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PUBLICAÇÃO MENSAL.
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presididas pelo Sr. Fiscal do governo, representante do
Exrn', Sr. Ministro da Fazenda e com assistência de um Director da Companhia. Serviço
do Governo da União etn virtude de Lei do Congresso Nacional
Ho contracto assignado na Directoria Geral do Contencioso do Thesouro Federal

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Sabbado 7 de Outubro próximo
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nas agencias geraes aqui, em todos os Estados da Republica e em todas as casas e kiosques.
Os pedidos de bilhetes para as localidades, em que a Companhia não tiver agencia official
deverão ser dirigidos, com ja maior clareza nas direcções aos seguintes agentes geraes desta
capital: CAMÕES & C, bjecco das Cancellas n. 2 A endereço telegraphico Pekin», caixa
do Correio n. 046; NAZARETH & C, rua Nova do Ouvidor n. 10, endereço telegraphico
«Luzvel••, caixa do Correio n. 817. Somente são pagos ou recebidos em pagamento bilhetes
premiados das Loterias Federaes. — Pagamento pontual. Fm virtude de lei, será deduzido o
imposto de cinco por cento sobre a importância dos premios superiores a duzentos mü réis.
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qual se perde em
Âl ¦, ti mm^ÊW^^mmmm *"^^ outros qut. são engrossados
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clarificado^ para lisongearem
ò
paladar e a vista, do consumi-

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imBoTr-BS

:
HES Bh.

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Unico superior no Brazi 11 MÊjjÊL dor. K tanio assim
neland" teih a cor doquesumo
uvas frescai, como se
o "Vi-

pode
das
ve-
nfiear esj .rrimendo algumas des-
tas para faz^r o confronto.
Este
^BBBaâüi ¦-*¦ '^B Bff sumo e o dos afamados
maceuticos americanos Boeri- phar-
v[¦ifla^r
nãK'1^' • w ^^^
* /a^^^^BCk
IMPERMEÁVEL, COMMODO, cke & lafelj sã0 sUj)eriores
<*=. ELEGANTE E SOLIDO ofc> a
qualquer putjrd marca, e tem da-
fl^&RjEa ¦*;'. - **v^fl H do as melhores
provas como a-
mSÊFf", HH^fl
'- BB hmento de doentes de febres
m^ÊÊ"'' B ¦ "üwSt^¦ PBBB
/si '-¦•''. ^yflBB gástricas; tyjjho. intermittentes
e outras muitas moléstias
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ASSIGNATURA
AÇÍir.MATllDA ANNUAL
» TvTKTI T » '\*5íi.
Editor, proprietário
JORGE SCHMIDT INTERIOR 20SO0O EXTERIOR 25S000 Pirector
NUMERO AVULSO j EDUARDO SCHMIDT
2S000
ANNO II SETEMBRO igos
N. o
NÃO NOS RESPONSABILISAMOS PELAS OPINIÕES EMITTIDAS
POR NOSSOS COLLABORADORES

A importância das assignaturas e toda a correspondência commercial

devem ser remettidas a I bUim,dt'
Sdimidr
caixa postal, n. 1085 - Rio de
Janeiro. J-
j^*

Para que não continue... as reclamações

que diariamente recebemos contra o serviço dos correio* abrimos
un,a nova categoria de assignaturas - sob registro-para
garantir o assignnnte contra possiLPiP'%ZZ
tssas assignaturas custarão - Para o interior 23$000 Para
o estrangeiro 28$000.

kósrtos encontra-se á venda nas principaes livrarias do

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Em . José do Rio Pardo, Mocóca e Casa. BranC-Snr. Dr. Francisco
Escobar. Em j-hú-Snr. Major Ilfred A lio l,r"
mo Claro-Snr. João Pires de Oliveira Dias. S. Carlos de Pinhal-Snr.
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v..l de M,nas-Snr. Urbano Rabello. Petropolis-J. R.
Escragnolle. Taubaté-Snr. Bra? Curtu ""'
&% "ossos representantes.— Eslado de S, Paulo-Snr. Antônio
Ferreira Neves Júnior Estado d„ fJLt •*
Dano. Velloso. Estado de Pernambuco-Snr. Carlos Burle.
Estado do Pará- Snr Fernand,, TP 7 t :ar''na-Snr
Antônio Gonçalves Moreira Nina, Estado do AnÍ^onas-ColeÍ
-Snr. Vicente Ferreira
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Anclra^* eslado daf ^
Bahia
Lins do Amaral. >"

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SUMMARIO

CI,mnica Olavo Bilac.

D. Juan Vucetich
A Independência do Brazil Reis Carvalho.
Conselheiro Carlos Augusto de Carvalho Villela dos Santos.
Dorios Cyro de Azevedo.
Typos e Symbolos joão
Luzo.
Salão de 1905 Gonzaga Duque.
A Lenda de Hothero Dr.J. C Lacerda Coutinho.
Projecto de reconstrucção da Fachada do Quartel General.
Chateaubriand ,-..... Oliveira e Silva.
ii
A Odysséa de Homero Odorico Mendes.
Caricatura Kalixto.

^"—-"^ —
~m^f

SUCCO DE UVA
P^EFA^ilDO E ESG^UPULOSflAENTE ESTE^ELISADO P0^

MurtiNHo Nobre $ C.
Sueco de uva de Murtinho Nobre & C, é um alimento e
agradável ao paladar; tem o perfume e o sabor das uvas maduras. Como precioso
dieta para
os enfermos não .tem rival.
O sueco de uva de Murtinho Nobre & C, é muito apreciado
como refrigerante, durante a estação calmosa; tem além disso, o sabor e otambem
aroma
das uvas maduras.
O sueco de uva de Murtinho Nobre & C, substitue com alta vantagem o
vinho usado ás refeições.

A' venda nas principaes pharmacias, drogarias, «*».*>«_=»**=> ^

<** «4f> <4f> «fr» «** <4f_> casas de comestíveis, holeis e restaurantes
 wmm©*
(grraFOBBfl® o gem sua, uma vida individual e inconfundi-
AVERIA muito
r)
que escrever so-
bre este chuvo-
so mez de se-
tembro que es-
*^tf —
/1 ^ÃmmL-^mmWA tá expirando :
muita cousa ale-
gree muita cou-
sa triste, muitas
phrases suaves e
muitas ph rases
irônicas. Mas
estas duas pagi-
nas, que em cada numero da Kósmos são
reservadas á "ehronica,,, são curtas, — e nem
todos os assumptos podem caber aqui, n'uma
revista de arte. Escolhamos um assumpto
só: a batalha de flores... Ou, antes, não tra-
temos propriamente da batalha: tratemos de
flores, de todas as flores, - das flores
que são
a gala e o ornato da Terra, o prazer e o or-
gulho da Vida.
f Já houve, no Instituto Nacional de Musi-
ca, sete ou oito conferências. Um orador fal-
lou das mulheres da Bíblia, outro dos
poetas
do Brasil, outros da "Dor,,, do "Ciúme,,, da
"Palavra.,... Porque não houve
ainda um
orador que se lembrasse de fallar sobre "As
flores,, ?
U
Imagino a sala cheia, — cheia principal-
mente de senhoras, e imagino o orador,
calmo erisonho,dizendo mais ou menos isto:
"Esta conferência, minhas senhoras,
não
deveria fazer-se aqui. Deveria fazer-se num
Jardim, lúim amplo recinto perfumado, onde
as flores unissem á minha voz o seu aroma,
e onde pudesseis, ouvindo-me, contemplai-as
e admiral-as, grandes e pequenas, orgulho-
sas ou modestas, de côr fogosa ou
pallida,
de perfume violento ou suave,-mas todas
possuindo uma alma própria, uma lingua-
vel. A palavra humana difficilmentepdde dar
idéia do encanto dessas; creaturas divinas,—
creaturas como vós, anjimadas de uma bel-
lesa indizivel, capazes de sonho e de amor,
de faceirice e de vaidade, de seducção e de
,. malícia.. i .
Sabeis que as flores áppareceram, na Ter-
ra, antes dos primeiros
(homens. Quando a
Vida começou a surgir ido seio das jaguas,
ellás começaram a nascer, enfeitando
[o pia-
neta apenas resfriado. Noj começo do periodo
secundário, a atmosphera, já menos carrega-
da de ácido carbônico, nutria uma immensa
variedade de plantas collbssaes, em que des-
abrochavam flores monstruosas, em! torno
das quaes voavam pássaros gigantes, chico-
teando o ar com o remigjo das azas turbu-
lentas, e embriagando-selcoin o acreperfu-
me das corollas formidáveis.
As flores foram o primeiro sorriso da.
Terra: a Natureza não quiz que o Homem
apparecesse antes d'ellas porque desejou
que ellas já existissem para alcatifar o seu
berço e encantar os seus olhos...
O primeiro homem não era um sujeito
encasacado e fallador como eu; a primeira
mulher não era uma dailia encantadora e
civilisada como qualquer de vós, minhas
senhoras... Diz a Sciencia ique esse primeiro
homem e essa primeira mulher formavam
um forte e pelludo casal (de Primatas, — de
cabeça volumosa, tronco; massiço, mãos e
pés enormes, fronte fugitiva; queixo saliente
e bestial. Não fal lavam : grunhiam. Não con-
versavam : berravam.. Elje não sabia fazer
conferências; ella não «sabia vestir-se. E
ambos não conheciam o'beijo...
Esses dois macacões, de sexo differente
viviam i/um meio rude je hostil. As flores-
tas eram bastas e espessas, formadas de in-
tricados entrelaçamentos de troncos monu-
mentaes ; havia plantas
que brandiam; espi-
nlios longos e acerados como lanças e espa-
das ; havia fructos que, no momento da ma-
turidade completa, rebentavam no aricoi.no
granadas explosivas; e, dentro dessas selvas
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njiaravilhosas, havia animaes de vulto formi-
dando e de aspecto hediondo: niainoutlis e
niegatlierios tão grandes e tão pesados,
que,
jijnto delles, oselephantes e os ursos de hoje
pareciam camondongos...
| Mas, nesse horror e n'essa brutalidade da
Njatureza primitiva, já havia flores ; flores, de
celrto, maiores, mais bellas, mais brilhantes,
mjais cheirosas do que as flores de hoje...
iE' provável que as primeiras mulheres
enfeitassem com ellas as cavernas lobregas,
enj que ficavam á espera dos maridos, -
quando estes, empunhando com as mãos ca-
belludas os machados de silex e as lanças
de de osso, iam dar caça ás grandes
jponta
ren ias esquivas... Talvez, á hora da sésta, o
Primata rude, ainda pouco differente do
orahgotango, já espalhasse, sobre o corpo da
conjpanheira adormecida, como uma home-
nagem do seu carinho, uma chuva de pétalas
arorjiaticas... E, quem sabe? talvez, na hora
do ifecreio, os bandos d'esses Simios-huma-
nos se divertissem e folgassem atirando uns
aos outros braçadas de flores... Foi essa tal-
vez, minhas senhoras, a origem dessas bata-
Itías que tanto amaes, e em que tanto bri-
lhaes, quando, no Parque da Republica,
appáreGeis nas carruagens transbordantes de
camelias e rosas, deslumbrando os olhos de
toda a população...
As flores appareceram, na Terra, antes do
Honiem. e nunca deixaram de ser, até hoje, o
seu consolo, o seu encanto, o seu ornato pre-
dileçto. Ornato da vida e da morte, ornato
do
(amor e do luto. Com.ellas juncamos o
berço dos recém nascidos, o thalamo dos
noivos, o esquife dos mortos.
Assim que o Homem sentiu a necessidade
de crer em um só deus ou em vários deuses,
sentiu também a necessidade de lhes offere-
cer qualquer cousa digna da divindade: e
começou a enfeitar os altares com as flores,
—jpreito da
graça da terra á majestade do
eép.
os diccionarios de todos os idiomas,
jCorrei
e vereis de que infinita série de idéias e de vo-
cabulos a Flor tem enriquecido a lineuao-em
humana. As collecções de versos ou de pen-
samentos poéticos chamam-se po/yant/ieas,
anthologias, florilegios; as virtudes são as
flores da alma; as expressões lyricas, com
que se recheiam os discursos, são flores de
rethorica; Bossuet disse que "Jesus foi i\flor
da arvore humana,, ; ha relógios de Flora,
em que cada hora é marcada por uma flor
symbolica ; e todos os poyos da terra tem as
suas anthographias, baseadas sobre uma lin-
guagem convencional, erii que cada idéia
corresponde a uma flor.
A flor sempre foi e sempre ha-de ser o
primeiro vehiculo, a arma melhor, o inter-
prete mais eloqüente das correspondências e
das confissões de amor. Uma flor, offerecida
em certo momento, com um certo sorriso,
com um certo mover de olhos, diz mais do
que um longo discurso e mais do que uma
carta'de dez paginas. Não ha quem não
guarde, entre as paginas de um livro, ou no
fundo de uma gaveta, ou no arcano de um
cofre, uma flor secca, sem vida, sem perfume,
que é o cadáver de um sonho, a lembrança
apagada de um amor que morreu, a triste re-
cordaeão de uma ventura extincta.
As flores, além do mais, teem isto de ama-
vel : parecem-se comnosco, pela fragilidade
da sua existência, pela rapidez da sua vida
fugaz. Nascem, brilham, morrem, —em dias
ou em horas. Nós também nascemos, brilha-
mos, morremos, - em annos ou em dias.
Elias vivem tanto como os nossos amores,
as nossas ambições, os nossos ideiaes...
As flores, minhas senhoras...,,
Assim fallaria, e assim iria por ahi a fora, o
orador que tivesse a feliz idéia de fazer, no
Instituto, uma conferência sobre as flores.
Não me seria difficil completar o discur-
so.. Mas, em primeiro logar, só tenho á mi-
nha disposição duas paginas da Kósmos; e.
em segundo logar, pode bem ser que ainda
algum dos oradores do Instituto queira
aproveitar o assumpto,- e eu, que tenho boa
alma, não quero exgottal-o.
O. B.
 Kosnos

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li '1

D. JUAN VUCETICH
um americano, e americano da mesma òri.
A gem latina de onde proviemos, coube pri-
mar nos processos de identificação o methodo
victorioso. Esse é D. Juan Vucetich, de
damos o retrato. quem
Desde que os serviços de segurança
publica
pediram, nos paizes adiantados, como uma ne-
cessidadeda policia criminal, a identificação dos
delinqüentes, foi o methodo Bertillon
se
impoz; a anthropometria começou a serque
cada como processo infallive! e todos prati-
que jul-
garam precisa a identificação a adoptaram como
a ultima palavra no assumpto. Foi D. Vu-
cetieh quem, mais do que todos, se Juan insurgiu
contra o methodo Bertillon, mostrando
quanto
os processos anthropometricos eram, alem de
vexatórios, inteiramente nullos
para o fim dese-
jado;a dactiloscopia teveentão.nelle o seu maior
paladino e o illustre director do serviço de iden-
tificação de La Plata deu-lhe maiores elementos
de affirmação, com a perfeição a
que conseguiu
fazer chegar esse methodo nos
quinze annos
em que tem dirigido aquelle serviço na
cia de Buenos Ayres. O seu methodo, provin-
.......
ja defen-
dido e praticado aqui na Casa de Detenção
chefe do gabinete de identificação, o nosso pelo col-
laborador Felix Pacheco, e exalçado
ritos da ordem de Locassagne, Lacareyvert, por espi-
Otto-
lenghi e outros, teve a consagração suprema, ha
pouco, na reunião do 3° Congresso Scientifico
Latino Americano. Elle foi o
grande vencedor
do Congresso.
Mas o Sr. Vucetich, como director do serviço
de identificação, tem uma'superioridade
que não
pôde passar despercebida!: é um grande pjhoto-
grapho;e foi essa circumstancia que levou o
Kosmos a escolhel-o para ?eu correspondente na
Republica Argentina.
Se acertamos ou não acertamos na escolha —
o publico saberá e julgará
Centro em breve.

