M- Sch”ej j ; r’rcc^ d d « por lei e. enfim.
account, p. 2 2 - 2 9 , que distingue os pais biológicos, o p
os pais ‘de sangue’ , que são ao mesmo tempo btológicos e g -
6T0 B a h ia , S é c u l o XIX

3. E m m an u el T o d d , La troisième planète, p. 35­


4 . N in a R o d rig u es, Os africanos no Brasil, p, 101 ; K atia M , de Q u eiró s M atto so , Ser escravo
no Brasil, p. 1 4 5 . .
5. N ín a R o d rigu es, Os africanos no Brasil, p. 1 0 7 —118.
6. Id em , ib id e m , p . 117.
7. Ju a n a E lb ein dos S an to s, Os Nago e a morte, V iv a ld o C o sta L im a, A família-de-santo nos
candomblés Jeje-Nagôs da Bahia: um estudo de relações intergrupais.
8. M a rtin e S cg alcn , Sociologie de la famille, p. 5 1 .
9. So b retu d o ao tratar-se de u m casam e n to co m u m c ô n ju g e c u ja co r d a p ele e ra m ais escura.
Eis com o L u iza M a rg a rid a P o rtu g al d c B arro s, C o n d e ssa d e B a rra i, ap resen tav a su a fam ília
p atern a: “M in h a fa m ília se co m p õ e, h o je , d e d u as tias, religio sas no co n ven to do D esterro,
so ror M a ria e so ror R o sa B o rges, e d e u m tio , F ran cisco Borges (te n e n te reform ado, de
sessenta an o s), m u ito e x trav ag a n te q u e ac ab o u se casan d o co m u m a m u lata , com quem
teve doze filh o s. Ele é p o b re .” C o n d e ssa de B arrai, Cartas a Suas Majestades, 1859-1890,
p. 3 5 5 - A pesar dessa mésalliance, a so b rin h a c o n tin u a v a a co lo car o tio en tre as fam ílias
aristo cráticas d a B ah ia, m as e x c lu in d o a m u lh e r e os filh o s d este.
10. E m m an u el T o d d , La troisièmeplanète, p . 3 7 . O se n tid o d ad o à p a la v ra ‘livre* não é defi­
n id o . A liás, n a frase se g u in te , ele se c o n tra d iz , ao escrever: “a so cied ad e o cid en tal, do
po nto de v ista sex u al, é m u ito rig o ro sa m e n te re g u la d a ”.
11. M a rtin e S eg alen , Sociologie de la famille, p . 5 2 .
12. E m m an u el T o d d , La troisième planète, p, 3 0 .
13. N os arq u iv o s d a C ú ria M e tro p o lita n a d e S a lv a d o r existe u m a excelen te série de dispensas
de casam en to , q u e vem sendo e stu d ad a h á v ário s an o s por Jo h ild o Lopes de A thayde.
N en h u m resu ltad o foi p u b lic a d a até ago ra.
14. H élio V ia n n a ,Vultos do Império, p. 2 0 7 - 2 2 9 ; R u y V ie ira d a C u n h a , O Parlamento e a
nobreza brasileira. Esses au to res n o tara m q u e raram e n te os co m ercian tes foram enobreci­
dos. C Íta-se o caso ex cep cio n al de Jo sé F ran cisco d e M e sq u ita , d e M in as G erais, feito
sucessivam ente V isco n d e, C o n d e e M a rq u ês d e B o n fim . N a B ah ia, só um com erciante,
Jo aq u im E lísio P ereira M a rin h o , receb eu o títu lo de visco n d e (de G u ai). N a época, 1889,
ele era titu la r do M in istério d a M a rin h a . , .
15- D uas m ulheres receberam títulos de nobreza, outorgados a 113 personalidades baianas:
A na R om ana Aragão C a lm o n , feita C ond essa de Itap ajipe em 1826, e Luiza Margarida
Portugal de Barros (C ond essa de Barrai por seu casam ento francês com Jcan Horacc
Joseph Eugfcnc), feita C ondessa da Pedra B ranca cm 1864. As duas eram damas da Corte
Imperial. N ão as in cluí nessa análise.
16. A.A.A. Bulcão Sobrinho, T itulares b aian os .
17. Essa afirmação sc baseia na tradição histotiográfica, c não no estudo das empresas canavieiras.
As reclamações dos senhores dc engenho não surgem no século XIX. M esm o nos períodos
de prosperidade (século XVII, fim do XVIII c princípio do XIX) ela imperava nos meíos
canavieíros, que não hesitavam cm culpar a organização comercial e os poderes públicos
por suas dificuldades. Cf. Pinto dc A guiar, A econ om ia baiana no a lv orecer do sécu lo XJ
18. A inform ação é de frei A n tô n io dc S an ta M a r ia do Jab o atão , q u e no século XVTII fèz um
catálogo gen ealógico das m ais poderosas fam ílias dc senhores de engenho do Recôncavo>
co nseguindo dotar todas elas d c antepassados ilustres. G aspar de A ra ú jo seria m embro a
nobre lin h a g e m dos A ra ú jo d e P onte I irm An ai • ^ .
d escen d en te d a não m en os n o b re lin h ag em dos “C ó i s T i T r e t a T ' ^
U m fam oso g u e rre iro . M .,« i„ h o v j m J C£ “ * ® P ™ " nc » d - F ran ça'.

rnrulher
t N-‘r 1^ —
ct h e g a ra m coXmMo sm rples rm .g ran rcs c, no B rasil. 5C in su la ra m s i £ r £d a TK
Longe p ic ll H
m e n c o n e , co m o . n c * c pars d c m n gran res. a m cn réria gen calh gica se m a n i l r a com força
na m esm a p ro p o rção d a sed e d e no breza. O s filhos dc G aspar dc A raúin , a r ° rçf'
G óis foram : A n tô n io d e P ád u a ( 1 5 6 1 - 1 6 4 3 ) , Sim eSo dc Araúfo^
M a n a A na (q u e m o rreu c e lib a tá r ia ), C la ra e Jo rg e (? - 1 6 5 7 ). ’ ancisca’
19. O g e n e alo g ista da fa m ília foi B u lc ão S o b rin h o , “F am ílias baian as: A raújo G óis”.
:0 . L im itare i m eu e stu d o aos casam en to s celeb rad o s ain d a no século XIX. Escolhi esta fam ília
sim p le sm e n te p o rq u e d esejav a c o n h e c er o peso das práticas endogâm icas nos prim órdíos
da c o lo n iz ação , q u a n d o as o p o rtu n id a d e s d e casam en to s exógam os eram m ais escassas que
no sécu lo X IX . Se h o u v e ev o lu ção , p a ra q u e lad o foi? As d atasd im ltes para cada genealogia
foram fix ad as a p a rtir dos n asc im en to s do fu n d ad o r do ram o e do ú ltim o descendente. Nas
g en ealo g ias do sécu lo X IX , a ú ltim a d a ta co rresp o n d ia ao nascim ento de um descendente,
que e v e n tu a lm e n te p o d e ria ter sc casad o no século XIX . O s barões de A raújo Góis e de
C a m a ç a rí d e sc e n d ia m d e S im e ão de A raú jo G óis.
21. Das 124 pessoas q u e se casaram sem q u e o gen ealo g ista fornecesse a descendência, 41
c o n traíram m a trim ô n io s estéreis, ou su p o stam en te estéreis. M as, por causa da endogam ia,
na realid ad e so m e n te 193 casam en to s foram celeb rad o s. E ncontrei citadas duas vezes 24
das 2 1 7 pessoas q u e se casaram , po r cau sa do jo go dos casam entos endógenos.
22. E ul-Soo P an g , 0 Engenho Central ele BomJardim na economia baiana.
23. “Lá onde filh o s d e d o is s i b l i n g s podem casar-se e onde im p era um id e a l n u c l e a r da fa­
m ília, ob serva-se g eralm e n te u m a co n trad ição flagran te en tre teoria e prática: as fam ílias
observadas n a ép o ca dos recen seam en to s, em geral não são sim plesm ente compostas de
pais e dc filh o s c elib a tário s. C a d a gru p o dom éstico agrega indivíduo s adultos suplem enta­
re s e, fre q ü e n tem en te, vário s casais. A coab itação entre pais e filhos casados é freqüente e
se estabelece a m aio r parte do tem po através das m ulheres. M as essa forma nunca é tida
com o id eal, m esm o q u an d o d o m in a do ponto de vista e statístic o ... T rata-se de um sistema
nuclear q u e não con segue sep arar os m em bros da fam ília quando os filhos atingem a ida e
ad u lta”. E m m an u el T o d d , La troisième planète, p, 3 3 - 3 4 .
2 4 . O s fatores q u c p erm itiram o estab elecim en to de co m erciantes portugueses como senhores
de engenho no fim do século XVII e no p rim eiro quarto do século XVIII foram estudados
por Flory. C f. R .J.D . F lory, Bahian Society..., p. 2 1 7 -2 8 0 .
25. K atia M . de Q ueirós M atto so , “C o n jo n c iu r e et société au Brésil... : Sociedade e conju
tu ra na B a h ia ...’*. * ,
26. A.A.A. B ulcão S o b rin h o , “ F am ílias baianas: B u lc ão ”, p. 2 -3 T am b é m as
fam ília Bulcão foram descritas dc form a pouco convincente- Ela teria um an
flam engo, o b u rgu ês G rott Bulseam nu Rulscam p, qu c teria integra o ° „ .
flamengo de Jobst van H cu tc n , colonizador da ilha du Faial, a pedi u ° rel ° ‘
P o rtu g u al. .
27. M ario T orres, “O s Sodrés". .
28. Os B ittencourt afirm a m scr descendentes da fam ília norm anda dos ® ^ e n nome
alguns m em b ro s teriam em igrado para M ad eira n o início do s cu o ,
672 B a h ia , S é c u lo X IX

te ria sid o alte rad o p ara B c te n c o u rt 011 B itte n c o u rt. O g en e alo g ista não fornece prova
a lg u m a de taí afirm aç ão . N a re a lid a d e , ho uve u n i Jcan d c B cth en co u rt, n avegado r nor-
m an d o , n ascid o em G ra n v ille -la -T e in tu ric rc , em C a u x , po r v o lta de 1 3 6 0 , q u e m orreu em
1425* M as e s te je a n d c B e th e n c o u rt, c u ja fa m ília tin h a sid o a rru in a d a pefa G uerra dc Cem
A nos, foi à c ata d c fo rtu n a p ara as ilh as C a n á ria s, o n d e se fez reconhecer senhor do
a rq u ip é lag o por H e n riq u e II d e C a s tilh a ; c o n q u isto u d ep o is as ilh as do Ferro c dc Palma
Q u an to aos B cren gu er, su a ú n ic a p reten são é d e d escen d er d e u m a fam íiia o rig in ária dos
velho s rein o s d e V a lê n c ia e C a ta lu n h a q u e se e stab elec e u cm F u n ch al (ilh a d a M adeira)
29. A .A .A . B u lcão S o b rin h o , “F a m ília s b a ia n a s: B e th e n c o u rt" , p, 2 9 - 3 0 .
30. A .A .A . B u lcão S o b rin h o , “F a m ília s b a ia n a s: B e re n g u e r”, p . 5 7 - 5 8 .
31. Este resu ltad o se ap ro x im a d a q u e le e n c o n tra d o p o r Jo h ild o L opes d e A th ayd e para a
c id ad e de S alv ad o r (cerca d e 8 % em to rn o d e m ead o s do sécu lo X IX , co n fo rm e in form a­
ção c o m u n ic a d a v e rb a lm e n te ).
3 2 . E ul-Soo P an g , O E n gen h o C e n tra l d e B om J a r d im ..., p. 1 8 5 —2 2 2 .
33- C f. T â n ia P en id o M o n te iro , Portugueses na Bahia... C f. ta m b é m no L ivro V I, cap ítu lo 27.
3 4 . E ntre 1851 e 1 8 8 9 , 5 7 ,0 % do c a p ita l d as em p resas c o m e rc iais estav am nas m ãos dos
p o rtu gu eses e 3 2 ,0 % nas dos b ra sile iro s; 11 ,0 % ' p e rm an e c ia m nas m ãos de estrangeiros.
N a re alid ad e, esse recen seam en to ig n o ro u c o m p le ta m e n te as n u m ero sas casas de com ércio
in glesas e alem ãs, sobre as q u a is não possuo n e n h u m estu d o . C f. T â n ia P en id o M onteiro,
Portugueses na Bahia.., p. 105.
3 5 . C f. L ivro V I, c a p ítu lo 2 7 .
3 6 . T â n ia P en id o M o n te iro , Portugueses na Bahia..., p. 7 5 - 9 5 ; M á rio A u gu sto da Silva San­
tos, O comércio português na Bahia, 1870-1970.
3 7 . C ita d o por J .J . R eis, Rebelião escrava no Brasil, p . 1 .0 2 4 .
3 8 . A rquivo do E stado d a B ah ia, Seção Ju d ic iá r ia , S é rie T e sta m e n to s, Livro 5 (3/6/1815­
24/ 11 / 1815), fl. 2 0 6 v - 2 10.
3 9 . Ib id em , Livro 9 (2 / 7 / 1 8 1 7 -1 8 / 5 / 1 8 1 8 ), fl. 5 9 - 6 2 v .
40. Ib id em , Livro 2 3 (1 2 / 1 1 / 1 8 3 4 -2 5 / 1 / 1 8 3 6 ), fl. 7 v - 1 0 .
41. Ib id cm , Livro 23 (1 2 / 1 1 / 1 8 3 4 -2 5 / 1 / 1 8 3 6 ), fl. 2 0 - 3 0 .
42. Ib id em , Livro 8 (2 5 / 6 / 1 8 1 6 -5 / 1 0 / 1 8 1 6 ), fl. 2 0 0 v -2 0 3 -
4 3 . Ib id em , Livro 13 (2 / 5 / 1 8 2 6 -2 5 / 9 / 1 8 2 6 ), fl. 2 5 - 3 0 . Infelizm ente náo encontrei o inven­
tário correspondente, quc teria tornad o possível av aliar as casas citadas.
4 4 . Ibidcm , Livro 3 (9/ 1/ 1 811-6/ 3/ 1811), fl. 3 1 v - 3 4 .
4 5 . Ib id em , Livro 16 (6 / 3 / 1 8 2 8 -2 8 / 6 / 1 8 2 8 ), fl. 1 0 0 - 1 0 4 .
4 6 . D o m Sebastião M o n te ir o dc V id e (A rceb ispo d a B ah ia), C o n s titu iç õ e s p r im e ir a s d o A rc e
b is p a d o d a B a h ia , Livro I, títu lo 6 7 , artig o 2 8 5 , p. 1 2 4 - 1 2 6 .

4 7 . T h ales d c Azevedo, Namoro à antiga. Tradição e mudança.


4 8 . A .J .R . Russel W ood, F id a lg o s a n d P h ila n t h r o p is t s , p. 3 2 0 - 3 3 6 .
49. Fala do p resid ente da Província (H e r c u la n a Ferreira Pcnna), 1860, p. 4 5 —48.
50. Fala do presidente da P rovíncia (A n tô n io C o e lh o de Sá e A lb u q u erq u e ), 1863, p. 30.
51. Agradeço a J o h ild o Lopes d c A th ayd e, q u e m e forneceu essa amostra.
N otas d o C a p ít u l o 12

1. Para tudo o que diz rcspd.o à educação religiosa, ver Livro V


; ^ Heurique Dias Tavares, "Evolução educacional na Bahia (súmula* 1930)-
3. C f. T a n ta Pentdo Monteiro, Portuguesa na Bahia..., p. 59 _ 75 i '
4. Para o ano de 18/2, tenho informações sobre o número de alim„< A i
privadas e públicas: Escola Normal (moços), 36 alunos: Escola Normal ( m o ç ^ Z b
n as. d as q u a is 13 in te rn a s , o riu n d a s do in te rio r da Província- Liceu Pm w
2 9 9 a lu n o s. P ara o an o d e 1 8 7 3 , renh o in fo rm açõ es sobre o’ núm ero de al“ o d e T ^ m
co lé g io s in te rn o s , a d m in is tra d o s p e la Igreja = d ed icad o s à educação de pobres e o £ s
N o ssa S e n h o ra d a S a le tte (m e n in a s ), 51 in te rn as e 7 0 externas; Casa da ProvidêncU
(m e n in a s), 160 in te rn a s e 188 ex tern as; C o lé g io do S. C oração de Jesus (m eninas) 88
in te rn a s e 7 0 e x te rn a s; R e c o lh im e n to dos H u m ild e s (m en in as), 47 internas; Sem inário
D io cesan o , 11 in te rn o s n o cu rso p rep ara tó rio e 41 alu no s no de T eologia; Órfãos de São
Jo a q u im (m e n in o s ), 7 6 in tern o s.

5. D e to d as as in s titu iç õ e s b a ia n a s d e ed u cação su p erio r só a Escola Superior de A gricultura


foi e stu d a d a . F u n d a d a em 1 8 7 7 , ela foi su p rim id a em 1902 por falta de verba e ... de
e stu d a n te s. E n tre 1 8 8 0 e 1 8 9 5 , e la co n ced eu d ip lo m as a 148 engenheiros agrônomos. Cf.
M a r ia A n to n ie ta C a m p o s T o u rin h o , O Imperial Instituto Baiano de Agricultura. A instru­
ção agrícola e a crise da economia açucareira na segunda metade do século XIX, p. 12 7-150.
6 . P ierre V e rg e r, Noticias da Bahia —1850, p . 1 9 5 ­
7. R o b ert A v é -L a íle m a n t, Viagem pelo norte do Brasil..., p. 4 7 .
8. J. W e th e re ll, Brasil. Apontamentos sobre a Bahia, 1842— 1857, p. 79.
9. P ierre V e rg e r, Noticias da Bahia —1850, p. 1 9 5 —2 1 2 .
10. Jo sé W a n d e rle y d e A ra ú jo P in h o , Salões e damas do Segundo Reinado, p. 2 5 —26.
11. C f. L ivro V , c a p ítu lo 2 2 .
12. José W a n d e rle y d e A ra ú jo P in h o , “A B ah ia — 1 8 0 8 —1856 , p. 243.
13. Jam es P rio r, Voyage along the eastern coast ofÁfrica to Mozambique, Joanna and Qutloa to
St. Helena, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco in the Nisus Frigate, p. 103­
14. Jaco b von T sc h u d i, Reisen durch Sud-Amerika. A pud: M oem a Parente Augel, Visitantes
estra n geiros na B ahia o ito cen tista , p. 2 3 9 .
15. A ntonio Ferrão M o n iz , “R elatório do bibliotecário d a Livraria Pública .
16. L.F. dc T o lle n a re , N otas d o m in ica is tom ad as d u ra n te um a vtagem em P ortu ga le
1816, 1817 e p. 3 2 0 .
1818, h
17. Jo aq uim dc M attos T cllcs dc Menezes, Relatório da Biblioteca Pú '
18. Davíd Sallcs, P rim eira s m a n ifesta ções d a fic ç ã o na llahia , p. J29* nt 4 rios (Ma-
19. Ver, por exem plo, Arquivo do Estado da Bahia, Seção ' 0 / 9 2 4 (1858). No­
* * ) , n» 3/728 (1 8 2 4 )! 5/786 (1833), 7/809 (1834), 4/823 ( 840) 8/924 (1 5 /
temos que esse gênero de situação não acontece mais depois de 3.
20. ,.J . Reis, SU ve L u t o u - » W , . . . P- 2 4 0 - 2 4 1 e 246 (ed. brasilerra: M * » — -

2.. " i ã g r a l b sobre as e s p i a s — *» ^ ''


da presente obra. ■
674 B a h ia , S éc u l o X IX

2 2 . J .J . R eis ch cg a à m esm a c o n c lu são cm Slave Rebellion in Brazil..., p. 2 4 6 (ed. brasileira-


Rebelião escrava no Brasil.,.).
23. História da Igreja no Brasil t. II/2, p. 5 6 - 6 , 1 5 7 - 1 6 4 , 1 7 1 - 1 7 3 , 1 7 8 - 1 7 9 .
24. J .J . R eis, Slave Rebellion in Brazil..., p. 2 4 3 - 2 4 9 (cd. b rasile ira : Rebelião escrava no Bra­
sil...).
25. A .H . de O liv e ira M a rq u e s, A sociedade medieval portuguesa, p. 115 e 1 2 5 ; P aul Desçamos
Histoire sociale du Portugal, p. 2 4 4 - 2 5 0 e 2 7 3 - 3 0 3 . ’
26 . H ild e rg a rd e s V ia n a , I. “M a n u a l dos n a m o ra d o s” e II. “L in g u ag em m u d a do namoro”
27 . T h ale s de A zeved o , Namoro, religião e poder, p. 126.
2 8 . Id em , ib id e m , p. 1 2 6 .
2 9 . T h ale s d e A zeved o , Namoro à antiga, p , 3 8 -4 1 .
3 0 . Id e m , ib id e m , p. 3 1 .
3 1 . G ilb erto F reyre, Sobrados e mocambos, 4 a e d ., p. 1 2 9 .
3 2 . A n to n io C â n d id o , “T h e B ra z ilia n F a m ily ”, p. 3 0 9 .
3 3 . T h a le s d e A zevedo , Namoro à antiga, p . 3 8 .
3 4 . K atia M . d e Q u eiró s M a tto so , Ser escravo no Brasil, p . 131—134.
3 5 . A rq u iv o do E stado d a B a h ia , S eção J u d ic iá r ia , S érie T estam en to s, 1 8 0 5 -1 8 9 1 .
3 6 . Ib id em , L ivro 2 (9 / 9 / 1 8 0 5 -2 2 / 2 / 1 8 0 6 ), fl. 1 5 4 v - Í 5 7 .
3 7 . Ib id em , L iv ro 2 8 (3 / 7 / 1 8 4 0 -1 1 / 5 / 1 8 4 1 ), fl. 2 9 v - 3 2 .
3 8 . T h o m as E w b an k , Life in Brazil, p. 6 7 ­
39. M a x im ilia n o d e H ab sb u rg o , Bahia, 1860. Esboços de viagem, p. 149.
40. X avier M a rq u es, Ofeiticeiro, p. 17 1.
4 1 . Essas p ág in as sobre o n ascim en to , v id a e m o rte dos b aian o s in sp iram -se, em parte, no livro
de C arlo s B. O tt, Formação e evolução étnica da cidade do Salvador, v. 1, p. 177-191.
4 2 . K atia M . de Q u eiró s M atto so , “A propó sito d e cartas de alfo rria ”,
4 3 . Idem , Ser escravo no Brasil, p. 1 9 9 —2 0 7 .
44. T h o m as L in d le y, Narrativa de uma viagem ao Brasil, p. 71.
45- Jo han n P, von Sp ix e K arl F riedrich P h illip von M a rtiu s, A través da Bahta , p. 76.
4 6 . J . W eth ercll, Brasil. A pontam entos sob re a B ahia..., p. 8 0 - 8 1 .
4 7 . C f. M ocm a Parente A ugel, Visitantes estrangeiros..., p. 181.

N otas l>o C apitulo 13


1. C ita d o por J .F . d c A lm e id a Prado, D om J o ã o e o in ício da classe d irigen te d o Brasil
2. Luiz dos Santos V ilh en a, A Bahia no sécu lo XVIII, v. 2, p. 2 9 7 - 3 2 9 .
3. S tu a r t B. Sch w artz, B u rocracia e socied a d e no B rasil colomaL
4 . L u iz dos Santos V ilh e n a , A Bahia no sécu lo XVIII, v. 2 , p. 345.
5. Idem , ib id e m , p, 3 3 5 .
6. F .W .O . M o r to n , The C onservative R evolution..,, p. 6 1 - 6 2 .
. F ern an d o L ric o e c h e a . O Minotauro Imperial A U r • ,
século XIX (e sp e c ia lm e n te o c a p itu lo 2. p. 5 6 - 8 0 ) »»
8 . L uiz dos S a n to s V ilh e n a . a Bahia„o século XVUl. v. 1, p . 2 4 8 - 2 5 0
9. Idem , ib id e m , p. 2 4 7 - 2 4 8 . '

10 . F .W .O . M o rto n , The Conservative Revolution..., p. 73 ^ 74


11. Idem , ib id e m , p . 7 8 - 7 9 .
12. I d e m , i b id e m , p . 8 0 - 8 2 .

13. A rq u iv o do E stado d a B a h ia , S eção J u d ic iá r ia , S érie T estam ento s Livro 6 (I S / m / ia te


0 9 / 1 0 / 1 8 1 5 ), fl. 3 0 v - 4 0 v . vntos, Livro 6, (18/01/1815­

14. L uiz dos S an to s V ilh e n a , A Bahia no século XVIII, v. 1 , p. 2 5 2


15. Idem , ib id e m , p. 2 5 7 .

16. F .W .O . M o rto n , The Conservative Revolution..., p. 85 .


17. L u iz dos S an to s V ilh e n a , A Bahia no século XVIII, v. 1 , p, 2 5 3 .
18. F .W .O . M o rto n , The Conservative Revolution..., p. 6 8 - 6 9 .

19. H elo ísa R o d rig u e s F ern an d es, Política e segurança. Força pública do Estado de São Paulo.
Tundamentos histórico-sociais, p. 3 6 - 6 1 .
20 . Eis a lista dos m em b ro s e d o s fu n c io n ário s do Sen ad o da C âm ara de Salvador em 1800:
ju iz d e fo ra (p re sid e n re ), v eread o r m ais velh o , segu n d o vereador, terceiro vereador (prove­
do r d a sa ú d e ), p ro c u rad o r do S e n ad o , escrivão do Senado, síndico do Senado, tesoureiro,
escrivão da A lm o ta ç a ria , escrivão das E xecuções, p rim eiro oficial da Secretaria, segundo
oficial d a S e c re ta ria , so lic ita d o r das cau sas, su p erin ten d en te da feira, aferidor das m edidas
redondas, afe rid o r das m e d id a s q u a d ra d as, con traste d a p rata e aferidor de pesos, m edidor
das ob ras de p ed ra, m e d id o r das obras de m ad eira, m édico da C âm ara, cirurgião da
C âm ara , c arcereiro das cad eias, alca id e d a C âm ara, escrivão da V ara do alcaide, m eirinho
do cam p o , escrivão do m e irin h o , m eirin h o da freguesia de Santo Antônio Além do Carmo,
escrivão d a V ara d o m esm o, segu n d o escrivão d a V ara do dito m eirinho, escrivão da
freguesia de S an to A n tô n io , m eirin h o d a freguesia de San t A nna, escrivão da Vara do
m esm o, m eirin h o d a freguesia de San to A m aro de Ipitanga, escrivão da Vara do meirinho
da V itó ria, p rim eiro p o rteiro do C o n selh o e segundo porteiro do Conselho. Luiz dos
Santos V ilh e n a, A Bahia no século XVIII, v. 2 , p. 3 3 9 ­
21. Luís H en riq u e D ias T avares, História da Bahia, p. 6 2 —63; M ax Fleiuss, Históiui admt
n i i t r a t i v a d o B r a s il, V ic to r N unes L eal, C o r o n e lis tn o , e n x a d a e voto.

22. Katia M . dc Q ueirós M atto so , “U ahia op ulen ta. U m a capital portuguesa no Novo
{ 1 5 4 9 - 1 7 6 3 ) ”.
23. V itor N unes Kcal, C o r o n e lis m o , e n x a d a e voto, p. 6 5 - 7 6 , 137, 133, 230 231.
24. Idem , ibid em , p. 139,
*i ] 18 -1 1 9
25 . N cstor D u a r t e , O r d e m p r i v a d a e o r g a n iz a ç ã o p o lít ic a n a c io n a l, cspccia ment p . Q jj0
c 167; K aym u n d o Faoro, O s d o n o s d o p o d e r. F o r m a ç ã o do p a t r o n a t o p o tteo r ã
IVado J r., F o r m a ç ã o d o B r a s il co n tem p o rân eo-, M aria Isaura Pereira de Queiroz, nu q
lo c a l...- F ern an d o U rico cch ca, O M in o t a u r o I m p e r ia l, Sim on Schwartzman, ao
Estado N ac io n al.
26. Richard Morse, “T he Herirage of Latín America , p. 157.
B a h ia , S écu lo X IX

27. N estor D uarte, Ordem privada.,., p. 118 —119.


28. R avm un d o Faoro, Os donos do poder, p. 5 2 - 5 5 ­
29. F ernando U ríco ech ea, O Minotauro Imperial, p. 30.
3 0 . Idem , ib id em , p. 40.

N otas do C a p ít u l o 14

1. K enneth M ax w ell, A devassa da devassa; K atia M . de Q ueiró s M atto so , Presençafrancesa no


movimento democrático baiano de 1798; István Jan cso , Contradições, tensões, conflitos: a
inconfidência baiana de 1798; L uís H e n riq u e D ias T avares, História da sedição intentada
na Bahia em 1798 (A Conspiração dos Alfaiates).
2. A m elh o r an álise g eral desse p erío d o é a ob ra de T u lio H alp erin D o n gh i, Histoire contem-
poraine de PAmértque Latine [trad u ção b rasile ira , Paz e T e rra , 1 9 7 5 ],
3. Francisco M a riz T avares, História da Revolução de Pernambuco em 1817; A m aro Q uintas,
A gênese do espírito republicano em Pernambuco e a Revolução de 1817; C arlo s G uilherm e
M o ta, Nordeste 1817. Estruturas e argumentos.
4. Cf. L u ís H e n riq u e D ias T av ares, A Independência do Brasil na Bahia.
5. C elso F u rtad o , La formation êconomique du Brésil p. 8 4 - 8 5 (ed. b rasileira: A formação
econômica do Brasil); M irc e a B u escu , Evolução econômica do Brasil, p. 1 1 2 -1 1 3 .
6. A s tarifas alfan d eg árias, co n h ecid as com o tarifas A lves B ran co , nom e do m inístro das
F inanças (V isco n de d c C arav elas), taxaram 2 .9 1 9 artig o s de im p o rtação , com alíquotas
que variavam en tre 3 0 % e 6 0 % sobre o v alo r. A lg u n s ach am q u e essa m edida, m uito
co m b atid a pelos im p o rtad o res estran g eiro s, não teve in flu ê n c ia sig n ificativ a sobre o pro­
gresso in d u strial do país, m as de q u a lq u e r fo rm a m elh o ro u as rend as do Estado, Celso
F urtado, La formation êconomique du Brésil, p. 85 (ed. b rasileira: Aformação econômica do
Brasil); V irg ílio N o ya P in to , “B alan ço d as tran sfo rm açõ es eco nôm icas no século XIX”,
p. 136; N íc ia V ile la Luz, A luta pela industrialização do Brasil, p. 2 4 ; M ircea Buescu,
Evolução econômica do Brasil, p. 1 3 8 - 1 4 1 ; G u ilh erm e D eveza, “P o lítica tributária no
período im p e rial”, p, 6 0 - 8 4 .
7 . H élio V ian n a, História do Brasil, v. II, p. 1 6 0 —172, O d ilo n N o gu eira de M atos, “Vias de
co m un icação ”, p. 4 2 —4 9 .
8. M ircea B uescu,Evolução econômica do Brasil, p. 149; C elso F urtado, La formation êco­
nomique du Brésil, p. 121 —122 (ed. b rasileira: Aformação econômica do Brasil).
9. M ircea Buescu, E volução econ ôm ica d o Brasil, p. 149. A liás, o autor estim a que os percentuais
apresentados no texto devem ser in feriores aos p ercen tu ais reais.
10. Idem , ib id cm , p . 4 9 . Buescu ad m ite q u c esse in d icad o r deve ser utilizado com p recau ção ,
pois o escravo po dia ser su b u tilizad o .
11. C f, C elso Furtado, La fo r m a tio n êco n om iq u e d u B résil p. 121 —128 (ed. brasileira: Afor
m açâo econ ôm ica d o B rasil).
12. H élio V ian n a, vol. II, H istória d o B ra sil p. 76.
13. Idem , ib idem , p. 79.
14. T obias M o n teiro , H istória d o Im pério. OP rim eiro R einado, tomo I, p. 2 0 —21.
15. H élio V ian n a, v. II, H istória d o B rasil p. 8 3 ­
16. Idem , ib idem , p. 111.
677

::: “ : 7 « r *■ - - ■ ' - * -« .

tores de h n an ç as, os chefes de P o lícia e os m ízes Em i a y T 3" ) antes *° E« r c i tot os inspe-


não eram elegív eis à A ssem b léia L egislativa: bispos, vigários D a d í e T * r ^ q“
no s e m ag istrad o s. A p a rtir d e en tão , para q u e pudessem con i tiKSt funcioná-
. . . d ,, . w . »

20. id e m , ib íd e m , p. 104.
21. Idem , ib id e m , p. 1 1 7 - 1 1 8 .

22. P aulo F erre ira C a stro , “A e x p e riê n c ia re p u b lic an a (1 8 3 1 - 1 8 4 0 )”, p, 27

23. B rasil B a n d e cc h i, “O m u n ic íp io no B rasil e su a função p o lítica”, Revista de História, n° 93,


p . 1 3 6 - 1 3 8 ; P au lo F erreira C astro , “A ex p eriên cia rep u b lican a...”, p. 38 e 57; Heloísa
R o d rigu es F ern an d es, Política e segurança..., p. 65.
24. S. H u n tin g to n , The Soldier and the State, p. 1 5 5 - 1 5 7 .
25. C f. E. C am p o s C o e lh o , Em busca da identidade: o exército e a política nasociedade brasi­
leira, p. 3 8 - 3 9 .
26. Idem , ib id e m , p . 4 3 —4 4 . C f. tam b ém M a re c h al Estêvão Leitão de Carvalho, Dever militar
e política partidária, p. 2 3 . .
27. M a re ch ai Jo ã o B a tísta M asc are n h as de M o rais, Memórias.
28. C f. E. C am p o s C o e lh o , Em busca da identidade, p. 4 7 .
29. Sobre o p ap el d a d o u trin a p o sitiv ista no exército , cf. Ivan Lins, Históriadopositivismo no
Brasil, p. 2 8 9 - 2 9 8 e 3 1 5 - 3 3 4 .
30. Sobre a G u ard a N ac io n al, cf. Je an n e Berrance de C astro, A m ilícia cidada: a Guarda Nacional
d e J 831 a 1850; F ernan do U ríco echea, O M in otau ro Im perial, H eloísa Rodrigues Fernandes,
P olítica e segu ra n ça...; Sérgio B u arq u e de H o lan d a, Raízes do Brasik O liveira Lima, O Império
b r as ileiro , 1822—1889.
31. F ernando U ríco ech ea, O Minotauro Imperial, p. 1 3 3 -1 3 4 .
32. Fernando U ríco ech ea c ita o caso de um peixeiro que, após ter conseguido chegar a P
de tenente, foi d egrad ad o sob o pretexto de que vendia peixe. O M in o t a u r o m

P* l6 9 ' • -6 7
33. A lberto Sallcs Paraíso Borges (o rg.), 150 anos d a P olícia M ilitar da Bahia, p ^
34. Para 1835: Lei n° 2 9 , dc 23 de ju n h o ; para 1 8 3 8 -1 8 4 9 : Lei Provincial de 7 de jun o
1846.
35. Eul-Soo P ang, Coronelismo e oligarquias (1889—
1940).
N otas do C a p it u l o 15 u
1. Q uando, por caenrplo. o presiden.e José Egídio Gordüho Barbuda, W scnnfc e j ™ ™ ;
foi assassinado
Província, r,ue tm 1 8 3 0 . re dsueessivamenre
foi confiado ro R odrigues Bandeira « * ““ Joao Gonçalves
aos conselhe-os Gonç Cezimbra
678 Bahia, S éculo X IX

( 1 8 3 0 - 1 8 3 1 ) e L u iz dos S an to s L im a (1 8 3 1 ). C f, R enato B erb ert de C astro , Os vice-


presidentes da Província da Bahia, p. 20.
2. Idem , ib id em , p. 1 3 - 2 6 . ■
3. H elo ísa R o drigu es F ern an des, Política e segurança..., p. 65 e 6 6 ; B rasil B andecchi, “O
m u n icíp io no B rasil c sua função p o lítica ", Revista de História, n° 9 3 , p. 129. A leitura das
obras dos ho m ens p o lítico s e ju rista s co n tem p o rân eo s é proveitosa: C o rtin es Laxe, Regi­
mento das Câmaras Municipais ou Lei de 10 de Outubro de 1828] T avares Bastos, A Pro­
víncia] C arn eiro M a ia , O Município.
4. C arn eiro M a ia , OMunicípio, p. 9 6 -9 7 .
5. C f. B rasil B an d ecch i, “O m u n ic íp io no B rasil e sua fu n ção p o lític a ”, R evista d e H istória,
n° 9 3 .
6. H elo ísa R o d rigu es F ern an d es, Política e segurança..., p. 6 5 - 6 6 .
Revista de História, n° 93.
7. Brasil B an d ecch i, “O m u n ic íp io no B rasil e su a fu n ção p o lític a ”,
8. T avares Bastos, A Província; V isco n d e de U ru g u a i, Ensaio sobre o Direito Administrativo.
9. R. M agalh ães Jr., Trêspanfletários do Segundo Reinado,^. 1 8 6 - 1 8 9 ; E lm ano C ard im ./ arfí-
niano José da Rocha.
N otas do C a p ít u l o 16

1. C f K atia M . dc Q ueirós M atto so , Ser escravo no Brasil, p. 2 1 9 - 2 3 7 ; J .J . R eis, Slave Rebellion


in Brazil..., p. 2 7 1 —2 8 7 (ed . b rasile ira : Rebelião escrava no Brasil...).
2. Essa in tegração n acio n al é c o n te sta d a po r n u m ero so s au to res, q u e a co n sid eram aparente.
Ela n u n ca te ria u ltrap assad o o estágio de u m a fraca su p erestru tu ra q u e escondia um
sisrem a de poder fam iliar d issim u lad o . C f A .O .C in tra , “In tegração do processo político
no B rasil: algu m as hipóteses in sp irad as n a lite ra tu r a ”, p. 2 , e as obras já citad as de M aria
Isaura P ereira de Q ueiro z e de N esto r D u arte.
3. Sim on Sch w artzm an , São Paulo e o Estado Nacional, p. 1 0 8 - 1 0 9 .
4 . Por exem plo, a b io grafia q u e o h isto riad o r Jo sé W a n d e rle y de A raújo P inho consagra a seu
avô, o Barão de C o tejip e. C f Cotejipe e seu tempo. Primeira fase, 1815— 1867.
5. A ntonio L oureiro de Souza, “O s nobres do R io V erm elh o ”, p. 2 2 3 ­
6. Arquivo do Estado da B ah ia, P resid ên cia d a P ro vín cia, Série Q ualificação de Votantes,
P aróquia da Sé (1 8 6 2 ); Almanaque, an o 1 8 6 2 ; A fonso R u y de Souza, História da Câmara
Municipal da cidade de Salvador, p. 3 7 0 .
7 . Arquivo do Estado da B ah ia, P resid ên cia da P ro vín cia, Série Q ualificação de V otantes, Pa­
róquia da Sé (1 8 6 2 ); A lm anaque , ano de 1862; Afonso R u y de Souza, H istória da Câmara
M u n icip a l da cid a d e d e S alvador, p. 70.
8. Arquivo do Estado da B ahia, P residência da P rovíncia, Série Q ualificação de Votantes, Pa­
róquia de N .S. da V itó ria (1 8 5 1 ); A lm anaque , anos 1845 e 1862; Afonso R u y de Souza,
H istória da C âm ara M u n icip a l d a cid a d e d e Salvador, p. 3 6 9 .
9. Sim on Schw artzm an, São P aulo e o Estado N acional, p. 106—107.
10. Francisco Iglesias, P olítica econ ôm ica d o go v ern o p r o v in cia l ( 1 8 3 5 —1 8 8 9 ) , p. 47.
11. C itado por M aria Isaura Pereira de Q ueiroz, O m andontsm o local..., p. 40.
12. M anuel Inácio da C u n h a M enezes, futuro Barão de Rio V erm elho, de 7 de julho de 1826
' ' “ f “ " S 0 d c , 8 ’ T; Pedro I.c io \'cIIomi .Ir- 1 I
* " ! * A|" * U * dc 16 dc novembro dc ,» " T Z *' ’ t ? “ b'" * 18^ !<*>
« « " • A b P “ «> A l v j r e ' < . m u U ( . ,ó tV (lu . - 1 , l,c d e I 8 ’ .V Em co n ,'
C r. A rn o id « ü d b o o rc . O, “ * * - " • » * > «2.
!3 < a t:.i J o M jr,| u é s , l r A h ran ic , d .u .u la ,|c 'V i .
Bcrberr dc C u ..„ , m O, p '" j ^ P'" * —
H £ £ * * * Sobro T ttu U rn - ..... V, tmc ^ fc ^

D . Ignoro as o rig en s so ciais dc seus pais, Jo sé Peixoto rU I , - . \. w ■


C âm ara . N asci Jo c falecid o em C ac h o e ira, no Recôncavo d c fú s e n id i 7 ^ PaU,S°
m ar, ch eg ad o u alvc/ a ,c m eio -irm ão ) do B a,5o de Lacerda Pa,m < l « ” u i T c " '
cK .ro. o pa. d e H o n o ra u , A raú jo ram bem era Josc P eh r.ro de U cerd a, mar 7 “
ch am ava-se M a r,a jo se fa do A m o r D ivino d e C arvalh o. C f. A.A.A. Bulcão Sobrinho
(itu^ro baiano, - H o n o rato A n to m o de Lacerda Paim (Barão de Lacerda Paim).
16. A rn oid W ild b c rg e r, Os presidentes cLi Província da Bahia. p. 46.
17. C L Jo sé W a n d e rle y d e A raú jo P inh o, Cotejipee seu tempo-, A.A.A. Bulcão Sobrinho, Ti­
tulares baianos - Jo ão M a u ríc io W a n d e rle y (B arão de C o tejip e). J.M . W anderley, Barão de
C o te jip e, e M ig u e l C a lm o n d u Pin e A lm e id a, M arquês de A brantes, foram certamente as
dua.s p erso n alid ad es m ais ilu stres do Im pério. N ão ad m ira, pois, que tenham tido excelen­
tes b ió grafo s. M as não foram os únicos baianos quc desem penharam um papel político de
p rim eiro p lan o , O m esm o oco rreu, por exem plo, com os irm ãos Carneiro de Campos,
José M a ria da S ilv a P aran h o s, M an o el V ieira C o sta, José Carlos de Alm eida Torres e
o u tros.
A m ãe dc A n tó n ia T c reza pertencia a outra poderosa família de senhores de engenho, os
Moniz, Fúuza Barreto. C asa d a cm 1857 com um homem sem dúvida brilhante, mas que era
dezessete anos m ais velho q u e ela, A ntó nia Tcreza morreu aos trinta anos (1 8 3 4-1 864),
d eixando duas filhas: M a ria Luiza e A ntónia 1 ereza, que rinha o nome de sua mãe,
Q uando m orreu o avô m aterno , o C o n d e de Passe, as duas meninas herdaram o engenho
Freguesia, quc veio acrcscentar-se ao engenho jacaracanga, herdado quando morreu sua
m ie . U ma p artilh a am igável perm itiu que as herdeiras escapassem da indivisão, Antónia
Tereza torna ndo-sc proprietária dc Jacaracanga e M aría Luiza de Freguesia. Absorvido por
suas ocupações políticas, o Barão de C otejipe geriu m uito mal essas duas propriedades. Cf.
José W an d e rley dc A raújo Pinho, H istória d e um en gen ho do Recôncavo , P. .330-3. I.
19. josé W an d erley de Araújo Pinho, Salões e dam as do Segundo Reinado, p. 173.
20. Cf. Livro V. .
21. A.A.A. Bulcão Sobrinho, T itu la m b a ia m , - Jo s í M aria da Silva 1’anmhor (Barão do Rio
Branco). .
22. Por exemplo, o influente I,ornem de negócios Luiz Paulo dc Araújo Bastos, Visconde <c
Fíais, foi vicc-presidcntc entre 184 1 c 1859. O mesmo cargo oi ocupai o
* Cajaíba, I t a p o l São T iago c Pojuca, o Visconde de Ferreira I andem, ° dcJS(ub -
etc. Cf. Renato Berhet de Castro, fX vice-preudentes da Província da Bafua p- 80 108.
23. Renato Berbert dc Castro, Osvice-presidentes da P rovíncia da Bahia, p. 7 6 - 7 8 . ^
24. “Manoel Messias dc Leão tinha sido nomeado cm q u i n t o lugar na lista(^ vl“ ' ^ ,
te*. Sua recusa da vice-prcsidcncía talvez tenha sido motivada por essa má class ç
B ahia, S é c u o XIX

já q u e a tra d iç ã o d iz ia q u c os m ag istrad o s d e v ia m se m p re e star co lo cad o s e n tre os p rim ei­


ros d a lista , ele a rg u m e n tav a “não ter títu lo de q u in to v ic e -p re sid e n te c n u n ca ter recebido
c o m u n ic a ç ã o a lg u m a a se m e lh a n te r e s p e it o ..,” O g o v ern o c e n tral teve q u e refazer a lista
d o s v ic e -p re sid e n te s, c o lo c a n d o -o co m o p rim e iro v ic e -p re sid e n te para q u c ele aceitasse o
cargo . C f. R en a to B erbert d c C a stro , Os vicc-presidentes da Província da Bahia, p. 7 8 - 7 9
2 5 . A rep resen tação na A ssem b léia P ro v in c ia l cra d e q u a re n ta d e p u rad o s. M a s, no docum ento
u tiliz a d o para este e stu d o {Lista d o s d e p u ta d o s da A sse m b lé ia P ro v in c ia l. In: “Q uatro
séculos d e h istó ria d a B a h ia " , p. 2 16 - 2 4 6 ) , co n stam n o m es d c to d o s os eleito s, titu lares ou
su p len tes, isto é, d e to do s os q u e e fe tiv a m e n te o c u p a ra m u m a c a d e ira p a rla m e n ta r. D aí o
elevado n ú m ero d e d e p u tad o s em certas le g isla tu ra s. Foi o caso , p o r exem p lo , das legislaturas
de 1 8 3 5 - 1 8 3 7 (6 2 d e p u ta d o s ), 1 8 4 2 - 1 8 4 3 (6 2 d e p u ta d o s ), 1 8 5 6 - 1 8 5 7 (5 2 deputados),
1 8 5 8 - 1 8 5 9 (51 d e p u ta d o s) e 1 8 6 0 -1 8 6 1 (6 8 d e p u ta d o s ). P o r isso o n ú m ero de deputados
foi c o n ta b iliz a d o em 1 .2 3 2 q u a n d o o n ú m e ro d e c a d e ira s era d e 1 .0 8 0 .
2 6 . O n ú m e ro d e c ad e ira s q u e d e v e ria m e star d is p o n ív e is e ra m a io r q u e as 1 .0 8 0 cadeiras
titu la re s. A té 1 8 6 0 , é n e c essário a c re sc e n ta r 5 2 0 c a d e ira s d c su p le n te s, o q u e d á um total
d e 1 .6 0 0 . In fe liz m e n te , não te n h o c o m o sab er se h o u v e m a is pessoas n essa co n d ição e não
in co rp o rad as n a lista de 5 0 9 n o m es (u tiliz a d a até a q u i) p o r nao terem to m ad o parte nas
sessões. :
2 7 . Esse q u a lific a tiv o e sc o n d ia ta n to p ro p rie tá rio s d e terras q u a n to p ro p rie tário s d e pequenas
em p resas, co m o Jo ã o G o n ç alv es T o u r in h o , d o n o d a tip o g ra fia q u e e d ita v a o Almanaque
Informativo da Bahia nos an o s 1 8 7 0 —1 8 8 0 e tin h a síd o p re sid e n te d a po derosa A ssocia­
ção C o m e rc ia l d a B ah ia, ou e n tão Jo sé J o a q u im L an d u lfo d a R o ch a M e d ra d o , advogado
e p ro p rietário do jo rn a l Diário da Bahia. Este ú ltim o ta m b é m rep resen to u a província
na A ssem b léia G eral. K atia M a ria d e C a rv a lh o S ilv a , O Diário da Bahia e 0 século XIX,
p. 2 6 - 3 0 .