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F\ INDEPENDÊNCIA DO BRAZIL
^>y
systema colonial, instituído desde os fins da
idade-média, mantido e desenvolvido durante
0 as duas primeiras phases da/.Revolução Mo-
derua, após as descobertas marítimas da America e
da índia, tornára-se francamente retrogrado ê oppres-
sor, quando os princípios de liberdade politica e
religiosa, propagados pela Reforma, foram prema-
turamente applicados na Revolução ingleza, dirigida
por Cromwell, quasi no mesmo tempo em que a
dictadura de Luiz XIV iniciava em França a sua
phase retrograda, a qual devia convergir, com os
progressos pararellos da emancipação phiíosophica, ao
momento critico e decisivo da Revolução Franceza.
As colônias americanas resentiam-se especial-
mente do regimen atrazado e tyranico. A Inglaterra,
a Flespanha e Portugal arrancavam das suas posses-
soes columbiauas o máximo de riqueza, opprimin-
do-as com as vexações do imposto e asphyxiando-lhes
todas as aspirações libera es.
Com uma existência cerca de duas vezes secular,
amando o solo em que nasceram e se desenvoi-
veram, os inglezes, hespauhoes e portuguezes da
America começaram a sentir com justa magna, mes-
ciada de Ímpetos rebeldes, a tvrania das metrópoles.
O Brazil, colônia de Portugal, era uma das mais
opprimidas. Toda sua riqueza escoava-se para o reino.
O branco brazileiro, o negro e o indio eram
instrumentos de lucro para os colonisadores, que
não cessavam de exhaurir-lhes o máximo de tra-
balho na cultura dos campos, na exploração das
minas, e vexal-os com os mais pezados tributos.
Desta situação resultou uma animosidade pro-
funda entre brazileiros e portuguezes; que explodio,
pela primeira vez, no Maranhão, em to$4, com a
revolta de Beckman contra a Companhia do Estanco.
Foi este o primeiro movimento de emancipação
brazileira na sua phase preliminar a emancipação
commercial, que só dous séculos mais tarde foi
obtida pela abertura dos portos do Brazil ás nações
amigas.
Beckman subio ao cadafalso em 2 de Novembro
de 1685, assignalando com o seu martyrio a pri-
meira rebellião patriótica contra o jugo' portuguez
na sua forma mais immediata — a tvrania industrial.
A' revolução maranhense seguiram-se, em prin-
cipios do século XVIII, a guerra dos Emboabas, em
Minas e a dos Mascates, em Pernambuco, ambas
caracterisadas pelo ódio entre os portuguezes e os
naturaes do paiz que pugnavam pela emancipação
industrial.
Emquanto estas lutas revelavam os sentimentos
ciyicos dos portuguezes americanos, o solo brazi-
leiro era explorado e conhecido.
Kosnos
3
.
E' a época legendária' das Bandeiras.
'Paes
Fernão Leme, Rodrigo Castello Branco,
Felisberto .Caldeira, Bartholomeu Bueuo,
os sertões, 'exploram Minas, S. Paulo, Goyazpenetram
e
..Mítttü-Grosso. buscando nas minas thesouros" tabu-
losos de esmeralda e ouro, e, numa allucinação de
cub.iça e vaidade, talando campos, devastando mattas,
sacrificando o selvicola, traçam o cvclo épico da
nossa historia.
Foram estas celebres expedições pelo interior do
paiz, em busca dos metaes e dás pedras preciosas,
que, de um lado, contribuíram para o conhecimento
da terra, para a fundação de villas e
povoações, e,
do outro, accentuaram mais a rivalidade dos brazi-
leiros e portuguezes, gerando conspirações e revoltas,
assassinatos e guerras.
Era então a segunda metade do século XVIII.
Pombal e\o verdadeiro chefe da monarchia
tugueza. :'- por-
Os indios libertos, as capitanias submettidas á
-Coroa, o commercio desenvolvido, escolas
fundadas, tudo concorre para tornar o Brazil publicas
uma
nação nova em futuro não remoto. 0 grande minis-
tro eleva-o i\ çathegoria de Vice-Reino, em 27 de
Janeiro de 1 /ó3.-
Entretanto/o despotismo continua; a industria
ainda é tyraii.sada. O próprio Pombal concede
vilegios odiosos á- Companhia do Commercio. cas- pri-
tigando despoticamente aos que representaram contra
elles, e paralysa o desenvolvimento da agricultura
e da industria fabril, prohibindo a cultura da canna
no Maranhão e o fabrico de objectos de ouro,
tecidos de seda e algodão.
Todas essas medidas vexatórias se aggravaram
ainda nos annos seguintes e a anciã de liberdade,
a aspiração por uma vida melhor .se accentúam cada
vez mais.
E' então que surge a idéa de emancipação
politica.
Para obter-se definitivamente a liberdade indus-
trial sonha-se com a liberdade politica.
A independência dos Estados Unidos, em 17S3,
consequencia da Revolução Ingleza de Cromwell e
prelúdio da Revolução Franceza de Danton, inspira
e anima os corações generosos dos patriotas mi-
neiros, guiados pelo immortal Silva Xavier. Mas a
inconfidência malogra-se, e, no mesmo anno em
que
o Occidente eliminava definitivamente a realeza, com
a execução de Luiz XVI, o governo portuguez sa-
criticava a liberdade assassinando Tiradentes.
Até o martyrio do maior dos Inconfidentes, as
rebelliões contra a Metrópole limitavam-se a exigir
a eliminação da tvrania industrial. Suffocados nuli-
tarmeute e quasi nunca attendidos, os recalcitrantes
ou rebeldes eram, na apparencia, derrotados. O
men da revolta, porém, conservava-se latente ger-
expandir-se depois mais violento e!forte, reclamando para
agora tudo e mais do que reclamara antes.
Em 16S4 Beckman revolta-se contra o
odioso de tuna Companhia de Commercio privilegio
mas
se conserva fiel ao governo metropolitano. Aspira
simplesmente á liberdade commercial.
 Kosnos
ce. ±^—^=L
Em 17S9, Tiradentes é o chefe de um movi-
mento revolucionário completo, que luta pela liber-
dade commercial também, pela emancipação total
da industria brazüeira, mas obtida pela transformação
da colônia em pátria independente sob o regimen
republicano. Aspira á liberdade politica.
E' que entre Beckman e Tiradentes, o Brazil
viveu um século.
Entre o martyr maranhense e o martyr mineiro,
0 paiz passou da infância á adolescência e prepa-
rou-se lenta e espontaneamente á sua futura e com-
pleta emancipação.
Notável materialmente pelas suas fabulosas minas;
notável ainda pela riqueza e esplendor das suas vas-
tissimas flora e fauna; umas e outras fonte copiosa
de rendas para o reino oppressor; rival da Metro-
pole pelo valor intelléctual que já se havia revelado
nos espíritos superiores de Gregorio. de Mattos,
Antonio José, Fr. Vicente de Salvador, Alexandre e
Bartholomeu de Gusmão, Basilio da Gama, Santa
Rita-Durão; administrativamente collocado em po-
sição immediata á mãi-patria como Vice-Reino, o
Brazil attíngira, de facto, á maioridade nos fins do
século XVIII, e o sonho de Tiradentes se teria
transformado em realidade si a traição de uns e a
pusillanimidade de outros não tivesse annullado, no
momento preciso, os esforços libertadores do pri-
meiro paladino da nossa emancipação politica.
A independência com a republica foi sacrificada;
mas a aspiração fundamental continuou mais fer-
vorosa e intensa. O sangue do martyr tornou ainda
mais viva a causa santa pela qual foi derramado.
Em cada coração de patriota, o patibulo do heróe
transformou-se em altar da liberdade.
O insucesso político da Revolução Franceza,
dando lugar á tyrania de Bonaparte, reflectio indi-
rectamente na evolução brazüeira.
Ameaçado pelo moldado aventureiro que se tor-
nára o flagello do Occidente, o rei de Portugal
emigra para o Brazil e faz da colônia a sede da
monarchia portugueza.
Era em 1S08.
O povo do Rio de Janeiro recebeu D. João VI
com vivas ao Imperador do Brazil; festas foram
celebradas em honra do acclamado e novas e pro-
missoras esperanças se descortinaram no futuro po-
litico do paiz, que então se tornava a verdadeira
metrópole.
Durante mais de dez annos, D. João VI preparou,
sem querer, uma situação favorável á separação da
colônia.
A Agricultura não teve mais peias em seu de-
senvolvimento. G Commercio tornou-se livre. Livres
foram também todas as industrias fabris e manu-
factureiras. O ramo mais transcendente da Industria,
o Banco, foi também introduzido no paiz, embora
não se cogitasse então da liberdade bancaria, a qual
até hoje, depois da transformação republicana, é
ainda um problema a resolver.
Quanto aos meios de desenvolver a cultura in-
tellectual, ministrada pelo Estado e destinada ás
3
profissões liberaes, notam-se algumas fundações: a
Escola Medico-Cirurgica, a Escola de Marinha, a
Bibliotheca Nacional, o Jardim Botânico, a Academia
de Sciencias physicas e naturaes. Infelizmente a in-
strucção primaria não inspirou a mesma solicitude.
Já se tratava de fazer doutores militares e civis em-
quanto a grande massa social ficava, como ainda
hoje, quasi totalmente analphabeta.
A organisação administrativa modificou-se aper-
feiçoando-se. Instituiram-se as Secretarias de Estado,
o Supremo Conselho Militar, a| Imprensa Regia e
varias outras repartições publicas.! Crearam-se novos
tribunaes e elevou-se a cathegoria dos antigos.
Povoações e freguezias foram transformadas em
villas e cidades. Em menos de uma década, o Brazil
progredio mais do que em cincoenta annos.
Foi então que D. João VI elevou-o a cathegoria
de reino, pela carta regia de 16 de Dezembro de 1815,
formando com Portugal e Algarves o Reino Unido de
Portugal, Brazil e Algarves, sendo seu filho D. Pedro
acclamado Principe Real do novo reino, em 9 de
Janeiro de 1817.
O Brazil se adiantara tanto, a sua existência como
nação se fazia tão urgente, que Thomaz Jeffersou,
um dos grandes repúblicos dos Estados Unidos da
America do Norte, escreveu em 1817 esta apreciação
característica, numa carta ao celebre constitucionalista
da Revolução Franceza, o general Lafayette.^O Brazil
é mais populoso, mais rico, mais forte e tão in-
struido como a mãi-patria.* (1) j
No mesmo anno em que eram escriptas estas
palavras, os pernambucanos, retomando as tradições
dos inconfidentes mineiros, rebellam-se contra a Me-
tropole, instituem um governo republicano e lutam
pela independência do Brazil. .Mas o movimento é
malogrado. Os patriotas são vencidos pelos soldados
de D. João VI. Abrem-se as prisões; ergue-se o
cadafalso; e a vingança regia é ainda mais tremenda
em 1817 do que em 1789. O Padre Roma, Fr. Mi-
guelinho, Domingos José Martins, Domingos Thèò-
tonio Jorge, José de Barros Lima soffrem o martyrio
de Tiradentes, emquanto Antonio Carlos, irmão do
futuro Patriarcha da Independência, e muitos outros
são encerrados nos calabouços. (
Apezar de tantas prisões e tantas mortes, os
verdadeiros patriotas imaginam sempre novos meios
para realisarem a independência da pátria.
E' por esse tempo, em 1S19, que apparece, ainda
em Portugal, a rmagestosa figura politica do maior
dos brazileiros da época, José Bpnifacio de Andrada
e Silva.
Sábio e poeta, dotado de uima cultura encyclo-
pedica rara, que lhe dera um prestigio mundial, e
dominado pelos ideaes regene|radores do tempo,
embora desilludido da Revolução Franceza, de que,
na falta de uma sciencia social, não creada ainda,
só distinguia os effeitos negativos sem lhe compre-
hender o caracter orgânico, o venerando brazileiro
sentia, na Metrópole, amor pela pátria distante e
apparelhava-se para libertal-a.
(O Mattoso Maia. -- Lições •/,¦ /// floria do Brazil, f>'.' ed.
pag. 231.
 Kosnos
<§=
No seu ultimo discurso, na Academia de Scien-
cias de Lisboa, em 24 de Junho de 1819, o humor-
tal patrício, bem ao contrario do que propalam os
seus detractores, já manifestava o seu pensamento,
já consagrava os seus enthusiasmos em prol da in-
dependência do Brazil.
«Consola-me, dizia elle então, ao despedir-se dos
seus pares e da terra portugueza, consola-me igual-
mente a lembrança de que da vossa parte pagueis
a obrigação em que está todo o Portugal com a
sua filha emancipada, que precisa de pôr casa, re-
partindo com ella de vossas luzes, conselhos e ins-
trucções...
«E que paiz esse, senhores, exclamava o sábio
e poeta, para uma nova civilisação e pára novo
assento da scieircia! Que terra para um grande e
vasto império!... Seu assento central quasi uo meio
do globo; defronte e á porta com a África, que
deve senhorear, com a Ásia á direita, e com a Europa
á esquerda, qual outra nação se lhe pode egualar?
Riquíssimo, nos tres reinos da natureza, com o air-
dar dos tempos nenhum outro paiz poderá correr
pareihas com a nova Lusitânia. (2)
Estas palavras, pronunciadas pouco depois da re-
volução de 1S17, e todo este discurso final, contêm
o germen desenvolvido dos ideaes políticos do es-
tadista, taes como os applicou depois, com a firmeza
do seu vigoroso caracter, as luzes da sua vasta in-
telligencia e o enthusiasmo do seu devotamento
cívico.
Não era um agitador que pretendia subverter a
ordem politica com princípios vagos e anarchicos,
no meio de declamações demagógicas. Tinha a cal-
rna do sábio e o ardor do patriota. Para o egrégio
estadista, a independência do Brazil era o problema
a resolver sem ódios nem rancores, sem persegui-
ções e carnificina. Devia ter uma solução normal e
tel a-ia, de facto, si a nação portugueza possuísse, no
momento, um poiitico da estatura intellectual e mo-
ral de José Bonifácio, cujo gênio se patenteia na
celebre formula com que elle empiricamente resumio
mais tarde o programma scientifico da politica mo-
derna: A verdadeira politica é filha da Razão e da
Moral. (3)
Foi um auno depois da celebre oração acade-
mica, que um novo acontecimento veio contribuir
ainda para acelerar o movimento' da independência
nacional.
Em 24 de Agosto de 1820 rebentou a revolução
liberal do Porto, cujos effeitos se reflectiram iinme-
diatamente no Brazil.
A monarchia portugueza transforma-se de abso-
luta em constitucional." D. João VI deixa o Brazil
em 26 de Abril de 1821, depois de haver nomeado
a D. Pedro, Principe Regente, e firmado, para o paiz
que deixava e o acolhera fugitivo, as concessões que
a revolução portugueza lhe arrancara.
(2) Latino Coei.h.Ó. — Elogio histórico dè José Bonifácio de
A mi rada ,- Si ha, pajj. 37.
13) José Bonifácio.—RepresentaçãoáAssembléa Geral Consti-
1,1 "'te e legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura, 2? ed.,
P»g- 35
3
Em toda a nação agitava-se, mais forte do que
nunca, a idéa de independência.
Nos jornaes, nos clubs, nas sociedades 'secretas
tramava-se contra a situação dominante.
O momento era dos mais graves. O paiz ame-
açava fragmentar-se precocemente com a fundação
de governos mais ou menos independentes, tanto da
Metrópole como da Regência.
Os democratas sonhavam com a eliminação da
monarchia. Os portuguezes trabalhavam pela recolo-
nisação. Os independentes aspiravam por um novo
estado livre, separado ou unido a Portugal.
Alem disso, as Cortes portuguezas, apezar dos
triumphos oratórios de Antônio Carlos e outros re-
presentantes brazileiros no parlamento luso, se in-
surgiam cada vez mais contra o Brazil, pretendendo
recolonisal-o. Era o partido portuguez que, a todo
transe, queria apoderar-se do mando e fazer que urn
paiz realmente livre voltasse á servidão antiga de
colomnia e não instituísse sua emancipação legal,
harmonisando assim os costumes com as leis.
Era-lhes o programma um absurdo e uma ini-
quidade; mas não triumphou, que as leis da historia,
sem que o presentissem ou imaginassem, lhes con-
trariaram os desígnios.
No meio desta crise decisiva, foi que José Bo-
nifacio revelou o seu gênio de estadista e realisou,
aperfeiçoando, o seu ideal poiitico, esboçado com
intrepidez e desassombro na memorável sessão aca-
demica de 1S19.
Depois da attitude das Cortes portuguezas, não
mais se podia cogitar da união de'dous" Estados li-
vres, mas da separação definitiva delles. O que era
urgente, inadiável era a independência completa do
Brazil.
Todos os verdadeiros patriotas estavam em tal
ponto de inteiro accordo, mas divergiam quanto aos
meios a empregar.
Os democratas, especialmente em Pernambuco,
batiam-se pelo ideal republicano. Fra a utopia de
Tiradentes e dos martyres de 1817. José Bonifácio,
porém, que não era nem democrata riem mónárchis-
•ta mas um typo antecipado de sociocrata, empírica-
mente formado, pensava, com justeza e sabedoria,
que se não podia estabeleder a republica mantendo
a escravidão; «não comprehendo uma republica com
escravos*, dizia elle. Ora, a Abolição não se podia
realisar immediatamente; logo, com a forma repu-
blicana se não podia fazer a independência.
Que restava então?
Fazel-a com os recursos que a situação social per-
mittia.
Foi essa a grande obra de José Bonifácio.
Com a sciencia incompleta dos Encvclopedistas,
de que era um dos illuminados, sem conhecer ain-
da as leis que regem os phenomenos políticos, só
descobertas por Augusto Comte, no mesmo anno
da nossa emancipação, e animado por um grande
ardor patriótico, o preclaro homem de Estado resol-
veu, com admirável lucidez.com inquebrantavel ener-
gia, o problema político, cuja solução o momento
 Kosnos
ê B
histórico impunha aos ricos de coração e de espi-
rito como elle o era.
Havia ura principe de que a nação podia dispor,
anroveitando-lhe' as ambições e o enthusiasmo de
moço. Era D. Pedro.
Membro da familia real que governava a Metro-
pole; exercendo normalmente o governo do Brazil
desde a retirada de D. João VI; deixando-se arrastar
pelas aspirações populares que queriam a indepen-
dencia e pelas suggestões do próprio orgulho;
D. Pedro estava fatalmente destinado a ser o instru-
mento executor dos planos politicos de José Bo-
nifacio. A situação nacional indicou-ò ao Estadista
para ser o chefe da nova pátria, o dictador ino-
narchico, o Imperador do Brazil.
Assim foi. .,..-',
Cheio de sabedoria e patriotismo, o Apóstolo da
Independência desde 1 SI9, tornou-se em 1822 o seu
verdadeiro Patriarcha. Fez as jornadas de 9 de Ja-
neiro e 7 de Setembro; o dia do Fico e o do
Ypiranga.
A representação de 24 de Dezembro de 1821 (4) e
a correspondência de Setembro-de 1S22; (5)a primeira,
quando era apenas membro do governo de S. Paulo,
e a segunda, quando já ministro de D. Pedro,
são documentos irrefragaveis da sua influencia di-
recta e iininediata naquellas duas jornadas decisi-¦<
vas.
Era o sonho de 24 de Junho de 1819 que. se
realisava em' 7 de Setembro de 1S22.
Investido de uma dictadura necessária para man-
ter a ordem abalada e ao mesmo tempo preoccupa-
do com as necessidades âo progresso, o gênio po-
litico do Estadista da Independência teve de reagir
não, contra as idéas liberaes, como o calumniaram
lettrados da época,.mas contra a auarchia que ame-
açava a causa da independência nacional.
Restabeleceu a ordem, subvertida em todo o paiz.
Pez a guerra da independência, expulsando os ul-
timos defensores do dominio portuguez. Bateu assim
demagogos e realistas.
Mantida a ordem, tratou de desenvolvel-a^ cui-
dando do progresso.
A Constituição politica dos brazileiros, a civili-
sação do indio pelos methodos que a sciencia in-
dicava, a abolição da escravatura, foram questões
que lhe absorveram a aetividade intellectual e moral,
"esonde
se mostrou superior aos homens de seu
l-tempo. *
Uma dellas ainda hoje não teve solução e a ul-
tima só foi resolvida definitivamente mais de ses-
senta annos depois dos trabalhos do eminente ho-
mem de Estado.
A obra de José Bonifácio, assistido pelo devota-
mento de muitos patriotas e pela gloriosa ambição
de um príncipe, não significa apenas a ruptura for-
• Rio, Setembro de 1905.
(4) Ho.MEM DE Mfcl.LQ.— /isfioros ido^raf-iiifos,' I, pag. 21.
(5) Pki:m.M<>NI>.. — Alrfttttações d .<¦//</ hioçraf-hia, in jlnna.-s da
/fififióf/it-tti Xacional', vnL.XIII, pai;. 4o.
cada, feita com lagrimas e sangue, do laço politico
que unia o Brazil a Portugal. Assim considerada é
uma memória odiosa e deshumana, indigna de ser
recordada numa época em que tudo nos annuncía
a concórdia universal.
O que a Independência do Brazil symbolisa, pe-
rante a verdadeira philosophia da historia e fora do
critério estreito de um patriotismo acanhado, é- a
realidade de duas leis positivas da evolução humana:
Ia —A tendência para a formação das pequenas
pátrias .pela dissolução dos grandes estados;
2a —A. persistência dos laços religiosos depois da
ruptura das ligações políticas.
Em resumo: significa que a sociedade tende para
uma situação definitiva em que a independência
politica das pequenas pátrias concorre com a união
religiosa de todas. O poder material restringe-se
especialmente para cada pequeno agrupamento po-
litico, emquanto a aetividade moral, representada pela
sciencia, arte, costumes, crenças, congraça universal-
mente a todos.
O Brazil, separando-se politicamente de Portugal,
nada mais exprime que a fragmentação da Pátria
Portugueza em duas porções, divididas pelo Atlântico.
Rompeu-se o laço politico, mas permaneceu fa-
¦ talmente a ligação espiritual, a união moral, devida
aos usos, costumes, crenças e, sobretudo, á lingua,
thesouro inexgotavel das nossas lembranças communs.
Com o 7 de Setembro, a raça portugueza bipar-
tio-se em portuguezes da Europa e portuguezes da
America; dous povos politicamente distinetos mas
moralmente unidos. Progredindo mais, cada um delles
se dividirá e sub-dividirá até]se reduzirem, como
todos os grandes povos do JV)imdo, aos habitantes
de uma cidade com seus subúrbios —termo final
das reducções políticas. Entãoj centenas de pátrias,
politicamente livres dentro do Planeta, como as fa-
milias em cada casa, numa mesma cidade.se acharão
moralmente unidas pelas mesmas crenças, pelo mesmo
culto, pelos mesmos hábitos, realisando emfim a
utopia sonhada por todos os espíritos generosos do
Passado e do Presente: a Fraternidade Universal.
Para esse porvir longínquo, verdadeiro céo ima-
nado pelos nossos antepassados, atravez das chimeras
theologicas, concorreu o geiiio de José Bonifácio,
tornando effectiva a tentativa dos seus precursores
de 89 e 17, resumidos na figura gloriosa de Ti-
radentes.
O 7 de Setembro, sendo um dia de festa da
Pátria, o é também de festa da Humanidade.
Eo Patriarcha da Independência, glorificado pela
Pátria, ainda o é pela Flumauidade, de que se tornou
um dos mais eminentes órgãos, contribuindo para
preparar, sem o presentir. talvez, esse futuro sem
termo que a Terra anciosamehte espera.
Reis Carvalho.
 OS OROANISADORES DO 3" ÇONOREfO SÇIENT1FIÇO |ATINO AMERICANO
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[>o,.ireitas—i.' Secretario Conselheiro Carlos de Carvalho -Vice-1'resideute ! Dr. Quedes de Mello—2? Secretario
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¦tu uqs ,<> tu Murquez «le Paranaguá—Presidente
.antos—iV 1 hesoureiro ,_ ,'.,, ,

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l»r. Vfllela dos , _• mi j Com.
,. «- . l>r. Alfredo Lisboa—2'.' Thesoureiro
Dr jj i">za Santos—Membro da. Execupva
Kodrigueji—Membro da Com. Executiva Dr. Sã \iajma—Membro da Com. Eitecatíra Dr. Carlos Seidl—Membro da Com. Executiva

m
 Kosnos
=^D CÊà= =3
Não se limitou ao notável discurso, ouvido com
Conselheiro Carlos Augusto de Carvalho grandes applausos no Theatro Sf Pedro de Alcan-
tara, na noute de 6 de Agosto; esteve presente a
todas as sessões da secção de sciencias juridicas e
Conheci-o em Abril de 1SS5. Em seu escriptorio, sociaes; discutiu todas as questões submettidas a
já muito considerado, fui-lhe apresentado por um debate, propoz soluções para muitos problemas;
amigo commum, e a impressão que ficou-me d'esse e... em tudo que produziu, perante delegados es-
primeiro encontro foi a da mais profunda sympathia. trangeiros, de indiscutível competência, entre os
Attrahido por sua insinuante vivacidade, renovei quaes não posso deixar de nomear o presidente
minhas visitas e, já na segunda quinzena de Maio, eleito do congresso, Dr. Eduardo Acevedo, illustre
recebi, com a communicaçâo de que elle tinha résol- reitor da Universidade de Montevildeo, e o abalisado
vido acceit r a presidência da provincia do Pará, professor da Faculdade de Direito, da Universidade
o convite para ser uni dos seus auxiliares n'esse de Santiago, Alejandro Alvarez, Delegado do Go-
posto de confiança, que o governo Imperial en- verno do Chile, revelou sua extraordinária cultura
{regava á sua capacidade. jurídica e seu admirável critério.
Acceitei, não sem Aos seus colle-
insistência, essa gíjs, brazileiros, ne-
inesperada distinc- nhuma sorpreza
»2&_B |^*^_
ção e a 30 de Junho cauzou a saliência
seguia para o Pará, 4___l Wm7- da sua figura: em
como secretario do todo o paiz e prin-
Governo, junta- ______ ^^^^M______fc "¦jK______*'1' '¦• BJBEfcft.
cinalmente no Rio
mente com o novo Am __T -'-'''i IV <Ssí BltóásSXriís. y
_D m\ .'"^^____f de (janeiro, o Con-
Presidente. selheiro Carlos de
A convivência, ___B*__ _v ______3________- SSrf»
Carvalho tinha con-
que o serviço da
administração uatu- quistado a justa re-
ral mente estabele- pu tação de homem
de grande talento
ceu, fez nascer entre e profundo saber.
nós reciproca con-
fiança e transformou Desde o antigo
colljegio Pedro 11,
a mutua sympathia,
no qual recebeu,aos
de então, em ami-
sade, que o tempo 16 annos de idade
consolidou e sua incompletos, o titu-
morte converteu em lo de bacharel em
in extingui Vel sau- lettras, que elle co-
dade de um ente meçou a fazel-a.
querido. Ahi mostrou o
Estas linhas não seu! amor ao estu-
visam outro objec- do,| que continuou
tivo se não prestar na Faculdade de S.
um tributo de affe- Paulo, da qual foi
cto ao illustre lo durante o seu tiro-
vice-presidente da cinio um dos mais
Commissão directo- distinetos alumnos,
ra do 3° Congresso Scientifico Latino Americano, á pela intelligente applicação e pela altivez do seu
cuja memória rendem os seus companheiros esta caracter, merecendo dos seus collegas ser escolhido,
homenagem de respeito e de pezar. em 1871, redactor-chefe da Imprensa Acadêmica,
Mal sabia eu a 20 de Julho, dia em que fui con- depois de haver n'ella publicado diversos artigos,
vidal-o a consentir na sua escolha para esse honroso dos quaes são dignos de menção os que tinham
encargo e substituir o venerando Sr. Marquez de por titulo — Liberdade Religiosa — e ter tambem col-
Paranaguá, que pertiriaz enfermidade impedia de laborado no— Radical Paulistano.—
presidir a sessão inaugural do mesmo Congresso, N'aquelle anno devia receber o seu diploma de
que... contribuía para que elle prestasse ao seu paiz bacharel em sciencias juridicas e sociaes, mas o
e á sciencia o ultimo serviço que se pode exigir movimento de revolta da Academia de S. Paulo
de um homem do seu patriotismo e talento. contra o decr. n. 4806 de 22 de Outubro, que
Depois de ouvir-me, limitou-se a responder-me: modificou o de n. 4675 de 14 de Janeiro, sobre o
«é sua opinião que eu devo acceitar? Pois... diga processo a seguir nos exames dos estudantes das
aos companheiros que disponham de mim como Faculdades de Direito, não o permittiu.
entenderem." Elle entendeu que devia, protestar contra a
Transmitti a resposta, recebida com grande con- execução d'esse decreto, que reputava exorbitante
tentamento, e não é preciso recordar o brilhantismo das attribuições do Poder executivo, e na Republica
com que elle desempenhou a incumbência, porque publicou uma serie de artigos dirigidos á Academia
está na memória de todos. de S. Paulo.