2 8 . A rq u ivo d o Estado d a B a h ia , P re sid ê n c ia d a P ro v ín c ia , S é rie Q u a lific aç ão de V otantes,


P aró q u ia d e S an to A n tô n io A lé m do C a rm o (1 8 5 3 ); Revista do Instituto Genealógico da
Bahia, an o de 1 9 4 9 ; A rq u iv o do E stado d a B ah ia, Seção Ju d ic iá ria , S érie Inventários,
In ven tário 1/1066; “Q u a tro sécu lo s d e h istó ria d a B a h ia ” (lista dos d ep u tad o s baianos).
2 9 . A rquivo do E stado da B a h ia , P re sid ê n c ia d a P ro v ín c ia, S é rie Q u alific aç ão de Votantes,
P aró q u ia de São Pedro (1 8 5 7 ); Almanaque, an o 1 8 5 7 ; p a ra o B arão de Jerem o ab o , R e v is ta
do Instituto Genealógico da Bahia, an o V (6 ), p. 8 2 - 8 3 , 1 9 4 9 ; A .A .A . B ulcão Sobrinho,
7 itulares baianos — C íc ero M a rtin s D an tas (B arão d e Je re m o ab o ); Q uatro séculos dc
h istó ria da B a h ia” (lista dos d ep u tad o s b aian o s).
3 0 . E ul-Soo P ang, O E ngenho C en tra l d e B om J a rd im ..., p. 2 0 0 .
31. A rquivo do Estado da Rahia, P residência d a Província, Série Q ualificação de Votantes,
Paróquia da Sé (1 8 6 2 ); R evista d o In stitu to G en ea lógico d a B ahia , ano XVI ( 16 ), p- 60,
1968; Arquivo do Estado da Bahia, Seção Ju d ic iá ria , Recenseam ento de 1855; A lm a n a q u e ,
anos 1845 c 1862; “Q u a tro séculos dc história da B a h ia” (lista dos deputados baianos).
32 . Almanaque, ano 1862; "Q u atro séculos de história da B ahia” (lista dos deputados baianos),
D om Pedro II, D iário da via gem ao N orte do Brasil, 1859.
3 3 . Arquivo do Estado da B ahia, Presidência da Província, Série Qualificação de Votantes,
Paróquia de São Pedro (1 8 5 7 ); A lm anaque , ano 1862; “Q uatro séculos de história da B ia
(lista dos deputados baianos); D om Pedro II, D iário d a via gem ao N orte do Brasil, 18 >
p. 6 6 .
M . A rq u ivo do Estado da Hahia J- ■
P aró q u ia de V itó ria 0 8 5 1 1 - “C í T " ^ I>rovínc«* béríe Q uaijft - ,
b aian o s); A lmanaque., ano Í 8 4 V 1*17 dc f)r,r^n a da Bahia" ' l u T d v o u n 6e»,

”•Í S & &SA !:ín*-*"* -


i . c i o „ ^ . A l m a n a q u e , ano J 862- ■'Ou aiff i
** ,««„* „
, . m ,u tró*o de Votante*,
dos d e p u t a d o s b a ia n o s ). ’ ^ tro ^ Cü3^ de história da BaHía” O k u
36. Q u a tro séculos d e h istória d a B ahia" Ar . A t , .
nho, 7 7 í * W i b a ia n o s-] t* £ Dantas ÍU pituru Z n m T H A' A' A' Bui^ Sobri-
D an tas 's e g u n d o Barão de Rio R cafj. C ÍCcr() v f j j
Sen ad o F ederal (B ra sília ;, Senadores do I m p é ^ P **■ “ “* *
rai (B rasil,a ), D e p u ta d o s baianos á Assembléia Geral í l W lW f " ^
3/- A.A.A. B u lcão S o b rin h o , “F am ílias baianas: A rauto Góis"- “O uatm « v 1 J u - *
B ah ia" d ,s ta dos d e p u ta d o s b aian o s); J . de S i M enezes, “F am ília O lm o „ “ ™
8 4 , , U r a e le ito r a l, V itó ria 0 8 5 0 = U sta dos D ep utado , na Assembléia Z i n c i a b
íg n a c jo de ..c rq u e ira e S ilv a A ccio li, Memórias históricas epolíticas...., v. 4, p, 206; Lista
e le ito ra l, Se 0 8 6 2 ) ; Almanaque, an o 1862, Lista dos D eputados na Assem bléia ProvíncíaL

N otas do C a pítu lo 1 7

1 . íg n á c io d e C e r q u e ir a e Silva A ccioli, M em órias históricas ep o lítica s..., v. 4 , p. 241.

2. A m ig o pessoai d e d o m Pedro I, o Barão de Vila da Barra foi professor da Faculdade de


M e d ic in a do R io e, p o r ocasião da G uerra do Paraguai, prestou relevantes serviços como,
m éd ico do C o rp o de S a ú d e do Exército, Foi presidente das províncias do Pará (1872) e de
M in a s Gerais ( 1 8 7 6 - 1 8 7 7 ) , A.A-A. Buicao Sobrinho, Titulares baianos -Francisco Bonifácio
d e A b reu (B arão d a V ila d a B arra).
3. H élio V ia n n a , Vultos d o Im p ério, p. 74—114; A m érico Jz co h ín â L a co tn b e, O V íscondcde
J e q u itin b o n h a ”; Senado Federal (B rasília), Senadores do Império (Bahía), dados biográfi­
cos; A .A .A . B u lcão S o brinho, T itulares baianos - Francisco Gé Acaiaba de Momezuma
(aliás, Francisco G om es B randão, V isconde de Jequitínhonha).
4. A.A.A, B ulcão S o brinho, Titulares baianos - AngeJo M uniz da Silva Ferraz (Barão de
U ru g u a ia n a ); Sen ad o Federal (B rasília), Senadores do Império (Bahia), dados biográficos.
5. C f. K atia M . de Q ueiró s M attoso, “Párocos e vigários em Salvador no século XIX... e
Livro V , c a p ítu lo 2 0 . .
« . O quinto filho. Fccílio, tnotreu ainda criança. Nada sei sobre a
meninos: Juvenal Ftanklin e Benjamim, que devem ter e,esc,do apos o faleetmen.odo pat.
C f. M a r io T o rr e s , “O s T o rre s" . tston^i94a
7 . Angus Lindsay W righr, M a,1,1. U n d ã n d C U „: South™ B* //; „*« *»-
Angelina Nobre Rolim éiareez t i An.onio Fernando Gu.rm .ro dc Fretras. *
n ô m ic a e s o c i a l d a r e g iã o c a c a u e i r a . ■

8 . C f/L ivro V , cap ítu lo 19. . , 040-


9 . Paulo Ferreira Castro. ‘ Política c admínisrraç5o de 1 a ■ ^ ^
10. Braa do Amaral. H iitiríü da ! nd*pc»dim u ^ .B^ * ™ J P InlL ^ l> ^ d a B a ld « U d s
m B M M .U A Manoel & r r e , a G » r e ^ » ^ ^
Henrique Dias Tavart*. A ~ ***■
682 B a h ia , S écl l o XIX

11. Os q uin ze senadores form ados em C o im b ra eram : C le m e n te F erreira F rança ( 17 7 5 —


1 827 ), M arq u ês de N azaré (1 8 2 6 ), conservador; José Jo aq u im C arn eiro de C am pos (17 6 8­
1 8 3 6 ), M arq u ês de C aravelas (1 8 2 6 ), lib eral; F rancisco C arn eiro d e C am p o s (17 7 6—
1 8 4 2 ), conservador; L u iz Jo a q u im D u q u e E strad a F u rtad o de M e n d o n ça (?—1834)
conservador; M an o el Inácio da C u n h a M enezes ( 1 7 7 9 - 1 8 5 0 ) , V isco n d e do Rio V erm elho
(1 8 3 0 ), conservador; D om ingos Borges de Barros ( 1 7 7 9 - 1 8 5 5 ), V isco nd e d a Pedra Bran­
ca (1 8 2 9 ), conservador; M a n u e l dos S an to s M a rtin s V allasq u çs (1 7 9 2 - 1 8 6 2 ), conserva­
dor; C assian o E sp irid ião de M e lo e M ato s ( 1 7 9 7 - 1 8 5 7 ), co n serv ad o r; F rancisco de Souza
Paraíso (1 7 9 3 -1 8 4 3 ), conservador; M a n o e l A n to n io G alvão ( 1 7 9 1 - 1 8 5 0 ), lib eral; Fran­
cisco G onçalves M a rtin s ( 1 8 0 7 - 1 8 7 2 ), V isco n d e d e São L ourenço (1 8 6 0 ), conservador;
M an o el V ieira T o sta ( 1 8 0 7 - 1 8 9 6 ), M arq u ês de M u ritib a (1 8 8 8 ), conservador; Francisco
Gê A caiaba de M o n rezu m a ( 1 7 9 4 - 1 8 7 0 ), V isco n d e de Je q u itin h o n h a (1 8 5 4 ), liberal.
12. O prim eiro foi Jo sé T h o m as N ab u co dc A raú jo ( 1 8 1 3 - 1 8 7 8 ) , cujo pai e hom ônim o era
m ilitar profissional. Q u an d o m orou em R ecife, caso u-se co m A n a B e n ig n a de Sá Barreto,
de um a em in en te fa m ília lo cal. Jo rn a lis ta , ad vo gad o e m ag istrad o , N abuco de A raújo foi
presidente da P rovíncia de São P aulo (1 8 5 1 - 1 8 5 2 ) e m in istro da Ju stiç a nos gabinetes de
1 8 5 3 -1 8 5 7 , 1 8 5 8 -1 8 5 9 e 1 8 6 5 -1 8 6 6 . N o m ead o sen ad o r em 1 8 5 8 , ad e riu à Liga Pro­
gressista em 1862 e in teg ro u o G ab in ete de C o n c iliaç ão em 1 8 6 9 , com o filiad o do Partido
L ib eral. O segundo foi Z acarias G óis e V asco n celo s (1 8 1 8 —1 8 7 7 ), co n h ecid o com o C on­
selheiro Z acarias. Professor n a F ac u ld ad e de D ireito d e R ecife ( 1 8 4 0 - 1 8 4 5 ), deputado
p ro vin cial da B ah ia (1 8 4 4 - 1 8 4 5 , 1 8 4 6 -1 8 4 7 e 1 8 5 2 - 1 8 5 3 ), d ep u tad o geral da Bahia
(1 8 5 0 —1 852 , 1 8 5 3 -1 8 5 6 ), tam bém foi p resid en te das p ro vín cias d o P ia u í (1 8 4 5 -1 8 4 7 ) e
de Sergip e (1 8 4 7 -1 8 4 9 ), an tes de se to rn ar m in istro d a M a rin h a (1 8 5 2 ) e presidente do
C onselho dos M in istro s (1 8 6 2 , 1 8 6 4 , 1 8 6 6 ). Foi n o m ead o sen ad o r em 1864. O terceiro
foi C arlos P ereira d e A lm e id a T o rres (1 7 9 9 —1 8 5 0 ), V isco n d e de M acaé. Seu pai, o
desem bargador José C arlo s P ereira, casara com u m a A lm e id a T o rres, fam ília de senhores
de engenho do R ecôncavo. A pós estu d ar d ireito em C o im b ra, o jovem A lm eid a Torres
entrou na m ag istratu ra, onde fez carreira, an tes de ser eleito d ep u tad o geral pela Província
de M in as G erais (1 8 2 6 -1 8 2 9 ), da B ah ia (1 8 3 0 -1 8 3 3 ) e de São P aulo (1 8 4 3 ). O cupou as
funções de presidente das p ro vín cias de São P au lo (1 8 2 9 e 1842) e do Rio G rande do Sul
(1 8 3 1 ), antes de ser nom eado conselh eiro do Estado (1 8 4 2 ) e m inistro do Im pério (1844,
1845 e 1848). N esta ú ltim a função, foi responsável, em 1844 , pela an istia aos rebeldes
liberais, a cujo partido ad eriu . C o m o lib eral, p resid iu o C o n selh o dos M inistros em 1848,
13. São raros os estudos sobre os partido s po lítico s d u ran te o Im pério, m as program as desses
partidos são uma leitura proveitosa. Foram publicados por A. B rasiliense, Osprogramas dos
partidos e o Segundo Império.
14. As formações m ais im p o rtan tes desse p a rtid o fic a v a m no R io de J a n e iro e em Sáo Paulo.
N o Rio, os m em bros do P artid o R e p u b lic an o pregavam a descentralização, m aio r repre­
sentação popular e respeito aos direitos c liberdades in d iv id u ais. O Partido R e p u b lic a n o
Paulista tinh a com o preocupação principal a federação das províncias, isto é , a autonom ia
dos governos provinciais. F.m outras palavras, interessava aos republicanos paulistas, antes
de mais nada, a s s u m ir o co ntrole total d c sua Província, o qu e era impossível com a
centralização im perial. C f. José M u rilo d e C arvalho, A c o n s tru ç ã o d a o rd e m , A e lit e p o lít ic a
i m p e r i a l p. 1 6 1 - 1 6 2 .

15. C aio Prado Jr. ad m ite u m certo conflito entre o q u e cie c h am o u de burguesia reacionária,
representada pelos proprietários de terras escravocratas, e a burguesia dita progressista,
rep resen tad a p elo c o m e ,c ,o c p ela fin an ç a. M „ . sc su n d o ele, as duas cQ
n ° ! d ” ‘> — * * » . * “ " > * « " » p referen cia dos reacio n ário s pelo Partido C o „ e "
vador. M a r,a Is u ra IV re.ra d c Q u e ,ro a e N esror D uarre co n sid eram os dois pa,ridos -
C o n serv ad o r c U b c ra l - os rep resen tan tes dos interesses agrários que, segundo
esses dots autores, dominaram a política imperial.

16. C a io P rado |r„ "E v o lu ção p o lític a do B rasil", p. 8 2 ; M a ria Isaura Pereira de Q ueiroz
O mandomsmo local..., p. 3 1 - 5 4 ; N esror Duarte, Ordem privada..., p. 183. ’
17. Raymumio Faoro, Os donos do poder, p. 2 3 1 - 2 3 5 .
IS, A zevedo A m a ra l, O Estado autoritário e a realidade nacional, p. 33ss

19. A fonso A. d e M e ilo F ran co , História e teoria dos partido políticos no Brasil, p.35ss
20. F ern an d o d e A zeved o , Canaviais e engenhos na vida política do Brasil, p. 127-134* João
C a m illo de O liv e ira T o rre s, Os construtores do Império, p. 131—134,

21. As b io g rafias e sta b e le c id a s p elo serviço d e d o cu m en tação do Senado Federal om item


in fo rm açõ es referen tes à fo rtu n a das fa m ília s d e três senadores; M an u el dos Santos M artins
V e lía sq u e s ( 1 7 9 2 - 1 8 6 2 ) , C assían o E sp irid ião de M e llo M atto s (1 7 9 7 -1 8 5 7 ) e M anoel
A n to n ío G alv ao ( 1 7 9 1 - 1 8 5 0 ) . ,
22. S en ad o F e d e ra l (B ra s ília ), S en ad o res do Im p ério (B ah ia), José Jo aq u im C arneiro de C am ­
pos (M a rq u ê s d e C a ra v e la s) e F ran cisco C arn e iro de C am pos, dados biográficos.
23. Sen ado F e d e ra l (B ra s ília ), S en ad o res do Im p ério (B a h ia ), Francisco C arneiro de Cam pos,
dados b io g ráfico s. .
24. A .A .A . B u lc ão S o b rin h o , Titulares baianos - D o m in go s Borges de Barros (Visconde da*
P edra B ran c a); S en ad o F ed eral (B ra sília ), Senadores*do Im pério (B ahia), dados biográfi­
cos.
25. Sen ad o F ed eral (B ra sília ), Sen ad o res do Im p ério (B ah ia), M an o el Pinto de Souza Dantas,
dados b io gráfico s.
2 6. A .A .A . B u lcão S o b rin h o , Titulares baianos - L u i z A nto nio Pereira Franco (Barão de Pe­
reira F ran co ); S e n ad o F ed eral (B rasília), Senadores do Im pério (B ahia), dados biográficos.
27. José d a S ilv a L isb o a, V isco n d e de C a iru , no m ead o em 1826; L u i z Jo aq uim D uque Estrada
F urtado de M e n d o n ç a , n o m ead o em 1 8 2 9 ; M an o el Inácio da C u n h a M enezes, Vtsconde
dc Rio V erm elh o , no m eado em 182 9 ; D om ingos Borges de Barros, Viscon e a e
B ran ca, no m eado em 1 8 3 1 ; M an o el dos Santos M artin s V elíasques, nomeado em ,
C assian o E spiridião d c M ello M atto s, nom eado em 1837; Francisco de .o u z a .
nom eado cm 1838. . , ,
28. A.A.A. B ulcão S o b rin h o , T itulares baianos - C arlos C arneiro de Cam pos (Viscon e e
Caravelas).

N otas do C a p ít u l o 18 £síado
1. H i.iiria da Igreja no Hra.il, t. 2, p. 162 172; Roberto B
J^ ^ u V rZ d Z ra ZZo
(C ritica ao populitmo católico), p. 8 1 ; I liaJes c Kve ^ , 16 ; Sérgio Buarque
in stru m ento p olítico , p. 8 1 - 87; Albcrt Bourdon, H istoire du P ortu gal P■ ^ ^ ^
dc H olanda (di r .). História g e r a l da civilização brasileira, tomo Á r,/t^ o
2. C aio Prado Jr.. F orm ação do Brasil contem porâneo, p. 3 3 °; cs ;
civ il brasileira com o in stru m en to p olítico, p. 8 .
Bahia, S éc u lo X IX

3. Cf. História da Igreja no Brasil[ t. 2, p. 164. C ap ítu lo X V I, artigo 3 do regulamento que


regia a M esa da C o n sciên cia c O rdens.
4. A História da Igreja no Brasil, obra coletiva recente ( 1 9 7 7 - 1 9 8 0 ) , redigida por membros
do clero brasileiro, é o m elhor exem plo de u m a atitu d e que se pretende revisionista, como
prova, aliás, o su b títu lo da obra: Uma interpretação a partir do povo. Seus autores sofrem
grande influência da T eologia da Libertação.
5. T h ales de Azevedo, A religião civil brasileira como instrumento político, p. 43.
6 . C f Katia M . de Q ueirós M atto so , Ser escravo no Brasil, p. 5 3 - 6 5 .
7. Oscar de Figueiredo Luscosa (O .P .), Política e Igreja. O partido católico no Brasil: mito ou
realidade, p. 25.
8 . Essa periodização é proposta n a História da Igreja no Brasil, t. II/2. Podemos situada pa­
ralelam ente à cronologia ad o tad a pela m aio r parte dos m an u ais sobre H istória do Brasil no
século XIX.

N otas do C a p ít u l o 19

1 . Roberto R om ano, Brasil: Igreja contra Estado, p. 8 1 ; T h ales de Azevedo, A religião civil
brasileira como instrumento político, p. 8.
2 . C f “A pêndice para d em o nstrar q u e a constituição do A rcebispado da Bahia se acha
alterada, revogada pelas Leis do Im pério e m o d ificad a fin alm ente pelos usos e costumes",
publicado pelo Dr. Ildefonso Xavier Ferreira, cônego prebendado e lente de teologia
dogm ática, in Constituições primeiras (Apêndice).
3. História da Igreja no Brasil, t. II/2, p, 13,
4. C f M o nsenho r Eugênio de A ndrade V eiga, Ospárocos no Brasil noperíodo colonial, 1500-
1822, p. 49.
5- História da Igreja no Brasil, t. II/2, p. 13.
6 . C f Luís H enrique Dias Tavares, História da Bahia, p. 65; Thales de Azevedo, Igreja eEstado
em tensão e crise, p. 179; Ignácio de C e rq u e ira e Silva Accioli, Memórias históricas epolí­
ticas,,,, v, 5, p. 117.
7- Adriano C am panhole & H ik o n Lobo C am p an h o le, Todas as constituições do Brasil, p. 581­
8 . Roque Spencer M aciel de Barros, “V id a religiosa”, p. 320.
9. C f História da Igreja no Brasil, t. II/2, p. 80.
10. Ana Maria M oog Rodrigues (org.), A Igreja na República, p. 3.
11. Oscar d e Figueiredo Lustosa (O .P .), “R eform istas na Igreja do Brasil Im pério , p- 20—22.
12. Diogo Antônio Fcijó ( 1 7 8 4 - 1 8 4 3 ) nasceu na cidade de São Paulo, de país desconhecidos*
Após estudos dc latim , retórica, filosofia e iniciação teológica, ordenou-sc padre em
F„m paralelo às atividades sacerdotais, foi professor de português c de latim na atu
C am p in as (SP) entre 1804 c 18 08 c fazendeiro nas vizinhanças de São Paulo entre
c 1818. V igário cm Itu (SP) entre 1818 c 1821, no ano seguinte foi eleito deputado ^
Cortes dc Lisboa c, depois tia Independência, cm 1826, dep utado à Assembléia er .
m embro do C onselho da Província de São Paulo (1 8 2 8 —1832), senador pe o o ^
Janeiro (1 8 3 5 ) e regente do Império entre 1835 e 1837. Indicado para bispo e
(M G), recusou o posto. Lm 18 42, em Sorocoba, aderiu à R evolução Liberal de áo a *
se n J o preso e e x ila d o cm V itó ria (FS) IM i
m orreu . Su.i« o b r j , p r in d p .iis (W m jlf f l,” ? ” Vnl' " “ a S5° PiUl|o. onde
Realc (S.io P.iulo: C nj,l!,„. i •>(,-) , , h.nwnl “ «< uuroduç*.enote * Miguel
drrii.ll. .iprcrnu.il j A , I r j , , d f lilT d - l f ' J" «Mifão do ctlihmo
< *« d<J— T ipogrr.fi» K t N ^ M 8 ^ " W
M am iel Jo a q u im do A m aral G u m c l ( 1 7 9 7 - 1 N f,/ a , v , i . .

A s c o n h c c U I » . A pós e s tu d o , d e la d m . retórica, f i l o s o f i a ' 7 t " d j j T f o i P*‘


1S 2 0 . hnsin.H i exegese e l.is .ó ria eclesiástica, anres de currar na 1'aculdade dc dL 7 o d"

j . , 7 °" eu ° grau dc doutor cinc° a!MS depois. Professor de


direito natural e das gentes na mesma Faculdade desde 1834, foi membro do Conselho
I roMQLi.r dc Silo I au lo e d ep u tad o provincial. Decano da Faculdade dc Direito
em 187/. toi feito v ice-p rcsid cn rc dc São P aulo , tendo ocupado interinamente várias vezes
a P resid ên cia e n tre 1 8 5 7 c 1 8 6 4 . Seus escritos mais conhecidos são: Análise da resposta do
Exmo. Arcebispo da Bahia sobre a questão do celibato clerical pedida pelo Conselho Geral de
São Paulo (R io de J a n e ir o : T y p o g r a p h ia A m erica. 1834) e Reflexão sobre a análise da refu­
tação do Exmo. Arcebispo da Bahia feita a respeito da questão da dispensa do celibato pedida
pelo Conselho Geral de São Paulo (R io dc Ja n e iro : T y p o g ra p h ia Am erica, 1837). Foi autor
de n u m ero so s discursos, artig o s e serm ões, publicad os em diversos jornais. Cf. Oscar de
F ig u e ired o Lustosa (O .P .), “R eform istas na I g reja...’’, p. 1 4 9 - 1 5 2 .
13. Cf. O scar de F ig u e ired o L ustosa (O .P .), “R eform istas na Igreja...", p. 38.
14. D om R o m u a ld o A n tô n io de Seixas ( 1 7 8 8 - 1 8 6 0 ) nasceu em C am itá (PA), sendo o mais
velho de oito irm ãos. S u a ed ucação foi confiada a um tio materno, o padre Romualdo de
So uza C o e lh o , secretário d o bispo do Pará, d o m M a n u e l de A lm eida Carvalho. Aos oito
anos en tro u para o se m in á rio episcopal de S an ta M a ria de Belém. Terminou sua educação
no convento d e S a n to A n tô n io de B elém e, em seguida, foi aluno dos oratorianos do Real
H ospício das N ecessid ad es de Lisboa. De volta ao Brasil em 1805, foi professor de latim,
francês, retórica e filosofia no sem in ário episcopal da diocese do Pará. A inda como simples
diáco no, foi n o m e ad o cônego e ordenado padre em 1810, galgou rapidamente os degraus
d a h ierarq u ia eclesiástica e tornou-se arcipresce c vigário-geral da diocese do Pará, antes de
assum ir o governo dessa diocese com o vigário capitular, por ocasião da morre do prelado
local. Eleito, pela C a p ita n ia do Pará, deputado às Cortes de Lisboa, iniciou uma v.da
política que só abandonaria cm 1841, para consagrar-se a suas atividades P i o r a m Nomeado
arcebispo da B ahia em 1827, foi deputado à Assembléia Geral (1 8 2 6 -1 8 2 9 pelo ar ,
1 8 3 4 - 1 8 3 7 pela Bahia) c à A ssem bléia da Bahia (1 8 3 5 -1 8 4 1 ). Ultramonti.no e conserva­
dor, m ostrou-se um dos ardentes defensores do celibato do elero c g r : ^ r e f o t n u d o r n“
igreja. Respeitado por seus confrades c pelo governo, recebeu o título de Conde dc & m
C ru z em I 858 e foi elevado à categoria de marquês pouco antes dc sua mo , •
C ând ido da C osta Silva, “N otícia sobre o primeiro brasileiro na Sé da Ba , p-

15. C ând id o M endes de A lm eida, D ireito Apud: o T cafd e Figueiredo Lustosa


o d ireito canônica, tomo I, primeira parte, [ . * ^ • P
(O .P.), “Reformistas na Igreja... , p- 57.
16. Idem, ibidem , p. 6 0 - 6 4 .
17* Eduardo Frieiro, O diabo na livraria do cônego, p. .) 7
18. Roque Spencer M aciel dc Barros, “V ida religiosa", p. 3 2 1 - 3 2 2 .
19. H istória da Igreja no B rasil p. 86.
Bahia, Século XIX

2 0 . R io lan d o A zzi, "D . R o m u ald o A n tô n io de S eix as, arceb isp o d a B ah ia ( í 8 2 7 -1 8 6 0 ) e o


m o v im e n to d a refo rm a c a tó lic a no B ra sil”, p. 17—3 8 .
2 1 . Id e m , ib id e m , p. 2 3 .

2 2 . D iogo A n tô n io F eijó , “ D em o n stração d e n ecessid ad e d a ab o lição do celibato clerical”


A p u d : E. E gas, Diogo Feijó: um estudo, v. 2 , p. 1 36.
23- O scar de F ig u e ire d o L u stosa (O .P .), “R efo rm istas n a I g r e ja ...”, p. 9 1 .
2 4 . H élio V ia n n a , História do Brasil, v. II, p. 9 8 - 1 0 0 .
2 5 . O scar d e F ig u e ire d o L u sto sa (O .P .), “R efo rm istas n a I g r e ja ...”, p. 92. ■
2 6 . Id em , ib id e m , p. 9 6 - 9 8 .
2 7 . C f. R io la n d o A zzi, “D , R o m u a ld o A n tô n io d e S eix as, arceb isp o d a B a h ia .,.”, p. 2 3 -2 4
2 8 . O scar de F ig u e ire d o L u sto sa (O .P .), “R efo rm ista s n a I g r e ja ...”, p. 9 5 .
2 9 . C f. História da Igreja no Brasil, t. II, p . 1 7 7 ; T h a le s d e A zeved o , Igreja e Estado em tensão
e crise, p. 17 9 .
3 0 . O scar de F ig u e ire d o L u sto sa (O .P .), “R efo rm istas n a I g r e ja ...”, p. 5 0 - 5 1 .
3 1 . R io la n d o A zzi, “D . R o m u a ld o A n tô n io d e S eix as, arceb isp o d a B a h ia ...”, p. 24.
3 2 . R o q u e S p en cer M a c ie l d e B arro s, “V id a re lig io sa ”, p. 3 2 2 .
33- O scar d e F ig u e ire d o L u sto sa (O .P .), “R efo rm istas n a I g r e ja ...”, p. 128.
3 4 . Id em , ib id e m , p . 1 2 7 .
35 . História da Igreja no Brasil, t. II/2, p. 143 e 1 4 5 .
3 6 . Id em , ib id e m , p. 1 8 2 .
3 7 . Id e m , ib id e m , p . 183.
3 8 . O scar d e F ig u e ired o L u sto sa (O .P .), Política e Igreja, p. 2 4 .
39. História da Igreja no Brasil, t. II/2, p. 185.
4 0 . Idem , ib id e m , p. 5 8 .
4 1 . Idem , ib id e m , p. 18.
4 2 . Idem , ib id e m , p. 13 1 ; R o q ue S p en cer M a c ie l de B arros, “V id a religiosa , p. 323.
4 3 . jo ã o C ru z C o sta, “O p en sam en to b rasileiro sob oIm p ério ”, p. 3 2 9 .
4 4 . Idem , ib id cm .
4 5 . M o stran d o quc falta um estu d o ad eq u ad o sobre a evolução dos ideais ultram ontanos,
R oque Sp en cer dc B arros afirm a q u e esses id eais já estavam presentes em certas cama as
do laicato católico m u ito an tes d a ch am ad a Q uestão dos Bispos, que explodiu em 18 •
R oque Sp en cer M a c ie l de B arros, “ A q uestão religio sa’ , p. 3 2 7 .
4 6 . As idéias da corrente leiga u liratn o n tan a foram expressas, pela prim eira vez, no hvro ^
José Soriano dc Souza, A religiã o d o Estado e a h h erth id e dos cultos, A pud. Roque pe
M acicl dc Barros, “A questão religiosa”, p. 328.
4 7 . Roberto R om ano, Brasil: Igreja con tra Estado, p . 120—134; Ivan Lins, H istória d op osittv
no Brasil, p. 2 4 3 - 2 6 2 c 3 5 5 - 3 7 0 .
48 . Oscar de Figueiredo Lustosa (O .P.), Política e igreja, p. 25.
49. João C ruz Costa, “O pensamento brasileiro sob o Império , p. 334—341.
R ic h ard G ra h a m , G rã -B rn a n h a e o in ic io d a ■
p. 3 1 - 5 8 c 2 8 7 -3 0 8 . ”>ndermzatõo na Brasil (1850-1BI4),
31 . Oscar dc Figueiredo I.usroá (O.P.), />„/,„■„ , ígr^ p 2(j

7-- Roi' ut' S Pe n c cr K li,c id d e "A questão religio sa”, p, 3 2 8


c.s. Idem . ilu d e m , p. 3 2 9 - 3 3 4 ; O sc ar d e Figueiredo Lustosa (O P ) P a llr , ■
H istoria d a Igreja n o B ra sil t. II/2, p. 1 8 6 -1 8 7 . ' e & eJa>P- 29;
M . O scar de F ig u e ired o L u sto sa (O .P .), P o lítica e Igreja, p, 30.

A pud: O scar de F ig u e ired o L u sto sa (O .P .), P olítica e Igreja, p. 31.


Xu R oque S p en cer M a c ie l d e B arro s, “A q u estão re lig io sa”, p. 336.
3". O scar de F ig u e ire d o L u sto sa (O .P .), P o lítica e Igreja, p. 3 3 .
5S. R oque S p en cer M a c ie l de B arro s, “A questão re lig io sa”, p. 3 3 4 .

59. A na M a ria M o o g R o d rig u e s (o rg .), A Ig reja na R epública, p. 24.

60. É a posição d e au to res co m o B astlio de M a g a lh ã e s, “Pedro II e a Igreja católica” e Estudos


da H istória d o B rasil, Jô n a ta s S e rran o , H istoria d o B ra sil Fernando de Azevedo, A cultura
brasileira. Estes au to res falam d e q u estão “eprscop o-m açô nica”,
61. A n tô n io C a rlo s V illa ç a , H istória d a q u estã o religio sa no Brasil. Esta obra apresenta a análise
m ais c o m p le ta so b re a q u estão . A co n selh am o s, tam bém , a leitu ra de: Roberto Romano,
Brasil: Ig reja co n tra Estado-, Jo sé H o n ó rio R o d rigu es (d ir. e in tro d .), “Terceiro Conselho de
Estado, 1 8 7 5 —1 8 8 0 ”; R o q ue Sp en cer M a c ie l de B arros, “A questão religiosa”, p. 3 3 0 - 3 3 6 .
6 2 . T h ales de A zevedo , A r eligiã o c i v i l b ra sileira corno in stru m en to p olítico, p. 53.
63. A ntô nio C arlo s V illa ç a , H istória d a q uestão religiosa no B ra sil p. 6 .
64. O p araib an o dom V ita l M a ria (1 8 4 4 - 1 8 9 1 ) nasceu na fam ília Gonçalves dc Oliveira, de
senhores de en gen h o . In ic io u seus estudos na escola p ú b lic a de Itaubé e, em seguida, foi
alu no do colégio B enfica, do professor X avier da C u n h a. Em 16 de dezembro de 1860
recebeu a p rim eira to n su ra, c, após freq ü en tar o sem inário de O linda no ano seguinte,
partiu para P aris, onde c o n tin u o u seus estudos no sem inário de Saint Sulpicc (1862). Hm
junho de 1 8 6 3 , foi para o convento dos capuchinhos de V ersalhes, onde tomou o hábito
de São Francisco e recebeu o nom e de V ital, em m em ória do ntártir do Marrocos. Em
1867, fez votos solenes e c o m p le to u os estudos no convento dos capuchinhos dc Toulouse.
o n d e recebeu as o rd e n s m en o res c foi ordenado padre (186 8). De volra ao B ra s i , o
nom eado bispo dc O lin d a aos 28 anos.
65. Ilo m A ntônio de M acedo C osta (1 «3 0 -1 8 9 0 ) nasceu na Bahia, de um a fam/lia dc senho­
»res
'-■■r dc engenho
o\h C do U
l 11'liutf tJU distrito de M ar.igojipe. Inicialm ente aluno do senun,
I.TIIILW «v ( rio a ríT^‘C /*
(1 8 4 8 -1 8 5 2 ), com pletou seus estudos na França, inicialm ente no scmtnáno dc Bourg ,
cm « g u l d , . no s o l ã n o ,1c Soi,,. Srdpicr. c,n 0 M 5 )T & i
m ente brilh ante. Recebeu a prim eira to iisu u na caiedra ftoma,
o rdenado padre em 18 67 , aos 2 7 anos, pelo BrI s R foi professor
onde obteve seu d o u to ra d o cm direito canônico (I 5 J- j Macaúbas.
do célcbrc C i „ i s ,„ do « d u c ^ r A b iíio 0 « ^ d ^ pMa o
Foi sagrado bispo na t .a pela Im perial de 1 ctrópo (
Pará, onde assum iu a direção da diocese, a o s 3 1 anos e i a
* 6. E m re o , d ir c i.o , c . o r g a d o , ao i m p e , dor pelo Padroado errava a aprovação dos cr,a
B a h ia , S écllo XIX

q u c regiam as co n frarias c orden s rercciras. R o q u e S p en cer M a c ie l de B arros, “A tiue -


■* *• w 1
religiosa . t

67. Idem , ib id e m , p. 3 4 3 - 3 4 8 .
6 8 . Idem , ib id c m , p. 3 4 8 - 3 3 1 ; H istória tia Igreja n o B rasil', t. II/2, p. 1 8 7 -1 8 8 .
6 9 . R oque S p en cer M a ciel de B arros, WA q u e stão re lig io sa”, p. 3 5 1 - 3 5 3 e 3 5 9 - 3 6 4 .
70. Idem . ib id e m , p. 3 5 3 .
71. Idem , ib id e m , p. 3 5 6 . ■.
72. Idem , ib id e m , p. 3 5 6 - 3 5 9 ­
73. Je a n -M a rie M a y e u r, D es p a r tis ca th o liq u es à la d em o cr a tie ch rêtien n e, XIXe~XXe siecles
p. 1 7 - 8 1 . ’
74. R am os de O liv e ira , 0 co n flito m a çô n ico -r elig io so d e 1872, p. 14.
7 5 . H istória d a Ig reja n o B rasil, t. II/2 , p. 1 8 9 - 1 9 0 .
7 6 . O scar d e F ig u eired o L u sto sa (O .P .), P o lítica e Igreja , p. 1 0 2 .
7 7 . B asílio de M a g a lh ã es, E studos d a H istória d o B rasil, p. 133.
7 8 . E. V ilh e n a d e M o ra is, 0 G a b in ete Caxias e a a n istia d os bispos d a questão religiosa.
A a titu d e p esso a l d ô Im p era d or.
7 9 . O scar de F ig u eired o L u sto sa (O .P .), P o lítica e Igreja , p. 115 —116.
80. Je a n -M a rie M a y e u r, D e s p a r tis ca th oliq u es..., p. 4 9 .
81. E sm eraldo R oberto de F aría, R eflexos d a q u estã o religio sa na Bahia.
82. O scar de F igu eired o L u sto sa (O .P .), P o lítica e Igreja , p. 123—155.
83. K atia M . de Q u eiró s M a tto so , E tre esc la v e a u B résil, p. 128—134 {ed. brasileira: S e r escravo
n o Brasil)-, H istória d a Ig reja n o B rasil, t. II/2, p . 5 7 - 5 9 , 1 2 0 —1 2 2 , 2 5 9 —2 6 2 e 365-367 .
84. C f. S iív eiro G om es P im en ta, Vida d e D. A n tôn io F erreira Viçoso, p. 4 7 - 4 9 ­
85. C hronica R eligiosa, an o II, n° 2 2 , p. 1 7 4 - 1 7 5 ­
86. H istória d a Igreja n o Brasil, t. II/2, p . 159—1 6 0 ; P erd igão M a lh e iro , A escravidão no BrastL
Ensaio h istó rico, ju r íd ic o , social, v. 2, p. 7 7 .
87. H istória da Igreja n o Brasil, t. 11/2, p . 161; E m ilia V io tti d a C osta, Da senzala à co lô n ia,
p. 2 4 9 - 2 5 3 .
88. H istória d a Igreja no Brasil, t. II/2 , p. 161.
89. P erdigão M alh eiro , A escra v id ã o no B rasil..., v. 2 , p. 92; E m ilia V io tti da C osta, Da s e n z a la
à colôn ia, p. 3 8 1 - 3 8 5 ­
9 0 . E m ilia V io tti da C o sta, D a senzala à colôn ia, p. 3 8 5 - 4 2 7 ­
9 1 . H istória d a Igreja no Brasil, t. II/2 , p. 1 6 2 .
92. C hronica R eligiosa, ano II, nw 4 7 , p. 370,
9 3 . Esm eraldo R oberto dc Faria, R e fle x o s da q u e s tã o r e lig io s a na Bahia , p. 24.
94. C hronica Religiosa, ano II, h° 4 7 , p. 3 7 3 -3 7 6 .
9 5. Idem , ib id em , ano II, n° 51, p. 4 0 2 -4 0 3 .
9 6 . Idem , ib idem , ano 111, n° 2, p. 9—11.
9 7 . Idem , ib idem , ano II, n° 4 7 , p. 3 7 3 - 3 7 6 .
98. H istória d a Ig reja n o B r a s il t. II/ 2 , p. 2 7 7 .
99- C h ron ica R eligiosa, an o II, n ° 4 7 , p. 3 7 1 .
100. Id em , ib id e m , an o III, n ° 3 , p. 2 2 .

101. E m ilia V io tti d a C o sta , D a sen z a la à colôn ia , p. 4 2 8 - 4 5 5 - T h ™ ç, - j


b ra n co . R a ça e n a cio n a lid a d e n o p en sa m en to b ra sileiro, p. 3 0 - 4 3 . ^ ^ ^
102. H istória d a I g r e ja n o B rasil, t. 11/2, p. 2 7 8 .

104. H istória d a I g reja n o B rasil, t. II/2, p . 2 8 0 .

N o tas d o C a p ít u l o 20 ' .
1. A h n an a ch p a r a a c id a d e d a B a h ia - A nno 1812, p. 9 2 - 9 6 .
2. L uiz dos S an to s V ilh e n a , A B a h ia n o sécu lo XVIII, v. 2 , p. 4 4 0 - 4 4 1 e 4 5 3 . C ândido da
C o sta e S ilv a e stá re d ig in d o (1 9 9 1 ) u m estu d o sobre o c ap ítu lo -cated ral da B ahia no
século X IX .

3. M o n se n h o r E u g ên io d e A n d ra d e V e ig a, Os p á r o co s n o B rasil..., p, 3 5 - 4 9 ; H istória da
Ig reja n o B rasil, t. 2 , p . 2 8 3 ­
4. J u lita S c a ra n o , D ev o çã o e escr a v id ã o : a ir m a n d a d e d e N ossa S enhora do R osário dos Pretos
n o D istrito D ia m a n tin o n o s é cu lo XVIII, E d u ard o H o o rn aert, F orm ação d o catolicism o
b ra sileiro (1 5 0 0 —1800), p. 8 8 - 9 7 .
5- H istória d a Ig reja n o B r a sil p. 2 8 2 .
6 . A n d ré Jo ão A n to n il, C u ltu ra e o p u lên cia d o B rasil..., p. 105.
7. Id em , ib id e m .
8 . Idem , ib id e m .

9. H istória d a I g reja n o B ra sil t. II/2, p. 2 8 3 ; E duardo H o o rn aert, F orm ação do catolicism o


b ra sileiro ( 1 5 0 0 —1 8 0 0 ), p. 7 6 - 7 8 .
10. H istória d a Igreja n o B r a sil t. II/2 , p. 84.
11. Jo sé H o nó rio R o d rig u es, “O clero e a In d ep en d ên cia”.
12. B ib lio tecas do cônego M a n u e l Jo sé de F reitas B atista M ascarenhas, aliás M anuel Dendê
Bus, e do padre M a n u el P ereira Lopes de M aced o . A rquivo do Estado da Bahia, Seção
Ju d ic iá ria , S érie In ven tário s, 1836: 7/795 e 1825 : 1/748.
13. H istória d a Igreja n o B ra sil t. II/2, p. 85­
14, Idem , ib id em , p. 8 6 .
15. Idem , ib id cm , p. 8 6 - 8 7 .
16. Idem , ib id cm , p. 192.
17. Este estu d o p o d e ria ser feito nos arq uivos d a C ú n a M e tro p o lita n a de Salva ^ ^
ép o ca d e m in h a pesquisa estavam fechados ao p ú blico, por motivo de
pesquisa feita no A rq u ivo N ac io n al não p e rm itiu descobrir esses dados. rece
to d e 1 8 7 2 a t r ib u iu à d iocese da B ah ia 2 8 8 padres seculares (cf. capitulo 111).
18. F a l a do p resid en te d a P ro v ín cia (J° ã o José de M o u r a M agalhães), 1849, p. 7.
19. Fala do p re sid e n te d a P ro v ín cia Q 0Z0 M a u ríc io W an d erley), 1853, p. 36.
B a h ia , S écu lo X IX

20. F ala do presidente da P ro v ín cia (Á lvaro T ib é rio de M o n co rv o ), 1 857 , p. 36.


21. Fala do p resid en te da P ro v ín cia (João Lins V ie ira C an san ção de S in im b u ), 1857, p. 11
22. R io lan d o A zzi, "D . R o m u ald o A n tô n io de Seixas, arceb isp o d a B a h ia ...”, p. 24.
2 3 . C f. H istória d a Igreja n o Brasil, t. 11/2, p. 1 9 2 -1 9 3 .
2 4 . Fala do p resid en te d a P ro v ín cia (A m brozio L eitão da C u n h a ), 1 8 6 8 , p, 1 8 -1 9 .
25. C oleção d e obras de D. R o m u ald o A n tô n io d e Seixas, v. I, p. 5 3 - 5 5 .
26. Idem , ib id e m , p . 3 1 1 ­
27. A rq u ivo do E stado d a B ah ia, Seção Ju d ic iá ria , S érie T estam en to s, L ivro 20 (29/1/1S31—
9/12/1831), fl. 6 - 1 2 v.
28. Ib id em , Livro 2 5 (1 5 / 6 / 1 8 3 6 -9 / 8 / 1 8 3 6 ), fl. 1 lv - 1 6 .
2 9 . L egislação b ra sileira ou C oleçã o cr o n o ló g ica d as leis, d ecretos, resolu ções d e consulta, provisões
etc.,., t. 7, p. 3 8 8 . .
30. F rancisco M a n o e l R aposo de A lm e id a , B io gra p h ia d o A rcebispo M a rq u ez d e Santa Cruz,
p. 3 1 - 3 2 .
31. C oleção d e ob ra s d e D . R o m u ald o A n tô n io de Seixas, v. I, p. 121.
32. Ib id em , p. 1 2 1 - 1 2 2 .
3 3 . C f. R io lan d o A zzi, “D. R o m u ald o A n tô n io d e Seixas, arcebispo da B a h ia ...”, p. 26.
34. H istória d a Ig reja n o Brasil, t. 2, p. 1 9 3 - 1 9 8 ; Je a n Q u é n ia rt, Les hom m es, VEglise et Dieu
dan s la F ra n ce d u XVIIF siècle , p. 5 4 ; Ign ácio d e C e rq u e ira e S ilv a A ccio li, M em órias bis -
tórica s e p o lítica s ..., v. 5 , p- 108—109.
35- C oleção d e obras d e D . R o m u ald o A n tô n io de Seixas, v. IV , p. 2 5 3 .
36. R io lan d o A zzi, “D . R o m u ald o A n tô n io de Seixas, arcebispo d a B a h ia ...”, p. 29.
37. E sm eraldo R ob erto de F aria, R eflexos d a q u estã o religiosa na B ahia, p. 16.
38. S em ana R eligiosa, ano I, n° 13, p. 9 8 .
39. Segun do E.R. de F aria, os livros de m a tríc u la de alu nos nos sem in ário s diocesanos, bem
com o os dossiês de o rd en ação dos c an d id ato s ao sacerd ó cio , carecem de inform ações sobre
a origem social desses estu d an tes. C o n statam o s pesso alm en te este fato, ao exam inarm os no
A rquivo N acio n al algu n s dossiês de n o m eação p ara as diversas funções eclesiásticas.
40. R io lan d o Azzi, “D. R o m u ald o A n tô n io d e Seixas, arcebispo d a B a h ia ...”, p. 28.
41. C oleção d e obras de D. R o m u ald o A n tô n io d e Seixas, v. I, p. 218.
42 . Fala do presidente da P rovíncia (H ercu lan o F erreira P en na), 1 860, p. 2 9 -3 0 .
43. C hronica Religiosa, an o IV , n° 2 2 , p. 1 9 0 , e n° 4 7 , p. 3 7 1 ­
4 4 . H istória d a Igreja n o Brasil, t. II/2 , p. 198.
.4 5 . C hronica Religiosa, ano IV , n° 2 5 , p. 2 1 6 .
4 6 . H istória da Igreja no Brasil, t. 11/2, p. 197. -
4 7 . Fala do presidente da P rovíncia (Barão de São Lourenço), 1870, p. 8 .
48. Esmeraldo R oberto dc Faria, Reflexos cLt questão religiosa na Bahia, p. 16­
49. R iolando Azzi (org.), A vid a religiosa no Brasil, p. 94.
50 . A legislação p o rtugu esa dos séculos XVI e X V II co n tin h a as famosas leis sobre a pureza do
sangue, d ita d a s , in ic ia lm e n te , co ntra cristãos-novos. M u ito s foram levados a em igrar no
691

século X V I, in clu siv e p ara oB rasil, e em 1 6 1 2 a Santa 94 *u- i


ju d eu s co n v ertid o s fossem n o m ead o s curas ou vigários de u m ^ n ^ desses
b u la c o n firm ara os estatu to s sobre a p u reza do san gu e’ do
do q u e ju d e u s e n tr a s s e m n a s m is e r ic ó r d ia s , co légio s e corporações de n fí . * 1 P l ­
isso, A n it a N o v in s k y , C ristã os-n ovos na B ahia, p. 3 3 - 3 5 . Ct° S’ ’ 6

51. Em In q u isiçã o e cristã os novos, p. 9 8 , o h isto riad o r português A ntônio José Saraiva escreve-
"N a so cied ad e p o rtu g u e sa dessa época, a noção de pureza de sangue é utópica mas nem
por isso d e ix a de ser u m v a lo r in s tru m e n ta l.” Era esse o caso da Bahia. ’ ’
32. Fala do p resid e n te d a P ro v ín c ia (João C ap istran o B an d eira de M ello ), 1 8 6 7 , p 54
53. Fala do p resid e n te d a P ro v ín c ia (João L u stosa d a C u n h a P aranaguá), 1881, p 82
54. Luiz dos S an to s V ilh e n a , A B a h ia n o sécu lo XVIII, v, 2, p, 4 6 2 .
55- K atia M . d e Q u e iró s M a tto so , B a h ta : a cid a d e d o S a lvad or e seu m ercado no século XIX
p. 3 5 4 - 3 5 5 . . ’
56. Luiz dos S an to s V ilh e n a , A B a h ia n o sécu lo XVIII, v. 2, p. 4 6 2 - 4 6 3 .
57. M o n se n h o r E u g ên io de A n d rad e V e ig a , Os p á r o co s n o B rasil,.,, p. 9 6 .
58. Idem , ib id e m , p . 9 4 .
59. Idem , ib id e m , p. 114.
60. A ndré Jo ã o A n to n il, C u ltu ra e o p u lên cia d o B rasil..., p. 150. .
6 1. Idem , ib id e m , p . 148.
62. M o n se n h o r E u gên io d e A n d rad e V e ig a, Os p á r o co s no B rasil..,, p. 103.
63- C f. K atia M . d e Q u eiró s M a tto so , B a hia : a cid a d e d o S a lvad or e seu m ercado no século XIX,
p. 3 4 4 - 3 5 1 .
64. Fala do p resid e n te d a P ro v ín cia (C o n selh eiro P edro L uiz P ereira de Souza), 1883, p* 14.
65. Fala do p resid en te d a P ro v ín cia (B arão de São L ouren ço), 1871: Relatório do Arcebispo,
C o n d e de São S alv ad o r, de 8 de dezem bro de 1 8 7 1 , p. 4 (relatório anexado ao discurso do
p residen te d a P ro v ín cia).
6 6 . “P rovíncia d a B ah ia: O rçam en to e despesas, 183 5—1 8 3 6 ”. In Leis e resoluções da Assembléia
P ro v in cia l d a B ahia, v. 1 (1 8 3 5 —1 8 37 ).
67. C o n stitu içõ es P rim eiras, livro IV , título X XX VIII, § 7 7 4 -7 7 8 , p. 2 9 4 -2 9 5 .
6 8 . A rquivo do Estado da B ah ia, Seção Ju d ic iá ria , Livro de N otas e Escrituras n 197 ( )
fl. 2 1 7 , e n° 3 8 9 (1 8 6 6 ), fl. 35.
69. Katia M . de Q ueiró s M attoso, B ahia: a cid a d e do S alvador e seu m ercado no sêcu o >
p. 3 6 7 - 3 7 3 . C f. tam bém Livro VI, cap ítu lo 25.
70. A rquivo do Estado da B ahia, Seção Ju d ic iária, Livro dc N otas e Escrituras n° 222 (18 ,
fl. 1 3 7 - 1 37v, n° 230 (1 8 3 0 ), fl. 8 4 v -8 5 c n" 196 (1 81 1), fl. 42.
71. Esses dados foram extraídos de séries anuais compostas por m vem áric«. « c o j ^
n o v e

aleatoriam ente. Para o período de 1 8 2 1 - 1850, temos 253 mventános, dos quais 151 le
por hom ens livres, 82 por m ulheres livres c oito por a orria os
7 2 . A m a d id » d a , foriunas c o n d d c a d a , - m i d W j f o i L d i a daa

5 0 mil - • 11000 * r& -


extraídos de 6 3 inventários. . ,
B a h ia , S écu lo X IX

73. Inventários n° 1 /748 (8 :0 2 3 de réis), 8/763 (2 :0 0 4 ), 4/789 ( - 1 4 3 ) , 6/797 (1 2 :0 8 2 ), 7 / 7 9 5


(2 :8 3 3 ), 6/828 (7 :3 8 5 ), 2/844 (9 :2 3 0 ), 2/855 (5 :1 4 6 ).
7 4 . Para o período 1 8 5 1 -1 8 8 7 , tem os 304 in v en tário s: 186 de ho m ens livres, 94 de mulheres
livres, 15 de alforriados e nove dc alfo rriad as. Em alg u n s anos foram encontrados menos
de nove in ven tário s, m as o núm ero n u n ca foi in ferio r a sete. O n ú m ero de inventários aqui
apresentado é diferen te do que figu ra no estudo das fo rtu n as dos b aianos. C f. Livro III
cap ítu lo 1 2 .
7 5 . C f. Livro V II, cap ítu lo 4.

76. No N ordeste, pode-se m en cio n ar a ação filan tró p ic a d esen vo lvid a pelo capuchinho Cae­
tano de M essin a no in te rio r de P ern am b u co , assim com o a ação do padre José Antônio
r M a ria P ereira, co n h ecid o com o p ad re M a ria Ib iap in a, q u e fu n d o u colégios e hospitais nas
provín cias do C eará e d a P araíb a, n a se g u n d a m etad e do século XIX. C hronica Religiosa,
ano IV , n° 2, p. 161; C elso M a riz , Ib ia p in a . Um a p óstolo d o N ordeste.

N otas do C a p ít u lo 21

1 . C f. S u san A. So ciro , A B a rroq u e N unnery. Ig u a lm en te d esta h isto riad o ra am ericana: “The


fem in in e orders in c o lo n ia i B raz il”, p. 1 7 3 - 1 9 7 e “T h e so cial an d eco n om ic role of the
C o n ven t: W o m en an d N u n s in C o lo n ia l B ah ia. 1 6 7 7 - 1 8 0 0 ”; H istória d a Igreja no Brasil,
t. 2, p. 2 2 3 - 2 3 3 ; R io lan d o Azzi & M a ria V a lé ria V . R esen d e, “A v id a religiosa feminina
no B rasil c o ío n ia l”.
2 . C f. H istória d a Ig reja no Brasil, t. 2 , p. 2 3 1 - 2 3 2 ; R io lan d o A zzi & M a ria V aléria V.
R esende, “A v id a religio sa fe m in in a no B rasil c o lo n ia l”, p. 5 6 - 6 0 .
3. C f. H istória d a Igreja n o Brasil, t, 2, p, 2 4 0 - 2 4 1 ; R io lan d o A zzi, “E rem itas e irm ãos: uma
form a de v id a religio sa no B rasil a n tig o ”.
4 . O papel eco nôm ico das o rd en s religio sas não está su fic ie n te m en te estud ad o, salvo no que
tange ao C o n ven to do D esterro. C f estud os d a h isto riad o ra Su san So eiro, citados na no­
ta 1 acim a.
5. K enneth M axw ell, A devassa d a devassa, p . 4 2 ^ 4 3 -
6 . Luiz dos Santos V ilh e n a, A B ahia n o sécu lo XVIII, p. 4 4 3 ^ 4 5 9 ; H istória d a Igreja no Brasil,
tom o 2 , p . 2 2 1 - 2 2 2 .
7 . H istória da Igreja no Brasil, t. II/ 2 , p. 9 1 ­
8 . Idem , ib id cm , p. 9 4 .
9 . O scar de fig u e ire d o Lustosa (O .P .), P olítica e Igreja, p. 24.
1 0 . Ih o m as L in dlcy, N arrativa d e u m a via gem ao Brasil, p. 169- 170 .

11. hrancisco Pinheiro L im a Jr. c D inorah d 'A raú jo B erbert de C astro, P adre M e s tr e Cons. D r.
A ntônio Jo a q u im das M ercês (I 7 8 6 -J 8 5 4 ), M estre d e Filosofia. O cônego d a s Mercês não
f o i , aliás, o único a pedir sccularização. Entre os padres cujos inventários c o n s u l t a m o s ,

dois haviam sido religiosos da ordem d e S ã o B e n t o .


12. H istória da Igreja no Brasil, t. II/2, p. 91.
13. C f, V alcn tin C aldcro n , B iografia d e um m on u m en to: o a n tigo con ven to d e Santa Teresa da
Bahia, p. 9 3 .
14. Susan A. Soeiro, A B arroque N unnery, p. 115—121, 1 2 3 - 1 3 6 .
15. Robmo Simonscn ■» B , é r i a eeonim ien do BrnsU r, AXÜ. v
C<,fo” M Í - M I O , Pm to dc A guiar, Baneo, no B rnúl
16. S u san A. S o eiro , A B a rro q u e N unnery, p. 1 9 6 -1 9 8 .
I - . Idem , ib id c m , p. 155.

18. Susan A. Soeiro compara a propriedade imobiliária do Des,erro com -a


conventos rias franciscanas c das ursulinas: cm 1764 „ da 1 a„I , u r l propncdad<:s <•«
dc 1:342.650 dc réis;udas Mercês, cm 1764, tinha quarenta e " " com rc"da
dc réis. Susan A. Soeiro, A Barroque Nunnery, p. 156. C° m " 1:°S1.720
T). Idem , ib id c m , p. 1 5 7 -1 6 3 ,
20. Idem , ib id c m , p. 1 6 4 -1 6 5 .
21. Idem , ib id e m , p. 164.
22. H istória d a Ig reja no B rasil, t. II/2, p. 2 0 1 ,
2 3. Em 1 8 2 0 , h a v ia 1 .1 5 6 religio so s c 190 religiosas cm M inas G erais, 80 religiosos e 3 re­
ligio sas em G o iás e 7 2 religio so s e 2 2 religio sas em M ato Grosso. Entre eles, a porcenta­
g em de e stra n g eiro s era d e 3 5 ,7 % p ara M in as G erais, 56,7% para Goiás e 77,7% para
M ato G rosso, N a m esm a época, na B ah ia, Rio de Jan eiro e Pernam buco essa porcentagem
era de 3 0 ,8 /o, 3 2 ,3 /b e 4 6 ,2 9 6 , resp ectivam en te, R iolando A7.7.1 (org.) , A vida religiosa no
Brasil, p. 1 0 5 ­
24. H istória d a I g reja n o B rasil, t. II/2, p. 2 0 1 .
2 5. Jo sé O scar B cozzo, “D ec ad ê n c ia e m o rte, restauração e m ultip licação das ordens e congre­
gações religio sas no B rasil, 1 8 7 0 - 1 9 3 0 ”, p. 9 8 - 9 9 .
26. J . Jo n g m a n s, “A refo rm a d a O rd em B en ed itin a no Brasil, 1 8 9 0 -1 9 1 0 ”, p. 130-150,
2 7 . H istória d a I g reja no B rasil, t. II/2, p. 2 0 4 .
2 8 . R io lan d o Azzi (o rg .), A v id a religiosa no Brasil, p. 89—90.
2 9 . L uiz dos S an to s V ilh e n a , A B a hia n o sécu lo XVIII, v. 2, p. 446—4 47.
30. C oleção d e ob ra s d e D . R o m u ald o A n tô n io de Seixas, v. II, p. 4 6 1 -4 6 2 .
31. Fala do p resid e n te d a P ro v ín c ia (Á lvaro T ib ério de L im a), 1856, p. 48.

3 2 . Ibidcm , p. 4 8 —49.
3 3 . R io lan d o A zzi, “D. R o m u ald o A n tô n io de Seixas, arcebispo da B ah ia...”, p. 32.

34. Idem , ib id em ,
35. Fala do p resid en te d a P ro v ín cia (Barão de São Lourenço), 1871, p
3 6 . Fala á a p residen te da P rovíncia (H ercu lano Ferreira Penna), 1 ,P j- .u
37. R iolando Azzt, “Padres da M issão e m ovim ento brasileiro de reforma cat íca no
XIX”.
38. José O scar Beozzo. “D ecadência c m orte... , p. 89. 337-338.
39. D om R o m u a ld o A n tô n io dc Seixas, M em órias do M arquês d e Santa ruz,
40. Idem , ib id cm , p. 166.
4 1 . A lm anaque, an o 1 8 5 7 , p. 1 2 3 - 1 2 5 .
4 2 . Idem , ib id em , p- 1 2 3 -1 2 7 - 1^ 7 ,
43. Dotn Romualdo AntAnio dc Seixa,. Memória, do Marqub de a
B a h ia * S éc u lo X IX

4 4 . C h ron ica R eligiosa , an o IV , n° 2 2 . p. 9 0 e n° 4 7 , p. 3 7 1 ,


-í5. R io lan d o Azzi, "D . R o m u ald o A n tô nio dc Seixas, arcebisp o da B a h ia ...'7, p. 35.

N o t a s n o C a p í i v i o 22

1. R iolando A zzi. “Form ação h istó rica do cato licism o p o p u lar b rasile iro ”.
2 . A expressão 're lig io sid ad e p o p u lar’, de co n o tação p ejo rativ a, preferim o s ‘ religião do povo’
su gerid a por Pedro A. R ibeiro de O liv eira , que rep resen ta m elhor a realidade religiosa
b rasileira e en glo b a todas as classes so ciais. Ao p esq u isar o culto dos santos, sua expansão
e sua função nos países latin o s cristãos nos séculos IV e V , P eter Brow n observa com razão
quc nos estudos q u e tratam o sen tim en to religio so com o “religião po pu lar" (destaque do
au to r) aparece quase sem p re um m odelo “em d o is níveis", q u e opõe concepções e práticas
de um a suposta elite esclarecid a às do v u lg o , o povo, lim ita d o em suas capacidades inte­
lectu ais e c u ltu rais. Esse en fo q u e co n sid era o c u lto dos santos co m o u m a capitu lação da
h ierarq u ia da Igreja aos m odos d e p en sam en to até en tão lim itad o s ao “vulgo". As conver­
sões teriam forçado as au to rid a d es e clesiásticas a ac e ita re m p ráticas pagãs, sobretudo no
que díz resp eito ao cu lto dos santos. A d e b ilid a d e fu n d am e n tal do m o d elo em dois níveis
— acrescen ta B row n — “é de não p o d er, a não ser raram e n te ou talvez n u n ca, recuperar
as transform ações religio sas o co rrid as fora das elites As crenças populares ( ... ) cons­
titu iriam um resíd u o , d esp ro vid o d e elab o ração e de elevação , de crenças d ifu n d id as nas
classes ign o ran tes c sem in stru ç ão , isto é, toda a h u m a n id a d e , com raras exceções." Brown
m ostra co m o , ao co n rrário , o po der dos santos foi o rig in a lm e n te m onopolizado pelos
bispos ou pelas g ran d es fa m ília s, q u e d e lim ita ra m seu cu lto em san tu ário s, transform an­
do-o em v erd ad eira in stitu iç ã o . A p reo cu p ação d e fu n d o , c o n h ecid a por todos — elite e
“vulgo" — , seria com a segu ran ça e a ju stiç a. P eter B row n, Le cu lte des saints, son essor et
sa fo n c tio n d a n s la ch r é tie n té la tin e, p, 3 0 - 3 2 .
3- Pedro A. R ib eiro de O liv eira, “O c ato lic ism o do p o vo ", p. 7 7 .
4 . Idem , ib id em , p. 7 7 - 8 0 .
5- A rquivo do Estado d a B ah ia, Seção Ju d ic iá ria , S érie T estam en to s (1 8 0 5 -1 8 9 0 ).
6 . Seguim o s aq u i a exposição de P edro A . R ib eiro d e O liv eira . As an álises de Peter Brown
sobre o cristian ism o no século IV são freq ü en tem en te ap licáv eis ao B rasil. C f. Le cu lte des
saints..., p. 7 1 —9 3 , c ap ítu lo “O co m p an h eiro in v isív e l”. O nom e cristão refletia a necessi­
dade dc ligar a id en tid ad e do in d iv íd u o a u m san to . U m novo nascim ento se ligava, pelo
batism o, a um a nova id e n tid ad e . H o m en s q u e, por seu m artírio ou pela santidade de sua
vida, m ostraram ser verdadeiro s servidores de D eus p o d iam ligar Deus a outros homens,
tornar-sc guardiães dc sua id e n tid ad e , am igos protetores cm um p iun d o em quc qualquer
proteção é b em -vin d a c d esejad a. O m esm o aco n tecia com o anjo da guard a, tratado como
parente ou am igo, “co m panh eiro in v isív e l” do in d iv íd u o , q u e lhe era confiado por roda a
íu a vida terrestre, pois a "id en tid ad e eterna do ego" estava sob a guard a desse anjo.
7 . Pedro A. R ibeiro de O liv eira, “O cato licism o do povo", p. 7 4 - 7 9 .
8. H istória d a Igreja rto B ra sil t. 11/2, p. 117.
9 . G ilberto Frcyrc, Maítres et esclaves, p. 395 (cd. brasileira: Casa-grande ô* senzala).
10. G ilberto Freyre, Sobrados e m ocam bos, p, 247*
11. LuÍj da C âm ara C ascudo, D icionário d o fo lc lo r e brasileiro, p. 191 —192.
12. G ilberto Freyre, Maítres et tsclaves, p. 215 (cd. brasileira: Casa-grande & senzala}.
13. Idem . ib id e m , p. 2 1 6 ,
14. Idem , ib id e m ,
15. Idem , ib id e m .
í6. Idem , ib id e m , p. 2 1 8 .
17. Id em , ib id e m , p. 3 9 4 .
18. H istória d a Igreja n o B rasil , t. II/2, p. 1 0 0 -1 0 2 . -

19. a . M e lo M o ra is F ilh o , F ts u s e tr a d ifõ e ,p o p u la r * n o Brasil, p. 8 2 ,s c 167-178- ka ,


Q uer m o. C ostum es a frica n os n o Brasil, p . 266- Luís da C âm ara C a rv ■ Manoel
h ra n lesra . p. 3 8 4 - 3k , 6 8 2 - 6 8 4 , 1 9 2 - 1 9 7 , 3 2 5 - 3 2 6 “ i o !° k h rc
2 0 . P ierre V e rg e r, N oticia s d a B a hia - 1850, p._7 3 - 93,

: 1 . H istória d a I g r eja na B rasil, t. II/2, p. 117. A h istó ria das relações entre esses chefes locais
o c le ro e o s fié is a in d a está p o r escrever, sobretudo no tocante ao período dc introdução
das reform as ro m an izan te s.

22. A J .R . R u sse l-W o o d , F id a lgos a n d P hilanthropisps; L uiz C astanho de A lm eida, São Paulo,
filh o d a Igreja , p. 3 1ss; J u lira Scaran o , D evoçã o e escravidão; João C am illo de O liveira Torres,
H istó ria d as id é ia s religio sas no B rasil, p. 7 4 .
23. C f. M a r ia d o So co rro T a rg in o M a rtin e z , O rdens T erceiras, ideologia e arquitetura ; M arie-
ta A lves, H istória d a v e n e r á v e l O rd em 3 a d a P en itên cia d o S eráfico Pe. São Francisco
d a C o n greg a çã o d a Bahia\ F ran cisco Borges de Barros, À m argem da história da Bahia,
p. 1 2 9 - 1 3 0 .
2 4 . A J .R . R u sse l-W o o d , “A spectos d a vid a so cial das írm andades leigas da Bahia no século
X V III".
25- P ierre V erg er, Fluxo e reflux o d o trá fego d e escravos..., p. 524—525.
26. A .J.R , R u ssel-W o o d , “A spectos d a v id a so c ia l...”, p. 151; R J-D . Flory, Bahian Society...,
p. 2 9 3 .
27- K atia M . d e Q u e iró s M atto so , S er escra vo no B ra sil p. 1 4 5 -1 5 2 .
2 8 . A fonso R u y de S o uza, H istória p o lítica e a d m in istra tiva d a cid a d e do Salvador, p. 5 59-594;
H istória d a C âm ara M u n icip a l d a cid a d e d e Salvador, p. 3 0 6 -3 0 7 .
29. Katia M . de Queirós Mattoso, Bahia: a cidade do Salvador c seu mercado no s/eulo XIX.
p. 2 2 4 - 2 2 8 . .
3 0 . José da S ilv a C am p o s, P rocissões tra d icion a is da Bahta, p. 7 8 -8 2 .
31. Idem , ib id e m , p. 8 9 - 9 0 . „
3 2 . K atia M . dc Q ueiró s M atto so , “Párocos c vigários em Salvador no s cu o ... *
14, 4 1 - 4 2 .
33. M a x im ilian o dc H absburgo, Bahia, 1860. Esboços d e viagem , p. 128-130.
3 4 . H istória d a Igreja n o B ra sil t, II/2 , p. 217.
35. Idem , ib id em , p. 218,
36. C hronica Religiosa, n° 4 4 , p- 3 4 8 -3 5 1 . *
37. Idem , ib id em , ano II, n° 14, p. 107­
3 8. H istória da Igreja n o B ra sil II/2. p- 104‘
39. Idem , ib id em , p, 102.
Bahia. Século XIX

40. idem , ib id em , p. 103.


41. C hronica Religiosa, Ano 1, n" 13, p. 1 0 2 -1 0 3 .
42. N a França, no século X VIII. essas missões duravam de tres a quatro semanas. Jean Quéniart
Lc< ho rumes, IL glisc et D ini..., p. 1 0 6-1 1 1 . ’
43. C ân d id o da C osta Silva, R oteiro cia vid a e da m orte. Um estuda do catolicism o no Sertão da
Ba lua. p. 3 0 -4 0 .
44. C hronica Religiosa, ano 1, n° 15, p. 1 19.
45. C ân d id o da C osta Silva, R oteiro da vid a e dst m orte, p. 4 l . Lem brem os, tam bém , o belo
film e O p a ga d o r d e prom essas , que co n q u isto u a P alm a de O uro no Festival de Cannes em
1963.
46. Pierre V erger, N otícias da B ahia — 1850, p. 171—172.
47. R iolando Azzi, “A participação da m u lh er na vid a da Igreja no B rasil”, p. 101.
4 8 . H istória d a Igreja no Brasil, t. 11/2, p. 221.
49- T recho do R esum o do q u e há d e fa z e r u m cristão p a ra se sa n tifica r e salvar de dom Antônio
de M acedo C o sta (1 8 7 5 ). A pud: R io lan d o A zzi, “A p articip ação da m u lh er...”, p. 10 1 ­
102,

50. Esm eraldo R oberto de F aria, Reflexos d a q uestão religiosa na B ahia , p. 19.
51. C hronica R eligiosa , ano 11, n° 2 , p. 9 0 - 9 1 .
52. H istória da Igreja no Brasil, t. II/2 , p, 22 2.

N otas do C a pít u lo 23

1. N ina R odrigues, Os a frica n os no Brasil, p. 3 5 3 -3 7 3 .


2. Nas religiões afro-brasileiras, a in iciação só é ex igid a para os chefes e os celebrantes do
culto. O rito nagô, por exem plo , apresenta um a hierarq u ia religiosa com andada pelo
babalorixá (pai-de-santo , m inistro suprem o do candom blé) ou a ialorixá (mãe-de-santo,
m inistra suprem a dos candom blés d irigid o s por m ulheres). V êm , em seguida, o babalaô,
que desem penha funções ad ivin h ató rias, e a íy a kêkêrê, au x iliar do m inistro principal. As
filhas-d c-santo dividem -se em duas categorias: as iaô e as ebom im (ou vodunci), que são
servidas por m ulheres, as ékéde. F in alm en te, as ab ia são jovens que postulam a iniciação
e que constituem a reserva do candom blé. Do lado m asculino, há os ogãs, alguns dos quais
honorários c protetores do culto, e outros que, ao contrário, exercem funções importantes,
como cuidar do altar (pepigâ) e dos sacrifícios rituais (axogum ); e os músicos, cujo chefe
é o alabé. Todos participam ativam ente das celebrações, oferecidas a uma assistência nao
subm etida a nenhum a iniciação específica (a menos que alguém seja 'tocado pelo santo).
No Brasil, as seitas tradicionais nagôs são sem pre dirigidas por urna ialorixá. Cf. Rogcr
Bastide, A s r e lig iõ e s a f r ic a n a s no B r a s il, p. 2 7 2 -2 7 3 ; Edson C arneiro, C a n d o m b lé s d a B ah ia,
p. 1 3 7 -1 4 5 .

3. Cf. X avier M arques, O f e it ic e ir o .


4. Antônio C o u v êa M endonça, O cele ste p o r v ir . A in s e r ç ã o do p r o te s ta n tis m o no B r a s t l p. 112.
5. Cf, M aria Isaura Pereira dc Q ueiroz, O c a m p e s in a to b r a s ile ir o . Da m e s m a autora. B atrro s
r u r a is p a u lis t a s , A n io n io C â n d id o , Os p a r c e ir o s d e R io B o n ito ,
6. M aria Sylvia de Carvalho Franco, H o m e n s liv r e s n a o rd em e s c ra v o c ra ta , M aria Isaura Pe
reira dc Q ueiroz, O m e ssia n ism o n o B r a s il e no m u n d o , p. 176—177. ;
697

7. H istória d a Igreja tio Brasil, t. W il, p, 238.


S. E m ile L éo n ard , O p ro testa n tism o b ra sileiro , p. 27—29.
9. A n tô n io G ouvêa M e n d o n ça, O celeste p orv ir, p. 1 7 - 2 7 .
10. Idem , ib id e m , p. I 4 l .
1 1 . B oanerges R ib e iro , O p a d r e p rotesta n te.
12. A n tô n io G ouvca M e n d o n ça , O celeste p o rv ir, p. 9 6 - 1 0 1 .
13. Idem , ib id e m , p. 145-
W . "O cren te é d este m u n d o e n ele deve viver à espera d a chegad a de um m undo novo; deve
faze-lo em h a rm o n ia com certas regras, q u e ten d em a caracterizá-lo como alguém q Je nao
se resign a com o estad o a tu a l das coisas, de m an eira que seus atos não são atos de resigna­
ção. Este é um dos estran h o s paradoxos do protestan tism o: sua m aneira de viver na
so cied ad e não é u m a m a n e ira resig n ad a, m as n ad a faz para m ud á-la; ao contrário, ele a
despreza e p ro cu ra d e la se afastar. N isto se resum e sua não-resignação. Na verdade, o
cren te tem , sim u lta n e a m e n te , u m a g ran d e resignação e um a não-resignação particular
in terio r. Se lu ta do lad o d e D eu s, deve a g ir segu nd o seus m andam entos: observar o
repouso d o m in ic a l, não m ata r, não ro ub ar, não com eter ad u ltério , não m entir, não beber,
afastar-sc dos prazeres e d a o c io sid a d e. E sforçando-se por viver em conform idade com
essas regras q u e, n a p rá tic a , ch o cam -se co n tra a sociedade glo.bal, é, no entanto, um nao
resign ad o ; m as, co m o se in teressa pelo m u n d o q u e está por vir, des interessa-se do presente
e n ad a faz p ara m o d ific á -lo . N este sen tid o , é um resignado. É, pois, ao m esm o tempo, um
resign ad o e u m não re sig n a d o ”. A n tô n io G ouvêa M en d o n ça, O celeste p orvir, p. 1 4 5 -1 4 6 .
15. Idem , ib id e m , p. 2 7 ­
16. Id em , ib id e m , p. 1 5 5 ­
17. Fala do p resid en te d a P ro v ín cia (B arão de São L ourenço) 1871. R elatório do Arcebispo,
C o n d e d e São S alv ad o r, d e 8 de dezem b ro de 1 8 7 1 , p. 4 (relatório anexado ao discurso do
p resid en te d a P ro v ín c ia ). . . ,
18. A .R . C ra b tre e , H istória d o s B atistas n o B ra sil —a té o a n o 1906, p. 7 5 ­
19. M a ria G erald a d e Je su s T e ix e ira , Os B atistas d a B ahia: 1882-192j .
20. C o n stitu içõ es P rim eiras, Livro III, T ítu lo X X X III, § 5 3 2 . ,
21. Ju liu s N aeh rer, T erra e g e n t e d a P ro v ín cia da B ahia, in cursões d e... Tem os desta obra, nao
p u b lic ad a cm lín g u a p o rtu gu esa (u m a edição em lín g u a alem ã foi publicada em ’ cín
L cip zig, sob o títu lo de L and u n d L eute in d en b r a s i h a n i s c h e n p rovin z Ba ia , ^ P
d atilo grafad a d a tradução feita pelo A rq u ivo N acional, colocada à nossa disposição por s
vice-d ireto r, José G abriel da C o sta P in to , em 1980. C f. da obra cita a p.
22. Ju liu s N aehrer, T erra e g e n te da P rovín cia da B a h ia ..., p. 81.
23. Idem , ib id cm , p. 83.
24. C f. K atia M . dc Q ueirós M attoso, Ser escravo no B rasil p . 1 1 2 -1 1 7 .
2 5 . Ju liu s N aehrer, Terra e g e n te da P rovín cia da B a h ia ..., p. 77.
26. Idem , ib idem , p. 1 0 3 -1 2 5 .
27. Idem , ib id em , p. 85.
28. Idem , ib id cm , p. 7 7 .
29. Idem , ib id em , p. 9 9 . .
B a h ia , S écu lo XIX

3 0 . H istória d a Igreja n o B ra sil c. II/2, p. 26 5 .


31. C o n stitu içõ es P rim eiras, Livro III, T ítu lo X X X III, § 5 7 7 .
3 2 . Ibidem , § 5 7 9 ­
33. Era o co stu m e n a B ah ia. C f. C o n su elo P ond é de Sen a, In tro d u çã o ao estudo d e um a co
m u n id a d e d o a greste b a ia n o (1 8 3 0 -1 9 8 2 ), p. 157 ; S. G u d em an & S. Sch w artz, “C leansing
o rig in a l S in ; G o d p aren th o o d and the B ap tism o f Slaves in E igh teen th C e n tu ry in Bahia”
p. 3 5 - 5 8 . Em c o n trap a rtid a, n a P ro v ín c ia do E sp írito S an to , N ossa Senh ora da Conceição
aparece sem p re com o m ad rin h a e São B en ed ito e São Jo sé com o p ad rin h o s. C f História
d a Igreja n o Brasil, t. II/2, p. 2 7 3 . .
3 4 . K atia M . de Q u eiró s M a tto so , S er escra v o n o B rasil, p. 1 1 2 - 1 1 7 .
3 5 . J .J . R eis, R ebelião escra v a n o B ra sil,., p. 1 1 0 - 1 1 5 .
3 6 . Em seu livro As religiõ es a frica n a s n o B ra sil (v. 1 , p. 2 0 3 ss), R o ger B astid e d eu informações'
b astan te co m p letas sobre as in terp re ta çõ e s d ad as po r d iferen tes au to res brasileiro s e estran­
geiros sobre as o rigen s desse term o , segu n d o ele “u m a c o rru p tela (d a p alavra) M alé, nome
de u m dos reinos m u ç u lm an o s do N ig e r, h a b ita d o pelo s M a lin k ê , no século XII da nossa
era. Esse povo é tam b ém co n h e c id o p elo n o m e de M a n d in g u e ” (p. 2 0 3 - 2 0 4 ). Mas,
segundo J.J . R eis [S la ve R eb ellion in B ra z il.., p. 145 e n o ta 3 1 ; ed. b rasileira; R ebelião escrava
n o B rasil...), B astid e c o n fu n d iu m alês co m m a lin k ê s, no B rasil ch am ad o s m andangues,
p o rque to m o u com o g ru p o étn ico o q u e , n a v erd ad e, era d esig n ação religio sa.
37. P ierre V erg er, Fluxo e re/luxo d o tr á feg o d e escra vos..., p . 3 3 9 —3 5 9 . K ent pensa que esse
q u alificativ o veío d a p a lav ra m âlam , de o rig em h aussa, c o rru p tela d a p alav ra árabe m u 'allim,
q u e sig n ific a m estre. J .J . R eis, R eb eliã o escra v a n o B rasil..., p. 1 1 5 ­
38. J.J . R eis, R eb eliã o escra v a no Brasil...', P ierre V e rg er, F luxo e reflux o d o trá fego d e escravos...,
p. 3 3 9 - 3 5 9 .
39. J .J . R eis, R ebelião escra v a n o B rasil..., p, 1 3 6 —1 5 5 .
4 0 . Idem , ib id e m , p. 1 3 6 - 1 5 5 .
4 1 . N in a R o d rigu es, Os a frica n o s n o B r a sil p- 6 0 .
4 2 . Idem , ib id em , p. 1 5 0 - 1 5 1 . -
4 3 . J.J . R eís, R ebelião escra v a n o B rasil..., p. 1 1 0 - 1 3 5 .
4 4 . N in a R o drigu es, Os a frica n o s n o B ra sil p. 151—1 5 2 . . .
4 5 . K atia M . de Q u eiró s M a tto so , E tre escla v e a u B r ésil p. 2 6 7 (ed. b rasileira: S er escravo no
Brasil).
4 6 . R oger B astide, As religiõ es a frica n a s n o B ra sil v. 1, p. 2 0 8 . O au to r se baseou em Nina
R odrigues, E tienne B razil e M an o el Q u erín o p ara “re c o n stitu ir a v id a d a an tig a com uni­
dade islâm ica negra no B rasil”. As n arrativas desses autores baianos, po r sua vez, basearam '
sc cm observações que d atam do fim do século XTX e do in ício do século XX. Deles, Nina
R odrigues foi o ú n ico q u c se ap ro xim o u de um im ã, um certo Luiz, de origem nagó. Suas
descrições são pobres, p o rque não p rocurou, com o fez M an o el Q uerino, considerar como
. específicas dos ad ep to s d o ís la m is m o certas p rá tica s c o m u n s a todos os africanos. P °r
e x em p lo , a a firm a ç ã o — re to m ad a se m co m e n tá rio s p o r B astid e (p. 2 0 9 ) de q u e os
m u ç u lm a n o s do B rasil p e r m itia m e p ra tic a v a m a p o lig a m ia é absu rda, pois todos
h o m e n s b rasileiros d a q u e la é p o ca eram p o líg am o s. A lé m disso, segu n d o N in a Rodrigues»
o im ã d a B a h ia tin h a u m a ú n ic a esposa e não possuía harém ( O s a f r ic a n o s n o B r a s i l p- ’
Nojas

f . p .m . . 1, 11, ,1 ,|at J .

' M " *">■ lu u u k M - " M " a * m m „


*'• *' "% *» , (H.
48 J| Rms. Slave U r b r U m t, B ta r .il ter, , . ...
•í'> Mt-rn. ituilr-ni, ||. IVA 1 r ' fJ’ e r r a v a no B r a s il

50 Jdf rn. if t n l r i n , p. J 4 7 .

') 1 ítlc iii, ib id e m , p. |(, g

S.' I V . „ ■ V r , , . r , . /-/«r n , r f l m , d r h , m „ J „ « V m . . .
u . i j r y n t l r r\< . , ’ rl ‘ ■ílu y .o r rtflu/.ti
5t Id e m , ilu d e m , p. 3 3 6 .

V, |.|. H m . S W H ,bM ,m /„ / w . . . . p. 8 •, l,ra\ilrira: H M ü ., m /W ,


S V ( I. I W V r . B r , . /■/.« « , r , l u x , l r U , * * , ^ , , M J , C||. |)r„ i|cira: ^ „
f lu x o rio t r á f e g o a r n c r a v o s ..

56. R o g e r B a s tid e , A s r r l i y j ó r s a f r i c a n a s n o B r a s i l, v. 1, p, 2 ) 7 - 2 1 8 .
57. N in a R o d r ig u e s , O s a f r ic a n o s n o B r a s i l, p. 6 0 - 6 1 ,

58. K atia M . d e Q u e ir ó s M a t to s o , l i i r e r s c la v r a u B r é s il, p. 1 6 6 - 1 6 7 (cd. brasileira: S e r escravo


n o B r a s i l} .