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 Kosnos
S==m
trucção publica, regulamentando a escola normal,
creando o curso mercantil em Antonina e inaugu-
raudo a primeira casa escolar do Paraná, que levan-
tou, por meio de donativos, sem ônus algum para
a provincia.
Campo mais vasto á sua actividade offerecia a
provincia do Pará, para cuja presidência foi nomeado
por Carta Imperial de 2 de Junho de 1885 e da qual
tomou posse em 16 de Julho.
A mudança da situação politica, porém, obrigou-o
a pedir exoneração em 22 de Agosto, e não lhe per-
niittiu cumprir o programma que havia traçado.
Ainda assim, u'esse curto periodo de tempo, elle
estudou todos os serviços da provincia, accentuando
no relatório com que passou a administração ao seu
suecessor, as reformas que julgava convenientes, e
tratou, com especial interesse, das rendas publicas,
que eram lesadas por contractantes de serviços, um
dos quaes havia indevidamente recebido 137.6405000.
Q Governo do Império, em signal de reconhe-
cimento por esses scm"víços, conferiu ao Dr. Carlos
de Carvalho, em 23 de Maio de 1S83, a conunenda
da Ordem de Christo, e em 19 de Janeiro de 18S9,
o titulo de Conselho.
Não podia terminar com a provincia do Pará a
carreira politica do Conselheiro Carlos de Carvalho.
Os seus extraordinários dotes indicavain-n'o para
postos mais elevados e não foi surpreza a sua no-
meação para Ministro das Relações Exteriores em
6 de Outubro de 1893, para a qual devia ter con-
tribüido na occasiâo o artigo que, com sua assigna-
tura, publicou na primeira columna do Jornal do
Commercio de 10 de Setembro, sob o titulo — A defeza
da Cidade pelo direito internacional.
D'esse cargo, porém, exonerou-se em 26 do
mesmo mez, tornando publico que essa resolução fora
motivada pelo decreto, do dia anterior, da nomeação
do Dr. Barata Ribeiro para o elevado carga de Juiz
do Supremo Tribunal.
De novo nomeado Ministro d'essa pasta em
15-de Novembro de 1894, n'el!a conservou-se até
29 de Agosto de 1S96, tendo prestado ao governo
do honrado Dr. Prudente de Moraes e ao paiz
serviços relevantissimos que difficil mente serão es-
quecidos.
Certamente o modo porque__elle desempenhou
as delicadas funeções d'esse elevadr>--postci, resol-
vendo com rara habilidade questões nuTíTTidrosas,
como a oecupação, pela Inglaterra, da Ilha da Trin-
dade, além de outras que constam dos seus admi-
raveis relatórios, indicou-o para ser o arbitro do
Brazil no Tribunal Brazileiro-Boliviano, que func-
ciona n'esta cidade em virtude do art. 2° do Tratado
de 17 de Novembro de 1903 assignado entre o
Brazil e a Bolívia.
Juntamente com essa commissão elle exercia o
cargo de Consultor jurídico do Ministério das Re-
lanões Exteriores, creado por dec. n. 5536 de 25 de
Maio ultimo, patenteando assim a extraordinária acti-
vidade que possuía e que tornaria difficil sua sub-
stituição, si o governo não tivesse resolvido nomear
para cada uma das funeções que elle desempe-
nhava de modo inexeedivel, um titular differente.
¦3
Ainda na noute de 19 de Agosto quando os
membros do 3° Congresso Scientifico Latino Ame-
ricano, apôs o banquete que lhes foi offerecido
pelo Sr. Barão do Rio Branco, percorrendo as de-
pendências da Secretaria das Relações Exteriores,
visitavam a sala do Consultor jurídico, elle a todos
mostrou firmas de estadistas do Império, membros
do Conselho d'Estado, nas consultas da respectiva
secção, que estão todas encadernadas, arinunciahdo
antes o assumpto da consulta, como tinha sido
resolvido e quem a havia assignado.
Uma admirável memória ao serviço de grande
talento, fecundado por muito estudo.
Porém... não foi só á advocacia e á politica que
elle consagrou sua actividade.
Collaborou na imprensa desta capital', escrevendo
artigos sobre diversos assumptos, dos quaes foram
muito apreciados os Estudos Econômicos publicados
no Correio do Brazil em 1872. /
Pleiteou em 1880 a cadeira da Escola Poly-
technica, regida pelo illustre Dv. Vie/ira Souto, e
ainda hoje se recorda n'aquella escola a brilhante
figura do Conselheiro Carlos de Carvalho, que teve
como concurrentes, n'esse certamen, além de outros
o mesmo Dr. Vieira Souto e mais os Drs. Souza
Bandeira, Joaquim Mattoso, Aarão Reis e Magalhães
Castro.
Sua dissertação versou sobre — Administração dos
trabalhos e serviços da Engenharia Civil, Minas,
Artes e Manufacturas — e para que se julgue do
valor scientifico desse trabalho basta que se saiba
que exposto a venda foi a edição esgotada.
-De 15 de Maio de 1S91 a 16 de Março
de 1S93 foi director secretario da Empreza Indus-
trial de Melhoramentos no Brazil, da qual era con-
sultor e advogado desde sua fundação.
--De 12 de Dezembro de 1902 a 19 de Setem-
bro de 1903 foi director do Banco da Republica
do Brazil.
São esses os traços principaes da vida do bra-
zileiro illustre, cujo desapparecimento é tão lamentado.
Do seu saber e patriotismo muitos proveitos
deviam tirar —o Direito —de que elle era um grande
cultor, e —o Brazil —a quem elle procurou sempre
servir com zelo, lealdade e desprendimento.
Não o quiz assim a morte, essa impiedosa rea-
lidade da vida, com a qual não nos habituamos,
e só nos resta curvarnio-nos ante os seus desígnios.
Extinguiu-se a vida physica de um homem que
se nobilitou pelo trabalho e pela honestidade, mas
sua memória não se apagará do espirito dos que
receberam suas licções e hão de procurar seguir
o seu exemplo.
Para uns as homenagens que se tributam aos
mortos são demonstrações de vaidade dos vivos;
para outros constituem um dever, uma espécie de
religião, cujo culto compensa a dôr que se expe-
rimenta.
Sou dos últimos e a um grande batalhador t
rendo este preito, expressão do meu sentimento.
Outros farião melhor ; nenhum com maior sin-
ceridade.
Rio, 25 — 9-905. Vu.ella dos Santos.
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CAMPEONATO DE 1905-ASPECTO DA ENSEADA DE BOTAFOGO

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1.. REGATA DA SOCIEDADE RECREIO MARÍTIMO NA ENSEADA DE BOTAFOGO
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COURAÇADO . INDEPENDÊNCIA' COURAÇADO L1BERTAD

Photographias da Gazeta de Noticias

 KOSMOS
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DorçiOS
UEM diria a Lydia, que tão longe
da pátria e assim sem parentes e
amigos, soffreria a immensa dor
que, no restante da existência pre-
caria, amortalhou-a em saudade!
Mal tivera tempo de habituar-
se á vida curiosa e exótica do re-
moto Oriente, da capital mysterio-
sa para onde o seu Dorios fora enviado, em mis-
são de confiança e com accesso. Esse formigar de
gente em uma cidade tão vasta, mas ao mesmo
tempo extranhamente calma, sem alegria ruidosa,
sem festas á maneira oecidental; o retiro no grande
edificio da Legação, em um bairro privilegiado,
espécie de zona excommungada, onde os naturaes
do paiz não se aventuravam com medo aos desta-
camentos europeus, tudo lhe parecia tão novo e
tão hostil que a pobre exilada vivia inquieta, em-
hora sem causa determinada. Nem a visita ao pa-
lacio Imperial, a recepção da Imperatriz viuva, con-
seguira distrahil-a, desde que tendo dado logar a
negociações demoradas. n'essa luta contra a astucia
passiva dos mongóes, chegara a parecer-lhe um
milagre, um acontecimento imprevisto, mais próprio
para assustar.
Demais, ella sentia que o marido disfarçava con-
trariedades, com esse ar vagamente aggressivo de
quem resiste ao desanimo, de quem affronta peri-
gos não definidos; essa attitude de resistência iriti-
ma, de tensão continua, próprias de espirito energi-
co lutando com apprehensões, que perturbam, uri-
tam e humilham. Notava-lhe inconstância nas ex-
pansões carinhosas, ora affagando distrahidamente
os filhos, ora, cobrindo de beijos nervosos as duas
cabecinhas adoráveis, como que receiando
ou parecendo despedir-se: perdel-os,
Ajntuição amorosa de Lydia, advinhava a flu-
ctuação subjectiva, apezar do esforço da vontade
ein apparentar o estado commum de equilíbrio.
Dorios atravessava uma crise tanto mais intensa,
quanto sua intelügencia e seu sentimento desappro-
vavam a missão que exercia, em obediência ao seu
governo.
Invocando o serviço da sua remoção da grande
capital européa, onde a carestia da vida trazia-o
em
uunilhações e angustias,
para um outro posto mais
modesto conforme tinha desejado,
o mesmo minis-
tro amigo, quasi o forçara depois a acceitar
pouco
a Legação no Oriente, creando-lhe a espectativa de
um triumpho: —«Não te convém essa existência
.3'
mediocre das missões ordinárias , dizia em carta
intima. Bem sabes que entre nós, o diplomata só
se pôde recommendar por uma espécie de acção
de guerra, pois tal é o acto brilhante a
que dão
logar circumstancias extraordinárias. A continuidade
da residência amesquinha o esforço e o mereci-
mento se perde ignorado, ou vulgarisado
so critério de que tua profissão se caracterisapelo fal-
regalo perenne e pelo ócio fradesco. Parlamento pelo
e
governo, todos nós só pensamos na Ásia, acompa-
nhando o movimento europeu da irradiação da in-
fluencia politica. Aproveita o ensejo, ganha a bata-
lha e verás a gloria cortezã e dadivosa. Alem d'isso
preciso de ti e faço questão de amizade....
A idéa de ser útil ao paiz, emergindo desse
quasi anonymato official que nivella os diplomatas,
fel-o acceitar o novo posto, embora sentisse deixar
a capital modesta e insipida, onde tinha recuperado
a serenidade de espirito, a ponderação do caracter,
perturbadas pelas existência enervante de festas e'
representação ostentosa, do grande centro de
fugira para evitar o maior dos desesperos: o que de
sentir a embriaguez saborosa do luxo, ser obrigado
a fingir opulencia e despreoccupação feliz, &mas
sem os recursos de um bem estar duradouro',
seguido todos os dias todas as horas, pela impres- per-
são da despeza crescente, inadiável e tyrannica e
da receita impassivelmente mesquinha.
Ao menos, ali na cidadesinha rodeada de
cies douradas pelos trigaes, manchadas do verde plani-
escuro das florestas de pinheiros, tinha bem
o consolo da natureza, o encanto que amansaperto os
nervos, traz emoções sedativas, surpresas ingênuas
do lyrismo mais ou menos latente, ou mais ou
menos vibraíil e que desperta ao ar livre dos cam-
pos e inspira-se na variedade formosa dos aspectos
physicos.
Bastava sahir pelo lado opposto ao bairro das
fabricas para entrar nas campinas cultivadas, ou
defrontar com os férteis pomares. Si alongava o
passeio pela estrada que parecia correr entre as
geiras e desdobrava-se em curvas rápidas margean-
do os casaes, Dorios sentia a attracçãé irresistível
da sombra macia da floresta sussurrante, formando
massas enormes de frondes altas, muito altas e
muito unidas, enchendo o horizonte.
A trechos, avistavam-se aldeias rústicas de casas
baixas, com os tectos inclinados, para que as neves
do inverno escorregassem facilmente, e ao lado
das herdades espreguiçavam as grandes azas dos
moinhos, cuja sombra, arreando sobre os campos,
ao cahir da tarde, apressava a noute no trigal visí-
nho, ao passo que lá sobre os pinheiros esguios, o
sol ainda espumava nuvens de ouro.
Tão relativa é a felicidade e tão sensível
sempre a influencia das circumstancias, quasi
que Lydia
e Dorios quasi amavam a cidade mediocre é os
campos tranquillos. Na hora da partida cederam á
pena não definida, resultante da mudança de habi-
tos, da separação do logar onde se viveu algum
tempo sem grandes magnas; cederam a essa tristeza
quasi medrosa que precede qualquer viagem longa
esta espécie de antesaudade dos momentos de ven- *
 KÓSMOS
<è
tura, e que não é mais do que o apego humano
ao passado e o receio vago do futuro incerto. Esta
impressão desbotava a lembrança das contrarieda-
des próprias da vida resumida da pequena capital,
onde a intriguinha maliciosa, a espionagem da
sociedade sem occasiões e desafogo de prazer,
eram a distracção e a occcupação principaes.
Como eram expressivos e abertos os olhares
das senhoras, estudando a pobre Lydia, examinando
si era natural a frescura da pelle, fixando-se no
sombreado das palpebras, no ligeiro espaço entre
a orelha e o cabello, na linha da nuca, para conhe-
cer alegremente si a differença de cor denunciava
o artificio da pintura! Como pareciam apalpar o
vestido, para aquilatar o preço da fazenda; como
examinavam o corte e os enfeites, para descobrir
si era original de uma grande casa, ou simples
copia de alguma costureira barata, d'essas artistas
modestas que moram longe do centro e onde se
vae a medo e quasi escondido!
E o tom suave das perguntas hábeis, o ar des-
confiado das primeiras visitas; a tactica delicada
que deviam empregar os novos como elles, para
não ferir melindres, para conhecer as usanças, para
não espinhar os preconceitos e até as abusões pe-
cuüares a toda a sociedade pequena e retrahida!...
Mas, agora que iam partir tudo se esfumava,
so reviviam as boas lembranças e, dominava a in-
quietação do desconhecido que realmente era,
aquelle mundo oriental, para onde iam assim de
repente.
.S^.S
>
i
Pouco tempo de exercício bastou a Dorios para
convencer-se da illusão politica de seu Governo,
cedendo ao preconceito occidental da insanável in-
ferioridade ethnica dos povos asiáticos ; arrastado
pelo engodo de participar do concerto das grandes
potências, n'esse afan de christianisar o mundo,
creando ao mesmo tempo núcleos de servidão com-
mercial. Temia para sua pátria os males d'esse pro-
cesso de cultura social extensiva, que só pode dis-
persar e inutilisar energias, que engendra a mania
collectiva da influencia grandiosa, do apparato guer-
reiro; desvirtua a selecção social n'esse sacrificio
dos melhores, dos mais ousados ou resistentes e
avoluma encargos no orçamento em déficit. Porque
não evitar o contagio d'esse arrebate phantastico
que desequilibra os povos, resurgindo a illusão da
conquista em terras affastadas, a doutrina do ódio,
ou do desprezo de uma parte do mundo, contra a
humanidade restante?
Elle não acceitava a theoria corrente da absoluta
superioridade physiologica de uma raça sobre ou-
tra, pois conhecia que não existem raças puras,
desde que todas padecem da mestiçagem histórica
determinada por infiltrações constantes, pela guerra
e pela conquista. Duvidava d'essa perfeição intan-
givel de que se ufanam alguns povos ou grupos
de povos, quando maior força e melhor civilisação,
esquecendo que mesmo a circumstancia de uma vi-
ctoria ou de uma conquista não significam para o
.si
vencido inferioridade orgânica, desde que, mesmo
na peior hypothese, seu elemento ethnico pôde
misturar-se no do vencedor oecupante, ao ponto de
modifical-o, ao ponto de dominar n'essa luta menos
occasional do cruzamento. Não ignorava quanto
era instável e difficil a demarcação restricta entre
dolichoides e brachicephalos loiros e morenos, quan-
to era arbitraria a distribuição de elementos erige-
nicos, n'esse mosaico dos sub-dolichoides, mesatice-
phalos e variantes intermédios. Nos typos clássicos
do Eiiropoeus, do Alpinas e do homem-afer, desço-
bria o mesmo preconceito classificador que especi-
fica os temperamentos em'sangtiineo, bilioso e ner-
voso, sem que d'ahi resulte a existência concreta ou
isolada d'essas entidades physiologicas. Recordava
ainda que até pouco tempo, a sciencia, presumindo-
se bem documentada, localisava no Oriente as ori-
gens da civilisação universal, aq passo que hoje a
alluvião de novas theorias, também fundadas em
documentos, inscripções e analogias lingüísticas,
transporta essas origens para 01 Occidente, de onde
em remotas épocas emigrou a gente do norte para
conquistar e cultivar as velhas raças de Ásia e
África. E concluia que no conflicto d'estas e das
anteriores verdades, o que havia ainda de mais se-
guro era a incerteza.
Nas alternativas de domínio effectivo dos po-
vos, deslocando-se, crescendo em preamar, ou min-
guando em vasante, rVesse ondear immenso da fa-
milia humana a caminhar sem descanço sob as ra-
jadas de idéas, sacudida em ancias, superstições,
enganos odientos e miragens esplendidas de amor,
preferia não reconhecer somente a lei do cyclo, tão
explorada pelos'grandes, ao encerrarem os destinos
de outras raças na formula do extermínio fatal. A
historia em suas repetições seculares, parecia mos-
trar também o phenomeno social de luz e sombra
periódicas, tão vulgar no mundo physico, e d'essa
concepção de solidariedade no mal e no bem, na
melancolia de um poente ou no gorgeio luminoso
de uma aurora, nascia o seu amor por -toda a hu-
manidade. Sua descrença 110 iprogresso absoluto e
na ventura final, em vez de amargurar-se em cole-
ras e ódios, modelavam-se em ternura. A destruição
irremediável a que tendem os indivíduos, os povos,
as raças e mesmo as terras que ellas oecupam, ms-
pirava-lhe compaixão por tudo que vive, por tudo
que caminha para o nada, para o vasio sideral onde
se afogam os mundos, onde morrem os astros pul-
verisados. Por isso preferia oi amor que conserva
ou procrêa, á guerra, á conquista, á selecção brutal
e collectiva, que desequilibra ojperiodo de existen-
cia concedido as nações. í
Mais o entristecia o pretexto evangélico de ci-
vilisar ás pressas e com violência, impondo uma
crença, uni código de costumes, uma pauta de sen-
timento e não supportando a revolta contra a in-
quisição do progresso arbitrário) e mais ou menos
apparente e illusorio. Esse era justamente o ponto
delicado de sua missão; proteger e ajudar os pro-
pagandistas religiosos que emprejiendiam a colheita
de almas, em favor de sua crença e dos interesses
da politica.
•:.. " %È