59. A d e s m ç i i o r e s u m id a dos e le m e n to s f u n d a m e n ta is d o culto ioruba é tomada da obra dc


J u a tia h lb c ín d o s S a n to s , O s N a y f) e a m o r te , ( i ev id en te (juc este estudo se baseia ern uma
o b s e r v a ç ã o a tu a l rlesse c u lto , não levan d o etn corna as adaptações <|ue sofreu desde sua
in t r o d u ç ã o na B a h ia , M a s , sen d o u m c u lto p raticad o cm um dos fcrrcíros mais antigos c
t r a d ic io n a is d a B a h ia , c u jo s m in is tro s vieram esp ecialm en te da África para jrnplantido,
p o r volta d a d é c a d a d c 1 8 3 0 , a c h a m o s provável tjue m a n te n h a boje os elementos funda­
m e n t a is q u c tin h a e n tã o .
6 0 . J n a n a R lb c in d o s S a n to s re cu sa-se a d is c u tir o problem a da origem dos orixás: para certos
au to re s , diz, e la , os o rix ás são ancestrais d ív ín iz ad o s, chefes d c linhagens ou dc clãs, tjuc,
por ca u sa d c atos ex ce p cio n ai* p ra tica d o s d u ra n te a vida, transcenderam os limites dc sua
fa m ília c sc tr a n s f o r m a r a m cm e n tid a d e s do cu lto nacio n al. A autora constata apenas quc
(rs seres s o b r e n a tu r a is sc d iv id e m em d u a s catego rias bem definidas: dc um lado ns orixis,
e n tid a d e s d iv in a s , e d c o u tro os an cestrais, espíritos hum anos, (A . O s N a g ó e a ,
p, Kt?, 103.
6 1 . Idem , íb id ern , p. 3 0 , 5 3 , 7 3 c 10,},
62 . Idem , ib id e m , p. 3 3 - 3 4 .
63 . Idem , ib id c m , p, 3 9 . . „
M . K » i. M, .h- OurirA, M.U.O». I M .il. p. IW - I 7 I <«* * “ «“ ■* S" m W
no B r a s il). 1896 c 1 9 0 5
65 , N in a R o d rigu e s transcreve u m a cptinzcn» dc nu lR .ms dc jornais c 2 3 9 -2 4 6 .
« o b r e <» J L , . r . , . - l „ „ l l « i , o . M « O m o n S a lv ,d .,r. ( h , . f r , c a m , « P «

N í/ i a s im i C ai -í t i j i o 24
1. I.dò d c T o llc n a rc , N o ta s d o m in ic a is ..,, p. 2 8 1 - 2 8 2 .
2. T h o m a s L in d lc y , N a r r a t i v a d e u m a v ia g e m a o B r a s i l p- 128.
"00 B a h ia , S ec u lo X IX

3. A pud: M o em a P arente A u gel, V isitantes estra n geiros..., p. 2 1 1 . Esses m ercados de mão-de-


obra escrava desap areceram após 1 8 5 0 , m as os galpões ain d a serviam para abrigar os
escravos em trân sito , ven d id o s no Su l do país. '
4. P ierre V erger, Fluxo e reflux o elo trá fego ele escravos..., p. 5 2 1 - 5 2 4 .
5 . M a ria G rah am ,D iário ele um a via gem ao B ra sil c d e u m a estada n esse p a ís d u ra n te p a rte dos
a n os 1821, 1822 e 1823 , p. 145.
6 . C f. M o em a P arente A u gel, V isitantes estra n geiros..., p. 1 29 e 146.
7 . A rquivo M u n ic ip a l dc S alv ad o r, Livro d e P osturas M u n ic ip a is, fl. 91/93.

8 . M a ria G rah am , n ascid a em 1 7 8 5 , era filh a do a lm ira n te in glês G corge D un das. Em 1808,
aco m p an h o u o pai às ín d ia s , o n de escreveu su a p rim e ira n a rra tiv a de viagem , C asada com
T h o m as G rah am , cap itão d a M a rin h a , v isito u d ep o is a Itália e veio ao B rasil com o navio*
escola D oris, co m an d ad o po r seu m arid o , co m o professora dos ap rend izes de m arinheiro.
A pud: M o em a P aren te A u g e l, V isitantes e s t r a n g e i r o s p. 6 2 - 6 4 .
9 . J. W eth e re ll, Brasil. A p on ta m en tos so b re a B a hia ..., p . 9 9 - 1 0 0 . N ascid o em 1822, o inglês
W eth erell veio para a B ah ia co m o c o m ercian te . G raças à am izad e com o cônsul inglês da
época, foi no m eado v ice -cô n su l h o n o rá rio . E m 1 8 5 7 , d e v o lta à In g laterra, en tro u para o
corpo d ip lo m ático , m as p o r p o uco tem p o . N o m ead o v ice -cô n su l n a P ro v ín cia da Paraíba,
m orreu no ano segu in te. A p u d : M o e m a P aren te A u g e l, V isitantes estran geiros..., p. 8 2; Léon
B ourdon, L ettres fa m iliè r e s e t fia g m e n t s d u jo u r n a l in tim e. M es sottises q uotidiennes, de
F erd in a n d D enis à B ahia (1 8 1 6 -1 8 1 9 ), p. 17; D an iel P. K id d er, R em in iscên cia s d e viagem
e p erm a n ên cia n o B ra sil co m p reen d en d o n o tícia s h istó rica s e g eo g rá fica s d o Im p ério e das
d iversa s p r o v ín cia s , v. II, p. 7.
10. A rquivo M u n ic ip a l de S alv ad o r, L ivro de P osturas M u n ic ip a is , po stu ras 3 1 , 4 6 e 4 8 , fl. 22
e seguintes.
11. Dr. L atteau x , A tra v ers le B résil. Au p a y s d e For e t d es d ia m a n ts, p. 82.
12. Afonso R u y d e So uza, “A im p o rtâ n c ia do b airro d a C o n ceição d a P raia no século X V I ir .
13. C f. M o em a P aren te A u g e l, Visitantes estrangeiros.,., p. 147.
14. M an o el Q u e rin o , c a d e írin h a d e a rru a r”, p. 1 0 2 —104; F rederico G. Edelweiss, ”A ser­
p e n tin a e a c ad e írin h a de arru ar”,
15- X avier M arq u es, O feitice ir o , p. 6 1 .
16. Idem , ib id em , p. 7 0 . C f. tam bém W a ld ir F reitas de O liv eira, Antônio de Lacerda, p. 47­
17. D iógencs R ebouças & G odofredo F ilho, Salvador da Bahia de Todos os Santos no século
XIX.
18. K atia M . de Q ueiró s M atto so , Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX,
p- 1 6 9 -1 7 9 .
19. R obcrt A vé-L allcm an t, Viagem p elo N orte do Brasil.,., v. 1 , p. 20,
20. A rquivo do Estado da B ahia, P residência da P rovíncia, Série Recenseam entos, Quadro dc
população do 21° q u arteirão do C u rato d a Sé, 1855. Inspetor Eduardo Firm ino Silva.
21. A rquivo do Estado da B ahia, P residência da P rovíncia, Série Q ualificação de Votantes,
maço 2 .80 8 (C u rato da Sé, 1862).
2 2 . Em 1862, a paróquia da Sé estava d iv id id a em 25 circunscrições e abrigava 1.329
dáos com direito a voto. D eixando-sc de lado os 2 1 7 negociantes, os 25 que viviam e
rendas e os 71 "‘proprietários”, restavam 346 pessoas (26% ), ligadas às profissões liberais,
ao iuncionaiismo e aos empregos püblicos. Os artesãos ren
JtlYOS.
• 0S " P r' s'" « v a m 50,4% dos cidadãos
:.V Arquivo M unicipa. de Salvador, Livro de Posturas Municipais
dá. J. Wetherell, B rasil. A p on tn m rn tos so h re „ ^ p

: 5. Alonso Ruy de Souza. H istória política r ndntinisirntivn dn cidade , ,


J- e th e re ll. B rasil. A p on t.tm cn tot so b re ,t B ahia..., p . 2 0 ” ^ P’ 5 5 3 ' 582'

r . Afonso Ruy de Souza. H istória p o litíca e a d m in istra tiva da cid n d e do Salvador „ 56 3

dS. Arqtuvo M unrcipal de Salvador, Livro de Posturas Municipais, postura39, fl.B e p o s L

2 9 . J . W e th e re ll, B rasil, A p on ta m en tos so b re a B ahia..., p, 59.

30 . Jo sé Á lvares d o A m a ra l, R esum o cro n o ló g ico c n oticioso d a P rovín cia da Bahta desde o seu
d es co b rim en to em 1500.

31. A fonso R u y d e S o u za, H istória p o lític a e a d m in istra tiva da cid a d e do Salvador, p. 582.
32. C f. Livro IV , c a p ítu lo 14.

3 3 . A rq u ivo M u n ic ip a l d e S a lv a d o r, L ivro de P osturas M u n icip ais, postura 134 de 6 de julho


d e 1 8 5 0 , fl. 1 0 2 v - 1 0 3 .
3 4 . ib id e m , fl. 8 1 —9 3 ­
3 5 . G u stav B eyer, "L ig e iras n o tas d e v iagem do Rio de Jan eiro à capitania de São Paulo, no
B rasil, no verão d e 1 8 1 3 ...”, p. 2 7 5 .
36 . M a u ríc io L am b erg , O B ra sil A terra e a g en te, p. 177.
37. Léon B o u rd o n , L ettres fa m ilièr es..., p. 18.
3 8 . L.F. de T o lle n a re , N otas d om in ica is..., p. 2 9 7 .
39- M a rie ta A lves, P eq u en o g u ia das igreja s d a B ahia —Igreja do Bonfim.
4 0 . Jo ão M a u ríc io R u g en d as, V iagem p ito resca a tra vés do Brasil, p. 52.
4 1 . O scar C a n s ta tt, Brasil. A terra e a g en te, 1871 , p. 2 5 1 -2 5 2 .
4 2 . j . W e th e re ll, B ra sil A pontam entos sob re a B ahia..., p. 3 2 -3 3 .
4 3 . C f. cro q u is executados pelo Serviço de A rq u item ra do Patrim ônio Artístico e Cultural da
B ahia. ^ „
4 4 . A. R onzi, "C en as da vida b aian a. As m inhas am áveis vizinhas quando eu morava rua... ,
p. 103- ■
45 . O scar C a n sta tt, B ra sil A terra e a gen te, 1871 , p. 2 4 8 -2 4 9 .
4 6 . H ildcrgardcs V ia n a, A B ahia j d f o i assim , p. 1 3 -1 6 , 2 1 -2 4 e 1-6 . ^
4 7 . Arquivo do Estado da B ahia. Seção Judiciária. Série Inventários (maços), ano .
t á r io 9 / 7 1 7 9 . j _ Paraguaçu
48. Inventário post mortem dc D. 1 eresa Clara do Nasaoiento bisneta Adalgisa
(falecida em 1882). Documento consultado graça, á genuleza de
Moniz de Aragão. m Je Queiròs Ma„oso. “Um estudo
4 9 . Cf. Livro III, consagrado i família, c tatn ^ d Todos os Santos no séeu o
quantitativo de estrutura sociais a cdade do Salvador, Bar.
' X IX . P r im e ir a s a b o r d a g e n s , p rim e iro s resu ra o .
B a h ia , S é c l i .o X IX

5 0 . C f. C h arle s E x p illy, Les fe m m e s e t les m oeurs d u B résil, p. 148.


51. M a ria G rah am , D iá rio d e u m a v ia gem a o B rasil..,, p. 14 8.
52. T h ale s de A zevedo, N am oro, r eligiã o e p od er, p. 123.
5 3 . A, D u g riv el, D es b ord s d e la S aân e à la b a ie d e San S a lv a d or ou p ro m en a d e sen tim en ta le en
F ra n ce et a u B r ésil p. 3 5 8 .
5 4. O scar C a n s ta tt, B ra sil A terra e a g e n te , 1871, p. 2 7 2 ,
5 5. A p u d : M o em a P aren te A u g e l, V isitantes estra n geiros..., p. 2 3 9 .
5 6. K atia M . de Q u eiró s M a tto so , B a h ia : cro n o lo gia , 1750—1930.
5 7 . M a ria de A zevedo B ran d ã o , P ro p ried a d e e uso d o solo em S a lvad or. A in d a em 1950, 44%
das casas e im ó veis de S a lv a d o r estav am c o n stru íd o s em terren o s foreiros, geralm ente
p erten cen tes a in stitu içõ es relig io sas. A o rd em dos B e n e d itin o s é p ro p rie tária de grande
p arte dos terreno s d a c id a d e , re c eb en d o até h o je o foro p ela su a u tilização
5 8 . L u ís V ia n a F ilh o , A sa b in a d a ; F .W .O . M o rto n , T he C o n serv a tiv e R evolu tion ,.., p. 3 4 3 - 3 7 5
59. P ierre V erger, Flux e t reflux d e D tra ite d es n ègres.,., p. 3 2 8 - 3 5 0 (ed. b rasileira: Fluxo ereflux o
d o trá fego d e escra vos...); Jo sé C a rlo s F erre ira, “A s in su rreiçõ es dos african o s na Bahia”;
E duardo C a ld a s d e B rito , “L evan tes de p reto s n a B a h ia ”; J .J . R eis, “A e lite b aian a face aos
m o vim en to s so ciais. B a h ia , 1 8 2 4 —1 8 4 0 ”.
6 0 . E tien n e Ign ácio B razil, “O s m a le s”; J .J . R eis, S la ve R eb ellion in B razil... (ed. brasileira:
R ebelião escra v a n o B r a sil..). C f. L ivro V , c a p ítu lo 2 3 .
6 1 . P ierre V erger, Flux e t reflu x d e la tra ite d es n ègres..., p. 3 2 9 - 3 3 0 (ed. b rasileira: Fluxo e refluxo
d o trá fego d e escra vos...). V e r ta m b é m A rq u iv o M u n ic ip a l d e S alv ad o r, L ívro de Posturas
M u n ic ip a is, p o stu ra 7 0 , fl. 3 8 - 3 9 .
6 2 . A rqu ivo M u n ic ip a l d e S a lv a d o r, L ivro d e P osturas M u n ic ip a is, p o stu ra 6 9 , fl. 37.
6 3 . K atia M . de Q u eiró s M a tto so , “O c o n su lad o francês n a B ah ia em 1 8 2 4 ”, p. 213.
6 4 . Louis C h e v alie r, Classes la b orieu ses e t classes d a n gereu ses , p. 5 6 6 .
6 5 . Luís H e n riq u e D ias T a v are s, A I n d ep en d ên cia d o B ra sil na Bahia.
6 6 . K atia M . de Q ueiró s M atto so , “S o cied ad e e c o n ju n tu ra n a B a h ia ...”.

67 . J .J . R eis, “A e lite b a ian a face aos m o vim en to s so c ia is ...”, p . 3 4 3 - 3 7 0 .


6 8 . A rquivo do Estado d a B a h ia , P resid ên cia d a P ro v ín cia, C o rresp o n d ên cia dos Presidentes
da provín cia com o M in isté rio do Im p ério , anos 1 8 2 7 -1 8 3 5 .
6 9 . Fala do presidente da P ro v ín cia (Á lvaro T ib é rio de M o n corvo L im a), 1856, p. 8 5 ­
7 0 . C f Livro V II, cap ítu lo 21.
7 1 . Afonso R u y de Souza, H istória d a C âm ara M u n icip a l d a cid a d e d e Salvador , p. 314.
72. Idem , ib idcm . V er Fala do p residen te d a P rovíncia (Barão H om em de M ello), 1878.

N otas do C a p It u i .o 25 ■
1. C f Livro IV, capítulos 16 c 17.
2 . Pinto de A guiar, Notas sobre o en igm a baiano.
3. Peter Eisem berg, M odernização sem m udança. A in d ú s t r ia a ç u c a r e ir a em P ern am b u co , 1840­
1910 , p. 51 (tabeU 9).
4 . Francisco M arques de Goes C alm o n , Vida e c o n ô m ic o -fin a n c e ira da Bahia. N a s c id o c
S a lv a d o r em ] 8 7 4 , o au to r p erten cia a - r
.I m ir a m ç A n lô n io C a lm o ,, d u P in e A lm e id a ^ d T ^ a r Í Fi' h° do
so b rin h o -n c to d o m arq u ê s dc A b ran tes, foi ed ucad o G “ s G ‘ 1" '° n ,
q u e , d c A ra ú jo G oes, c u jo so b ren o m e adorou Estudou T ™ m a Dm ° ' M ar'
vo lro u à B a h ia , o n d e foi professor no g in is io do Estado , lt° , em R' c ' fe (1 8 9 0 -1 8 9 4 ) e
o e sc ritó rio d e ad v o c a c ia d e seu tio . E n tre as funções m ib r ' ' 8 0 Pr° vi" a a !) e herdou
as d e c o n tro la d o r do B anco d a B a h ia e do Banco A gríco la Em m i T " " 11' dtStaCaram-K
E co n ô m ico d a B a h ia , do q u a l foi p resid en te E ra 1912 foi j ret;rganizou ° Ba" “
p ara p re s id ir o C o n s e lh o F iscal d a C a ix a E con ô m ica

pi:;: e rm t m os A d v o g a d ° 5 da Bah- ** **> ~ -s r t


5. R ô m u lo d e A lm e id a , T ra ços-d a h istó ria eco n ô m ica d a B ahia ...
6 . C f. L ivro II, c a p ítu lo 6 .

7. F ala do p re s id e n te d a P ro v ín c ia (H e rc u la n o F erreira P enna), 1860, p. 6 3


8 . M a n u e l Je s u ín o F e rre ira , A P ro v ín cia d a B ahia, p. 7 7 - 8 2 .
9. C f. L ivro II, c a p ítu lo 6 .

10. V .A . A rg o llo F errão , “A B a h ia ag ríco la: zonas c lim atéricas”, p. 9 1 -9 8 .


1 1 . F ran cisco V ic e n te V ia n a , M em ó ria so b re o Estado d a Bahia, p. 4 1 9 -5 6 0 .
1 2 . R ô m u lo d e A lm e id a , T raços d a h istó ria eco n ô m ica da Bahia..., p. 9 -1 0 . Observe-se, no
e n ta n to , q u e em 1851 e 1 8 5 2 foram exportad as 19-499 arrobas de cacau, e que em 1887
e 1 8 8 8 essa e x p o rtaç ão su b ira p ara 2 3 3 .8 9 6 arrobas. Entre essas datas, o cacau passou de
0 ,4 % p a ra 9 ,4 % d as ex p o rtaçõ es d a B ah ia. E duardo Paes M achado & Eliene Simone S.
O liv e ira , " C a c a u n a B a h ia ”, p. 10.
13. R ô m u lo d e A lm e id a , T raços d a h istó ria eco n ô m ica da B ahia..., p. 7 - 8 ; Eul-Soo Pang, O En­
g e n h o C en tra l d e B om J a r d im ..., p. 2 5 - 2 7 ; U b irata n C astro de A raújo, A Bahia no século
X IX ”, p. 6 7 - 6 9 .
14. E studos b á sicos p a r a o p r o je to a gro p ecu á rio d o R ecôn cavo , p. 470; Katia M . de Queirós
M atto so , B a hia : a c id a d e d o S a lva d or e seu m erca d o no século XIX, p. 47.
15. Idem , ib id e m . C f. ig u a lm e n te o L ivro II, cap ítu lo 6 .
16 . S eg u n d o M . P errau d , en gen h eiro agrô nom o que trabalhou na Á frica com s 0 *0j . seme^ " .
tes, h averia três etap as d e desgaste: a p a rtir do segundo ano de plantação o ren
em 5 0 % ; no 1 2 ” an o ocorre nova q u ed a e depois de 30 a 3 2 anos h c m P° &
to tal. K atia M . dc Q u eiró s M atto so , B ahia: a cid a d e do S alvador e seu m er
XIX, P. 3 9 . a(). T0sé
17. Jo h an n B. von Sp ix & KarI F riedrich P h illip von M artius, ^ tr a v h ^ Calmon,
W an d e rley dc A raújo P inh o, H istória d e um en gen h o do R econcavo, p. > 1853 ,
O M a r . J s deA branter, Pata do presidente da Província (|oao M aurício W ander y/
p. 7 5 ; M an u el je su ín o Ferreira, A p ro v ín cia da Bahia , p- &/•
18. S tuart B. Schw artz, “Frcc labor ín a slave eco nom y... . m
19. Katia M . dc Q ueirós M attoso, Bahia: a cid a d e do S alvador e seu m erc
D, 4 0 —4 1 . .r . * „ r, a 10 _31 1-
2 0. José W an d erley de A raú jo Ptnho, H istória d e um engenho econca , ^
.

2 1 . E ul-Soo P an g, O E ngenho C entral d e Bom Jardim ..-, p


~04 Bahia, S é cu lo X IX

2 2 . Idem , ib id e m , p. 51.
23 . R .J.D . F lo ry, B ahian S ociety..., p. 1 7 4 - 1 7 5 .
24 . Idem , ib id e m , p. 172.
25- Idem , ib id c m , p. 181.
26 . A ndré Jo ão A n ro n il, C u ltu ra e o p u lên cia d o B ra sil.., p. 1 8 2 -1 8 5 .
2 7 . R .J.D . F lo ry, B ahian S ociety..., p. 1 7 5 - 1 7 6 e 1 9 1 - 1 9 2 .
2 8 . Silza Fraga C o sta B orba, In d u stria liz a çã o e ex portação d o fu m o na Bahia, 1870-1930
p . 1 2 -1 6 . 5

2 9 . A rq u ivo do Esrado d a B a h ia , P re sid ê n c ia d a P ro v ín cia, A g ric u ltu ra , In d ú stria e Comércio


Fábricas: 1 8 3 9 -1 8 8 9 (D o cum en to s m an u scrito s, relatórios). A pud: Silza Fraga Costa Borba'
In d u stria liz a çã o e ex portação..., p. 3 8 . ’
30. S ilza F raga C o sta B o rba, In d u stria liz a çã o e ex portação..., p. 38.
3 1 . R ô m u lo de A lm e id a, T raços d a h istória eco n ô m ica d a B ahia..., p. 13.
3 2 . E uclides d a C u n h a , Os sertões, p. 7 —8,
3 3 . C f. Livro 1, c a p ítu lo 4.
3 4 . T h ale s de A zevedo , P o v o a m en to d a cid a d e d o S alvador, p. 2 7 8 - 2 8 0 .
3 5 . E studos b ásicos p a r a o p r o je to a gro p ecu á rio d o R ecôn cavo, p. 4 9 6 .
3 6 . L u iz dos S an to s V ilh e n a , A B a hia no sécu lo XVIII, v, 1 , p. 1 2 7 -1 6 0 . ■
3 7 . F rancisco V ic e n te V ia n a , M em ó ria so b r e o Estado d a B ahia, p. 4 1 9 - 4 6 0 .
3 8 . U b irata n C astro d e A raú jo , “A B a h ia no século X IX ”, p . 6 6 , tabela 5.1.

3 9 . R ô m u lo de A lm e id a, T raços d a h istória eco n ô m ica d a B ahia..., p. 11.


4 0 . Idem , ib id e m , p. 11; F ran cisco V icen te V ia n a , M em ória sob re o Estado d a Bahia, p. 419­
460. -
4 1 . R ôm ulo de A lm e id a, T raços d a h istória eco n ô m ica d a B ahia..., p. 10.
4 2 . Francisco V icen te V ia n a , M em ória so b re o Estado d a B ahia, p. 4 1 9 -5 6 0 .
4 3 . Idem , ib id em .

N otas do C a p ít u l o 26 - .

1. Essa descrição se baseia em Jo ão C ap istran o d e A breu, C am inhos ep o v o a m en to do Brasth


Felisberto Firm o de O liveira Freyre, H istória territoria l d o B rasil v. 1: Bahia, Sergipe e Espírtto
Santo,
2. Libcrato dc C astro C arreira, H istória fin a n ce ir a e orça m en tá ria do Im pério do
a sua fundação-, Jo aq u im W an d erley de A raújo Pinho, “A viação na Bahia , p. 13 *
L in din alva Sim õ es, As estradas d e fe r r o d o R ecôncavo.
3. E uL Soo Pang, O E ngenho C en tra l d e Bom Ja rd im ..., p. 3 9 —40.
4. C f. Livros IV e V.
5- Pierre V erger, Flux et reflux d e la tra ite des nègres .., p. 6 1 -2 1 8 (ed. brasileira. ^
refluxo do tráfego d e escravos...)', M arieta Alves, “O com ércio m arítim o e a
do século XVIII na Bahia"; C ath crínc Lugar, The M erchan t C om m um ty o f
p. 6 6 - 1 3 2 .
B reta n h a e o in ic io cia ' m d T A L ç Z Z T w i ^ l f " ' ' ' ' P' ^ C,raham’ Grã~
7 . T â n ia P en id o M o n te iro , P ortu gu etc, na B ahia..., p. m e 112. , I 7

S . Francisco V ic e n te V ia n a , M cm órn , tcb r e a Fatado da Bahia, p. , 67^ 7 0 .


9. T h o m as L in d le y , N arrativa d e u m a via gem ao BrasiL p. 1 7 1 .
10. A m ad e E.B. M o u ch ez, Les cotes d u Brésil, p. 52.
1 1 . P edro A g o stin h o , E m b arcações d o R ecôn ca vo: um estudo d e origem

? ara 3 abcrtU ra « - l » de navegação regular foi obtida em


b.rb por Jo a o D rogo S ru rtz , q u e a tran sm itiu a D iogo Asrhley et C ie. Em 1847, foi
UindacLi a C o m p a n h ia do B o n fim , en carregad a da navegação do interior da baía até o forte
de V alen ça. Em 1 8 5 2 , por in ic ia tiv a do nego ciante A ntônio Pedroso de Albuquerque, foi
tu n d a d a a C o m p a n h ia S a n ta C ru z , d estin ad a a fazer a navegação costeira de Maceió, ao
no rte, até C arav e las, no su l. Em 1 8 6 2 , as duas com panhias se fundiram sob o nome de
C o m p an h ia B aian a de N avegação a V apor. C f. Katia M . de Q ueirós Mattoso, Bahia: a cidade
d o S a lv a d or e seu m erca d o no sécu lo XIX, p, 73.
13. Id em , ib id e m , p. 7 3 - 7 4 .
14, Idem , ib id e m , p. 2 5 3 - 2 6 1 .
15- T h o m as L in d le y , N a rra tiva d e u m a via gem ao Brasil, p. 160.
16. C elso S p in o la , “P ortos do E stado d a B ah ia”, p. 1 6 5 -1 7 0 .
17. A n to n io A lves C â m a ra , A B ahia d e Todos os Santos com relação aos m elhoram entos d e seu
p o rto , p. 4 2 .
18. R ita d e C ássia S a n ta n a d e C arv alh o R osado, O p o rto d e Salvador, 1854-1891, p. 48.

19. Id em , ib id e m , p. 4 9 - 5 3 .
2 0 . C f. Livro IV , c ap ítu lo s 16 e 17.
21. R ita de C ássia S a n ta n a de C arvalh o R osado, O p orto d e Salvador, p. 116.

2 2 . Id em , ib id e m , p. 115. , ,
2 3 . C ik ü g o c o m ercial do Im pério do B rasil (1 8 5 0 ), T ítu lo III, “ P ^ A V A 2 4 9 - 2 5 0 .
F rancisco M arq u es d c C o es C alm o n , Vida econ â m iea -fim n er.ra da B a h y - 249 9
2 4 . R im d e C ássia S a n ta n a de C arvalh o R osado, O f o r t o d e S alvtdcr, p. 41 .
25- Idem , ib id em , p. 65.

N otas ,.o C a pitu lo 27 ^

1. José l.uís Sampaio Pamponet, Evolução d e um a L”


brasileira . A C o m p a n h ia E m p ó r io I n d u s t r ia o < 1 8 5 0 - 1 8 6 9 a inflação
2. Mircea Buescu. 300 amo, de inflação. Este autor dia q u e P ' r ° ", io c f. igualmente o
se agravou, ma, . problema fui sanado nos ultmtos anos do m p
~r , # . 1 . 1/1 G -rra-
Livro 111, ca p itu lo 10. «crav o s, enquanto fern-
3. M ais de 25% do total d a . importações eram do que « *
mentas e matérias-primas represemavann cm^ « 5 . " ^ ^ de pt^„çao_ ep
Almeida, Traça, da hbtória oromimM da B a lM -.P ^ «,«* ,S7^ . .fá
sentaram 11,7% do valor dos ben, .mporrados em I 4sA-i
B ah ia * S e c i i o X IX

8 . 2 * cm 1 8 7 5 - 1 8 - 6 e 8 . J * cm 1 8 ' 6 - 1 S " . P od c-K pcrccbcr q u c. ncSW « p c a o


houve progresso sig n ific ativ o no deco rrer do seculo. '
4. R ô m u lo de A lm eid a. 1 r . i ç , i s da h istórta citm ò m u a d a B ahia..,, p. 16
3. K a tu M . de Q u eiró s M jiio m ». 1 (a u m en to* f / r r ™ i w ,.„ p. 3 3 - 3 8 ,
6, Fala do p resid en te du P rovíncia ll r a n s ô t o G onçalves M a rtin s), 1850. p 5 5
R ô m u lo de A lm eid a. Traços da h istória e co n ô m ica d a B a h ia ..., p. 15,
8. A rn o ki W ild ív r g e r , S o tic ia h istó rica riu W H dhergcr e Ciu., 1829-1842. N e n h u m !i
c o n tá b il dessas casas de co m ércio e de seus eaix e iro s-v iajau te s foi encontrado, impossibi
litu n d o o esclarecim en to dessas p ráticas c o m erciais.
A O . Livro M l . cap itu lo 29.
1 0 . C ó d ig o C o m e rc ial do Im p ério do B rasil (1 8 5 0 ). In: F ran cisco M arq u es de Goes Calmon
Vida eco n o m ico -fin a n ce ir a d a B a hia , p. 2 5 3 .
1 1 . Luiz dos San to s V ilh e n a , A B a hia n o sécu lo AV///, v. 1, p. 5 6,
12. C ach erin e L u gar, 7 h e M er cb a n t C o m m u n ity o f S alvador, p. 134.
13. Luiz dos San to s V ilh e n a , A B a hia n o sécu lo AT777, v. 1 , p. 56.
14. C ach erin e L u gar, 7 h e M er ch a n t C o m m u n ity o f S alvador, p. 1 7 4 -1 7 5 .
15. Idem , ib id c m , p. 177.
16. Idem , ib id e m , p. 1 7 8 - 1 7 9 .
17. M ário A u gu sto d a S ilv a S an to s, O co m é r cio p o r tu g u ês na B ahia, 1 8 7 0 -1 9 7 0 ;
18. H iid crg ard cs V ia n a, A B a hia j á f o i assim , p. 7 4 - 8 3 .
19. C ath e rin e L u gar, T he M erch a n t C o m m u n ity o f S alvador, p. 1 3 7 -1 4 1 .
20. C f. L ivro V II, c a p ítu lo 31.
21. As p rim eiras so cied ad es d e seguro s d atam d e 1 8 0 8 , q u an d o foram fundadas, na Bahia, três
co m p an h ias: C o m ércio M a rítim o , Boa Fc c C o n c e ito P úb lico. Em 1840 foi fundada a
A ssociação C o m e rc ial d a B ah ia, re u n in d o b an q u eiro s, co m ercian tes nacionais e estrangei­
ros, co rreto res, leilo eiro s e o u tro s, com o o b jetivo de prom over o com ércio e a agricultura.
Essa associação foi u m g ru p o de pressão co n tra p rin cíp io s d em asiad am en te conservadores,
com o sc dep reen de dos estudos de E. W . R id d in g s J r ., T he B ahian C om m ercialA ssociation,
1840—1891: A P ressu re G roup in an U n d erd evelo p ed Area c de M ário Augusto da Silva
Santos, A A ssociação C o m ercia l d a B ahia na P rim eira R epú b lica : um gru p o d c pressão. Em
1 8 6 0 , duas co m p an h ias de seguros prestavam serviços aos com erciantes baianos: a Boiti
C o n c e ito (seguros m arítim o s) c a Interesse P úb lico, am bas fundadas depois de 1850.
F in alm en te, cm 186 8 , foi fu n d ad a a C o m p an h ia C o m ercial dc Seguros M arítim os e
I errestres, com 3 9 % dc seu ca p itai nas m ãos de com erciantes portugueses. Apud. ' t'°
A ugusto tia Silva Santos, O co m ércio p o rtu gu ês na B ahia , 1 8 7 0 - 1 9 7 0 , p. 8 6 -8 7 .
2 2 . Lcstcr G. T clscr, “C o n cu rren cc”, p. 143,
23. M ário A ugusto da Silva Santos, O c o m é r c io p o r t u g u ê s n a B a h ia , Ln
W ildb crger, N o t ic ia h is t é r ic a d a W H d h e rg e r e C i a ., 1 8 2 9 —1 8 4 2 ; W csiplialcu, ac
C e n t e n á r io 1 8 2 8 - 1 9 2 8 .
2 4 . C ódigo C om ercial do Im pério do Brasil (1 8 5 0 ), I ítulo VIII. art. 1 ^ ^ y/ia, # 0 ­
2 2 1 -2 2 5 c T ítu lo V , art. 1 2 1 -1 3 9 . In: Francisco M arques de Goes Calm on,
n ô m ic o f t n a n c e i r u d a B a h ia .
;5 . Cf. K « ia M. de Queirós M an co , Bahia-a cidad' d , < , j
P- - 5 3 - 2 6 0 . ' Ç'd" i ' d o , Jrt( „ rrca Jg m s .i u b ^

:ó . Luiz dos Santos Vilhena. A Bahia ao século XVIII, v. ,, p


2 C H iid e rg a rd c s V ia ria . A B a hia j á f o i assim , ’ ' ■

_ S. K atia M . d e Q u e iró s M a tto so “O s preços na B ahia de 1750 a 1 9 3 0 ” p 17n n


S im o n se n , H istoria e co n ô m ica d o B rasil, p. 4 4 2 - 4 6 3 ’ p' 170; Roberto
2T H a m ilto n d e M a tto s M o n te iro , N ord este in su rgen te (1 850-1890), p. 4 3 _ 7 2
3 0 . O liv ro d e P in to d e A g u ia r, B a n cos n o B ra sil C olonial, é um a excelente análí* ,1 i- ■
de o rg a n iz a çã o dos e stab elec im e n to s o ficiais de créd ito. política
31. Id em . ib id e m , p. 2 0 —2 7 .
32 . Id e m , ib id e m , p. 9 - 3 8 .

30. D o riv al T e ix e ir a V ie ir a , O p r o b le m a m o n etá rio brasileiro, p. 11—13


34 . O p rim e iro B an co do B rasil foi fh n d ad o com o banco p articu lar, com capital de 1. 20 0
co n to s d e réis e c o m o p riv ilé g io d e e m itir m o ed a po r um prazo de vinte anos, A subscrição
do c a p ita l, no e n ta n to , foi d ifíc il e so se co m p leto u em 1817 . Q uatro anos depois, o capital
h a v ia a tin g id o 2 .2 3 5 co n to s, m as a m aio r p arte dos recursos havia sido fornecida pelo
go v ern o , p rin c ip a l a c io n is ta . E m 1 8 2 9 o banco foi liq u id ad o , quando as atividades do
go vern o c o rre sp o n d ia m a 9 5 ,4 % d as em issões, d estin ad as a cobrir, sobretudo, as despesas
do E stado. C o m o os d ad o s d isp o n ív e is sao de âm b ito n acio n al, não é possível discrim inar
a situ a ç ã o d a B a h ia . M irc e a B u escu , E volu ção eco n ôm ica do Brasil, p. 1 1 0 - 1 1 1 .
3 5 . D o riv al T e ix e ir a V ie ir a , O p r o b le m a m o n etá rio brasileiro, p. 1 1 -1 3 .
3 6 . T h a le s d e A zev ed o & E ,Q . V ie ira L in s, H istória d o B anco d a Bahia, 1858—1958, p. 57 ­
3 7 . .F ran cisco M a rq u e s d e G oes C a lm o n , Vida eco n ô m ico -fin a n ceira d a Bahia, p. 6 3 ­
3 8 . T h a le s d e A zeved o & E .Q . V ie ira L in s, H istória d o B a n co da Bahia, p. 61—62.
3 9 . F ran cisco M a rq u e s d e G oes C a lm o n , Vida eco n o m ico -fin a n ceira da Bahia, p. 71—72.
4 0 . T h a le s d e A zeved o & E .Q . V ie ir a L in s, H istória d o B anco d a Bahia, p. 64.
4 1 . F ran cisco M a rq u e s d e G oes C a lm o n , Vida eco n ô m ico -fin a n ceira da Bahia, p. 72.
4 2 . C ó d ig o C o m e rc ia l do Im p ério do B rasil (1 8 5 0 ). T ítu lo X V I, cap. I e II. In: Francisco
M arq u es d e G oes C a lm o n , Vida eco n ô m ico -fin a n ceira da Bahia,
4 3 . Ib id em , T ítu lo X I e T ítu lo X II.
4 4 . Ib id em , T ítu lo XIII e T ítu lo X IV .
4 5 . M irc ea B uescu, E volu ção eco n ô m ica d o Brasil, p. 145—147.
■ j o i t i 1 3 5 fed. brasileira: A jorm açao
4 6 . C elso F urtad o , La fo r m a tio n êco n o m iq u e d u B résil p. 3
eco n ô m ica d o B ra sil).
47. D orival T e ix e ira V ie ira , O p ro b lem a m on etá rio brasileiro, p. 3 0 -3 1 .
4 8 . M irc ea B uescu, 3 0 0 anos d e in fla çã o, p.2 1 3 - 2 2 6 ; K atia M . dc Q ueirós a«o ,
ços n a B ahia de 1750 a 1930 *, p. 181 —182.
4 9 . D orival T e ix e ira V ie ira, O problema monetário brasileiro, p. 5
5 0 . Idem , ib id em , p. 57.
51. M irc ea B uescu. E volução e c o n ô m ic a d o B r a s i l p- 146.
52. D orival T eix eira V ieira, O p rob lem a m on etá rio brasileiro, p. 61 72.
708 B a h ia , S éc u lo X IX

53. A rq u ivo N a c io n a l, M in is té rio do Im pério {depois d o In te rio r), G raças Honoríficas- Re


q u e rim e n to s e P rop ostas; D o cu m en to s B io gráfico s, 1 8 0 8 - 1 8 9 1 , D ossiê A ntonio Pedroso
d e A lb u q u e rq u e .
5 4 . L u iz A ffonso d E scragn o le, “O V isco n d e d e C a m a m u e o d erram e de m oedas falsas de
cobre n a B a h ia ”, v. 4 , p. 1 4 3 - 1 6 9 .
55- D o rival T e ix e ira V ie ira , O p r o b lem a m o n etá rio b ra sileiro , p. 6 4 ,
56. K atia M . de Q u eiró s M a tto so , B a hia : cro n o lo gia , 1 7 5 9 -1 9 6 0 , p. 83v,
57. L u iz A ffonso d ’E scragn o !e, “O V isco n d e d e C a r a a m u ...”, p, 147.
5 8 . A rq u ivo M u n ic ip a l d e S alv ad o r, L ivro de P o stu ras M u n ic ip a is, po stu ra n° 103, fl. 62

59. K atia M . d e Q u eiró s M a tto so , “O s p reço s n a B a h ia d e 1 7 5 0 a 1 9 3 0 ", p. 1 8 1 -1 8 2 . É claro


q u e o estudo d a evo lu ção dos preços d o s p ro d u to s aíim e n tare s não d everia ser o único
p o n to de ap o io p ara u m a an álise d a c o n ju n tu r a e co n ô m ic a, M as foi a ú n ic a série que pude
m o n ta r, graças à d o c u m e n ta çã o e n c o n tra d a no H o sp ita l d a M ise ric ó rd ia. C f. Livro VII,
cap ítu lo 29.
6 0 . S érie b asead a em d ad o s q u e c o n stam dos “P ro p o sto s e relativ o s ap resentad o s à Assembléia
G era) L e g isla tiv a pelos M in is tro s e S e c re tário s d e E stado d o s N egó cio s d a Fazenda, Rio de
Ja n e iro , anos 1 8 5 2 a 1 8 8 8 " , do M in is té r io das F in a n ç as. C f. U b irata n C astro de Araújo,
“A B ah ia no século X IX ”, p. 4 8 , n o ta 61.
6 1 . Os au to res o b servam q u e , se os reg istro s d issessem resp eito a todo o in terio r da Província,
m ercad o rias co m o o alg o d ão e os co u ro s p o d e riam d ar u m a p ista p ara que se estimasse o
valo r to tal d a p ro d u ção dessas regiõ es. C h a m a m a aten ção tam b ém p ara o fato de que os
valo res relativ o s às im p o rtaçõ es são ig u a lm e n te in co m p leto s, p o is, n a m aior parte das
vezes, não m en cio n am os d ad o s c o n cern en tes ao co m ércio in terp ro v in cial de exportação
e de im p o rtaç ão , b em co m o o co m ércio feito po r navegação de cabo tagem nos diferentes
portos do lito ra l b a ian o . U b ira ta n C astro de A ra ú jo , “A B ah ia no século XIX", p. 49.
62. K atia M . de Q u eiró s M a tto so , “O s p reço s n a B a h ia d e 1 7 5 0 a 1 9 3 0 ”, p. 177.
6 3 . M a ria A n to n ie ta C am p o s T o u rin h o , O I m p er ia l In stitu to B aian o d e A gricultura.

N otas do C a p ít u l o 28 ■

1. C elso F urtado , L a fo rm atio n êco n o m iq u e d u B résil, p. 101—106 (ed. brasileira: Afo r m a ç ã o


eco n ô m ica d o B rasil).
2 . H en riq u e Jo rg e B u ck in g h am L yra, C olonos e colôn ias, p. 143—151.
3. K atia M . de Q ueiró s M atto so e A n g elin a N obre R o lim G arcez, “Introdução ao estudo dos
m ecanism os de form ação d a p ro p ried ad e no eixo Ilh éu s-Itab u n a (1 8 9 0 -1 9 3 0 ) .
4 . B ahia P rovín cia . Leis e D ecretos, Lei n° 601 de 1850, artig o 2 .
5. C f. Livro II, cap ítu lo 8 .
6 . E ul-Soo P ang, O E ngenho C en tra l d e B om J a r d im ..., p. 52.
7 . Fala do presidente d a P rovíncia (João Lins C ansaçao de S in im b u ), 1857, p- 8 8 .
8. Fala do presidente da P rovíncia (Barão de São Lourenço), 1870, p. 54.
9. Eul-Soo P ang, O E ngenho C entral d e Bom Ja rd im ..., p- 54—55. ^
10, A rquivo do Estado da B ahia, P residência da Província, Juízes (cap ital, m aço 1855
Escravos (m aço 2 8 8 6 ), .
N otas
' '--------— — ---------------- 709

12. C f. L ivro V II, c a p ítu lo 31.


13- C f L ivro V I, c a p ítu lo 24,
14. F ran cisco M a rq u e s d e G oes C a .m o n , Vida
1 3. C f L ivro V I, c a p ítu lo 2 4 . Bahta>P- 1 15-116.

16. K atia M . d e Q u e iró s M a tto so , B ahia- a cidaA , A» ç / j


p. 2 7 6 -2 8 2 . d ‘ * S i lv a i°'- ‘ ' « -a r ca d o m século XIX,
17. A lm anaque^ 1 8 6 0 , p. 3 4 6 - 3 4 7 ,

1 S. M a ria H e le n a F lex o r, O ficia is m ecâ n ico s d a cid a d e do Salvador. .


19. L u iz dos S an to s V ilh e n a , A B a h ia n o sécu lo XVIII v 1 n 74Q « i ,
4^1 464. José Francisco da Silva Lima, a B ahi* cU ' '' ' 3M- 343 '
2 0 . A rq u iv o Municipald e Salvador, Série Escritura de Escravos, Livro66.18 (1870), £1. 204.
21. Arquivo do Estado da Bahia, Presidência daProvíncia, Viação eObras Públicas,1847­
18 4 9 .
2 2 . Ib id em , R elató rio d a Ju n ta A d m in istra tiv a d e O bras P úblicas (1 84 9 ). ■
23- A rq u iv o M u n ic ip a l d e S a lv a d o r, E scritu ra d e Escravos, Livros 74.2 (1854), fl 123 e 78 5
(1 8 7 0 ), fl. 6 2 v - 6 3 . ’ ’ ’
2 4 . Ib id em L ivros 6 6 .1 5 , 6 6 .1 6 , 6 6 . 2 1 , 7 4 .4 , 8 2 .1 5 , 8 2 .1 7 e 8 2 .1 8 .
2 5 . C f L ivro V II, c a p ítu lo 3 1 .
2 6 . A rq u iv o M u n ic ip a l d e S alv ad o r, E scritu ra d e Escravos, Livro 75 .9 (1857), fl. 9.
2 7 . Ib id em , L iv ro 8 2 .1 8 (1 8 7 2 ), fl. 9. .
2 8 . Ib id cm , L iv ro 7 4 .4 , fl. 102.
29. P ara a R ev o lu ção dos A lfaiates, deve-se ler A fonso R u y de Souza, A prim eira revolução social
brasileira^ K atia M . de Q ueiró s M attoso, “C on jo n cm re et société au Brésil...”; Luís Henrique
D ias T av ares, H istó ria da sed ição in te n ta d a na B ahia em 1798 (A Conspiração dos Alfaia
tes). P ara a R ev o lta dos M ales, recom endo as obras de Pierre V erger (Flux et reflux de
tra ite d es n ègres...) e d e Jo ão Jo sé R eis (R eb elião escrava no B rasil ).
3 0 . Para o c o n ju n to de relações en tre livres e escravos, ver K atia M . de Queirós Mattos ,
escra vo n o Brasil, p. 2 1 9 - 2 3 7 .

N o tas i >o C a p ít u l o 2 9
1. P ierre V ilar, “R em arq u es sur 1’h isto ire des p rix”, p. 1 1 0 -1 1 1 .
. 2. N um estudo an terio r, sugeri quc os assalariados correspondessem a Bahia: a
5% c 15% do m ercado dc trabalho de Salvador. Katia M . de Q ueir s |ordagem.
cid a d e d o S a lvad or e seu m erca d o no sécu lo XIX, p. 290. T rata-se, agora M e nova oag
3. K atia M . dc Q ueirós M atto so , "A carta de alforria...", p. 152 e l5 7 _ l5 S ‘
4. C arlos B. O tt, F orm ação e evolu çã o étn ica da cid ad e do ^ ^ ^ o i ^ u i o sobre história
5. Segui, neste caso, as recom endações feitas por Jean M arcz T‘Histoíre quantitative
q u an titativ a do B rasil, realizado cm Paris em outubro de 1 9 7 1 . Ver A r*
du B résil d e 1800 â 1930, p. 201- 202.
T IO B a h ia , S éc u lo X IX

ó. C o lh i cm duas fontes os d ad o s referentes aos salário s dos o ficiais, suboficiais e soldado d


P o lícia: p ara o período 1 8 3 5 -1 8 5 0 , usei os o rçam en to s de despesas d a Província public ^
dos nas L e is e r e s o lu ç õ e s d e i A s s e m b lé ia P r o v i n c i a l d a B a h i a ; para o período 1 8 5 1 -1 8 8 9 •
os anexos estatístico s das F a l a s dos p resid en tes da P ro v ín cia. Estas ú ltim as também '
ram d e fonte para os salário s dos fu n cio n ário s civis,
7. Earl J. H a m ilto n , M on ey, p r ice s a n d w a ges in V alencia, A ragon a n d N avarre, 1351—i^ nn
W ar a n d P rices in Spain, 1651—1800. 6

8 . E rnest L abrousse, E squisse d u m o u v em en t d es p rix e t d es reven u s en F rance au XVIIP siècle


e La crise d e 1 ’é co n o m ie fr a n ç a is e a la f i n d e 1'AncÍen R égim e et a u d êb u t d e la Révolution.
9. VI to ri no M ag alh ães G o d in h o , P rix e t m o n n a ies au P ortu ga l: 1750—1850.
1 0 . O trab alh o de G ad iel P erru ci, “Les p rix à R ecife ( 1 7 9 0 - 1 8 5 0 ) ”, p. 2 1 9 - 2 2 9 , se refere a
um p erío do d istin to do q ue estam o s e stu d an d o .
11. H aro ld B. Jo h n so n J r ., “M o n e y a n d p rices in R io d e ja n e ir o (1 7 6 0 - 1 8 2 0 )”, p. 3 9 - 5 3 ,
12. M in h a c rític a sobre a u tiliz a ç ã o d a fó rm u la d e F ish er po d e ser lid a no volum e publicado
pelo C N R S sobre L ’H istoire q u a n tita tiv e d u B r ésil O trab alh o de R . R om ano, ao qual se
refere Jo h n so n J r ., se ch am a C u estion es d e h istoria eco n o m ica la tin oa m erica n a , Caracas, 1966.
13. E u lália M a ria L ah m e y er Lobo, “E v o lu tio n des p rix et d u co ú t de la vie à R io de Janeiro
( 1 8 2 0 - 1 9 3 0 ) ”. '
14. Idem , ib id e m , p. 2 0 3 - 2 0 4 .
15- H aro ld B. Jo h n so n J r ., “M o n e y an d prices in R io d e Ja n e iro (1 7 6 0 - 1 8 2 0 )”, p. 40.
16. C om esse títu lo , o IB M E C p u b lic o u , em 1 9 7 8 , um trab alh o em dois volum es, que preten­
de ser u m a h istó ria d e m o g rá fic a e e co n ô m ic a c o m p le ta do R io de Jan e iro entre 1820 e
1940. A au to ra, L ah m e y er L o b o , reap resen to u en tão an álises ap resentadas em 1971 — e
recebidas com reservas — no co ló q u io fra n c o -b ra sileiro sobre L ’H istotre q uantitative du
B résil. T ratav a-se , talvez, d e u m a p rim e ira ab o rd ag e m , m as ela foi m an tid a na publicação
de 197 8 . N o q u e d iz resp eito à c re d ib ilid a d e d e suas fon tes, p ro b lem a não levantado em
1971 , a au to ra, n u m estilo v ag o , d e c la ra que en tre as o p iniões de H am ilto n e de Labrousse
“ nao ad o tam o s po sição ríg id a , in c lin a n d o -n o s sim p lesm en te d ia n te dos dados existentes
(v. I, p. 7 ). E specifica ter u tiliz ad o os arq u iv o s d a M ise ric ó rd ia até 1846, os da Ordem
T erceira d e São F ran cisco d a P e n itê n c ia de 1 8 2 7 a 1 9 3 0 (para os casos da carne fresca,
tou cin h o , algodão e óleo de b a le ia), os do J o r n a l d o C om m ercio entre 1840 e 1870 e os a
R evista d o M erca d o en tre 1 8 7 0 e 1 890 . A “su p erp osição de fontes ’ (leia-se comparação) s
póde ser feíta, por co n segu in te, en tre 1 8 4 0 e 1 8 4 6 , m esm o assim para apenas duas t a5’
os arquivos da M isericó rd ia e os do J o r n a l do C om m ercio. N ao m e parece que o pro em
tenha sido so lu cio n ad o ,
17. M ircea B uescu, 3 0 0 a n o s d e in f la ç ã o , p. 124, 144 e 175- Para form ar suas p ró p riassé^ ^
dc preços referentes ao R io de Jan e iro ( 1 8 2 6 - 1 8 8 0 ) , este au to r utilizou os jornais *****
d o R io d e J a n e i r o c J o r n a l d o C o m m e r c io (1 8 2 6 - 1 8 50) e J o r n a l d o C o m m e rc io ( 1 8 5 0 - ^
e 1 8 7 0 - 1 8 8 0 ) — em su m a, as m esm as fontes u tilizad as por Lahm eyer Lobo pata a
da m etade do século XIX, Buescu considera ter escolhido preços de atacado {op. P
18- Gfi Livro VI, cap ítu lo 26. . ;
19- Gfi Livro V I, cap ítu lo 24. ^
2 0 . M ontam os nossa série u tilizan do a m édia de preços do açucar branco (não ue entre
com prado m ensalm ente pela Santa C asa de M isericórdia. N ote-se, no entant , q
- 0 e 1 8 7 0 encontramos doas qualidades de açúcar b ran r
c a l,« d o s por preços que rraziam diferença de arí 15% a •' " 7 “ ™’ “ VCT“
des de açúcar branco passaram a ser consignadas nos rr L870’ muitils qualida-
segunda), cris,aluado (de primeira, segunda e terceira) é n f ú T Wc Prira' iri '
os r.pos extremos, a diferença de preços geralmente a f i l i a 25% EMre

1810. « n s u m id o a p a „ ir de

A tarmha de trigo passou a ser consumida regularmente em 1751


nenhum registro sobre su a qualidade. Em ,9 0 0 começou a ap areier
mençao n acon al . Nao levamos seu preço em conta, pois a S a n e Casa conrm o„
comprar fannha que nao traz,a essa especificação. Transformei arrobas, ronéis e sacos em
q u ilo s.

D esde 1751 c o n su m ia -se re g u larm e n te óleo e azeite, não só na preparação de alimentos,


m as ta m b é m nas lâ m p a d a s q u e ilu m in a v a m a bela igreja da M isericórdia. Até 1 8 7 9 o
aze ite e ra c o m p ra d o em c an a stra s e d ep o is desse an o em litros (transform am os as canastras
em litro s ). N ã o levam o s em c o n ta as vendas realizadas por V asilhas’, pois não temos a
c o rre sp o n d ê n c ia d essa m e d id a . A q u a lid a d e do óleo n u n ca aparece, mas entre 1919 e 1930
a o rig e m p asso u a ser m e n c io n a d a : E spanha e P ortugal.
O c o n su m o d e b a c a lh a u , p rato p referid o dos portugueses, era m uito irregular aré 1790, o
q u e se e x p lic a p elo co n su m o d e g aro u p a, fo rn ecid a até essa d ata pelos entrepostos de Porto
S eg u ro e d e S a n ta C ru z (lito ra l sul d a C a p ira n ia ). C om o aparecem apenas os preços de
c o m p ra desse p e ix e sa lg ad o , sem m en ção de q u a lid ad e , não podem os saber por que ele foi
su b stitu íd o p o r b a ca lh a u im p o rtad o de P o rtugal, com prado em arrobas até 1818 e em
b arricas (c ad a u m co m 4 ,5 arrob as) d ep o is dessa d ata. A p artir de 1871 o quito substituiu
as arro b as, m as a v e n d a em b arricas c o n tin u o u até 1927- Transform ei tudo em quilos,
b asc an d o -m e em in fo rm açõ es de F rederico Edelw eiss e Luiz H enrique Dias Tavares. O
p rim e iro fo i, e n tre 1 9 1 5 e 1 9 4 0 , um im p o rtan te com erciante de Salvador. O segundo é
frlho dc u m c o m ercian te ata c a d ista de N azaré das F arinhas, no Recôncavo.
U tiliz a d o na co n serv ação de alim en to s, o vinagre era consum ido em larga escala, p
tado de P o rtu gal até os p rim eiro s an os do século XIX (apesar da concorrência do produro
fab ricad o no R io de Ja n e iro ), era ven d id o em canadas até m aio e 1 , em ,
4 8 0 litro s) dc 1 8 7 5 a 1881 e d e 1915 a 1 9 2 1 , e em Ütros nos outros anos- ao ^ ^
sobre a q u a lid ad e do p ro d u to , m as apenas referência a vinagre tinto , j c portu-
b o a ', n J s sem pre d cp iii s dc 18 7 5 . Desse rum em d i a n t e , fbram ^ s é ,* .
gal c do Rio dc Jan e iro , m as com os m esm os preços. C o n stru i, po . ■t ^
A série re lativ a à m a n te ig a c o m e ç a cm 18 00 , pois até então o ^o n ‘ ^ cm q Uj|os desde
M is e r ic ó r d ia era esp o rá d ico . Era co m ercializ ad o em itios ate ^ ^ manteiga ali
e n tã o . S ó dep o is d e 1 8 5 0 c n c o n tra m -s c i n f o r m a ç õ e s soõrc J ^ e n m m ã n tc ' ^ s
c o n s u m id a : era in glesa (m ais cara) ou francesa. A partir^ e ^ duto importado,
p ro d u z id a s no B rasil, m as só cm 1 9 1 2 elas su stitu ram fab c |ecenios a média mensal,
D ia n te da d if ic u ld a d e dc const ru ir séries longas nesse caso docüm entaçío disponível,
le v an d o e m co n ta todos os tipos d c m an teiga q u e cons . i Misericórdia antes
O chi (chinês) cra consumido dc forma multo |a em libras; dep.OIS,
dc 1843 c entre 1920 c 1930. A.ê 1873, o peso desse produto p
B a h ia , S écu lo X IX

em q uilo s. T in h a, sem d ú v id a , origem estran geira. M as talvez viesse tam bém do Sul do
B rasil, onde ele era cu ltivad o n a segunda m etad e do século XIX.
D esde a época co lo n ial a farin h a de m an d io ca tin h a diversas q u alid ad es, o que evidente­
m ente d eterm in av a diferentes preços. T u d o in d ic a, no en tan to , que a San ta C asa consu­
m ia apenas dois tipos de farin h a, a fina e a grossa (tam b ém ch am ad a ‘de guerra’, por ser
m ais resistente ao tem p o). R icos e pobres g eralm en te co n su m iam os dois tipos, acom pa­
nhando outros pratos ou na form a de pirão . C o m o a do cu m en tação m uitas vezes não
registra a q u alid ad e da farinh a co m p rad a, calcu lam o s u m a m éd ia que leva em conta todas
as com pras feitas p ela San ta C asa. C o m ercializ ad a em alq u eires (até 1 8 7 4 ), em litros e em
sacos (cada um com 80 litro s), foi o ú n ico p ro d u to cujo peso conservam os em litros, por
falta de in form ação precisa sobre a conversão em q u ilo s. Em alg u n s m ercados de Salvador
essa m ed id a co n tin u a a ser u sad a, co rresp o n d en d o ao co n su m o de um adulto em cada
período de dois dias. .
A té 1 7 9 6 , a carn e fresca tin h a seu preço fixado p elas au to rid ad es, m as isso não im pediu
grandes oscilações. N ão h av ia critério p ara d e fin ir a q u a lid ad e , pois se considerava carne
boa aq u ela que não tin h a osso. Ign o ram o s com o ela era v e n d id a ao p ú b lico , mas a Santa
C asa com prava peças in teiras, co tad as em arrob as até 1875 e, d epois, em quilos.
Existem diversas q u alid ad es dc feijão , m as o m u la tin h o era (c é) o m ais consum ido, A
docum entação da San ta C asa raram en te fo rn ecia a q u a lid a d e do feijão com prado (essa
inform ação não ap areceu n e n h u m a vez an tes d e 1 8 7 3 ). D ecid i, por isso, tirar um a média
dos preços dessa m ercad o ria. A té 1 8 7 9 , o peso do feijão era expresso em alqueire; depois
passou para litro (cerca de 8 0 0 g ram as) e q u ilo . C o n v e rti tu d o para q uilo .
N en h u m a referência existe sobre a q u a lid a d e do arroz an tes de 1 86 2 . D esde então, e até
1868, há o ‘arroz do M a ra n h ã o ’, co m p rad o p ela San ra C asa, em m éd ia, 35% m ais barato
que os dem ais. E ntre 1870 e 1 8 9 0 , en co n tram -se d u as o u tras q u alid ad es, o arroz pilado e
0 arroz com casca. C o m o o preço d o p rim eiro estava m ais pró xim o dos dem ais preços, não
levam os em co n ta, em nossa m éd ia, o arro z com casca. O s pesos eram expressos em
alqueire até ju n h o de 1 8 7 4 e, desde en tão , em sacos (6 0 q uilo s) ou em quilos.
A carne-seca (ou carn e do Sertão) era m u ito pouco co n su m id a no h o sp ital da M isericórdia
antes de 1801 . E n tretan to , a p a rtir d e 1802 o consum o dessa m ercadoria se tornou
regular, sem que encontrássem os a razão. O peso era expresso em arrobas aré 1874 e em
quilos depois. So m ente em 1 9 1 9 , 1920 e 1921 ap arece um a carne-seca ‘de p rim eira,
mesmo assim de form a m uito esporádica. De gran d e consum o p o p u lar, cia era oriunda da
região do rio da Prata c do R io G rande do S u l.
O toucinho, quc su b stitu ía m uitas vezes a m an teiga na confecção de num erosos pratos, era
regularm ente consum ido na S an ta C asa desde 1750 . A té 1862 não apareceu nenhuma
referência sobre as diferentes q ualid ad es do produto, m as depois surgiu o toucinho da
terra , 1 0 % m ais barato que os dem ais. N ão o levam os em consideração em nossos cálcu
los. O s pesos eram expressos cm arrobas até 1874 c depois em quilos.
O hospital da Santa C asa cra grande consum idor dc galinhas, alim ento de todos os
1 doentes, inclusive os escravos. Era o produto que apresentava a m aior variedade de preços
; num mesmo mês. N a época (1 7 5 0 -1 9 3 0 ), as galinhas eram vendidas por unidade, como
acontecia com as frutas e legum es.
O preço do sal era fixado pelas autoridades. M esm o assim , não escapava a o s c i l a ç õ e s ,
em bora menores do que as quc atingiam os dem ais produtos. Até 1874, o sal era comer
c ializad o po r alq u e ire , depois por litro (19101 í* f l
tudo para quilo, nu base de um quilo por litrò C om id'C, |>0r ^ ^ 8° litr° S- Conv" [i
ú n ic a q u a lid a d e co n stan te en tre 1750 e 1 9 3 0 . ’ ° pfeÇ0 do sal e ro« o ,
ú le o d e b a le ia e ó leo d e rírim i - ..
n o tu rn a . O p rim e iro lig u ta r e g u i u r m e n T ^ r il t n s d e c o “ 8 ” ” P™ * ilu m in iÇí°
lo i su b stitu íd o H o seg u n d o , emjo c o .t s u m o le a m r t i Z C e d " ? V * “* •
C a*a ad o to u e n tão a ilu m in aç ão a gás em b ora cnnrin C^OIS 1 8 ^0. A Santa
n u ,to s uso s. a ,d 1 9 2 8 . N o s L c L ' L r íd " ° '

21. H.ldcgardes Viana, A co z in h a baiam . Seu fo lclo r e, ,ua> r e ce ita , p. 1 ,- 2 3 .


2 2 . P ierre V e rg e r, N otícia s d a B a h ia - 1850 , p. 1 6 0 -1 6 4 . *

3 3 . C l. K atia M a tto s o , B a h ia , S a lv a d or e seu m erca d o n o sécu lo XIX, p. 3 2 1 -3 3 8


2 4 . C f. L ivro V I, c a p ítu lo 2 7 .
2 5 . C f. L iv ro II, c a p ítu lo 7.

2 6 . M irc e a B u e sc u , E volu çã o e co n ô m ica d o Brasil, p. 1 6 9 -1 7 1 .


2 7 . C f L ivro V I, c a p ítu lo 2 7 .

2 8 . F ran cisco M a rq u e s d e G oes C alm o n , Vida eco n ôm ico-fin a n ceira da Bahia , p. 6 0 -7 3 ; Rômulo
de A lm e id a , T raços d a h istó ria eco n ô m ica d a B ahia,.., p. 17.
2 9 . C f L ivro V I, c a p ítu lo 2 7 .
3 0 . G asto n Im b e rt, D es m o u v em en ts d e lo n gu e d u r éc K on d ra tieff, p. 5 4 -6 1 .
3 1 . Jo sé F ran cisco d a S ilv a L im a , A B a hia d e h á 66 anos, p. 103.

N o tas do C a pítu lo 3 0

1. C a io P rad o J r ., H istória e co n ô m ica d o Brasil, p. 3 4 - 3 7 ; F orm ação do B rasil contem porâneo,


p. 8 4 - 1 0 2 ; R o b erto S im o n se n , H istória eco n ô m ica do Brasil, p. 132, 3 1 4 -3 1 5 , 320; Stuart
B. S c h w artz , S egred os in tern o s..., p . 4 0 - 4 7 .
2. C aio P rad o J r ,, F orm a çã o d o B ra sil co n tem p o râ n eo , p. 2 7 9 -2 8 3 .
3. F ern an d o d e A zevedo, C a n a via is e en gen h os..,, p. 8 6 - 8 7 ­
4. R o lan d M o u sn ie r, Les h iéra rch ies socia les d e 1450 à n osjou rs, p. 1 1-14.
5. R ay m u n d o F aoro está en tre os au to res q u e só d istin g u em duas classes na população livre,
a dos p ro d u to res ag ríco las e a dos co m ercian tes: “Entre os dots setores as c^assesposi
v a m e m e p riv ile g ia d a , — a classe lu crativ a e a classe proprietária - d u m a um, ^ g •
m ais ou m enos d e p e n d en te, segu nd o o m om ento econom jco, na n m bora admita
um tipo ú n ico c im óvel de so cied ad e.” (O s d on os do pod er, v. 1 , p. • comer.c janres e
a ex istcn cia dc ou tras catego rias sociais (lavradores no cam po, p e q u e n ^ Jinâm ica
artesãos na c id ad e ), Faoro su sten ta que essas cam adas eram utuant , P autores como
co lo n ial (p. 2 2 0 ). Em com pensação, é p r e c i s o f r i s a r que, mais rccentcn ^ mobi|idade
F e r n a n d o U rico ch e a d esc artam esses estereótipos, fazendo s o b r e » g * t n M in o ta u ro
presente
Im perial,
a pesquisa
S u san So eiro, P atriciaA u f o i- m e n ie iu e
R usscl W o o d c F .W .O . M o rto n ), cujos estudos, Ircqt
m en te.
Bahia, S éculo XIX

6 . K atia M . de Q ueirós M attoso, S er escravo no Brasil, p. 2 2 2 —2 2 3 .


7. T hales de Azevedo, “Classes sociais e grupos de p restíg io ”, p. 1 0 5 -1 2 0 .
8 . C itado por V itorino M agalhães G odinho, A estru tu ra d a an tiga socied a d e p ortu gu esa , p. 185.
9. A .H . de O liveira M arques, A so cied a d e m ed iev a l p ortu gu esa , p. 3 - 4 . .
10. V ito rin o M agalh ães G o din h o , A estru tu ra d a a n tiga so cied a d e p ortu gu esa , p. 84*
11. Idem , ib id em , p . 8 2 - 8 3 .
12. Jacq u es H eers, Escla ves e t d om estiq u es au m o yen -a ge dan s le m o n d e m éd itera n n éen , p. 92.
13. Para o papel desem penhado por ‘cristãos-novos’, deve-se ler os trabalhos de A n ita Novinsky,
citados na b ib lio grafia, e S tu a rt B. Sch w artz, S egredos in tern os..., p. 2 0 9 - 2 4 6 .
14. A ndrée M an su y D iniz Silva, “U ne voie de conaissance pour 1’histoire de la Société portugaise
au V IIF siècle: les m icro b io grap h ies (S o u rces-M éth o d e-E tu d e de cas)”.
15. R .J.D . Flory, B ahian S ociety..., p. 1 0 2 ; S tu art B. Sch w artz, S u ga r P lantation s..., p. 271 (ed.
bras.: S egredos in tern os..., p. 2 2 8 ).
1 6 . V er a esse respeito o belíssim o livro de E valdo C ab ral d e M elo , O n o m e e o sangue. Uma
fr a u d e g en ea ló g ica no P ern a m b u co colon ial,
17. S tu art B. Sch w artz, S egredos in tern os..., p, 2 3 0 .
18. Idem , ib id em , p. 5 7 - 7 3 .
19- R edfield, R . L in to n & M .J . H erskovits, “O u tlin e for the stu d y o f ac c u ltu ratio n ”.
2 0 . Roger B astide, “La cau salité extern e et la cau salité in tern e dans P exp lication sociologique”.

2 1 . S tu art B. Schw artz, S egredos in tern os..., p. 2 5 3 - 2 5 7 .


2 2 . R .J.D . F lory, B ahian S ociety..., p. 4 0 —4 l . Schw artz acred ita que esta historiadora norte-
am erican a sc en gan o u ao a trib u ir q u in ze fazendeiros para cad a engenho. Propõe baixar
este núm ero para o ito . S tu art B. Sch w artz, S egredos in tern os..., n o ta 4 1 , cap. 11, p. 4 3 5 ­
23. S tu art B, Schw artz, S egredos in tern os..., p. 2 6 9 - 2 7 4 .
2 4. Idem , ib id em , p. 2 6 1 - 2 6 4 .
25- Idem , ib idem , p. 1 2 2 -1 4 3 .
2 6 . P aul D escam ps, H istoire socia le d u P ortu gal, p. 2 3 3 —2 4 0 .
27. Idem , ib idem , p. 2 2 7 .
28. Essa descrição está baseada em R .J.D , F lory, B ahian Society..., p. 158—21 6, capítulo con­
sagrado aos agricultores de tabaco e de produtos de subsistência, e em Jean-B aptiste N ardi,
O fu m o no B rasil C olônia.
2 9 . Luiz dos Santos V ilh en a, A Bahia no século XVIII, v. 1, p. I—III.
30. Idem, ibidcm , p. 5 5 -5 6 .
31. Katia M . de Q ueirós M attoso, “Para um a m etodologia cm história social... ! Katia M . de
Queirós M attoso, Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX, p. 16 1—167, István
Jancso, Contradições, tensões, conflito..., p. 4 3 - 4 9 , u tilizo u a m inha classificação.
32. Luiz dos Santos V ilhena, A Bahia no século XVUl, v. 2, p. 3 3 3 -3 5 4 .
33. Idem , ib id em , v. 1 , p. 2 4 8 - 2 6 1 .
1 ' dc
34. Do ponto de vista salarial, apenas o arcebispo deveria ser colocado aqui, mas critérios e
prestígio social e de poder possibilitam in clu ir tam bém membros do alto clero secu ar,
com o, por exem plo, os cônegos.
TV'» 1h -Qn An m m ^^ _1 . * •

3 6 . L u iz dos S a n to s V ilh e n a , yl B a h ia n o sécu lo XVIII, v. 2, p. 333-354

3 7 . K atia M . d e Q u e iró s M a tto s o , “A c a rta d e alfo rria ...", p. 1 4 9 -1 6 3 e Etre esclave au B résil
p. 2 0 8 - 2 2 7 (ed . b ra sile ira : S e r escra v o n o B rasil). C f. tam bém Livro V II, capítulo 31.
3 8 . J .J . R eis, S la v e R eb ellio n in B razil..., p. 2 1 e 25 (cd. b rasileira: R ebelião escrava no Brasil...).
3 9 . M a ria H e le n a F lex o r, O ficia is m ecâ n ico s d a cid a d e d o Salvador, p. 31.
4 0 . L u iz d o s S a n to s V ilh e n a , A B a hia n o sécu lo XVIII, v. 1 , p. 3 3 4 - 3 4 4 ,

N otas d o C a pítu lo 3 1

1 . A n tô n io D . d a S ilv a , C oleçã o d e legisla çã o p ortu gu esa , 1750—1762 (alvará de 9 de novem­


bro d e 1 7 5 4 , p, 3 4 2 - 3 4 3 ) .
2 . A n tô n io D . d a S ilv a , C oleçã o d e legisla çã o p ortu gu esa , 1 8 0 2 -1 8 1 0 (alvará de 17 de junho de
1 8 0 9 , p. 7 5 4 —7 5 8 ) ; L eis e resolu ções d a A ssem bléia P ro v in cia l da Bahia, 1835—1841 (Lei
n ° 8 6 , d e 4 d e ago sto d e 1 8 3 8 , p. 2 8 9 ); P ro v ín cia d a B ahia - R egulam entos (regulam en­
to sobre selo d e h eran ças e legad o s d e 2 0 de agosto de 1861, v. 1, p. 1 3 0 -1 4 3 ); ibidem
(re g u la m e n to d e 6 d e ago sto d e 1 8 7 7 p a ra a arrecadação de taxas de heranças e legados,
p. 3 -1 9 ).
3. A rq u iv o do E stado d a B ah ia, S e c re taria da Fazenda, C o n tad o ria da C aixa Provincial
R egistro de T e sta m e n to s, v. 1 ( 1 8 3 7 - 1 8 4 0 ), v. IA (1 8 4 1 -1 8 4 2 ), v. 2 (1 8 4 2 -1 8 4 3 ), v. 3
( 1 8 4 3 - 1 8 4 4 ), v. 4 ( 1 8 4 4 - 1 8 4 5 ), v. 5 (1 8 4 5 - 1 8 4 6 ), v. 6 (1 8 4 7 -1 8 4 8 ), v. 7 (1 8 4 8 -1 8 4 9 ),
V. 12 (1 8 5 6 ), v. 13 ( 1 8 6 4 - 1 8 6 5 ), v. 13A (1 8 6 2 -1 8 6 6 ), v. 14 (1 8 6 5 -1 8 6 8 ), v. 15 (1877),
v. 16 ( 1 8 7 7 - 1 8 8 0 ) , v. 17 (1 8 8 0 - 1 8 8 3 ), v. 18 (1 8 8 4 -1 8 8 7 ), v. 20 (188 7 1 8 9 0 ).

4. C f. Livro III, cap ítu lo 10.


_____ . _ _ . /- 1 _ t _________ s-',A~.Ao A * S a l v a d o r .
716 B a h ia , S écu lo X IX

com 1 2 6 :3 5 8 (1 8 5 5 : 1/892); C aro lin a L uísa jM onteiro C artead o , com 7 3 ’753 (IR/"^
4 / 715 0); C ath arin a T uvo, com 9 9 :7 7 8 (1 8 7 4 : 4/ 101 9); Elisa Pinto da Silva Gomes com
1 3 7 :4 6 8 (1 8 8 2 : 6 / 472 2); Josefa M a ria L eite, com 3 0 3 :8 9 7 (1 8 8 5 : 11/7221) *
9. K atia M . de Q ueirós M atto so , B ahia; a cid a d e da S a lva d or e seu m ercado no século XIX
p. 2 8 6 . ' ’
1 0 . A rquivo do Estado da B ah ia, Seção Ju d ic iá ria , Série Inventário s (m aços), Luiz Ferrar
(1 8 8 1 : 1/1096) e H crm elin a da C osta F erraro (1 8 8 4 : 7/ 214 5),
1 1 . Ibidem , ju s to A rian i (1 8 8 3 : 3/ 47 3 5) e M a ria Lopes A rian i (1 8 8 4 : 7/2145).
12. Ibidem , C o elh o M essed er (1 8 6 9 : 4 / 4 6 1 5 ).
13. C ódigo C o m ercial do Im p ério do B rasil (1 8 5 0 ), cap. V I, art. 99 a 118, p. 2 5 1 -2 5 3
14. Arquivo do Estado da B ahia, Seção Ju d ic iá ria , Série Inventários (m aços), Bernardo Rodrigues
F erreira (1 8 3 1 : 3 / 7 7 1 ), Jo ã o L ad isla u Ja p ia ssu F igu eired o e M ello ( 1 8 8 5 : 1/4745) e l u i z
M artin s A lves (1 8 8 6 : 1/1092). '
15. Ibidem , Jo sé E gídio N ab u co (1 8 7 6 : 5 / 1 0 3 3 ).
16. Ibidem , M a n o e l G om es d e F ig u e ired o (1 8 2 8 : 1/761).
17. Ib id em , F ran cisco Jo sé d a S ilv a (1 8 1 5 : 6/ 694 ),
18. Ibidem , M a n o e l C arlo s G om es (1 8 0 3 : 8 / 664 ).
19. Ib id em , F ran cisco Sim õ es O novo (1 8 4 0 : 7 / 812 ).
2 0 . Ib id em , A n tô n io G il G arcia P acheco (1 8 4 5 : 11/831).

2 1 . C o n d essa d e B arrai (L u iza M a ria P o rtu g al de B arro s), C artas a Suas M ajestades, 1859­
1890 , p. 353.
22. A .A .A . B ulcão S o b rin h o , T itulares b a ia n o s—B arão de C a ja íb a (A lexandre Gomes de Argolo
F errão, 1 8 0 0 —1870 ) e V isco n d e de Itap arica (A lexan d re G om es de A rgolo Ferrão, 1821—
1870).
2 3 . A rquivo do E stado da B ah ia, Seção Ju d ic iá ria , S érie Inventário s (m aços), A ntônio M artins
de O liv eira N eves (1 8 8 3 : 2 / 7 2 1 6 ). •
24. Ibidem , Jo ão N un es (1 8 0 8 : 5/673).
2 5. Ibidem , João D o rm en te A n tu n es (1 8 0 5 : 4/668).
2 6. Ibidem , Francisco D ias d a S ilv a (1 8 3 0 : 6/767).
2 7 . Ibidcm , M anoel da P aixão F avilla (1 8 4 1 : 6/ 818).
2 8 . Ibidcm , M ig u d Affonso R o drigues (1 8 4 5 , 10/919}.
29. Ibidem , M anoel T im ó teo P ereira (1 8 5 7 : 2/896). ‘
30. Ibidem , Inoccncio M anoel da P urificação (1 8 8 2 : 3/ 3820). .
31. Ibidem , José Pereira dc A lm eida (1 8 1 1 : 1/684) e José Fernandes G rillo (1817: 8/699).
32. O s dados e com entários quc sc seguem são extraídos de K atia M . de Q ueirós M att
H erbert S. K lein e Stan ley L. E ngcrm an, “T ren ds and patterns in the prices o f m anum
slaves: B ahia, 1 8 1 9 -1 8 8 8 ”,
33- H erbert S. K lein, "T he in ternai slave trade in XIX 1*1 cen tury Brazil. a study
im portatíons into Rio dc Jan círo in 18 52”.
3 4. A rquivo do Estado da B ahia, Seção Ju d ic iária, Série Inventários (maços), 7/4722),
cisco de M acedo M agarão (1 8 7 2 : 6/3679) e Eufrosina do C outo e Si va
N otas

3 5 . Ibidcm , E m iliano M oreira dc C arvalho c Silva (1 8 7 4 : 1/1020).


3 6 . Ibidem , M iguel Ferreira Dias dos Santos ( 1 8 8 1 : 10/4720).
3 7 . Ibidem , M iguel A gostinho da C ru z ( 1 8 8 1 : 2/ 1066).
3 8 . Ibidem , M an oel A n tô n io V az da C ru z ( 1 8 8 1 ; 1/ 2144).
3 9 . Ibidem , Jo aq u in a A na ( 1 8 8 1 : 10/ 4833).
4 0 . Ibidem , M aria da C onceição (1 8 5 4 ; 4/887).
4 1 . Ibidem , C y p ria n o das Chagas ( 1 8 5 6 : 2/899).
4 2 . Ibidem . João Francisco de A lm eida (1 8 8 5 : 4/892).
4 3 . Ibidem , B ento José de A lm eid a ( 1 8 5 6 : 6/898).
B i b l io g r a f ia

D o c L M ENTOS M a N U S CRI TOS

1. A rquivo do Estado da Bahia


Seção histórica:
Fundo Presidência da Província
• C orrespondência do G overn o Provincial (1 8 2 3 —1826), v. 675 e 6 76
agricultura, indústria e comércio
• G êneros alim entícios ( 1 8 2 3 - 1 8 8 9 ) , maço 4 .6 3 1
• M atadouro público ( 1 8 3 7 - 1 8 8 9 ) , maços 4 .6 2 8 e 4 .6 2 9
• Secas ( 1 8 2 3 - 1 8 8 9 ) , maços 1 .6 0 7 e 1.6 0 8
• C eleiro público ( 1 8 0 6 - 1 8 8 7 ) , maços 1.6 0 9 , 1 .6 1 0 e 1.6 11
• M ercado ( 1 8 5 3 - 1 8 8 9 ) , s/n .
• Feíras públicas ( 1 8 3 5 - 1 8 8 8 ) , s/n
• E pidem ias ( 1 8 5 5 - 1 8 8 9 ) , s/n
Recenseamentos
• Correspondência, d iretor do censo, comissão censitária, agente recenseador, maços 1.598
a 1 .6 0 6 ( 1 8 5 1 - 1 8 7 6 ) .
• C enso ( 1 8 5 5 ) , m aços 2 .8 0 8 e 2 .8 1 5
• Religião-vigários (1 8 2 4 ), maço 5*213
• Escravos ( 1 8 2 3 - 1 8 8 6 ) , maços 2 .8 8 3 a 2.895
Polícia .
• Qualificação de votantes ( 1 8 4 8 -1 8 7 4 ) , maços 2.807, 2.808, 2.810, 2.814, 2.815, 2.821,
2 .8 2 2 , 2 .8 3 0
Viação e obras públicas
• Obras públicas ( 1 8 4 7 -1 8 8 9 ) , documentos avulsos
• Registros eclesiásticos <ic terras, 55 v. (Sant.ago do Iguapc, v. 4 .7 1 2
• Secretaria da Farcnda, contadoria da Ca.xa Provm cal, Regrsrro d e testamentos (1 8 3 7 ­
1 8 9 1 ), 2 1 v.
S eçã o ju d i c i á r i a : fns ( 1 8 0 5 - 1 8 9 0 ), 64 v.
• Livros de registro e testa j -alforria, perfilhação, contratos de casamento (1664—
• Livros de notas e escrituras: cartas ae aj r
1 9 1 4 ) , 1 . 1 0 0 v, n f t 0 8 -1 8 8 9 ). 1 115 inventários
• In v e n tá rio s p o s t m o r ten ( 1 8 0 »

719
Bahia, S eculo XIX

2 . A rq u ivo M u n ic ip a l da C id a d e do Salvad o r

Livro de po stu ras m u n ic ip a is ( 1 8 2 9 - 1 8 5 9 ), livro n° 119.5


E scritura de escravos (1 8 3 7 -1 8 8 7 )
C e le ir o p ú b lic o ( 1 7 9 3 - 1 7 9 5 , 1 8 0 5 - 1 8 0 6 e 1 8 1 3 )

3. A rq u ivo d a S a n ta C asa de M ise ric ó rd ia


M aço s de despesa
* T eso u reiro da C asa (1 7 4 9 —1 8 2 6 ), 58 m aços
* T eso u reiro do C o fre ( 1 7 4 9 - 1 8 2 6 ), 17 m aços
* T eso u reiro da S a n ta C asa ( 1 8 2 7 - 1 9 3 1 ) , 10 4 m aços

4. A rq u ivo do C o lég io d e Ó rfãos d e São Jo a q u im .


M aço s de despesa ( 1 8 4 0 - 1 8 8 9 ), 5 0 m aços

5. A rq u ivo N ac io n al do R io d e Ja n e iro
C o rresp o n d ên cia do p resid e n te d a P ro v ín cia co m o m in istro d o Im p ério (depois do Inte­
rior) ( 1 8 2 4 - 1 8 8 9 ), I J J 9 - 3 I 7 a I J J 9 - 3 5 5
M in istério do Im p ério (d ep o is do In te rio r): graças h o n o ríficas, requerim en to s e propostas,
d o cu m en to s b io gráfico s (1 8 0 8 - 1 8 9 1 )
G u ard a N ac io n al ( 1 8 6 9 - 1 9 1 0 ) , IG 13
Eleições ( 1 8 2 3 - 1 8 3 7 ), IJJ 5

J o r n a is

Id a d e d ’ou ro d o B rasil, an o 1821


G azetta d a B ahia, anos 1 8 3 0 , 1 8 3 2 , 1 8 8 0 —1889
O B aian o , an o 1 8 3 0 .
O D iária d a B ahia, an o s 1 8 3 5 , 1 8 7 1 - 1 9 0 0 (faltan d o anos 1 8 7 2 —1875, 1877, 1878, 1882,
1 8 8 3 , 1886)
J o r n a l d e N otícias, anos 1 8 8 3 - 1 8 8 9 ■
M onitor, anos 1 8 7 6 -1 8 8 1 .
C h ron ica R eligiosa, 1 8 6 9 —1873
S em ana R eligiosa, a n o I .

L iv ro s e D e m a is F o n te s Im pressas
A B R E U , Jo ã o C a p is tr a n o d e . C am in hos e p o v o a m e n to do Brasil, 2 a e d . R io de J a n e i r o : L iv raria
B rig u c t, 1 9 6 0 .
A C C I O L I , Ign ácio de C e r q u e ir a e S ilva. M e m ó r ia s h is t ó r ic a s e p o l í t i c a s d a P r o v ín c ia d a B a ta .
A n o tad o r Dr. Braz d o A m a r a l. B a h ia : Im p re n s a O fic ia l do Estado, 1 9 1 9 -1 9 3 7 . 5 v.
A G A S S IZ , Elizabetb C . C . &C A G A S S IZ , J .- L . R . V ia g e m a o B r a s il, 1865 - 1866. S á o Pauto: Cia.
E ditora N a c io n a l, 1 9 3 8 . .. ,
A G O S 1 IN H O , P edro. E m barcações do R ecôn cavo: um estudo d e origens. Salvador. Pu teaç
do M u s e u do R ecôncavo W a n d e r le y P in h o , 1973. , ~ iQ
A G U IA R , D urval V ie ira dc. D escrições p rá tica s da P rovín cia d a Bahia. Salvador. T ipogra
D iário d a B ahia, 1888. '
A G U IA R , Pinto de. A b e r t u r a d o s p o r t o s d o B r a s i l . B ahia: Livraria Progresso, 1960.
-— —------— . B ancos no Brasil colonial. Salvador: S in d jca to dos E stabelecim entos a
Estado da B ahia, 1960.
Bibliografia

a ld e n , , m -
1 97 3 . 1 mZÜ’ *ie rk le >r: U m versity o f C alifórnia Press,
— . “T h e p o p u latio n o f B razil in the late eighteenth centurv A „ L ■
A m erica n H isto rica l R eview , (1 9 6 2 ) : 1 7 3 -2 0 5 prehm inary study”.
A L E N C A R , Jo sé d e. O tro n co d o ipê. São P aulo: Á tica 1978

" 'T ír
tana dc Educaçao e Cultura da Bahia. Bahia: Empresa Gráfica, 1973).
A lm a n a q u e cw tl, p o lít ic o e co m e r cia l d a cid a d e d a B ahia p a ra o ano d e 1345. Bahia: C ia
I y p o g ra p h ic a d e M a n o e l A n to n io S ilv a Serva, 1844.
A lm an a q u e (a d m in istra tiv o , m erca n til, in du strial). Ano 1857. O rg. C am illo de Lellis Masson
B ah ia: 1 8 5 7 . ‘ '
A lm an a q u e (a d m in istra tiv o , m er ca n til, in du strial). Ano 1862. O rg. C am illo de Lellis Masson.
B ah ia: 1 8 6 2 . ’
A L M E ID A , F ran cisco M a n o e l R aposo de. B iographia do A rcebispo M arquez d e Santa Cruz Bahia-
1863. . ’ *
A L M E ID A , L u iz C astan h o de. São Paulo, filh o d a Igreja. P etrópolis: Vozes, 1957.
A L M E ID A , M a n o e l A n tô n io de. M em ória s d e um sargen to d e m ilícias . Belo Horizonte: Itatiaia,
1977.
A L M E ID A , R ô m u lo dc. T raços d a história eco n ôm ica d a B ahia no últim o sécu lo e meio. Sal­
v ad o r: In stitu to d e E co n o m ia e F inanças da B ahia, 1951. .
A L V E S, M a rle ta . “O co m ércio m arítim o e algu n s arm adores do século XVIII na Bahia”. São
P au lo : R evista d e H istória , 196 9 .
----------------. F olhas m ortas q u e ressu scitam . Salvador: P refeitura M u n icip al, L975-
----------------. H istória d a v en e r á v el O rdem 3 a d a P en itên cia d o S eráfico Pe. São Francisco da
C o n grega çã o d a B ahia. Salvador: 1948.
P eq u en o g u ia das igreja s d a Bahia. Salvador: Prefeitura M u n icip al, 1951. .
A L V E S, V era L. The S anta Casa d a M isericórd ia o f Bahia, 1870-1900. M ineápolis: University
o f M in n e so ta, 1 9 7 9 (tese de m estrado não p u b licad a).
A M A R A L , A zevedo. O E stado a u toritá rio e a rea lid a d e n a cion a l Rio de Janeiro: J. O lympio,
1938. t
A M A R A L , Braz d o . Fatos d a vid a do BrasiL Salvador: T ipografia N aval, 1941.
_________ H istória d a Bahia, do Im p ério à R epública. Bahia: Im prensa O ficial do Estado, 1J 2 Ô.
___________ f U s t é r i a d a I n d e p e n d ê n c ia na B ahia. 2- ed. Salvador: Livraria Progresso, 1957.
. R ecordações históricas. Porto: 1921.
_________ ' R esenha h lslb rica d a Bahia. Salvador: T ipografia N aval, 1941.
A M A R A L , Josá Álvares do. Resuma cran aligica c na,iria,a da P ro g a cia da B a h a i
, I ■ * 2* cd. Bahia: I m p r e n s a O ncial, 1922.
m f i u ú . ^ O i s , 6 r ia g eia ld a a g r ,cu l,u r a brasileira. São Paulo: C ia. Ed,tora Nacional. 19 .

a m a 3r L la p a . R»1— B M a ' “ í“ rr' ira * In iia - s“ Paulo: CU' Edirora N"


c io n a l, 1 9 6 8 . J n & r m a c S o do B r a s i l e d e s u a s c a p it a n ia s . São Paulo, 1964.
A N C H I E T A , Jose d e (S - J E t e m d o N o rd eSre. São Paulo: Brasiliense, 1963-
A N D R A D E , M a n o e l C o rre ia e.
71^
B a h i a , S é c u l o X IX

A N D R A D E , M a ria Jo sé de So uza. A m ã o-d e-o b ra escra va em S a lva d or d e 1811 a 1860 Um


estu d o d e h istória q u a n tita tiva . Salvad o r: U n iversid ad e F ederal da B ahia, 1975 (tese de
m estrado não p u b lic ad a).
A nnaes d o I o C ongresso d e H istória d a B ahia, Salvad o r: T ip o g rafia B en ed itin a, 1950. 4 v
A nnaes d o 5 QC ongresso d e G eo gra fia — S alv ad o r, 7 a 11 de setem bro de 1 9 1 6 . B ahia: Imprensa
O fic ia l, 1918.
A N T O N IL , A ndré Jo ão . C u ltu ra e o p u lên cia d o B ra sil p o r suas m in a s e drogas. T exto da edição
de 1 711 , trad u ção e co m en tário s d e A n d réc M a n su y . P aris: In stitu t des H autes Etudes de
F A m erique L atin e , 1968 .
A R A Ú JO , U b ira ta n C astro d e. “A B a h ia no sécu ío X IX ”. In : A in serçã o d a B ahia na evolução
N acional. I a eta p a : 1 8 5 0 -1 8 8 9 . S alv ad o r: F u n d ação d e P esq u isas-C P E , 1978 .
A R G O L L O F E R R Ã O , V .A . "A B a h ia ag ríco la: zonas c lim a té ric a s”. In: D iário O ficial. Pu­
b licação d o cen ten ário d a In d e p e n d ê n c ia d a B ah ia, 1 8 2 3 -1 9 2 3 . Salvad o r: Im prensa O fi­
cial, 1923-
A R IE S, P h ilip p e. V en fa n t e t la v ie fa m ilia le sou s VAncien R êgim e. P aris: S e u ií, 1973.
--------------- , V h om m e d ev a n t la m ort. P aris: S e u il, 1 9 7 7 .
A R N O L D , S am u el G reene. Viaje p o r A m érica d e i S u r (1 8 4 7 -1 8 4 8 ). B uenos A ires: Emecé, 1951.
A SSIE R , A d o lp h e d ’. Le B résil co n tem p o ra in . R aces, maeurs, in stitu tion s, paysages. P aris: D urand
et L au ríe l, 1867 .
A T H A Y D E , Jo h ild o Lopes de. “F ilh o s ile g ítim o s e crian ças expostas (N otas para o estudo da
fa m ília b aian a no século X IX )”. S alv ad o r: R evista d a A ca d em ia d e Letras d a B ahia , (27) :
9—2 5 , setem b ro de 1 979 .
--------------- . La v ille d e S a lv a d or a u XIXe siècle. A spects d ém o gra p h iq u es ( d ’a près les registres
paroissiaux ). P aris: U n iv ersité de P aris X — N an te rre, 1975 (tese de douto rad o de 3 o ciclo
não p u b lic ad a).
Atlas do Brasil. R io d e Ja n e iro : C o n selh o N a c io n a l d e G eo grafia, 1 960 .
A U F D E R H E ID E , P atrícia. O rd er a n d V iolence: S o cia l D ev ta n ce a n d S o cia l C on trol in Brazil,
1 780—1840. M in n e ap o lis: U n iv e rsity o f M in n e so ta , 1 9 7 6 (tese de doutorad o não publi­
cada) . *
A U G E L, M o em a P aren te. V isitantes estra n geiro s na B a hia oitocen tista . São P au lo : Cultrix/INL/
M E C , 1980. .
A V E -LA LLE M A N T , R obert C . V iagem p e lo n o rte d o B ra sil n o a n o d e 1859. T rad . Eduardo de
Lim a C astro . R io de Ja n e iro : In stitu to N ac io n al do L ivro, 1951. 2 v.
A ZEV ED O , A luísio. O cortiço. 4 a ed. São P aulo : Á tica , 1 976 .
■-------------- . O m ulato, São P au lo : Á tica, 1977 .
A Z E V E IX ), fe rn a n d o dc. C anaviais e en gen h o s na vid a p o lítica d o Brasil. 2 a ed. São Paulo. E .
M elh o ram en to s, s/d.
—------------. A cu ltu ra brasileira. In trod u çã o a o estu d o d a cu ltu ra n o Brasil. 3 a cd. São Pau °-
M e lh o r a m e n to s , 1955.
“A P icty ol the B n líg litcn m c n t”. In: D idaskalia 5 : 1 0 5 —1 3 2 , 1975.
AZEVED O , João Lúcio dc. H istória dos cristãos novos portu gu eses. Lisboa, 1921.
AZEVED O , I hales de. "C lasses sociais e grupos de p restíg io ’ . In: Ensatos d e antropologia so-
cia i Salvador: U niversidade F ederal da B ahia, 1959.
— , C ultura e situação ra cia l no Brasil. Rio de Jan eiro : C ivilização Brasileira, 19 ■
. Igreja e Estado em tensão e crise. São Paulo: Á tica, 1978.
. Les élites d e co u leu r dans u n e v ille brêsilienne. Paris: Unesco, 1953. ^
k. — ----------- , N am oro á antiga. T radição e m udança. Salvador: Banco Econômico da Bahia, 19
B ib u o g r a h a

'■ * ‘,m 0 r°- rtli&<> e p od er. R io de Ja n e iro : C átedra/IN L/M E C 1980.