KOSMOS
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Cada vez que partia um missionário para o
mysterioso interior d'aquellas terras tão grandes e
tão velhas, não só temia pela vida do representai!-
te de sua raça, do compatriota, por quem lhe au-
gmentava o carinho na solidão do exilio, mas sentia
a inutilidade do esforço individualmente heróico. A
immensa tartaruga, sobre a qual descança o mun-
do, base da construcção theogonica de uma das mais
antigas religiões do Império, lhe parecia um sym-
bolo de resistência invencível, em cuja couraça
amortecia o diminuto arremesso de uma nova
crença.
A's vezes, conversando com o chefe dos missio-
narios, aquelle padre alto, membrudo, de face larga
e voluntariosa, grandes olhos muito á flor das
orbitas, como que cedendo á constante projecção
do olhar imperioso devassando proselytos, manifes-
tárâ essa impressão complicada de duvida quanto
ao resultado da propaganda e de receio da expio-
são de um fanatismo contra outro. Mas, o padre,
sorrindo de seu idyllio humanitário, não compre-
hendia a duvida e, dominado pela preoccupação da
utopia que se converte em espirito de seita, exag-
gerava a conquista christã, cujo passado lhe parecia
histórico e sagrado, esquecendo a edade millenaria
das creanças nativas; declamava que era necessário
chamar novos apóstolos e augmentar a influencia
da propaganda nacional, para vencer o prestigio de
outros cultos e outros paizes, sem notar que o in-
centivo chimerico da predica degenerava em riva-
lidade de igrejas, de nações e mesmo de indivíduos.
Dorios evitava a discussão, observando a teia subtil
dos preconceitos, dos moveis latentes e incoerci-
veis, o mesmo «automatismo do pensamento e te-
tano da vontade , que originava as dissensões entre
os apóstolos, determinava encontros aggressivos
entre os destacamentos militares em guarda ás
Legações e a desconfiança reciproca entre os Go-
vemos; arrastados ao conflicto jurídico da occupa-
ção militar e do respeito á ficção de independência
da grande nação do Oriente.
As instrucções officiaes ultimamente chegadas,
estimulavam-lhe o zelo e actividade para alargar a
influencia da politica de sua pátria, ajudar a pene-
tração dos missionários, citando, as vantagens obti-
das pelos outros paizes. Não era bastante o que
havia alcançado, era preciso ainda mais, para não
ser vencido pelos alliados...
Qual será o fim do Governo? indagava hesi-
tante. Assegurar um mercado de consumo que
viesse compensar os males da concurrencia na
mesma Europa, obedecendo a < tendência irresisti-
vel de expansão,» impulso histórico que se accen-
tuou em guerras, quasi em cruzadas? Mas o com-
mercio não é a perturbação, a violência: E' a cap-
tação insinuante, determinada pelas necessidades da
permuta, que offerece o que este não possue pelo
que um outro deseja ou pode utilisar. Não é essa
a tradição de conducta mercantil, que fazia o pro-
pheta Isaias chamar os Phenicios ^mensageiros
divinos» e justificava as lamentações de Ezechiel,
sobre a ruina de Tyre, a formosa? Haveria n'essa
politica sob o estimulo de uma empresa commer-
.__í. __.'...-,..¦¦..¦ ¦¦ -M- _- . ¦. '-
c^= .ã>
ciai, o outro, mais intimo e mais mystico, do espi-
rito sectário? Essa eiva de fanatismo, tão humana,
de querer impor a sua idea e o seu sentimento, na
presumpção de que são os melhores e mais perfei-
tos? Esse egotismo mascarado de amor aos outros
homens, que em todas as épocas se revela aggres-
sivo, desarticulando as civilisações, creando o ódio
entre as raças, justificando em ponto grande, o
«homo lúpus»... do plúlosopho desenganado e me-
lancolico? Esse mesmo vicio que entre os indivi-
duos se chama lucta pela vida, e que a maldade ¦
ou a incompetência traduz em intrigas, má vontade,
ardis e ciladas, em vez do duelo franco de ener-
gias e aptidões ? Qual a verdadeira crença, nesse
conflicto das principaes que se hostilisam e das
schismaticas que se desprezam, apezar de se pare-
cerem tanto umas e outras em sua construcção
theologica, em sua lei moral ? Não tem todas a
mesma origem; —o animismo, esta crença do homem
primitivo que attribuia aos mortos uma influencia
protectora ou maléfica?
Budhismo, o Confucionismo, o Taoismo e o
Mahometismo viviam da tolerância reciproca, de
uma quasi indifferente e doce ironia, o que poderá
ganhar outra religião, ao enfrentai" com uma theo-
dicéa e uma phiiosophia perfeitamente construídas?
Mais grave lhe parecia a illusão Occidental de
irritar e não persuadir, de pretender a unidade de
cultura, a vulgaridade de um typo social modelo,
quanto observava o effeito negativo d'essa expe-
riencia nervosa que ignora ou não aprecia as cor-
rentes históricas que explicam ou definem os vários
períodos de evolução mais ou menos demorada,
porem sempre convergente em beneficio do aper-
feiçoamento universal.
Não haveria vantagem em integrar o collosso
asiático a civilisação occidental como um elemento
da harmonia geral, em vez de o considerar um pe-
rigo e votal-o a destruição? O despreso pela raça
oriental não occulta o receio de uma poderosa com-
petencia industrial e mercantil ? Será preciso que
se cumpra a vingança do Occidente, refluindo so-
bre a Ásia em represália as alluviões barbaras no
periodo da decadência Romana ? Será realmente
definitiva essa formula de progresso: o ódio e o
combate dos povos, a guerra dos mundos? Esse
arranque collectivo explica a lei da selecção natu-
ral, ou apenas descobre o engano de uma puração
artificial ?
Dorios bem sabia que taes cogitações não per-
turbavam seus collegas e- temia que podessem ser
advinhadas, pois não escaparia a censura de ideo-
logo, de asceta intellectual que ignora a importan-
cia do facto e as hábeis combinações da vida real.
De que lhe serviria explicar o perigo da embria-
guez da acção tantas vezes maior do que o encan-
to allucinador da idéa pura? E não seria perder a
linha, a seriedade de officio, insinuar que o pecoris-
mo é o segredo da vulgarisação e permanência do
erro politico ?
Conhecera o sentir dos seus companheiros de
exilio, quando na ultima reunião para estudar o
effeito da audácia dos bandos fanáticos, ouvia -o'
 KOSMOS
4èd im
commentario fatalista de um dos mais antigos resi-
dentes, comparando aquella terra asiática a galera
de Moliére:
—Já estamos embarcados, dizia, o porto se esfu-
ma ao longe na linha do oceano, ao passo que
engrossam pela proa as ondas famintas. Mandaram-
nos para abrir a porta - mas parece difficil que
possamos sahir mesmo pela janella.
A ironia do resignado modificava-se na sereni-
dade beata do outro collega, secco, anguloso, pare-
cendo physica e iutellectualmente feito de um blo-
co sem desbaste e que propunha ameaças a Corte,
asseverando a necessidade de assustar esta gente ti-
mida, inferior, fadada a destruição, em virtude da lei
de victoria para os mais robustos e mais civilisados.
-Não sei si a galera do Sr. Moliére era solida,
concluiu desconfiado com a citação risonha, mas
posso garantir, que os navios da esquadra do meu
paiz, são os mais fortes de que tenho noticia.
Vence a idéa da reclamação a Corte e Dorios
cornpfehendeu o perigo que os rodeava, quando
foi lida a resposta da Chancellaria Imperial affir-
mando que o paiz estava em plena paz e que os
próprios destacamentos estrangeiros poderiam attes-
tar o respeito e o espirito pacifico da população.
Mezes depois, Dorios teve noticia de que um
missionário da Legação visinha perdera-se no laby-
rintho das aldeias de terras a dentro e mais tarde,
o collega veio conununicar-lhe que o apóstolo fora
atacado eirr pleno campo e assassinado. Revoltou-o
o crime e a comiseração pela victima determinou
em seu espirito uma irritação aggressiva, um dese-
jo de vingança que se confundia" com o critério de
que o delicto reclama naturalmente um castigo.
Diante do facto brutal, o preconceito hereditário
venceu a bondade adquirida e só depois de algu-
mas hor s, ponde a brandura do seu habito de
pensar, equilibrar o sentimento, acalmando a revol-
ta intima. Considerado uma rebeldia insupportavel,
uma violação de prerogativas sagradas, o attentado
agitou o bairro das Legações determinando apres-
tos bellicos, patrulhas volantes em constante vigi-
lancia, reunião do Corpo Diplomático para exigir
satisfação, indemnisação e rigoroso castigo.
Dorios foi designado, unanimemente, para con-
ferenciar com o Chanceller e levar até a audiência
do Imperador, a reclamação collectiva das Poten-
cias. Não o lisongeou a escolha, pois sabia que
mais a sua condição de ministro de uma nação
pequena do que ao seu merecimento, devia a honra,
e que sua eleição significava um expediente para
amansar susceptibilidades, nugas de primazia a
disfarçarem ciúmes e receios de uma influencia
absorvente. Livre desses escrúpulos, poude ver cia-
ramente o perigo da missão que o apontaria como
director da investida estrangeira; antevio as preven-
ções, a ira surda, a ameaça constante; mas em seu
espirito claro e forte nem esvoaçou o medo; o
dever se lhe apresentava, concreto e inilludivel; era
necessário cumpril-o.
Lydia porem, não entendeu essa tyrannia das
convenções, advinhando em sua ternura todo o
3
mal provável, alarmada com a responsabilidade
deste protesto solemne e ameaçador. Era o seu
amor que defendia, o doce egoísmo de sua ventura
não interrompida. Mas toda a seducção esperta desse
amor apavorado, pedidos, analyse subtil e eloqüente
dos dissabores prováveis, tudo foi inútil deante do
critério hereditário acerescido pela cultura da dig-
nidade e da coragem. Pela primeira vez entre
aquellas almas enamoradas houve uma dissonância,
vibrações divergentes que lhes pareceram estranhas
e inimigas. Que magoa intensa a de Lydia, ao ter
a percepção fulgurante de que o amor não é irre-
sistivel, de que elle só não basta, não domina e não
absorve toda a existência! Sentio uma angustia
horrível crescer dentro do cérebro, bem lá do fun-
do, onde, um como que instincto adormecido de
servidão a atemorisava deante do homem a quem
pertencia; logo, sentindo os beijos do marido, bei-
jos suaves que lhe aljofravam os cabellos, beijos
consoladores que tentavam reprimir-lhe o marejar
das lagrimas, comprehendeu quanto o devia magoar
a desharmonia hostil de suas vontades. A campai-
xão pela dor do ente amado deu-lhe um valor es-
tranho, fazendo-a quasi esquecer a própria timidez
para só cuidar do outro soffrimento, com essa mi-
sericordia femenina que procura alliviar afflições,
mesmo tentando illudir.
"^vgV^
Quando elle voltou da audiência Imperial, vozes
confusas e ameaçadoras zumbiam entre a multidão,
que lhe fizera cortejo até o palácio do Soberano e
agora o seguia, menos submissa e mais agitada
apezar do piquete internacional; que a pretexto de
homenagem ao emissário das Nações, o ladeava
attento e de armas embaladas. Desse dia em deante,
vultos suspeitos rondavam alta noite não muito
longe da Legação, situada no extremo da zona
neutra, meio escondida entre arvoredos. Das mis-
soes christãs do interior chegavam más noticias;
conventos budhicos, até então desertos, povoavam-
se ou serviam para reuniões misteriosas de bonzos
e mandarins; muezins sunnitas passavam de aldeia
em aldeia, graves, atarefados em romaria desço-
nhecida.
Nessa terra vastissima onde varias religiões
fraternisavam, a infiltração christã não podia com-
pletar-se e a intolerância da predica despertava
ódio nós cultos nativos. Não se sabia bem si o
movimento affluia do interior sobre a capital, ou
d'ella irradiava para as remotas 1 paragens das cida-
des pouco conhecidas, das aldbias e dos campos
sem fim, região ignota que o suspeita
invencível e trágica. Era quasi ^strangeiro
latente a revolta,
qual tempestade a formar-se sob a capa tranquilla
do oceano, antes de romper pm vagalhões titã-
nicos.
Nas Legações, dominava o siisto combatido pelo
orgulho e o ministro que citara Moliére, aconse-
lhava indifferença, dizendo que convinha açular — a
turba covarde dos velhos majrfins authomaticos.
Limpando o monoculo, cerrava üm pouco os olhos
 KÓSMOS
<à
em panados de myope e rematava com seriedade
fingida:— Hum ! estão puxando as aldravas da —po-
litica da porta aberta; — si podessemos ter aqui,
mesmo sobre rodas, ao menos um naviosinho da
poderosa esquadra do collega...
Justamente nessa noite Lydia acompanhava o
marido até mais tarde, porque chegara o correio e
como de costume a saborosa leitura das cartas dos
parentes e amigos, se fazia em commum, ora um