" * « * » * <& & W w . 3 “ ed. Salv ad o r: Itapuã, 1969
.4
- - r e h p a o c i v i ‘l íb^ramsileira co m oo iinm stru
i r / r u fflm m eenn ttoo PtinUtl™
tru m n é >^ t r_, w t-
o lítico P r w ‘
.A Z E M D O , T h a le s de & L IN S F O v ; - w - • j T CtroPoIls: V oz« ’ 1981.
T n e iro
Ja ■ : t1. rOs ilvniD io.
J. •
lv m p io 1 1
. 1969. UA t°ri<i d o B anco d a Bahia, 11QJ< 8 5 8s-U
-1 9}ii8U. Rio
R- de
j

A Z Z I. R io la n d o . 'D . R o m u ald o A n tô n io dc Seixas, arcebispo da B ahia (182 7 IR rm


m o v im e n to d a refo rm a c ató lic a no B rasil". In: A ,/ , estudos sobre D. R o m u a U o A n l ' d

S ah '4d 0r! UniVCKÍdi<ie F cdcral d l B>hia/Cen,ro de Eatudcl

. ' í aEr! T ItaS e irmiO S: u m a ío rm a d e v id a religiosa no B rasil an tig o ”. C onvergência, ano


IX (9 4 ) : 3 / 0 - 3 8 3 , (9 5 ) : 4 3 0 - 4 4 1 , ju l./ set. 1976 .
. "F o rm ação h istó ric a d o cato lic ism o p o p u lar b rasile iro ”. In: A religião do povo
p. 4 4 - 7 1 . ■ * *

. P ad res d a M issã o e m o v im en to b rasileiro de reform a cató lica no século XIX”


C o n v er g ên cia , an o V II, (7 6 ): 1 .2 3 8 - 1 .2 5 3 , dez. 1 9 7 4 . ’
— . “A p a rtic ip a ç ã o d a m u lh e r n a v id a da Igreja no B rasil”. In: A m u lh er p o b r e na his­
tó ria d a I g reja L a tin o-A m erican a. São P au lo : E dições P au lin as, 1984.
-. (o rg .) A v id a r eligio sa n o B rasil. E nfoques h istóricos. São Paulo: Edições Paulinas,
1983.
A Z Z I, R io la n d o & R E SE N D E , M a ria V a lé ria V . ‘‘A v id a religio sa fem in in a no Brasil colo­
n ia l”. In: R io la n d o A zzi (o rg .). A vid a religiosa no Brasil, p. 24—60.
B A N G E R T , W illia m . A H istory o f th e S o ciety o f Jesus. St. L ouis: Inst. o f Jesu its sources, 1972.
B A R B O S A , M a n o e l d e A q u in o (m o n s.). E fem érides d a freg u esia d e N.S. d a C onceição da Praia,
S a lv a d o r: B e n e d itin a , 1 9 7 0 . 2 v.
----------------. A I g reja n o B ra sil R io de Ja n e iro : Ed. A N o ite, 1945.
B A R B O S A , M á rio F erre ira. A spectos eco n ô m ico s d a B ahia. B ahia: Im prensa O ficial do Estado,
1931.
B A R R A L , C o n d e ssa d e (L u iza M a rg a rid a P o rtu g al de B arros). Cartas a Suas M ajestades , 1859—
1890. R io d e Ja n e iro : M in is té rio d a Justiça/A rquivo N acio n al, 1977.
B A R R O S , F ran cisco B orges de. D icion á rio g eo g rá fico e histórteo d a Bahta. Bahia: Imprensa Oficial
do E stad o , 1 9 2 3 .
B A R R O S, R oque Sp en cer M aciel de. “A questão religiosa”. In: Sérgio Buarque de Holanda (dir.),
H istória g e r a l d a civ iliz a çã o brasileira, t. II, v. 4, p. 3 3 8 -3 6 5 . São Paulo: Di e ,1 9 ■^
_________ „ “V id a re lig io sa ”. In: Sérgio B u arq u e de H o lan d a (d ir.). H istória g e r a l ctvt tzaçao
bra sileira , t. II, v. 4 , p. 3 1 7 - 3 3 7 . São Paulo: D ifel, 1964.
B A ST I D E, R oger. Les A m ériques N oires: les cw ilisa tio n s a frica in es dans le nouveau mon e. a r ,.
P ayo t, 1 9 6 7 .
________ _ fíra sil, terre d e con traste. São Paulo: D ifel, 1973. ,
' O e a n d o M d a B ahia - Riso N * L 3- -d . São M o : C i , Editora Nactonal, 1978
í a o r i m e i r a e d i ç ã o fo i u m a e d í ç ã o f r a n c e s a ) . C a h te rs
______ « L a c a u s a lité ex tern e et la c a u sa lité in tern e dan s 1'explication socio ogiq •
In tem a tia n a u x d e S a c w lo p r. 1 9 5 6 . . j Vi (L es reiiporu
As r e lir iã e s a fiic a m s n a Brassl. São Paulo : P,one,ra/U S . 1971. i t J
o - .A■ s r e ls RrAil
g, JVers u n e sociologie
sociologie des
des interpenetranaru
inSerpénLsrations de citoUsattons. ' ‘

S ão P au lo : E d ito ria l G n ja lb o , 9 -
724 B a h i a , S é c u l o X IX

BE O Z Z O , Jo sé O scar, “D ecad ên cia e m orte, restauração e m u ltip licação das ordens e congre­
gações religiosas no B rasil, 1 8 7 0 -1 9 3 0 ”, In: R io lan d o Azzi (o rg.). A vid a religiosa no Brasil,
p. 8 5 - 1 2 9 .
B E R B E R T D E C A S T R O , R en ato . A p r im e ir a im p ren sa d a B ahia e suas p u b lica ções. Salvador-
S ecretaria de E ducação/D E SC , 1969.
B E T H E L L, L eslie. A a b o liçã o d o trá fico d e escra vos no B ra sii R io de Jan eiro : Expressão e C u l­
tu ra, 1976.
B E V IL Á Q U A , C ló v is. D ireito das sucessões. 4 a ed. R io de Ja n e iro : L iv raria F reitas Bastos, 1 9 4 5 ,
BEYER, G ustav. “L igeiras notas de v iagem do R io de Ja n e iro à c ap itan ia de São Paulo, no
B rasil, no verão dc 1 8 1 3 , com alg u m as n o tíc ias sobre a c id ad e d a B ah ia e ilh a T ristão da
C u n h a, en tre o C ab o e o B rasil e q u e foi lá pouco o c u p ad a”. T rad . D r. A lberto Lofgren.
In: R evista d o In stitu to H istérico e G eográ fico d e S ão P a u lo , (1 2 ) : 2 7 5 - 3 1 1 , 1907.
B1ARD, A u gu ste F ran ço is. D ois a n o s n o Brasil. São P au lo : C ia . E d ito ra N acio n al, 1945,
B L O C H , M arc. A p o lo g iep o u r V histoire d u m êtier d ’h istorÍen. 6 a ed. P aris: A. C o lin , 1964.
B O C C A N E R A J R ., S ílio . B a hia h istórica , R em m iscên cia s d o passado, registro d o p resen te. Ano-
■ tações, 1549—1920. Salvado r: T ip o g ra fia B aian a, 1 9 2 1 . ■
B O N D A R , G regó rio . “F u m o na B a h ia ”. In: D iá rio O ficia l, p u b lica çã o d o cen ten á rio da Inde­
p en d ên cia na B ahia, 1 8 2 3 -1 9 2 3 . S alv ad o r: Im p ren sa O fic ia l, 1923, p, 2 9 4 - 2 9 6 .
---------------. “L avoura cafeeira e o u tras c u ltu ra s”. In: B oletim A grícola e In dustrial, n° 10, I I , 12,
Salvador, 1 924 .
BO RBA, S ilza F raga C o sta. In d u stria liz a çã o e ex p orta çã o d o ju m o na B ahia, 1870—1930. S al­
vador: U n iv ersid ad e F ederal d a B a h ia , 1 9 7 5 (tese de m estrad o não p u b licad a).
BO RG E S DE B A R R O S, F ran cisco . À m a rg em d a h istó ria d a B ahia. B ah ia: Im prensa O ficial do
. Estado, 1 934 .
B O U R D O N , A lb ert. H istoire d u P o r tu g a l P aris: P U F, 1 97 7 .
B O U R D O N , Léon. L ettres fa m ilíè r e s e t fr a g m e n ts d u jo u r n a l in tim e. M es sottises quotidiennes,
d e F erd in a n d D en is à B a hia (1 81 6 —1819). C o im b ra : C o im b ra E ditora L td a., 1957.
BOXER, C h arles. M a ry a n d m isogin y. W om en in ib eria n ex pansion overseas, 1415—1815. Som e
fa cts fa n c ie s a n d p erson a lities. N o v a Y ork: O xfo rd U n iv e rsity Press: 1975.
BR A N D Ã O , M a ria de A zevedo. P ro p ried a d e e uso d o solo em Salvador. C om un icação apre­
sentada na 3 0 a reu n ião a n u a l d a So cied ad e B rasileira para o Progresso da C iên cia. São
Paulo: ju lh o de 1978 .
BRASIL B A N D E C C H I. “O m u n icíp io no B rasil e su a função p o lític a ”. São Paulo: Revista d e
H istória, nos 9 1 , 9 2 , 9 3 , 9 5 , 1 9 7 2 -1 9 7 3 .
BRASILIEN SE, A. Os p rogra m a s d os p a rtid o s e o S egu n do Im pério. São Paulo: T ipografia Jorge
Scckler, 1878,
BRA U D EL, Ecrnand. Ecrits sur Vhistoire. Paris: F lam m ario n , 1969.
-------------- , Vida m a teria l c ca pita lism o (séculos XV— XVIII). Lisboa: Edições Cosm os, 1970.
B R A U D E L , E crnand & L A B R O U S S E E. (d ir.). H istoire êco n om iq u e et socia le d e la France,
t. 3, V. 1. Paris: P U F , 19 76.
B R A Z IL, E tienne Ignácio. “O s m ale s”. Revista do Instituto H istórico e G eográfico do Brasil, (72)
2 :6 9 -1 2 9 ,1 9 0 9 .
B R I T O , E duardo C a ld a s de. ‘‘ larvantcs de pretos na B a h ía ”. Salvador: R e v is t a d a I n s t it u t o
G e o g rá fic o e H is tó r ic o d a B a h ia , (1 0 ) 2 9 : 6 9 - 9 4 , 1903-
B R O W N , Peter. L e c u l t e d es s a in t s , s o n e s s o r e t s a f o n c t i o n d a n s l a c h r ê t i e n t é la t in e . T rad. Aline
Rousselle. Paris: C erf. 1984.
B U E S C U , M ircea. 3 0 0 a n o s d e in f la ç ã o . Rio d e Jan eiro : A PE C , 1973-
B ibliografia

; E
d t7 Í 7 7 7 n ò m ic* 1 7 * 5 2"cd-ltiod=j*«™=apec,
— . H istória eco n ô m ica da B rasil - P esquisas e análise* R-
A s
B U L C Ã O S O B R IN H O , A m ò n i» do A ratijo dc W k” ' " ' ' 97°'
S alv ad o r: R e v i d o I m i l m C r l c M g , c 0 * ^ ' , fi ™ « ^ Aradjo Ç ói ,

— : Bc r e nè uc r ' > * — * '« * ■ «


. “F
raam
mm ílias b aian as: Bcthenc
a s ttaianas: licth cn co u rt S a lv irW - J r ■ ^
( 1 0 ) : 2 9 - 5 6 , 1 958 . ’ Sta d o I m M u t 0 G enealógico da Bahia,

1- S U 1961 í ' ÍaS baU naS: B u k 5 ° " - S a lv a d 0 r JM tta * & Bahia, ( 13):
--------- T itu la res b a ia n a (m an u sc rito d epositad o no A rquivo N acion al, Rio dc laneiro)
C adastro d a p a p a la çã c d a P ro v ín cia d a B ahia, 1808. A rquivo M u n icip al d c Cachoeira, M aco de
d o cu m en to s p a ra e m b ru lh a r (século X IX ). ’
C A L D A S, Jo sé A n to n io . N otícia g e r a l d e tod a esta ca p ita n ia da Bahia d esd e o seu descobrim ento
a té o p r e s e n te a n o d e 1759. E dição fac-sim ilar. Salvador: T ip o grafia Beneditina, 1951,
C A L D A S A U L E T E . D icio n á rio co n tem p o râ n eo da lín gu a portuguesa. 2 a ed. Rio de Janeiro* Delta
1 968 . 5 v. ' ’
C A L D E R O N , V a le n tin . B io gra fia d e u m m o n u m en to : o a ntigo con ven to d e Santa Teresa da
B ahia. S alv ad o r: U n iv e rsid a d e F ed eral d a B ahia, 1970.
C A L M O N , F ran cisco M a rq u e s de G oes. Vida eco n ôm ico -fin a n ceira da Bahia (elem en tospara a
h istó ria ) d e 1808 a 1899. S alv ad o r: F undação de P esqutsas-C PE , 1979 ( I a ed., 1925).
C A L M O N , P edro. H istória d a fu n d a ç ã o d a B ahia. Salvador: M useu do Estado da Bahia, 1949.
--------------- . H istória d o Brasil. São P au lo : C ia . E ditora N acional, 1943. 5 v.
--------------- . H istória s o cia l d o Brasil. São P au lo : C ia. E ditora N acional, 1 9 3 7 -1 9 3 9 . 3 v.
--------------- . M alês , a in su rreiçã o d a senzala. R io de Jan eiro : Pro-Luce, 1933.
--------------- . O M a rq u ês d e A brantes. R io de Ja n e iro : J. O lym pio, 1933-
C A L Ó G E R A S, P an d iá. F orm a çã o h istórica d o Brasil. São Paulo: C ia. Editora N acional, s/d.
C Â M A R A , A n to n io A lves. A B ahia d e T odos os S antos com relação aos m elhoram entos d e seu
p orto . 2 a ed. R io de Ja n e iro : L eu zin gcr, 1904.
C Â M A R A C A S C U D O , L uís da (d ir.). A ntologia da alim entação. Rio de Janeiro: LTC, 1977.
-------------- . C ontos tra d icion a is do Brasil. Rio de Ja n e iro : Edições de O uro, s/d.
--------------- . D icion á rio d o fo lc lo r e brasileiro. 3 a ed. R io de Janeiro: 1972.
--------------- . H istória d a a lim en ta çã o no Brasil. São Paulo: C ia. Editora N acional, ^9 8 . ^
C A M P A N H O L E , A d rian o & C A M P A N H O L E , H ilton Lobo (org.). Todas as constituições o
Brasil. São Paulo: A tlas, 1971. O leiroz
CA N A BRA V A , AÜcc Piffcr. O algodão em São Paulo, 1861-1875.2* ed. São au o. . •
E ditor, 1984. '
---------------. ( ) co m ércio p ortu gu ês no Rio da Prata: 1580-1640. São Pau o. • g raz il
C Â N D ID O , A ntonio. “T he B razilian FainHyL In: T . Lynn Snnth e A. N are ant e .
P o r t r a i l o f H a l f a C o n t in m t . Nova York: T h e D rydcn Press, 1951.
_________ , ( ) i p a r c e ir o s d e R io B o n ito . São Paulo: Duas C id ad es, 1973.
C A N S T A T T , O scar, / W / A lerra e a g e l e . 1871. Rio dc Janeiro: . j ' ücogra-
C a ra ceeiitk m d w o g r á fie a , d« lü m d v J,i M ,ia . Rio dc ja n c r o : Inatnuco H.asde.
fia c E statística, 1949.
C A R D IM , Elmano. J n t M a m J o t t d * São Pau o: - ^ n o la ld e B aptisra
Pauio: C ia Edirora N aconah
~26 Bahia, S écui.o XIX

C A R D O S O , C iro F .S. A gricu ltura, escra v id ã o e ca p ita lism o. P etró p o lis: V ozes, 1 9 7 9 .
C A R D O S O , F. & IA N N I O . C or e m o b ilid a d e s o cia l em F lorianópolis. São P aulo : C ia Editora
N ac io n al, 1 9 6 0 . .
C A R D O S O , F ern an d o H e n riq u e . C a pitalism o e escra v id ã o n o B ra sil m er id io n a l Rio de Ja
n eiro : Paz e T e rra, 1 977 .
C A R D O S O , Jo sé F ábio B arreto P ais. M od a lid a d es d e lo ca çã o d e m ã o -d e-o b ra escrava na cid ad e
d o S a lv a d o r (1 8 3 7 -1 8 8 7 ). S a lv a d o r: U n iv e rsid a d e C a tó lic a , 1979 .
C A R D O S O , M a n o e l, “A zevedo C o u tin h o e o ferm en to in te le c tu a l de sua ép o ca”. In: Keith-
Edsvards (d ir.). C on flito e c o n tin u id a d e n a so cie d a d e b ra sileira . R io de Ja n e iro : C ivilização
B rasile ira, 1 970 .
C A R N E IR O , E dson. C a n d om b lés d a B ahia. R io d e Ja n e iro : E dições de O u ro , 1969.
--------------- . A cid a d e d o S a lvad or. R io d e Ja n e iro : O rg . S im õ es, 195 4 .
--------------- . N egros B antus. R ío d e Ja n e iro : C iv iliz a ç ã o B rasile ira , 1937 .
--------------- . O q u ilo m b o d os P alm ares. R io de Ja n e iro : C iv iliz a ç ã o B rasile ira , 1966 .
C A R N E IR O , M a ria L u iza T u c ci. P reco n ceito r a cia l n o B ra sil colon ia l. Os cristãos novos. São Paulo:
B rasilien se, 1 983 .
C A R N E IR O M A IA . O M u n icíp io . S ão P au lo , 1 9 6 2 ( I a ed , 1 8 8 2 ).
C A R R E IR A , L ib erato de C astro . H istória fin a n c e ir a e o rça m en tá ria d o Im p ério d o B rasil desde
a sua fu n d a çã o . R io d e Ja n e iro : Im p ren sa O fic ia l, 1889-
C arta P a stora l d o Exmo. R evm o. Sr. D. L uiz A n ton io d os S antos, A rcebispo M etropolitan o e
P rim az d o Brasil. B ah ia: L ith o -ty p o g ra p h ia de Jo ão G onçalves T o u rin h o , 1887.
C A R V A L H O , E stevão L eitão d e (m a re c h a l). D ev er m ilita r e p o lític a p a rtid á ria . São P aulo: C ia,
E d ito ra N ac io n al, 1 9 5 9 .
C A R V A L H O , Jo sé M u rilo d e. A co n stru çã o d a o rd em . A e lite p o lític a im perial. R io de Janeiro:
E d ito ra C a m p u s, 1 9 8 0 .
C A SA L, A ires de. C orogra fia b ra sílica . R io de Ja n e iro : Im p ren sa N ac io n al, 1945 . 2 v.
C A ST R O , Jean n e B erran ce de. A m ilícia cid a d ã : a G uarda N a cio n a l d e 1831 a 1850. São Paulo:
C ia . E d itora N ac io n al, 1 9 7 7 .
C A S T R O , P au lo F erreira, “A e x p e riê n c ia re p u b lic an a ( 1 8 3 1 - 1 8 4 0 ) ”. In: Sérgio Buarque de
H o lan d a (d ir.). H istória g e r a l d a civ iliz a çã o brasileira, t. II, v. 2. São P aulo: D ifel, 1964.
--------------- . “P o lític a e ad m in istraç ão de 1 8 4 0 a 1 8 4 8 ”. In: Sérgio B u arqu e de H o landa (dir.).
H istória g e r a l d a civ iliz a çã o b ra sileira , t. II, v. 2. São P aulo : D ifel, 1964,
C A S T R O , R enato B erb ert de. Os v ice-p resid en tes d a P ro v ín cia d a Bahia. Salvador: Fundação
C u ltu ra l do Estado da B ah ia, 1978 .
C A S I RO A LV E S, A ntô nio de. O j escravos. In tro d u ção O liv eira R ibeiro N eto. Belo Horizon- ■
te: Itatiaia, 197 7 .
C H A U N U , Pierre. L A m iriq ue et les A m ériques. P aris: A. C o lin , 1964.
---------------. La m ort à Paris, XVF, XVIF, XVIIIf siècles. Paris: F ayard, 1978.
-------------- . H istoire q u a n tita tive, h istoire sirielle. Paris: A. C o lin , 1979.
---------------. H istoire s d e n ce sociale. La durêe, lé s p a ce e t 1'homme à Vépoque m odem e. Paris.
SEDES, 1974.
CH EVALIE R, Louis. Classes laboricu ses e t classes dangereuses. Paris: Plon, 1 9 5 6 .
C idade do Salvador. Aspectos geográ ficos, históricos, sociais e antropológicos. Salvador. Imprensa
O ficial, 1960.
C I N C 1 N N A T U S (p s e u d .). O elem en to escravo e as q uestões e c o n ô m ic a s d o Brasi Ia-
T y p o g ra p h ia dos D ois M u n d o s , 1885.
B ib l io g r a f ia
727

C IN T R A , A .O , Integração do processo político no B rasil’ 9U l- ,

. . , "“ ” 7 " ” R i o L l r , 9 n7 T !r a d a s -
Codigc Ph,l,pp,no ou Ordenações ' leis do Reino de Portugal 14‘ ed c „ m A „
Mendes de A lm e id a . R io de Ja n e iro , In stitu to P h ilo m ático 1868 1870 5 ^ °
C O E L H O , E. Campos. Em b,ma da idem,dade-o exército e a 1868~187,0 -,2 v-
de Janeiro: Forense, 1976. ' a p o l lc u n ,n a so a ed a d e brasileira. Rio
Coleção das leis do Império do BrasiL Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 18 3 1-18 8 9
C oleçã o d e leg tsla ça o p o r tu g u esa . A . D elgad o d a S ilv a, 1 7 5 0 -1 8 0 2 , 1 8 0 2 -1 8 1 0 *
C oleçã o d e ob ra s d e D . R o m u ald o A n tô n io de Seixas. P ernam buco: 1839. *
C O N R A D , R o b ert. Os ú ltim o s a n os d e escra va tu ra n o Brasil: 1850-1888. Rio d e Lm*;™- r*
v ilizaçáo B rasileira/ IN L , 1 9 7 5 . '
C O R T IN E S LAX E. R egim en to das C âm aras M u n icip a is ou Lei d e 1°de O utubro d e 1828 Rm
d e Ja n e iro , 1 8 6 8 . ’
C O S T A , A. D escen d en tes d e D iogo Á lv ares”. Salvad o r: R evista do In stituto G enealógico da
B a h ia , (2 ) : 7 2 - 7 9 , 1 9 4 6 .
----------------. “As órfãs d a ra in h a (base d a form ação da fam ília b rasileira)”. Salvador: Revista do
In stitu to G en ea lógico d a B ahia, ( 6 ) : 9 3 - 1 0 4 , 1951 .
C O S T A L IM A , V ív a ld o . A fa m ília -d e-sa n to nos ca n d om b lés Jeje-N agôs da B abia: um estudo d e
r ela çõ es in tergru p a is. Sal\%dor: U n iv ersid ad e F ederal da B ahia, 1977.
C O S T A P IN T O , L u ís A g u ia r da. Lutas d e fa m ília no BrasiL In trod u çã o ao seu estudo , 2 a ed. São
P au lo : C ia . E d ito ra N acion al/IN L /M E C , 1980.
C O U T O , D o m in g o s Loreto. D esagravos d o B rasil eg ló ria s d e P ernam buco. Rio de Janeiro, 1904.
C O U T Y , L o u is. Le B résil en 1864. R io de Jan e iro : Faro e Livio Editores, 1884.
—------------. L éscla v a g e a u Brésil. París: G u illau m in er C ie , 1881.
C R A B T R E E , A .R . H istória d os B atistas n o B rasil - a té o a n o 1906. Rio de Janeiro: Casa
P u b lic a d o ra B atista, 1962 . .
C R O U Z E T , F rançois. D e lã su p er io r itéd e PA ngleterre su r la France. L 'êconom ique et 1’i maginaire,
XVII-XIX siêcles. P aris: L ib rairie A cad ém iqu e P errin, 1985­
_________ . V éco n o m ie d e la G ran de-B reta gn e V ictorienne. Paris: SEDES, 1978.
C R U Z C O S T A , Jo ão . C on trib u içã o à história das idéias no BrasiL Rio de Janeiro: J. O lympio,

“O pensam ento brasileiro sob o Im pério”. In: Sérgio Buarque de Holanda (dir.),
H i„ iria g evr a l......................
'
dn dvilizA ção _ , -
bratiU ira. t. tII,
t o
v. 3, p. 3^-11
2 3 -3i/íti D ífe . 1960-
4 9 . São Paulo: Difel, 1960
1972.
C U N H A , E uclid es da. Os sertões. R io d e Ja n e iro : Francisco Alves, 1954.
C U N H A , P edro O c tav io C a rn e iro da, “A fu ndação de u m Im pério liberal .I n : S rgio ^
de H o la n d a (d ir.). H i s t ó r i a g e r a l d t c iv iliz a ç ã o b r a s i l e ir a , t. II, v. 1. Sao Pau . ’
C U N H A , R u y V ie ira da. O P a r la m e n t o e a n o b r e z a b r a s i l e ir a . Brasília: Senado I e c 9
N a c io n a l, 19 7 9 . v . \ ticrirõrdia da
D A M A Z I O , A n to n io J o a q u i m . T om bam ento dos b em m óveis da Santa Casa
Bahia em 1862. S a l v a d o r : T y p o g rap h ia C a m illo de Lellis 8 ■ ^ íf}(

DAM^ S r , ^ s ^ »»
<di° -
H istoire êcon om iq u e et sociale d e la France , t. 3 , v. . ar
728 B a h ia , S éc u lo X IX

--------------- (d ir.). L esfortu n es fra n ça ises au XfXe siècle. E nquête su r la rép a rtition et la com position
d es capitaux p r iv es à Paris, L yon, L iüe , B ordeattx et T oulouse d á p r è s V enregistrem ent d
d écla ra tion s d e sucessions. Paris/La H aye: M o u ro n , 1973 .
D EAN , Warren. Rio C laro: A B razilian p la n ta ü o n system 1820-1 92 0. Stanford: Stanford
U n iv ersity Press, 1976.
D E B R E T , Jean -B ap tiscc. Viagem p ito r esca e h istórica a o Brasil. T ra d . Sérgio M illie t. São Paul
1940 . . ’ °’
D E G LER. C arl. N eitb er black n o r w h íte: sla very a n d ra ce rela tion s in B razil a n d th e U nited
States. N ova York: 1971.
D E N IS, F erd in an d . O Brasil. 2 a ed. B ah ia: L iv raria P rogresso, 1 9 5 5 . 2 v.
D epu tados baian os à A ssem bléia G eral , 1 8 2 6-1 82 9. B rasília: C â m a ra Federal.
D E SC A M P S, P au l. H istoire so cia le d u P ortu ga l, P aris: F irm in D id o t et C ie, 1959.
DEVEZA, G u ilh erm e. '‘P o lítica trib u tá ria no p eríod o im p e ria l”. In: Sérgio B uarque de Holanda
(d ir.). H istória g e r a l d a civ iliz a çã o b ra sileira , t. II, v. 4 , p. 6 0 - 8 4 . São P au lo : D ifel, 1960­
1972 . ’
D EYO N , P ierre. A m iens ca p ita le p r o v in cia le . E tude su r la s o c ié té u rb a in e au XVIIe siècle. Paris/
La H aye: M o u to n , 1 9 6 7 . .
D IEG U ES JR ., M an o el. O en gen h o d o a çú ca r n o N ordeste. R io d e Jan e iro : M in istério de A gricul­
tu ra, Serv iço d e In fo rm ação A g ríc o la, 1 9 5 2 ,
--------------- . E tnias e cu ltu ra s n o Brasil. R io de ja n e ir o : C iv iliz a çã o B rasileira/M E C , 1976.
— —. P op u la çã o e a çú ca r no N ord este d o BrasiL R io de Ja n e iro : G ráfica C arioca, 1954.
D O R N A S F IL H O , Jo ão . A escra v id ã o n o Brasil. R io d e Ja n e iro : C iv iliz ação B rasileira, 1939.
--------------- . A in flu ên cia s o cia l d o n egro b ra sileiro. C u ritib a : G u aíra L tda., 1943.
D U A R T E , N estor. O rd em p r iv a d a e orga n iz a çã o p o lític a n a cion a l, co n trib u içã o à sociologia
p o lítica brasileira. São P au lo : C ia . E d ito ra N ac io n al, 1939-
D U G R IV E L , A . D es b ord s d e la S a ôn e à la b a ie d e San S a lva d or ou p ro m en a d e sen tim en tale en
F ra n ce e t a u Brésil. P aris: L ib ra irie L eco ur, 1 843 .
E D E LW E ISS, F red erico G. “D io go Á lv a re s-C a ra m u ru ”. In : E nsaios biográficos. Salvador: Uni-,
versidade F ederal d a B ah ia/ C en tro d e E studos B aian o s, 1976.
--------------- . “A se rp en tin a e a c a d e írin h a de a rru a r”. In: A chegas históricas. Salvador: Universi­
d ad e F ederal da B ah ia, 196 8 .
EGAS, E. D iogo F eijó: u m estudo. São P au lo : T y p o g ra p h ia L evi, 1912.
EISEM BERG , Peter, M od ern iz a çã o sem m u da n ça . A in dú stria a çu ca reira em P ernam buco, 1840­
1910. São P aulo : Paz e T erra/ U n icam p , 1977.
E SC R A G N O LE , L uiz Affonso d ’. “O visconde de C am am u e o derram e de moedas falsas de
cobre na B ah ia”. In: A nnaes d o I o C ongresso d e H istória d a Bahia. Salvador: Tipografia
B en editin a, 1 9 5 0 . 4 v.
hstudos básicos p ara o p ro jeto a grop ecu á rio d o R ecôncavo. Salvador: Secretaria de Planejam ento,
C iên cia c T ecn o lo gia (Seplantcc) c C onselho de D esenvolvim ento do Recôncavo (Conder),
1975. 7 v. __ ^ .
EU L-SO O PANG . C oronelism o c oligarq u ias (1889—1940). Rio de Jan eiro : C ivilização Brasi
leira, 1979.
------------- . O E ngenho C e n t r a ! d e B om Ja rd im na econ om ia baiana. Alguns aspectos da^ sua
■ h is t ó r ia ( 1 8 7 5 - 1 8 9 1 ) . Rio de ja n e ir o : M in is té r io da Justiça/A rquivo N a c io n a l/ In s titu to
H istórico e G eográfico d a B ah ia, 19 79 . j
EW BANK, T hom as. Life in Brazil. N ova York: 1850 (cd. brasileira: A vida no Brasi o
Janeiro: C o n q u ista, 1973).
B iblio grafia
' - ---------------- _ ------- 729

E X P ILLY , J e a n C h a rle s M a rie . Le B résil te l q u i l est P am - CU v


------ . L a fim m a et les meeur, du Brésil. P aris, 1 8 6 4 . 1863.
F ala à A ssem b léia L egisla tiva . B ah ia: 1 8 3 9 -1 8 8 9 . 6 9 v

fica da R e v ista ^ ^ T rib T n aif m f^ ^ ^ S‘’W < " 'm !5 4 9 Paulo: Grá-

FAO G ° b X " ^ ^
F A R IA . E sm e ra ld o R o b e rto d c . Reflexos da quettàa reli& sa na Bahia S„l„ J „ •
C a tó lic a d o S a lv a d o r/ In stitu to d e T e o lo g ia, 1 9 7 6 (M em ó rias) ' =UnlV£r5,dade
F E B V R E , L u c ie n . C om b a ts p o u r Vhistoire. 2 a ed . P aris: A . C o lin 1 9 6 5
----------------. P o u r u n e h is to ir e à p a r t en tière. P aris: SE V PE N 1962 *
F E R N A N D E S , C a r lo s F erre ira d e S o u z a O sen a d o b ra sileiro (relação por ordem c ro „ o ló g i„
dos_ S e n a d o re s do B ras, d e sd e a fu n d ação do Senad o do Im pério em 1826 até sua d i t !
lu çao em 1 8 8 9 , a te 1 9 1 1 ). R io d e Ja n e iro : L u zeiro , 1912.
F E R N A N D E S , F lo re s ta n . A in teg r a çã o d o n egro na so cied a d e d e classes. Sáo Paulo- D ominus
1 9 6 5 . 2 v. ’ '
----------------. O n eg r o n o m u n d o d o s brancos. São P au lo : D ifel, 1972.
. M u d a n ça s so cia is n o B rasil. A spectos d o d esen vo lvim en to d a socied a d e brasileira. São
P au lo : D ife l, 1 9 7 4 .
F E R N A N D E S , H e lo ís a R o d rig u e s . P o lítica e segu ra n ça . F orça p ú b lica d o Estado d e São Paulo.
F u n d a m en to s h istó rico -so cía is. São P au lo : A lp h a-O m eg a, 1974.
F E R R A Z , B ren n o . A G u erra d a I n d ep en d ên cia na Bahia, 1823. São Paulo: Ed, M onteiro Lobato,
1923.
F E R R E IR A , A u rclto B u a rq u e d e H o la n d a . P eq u en o d icio n á rio brasileiro da língua portuguesa.
1 1 a ed . R io d e Ja n e iro : C iv iliz a ç ã o B rasile ira , 1 97 1 .
F E R R E IR A , Jo sé C a rlo s. “A s in su rre iç õ e s dos africano s na B ahia . Salvador: Revista do Insti­
tu to G eo grá fico e H istórico d a B ahia, (1 0 ) 2 9 : 1 0 3 -1 1 9 , 1903.
F E R R E IR A , M a n o e l R o d rig u e s. H istória d os sistem as eleitora is brasileiros. São Paulo: Nobel,
Í9 7 6 .
F E R R E IR A , M a n u e l Je s u ín o . A P ro v ín cia d a B ahia: apontam entos. Rio de Janeiro. Typograp ia
N av al, 1875- s
F L E IU SS , M a x . H istória a d m in istra tiv a d o Brasil. 2 a ed. São Paulo: C ia. M elhoramentos,
F L E X O R , M a ria H e le n a . M o b iliá rio b a ia n o (sécu los XVILI-XIX). Salvador. Universi a e
d cral d a B ah ia, 1 9 7 0 (tese de m estrad o não p u b licad a).
--------------- . O ficia is m ecâ n ico s d a cid a d e d o S alvador. Salvador: Prefeitura M um c p
dor, 1 9 7 4 . , Tobacco
F LO R Y , R .J.D . B ahian S ociety in th e M id -C o lo n ia l P en o d : th e Sugar P ^ Ausrin:
G rowers, M erch a n ts and A rtisans o f S a lvad or a n d th e R ecô n c av o ,
U n iv ersity o f T exas at A u stin , 1978 (tese de doutorado não publica a ^ £dirora -
F R A N Ç A , A nto nio de O liv eira P into da. C artas baianits, 1821—1824, ão '
N acio n al, 1980. B rasiL São Paulo:
F R A N C O , Afonso A ri nos dc M ello . H istória e teoria d o s p a r t i d o s p olíticos n
A lfa-O m ega, T )74. , ^ntanização atual
F R A N C O , B ernardo dc Souza. Oj bancos no Brasil. Sua história d efet os
e reform a do sislem a bancário. Rio de Jan eiro : T ypographia N acional, i • ^
F R A N C O , M a ria Svlvia dc C arvalho. H om ens livres na ordem escravocra a.
1976.
730 B a h ia , S éc u lo X IX

FREYRE, Felisberto Firm o de O liveira. H istória territo ria l d o BrasiL V. 1 : Bahia, S ergipe e Espirito
Santo. Rio de ja n e iro , 189 7 . 2 v.
FREYRE, G ilb erto . D ona S in há e o f il h o p a d re. R io de Ja n e iro : E dições de O uro, s/d
--------------- . F orm a çã o d a so cied a d e b rasileira. R io dc Ja n e iro : J. O lym p io , 1944 .
--------------- . M a itres et esda ves. 6 a ed. P aris: G a llim a rd , 1 9 5 2 (ed. b rasileira; C asa-grande &
senzala. F orm ação d a fa m ília b ra sileira sob o r eg im e d a eco n o m ia p a tria rca l. 6 a ed. Rio de
Ja n e iro : J. O ly m p io , 1 9 5 0 . 2 v .).
--------------- . N ordeste. R io dc Ja n e iro : J , O ly m p io , 1 9 3 7 .
--------------- . S obrados e m o ca m b o s —D eca d ên cia d o p a tr ia r ca d o r u r a l e d esen v o lv im en to d o urbano
5a ed. R io de Ja n e iro : J. O ly m p io / M E C , 1 9 7 7 . 2 v.
--------------- . Vida so cia l n o B ra sil n os m ea d os d o sécu lo XIX. Trad. Waldemar Valente. Recife-
In stitu to de P esquisas S o ciais Jo a q u im N ab u c o , 1 9 6 4 .
F R IE IR O , E du ardo . O d ia b o na liv r a r ia d o cô n ego . B elo H o rizo n te: Itatiaia, 1957.
F U R E T , F. &■ D A U M A R D , A . S tru ctu res e t rela tion s so cia les à P aris a u XVIII( siècle. Paris: A.
C o lin , 1961 .
F U R T A D O , C elso . La fo r m a tio n êco n o m iq u e d u B résil. Paris/La H aye : M o u to n , 1972 (ed.
b rasileira: Afo r m a çã o eco n ô m ica d o Brasil. 6 a ed. R io d e Ja n e iro : F un do de C u ltu ra , 1964).
G A LV A O , M a n u e l A rc an jo . R ela çã o d os cid a d ã o s q u e tom a ra m p a r te no g o v e r n o do B rasil no
p e r ío d o d e m a rço d e 1 80 8 a 15 d e n o v em b ro d e 1889. R io de Ja n e iro : A rq u ivo N acional,
1969.
G A N D A V O , Pêro d e M ag a lh ã es. 7 ra ta d o d a P ro v ín cia d o B ra sil no q u a l se co n têm a inform ação
das causas q u e h á na terra, assim co m o das ca p ita n ia s efa z e n d a s d os m ora d ores q u e vivem p ela
costa e d ou tra s p a r ticu la r id a d es q u e a q u i se con ta m . R io d e Ja n e iro : In sritu to N acional do
L ivro, 1 965 .
G A RC E Z , A n g elin a N obre R o lim & F R E IT A S, A n to n io F ern an d o G uerreiro de. H istória
eco n ô m ica e s o cia l d a regiã o ca ca u eira . R io de Ja n e iro : C arto g ráfica C ruzeiro do Suí, 1975-
G A R C IA , M an o el C o rreia. H istória d a I n d ep en d ên cia d a Babia. B ah ia: E m presa ed., 1900,
G A RD E N , M a u ric e . L yon e t les lyo n n a is a u XVIIIe siècle. P aris: F lam m arío n , 1975.
G LÉ N ISSO N , Je an . In tro d u çã o aos estu d os h istóricos. São P au lo : D ifel, 1963.
G O D IN H O , V ito rin o M agalh ães. A estru tu ra d a a n tiga so cied a d e p ortu gu esa . Lisboa: Arcádia,
1971.
---------------. Prix et m on n a ies au P ortu ga l: 1 750-1850. P aris: SE V PE N , 1955.
G O ES C A L M O N , Francisco M arq u es de. Vida eco n ô m ico -fin a n ceira d a B ahia (elem en tospa ra
a história) d e 1808 a 1899. R eim pressão . Salvad or: F undação dc Pesquisas/CPE, 1978.
G O O D Y , Jack. IV êvolution d e la fa m ille et du m a ria ge en Europe. Paris: A . C olin, 1985.
G O R EN D ER, Jaco b . O escra vism o colon ial. São Paulo: Á tica, 1978.
C iO U L A R I , J o s í A li pi o. Da fu g a ao su icíd io: aspectos d a reb eld ia dos escravos no BrasiL Rio de
Jan eiro : C o n q u is ta , 19 72 .
—------------. Da p a lm a tória ao p a tíb u lo (castigos d e escra vos n o Brasil). Rio d e Jan eiro : Conquista.
1971.
G O U L A R I , M a u r íc io . A e s c r a v id ã o a f r i c a n a d o B r a s iL 3 a ed. S ão Paulo: A lpha-O m ega, 1975.
G R A H A M , M a ria . D iá r io d e u m a v ia g e m a o B r a s i l e d e u m a e s t a d a n esse p a í s duran te p a r t e do
a n o s 1 8 2 1 , 1 8 2 2 e 1 8 2 5 . São Paulo: C ia . E ditora N acio n al, 1956.
G R A H A M , Richard. G r ã - B r e t a n h a e o in / cio d a m o d c m iz iiç ã o no B r a s i l ( 1 8 5 0 —1 9 1 4 ) . São Paulo
Brasiliense, 1973.
G U D E M A N , S . & S C H W A R T Z , S “C l ■
ofSlaves in Eighteemh Centúry in ^ « W n .h o o d .n d * „ .
V ra m cc m L a tin A m erica , C h a p e i, H ill 19 8 4 d S m id > t ^ P' Bm
GUILLAUME, Pierre. • * * '* * ,*
G U IR A L , P ie rre * T H U I L L I E R , C u y . Z.« wV A- C „lin, 1972.
s i fd e . P a ris: H achctte, 1 9 7 8 . a a JT yr
HAI.PERIN D O N G H I.T u íio . V istoire co n tem p o r a in e d e l ’A m l ' ,
H A M I L T O N , E arl J . M o n ey . p r i c e s a n d w a ges i n V a U n cd À 9 Paris: N ™ . 1W2
C a m b r id g e (M a s s .): H a rv a rd U n iv e r s ity Press IS>26 ^ W í ' « H -« »
— — . « * , a n d P r s c e s in S p ain , IS 5 1 - 1 8 C0 . C am b rid g e (M ass.): Harvard U ^ rsityPress,