lendo em voz alta, ora repartindo a tarefa, na impa-
ciência de noticias da pátria e da familia. A medi-
da que a leitura avançava, trocavam-se commenta-
rios alegres, ou recordações saudosas. As horas iam
passando esquecidas e mansas.
De repente soaram tiros; vozes rápidas de com-
mando percutiam irritadas; um vidro da janella es-
tallou plangente e um silvo abafado correu no es-
paço, no momento em que um official, de espada
desembainhada, abria violentamente a porta, dizendo:
Excellencia, atacaram o posto da guarda ; a
multidão invadiu o jardim e avança. A guarnição
recua tiroteando, para entrincheirar-se no edificio
principal...
Dprios ergueu-se rápido e dirigindo-se a Lydia
com uma voz sêcca, metálica, que ella não conhecia
e em que lhe pareceu imperiosa e brutal, ordenou:
Acorda as creanças ; vistam-se como para sa-
hir e esperem-me no salão do fundo.
E voltando-se para o official:
Quatro homens sob seu commando
para guar-
dar a familia; previna ao coronel de que vou ao
seu encontro.
Quando Lydia passa desvairada, tomou-a nos
braços e sugando-lhe nm beijo nos lábios gélidos,
insistió:—anda depressa e até já.
—-— ~ ~ —^s"^ 3^p^|P?| I^^^^^B^^IbI^^^Bub
¦
3
Desarmado, mas sereno, como quem aceeita o
perigo sem remédio, avançou para o logar do
combate.
Ao sahir de seu gabinete tranquillo e amigo,
onde pairava um pouco de perfume amado de sua
Lydia, onde tudo dizia conforto, elegância e espe-
rança de um viver seguro : onde, o grande retrato
do seu rei, de grande uniforme e em attitude altiva,
parecia a representação tanhense de uma força pro-
tectora, ia perguntando a si mesmo aonda ia, por-
que envolver-se em uma refrega estúpida, na escuri-
dão da noute, quando sua missão era de calma, de
tacto fino, de conquista insinuante e amável.
Sentia vozes confusas e apagadas sussurrarem
conselhos de prudência.
Depois teve a sensação indefinivel de que seu
corpo todo parecia fallar, de que os músculos, os
nervos, resistiam ao perigo, gritando que voltasse,
que não se e^puzesse n'esse conflicto indescripti-
velmente rapidb, pensando sem querer e querendo
sem pensar revivendo todo o passado, e não po-
dendo ter ümaj sala do futuro atravessava as salas
desertas, apparentemente calmo, escutando apenas
na confusão das vozes intimas, aquella mais vi-
brante, que lhe gritava no cérebro: —vae... anda... é
teu dever... que importa...
A guarnição se retirava as pressas, batendo-se
confusamente, deixando mortos e feridos e a voze-
ria da multidão inimiga se ouvia cada vez mais
próxima. A presença do Ministro reanimou os sol-
dados fazendo-os tentar uma sortida, e, quando
recuavam desesperados, em desordem, atirando,
atirando sempre sobre a massa enorme, Dorios
cambaleou, levou as mãos ao peito, deu uns passos
tropegos e cahiu morto...
C. de Azevedo.
mim
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E^^w ? t^~- .,
 Kosnos
Q-
TY^©' iYMOk®1
O ULTIMO
homem; elle, pelo menos, anda eá por
Eurrieste mundo, persuadido de qne é um homem
como outro qualquer. Com effeito, foi crcado á
semelhança do homem; usa bigode, on barba toda,
como um homem; falia, come, dorme, ama, exacta-
mente como um homem ; e, no seu incessante es-
forço de alcançar o nivel humano, hombrear com
o resto das creaturas de quem tirou todos os traços
physicos e algumas das qualidades moraes, tem as
suas lutas e as suas paixões, estrebucha dè ódio
ás vezes, outras vezes lava-se em lagrimas, trabalha
toda a semana, como um homem, e descança ao
domingo, como a maior parte dos homens; interes-
sa-se pela humanidade, em virtude dessa preocupa-
ção que nunca o larga, de fazer parte delia; lê um
jornal de vez em quando; e, sempre que se trata
de servir as instituições, defender a causa do paiz,
entra denodadamente numa guerra ou na politica
e, correndo ao campo, bate-se até morrer ou ven-
cer e, correndo ás urnas, vota, cabala, protesta con-
tra os tribofes e chega a usar do cacete —como um
homem.
Entretanto, os homens nunca se comparam a
elle, nunca o admittem como egual, nunca o con-
sideram um membro, uma parcella, um átomo
sequer da grande familia de Adão. Se o encontram
na rua, é com um sorriso de desdém que o sau-
dam, parando para não cruzar com elle, precipitan-
do-se para o passeio se o presentem no encalço,
evitando-lhe sempre, com o mesmo cuidado e a
mesma vivacidade, o çontacto e a visinhança. Quando
lhe faliam, é por cima do hombro, para lhe dar
ordens, para o mandar como a um escravo —apezar
da retribuição pecuniária dos seus * serviços, sem a
qual se diz que só os cães, hoje em dia, obedecem.
-De graça, só andam os cães ; todos os outros
animaes, pelos modos, adoptaram tabeliã. Elle sente
todo esse desprezo, advinha toda essa repugnan-
cia —e continua. E' um forte, sobra-lhe energia,
sobra-lhe alma para a luta; tudo aquillo em que
o homem se manifesta, lhe parece estar egualmen-
te ao seu alcance e corre a conquistal-o, a agar-
ral-o com unhas e dentes. Os seus sentimentos,
aliás, são os do geral dos homens; terá as suas
inferioridades moraes, mas ostenta tambem inveja-
veis superioridades; pode revelar fraquezas, não ha
duvida; em compensação, já o temos visto praticar
w
verdadeiros heroismos. li, servindo os homens,
valendo-lhes, ás vezes, em imperiosas, solemnes
emergências, não é favor dizer-se que se lhes de-
dica como um leal amigo, trabalha e pena por elles,
não raro se lhes sacrifica. Mas a injustiça dos ho-
mens não olha a considerações de espécie alguma,
não põe limite algum, condicção alguma na manei-
ra de se exercer. Os homens são injustos tão natu-
ralmente como são barbados; e, ainda quando lhe
devam, a elle, servidor esforçado, a elle, infatigavel
bemfeitor, as mais preciosas;, providenciaes inter-
venções na sua vida incerta, nem por isso o con-
sideram mais digno de generosidade e de carinho
e nem por isso lhe fazem essa concessão tão sim-
pies, tão comesinha de lhe chamar —um homem.
Não, coitado, elle não é um homem. Pode cha-
mar-se Francisco, João, Tancifedo ou Anacleto; usar
um sobre nome fácil como Silva, Costa, Neves, ou
pomposo como Alencastre, jMacarenhas, Portocar-
rero; pode ser nascido de paes pobres mas hon-
rados, ou exactamente o contrario disso; ter cur-
sado, a escola de primeiras letras, até apprender a
ler o Jornal do Brasil e jogar menos atrapalhada-
mente com as quatro operações; passado uma in-
fancia de innocente folguedo e uma mocidade de
impetuosos amores; dado um bello dia pelo dente
do cizo e resolvido procurar alguma coisa na vida,
uma- oecupação, mn destino, uin papel social. Até
aqui, tudo lhe sticcedeu como a toda a gente e foi
sempre um homem; no momento, porém, mil vezes
fatal na sua existência, em que lhe surgiu pela
rectaguarda uni carrinho de duas rodas deslisando
abusivamente sobre um trilho ou saltitando legal-
mente sobre a calçada e elle,! ingênuo, desavisado,
cheio das melhores intenções j deste mundo, empu-
nhou com alma os varaes e disse á sua alma reso-
luta- Puxemos!—nesse momento, perdeu a cathe-
goria humana, desistiu, sem o saber, de todas as
regalias que desde a Creação lhe são conferidas,
como rei dos animaes. O carrinho, eis a sua des-
tituição, a sua perda, o seu fim. Dal li por deante,
não lhe seria reconhecido no mundo outro direito,
se não o de puxar; nenhuma outra missão lhe seria
confiada, se não a de puxar; le jamais, por muito
que elle tentasse approximar-se dos homens, entrar
na sua communhão, confundir-se com elles, os ho-
mens, entregando-lhe pacotes, malas e caixotes, lhe
responderiam outra coisa senão —que puxasse, que
puxasse e que puxasse!
E elle, tão bom de gênio, tão fiel ao seu desti-
no, que nunca pensou em deixar de puxar! Não,
elle por alli anda, de verão e ide inverno, ao sol
e á chuva, da primeira á ultima; hora do dia, éter-
 Hl
Kosnos
Q-
namente aos varaes. De vez em quando, embirram
com elle, fazem-lhe partidas, perseguem-no; elle
encolhe os hombros, abana a cabeça e continua.
Quando os poderes públicos se levantam de mau
humor e, assomando á janella, o lobrigam em baixo,
a puxar, augmentam-lhe o imposto; elle hesita um
momento, se a taxa é exhorbitante, coca uma ore-
lha, mas, depois, reflectindo, como aquelle estadista»
que o poder é o poder, puxa do seio uma taleiga
enxovalhada, paga, e arranca de novo por alli fora.
Outras vezes, são as Companhias que resolvem não
o deixar rodar sobre os trilhos; e, fortes, poderosas,
ricas, logo obtém mandados que o expulsam para
o tremelique e a difficuldade das ruas mal calça-
das, policiaes que o acompanham, retorcendo o
bigode e revolvendo o sabre na bainha, a ver
quando elle se tenta e invade a linha suave e pro-
hibida. Elle desespera um momento de tanto puxar
e tanto suar, protesta, vem-lhe um Ímpeto violento
de greve. Um momento, tudo isso; quando os po-
deres esporeiam contra elle a cavallaria, numa arre-
mettida furiosa de destruição, já o vão encontrar
serenado, conformado, arrastando por sobre a for-
tuosidade dos parallelepipedos, o carrinho pregui-
coso e pezado a que um dia, para sempre, se con-
demnou.
Entretanto, os seus direitos á estima e á gene-
rosidade dos homens são bem dignos de outra
attenção e de outra recompensa! Sim, elle é esfor-
çado, elle é dedicado, elle é útil. Sem exageros,
sem divagações, sem phrases: basta que conside-
remos um momento a sua funeção na terra e a
actividade, a boa vontade, a honestidade com que
a cumpre, para logo nos convencermos de quanto
lhe devemos pelos seus reaes benefícios e de
quanto, pela nossa brutal ingratidão, deixamos de
lhe pagar. Levar um caixote daqui para alli, carie-
gar um embrulho deste bairro para aquelle — pen-
saes que seja coisa nenhuma, isso, que não vá
alem do esforço empregado por qualquer animal
atrelado a qualquer vehiculo... Erro inconsciente,
barbara injustiça dos homens! Mas esses volumes,
essas malas podem encerrar preciosidades taes, ri-
quezas tamanhas, que, com elles todo o vosso bem e
toda a vossa ventura se depositem sobre o humilde
carrinho, entregues a esse honrado portador que
jamais deixou de os levar ao seu destino. Imaginae,
ás vezes, um extravio, uma simples demora; toda
IH
*D
a vossa vida, desorientada por esse extravio ou
atrazada por essa demora, estaria prejudicada, tal-
vez perdida para sempre. Quantas vezes lhe tendes
confiado a vossa fortuna inteira, dentro duma leve
maleta; toda a Vossa felicidade envolta num oleado
e fragihnente amarrada ; a vossa própria alma, re-
presentada naquelle mimo que mandaes á vossa
noiva, naquelle enxoval que enviaes, para o vosso
filho? E elle, que faz, por longo tempo, horas in-
teiras, não raro, senhor desses thesouros, com essas
deliciosas maravilhas ao alcance da mão? Carrega-as
para sua casa? condul-as á toca dum intrujão; le-
va-as, ao menos, ao prego, enviando-vos, ainda com
relativa honestidade, a cautella pelo correio ? Não,
ingratos, nada disso; elle vai, direitinho, onde o
m-uidastes; deposita em mãos seguras o que lhe
confiastes; ajustou o esforço de puxar tudo aquillo
por uma ninharia, cinco mil réis, dez mil réis, uma
miséria; isso, pelo esforço physico, pelo serviço ma-
terial; e, quando, que nem sempre, a sua honebti-
dade é recompensada com um copo de cerveja ou
mais uma cédula de dez tostões, ahi vem elle, ri-
sonho, agradecido, cheio de zumbaias, cobrindo de
bençams toda a vossa geração.
E não é considerado «um homem», este puro,
este bello, este admirável puxador! Por mais provas
que dê da sua capacidade physica e da sua intei-
reza moral, continua a não ser tomado por homem,
a não ter o nome de homem Que nome tem elle,
então, e que vem elle a ser, para os outros ho-
meus? Estúpida insolencia: chamam-lhe burro, os
homens. Náo pára, todavia, ahi a sua crueldade;
quando lhe atribuíram as prerogativas azininas,
ainda acharam que todas ellas, todas, seriam de
mais para elle. E, tendo-o reduzido a burro, foram-
se a elle e arrancaram-lhe um appendice tão pre-
cioso como as orelhas, para que se conservasse
dignamente nessa indigna qualidade: arrancaram-lhe
a cauda. Elle não é homem, coitado; mas tambem,
ultimo dos infelizes, tambem não é burro. Se, um
dia, desistindo de se equiparar aos homens, quizer
entrar definitivamente para a communhão dos bur-
ros, estes baixarão hostilmente a orelha e correl-o-ão,
com fúria, a coices. Porque, mesmo para ser burro
lhe falta alguma coisa, falta-lhe o rabo. Pobre
< burro sem rabo!»
João Luso.
 CAMPEONATO DE 1905

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ASPECTO DA AVENIDA BEIRA MAR

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SAIÃO DC 1905
rg\0 atrio, pouco distante do Gladiador, vejo
passar a silhueta ornamental duma esvelta
senhora, encantadoramente cingida por um
costume-tailleur côr de musgo. Num gesto
rápido, em que a elegância se confunde com a
pratica, a sua estreita e fina dextra, em pellica bran-
ca, arrepanha a saia. Descubro a linha d'escorço
dum borzeguim de verniz... Ella galga os degráos.
Ao enviezar no lanço esquerdo, em frente ao nicho,
apanho-lhe o perfil, de relance. E' claro. Tem a pu-
pilla negra. Negros lhe são os seus cabellos, sobre
os quaes se decliva para a fronte um chapéo de
palha negra, empertigando a aba posterior sobre
uma guirlanda de rosas brancas...
Penso: é um bom augurio. Compro a entrada
e o catalogo. Subo. Biombos vermelhos, um espaço
curto. Levanto o olhar. Junto á trave da porta, a
única que dá accesso ao Salão dividido em tres
compartimentos, uma figura fria e negra me sur-
prende. Parece um corvo atalaiado. Attendo melhor.
E' um retrato. No negrume das roupas, na treva
do fundo, uma face pallida, a branco, permanece
melancólica. Dizem que é o poeta Albano. Assim,
em branco e preto, e n'altura em.que está, pafece
o actor Dias Braga... quando moço,
e que, sem duvida, com ;igual habilidade, tocarão
mazurkas ao piano e darão ponto á calda de sabo-
rosos papos danjos!... Mãos proveitosas de feliz
senhora!
Adiante. Um quadrinho intitulado Primavera
palpita na sua moldura. E' dum hespanhol, o Sr.
Fernandez Gomez. Desenho certo, boa côr, luz in-
tensa. Tem, como a maior parte dos modernos- pai-
zagistas hespanhoes, o maneirismo da feitura; mas
isso não o impede de ser uma obra bem acabada.
Dá-lhe graça a figurinha de mulher que, em meio
da paizagem, recolhe flores.
Ha tambem uma vigorosa cabeça de velho, tra-
tada com audácia e segurança por um artista de
grande valor, que se chama Cario dc Servi, e um I
crepúsculo, do Sr. Cantanheda, um pouco molle,
mas suavemente pintado.
Ao lado, o Sr. Dali'Ara expõe uma marinha: ao
fundo uma ilha, assim me parece, crivada de casi-
nhas. Agua mansa, um patacho ancorado, barcos
em derredor. Tudo isto desenhado pacientemente e
pintado ao vivo. Faltando-lhe o interesse esthetico
do conjuneto, sobra-lhe ô da observação. O Sr.
Gustavo Dali'Ara possue; nesse processo, que lhe
é peculiar, o mérito da probidade.; Corno pintura
documental, excede á fidelidade photographica e se
o captain do patacho o levar p'ra sua terra longin-
qua, ao envelhecer e quando puzer lume ao ca-
chimbo, após o empanturro do repasto, poderá di-
zer á velha esposa, alçando o dedo nodoso em alvo
a um .determinado ponto da ilha:
r^-Estas vendo aquella casita, lá em baixo?...
Pois alli, muitas vezes, comi bananas com farinha...
-$;*; if-

Entrementes, sinto-me perturbado, um perfume KA

¦;. rf
delicioso, arrancado á flora exótica de-paizes mara-
vilhosos, penetra-me o ser, enlanguesce-me. Que é Do lado opposto, em jtoda a altura do biombo,
que me aturde tão deleitosamentePL. Ha perto de ha o reluzir de faianças vitrificadas, dominando o
mim a caricia duma sombra: Volvo .o olhar e dou rosiclér.
com elle na esvelta senhora em costuníe-tailleur côr Um velho côr de rosa, barbado e d'ociilos de
de musgo. Suas pupillas negras, que são duas noi- ouro, assim ao molde fd'um conselheiro d'Estado,
tes claras de lendas, fitam o retrato, por moiiien- demonstra irrefutavelmente que o declive brusco
tos; o frueto paradisíaco da sua bocea se entreabre das mesas de pés quebrados, sendo um problema
-lucioleiam alvuras —e Se arreveza'gracil mente num d'equilibrio
breve momo... para a estabilidade dos objectos que a
encimem, é tambem uma excellente tipoia para os
i
E tenho o olhar fascinado por ella. Envolvo-a; braços aleijados; mais adiante um velho cachini-
encasulo-a no meu deslumbramento. Ella, então, beiro, que parece um vitral illuiniiijido, emerge
lentamente, volta para mim as/noites claras das dum banho de carmim; -vejo ainda um -moço de
suas pupillas profundas. Percebo-lhe no semblante dragonas diluindo-se na gloria rosea da sua ele-
o reflexo dum desdém, mas não offende nem gancia, e, ainda mais, o patife d'um Sileno que
repelle, porque apenas tem umquevago de indifferen- Tem provar á gente que o presunto de York é fei-
ça no indeciso duma surpreza. E' o instante de to da carne dos beberrões. Como se vê nada mais
todas as mulheres bonitas diante do estranho que alegremente instruetivo. Demorenío-nos por alguns
as contempla. Olha-me e afasta-se. segundos. Aqui está uma grande tela, a que, por
Bem. Dou-me por satisfeito. Ao menos vivi um motivos vários, se pôde chamar uma téjla abundante.
segundo na luz negra das suas De pé, em meio dò quadro, uma rapariga mia,
E essa exposição começa a me pupillas profundas.
interessar exhibe o seu dorso ao publico. E note-se que é
mente. Uma o/eographia, com o titulo Agrande- Prece, um dorso... de se lhe tirar o chapéo, porque a
parece-me despretencioso trabalho de amadora in- superabtindancia das redondezas assume propor-
genua. As delicadas mãos que a envernizaram são, ções phenomenaes. j
realmente, prendadas, isso foi trabalheira de Em frente ao é do! sr. Augusto
muita paciência! Em todo que quadro, que
o caso, mãos prendadas Petit, está um homem pasmado. E' baixote e atar-
 KOSMOS
^ ^
racado, rebarbativo. Um par de soissas grisalhas
ladeiam-lhe a caraça rapada e cougesta; tem um
bugalho terno, quasi lagrymejante, e para ver bem,
para não perder minudencias, montou as lunêtas na
batata escarlada do nariz.
Eu {ao seu lado, a meia voz c timidamente) —
A rapariga está reluzindo, mas quanto a asseio
parece que não é lá das mais caprichosas...
ELLE {olhando-me d\'sguelha, meio desconfiando
c irritado) — Aquillo é o sombreado. seu coisa.
Você inté parece que nunca viu pinturas!
Eu {humilde e tranquillo)— Ali!.. é sombreado!...
Está bem. Parecia sujo. Nada mais natural do que
haver poeira nas porcelanas...
Elle (escandalisadó) — Porcelana ?!!
Eu {procurando socegal-o) — E não é de porce-
lana, a rapariga ?
ELLE {numa risada, superior ante a minha igno-
rancia) — Ò' seu gajo!... você não vê que a menina
está pintada na tela?...
Eu {ingênua meti te) - Ah !... pintada, sim... Ora»
quem diria ?...
ELLE {após um silencio, e com intimidade) — Cá
estou a calcular os teres...
Eu — ???!!!
Elle {no mesmo tom)-Se o mestre deixasse-
ma pVahi por uns oitenta a cem mil reis...
Eu — Comprava-a ?
Elle (triumph ante) —Est A visto que sim.
Eu (a piscar-lhe o olho)-E estava alli estava na
parede do seu dormitório...
r, va o
Elle-Nada! Não. senhor... Ia... mas era p'r'a
sacada.
Eu (boquiaberto) — Para a sacada?!!
ELi.E-E' o que lhe digo, pVa sacada... Manda-
mestre pôr-Ihe umas lettras...
Eu (ainda mais boquiaberto) Perdão... não o
comprehendo.
ELLE (com amúo)- Homem, você não é lá,
p*ra
que digamos, muito sagaz!
Eu - Um poucocliinho bronco, ás vezes... se me
consente a modéstia...
Elle (embevecido no seu desejo) — E' o
lhe
digo... Aquillo na fachada do meu negocio...que
Eu (atalhando-ó) -Ah! sim... comprehendo-o
seria o annuncio.
ELLE (radiante) — Isso !... Isso!...
Eu-E a casa de V. S. é de banhos?
Elle (com orgulho) - Nada! Não. senhor E'
um negocio de fressuras e mais miudezas...
Eu-Original! E que lettras mandaria V S es-
crever no quadro?
ELLE-Hom'essal O titulo do meu negocio-
Ao balão do Ferramenta !
Eu (curvando-tne)- Está a calhar... V. S é sim-
plesmente, um extraordinário syinbolista!...
«=§» «=§e> «=§=.
No segundo compartimento,
O sr. Heitor Malagutti expõe uma original Quie-
titude, em que a sua característica d'imprevisto,
por vezes falha, destoa da molle vulgaridade da
maioria. Serve-lhe de assumpto o busto duma grave
senhora que, amparando no regaeo uma loura cie-
anca adormecida, levanta o braço esquerdo em
movimento de offerta, segundo se deprehende pela
laranja que está na sua mão.
Certo que essa pintura não tem o attractivo
commum dos quadrinhos denfeite, é um pedaço
de tela meditado, longamente, durante horas de
idealisação e ao queimar duma cigarrilha. E dentro
da sua apparente simplicidade encontra-se algo de
espiritual, que resulta duma idéa preconcebida, E',
em verdade, um obstáculo creado entre o artista é
o publico essa maneira singular de interpretar e
fazer ; mas, dado que exprima a sinceridade dum
temperamento e esteja conforme ás regras funda-
mentaes da arte, ao publico nenhum direito assiste
de censurar o seu auetor alem do que lhe compe-
te em recusar a sua sympathia a essa obra. Nem
por isso ella deixará de ser intensa e alcançar o
seu destino, restringida, embora! a um pequeno
circulo de amadores.
Ora, a Quietitude, se diverge da maneira com-
muni de pintar, não se insurge contra os princípios
inalteráveis do desenho e da côr, porque ella os
respeita na relatividade do seu modo de ser. Sobre
tanto possue, como obra darte, a objectividade do
assumpto, que se lhe apprehende na serena phy-
sionomia da grave senhora, a quem a rebuscada
ingenuidade do contorno empresta uma caracteris-
ti ca expressão matronal, em que se externa o seu
justo orgulho de procreadora: A firmeza macia do
seu olhar possue uma penetração que excita pensa-
mentos. F pela tranquillidadej como pela attitude, a
sua significação completa-se I nessa creança loura,
adormecida no seu regaço, tal houvessem, ambas,
saindo dum muro de templo Icliristão onde as dei-
xaram os cândidos pincéis d'Um decorador primi-
tivo. \
Dahi provem a fixação iiitencional do artista,
que pretendeu e conseguiu dar ao quadro o cara-
cter preraphaelista dos esthetaã rebellados contra a
tendência copiadora da arte contemporânea. E, não
•só
pela espontaneidade do traéo, como pela inten-
ção das minúcias, 'té o acciomjdo desse braço cuja
mão segura uma laranja no ges^o extactico com que
os gregos dos áureos tempos traziam nas palmas os
pomos de âmbar, a sua obra é um documento dos
schismas estheticos que se .coiitrovertem moderna-
mente e, também, affirmação djuma individualidade
inconfundível entre os que niiais se destacam na
pintura da nossa época.
Originaes e admiráveis são (também esses dous
artistas francezes, que concorreram ao nosso Salão,
o Sr. Eugène Morand com ai Nymphas e o Sr.
Guillomet com o Sacramento.
O pequeno quadro do Se. Morand é uma sua-
ve harmonia de tons brandos, Paizagem ampla e
j
pardacenta; apenas algumas arjvores frondejam ac
longe. Céo pallido e frio. A' esquerda, nesgando em
-a
 KOSMOS
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w
cavada ribanceira escura o terreno sombrio, rola instiga-me a attenção o quadro do Sr. Rodolpho
morosamente a corrente pallida dum rio baixo. E ChãmbeWand -Bacchantes em festa.
no pardo outomniço da planura, sob a fria pallidez O Sr. Chambelland no Salão anterior obteve
dos céos, uma ronda, miniaturada, de nymphâs bai- successo com o seu quadro de estréa e, para não
laudo, cujos corpos, na tenuissima transparência das desmerecer a confiança inspirada, volta neste anno
vestes brancas, não interrompem a tonalidade sua- c»m cinco trabalhos, dos quaes é o mais exigente
ve e suggestiva dessa pequena tela que faz lembrar de cuidados, esse que lhe foi suggerido pela sen-
Schubert. sualidade do paganismo.
O Sacramento do Sr. Guillomet contrapõe-se a E' um ar livre em que ha muito talento e não
meiga delicadeza desses tons, porque a sua intensi- pequena somma de artificio, mas artificio perdoavel
dade colorida aturde. E' uma irradiação verde e diante da immensa difficuldade em que um artista
amarello em contraste brusco com o primeiro plano, se encontra, em nossa terra, para obter modelos
todo elle feito de corpo de raparigas em amplos que satisfaçam a uma composição variada como é
vestidos azul-escuro. O quadrinho mede pouco mais essa. Em verdade, taes assumptos, quando se não
de três sobre dois palmos, se tanto! Desenhado com recominendam pela belleza dos nus ou eminente
firmeza, tambem a sua côr possue um vigor fasci- originalidade da composição, descambam rápida-
nante, que mais surprehende pela singularidade da mente para o ridiculo. Isto posto, comprehende-se
concepção. Em pleno ar livre, por entre folhagens o quanto trabalhoso se tornou ao moço artista a
verdes dum parque, uma multidão de raparigas, feitura do seu novo quadro, e dahi toda a desculpa
coitadas á maneira normanda, se agglomera em para o artificio empregado a titulo de recurso, o
torno dum sacerdote, em vestes pomposas, que le- que é flagrante logo na visível transformação do
vanta á altura dos braços distendidos o ciborio modelo feminino em vários typos, e modelo a que
flammejante á luz do sol. Do meio da multidão, a falta, em absoluto, a elegância e flexibilidade do
contél-a, surde o dorso vermelho dum suisso, com que serviu para a bobagem envernizada do reinei-
o seu > chapéo de dois bicos e armado de bastão e dente Sr. Petit. O mesmo artificio está repetido na
bengala. A luz é auri-verde, faiscante, á.urdidora. theoria de baechantes desdobrada ao longo do cam-
Todas as cabeças, as ricas paramentas sacerdotaes, po, em que a impossibilidade do nu ao ar livre obri-
as vestes dos acolytos, o scenario inteiro, tudo arde gou o artista, não só a falsear valores de côr, como
num verde apotheosico com o qual se funde o a confundir em massa uniforme os corpos á dis-
amarello rutilo dos metaes e dos bordados. E tam- tá.ncià.
bem o fundo, onde se vê a parede duma capella, No emtanto, a sua composição merece francos
vive na mesma feerie de verdes intensos, berrando elogios pelo distendimento gracioso da linha ser-
a violência do seu vigor como a explosão d'uma
pentina e pelo excellente effeito do contraste da
gruta desmeraldas na selvagem claridade dum meio- sombra ao primeiro plano com a larga claridade
dia dos trópicos! dos planos secundários. As figurinhas," tocadas de
Com a mesma nota de verdes luminosos, não cór, são bem movimentadas e expressivas; a paiza-
obstante a differença do assumpto e da teclmica, gem é vasta e illuminada, transmittindo a impres-