H A R R IS , M a r v in . P a tter n s o f r a c e in th e A m éricas . N ova York- T h e N nrr T -u


H E E R S, J a e q u e s E sclaves e t d o m estiq u es a u M cyen -A ge dan s 'le n tonde l é d i s E Z f l t i , :
r â y ir d j i y o i .
H E M M I N G , J o h n . R e d g o ld : th e co n q u e s t o f t h e b ra z iíia n in dian s. Londres: M ac M illan, 1978
H E R S K O V IT S , M e lv ille J . P esq u isa s etn o ló g ica s na B a h ia . Salvador: M useu do Estado da Bahia
1943. ’
---------------- . “T h e so c ia l o r g a n iz a tio n o f th e c a n d o m b lé ”. In: Anais do 31* Congresso Interna­
c io n a l d os A m erica n ista s, v, 1 . São P au lo : A n h e m b i, 1955.
H ÍL L , H e n r y . A v ie w o f t h e c o m m e r c e o f B razil. U m a visã o d o com ércio do Brasil em 1808. Trad.
G ild a P ires. N o ta s L u iz H e n r iq u e D ias T av ares. Salvad or: Banco da Bahia S.A., 1964.
L 'H istoire q u a n tita tiv e d u B r ésil d e 1 8 0 0 à 1930. P aris: CN R.S, 1973.
H istória d a I g r e ja n o BrasiL E nsaio d e in ter p reta çã o a p a r tir d o p ovo. P rim eira época. Eduardo
H o o rn a e rt e t a líi. T o m o 2 . P etro p o lis: V ozes, 1980.
H istória d a I g reja n o B rasil. E nsaio d e in terp reta çã o a p a r tir ã o p ovo. Segunda época. João Fagundes
H a u c k et a lií. T o m o II/2 . P etro p o lis: V ozes, 1980.
H istória d o R io d e ja n e i r o : d o ca p ita l co m e r cia l a o ca p ita l in d u stria l e fin a n ceiro. Río de Janeiro,
IB M E C , 1978.
H O L A N D A , S é rg io B u a rq u e d e. CUentHes e t fid e lit e s en E urope à P ipoque m odem e. (Hommage
à R o la n d M ou sn ier). P aris: P U F , 1 9 8 1 . _ _ ...
“A h e ra n ç a c o lo n ia l —su a d esag regação ”. In : H istória g e r a l da civilização r
t. II, v. 1 . São P au lo : D ife l, 1 9 6 4 . Tomo II:
{dir.}. H istória g e r a l d a civ iliz a çã o brasileira. T om o LA época colon ia l v. ■
O B rasil m on á rq u ico, 5 v. São P au lo : D ifel, 1 9 6 0 -1 9 6 7 .
R aizes do BrasiL R io de Ja n e iro : J . O lym p io , 1956.
------------------ . V is ã o d o paraíso. São P au lo : C ia . E d ito ra N ac io n al, 1 9 7 7 . Histórico
H O N Ó R IO , Sylvcstre. “O sul d a B a h ia”, Salvador: R evista do Instituto eogrp
d a B a h ia , 1 9 2 6 . c , c n n i 8 0 0 ) Petrópolis: Vozes,
H O O R N A E R T , E d u ard o . P o r m a ç ã o d o c a t o lic is m o b r a s ile ir o ( 1 5 0 •

H U N T 1 N G T O N . S. The S o ld i e r a n d th e S t a t e . N ova York:. ^ 1" B° 0kS’


IA N N I , O c ta v io . A s m e ta m o rfo s e s d o e s c ra v o São Pau o: £ ^ B ra s iIe irjll 1 9 7 2 .
__________ R a ç a s e c lasse s s o c ia is no B r a s il. Rio de J - m u r . n 8 3 5 ^ 1 8 8 9 ) . Rio de Janeiro:
IG L E S IA S , F ran cisco . M l . k a c e n i m i e . d o P ™ .n c ,a l (1 8 3 5
I n s t i t u t o N a c i o n a l d o L iv r o , 1 9 5 8 . K o n d r a t i e f j A íx - e n -P r o v e n c e : U P e v s e
IM B E R T , G a s c o n . D e s m o u v e m e n t s d e l o n g u e
U n iv e r sita ire . 1 9 5 9 .
732 B a h ia , S écu lo XIX

A in serçã o d a B abia na ev o lu çã o n a cio n a l I a eta p a : 1850—1889. S alv ad o r: Secretaria de P lane­


ja m e n to , C iê n c ia e T ecn o lo gia/ C P E , 1978. 4 v.
JA B O A T Ã O , A n tô n io M a ria (frei). “C atálo g o g en e aló g ic o ”. S alv ad o r: R evista d o Instituto
G en ea lógico d a B a bia , anos 1 e 2 , nos 2 , 3 e 4 , 1 9 4 5 -1 9 4 6 .
JA N C S O , István. C on tra dições, tensões, co n flito s: a in co n fid ên cia b a ia n a d e 1798. N iterói:
U n iv ersid ad e F ed eral F lu m in en se, 1975 (tese de liv re d o c ê n cia não p u b licad a),
JO H N S O N JR ., H aro ld B. “T h e d o n a ta ry c a p ta in c y in p ersp ective: p o rtu gu ese backgrounds
to settlem en t in B raz il”. H isp a n ic A m erican H istorica l R eview , (5 2 ) : 2 0 3 - 2 1 4 , 1972,
--------------- . “M o n e y an d prices in R io d e Ja n e iro (1 7 6 0 —1 8 2 0 )”. In: L H istoire q u a n tita tive du
B résil d e 1800 à 1930. Paris: C N R S , 1 9 7 3 .
JO N G M A N S , J. “A refo rm a d a O rd em B e n e d itin a no B rasil, 1 8 9 0 - 1 9 1 0 ”. In: R ioland o Azzi
(o rg.). A v id a religiosa n o B ra sil p. 1 3 0 - 1 5 0 .
K A R A SH , M a ry . S la ve lifle in R io d e J a n e ir o , 18 0 8 -1 8 6 0 . M a d iso n : U n iv e rsity o f W iscon sin,
1 9 7 2 (tese de d o u to rad o nao p u b lic a d a ).
KEN N ED Y, Jo h n N o rm an . “B a h ia n e lite s, 1 7 5 0 - 1 8 2 2 ”. H isp a n ic A m erican H istorica l R eview ,
53 : 4 1 5 - 4 3 9 , 1 973 .
K ID D E R , D an iel P. R em m iscên cia s d e v ia gen s e p er m a n ê n cia n o Brasil, R io d e J a n eir o e São
P aulo, co m p reen d en d o n o tícia s h istórica s e g eo g r á fica s d o I m p ério e d as d iversa s p rovín cia s.
São P aulo: M a rtin s, 1 9 4 0 . 2 v.
K LEIN , H erb ert. S. “T h e co lo red freed m an in b raz ilia n slave so c ie ty ”, J o u r n a l o f S o cia l H istory
(C a lifó rn ia ), 3 ( 1 ) : 3 0 - 5 2 , o u to n o , 1969-
--------------- .“T h e in te rn a i slave trade in X IX cl> c e n tu ry B razil: a stu d y o f slave im p o rtatio n s into

R io de Ja n e iro in 1 8 5 2 ”. H isp a n ic A m erica n H isto rica l R eview , 51 (4) : 5 6 7 -5 8 5 , no­
vem bro de 197 1 .
K O ST E R , H en ry. V iagem a o N ord este d o Brasil. São P au lo : C ia . E d ito ra N acio n al, 1942.
LA F O N T A IN E , Jean de. F aibles ch oisies (L ivres I—LV). N ova Y ork: L ib rairie Larousse/F.S. Crofts
& C o ., 194 1 .
L A B R O U SSE , E rnest. La crise d e V économ ie fr a n ç a is e à la f i n d e 1'Anden R égim e e t au d éb u t de
la R évolution. A p erçu gen erau x , m êth od es , ob jectifi, la crise d e l a viticu ltu re. Paris: PU F, 1943.
--------------- . Esquisse d u m o u v em en t d es p rix e t d es rev en u s en F ra n ce a u XVIIIe siècle. Paris; Dalloz,
1932.
L A C O M B E , A m érico ja c o b in a , “O V isco n d e d e Je q u itin h o n h a ”. R io de Jan eiro : Revista
B rasileira ( 6 ) 19 : 8 1 - 8 5 , ju n h o de 1 947 .
LA D U R IE , E m m anuel Le R oy. H istoire d u clim a t d ep u is Van m il. P aris: F lam m arion, 1967.
---------------. Le territo ire d e 1’h istorien . P aris: G allim ard , v. I, 1 9 7 3 , v. II, 1978.
LA M B E R G , M au rício . O Brasil. A terra e a g en te. R io d e Ja n e iro : T yp o g rap h ia N unes, 1896.
LA M B E R T, Jacq u cs. Os d ois Brasis. Rio de Jan e iro : M E C /IN E P, 1959-
LAN D RY, A dolphe. 7 ra ité d é d ém ogra p h ie. Paris: P ayot, 1945.
LASL.ET I , Pctcr (o rg.). “La fam ille ct lc m én age: approches h isto riq u es". Paris: Annales (27)
4 - 5 : 1 8 4 7 -1 8 7 2 , ju lh o —outubro dc 1972.
---------------. H ou sehold a n d Fam ily in Past Time. C am b rid ge: C am b rid ge U niversity Press, 1974.
LATTEAU X , D r. A travers le Brésil. A upays d e Tor et des diam ants. Paris: A illaud Alves & C íe.,
1910.
LE LA N N O U , M au rice, Le Brésil. Paris: A. C o lin , 1955.
LEBRU N , François. Les hom m es ct la m ort en A njou au X V IIe et XVIIIe siècles. Paris, La Haye.
1971.
Legislação brasileira (coleção crono lógica das leis, decretos, resoluções de consulta, provisões,
B ib u o g r a f ia
733

r • Pmp,ín,° t “ " '" í' eSM ! ^ J 8 0 ' " * 1831 inc,usi'"' “ M » ’ pelo Conselheiro
Jose de Paulo de F.gucredo Nabuco de Araújo). Rio de janeiro: Typographia Imperial e
C o n s titu c io n a l de J. V ille n c u v e e C ia ,, 1 8 4 4 . 7 v. penai e
L eis e reso lu çõ es d a A ssem bléia P r o v in cia l d a B a h ia . B ah ia: 1 8 3 5 -1 8 8 9
L E IT E , S e ra fim . H istória d a C o m p a n h ia d e J e s u s n o BrasiL R io de Janeiro - C iv ilizarão R ■
le ira, 1 9 3 8 - 1 9 5 0 . 1 0 v. ^ iv iíiz aç ao Brasi-
L E O N A R D , E m ile. O p ro testa n tism o b ra sileiro. São P au lo : A ST E , 1 9 6 3
L IM A , R ené C irn e . P eq u en a h istoria ter rito r ia l d o BrasiL Sesm arias e terras devolutas. Porto A W -
E d ição S u lin a , 1 9 5 4 . ° ’
L IM A B A R R E T O . C lara d os A njos. P ref. S é rg io B u arq u e de H o lan d a. R io de ja n e iro : Edições
d e O u ro , s/d. *
---------------- . R eco rd a çõ es d o es cr iv ã o Isa ía s C am in ha. R io de Ja n e iro : Edições de O uro, s/d
—— . T riste f i m d e P o lica r p o Q uaresm a. 18a ed. São P au lo : B rasilien se, 1 9 7 7 ,
L IM A J R ., F ran cisc o P in h e iro & C A S T R O , D in o rah d ’A rad jo B erb ert de. P adre M estre Cons.
Dr. A n tôn io J o a q u im d a s M er cês (1 7 8 6 -1 8 5 4 ), M estre d e F ilosofia. Salvador: U niversidade
C a tó lic a do S a lv a d o r/ M en sag eiro d a Fé L td a ., 1977 .
L IN D L E Y , T h o m a s. N a rra tiva d e u m a v ia g em a o Brasil. São P aulo: C ia . E ditora N acional,
1969. ■ . ’
L IN H A R E S , M a r ia Y ed a. H istória d o a b a stecim en to . U ma p ro b lem á tica em questão ( 1530­
1918). B ra sília : B ia n a g r i, 1 9 7 8 .
. “A s listas e le ito ra is do R io d e Ja n e iro no século XIX . Projeto de classificação sócio-
p ro fissio n a l”. C a ra v elle (F ra n c e ), 2 2 : 4 3 —6 7 , 1 9 7 4 .
L IN S , Iv an . H istória d o p o s itiv is m o n o BrasiL 2 a ed. São P au lo : C ia. E ditora N acional, 1967.
L IS B O A , Jo sé d a S ilv a . “C a r ta p a ra D o m in g o s V a n d e lli em q u e se dá n o tícia desenvolvida
sobre a B a h ia (1 8 d e o u tu b ro de 1 7 8 1 )”. R io de Jan e iro : A nais d a B iblioteca N acional, 1910,
p . 4 9 4 -5 0 6 .
L tvro d e m a trícu la d os en g en h o s d a B a hia , 1807—1874. A rq u ivo do Estado da Bahia, Seção
H istó rica/A vu lso s.
L O B O , E u lália M a ria L ah m e y er. “E v o lu tio n des p rix et d u co ü t de la vie à Rio de Janeiro
(1 8 2 0 —1 9 3 0 )”. In: L H istoire q u a n tita tiv e du B résil d e 1800 à 1930. Paris: C N R S, 1973.
..........- . H istória d o R io d e J a n e ir o (d o ca p ita l co m er cia l ao ca p ita l in d u stria l e fin a n ceiro). Rio
de Ja n e iro : IB M E C , 1 9 7 8 . 2 v. _
.. P rocesso a d m in istra tiv o ib ero -a m erica n o (A spectos sôcto-econ ôm icos. P eríodo co lon ia ).
R ío d c J a n e ir o : B ib lio te c a do E xército , 1 9 6 2 .
L O C K H A R T , J . & S C H W A R T Z , S .B . E arly L a tin A m e ric a . A History o f Colonial Spams
A m erica a n d B razil. C a m b r id g e : C a m b r id g e U n iv e r s ity Press, 1983-
L O U R E I R O D E S O U Z A , A n to n io . “O s nobres d o R io V e r m e lh o ”. Salvador: Revista ns-
tituto Genealógico d a B ah ia , ( 1 8 ) ; 2 2 1 - 2 2 7 , 19 72 . _
L U G A R , C a th e r in c . The M erchant Com munity o f Salvador, B abia, 1 7 8 0 -1 8 3 . tate m v
o f N e w Y ork at S to n y B rook, 1 9 8 0 (tese dc d o u to ra d o não publicada).
L U N A , F ran cisco V id a l. M in as Gerais. Escravos c senhores. A nálise da (£n_
econômica de alguns centros m in eratârh s (1 7 1 8 -1 8 0 4 ). São Paulo: IEP/USP, 19 <
saios E co n ô m ico s n" 8 ). , * sociedade.
L U N A , F rancisco V id a l & N E R O D A C O S T A , Iracj dei. M in as colonial: ec
S ão P au lo : FIPF,/Pioneira, 19 82 . Prllrfies Lumen
L U N A , Jo a q u im . Os monges beneditinos no BrasiL Esboço histérico, o e Jan e .
C hrisci, 19 47 .
734 B a h ia , Séc u lo XIX

L U ST O S A , O scar de F igu eired o (O .P .). P olítica e Igreja . O p a r tid o ca tó lico no B rasil: m ito ou
rea lid a d e. São P aulo ; E dições P au lin as, 1 9 8 2 .
--------------- . “P resença d a Igreja no B rasil C o lô n ia e Im p ério . P erspectivas e problem as”. In*
A religiã o d o p o v o ..., p. 2 4 —43.
“R eform istas n a Igreja do B rasil Im p ério ”. São P au lo : F acu ld ad e de Filosofia
C iên cias e Letras, B oletim n° 1 7 (N ova série), 1 9 7 7 .
L U Z , N ícia V ile la . A lu ta p e la in d u stria liz a çã o d o BrasiL São P au lo ; D ifel, 1961 .
LYRA, A. T avares de. In stitu içõ es p o lítica s d o Im p ério. B ra sília , U n iv ersid ad e de B rasília, 1978
--------------- . “Os m in istro s dc E stado d a In d e p e n d ê n cia à R e p ú b lic a”. R io de Jan eiro : R evistado
In stitu to H istórico e G eográ fico B ra sileiro , 1 9 3 : 3 - 1 0 4 , 19 4 6 .
LYRA, H eito r. H istória da q u ed a d o Im p ério. S lo P au lo : C ia . E d ito ra N acio n al, 1964. 2 v.
--------------- . H istória d e D om P ed ro II: 1 8 2 5 -1 8 9 1 . São P au lo : C ia . E d ito ra N acio n al, 1938—
1940. 3 v. *
LYRA, H e n riq u e Jo rg e B u c k in g h a m . C olon os e colôn ia s. U m a a v a lia çã o d a s ex periências d e co ­
lon iz a çã o a gríco la na B a hia n a segu n d a m eta d e d o sécu lo XIX. S alv ad o r: U niversidade Fe­
deral d a B ah ia, 1 9 8 2 (tese dc m estrad o não p u b lic a d a ). .
M A C E D O , Jo rg e de. A situ a çã o e co n ô m ica n o tem p o d e P om b al. A lguns asp ectos . Porto: Livraria
P o rtig a lia, 1951-
M A C H A D O N E T O , Z ah id é. E strutura s o cia l dos d ois N ord estes n a o b ra literá ria d e J o s é Lins do
Rego. B ahia: U n iv ersid a d e F ed eral d a B a h ia , 1971.
M A G A L H Ã E S, B asílio de. E studos d a H istória d o BrasiL S ão P au lo , 1940.
--------------- . “P edro II e a Ig re ja C a tó lic a ”. R evista d o I n stitu to H istórico, t. 9 8 , v. 152 : 3 8 5 -4 0 8 ,
1925.
M A G A LH Ã E S J R ., R . Três p a n fletá r io s d o S egu n d o R ein a do. São P au lo : 195 6 .
M A L H E IR O , C arlo s D ias. H istória d a co lo n iz a çã o p o r tu g u esa d o BrasiL O P orto, 1924—1926.
3 v.
M A L H E IR O , P erd igão . A escra v id ã o n o Brasil. E nsaio h istórico, ju r íd ic o , sociaL 3* ed. Petrópoiis:
V ozes, 1 976 . 2 v.
M A R C H A N T , A lexan der. “F eu d al a n d c a p ita listic elem en rs in th e p o rtu gu ese settlem ent o f
B razil”. H ispanic A m erican H isto rica l R eview , ( 2 2 ) : 4 9 3 —5 1 2 , 1942.
—------------ . D o esca m b o à escra vid ã o. São P au lo : C ia . E d ito ra N ac io n al, 1943.
M A R C ÍL IO , M a ria L uiza, La v ille d e S ão P au lo, p eu p le m e n t etp o p u la tio n , 1750—1850. Rouen,
P ubl. F aculté de R o u en , 1968 (ed. b rasile ira : A cid a d e d e São P aulo, p o v o a m en to e p o p u ­
lação, 1750—1850. São P aulo: P io n eira, 1 9 7 4 ).
M A R IZ , C elso. Ibiapina. Um a p óstolo d o N ordeste, 2 a ed. Jo ão Pessoa: U niversidade da Paraíba,
1980.
M A R Q U E S, X avier. O feitice ir o . R io d c Ja n e iro : L iv raria Leste R ib eiro , 1922.
M A R IIN E Z , M aria do Socorro T a rg in o . O rdens T erceiras, id eo lo gia e arquitetura. Salvador.
U n iversidade Federal da B ah ia, 1979 (tese de m estrado não pu b licad a).
M A SC A R E N H A S DE M O R A IS , Jo ão B atista (m arech al). M em órias. R io de Jan eiro : Livraria
O lím p io , 1969. 2 v.
M A T T O S, W ald em ar. P an oram a eco n ô m ico d a B ahia, 1808—1960. Edição c o m e m o r a tiv a do
sesquicencenário da A ssociação C o m ercial da B ahia. B ahia: T ip o grafia M an u , 1961.
M A T T O SO , K atia M . de Q ueirós. B ahia: a cid a d e do S alvador e seu m ercad o no sécu lo XIX São
Paulo: H ucirec, 1 9 7 8 .
■--------------. “B ahia o p u len ta. U m a cap ital p ortuguesa no N ovo M u n d o (154 9—1763) • São
Paulo: R evista d e H istória, 114 : 5 —2 0 , j an eiro-junho de 1983.
B ib l io g r a f ia
735

- . B ahia: cron ologia , 175 0-1 93 0. C ro n o lo gia estabelecida com base na f


h .sto rio g ráfica trad ic io n al d a B ah ia. T rab alh o in éd ito . bibliografia

- 'a A u arta dC alf° r í la C° m ° f0nK co m Plem en tar o estudo da rentabilidade da


m ao -d e-o b ra escrava u rb an a, 1 8 1 9 -1 8 8 8 ”. In: C .M , Pelaez & M . Buescu ( e d ) A M o
d ern a h istória econ om ica . R io de Ja n e iro : A P E C , 1 9 7 6 .
7 7 „ “C 7 ' 0nCtU1re « ™ i<té l u 11 à '» f i" X V lil ' siècle. Prix e . salaires à la v eü k
» ?« J j 1, ™
33 / /U,,,0 n d " AJfa' aK ' ' B a h i" 1 7 9 8 ”‘ Paris: des A m éri^ue, U ,in el. ( 5 ) :

T C l4 9 ° 2 T l9 7 0 f” nCêS ^ B ah ia ei" 1 8 2 4 ”’ Á m Í! * Árq“ÍV° ^ EíUd° ** B M a '


“D es B ah ian ais co m m e des autres? 2 0 N ouveaux C hrétien s du début du XVIII
siècle . In: F estsch rift für H erm an n K cllenbenz. W irtschatskràfte u n d W irtschãftweve
IV ; 3 1 3 - 3 3 2 , K le tt-C o ta, 197 8 .
-. E tre E sclave a u B résil, XVIe-X IX e siecles. P aris: H ach ettc, 1979 (ed. brasileira: Ser
escra vo no BrasiL São P aulo : B rasilien se, 1988).
. “A fa m ília c o d ireito no B rasil no século XIX. Subsídios ju ríd ico s para os estudos
em h istó ria so cial”. S alv ad o r: A nais d o A rquivo do Estado d a Bahia, (44) : 2 1 7 -2 4 4 , 1 9 7 9 .
‘ P ara u m a h istó ria so cial seriad a da c id ad e do Salvador no seculo XIX: os testamen­
tos e in v en tário s com o fonte d e estud o d a estru tu ra socíal e de m entalidades”. Salvador:
A nais d o A rquivo d o Estado d a B ahia, (4 2 ) : 1 4 7 -1 6 9 , 1975.
“P ara u m a m eto d o lo gia em h istó ria social: a h istó ria social de Salvador no século
X IX ” (ensaio in éd ito , 2 5 0 p. d at.).
“P árocos e vigário s em Salvad o r no século XIX: as m últiplas riquezas do clero
secu lar d a c a p ita l b a ia n a ”. T em po eS o cied a d e, U niversidade Federal Flum inense, ( 1 ) : 13­
4 8 , ja n e iro -ju íh o de 198 2 .
‘O s preços na B ah ia de 1 7 5 0 a 1 9 3 0 ”. In: V H istoire q u a n tita tive du Brésil d e 1800
à 1930 , P aris: C N R S , 1 9 7 3 ­
. P resen ça fr a n cesa n o m o vim en to d em o crá tico baiano d e 1798. Salvador: Itapuã, 1969.
“A propósito de cartas de alfo rria. B ahia, 1 7 7 9 -1 8 5 0 ”. Assis, São Paulo: Anais d e
H istória , (4 ) : 2 3 - 5 2 , 1972. ^ ^
-. “So ciedade e co n ju n tu ra na B ahia nos anos da lu ta pela Independência”. Salvador:
U niversitatas , 15/16 : 5 - 2 6 , m aio -d ezem b ro de 1973.
T estam entos d e escravos libertos na B ahia no sécu lo XIX: um a fo n te para estudo d e
m en ta lid a d e. S alv a d o r: C e n tro de Estudos Baianos/U niversidade Federal da Bahia, 1979.
_ . « U m estu d o q u a n tita tiv o de estrutura social: a cidade do Salvador, Bahia de Todos
os S an to s no século XIX. P rim eiras abordagens, prim eiros resultados”. M aríha (Sao I au-
lo): Estudos H istóricos, (15) : 7 - 2 5 , 19 76. _ -
«/ A T H A Y D E lohíldo Lopes de. Epidemias e rlutuaçoes
M A T T O SO , K atia M . de Q ueiró s & A I H A Y U L , jo h ii a o Lopes o t
d e preços n a B ah ia no s/culo XIX". In: L Wrrmrre d u B r íu l de 1 8 0 0 à 1 0 }

Paris: C N R S . 1 9 7 3 . r A R C E Z A neelina Nobre Rolim. “Fontes para o


M A T T O S O , Katia M . de Q u c.ró s & C .A R C t e , n . A ,u „ J u V llI S im p ó ú t
estudo da p ropried ad e rural: o R eeô n eav n b a. ncu 76 4 8 8 9 . S5o ^
N u à o n u l d a , P ru fivu rr, U m w M n o s r/r H .u d n u (Araeaju). 3 .

1.976. .--------- , formação da propriedade no eixo Ilhéus­


--------------- . “ In tro d u ção ao estudo dos n’ c “ " ,s "’ . ^ N ad,„ a ld o , P rufiuur,: UmverMÚno,
Itabuna ( 1 8 9 0 - 1 9 3 0 ) " . In: Arrrrrr d u V l l ^
d e H istória (A racaju, s e t e m b r o e *
736 B a h ia , S é c u l o XIX

M A T T O S O , K atia M . d e Q u eiró s & JA N C S O , István. "C o m o estu d ar a h istó ria q uan titativa
da B ahia no século X IX ”. In: L H istoire q u a n tita tive d u B résil d e 1800 à 1 9 3 0 . Paris- CN RS
1 9 7 3 , p. 3 6 1 - 3 7 3 . ' ’ ’
M A T T O S O , K atia M . d e Q u eiró s, K LEIN , H erb ert S. & E N G E R M A N , S tan ley L. “Trends
an d p attcrns in the prices o f m an u m itte d slaves: B ah ia, 1 8 1 9 - 1 8 8 8 ”. S laverya n d A b olition
m aio de 1986.
M A U R O , F rédéric. Le B résil d u XVe au XVIIIe silcle. P aris: SE D E S, 1977.
--------------- . L êx p an sion eu ro p éen n e (1 60 0 —1870). 2 a ed. P aris: P U F, 196 7 .
--------------- . Le P o rtu ga l e t P A tlantique a u XVI. E tude Ê conom ique. P aris: SE V PEN , 1960
M A W E , Jo h n . V iagens a o in ter io r d o B ra sil p r in cip a lm e n te a os d istritos d e ou ro e dos diam antes
T rad , S o len a B en evides V ia n a . R io d e Ja n e iro : L iv raria Z elio V alv erd e, 1944.
M A X IM IL IA N O D E H A B S B U R G O . B a h ia , 1860. E sboços d e via gem . T ra d . A n to n ieta da Silva
C arv alh o e C arm e n S ilv a M e d e iro s. P refácio K atia M . de Q u eiró s M atto so . Int. e notas
M o em a P aren te A u gel. R io d e Ja n e iro : T e m p o B rasileiro / F C E B a, 1982.
M A X W E L L , K en n eth . C on flicts a n d C on sp ira cies: B ra z il a n d P ortu ga l, 1730—1808. Londres:
C am b rid g e U n iv e rsity P ress, 1 9 7 3 ­
--------------- . A d eva ssa d a d evassa. A in co n fid ê n cia M in eira , B ra sil e P ortu gal, 1730—1808. Rio de
Ja n e iro : Paz e T e rra , 1 9 7 8 .
M A Y E R S, E d w ard G . “M o n o p o le e t o lig o p o le ”. In: D o u glas G reew ald (ed .). E ncyclopédie
êco n om iq u e. P aris: E co n o m íca, 1 9 8 4 .
M A Y E U R , Je a n -M a rie . D es p a r tis ca th o liq u es à la d ém o cr a tie ch rétien n e, XlXe—XXe siècles. Paris:
A. C o lin , 1980 .
M E IN E N , T a rc ísio (frei). “B reve resu m o h istó ric o do C arm o no B rasil”. In: M en sageiro do
C arm elo , 221—TJX, n o v .- d e z . d e 1 9 5 4 (n ú m ero esp ecial do cin q ü en ten ário da restaura­
ção c a rm e lita n a flu m in e n se ).
M E L O , E valdo C ab ral d e. O N orte a g r á r io e o Im p ério , 1871—1889. R io de Jan eiro : Nova
F ron teíra/IN L /F N P M , 1 9 8 4 .
M E L O M O R A IS F IL H O . F estas e tra d içõ es p o p u la res n o B rasil. R io de Jan e iro : 1966.
M E N D E S D E A L M E ID A , C â n d id o . D ireito c i v i l eclesiá stico a n tigo e m o d ern o e suas relações
co m o d ir eito ca n ôn ico. R io d e Ja n e iro : 1866 / 1873- 2 v.
M E N D O N Ç A , A n to n io G ouvêa. O celeste p o r v ir . A in serçã o d o p ro testa n tism o n o BrasiL São
P aulo : Edições P au lin as, 1 9 8 4 .
M E N D O N Ç A , M arco s C arn eiro . O m a rq u ês d e P o m b a l e o Brasil. São P au lo : C ia, Editora
N acio n al, 1960.
M E N E Z E S, D jacir. O ou tro N ordeste. F orm a çã o s o cia l d o N ordeste. R io de Jan eiro : J. O lym pio,
1 937 .
M EN EZES, Jo aq u im de M atto s T elles de. “R elató rio d a B ib lio teca P úb lica . In: Fala do
P residente d a P ro v ín cia (João Jo sé de A lm e id a C o u to ). Salv ad o r: Im prensa O ficial, 1873.
M O N IZ , A ntonio F errão. “R elató rio do b ib lio tecário d a L ivraria P úb lica . In: Fala do Pre
sídente d a P rovíncia (B arão dc São L ourenço). Salvad or: Im prensa O ficial, 1871-
M O N T E IR O , H am ilto n dc M atto s. N ordeste in s u r g e n t e ( 1 8 5 0 - 1 8 9 0 ) . 2 a ed. São Pau o.
B rasilicnse, 1981. _ „
M O N T E IR O , T â n ia P en ido. P ortu gu eses na B ahia na segu n d a m eta d e d o sécu lo XIX. I m ig r a ç ã o
e com ércio. Salvador: U niversidade Federal da Bahia, 1982 (tese de m estrado não publica )•
M O N T E IR O , T o b ias. H istória do Im pério. O P rim eiro R einado. Belo H orizonte: Itatiaia/USP,
1982. 2 v.
M O N T E IR O DE V ID E , Sebastião (D om ). C o n s tit u iç õ e s p r i m e i r a s d o A r c e b ts p a d e d a B a h u t,
fe it a s e o rd en a d a s p e lo a rceb isp o, p rop osta s e a ceita s em Sv J n -

“ÍK K Í i,™ 2 . t - ™ . s ,. c ,
M O R A IS , E. V ilh e n a de. O G a b in ete C aviar * * * ■.■ j >■

p esso a / d o Im p era d or. R io de ja n e iro : F. B r i g u ^ 1 9 3 0 ^ ^ religiom ' A atitud<


M O R A Z E , C h arles. Les 3 Ages d u Brésil. Essai p o litiq u e. Paris: A. C olin 1954
M O R N E R , M a g n u s (d ir.). TAe o fth e J e s u its fr o m Latin.America. N ovaY ork: A Knopf,

M O R S E , R ic h ard . F orm a çã o h istó rica d e São Paulo. São Paulo- D ifel 1970

M O R T A R A , G ío rgio . A spectos g er a is d a p op u la çã o d o Brasil. Rio de Janeiro, 1947.


M O R T O N , F .W .O . T he C o n serva tive R evolu tion o fln d ep en d en ce: Economy, Society andP olitics
in B a h ia , 1 7 9 0 -1 8 4 0 . O xfo rd U n iv ersity, 1974 (tese de doutorado não publicada).
M O T A , C arlo s G u ilh e rm e (o rg .). B ra sil em p ersp ectiva . São Paulo: D ifel, 1 9 7 6 .
---------------- (o rg .). N ord este 1817. E struturas e argu m en tos. São Paulo: Perspectiva, 1 9 7 2 .
M O U C H E Z , A m ad e E.B. Les co tes d u B résil. D escriptions e t instruetions nautiques. I P section,
d e B a hia à R io d e Ja n eiro . Paris: Im p rim erie A dm inistrative de P. Dupont, 1864.
M O U S N IE R , R o lan d . Les h iéra rch ies socia les d e 1450 à nos jou rs. Paris: PUF, 1969-
M Ü L L E R , C h ristian o . M em ó ria h istórica sob re a religiã o na Bahia, 1823—1923. Salvador: 1947.
M U R D O C K , G eorge P. Á frica: its p e o p le a n d th eir cu ltu ra l history. Nova York, Toronto and
L ondres: M ac G raw -H iü C o ., 1959.
N A B U C O , Jo a q u im . O a b olicion ism o. P etrópolis: Vozes/INL, 1977-
N A E H R E R , Ju liu s . T erra e g e n te d a P ro v ín cia d a B ahia>incursões de... Trad. Deoclécio Leirte
de M ace d o . Introd. e notas Pedro C alm o n (exem plar datilografado). Em língua alemã:
L a n d u n d L eute in d e t b ra silian isch en p ro v in z Bahia. Leipzig, 1881. - •
N A R D I, Je an -B ap tiste . O fu m o n o B ra sil C olônia. São Paulo: Brasiliense, 1987 (Tudo é His­
tó ria ).
NF.IVA, A rtu r. “D íogo Alvares C aram u ru e os franceses”. Rio de Janeiro: Revista Brasileira, Ano
I (3) : 1 8 5 -2 1 0 , 1941. _
N F R O D A C O S T A , Iraci dei. P opu lações m ineiras. S obre a estrutura populacional de a gu ns
J n ú cleos m in eiros n o a lv o recer do sécu lo XIX. São Paulo: IEP/USP, 1981 (Ensaios Econô­
m icos n" 7).
__________> V ila Rica: p op u la ção (1719—1826), São Paulo: IEP/USP, 1979.
N iveaux d e cu ltu re e t grou p es sociaux (Actes du colloque réuni du 7 au 9 mai à i’Êco e norma e
sL .néricurcb P aris/ L a H a y c : M o u r o n , 1 9 6 7 . ,
iU E IR A , O ct a vi a n o & FIR M O , J o ã o S e r e n o . P a r l a m e n t a r e s d o I m p é r i o . Bras/ha: ena
NCX
F e d e ra l, ] ];| “V ia s d e c o m u n ic a ç ã o " . In: S é r g i o B u a r q u e d e H o la n d a
N O G U E I R A DE M A I O S , Od lon. 'Ç t n y 4> 4 2 _ 59- S5o Paulo: Difel, 1964.
(d ir.). H istó ria g e r a ! d a ctvt t >• ' Editora Nacional/MEC/
N O R M A N O , J.F . e c o n ô m ic a do B ra sil. 1 cd. bao .

IN L , 1975. , do a n t k 0 sistema colonial, 1 7 7 7 - 1 8 0 8 . São Paulo:


NOVA1S, Fernando A. Portugal c Brasil na crise do an g
H u c ite c , 1 9 7 9 . ,. r5 P a u ]o: Perspectiva, 1 9 7 2 .
N O V 1N SK Y , A nita. « B aha'
738 B a h ia , S é c u l o XIX

--------------- . In q u isiçã o. In v en tá rio s d e b en s con fisca d os a cristãos novos. L isboa: Imprensa Nacio
nal/C asa d a M o eda/L ivraria C am õ es, s/d.
N O Y A P IN T O , V irg iiio . “B alan ço das transfo rm ações eco n ô m icas no século XIX”. In: Carlos
G u ilh erm e M o ta (e d .). B rasil em p er sp ectiv a , São P aulo : D ifel, 1976.
N U N E S LEAL, V icto r. C oron elism o, enx ada e voto. R io de Janeiro /São P aulo : R evista Forense
1 948 . ’
O LIV E IR A , J .M . C ard o so de. D ois m etros e cin co . A ventu ra d e M arcos P arreira (Costum es
b rasileiro s). R io d e Ja n e iro : L iv raria B rig u ie t, 1 9 3 6 .
O L IV E IR A , M a ria Inês C ó rtes de. O lib erto : o seu m u n d o e os outros. S alvador, 1790-1890
Salvad o r: U n iv ersid a d e F ed eral d a B a h ia , 1 9 7 9 (tese de m estrad o não pu b licad a).
O LIV E IR A , Pedro A . R ib e iro de. “O c ato lic ism o do p o vo ”. In: A religiã o d o p o v o .,,, p. 7 2 -8 0
O LIV E IR A , R am os de. O co n flito m a çô n ico -r elig io so d e 1872. P etró p o lis: Vozes, 1952.
O LIV E IR A , W a ld ir F reitas de. A n tôn io d e L acerda. S alv ad o r: P refeitu ra M u n ic ip a l, 1974.
--------------- . “As fábricas de tecid o s em V a le n ç a no século X IX ” (m an u scrito ),
O L IV E IR A L IM A . O I m p ério b ra sileiro, 1 8 2 2 -1 8 8 9 . São P au lo : M elh o ram en to s, s/d.
O L IV E IR A M A R Q U E S , A .PL de. A so cied a d e m e d ie v a l p ortu gu esa . 2 a ed. L isboa: L ivraria Sá
d a C o sta, s/d.
O L IV E IR A V IA N A , F ran cisco Jo sé d e. E volu çã o d o p o v o b ra sileiro. R io de Ja n e iro : J, O lym pio,
. 195 6 .
--------------- . I n stitu içõ es p o lítica s b rasileiras. R io dc Ja n e iro : J. O ly m p io , 1955.
--------------- . In tro d u çã o à h istó ria s o c ia l d a eco n o m ia p ré-ca p ita lista n o Brasil. Rio de Janeiro:
J . O ly m p io , 1 9 6 8 . '
--------------- . O oca so d o Im p ério. São P au lo : M e lh o ra m e n to s, 192 5 .
. P op u la ções m erid io n a is d o BrasiL R io d c Ja n e iro : Paz e T erra, 1973-
O N O D Y , O liv er. A in fla çã o b ra sileira . R io d c Ja n e iro , 1960 .
O rdres e t classes (C o llo q u e d ’h isto ire so ciale, S a in t-C Io u d , 2 4 - 2 5 m a i 1 9 6 7 ). Paris, La Haye:
M o u to n , 1973.
O T T , C arlo s B. F orm a çã o e ev o lu çã o é tn ica d a cid a d e d o S alvador, Salvad o r: P refeitura M u­
n icip al do S alv ad o r, 1 9 5 7 . 2 v. .
PAES M A C H A D O , E duardo & O L IV E IR A , E liene S im o n e S . “C acau n a B ah ia”. In: A in­
serção d a B ahia na ev o lu çã o n a cion a l. I a eta p a : 1850—1889. Salvad o r: Fundação de Pes­
q uisas - C P E , 1 9 7 7 (ex em p lar d a tilo g ra fad o ).
P A M P O N E T , José L u ís S a m p aio . E volu ção d e u m a em presa n o con tex to d a industrialização
brasileira. A C om pa n hia E m pório In d u stria l d o N orte, 1891—1973 . Salvador: Universidade
Federal da B ahia, 1975 (tese de m estrad o não p u b lic ad a).
PANd ALEÃO, O lga. “A presença in glesa”. In: H istória g e r a l d a civiliz a çã o brasileira, II/1, 1964.
PARAÍSO B O R G E S, A lb erto Salles (o rg.). 150 anos d a P olícia M ilita r d a Bahia. Salvador:
Empresa G ráfica, 1975-
PE D RO II (D o m ). D iário d a v ia gem a o N orte d o Brasil, 1859. B ahia: Livraria Progresso, 1 9 5 *
P elou rin h o Inform a. Salvador: F undação do P atrim ô n io A rtístico e C u ltu ral da Bahia, )
1 979 . 4 v.
PEREIRA, N uno M arq u es. C om pên dio n a rra tivo d o p er eg r in o d a A mérica. 6 a cd. Rio e Ja
neiro: A cadem ia B rasileira, 1939 . 2 v.
PEREIRA DE Q U E IR O Z , M aria Isaura. B airros rurais paulistas. São Paulo: Duas Cidades,
1973.
----- . O ca m p esin a to brasileiro. Petrópolis: Vozes/Edusp, 1973.
-------------- -. O m a n d on ism o loca l na vid a p o lítica brasileira. São Paulo: IEB/USP, 1969.
B ibliografia

. O m essia n ism o n o B rasil e ho m u n d o São Panln- A l f n


P E R R O T . J « n C la u d e . G * * ,.lllc J Z ' ( t . „
M o u to n , 1 9 7 5 . 2 v. V!li Slècle■ Paris/La Haye:
P E R R U C I, G ad ic l. “Les prix R ccifc ( 1 7 9 0 - 1 8 5 0 ) ” In- I ■* • .
1 SOO à 1930. p a ris: C N R S , 1973 , ' re 9 ia n ^ t w e du Brésil de
P E T R O N H , M a ria T h ereza Sch o rer. A la vou ra ca n a v ieira em São P aulo ExbamS J u
(1 7 6 5 -1 8 5 1 ). São P au lo : D ifel, 1 9 6 8 . **P*»sao e d eclín io
P E \ R O N N L r ^ J c a n -C la u d e . “F am ille élargie ou fam ille nucléaire. L exem o lc limn ‘ a
d e b u r d u X IX 1 siè c le ”. P aris: R evu e d H isto ir e M o d em e et C ontem poraine , ( X X l i y ^
3 8 2 , o u tu b ro -d e z e m b ro de 197 5 , ‘
P 1E R SO N , D o n ald . B ra n cos e p r e t o s na Babia. 2 - ed. São Paulo: C ia. Editora N acional 1971
P IM E N T A , S ilv e iro G om es. Vida d e D. A n tônio F erreira Viçoso. 4 a ed. M ariana- 1920
P IN H O , Jo a q u im W a n d e rle y d e A raú jo . “A v ia ç ã o na B ah ia”. Salvador: D iário O ficia l 1 8 2 3 ­
19 2 3 . 1 1 : ■
P IN H O , Jo sc W a n d e r le y d e A raú jo . “A ab ertu ra dos portos: C airu \ Rio de Janeiro: Revista do
In stitu to G eo grá fico e H istórico d a B ahia, 2 4 3 : 3 6 8 , 1959.
----------------. “A B a h ia - 1 8 0 8 - 1 8 5 6 ”. In : Sérgio B u arq u e de H o lan d a (d ir.). H istória g era l da
civ iliz a çã o b ra sileira , t. II, v. 2 . São P au lo : D ifel, 1964.
-. C ostu m es m o n á stico s na B a b ia : fr e ir a s e recolh id a s. B ahia: Instituto Geográfico e
H istó ric o d a B a h ia , 4 4 ( 1 - 2 ) , 1 918 .
-. C o tejip e e seu tem p o. P rim eira fa se, 1813—1867. São Paulo: C ia. Editora N acional,
1 937 .
-. H istória d e u m e n g en h o d o R ecôn ca vo , 1552—1944. Rio de Janeiro: Livraria Zelio
V alv erd e, 1 9 4 6 ,
-. H istória s o cia l d a cid a d e d o S a lva d or . T o m o I: Aspectos d a história socia l da cidade
(1 5 4 9 -1 6 5 0 ). S alv ad o r: P re feitu ra M u n ic ip a l, 1 9 6 8 .
S alões e d a m a s d o S egu n d o R einado. 3 a ed. São Paulo: Livraria M artins, 1959.
P IT A , Seb astião d a R och a. H istória d a A m érica P ortuguesa, 1500-1724. Rio de Janeiro: Li­
v ra ria G arn ier, s/d.
P O H L , Jo ão E m an uel. V iagem n o in ter io r do Brasil, 1817-1820. Rio de Janeiro. Instituto o
L ivro, 1 948 . 2 v.
P O P P IN O , R o llíe. F eira d e Santana. Salvad o r: Itap uã, 1 9 6 8 .
P R A D O , J.F . de A lm eid a, A B ahia e as ca pita n ia s do C entro do BrastL São Pau o. ia. nora
N acio n al, 1 9 4 5 -1 9 5 0 . 3 v. .
_______ _. D om J o ã o e o in ício d a classe d ir ig en te do B rasil (depoim ento de um pintor au
no R io dc Ja n e iro ). São P aulo: C ia. E ditora N acional, 1 9 6 8 .
PR A D O JR -, C aío . E v o lu ç ã o p o l í t i c a d o B r a s i l e o u tr o s estud o s. São Paulo: Brasi '^nse'
__________“Evolução p o lítica do B rasil”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1933­
______ _ f o r m a ç ã o d o B r a s i l c o n te m p o r â n e o . 5a cd. São Paulo: Brasiliense, 1 *
______ ___ H is t ó r ia e c o n ô m ic a d o B r a s il. 8 a cd. São Paulo: Brasiliense, 1963.
________ _ j r e v o lu ç ã o b r a s ile ir a . 2 a cd. São Paulo: Brasiliense, 1966.

h 2 1 Z ljÍ t lZ I L / W J L J R . th e Nisus frigate. I - * - P

'£ £ £ % **£ - « — ^ IS15- 2 -


T40 B a h i a , S é c u l o X IX

“Q uatro séculos de h istó ria da B a h ia”. Salvad o r: R evista F iscal da B abia, 1949 (edição especial
d ed icad a ao IV cen ten ário d a fundação d a cid ad e do Salvador).
Q U E IR O Z , S u e ly Robles de. E scravidão n egra em São P aulo. Um estu d o das tensões provocadas
pelo escra vism o no sécu lo XIX. R io dc Ja n e iro : J. O lym p io / M E C , 1977.
Q U E N IA R T , je a n . Les hom m es, VEglise e t D ieu dans la F ra n ce du XVIIX siècle . Paris: Hachette
1978 . . ’
Q U E R IN O , M an o el. “A c ad e írin h a de arru ar”. In: A B abia d e outrora. B ahia: L ivraria Eco­
n ô m ica, 1916.
--------------- . C ostum es a frica n os tio Brasil. R io d e Jan eiro : C iv ilização B rasileira, 1938.
--------------- . “Os hom ens de cor p reta na H istó ria ”, R evista d o In stitu to G eográfico e H istórico da
B ahia , 48 : 3 5 3 - 3 6 9 , 1923.
R A M O S, A rth ur. A a cu ltu ra çã o n egra n o BrasiL São P au lo : C ia . E d itora N acio n al, 1942.
--------------- . “O esp írito associativo do negro b rasile iro ”. R A M 4 7 : 1 0 5 -1 2 6 , 1938.
--------------- . O n egro b ra sileiro , R io de Ja n e iro : C iv iliz ação B rasileira, 1934.
--------------- . O n egro na civ iliz a çã o brasileira. R io de Ja n e iro : Ed. C asa dos E studantes do Brasil
s/d. .
REBELLO , D om ingos José A n tô n io . C orogra fia ou a b revia d a história geo g rá fica do Im pério do
Brasil. B ahia: T y p o g ra p h ia Im p erial e N ac io n al, 1 8 2 9 (R evista do In stitu to Geográfico e
H istórico da B ahia, 1 9 2 9 , p. 140—165).
R E B O U Ç A S, D iógenes & G O D O F R E D O F ilho. S a lva d or d a B ahia d e T odos os Santos no
sécu lo XIX Salvador: O d eb rech t S .A ., 1979.
R ecenseam ento d e 1 8 7 2 ( I o d e agosto). B ib lio te ca N ac io n al, Seção de Livros Raros.
REDFIELD, R ., L IN T O N , R. & H E R SK O V IT S, M .J. “O u tlin e for th e stu d y o fac c u lm ratio n ”.
A m erican A nthropologist, 3 8 : 8 7 - 1 3 0 , 1 9 3 6 . ■
REG O , José L ins do. B a n gü ê . R io de Ja n e iro : J . O lym p io , 193 4 .
. F ogo m orto. R io de Ja n e iro : J. O ly m p io , 1943 .
. M en in o d e en gen ho. R io de Ja n e iro : J. O lym p io , 1969.
REIS, João José. “A elíte b aian a face aos m ovim entos sociais. B ahia, 1824—184 0”. São Paulo:
R evista d e H istória, 108 : 3 4 1 - 3 4 8 , 1976.
. Slave R ebellion in B razil: The A frican M u slim U p risin gin Babia, 1835. M ínneapolis;
U niversity o f M in n eso ta, 1 9 8 2 (tese de doutorad o, ed. brasileira: R ebelião escrava no
Brasil: a história do lev a n te d os m alês, 1835■ São P au lo : B rasiliense, 1 9 8 6 ). .
. S lave R evolt in Bahia, 1790—1835: E conom y, Society, D em cgraphy. M inneapolís:
U niversity o f M in n eso ta, 1977 (tese de m estrado não publicad a).
REIS FILHO , N estor G oulart. E volução u rban a do Brasil, 1 5 0 0 —1 7 2 0 . São Paulo: Pioneira,
1 968.
RHE1N GAN TZ, C arlos G. T itulares do Im pério. Rio de Jan eiro : A rquivo N acional, 1960.
R IBE IR O , Boanergcs, O p a d re protestan te. São Paulo: C ia. E ditora Presbiteriana, 19 5 0 .
RIBEIRO, João. H istória do Brasil. 2a ed. Rio de Jan eiro : Francisco Alves, 1901.
R1BEYROLLES, Charles. B rasil pitoresco. São Paulo: Livraria M artins, 1 9 4 1 . 2 v.
R ID D IN G S JR ., E .W . The B ahian Comrnercial Association, 1840—1891: A Pressure Group in
an Underdevelapcd Area. U n iversity o fF lo rid a , 1 9 7 0 (tese de doutorado não publicada).
R O C H A , G eraldo. O rio São Francisco . São Paulo: C ia. Editora Nacional, 19 4 6 .
R O D R IG U E S, A na M aria M oog (org.). A Igreja na República. Brasília: Câm ara dos Deputa
dos/Universidade de Brasília, 1 9 8 1 . t
R O D R IG U E S, José H onório. B rasil e África, outro horizonte (relações e política brdsileiro-ajn
cana). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1 9 6 1 . 2 v.
B ib l io g r a f ia

. -O clero e a Independência". Rcvitta de Estudos Brasileiros, (32) : 309-326, 1972


— . C o ra, , K f no B m il U m d a a f io h is tM m c u lt iir a i .9 7 2
vifização B ra sile ira , 1 9 6 5 . J ru- w
. H istória e h isto ria d o res d o BrasiL R io de Ja n e iro : F ulgo r, 1 9 6 5 .
. I n d ep en d ên cia , r ev o lu çã o t co n tra -rev o lu çã o . Rio de Janeiro: J. Olympio 1967
. T eo n a d a h istó ria d o BrasiL 2 * ed. São P au lo : C ia . E ditora N acion al, 1957 ’

— (dir. e introd x “Terceiro Conselho de Estado, 18 7 5 -18 8 0 ”. Brasília:’Atas do Con-


- selho de estado, v. IX, 1 9 7 3 .
RO DRIGU ES, Leda Maria Pereira. A in stru çã o fe m im h a em São Paulo. Subsídios para sua
h istó ria a té a p r o cla m a çã o d a R epú b lica . São Paulo: Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae
1962.
R O D R IG U E S , N in a . Os africanos no BrasiL 5a ed. R ev. e pref. H om ero Pires. São Paulo: C ia.
E d ito ra N a c io n a l, 1 9 7 7 .
R O M A N O , R o b erto . B rasil: Ig reja co n tra Estado (critica a op o p u lism o católico). São Paulo: Kairos
1979. ’
R O N Z I, A . “C e n a s d a v id a b a ia n a . A s m in h as am áveis vizinhas quan d o eu m orava à ru a...”. In:
D av id S a lie s (o rg. e in tr .). P rim eira s m a n ifesta çõ es d a fic ç ã o na B ahia . Salvador: U niver­
sid ad e F ed e ra l d a B a h ia , 1 9 7 3 .
R O S A D O , R ita d e C á ss ia S a n ta n a d e C arv alh o . O p o r to d e Salvador, 1854-1891. Salvador:
U n iv e rsid a d e F ed e ral d a B ah ia/ C ia. d e D ocas do Estado da B ahia, 1983.
R U G E N D A S , Jo ã o M a u ríc io . V iagem p ito r esca a tra vés do BrasiL São Paulo: Livraria M artins,
1954.
R U S S E L -W O O D , A .J.R . “A spectos d a v id a so cial das irm an d ad es leigas da Bahia no século
X V III”. In: B icen ten á rio d e u m m o n u m en to baiano. Salvador: B eneditina Ltda., 1971,
p. 1 4 5 - 1 6 0 . n
“Black mulatto brotherhood in colonial Brazil: a study in collective behaviour”.
H isp a n ic A m erican H istorica l R eview , 54 (4) : 5 6 7 -6 0 2 , 1974.
2--------. “C o lo n ia l B r a z il” . In : D . W . C o h e n a n d J .P . G ren n e (ed.). N e it b e r S la v e s n o r F ree.
B altim o re, 1 972 . ■ ,
F id a lg o s a n d P h il a n t h r o p is t s . T h e S a n t a C a s a d e M is e r ic ó r d ia o f B a h ia , 1 5 5 0 —1 7 ■
B e rk e le y : U n iv e r s it y o f C a lif ó r n ia Press, 1 9 6 8 .
S Á M E N E Z E S , J. dc. “F a m ília C a l m o n ”. S alv ad o r: R e v is t a d o I n s t itu to G e n e a ló g ic o d a B a ia ,
(1 6 ) : 1 2 5 - 1 6 8 , 1 9 6 8 .
S Á O L I V E IR A , J .B . E v o lu ç ã o p s í q u i c a d o p o v o b a ia n o . B ahia: 1898. ■ P a u lo
S A I N T H 1L A IR E , A u g u ste dc. S e g u n d a v ia g e m d o R io d e J a n e i r o a M i n a s G e ra is e
S ao P au lo : C ia . E ditora N a c io n a l, 1938. / c n l K P 1972.'
__________. V ia g e m à p r o v ín c ia d e S ã o P a u lo . São Paulo: Livraria M artins . *
, V ia g e m a o R io G r a n d e do S u l. Belo H orizonte: Itatíaia/EDUSP, 19 ■ tja]a/
______ _____ V ia g e m p e la p r o v ín c ia d o R io d e J a n e i r o e d e M i n a s G e ra is ■ Belo Horizont

SALI ES D avid. P r i m e i r a s m a n ife s ta ç õ e s d a J ic ç ã o n a B a b ia . Salvador: Universidade Federa

. . . V A D O R Josd Gonçalves. O i cristâ o s-n o o as. P o v o a m e n to e c o n q u is ta d o solo Ira s d e s ro 0 5 3 0 -


s r s t n t São Paulo : Pioncira/USP. 1976.
S A l. V A n O R V i . c n : . do (frei). H s s ié c ia d o B r a s il. 1 5 0 0 - 1 6 2 7 . 5 - cd. São Paulo: Melhora-

S A M ~ T H 9c“ ofo. H i s i i r i a d a f i n d a i d a c id a d e d a S a lo a d o r . Bahia: Beucdidoa. 1949.


742 B a h ia , S éc u l o X IX

S A N T O S , J u a n a E lb ein dos. Os N agô e a m o rte . P etró p o lis: V ozes, 1 9 7 6 .


S A N T O S , M á rio A u gu sto d a S ilv a. A A ssociação C o m ercia l d a B ahia na P rim eira R epú blica: um
g r u p o d e p ressão. S alv ad o r: U n iv e rsid a d e F ed eral d a B a h ia , 1 9 7 3 (tese de m estrad o não p u ­
b lic ad a).
--------------- . O co m é r cio p o r tu g u ês na B ahia, 1870—1970. C e n te n á rio d e M a n o e l Jo a q u im de
C arv alh o e C ia . L tda, S alv ad o r: A rtes G ráficas S .A ., s/d.
S A N T O S , M ilto n . O cen tr o d a cid a d e d o S a lvad or. S a lv a d o r: L iv raria P rogresso, s/d. -
--------------- . “O papel m e rro p o litan o d a c id a d e d e S a lv a d o r”. R io d e Ja n e iro : R evista Brasileira
d os M u n icíp ios, IB G E , A no IX ( 3 5 - 3 6 ) : 1 8 5 - 1 9 0 , ju lh o -d e z e m b ro , 1 9 5 4 .
------------------ Z on a d o ca ca u . I n tr o d u çã o a o estu d o g e o g r á fico . S a lv a d o r: A rtes G ráficas, 1955.
--------------- , “Z o n as d e p rim id a s, zon as p io n e ira s ”. R evista B ra sileira d o s M u n icíp io s (R io d e J a ­
n eiro), an o X IV (5 3 / 5 4 ) : 1 9 - 2 4 , ja n e ir o - ju lh o d e 1 9 6 1 .
SÃ O P A U L O , F ern an d o . L in gu a gem m éd ica p o p u la r n o B rasil. S a lv a d o r: Itap u ã , 1970 . 2 v.
SA R A IV A , A n tô n io Jo sé. A In q u isiçã o p o r tu g u esa . L isb o a, 1 9 5 6 .
--------------- . I n q u isiçã o e cristã os novos. 4 a ed. P o rto : In o v a, 1 9 6 9 .
SA Y E R S, R ay m o n d S. O n egro n a liter a tu r a b ra sileira . R io de Ja n e iro : E dições O C ruzeiro,
1958.
SC A R A N O , J u lita , D ev o çã o e escr a v id ã o : a ir m a n d a d e d e N ossa S en h o ra d o R osário d os P retos no
D istrito D ia m a n tin o n o sécu lo XVIII. S ão P a u lo : C ia . E d ito ra N a c io n a l, 19 7 6 ,
S C H M ID T , C arlo s B orges. “O pão d a te rra ”. S e p a rara d a R evista d o A rquivo, C L X V . São Paulo:
P refeitu ra M u n ic ip a l, 1 9 5 9 .
SC H N E ID E R , D avid M . A m erica n K in sh ip : A cu ltu r a la cco u n t. E n glew o o d s C liffs, N o v ajerse y:
P ren tice H a ll, 1 9 6 8 . ■
S C H W A R T Z , S tu a rt B . B u ro cr a cia e so cie d a d e n o B ra sil co lo n ia l. A S u p rem a C orte d a B ahia e
seus ju iz es. São P au lo : P ersp ectiv a, 1 9 7 9 { S overeign ty a n d S o ciety in C olon ia l Brazil. The
H igh C ou rt o f B a h ia a n d its J u d g es, 1 6 0 9 -1 7 5 1 . B e rk e le y : U n iv e rsity o f C a lifó rn ia Press,
1 9 7 3 ).
—■ ---------- . “Free lab o r in a slave e c o n o m y : th e ‘lav rad o res de c a n a ’ o f co lo n ial B a h ia”. In:
DaurÜ A ld en (e d .). C o lo n ia l R oots o f M o d e m B razil, p. 1 4 7 —197. B erkeley: U n iv ersity o f
C alifó rn ia Press, 1 9 7 3 .
--------------
■ . “In d ian L ab o r an d N e w W o r ld P la n ta tío n s : E u ro p ean D em an d s an d ín d ian
R esponses in N o rth eastern B ra z il”, W a sh in g to n : A m erica n H isto rica l R eview , (8 3 ) 1 ■4 3 ­
7 9 , feb. 1978.
--------- . “T h e m an u m issio n o f slaves in c o lo n ia l B raz il: B ah ia, 16 84—1 7 4 5 ”. H ispanic
A m erican H istorica l R ev iew (5 4 ) 4 : 6 0 3 - 6 3 5 , nov. 1 9 7 4 .
■ . 1 he M o cam b o ; Slave R esistan ce in C o lo n ia l B a h ia ”. C a lifó rn ia : J o u r n a l o f S ocial
H ístory, 3 (4) : 3 1 3 - 3 3 8 , 1 9 7 3 . n
'--------------■ “R esistance an d acco m o d atio n in X V III^ c e n tu ry B razil: the slaves v ie w o fslav e ry .
H ispan ic A m erican H istorica l R eview , 57 ( 1 ) : 6 9 - 8 1 , 197 7 ­
------------- • S egredos internos. E ngenhos e escra vos na so cied a d e colon ia l. B ahia , 1550-1835. São
P aulo: C ia . d as Letras, 1988 (S u ga r p la n ta tio n s in th e fo r m a tio n o fb ra z ilia n society. Bahia,
1550—1835. C am b rid g e U n iv ersity Press, 1 985 ).
S C H W A R T Z M A N , S im o n . São P aulo e o Estado N a cion a l SSo P aulo : D ifel, 1975.
SC U L L Y , W illia m . B razil , its P rovin ces a n d C h iefC ities, th e M anners a n d C ustoms o f t h e People,
A gneu ltu ral, C om m ercia l a n d o th er S tatistícs taken by th e L atest O fficia l D ocum ents w ith a
Variety o f U seful a n d E n terta in in g K n ow ted ge, both f o r th e M erch a n t a n d th e Emigrant.
Londres: M u rray , 1866.
B ib lio g r a fia
743

SE G A L E N j M a rtin e . S o cio lo g ie d e la fa m ille , P aris: A . C o lin , 1981


SE IX A S, R o m u a ld o A n tô n io d e (D o m ). M em ó ria s d o M a rq u ês d e S anta Cruz. R io de Jan eiro :

S em a n a R eligiosa. Salvador: Officina Litho-Typographica de J.G . Tourinho ano T „o i a


1878. ’ ’
SE N A , C o n su elo P o n d é de. In tro d u çã o a o estu d o d e u m a co m u n id a d e d o agreste baiano -I ta n iru r u
(1 8 3 0 -1 9 8 2 ). S a lv a d o r: F u n d aç ão C u ltu r a l d a B ah ia, 1 979 .
S en a d o res d o I m p ério (B a h ia ): d a d o s b iográ ficos. B rasília : S en ad o F ed eral, Serviço de docum en­
tação , s/d. .
S E N T O U , J e a n . F ortu n es e t g r o u p e s socia u x à T ou lou se sous la R evolu tion , 1789-1799. Essai
d ’h is to ir e sta tistiq u e. T o u lo u se : P riv at, 1 9 6 9 .
S E R R A N O , Jô n a ta s . H istória d o B rasil. São P au lo : 1 9 4 0 .
S H O R T E R , E d w ard . N a issa n ce d e la fa m i lle m od ern e. P aris: S e u il, 1 975 .
S IL V A , A n d rée M a n s u y D in iz . “U n e v o ie d e c o n aissan c e p o u r 1’h isro ire de la societé portu-
g aise au V IIIe sièc le : les m ic ro -b io g ra p h ic s (S o u rces - M éth o d e - E tude de cas)”. CLIO
- R evista d o C en tro d e H istória d a U n iversid a d e d e L isboa , 1 : 2 1 - 6 5 , 1979.
S IL V A , C â n d id o d a C o sta . “N o tíc ia so b re o p rim eiro b rasileiro n a Sé d a B a h ia”. In: Dois es­
tu d o s so b r e D. R om u a ld o A n tôn io d e Seixas, a rceb isp o d a B ahia. Salvador: U niversidade
F ed eral d a B a h ia / C e n tro d e E stud o s B aian o s, 1 9 8 1 .
---------------- . R o teiro d a v id a e d a m orte. U m estu d o d o ca to licism o n o S ertão d a Bahia. São Paulo:
Á tic a , 1 9 8 2 .
S IL V A , K atia M a r ia d e C a rv a lh o , O Diário da Bahia e o século XIX R io de Jan eiro ; Tem po
B rasilciro / IN L / M E C , 1 9 7 9 .
S IL V A , L eo p o ld o . O cler o e a In d ep en d ên cia . R io de Ja n e iro : J . O lym p io , 1935.
SIL V A , M a ria B e atriz N iz z a d a. C u ltu ra e so cie d a d e n o R io d e J a n eir o (1808—1821). São Paulo:
' C ia . E d ito ra N a c io n a l, 1 9 7 7 .
----------------. S istem a d e ca sa m en to no B ra sil coloniaL São P aulo : T A . Q ueiroz Editor/EDUSP,
1984.
SIL V A , M a r ia d a C o n c e iç ão C o sta e. A so cied a d e M o n te P io dos Artistas. Um m o m e n to do
m u tu a lism o em S alvador. S alv ad o r: U n iv ersid a d e Federal da B ahia, 1981 (tese de mestrado
não p u b lic a d a ).
SIL V A C A M P O S , Jo sé d a. “L igeiras notas sobre a v íd a ín tim a, costum es e religião dos africa­
nos n a B a h ia ”. In: A nais d o A rquivo d o Estado d a B ahia, v. XXIX. Bahia, 1943­
--------------- . P rocissões tra d icion a is d a B ahia. Prefácio d e A . P im en ta da C unha. Salvador. Secre
ta ria de E ducação e S aú d e, 1 9 4 1 . j
SILV A L IM A , José F rancisco da. A B ahia d e há 66 anos. R em iniscências d e um contem por
Senex (p seu d .). B ahia: 1907. ..
S I M Õ E S , L in d in a lv a . As estradas d e fe r r o d o R ecôncavo. Salvador: U niversidade Fe e a >
1 9 7 0 (tese d e m estra d o não p u b lic ad a).
S I M O N S E N , R o b erto . H is t ó r ia e c o n ô m ic a d o B r a s i l ( 1 5 0 0 - 1 8 2 2 ) . 5 a ed. São Paulo: ia. tora
N a c io n a l, 19 67 - _ r y f 1 1978
S IQ U E I R A , S ô n ia A. A in qu isição p ortu gu esa e â socied a d e coloniaL Sao Pau o: i e , _
SK ID M O R E , T h om as. P reto no branco. Raça e n acion alida de no pen sam en to rast ro.

SLE N E s! R obert W . T h e D e m o g r a p h y a n d E c o n o m ic s o f B r a z i l i a » S la v e ry , 1 8 5 0 - 1 8 8 8 . Califórnia.


S tan fo rd U n iv e rs ity , 1 9 7 6 (tese d e d ou torado náo publicada).
744 B ahia , S éculo X IX

S M IT H , D avid G. The M erca n tile Class o f P ortu ga l a n d B razil in th e S even teen th Century-
A S ocio-E con otnic Study o f th e M erchan ts ofL isb on a n d Bahia, A ustín; U n iversity o f Texas
at Austsn, 1975 (tese de doutorad o não p u b licad a).
SO A RES, Sebastião Ferreira. N otas estatísticas sobre a p ro d u çã o a grícola e a carestia dos gên eros
a lim en tícios n o Im p ério d o Brasil. Rio de Jan eiro : IP EA/IN PES, 1977 ( I a ed. 1860)
SO A RES DE SO U Z A , G abriel. Tratado d escritiv o do B rasil em 1587. 4 a ed. São Paulo- C ia
Editora N acional/U SP, 1971.
SO D R É , N elson W ern eck. F orm ação h istórica d o B ra sil São P aulo : B rasiliense, 1962.
---------------. H istória d a b u rgu esia brasileira. 2 a ed. R io de Ja n e iro : C ivilização B rasileira, 1967
---------------. P anoram a d o S egu n d o Im p ério . São P aulo : C ia . E ditora N acio n al, 1935.
---------------, As razões d a In d ep en d ên cia . R io de Ja n e iro : C iv iliz ação B rasileira, 1965.
SO E IR O , Suzan A. A B a rroq u e N unnery. T he E con om ic a n d S o cia l R ole o f a C olonial C onvent ,
Santa Clara d o D esterro, S alvador, B ahia, 1677—1800. N o va Y ork; N ew Y ork U niversity,
1 9 7 1 (tese de d o u to rad o nao p u b licad a),
---------------. “T h e fem in in e orders in c o lo n ial B raz il”. In : A ssu n cio n L avrin (ed .). Latin Ame­
rican W omen. H istorica l P erspectives, W estp o rt, G reen w oo d Press, 1 9 7 8 .
--------------- . “T h e socíal an d eco n o m ic ro le o f th e C o n v en t: W o m en an d N uns in C olonial
B ahia. 1 6 7 7 -1 8 0 0 ”. A m erican H isp a n ic H istorica l R eview , (5 4 ) : 2 0 9 - 2 3 2 , 1974.
---------------. T he so cia l com p osition o f th e co lo n ia l n u n n ery : a case stu dy o f th e co n v en t o f Santa
Clara do D esterro. S alvador, B ahia, 1677—1800. N o va Y ork: N ew Y ork U n iversity, 1973,
SO U T H E Y , R obert. H istória d o BrasiL São P au lo : O b elisco , 1 9 65 . 6 v.
SO U Z A , Afonso R u y de. H istória d a C âm ara M u n icip a l d a cid a d e d e Salvador. Salvador:
C âm ara M u n ic ip a l de S alv ad o r, 195 3 .
--------------- . H istória p o lític a e a d m in istr a tiv a d a cid a d e d o S alvador. Salvad or: T ipografia
B en ed itin a, 1949.
--------------- . “A im p o rtân cia do b airro d a C o n ceição d a P raia no século X V III”. In: B icentenário
d e um m on u m en to baiano, p. 1 3 1 - 1 4 1 . Salvad o r: B en ed itin a, 1971.
. A p rim eira revolu çã o so cia l b ra sileira d e 1798. Salvad or: T ip o g rafia B eneditina, 1951.
SO U Z A , M .C . Barbosa & M O R E IR A , V .D . C adeia su cessória d o im ó v e l n° 59 à p ra ça J o sé d e
A lencar. B ahia: F un d ação do P atrim ô n io A rtístico e C u ltu ra l da B ahia, m arço de 1975.
SO U Z A C O L O M B O . “A seca, sua in c id ê n c ia e m ed id as p ara m in o rar seus efeitos”. Rio de
Jan eiro : B oletim G eográfico, (II) : 14—181, 1944 .
SPIN O LA, C elso. “Portos do Estado d a B a h ia”. In: D iário O ficial. P ublicação do centenário
da Independência d a B ah ia, 1 8 2 3 -1 9 2 3 - Salvad or: Im prensa O ficial, 1923.
SPIX, Jo han n B. von & M A R T IU S , K arl F ried rich P h illip von. A través d a Bahia . Trad.
Dr. M an u el P irajá da S iiv a e D r. P aulo W o lk . B ahia: Im prensa O ficial, 1 9 1 6 .
STEIN , Stan ley J. Vassouras, a b ra zilian c o ffe e cou nty, 1850—1890. The roles o fp la n ter a n d slave
in ch a n gín g p la n ta tion society, N ova York: A th en eu m , 1974 (ed. brasileira: Vassouras, um
m u n icíp io b rasileiro d e café, 1850—1900. Rio de Jan eiro : N ova Fronteira, 1990). '
SUZAN N E 1 , C onde dc. O B rasil cm 1845. Rio de Jan eiro , 1957.
Synopse do recen seam en to d e 31 d e dezem b ro d e 1890. Rio de Janeiro: O fficina de Estatística,
1898.
TAU N AY, Afonso d ’Escragnote. O Senado do Im pério. São Paulo, 1941.
TAVARES, Luís H enrique D ias. “Evolução educacio nal na Bahia (súm ula até 1 9 3 0 ) . In.
A rquivo U niversidade da Bahia, F aculdade de Filosofia (Salvador) 4 : 197—198, 1957—
1958.
------------- . H istória da Bahia. 7 a cd. São Paulo: Ática/INL/M EC, 1 9 8 1 (6 a ed., 1979).
B iblio g r afia
745

“ B a h ia m t n a (A a ­
-. A Independência do Brasil na Bahia. R io d e Ja n e iro : C iv iliz ação B rasileira, 1977
-------------- - . O p ro b le m a da in v o lu ç ão industriai d a B ah ia. S alvad o r: Universidade Federal da
B a h ia , 1 9 6 6 .
T A V A R E S , O d o ric o . B ahia. 3 a cd . R io d e Ja n e iro : E dições de O u ro , s/d.
T A V A R E S B A S T O S . A P ro v ín cia . 2 a ed . S ão P au lo : C ia . E d ito ra N acio n al, 1937 M - eH r :
d e Ja n e ir o , 1 8 7 0 ). ’’ °
T E IX E IR A , M a ria G e ra ld a d e Je su s. Os B atistas d a B a h ia : 1 8 8 2 -1 9 2 5 . Salvad o r: U niversidade
F ed eral d a B a h ia , 1 9 7 4 (tese d e m estrad o não p u b lic a d a ).
T E IX E IR A D E F R E IT A S , A n tô n io , C ód igo C ivil. E sboço . R io de Ja n e iro : M in istério da Ju stiça
e N eg ó cio s In terio res/ S erv iço d e D o c u m e n taç ão , 1 8 5 2 , 2 v.
T E L S E R , L ester G . “C o n c u rre n c e ”. In : D o u g las G reen w ald (e d .). E ncyclopêdte Êconomique.
P arts: E c o n o m ic a , 1 9 8 3 .
T O D D , E m m a n u e l. La tr o isièm e p la n ète. S tru ctu resfa m ilia les e t systèm es id éoh giq u es. Paris: Senil,
1983. ' ’
T O L L E N A R E , L .F . d e. N otas d o m in ica is to m a d a s d u r a n te u m a v ia gem em P ortu ga l e no B rasil
e m 1 8 1 6 , 1 8 1 7 e 1818. S a lv a d o r: L iv ra ria P rogresso, 1 9 5 6 .
T O R R E S , Jo ã o C a m illo d e O liv e ira . O s co n stru to res d o Im p ério. São P aulo: E ditora N acio n al,
1968. ■ '
------------ — . A d e m o cr a cia co r o a d a (T e o r ia s p o lítica s d o Im p ério d o B rasil). R io de Jan eiro : 1957.
------------- H istória d a s id éia s religio sa s n o BrasiL S ão P au lo : 1968 .
----------------. O P o sitiv ism o n o B rasil. R io d e Ja n e iro : 1 9 4 3 .
T O R R E S , M a rio , “O s M o rg ad o s dos S o d ré ”. S alv ad o r: R evista d o In stitu to G enealógico da Bahia,
(6 ) : 9 - 3 4 , 1 9 5 1 .
-----------. “O s S o d ré s”. S a lv a d o r: R evista d o I n stitu to G en ea lógico d a B ahia, ( 7 ) : 8 9 -1 4 8 , 1952.
—■
----------------. “O s T o r r e s ”. S a lv a d o r: R evista d o In stitu to G en ea lógico d a Bahia, ( 1 ) : 2 3 - 2 6 , 1945.
T O U R I N H O , M a r ia A n ro n ie ta C a m p o s. O I m p eria l In stitu to B a ia n o d e A gricultura. A instru­
çã o a g r íco la e a cr ise d a e co n o m ia a çu ca reir a na segu n d a m eta d e d o secu lo XIX. Salvador.
U n iv e rsid a d e F ed eral d a B a h ia , 1 9 8 2 (tese d e m estrad o não p u b licad a). ^
T R T C A R D , Je a n & S IL V A , T e re sa C ard o so d a. E studos d e geo m o rfo lo gia d a B ahia e Sergipe.
Salv ad o r: F u n d ação p ara o D esen v o lv im en to da C iê n c ia na B ahia, 1968.
T S C H U D I , Jo h a n n , Ja co b vo n . R eisen d u rch Sudam erik a. L eip zig, Brockhaus, 1 8 6 6 -1 8 9.

^ V‘ d
T U R N B U L L , Jo h n . A v o y a ge r o u n d th e w o r ld in th e y e a r s 1800, 1801, 1802, 1803 a n d
in w h ich th e a u th o r v isited M adeira, th e Brazils, ca p e o f G ood Hope, t se en g is ) sett e ^^
at B o la n y b a y a n d N orfolk isla n d s in th e P a cific O cean. 2 a ed. Londres. axwe , ^
U R ÍC O E C H E A , F ernan do. O M in ota u ro Im perial. A b u rocra tiz a çã o do E stad opa m m on ta n
sécu lo XIX. S ão P au lo : D ifel, 1 9 7 8 . . . 'trativo.
U R U G U A I , V is c o n d e de (P a u lin o Jo sé S oares dc S o u za). E n s a io sob re o D irettoA m im s ■
R io d c J a n e ir o : T y p o g r a p h ia N a c io n a l, 1 8 6 2 . 2 v. N acional,
V A L E N T E , W a ld c m a r . S in cretism o religioso ajro-brasileiro. São Paulo: C ia. Editora aci >

V A R N H A G E N , F. A. H istória g e r a l d o Brasil. N otas de R o d o lfo G arcia. Sao Paulo. M elhora


m cntos/IN L/M EC, 1975. 3 v.
V A T , O d u lf o van der. P rin cípios da Igreja no BrasiL Petrópolis, ozes*
746 B a h u , S é c u l o X IX

VEIG A, E ugênio de A n d rad e (m o n s,). Os p á ro co s n o B rasil no p er ío d o colon ial, 1500—1822


Salvador; B en ed itin a, 1977.
V E R G E R , P ierre. Flux et reflux d e la tra ite des n ègres en tre le g o lfe d u B én in e t d e B ahia d e Todos
os S antos d u XVHe a u XIX* siècle. Paris/La H ayc: M o u to n , 1978 (ed. brasileira: Fluxo e
reflux o d o trá fego d e escravos en tre o go lfo d e B enitt e a B ahia d e Todos os Santos: dos séculos
X\rl l a XIX. São P aulo : C o rru p io , 1987 ).
--------------- . N oticias d a B ahia — 1850. Salvad o r: C o rru p io , 1981. '
V IA N A , F rancisco V icen te. M em ória so b re o Estado d a B ahia. B ah ia: T ip o g rafia e Encaderna­
ção do D iário da B ah ia, 1893.
V IA N A , H ild ergard es. A B ahia j á f o i assim . Salvad o r: Itap u ã, 1973.
--------------- . A coz in h a baiana. Seu fo lclo r e , su as receitas. B ah ia; F un d ação G onçalo M u niz, 1 9 5 5
--------------- . I, “M a n u a l dos n am o rad o s” (A Tarde, S alv ad o r, 21/11/67); II. “L inguagem m uda
do n am o ro ” (A Tarde, S alv ad o r, 26/11/67).
V IA N A F IL H O , Luís. 0 n egro na B ahia. R io de Ja n e iro : J. O lym p io , 194 6 ,’
--------------- . A sabtnada. R io d e Ja n e iro : J. O ly m p io , 1 9 3 8 .
V IA N A M O O G . B a n d eira n tes e p io n e ir o s . R io d e Ja n e iro : Ed, G lobo, 1954 .
V IA N N A , A n to n io . Casos e coisas d a B ahia. S alv ad o r; P ub licaçõ es do M u seu do Estado, 1950.
V IA N N A , H élio. H istória d o BrasiL 6 a ed. São P au lo : M e lh o ra m e n to s, 1967 . 2 v.
--------------- . Vultos d o Im p ério. São P au lo : C ia . E d ito ra N ac io n al, 196 8 .
V IE IR A , D orival T e ix e ira. O p r o b lem a m o n etá rio b ra sileiro. São P aulo: In stitu to de Economia
e F inanças G astão V id ig a l, 1 952 .
V IE IR A N A S C IM E N T O , A n a A m élia. Le co u v e n t d e S a in te C la irea u D ésert. A m iens: Université
d ’A m iens, 1 9 7 7 (tese de m estrad o n ão p u b lic a d a ).
V ILA R , P ierre. U ne h isto ire en co n stru ctio n . A p p roch e m arx iste etp ro b lém a tiq u es conjoncturetíes.
P aris: H au tcs E tudes/G allim ard/ Seuü , 1 9 8 2 .
--------------- . “R em arques sur 1’hÍstoíre des p rix ”. P aris: A nnales (E conom íes, Societés, Civilisations)
4 : 1 1 0 -1 1 5 , 1961 .
V ILH E N A , L u iz dos S an to s. A B a hia n o sécu lo XVIII. S alv ad o r: Itap u ã, 1969. 3v.
V IL L A Ç A , A n to n io C arlo s. H istória d a q u estã o religiosa n o BrasiL R io d e Jan e iro ; Francisco
A lves, 1974.
V IO T T I D A C O S T A , E m ilia. D a M on a rq u ia ã R epú blica. M om en tos decisivos. São Paulo:
G rijalb o , 1 977 .
--------. Da senzala à colôn ia. São P au lo : D ifel, 1 96 6 .
V O U E LLE , M ich cl. P iété B a roq u e e t D éch ristia n isa tion en P ro v en ce a u XVIIIe siècle. Paris: Pion,
1973.
W AG LEY, C harles. In tro d u ctio n to Brazil. N ova York: C o lu m b ia U n iversity Press, 1 9 6 8 .
—---------- —. Races et classes dan s te B résil rural. P aris: U nesco, 1952.
— . A revolu çã o brasileira. Salvad or: F undação para o D e s e n v o lv im e n to de C icncia na
B ahia, 1959.
W AGLEY, C h arles, A ZE V ED O , T h ales de & C O ST A P IN T O , Luiz A, U m a p e s q u i s a sobre a
vid a so cia l no Estado da B ahia (com texto em inglês). Salvador: M useu do Esrado, 1950.
W E ST PH A LE N , BA CH & K R O H N . C en ten ário 1828-1928. Bahia: 1928.
W E TH E R E LL, Jam es, Brasil. A pontam entos sob re a Bahia. 1842-1857. Apres. e trad. M iguel
P. do Rio Branco. Salvador: Banco da B ahia, 1972.
W IE D -N E U W ID , M axím iliano (Príncipe), Viagem ao Brasil nos anos d e 1815 a 181? . São Pa
C ía. E ditora N acio n al, 1958.
B ib l io g r a fia 74 7

W ILD B E R G E R , A rnold. Noticia histórica da Wildberger e C ia., 1829-1842. Salvador: T ipo­


grafia Beneditina, 1 9 4 2 .
-----------------. O s presidentes da Província da Bahia. Salvador: Tipografia Beneditina, 1 9 4 9 . '
W ILLEKE, V. Missões franciscanas no B rasil (1500-1975). Petrópolis: Vozes, 19 7 4 . :
WTSNITZER, A rnold. Os judeus no Brasil colonial. São Paulo: Pioneira/USP, 19 6 6 . :
W R IG H T , Angus Lindsay. Market, Land and Class: Southern Bahia, Brazil, 1890-1940. The
U niversity o f M ichigan, 1 9 7 6 (tese de doutorado nao publicada). !
giõcs e 2 Igreja, o cotidiano do* Homens
que produziam e trocavam , preços e sa-
Unos, o sistem a de transportei, o m erca­
do de trabalho num a sociedade -escravo­
crata, as hierarquias- sociais, a organi­
zação dos poderes.
Por que Salvador, capita! da C olô­
nia, c sua grande Província experim en­
taram u m a situação de letargia, de raízes
antigas, mas ain da palpável na segunda
m etade do século XX? Desde quando a
opulência, testem unhada por igrejas
barrocas e palacetes, sc tornou coisa do
passado? D esvendar isso que Rômulo de
A lm e id a c h am o u dc “enigm a baiano” é a
id é ia central q u e percorre todo o traba­
lho , e m desafio à notável erudição hisro-
riográfica e à m cticulosidadc da autora.

ê
K atia de Q ueirós Mattoso é professora
titu lar de H istória do Brasil na Universi­
dade de Paris IV - Sorbonne. Foi pro­
fessora jnas universidades Católica e Fe­
deral da Bahia e professora visitante nas
u n iv ersid a d es de Minnesota e Colunt-
biai nos r f f c lo - Unidos. Além de nu­
merosos a rtig U é autora de vários li­
vros, em rc os^Uais Presen.a francesa no
m ovtm ek * dem ocrático basano de 17SJ
(1969)* Bàbúi: a cidade do Salvador e seu
m e r c a d o * o s é e u b XIX ( \ m \ ' S er es­
cra vo n o (publicado originalmente
em francês em 1979, cm terceira ed.çSo
no Brasil e èm segunda ediçío em língua
‘-' ■
inclesa). : :
AI
I r í g i n a r ia m e n le te s e d e D o u to r a d o dr* R a ta d o ,
:a:
V/ a p r e s e n t a d a em 1 9 8 6 à U n iv e r s id a d e d e
P a r i s IV - S o r lm n n e , e s t e te x to te v e a o p o r t u n id a d e
d e s e r a n a lis a d o p o r u m a b a n c a n a ig u a l c o n s t a v a m
a lg u n s d o s m a is il u s t r e s h i s t o r ia d o r e s d a T r a n ç a ,
c o m o P i e r r e C li a u n u , E m m a n u e l L e R o y L a d u r i e ,
J ^ a n - M a r ie M a y e u r e F r a n ç o is C r n u z e t . ( . . . )
C o u b e -m e , e m b o ra m o d e sta m e n te , a h o n ra de
p a r t i c i p a r d e s s a c o m is s ã o . ( . . . ) E a q u i p r e s t o o m eu
d e p o im e n to : a te s e d e K a t ia M a tto s o fo i
m in u c io s a m e n t e e x a m i n a d a , d u r a n t e c in c o h o r a s , e
a c la m a d a , p o r u n a n im id a d e , c o m o u m t r a b a lh o .

m a g is t r a l, d a d o o s e u r a r o n ív e l d e e x c e lê n c ia . \ - -
C o m o c o r o lá r io , e n u m a d e m o n s t r a ç ã o d e q u e
c a b e à U n iv e r s id a d e a b s o r v e r os v a lo r e s e x p o n e n e ia is
q u e a e la s e r e v e la m , fo i c r i a d a a c á t e d r a d e
H is t ó r ia d o B r a s i l em P a r i s IV — S o r b o n n e ,
c a b e n d o a K a t ia d e Q u e ir ó s M a tto s o o c u p a r y
a s u a p r im e ir a r e g ê n c ia corno t i t u l a r . -i':- . r» t
J- -
líiirífl Y r t l t i a /sjn/iffres
I m fe ü M irii ( - a l n l r i l t i r u í|p t lis lo r ia M tx lc ritii r. C n it im ip o r á n r a
l t o fr tM ir o iM iifriia lin U n iv e rü ir lo tli 1 K r t t r r a l d o ftio r ir J j in e ir o

A k.
EorroRA
nova-
fro n teira

sempre
UM BOM
UVRÇ

Vous aimerez peut-être aussi