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BACCHANTES EM FESTA

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são fresca do dia; as perspectivas felizes, o.céo dia-
phano e claro. O que lhe foi notado no quadro de
estréa aqui mais se accentúa — o asseio da palhêta,
o acerto da maior parte dos valores, a delicadeza
dos detalhes e, com essas qualidades, a mesma fra-
queza pelo chie, que hoje é apenas um senão, mas
amanhã pôde ser um defeito...
Em todo o caso, esse Sr. Rodolpho Chambellaud
merece uni bravo !...
E' neste compartimento que encontro duas telas
do mestre Elyseu Visconti. Dois retratos. Um, é
de menina transformada em moça, d'olhos celestes
e cabellos negros, clara e rosea, transsudando o
capitoso aroma da mocidade e toda primaveral no
seu vestido branco.
Se não é linda é real. Ella ahi está numa leve
cadeirita de bambu, braço apoiado ao espaldar, a
mão esquerda, cujos dedos apertam tunas flores
singelas, descançada mollemente sobre o regaço e
viva, palpitantemente viva com a rijeza de sua car-
nação de moça e a calma ingenuidade dum olhar
celeste a que o negrume dos cabellos sombreain
estranhamente.
Outro é a fixação imagética da esculptora bra-
sileira D. Nicolina de Assis.
w \m mW^ma/^^m\
_H_»rt.
mm^ r ~^^^B
¦*'¦}*¦* ^j_yB_t_lLi_j_^_sK *^Ê
Ubi-ÉÉl Rlíb a
BL'W%vifc.-. ^_|
I «n I
D. NICOLINA DE ASSIS
I E', pois, um retrato, mas desses retratos que
I
I ficam nos archivos da arte e perpetuam o nome
KÓSMOS
dos seus auetores, porque são mais do que repro-
ducções, são valiosos produetos da téclmica, nos
quaes se concretisam seguranças de fôrma, méritos
de palhêta e qualidades surprehendentes de ex-
pressão.
O retrato de D. Nicolina de Assis é uma obra
completa, como é o de Lucrecia Crivelli de Leo-
nardo, o de Castiglione de Raphael, o de Anna de
Clèves de Holbein, o homem da luva de Ticiano,
o da Condessa d'Albemarle de Reynolds, o de
Mrs. Siddons de Gainsborough uma obra desti-
nada á reputação d'uma pinacot íeca ou ao orgulho
d'um amador...
Olha-se-o e difficilmente se lhe retira o olhar,
tal o encanto em que se fica, porque o seu con
juneto é uma harmonia de côres^ severas, mas duma
simplicidade tocante, em tons! serenos que vêm
das duas tênues nuanças da chapada do fundo
pardo até o escuro zuartino do vestido, pelo qual
se fixa o equilíbrio dos tons ir termediarios repre-
sentados pela fourrure de pello pardo que lhe
envolve o pescoço e pelo tom beije da capa. E'
dessa suavíssima, severa e inteira harmonia de par-
dos, em que o óca se justapõe ás terras, que
resalta a massa escura do vestuário, 'té o negrume
violento dos cabellos e do chapéo. Então, na inten-
sidade negra dessas duas tintas, aclara-se o rosto
admiravelmente modelado da j intelligente escul-
ptora patrícia. E' bello?... Certo que sim, é bello
porque não existem artistas feios.
Não tem o seu rosto o clássico oval das mado-
m nas nem a proporção geométrica dos typos com-
rriüns das bellezas convencionaes; é, porem, uma
_H
cabeça que indica um espiritei superior, que se
desvia do desenho vulgar dos demais typos do seu
sexo pelo facies inculcativo dos tocados pela cham-
ma divina dos creadores. Por isso é bello. A bel-
leza na arte não resulta da justeza ao molde
admittido para essa qualificação, resulta da vida,
da verdade, do poder expressivista da obra.
Nesse rosto o que se procura não é a propor-
ção das linhas, a forma mais ou menos pura do
nariz, o recorte perfeito da bocca, a linha gracil
do mento; o que se attende e i se quer, antes de
tudo, é a expressão physionomica, a visagem, esse
subjectivismo que constitue á. espiritualidade do
typo e que só sabem fixar os dos grandes
artistas. E é o que se tem nestepincéis
bello retrato, rres-
ta forte, poderosa obra de arte' porque este olhar
como que avelludado por uma sombra de sonho,
esta bocca que tem o calor dá vida e pela qual
a palavra deve escorrer ardente e meiga, a graça
inconfundível desta cabeça, não são simplesmente
duma mulher, são de um ente que se realça entre
seus semelhantes e para o qual o nosso respeito é
mais movido pela admiração do seu talento do
que, propriamente, pelas prerogativas do sexo.
Mas, será um retrato na sua precisa significação?
Não sei se a Snra. D. Nicolina de Assis é esta que
aqui vejo; mas sei, e disso tenho absoluta certeza,
que esta que aqui está viva na tela, com este rosto,
com este olhar, com este modo de descançar a
dextra na cintura, esta é que é a esculptora Nicolina.
__ _^_^_____

ROO^C^Eí^riO CiüMPIlIBE^EflMHHi)
DascaíPUico DE IR. T^PniOSLíTn)©
 KOSMOS
^ W
E em quanto goso a emoção que me deu esfh Terceiro compartimento.
obra, corro os óculos pelo compartimento. De re- Encontro outro Chambelland, o Sr. Carlos Chain
pente paro. Desmonto os óculos, cuidadosamente belland, irmão do Rodolpho.
limpo-lhe os vidros e torno a olhar. Levanto-me O seu quadro d'estréa
da cadeira, approximo da tela que me prende assim jLim retratinho de
senhora, em corpo inteiro, nui n yesrido
a curiosidade, procuro posição, afasto-me, passo á de fazenda
azul marinho, mitenes brancas, í sapatos brancos e
direita, movo-me para a esquerda... Mas, é sempre sóbrios enfeites brancos. Está sentada num canto
o mesmo effeito... aquella mão é uma mão... macho, de divan estufado de amareilo,i apoiando o corpo
uma mão que ha de mammar na posteridade o numa almofada azul celeste. A <j:abecinha penteada
renome da sua grandeza. E, senhores, esse mimo, em bandos, que são negros como seus lindos olhos,
esse dote, esta tetéá de cinco dedos, pertence a um tem um testeira de contas brandas, á moda italiana
pianista. Até parece reclame. E' que o homem tem do século XVI, mas estando o fio posto sobre os
mão para as encommendas. Mas, com franqueza, j
cabellos. E' uma feliz estréa, um promettimento
aquillo no teclado, Virgem Nossa Senhora, põe o confiável, esse quadrinho, b em desenhado e já
mundo abaixo! muito bem pintado para üi n i artista ainda não
Em compensação -o snr. Luciüo de Albuquerque emancipado das aulas. Se o tálehtoso estreante, em
livra-me daqueila formidável manopla que o Sr. Be- vez de se subordinar á mod esjtia do interior em
vilacqua condecorou com um brilhante, retendo o
que está a retratada, se desse ab capricho de liar-
meu olhar na sua elegante cabecita de mulher, feita monisar os accessorios com d vestuário delia, isto
com o nervoso ardor da sua bravura pinturesca. é, mantivesse o quadro muna gamma ou pro-
Depois, pelo alto das paredes, entre umas ma- curasse contrastes, poderia ter conseguido mais
rinhazinhas, das quaes apenas percebo uns barqui- realce para a sua obra, ainda iissim muito boa.
nhos e umas praiasinhas, muitas mangas, muitas Mestre Baptista da Costa ejcpõe oito paizagens,
laranjas, muitas bananas, então bananas em penca! oito admiráveis trechos desta ncjssa brilhante natureza
E' uma quitanda desesperada, o Largo da Sé e a por elle surprehendida com o kegredo da sua arte,
Casa Cypriano em concurrencia de exhibição, por- para a qual já esgotámos tíoda a provisão de
que a maior parte daquellas fructas parece bugi- elogios.
ganga de salas, ao modo dos fructos em louça, A Prisioneira e a paizagemj de Poços de Caldas
pintadas e envernizadas. são duas telas que fazem a reputação d'um artista,
" Esses Srs. amadores não
terão mais que fazer?... particularmente esta ultima com a intensidade da
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POÇOS DE CALDAS

sua luz num verde que é caracteristicamènte o ver- putianas e das paizagens microscópicas, mas, iune-
de da nossa natureza. Os outros quadros, o fulgu- gavelmente, com o valor dos seus sérios conheci-
rante Começo do dia, o Canto de praia, Estrada do mentos de arte, e o Sr. Brocos, o fixador dos
Vidigal, Ipanema e Mau tempo teem a marca da nossos costumes roceiros, ahi figura com um cre-
sua preciosa palhêta, são observados e retidos com pusculo tocado com o brio a que nos acostumou
a sua maestria sempre louvada. Mas, como me en- e um retratinho.
tristecem esses bellos quadros!... a mim, que por Apresenta-se nesta exposição o Sr. Theodoro
mais que rebusque e martyrise os bolsos nada en- Braga, ex-pensionista da Escola na Europa.
contro ! Felizes os que teem dinheiro!... Talvez
nem tanto!... em todo o caso, nessas occasiões, a A mim parece-me que o Sr. Braga preoecupou-
se muito com o estudo do desenho, no que andou
gente lhes inveja a bolsa... bem avisado, mas quanto á pintura pouco pôde fa-
O .Sr. professor Henrique Bernardelli... Desta vez zer ou, se não é de temperamento avesso á pintu-
o Sr. professor Amoêdo pregou-nos uma peça. Es- ra á óleo, deixou-se influenciar de mais pela ma-
peravamos uma composição nova, uma bella obra neira do inglez Youg Hunter. A maioria dos seus
cheia de novidade e de saber, mas o Sr. Amoêdo
não quiz nos dar esse goso, descançou nos trium- quadros tem uma seceura de chapada d'estamparia
e é recortada, como pintada pouco a pouco em
phos de seus discípulos, os Srs. Chambelland. Ago- zonas propositalmente estabelecidas. Entretanto a
ra quem me faz perplexo é o Sr. professor H. Ber- sua aquarella—Castello Medieval— possue bem o
nardelli com os seus dois retratos, o do Sr. Macha- caracter do gênero e é vigorosa ; a mancha é feita
do de Assis e do Sr. Dr. Ubaldino do Amaral, sem com segurança e elegância.
duvida que pintados por mão de mestre, mas. não
sei, porque temperados com chocolate. Talvez para Na Manhã de anniversario, que, antes de ahi
metter figas ao Sr. Amoêdo com a sua pintura á ovo. figurar, esteve exposta por longo tempo na Casa
Rembrandt, o defeito do recortamento está mais
O professor Benno Treidler, que concorreu á attenuado que no Vecchio Cantore ou na Melanco-
secção d'aquarellas como tuna interessantíssima Lei- lia; ainda assim os pannos brancos que formam
tura interessante e dois outros vigorosos trabalhos, todo o fundo perderam a sua frouxidão, a sua le-
expõe um quadro á óleo — Manhã— pintado com a veza, por causa dessa maneira. Esse quadro, em
sua largueza de habituado manejador de pincéis. A
hora parece-me bem surprehendida pelo Sr. Trei- que o pintor procurou vencer a difficuldade da
dler, ha frescura na paizagem e o ambiente nebli- gamma em branco, falha ao effeito desejado porque
a delicadeza das nuanças da gamma escapou á
noso é leve e illuminado. attentiva do seu auctor e as sombras foram densa-
O professor Pedro Weingartner é, como sempre, o das com uma violência desastrosa. Ao demais, o
paciente e meticuloso mouchiste das figurinhas lilli- artista fraqueou nos valores do segundo plano em
 KOSMOS
^ .£>

que está a mulherinha deitada; ahi a confusão dos pouco me interessa, o que não quer dizer que dei-
volumes é infeliz, o quadril da rapariga; o qual está xe de interessar a outros. De suas paizagens men-
envolto nos lençócs, tem um destaque brusco so- cionarei Ul limos feixes, muito illuminada e de boa
bre o resto do corpo, que se funde numa meia perspectiva aérea.
tinta quasi transparente, inutilisando a densidade do Retorna a expor a Sra. Eulalia Silva, no ca-
resto do corpo e sobretudo a vida da cabecita mo- talogo, figura com o nome de Eulalia que do Nasci-
rena do modelo. E, no emtanto, o artista em pre-
gou todos os recursos do pontilhamento para
destacar a chocolateira de nickel e outros acces-
sorios correspondentes que estão numa gueridon,
ao lado da cabeceira do leito, na mesma pe-
numbra e na mesma distancia em que se acha o
busto da figurinha!
Mas, quanto a desenho propriamente dito, isto kflièakSjHlBVKiSvU-áB>' á*.-BB mWmW
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é, á marcação do assumpto, o Sr. Braga sahiu-se

bem, como bem se destaca em os outros quadros
expostos.
Creio que o Sr. Braga, pelo seu temperamento,
por sua tendência á simplificação e uma certa
originalidade no combinar o assumpto, no qual
muito se descobre de paciência, daria um bom
cultivador de artes applicadas.
Aqui está o Sr. Latour, prêmio de viagem á
Europa. Nada menos de quinze quadros, mas
quinze quadros que attestam a sua applicação e
annunciam um grande artista a se formar.
Pondo de parte o maior delles, Praga So- ^"^^' ^ki» aaftjBjflB1 vam | iTy V BBH B^b ¦*? \BaBPfm*B^B^^*^'^ *ir-"- AL n^^^— mmt
ciai, que me não agrada pelo assumpto já muito
batido e muito pouco piuturesco tratado nelo
modo porque foi, qualquer de seus trabalhos
evidencia o relevo duma individualidade inçipi-
ente. O asseio, a frescura, o brio da sua palhêta
são já notáveis; o desenho sáe-Ihe certo da mão ií> ''"•^¦*- * " <-• '*'**" t S\ Èt^/ '* ~ *^a^MB^B^B^B^B^ay^5flB^> '' fhiSr^1'^^ ^1 J^T*"7J^
trabalhadora e os assumptos trazem o cunho do >r'l'^'~mmmn^^CiJ~^>* ¦¦** " /'- 3B ^k"yr*"?^»J«SB B^Vb «Li ^¦¦WB^^rí*-^*fi'í *'
seu interesse por uma arte inspirada na natureza
e com ella vivendo.
As Thesourínhas, destacadas da sua obra, cons-
tituem um adorável quadrinho pela composição,
pela graça real das tres figurinhas, tão alegre-
mente vivas no frescor desse ambiente de manhã
domingueira!
E' ainda essa franqueza e firmeza de fazer, EV*^^ii?* ' 'flflfl flflFríà^^ "^ íi bH WWw^mz ' t• ' ^TlGnH^"" 'jü*Sfl RSi
das quaes resalta o modelado á luz franca, que se
nota nas Flores e Mocidadé, motivo bem artan-
jado para um nú. Mas se o elogio pela habilidade '•* ftj HT^farB \WW -j^^t^^-at^À' «Cji ?^9fl^Sri
da pintura, não o farei quanto á escolha do mo- Bflf^3^BiÉft'r^i*i''fl ir***

delo e á posição que lhe deu. A magreza da

raparigtuta, que pousou é tal que suas formas
não correspondem ao titulo da obra. Esses mem-
bros são os de uma adolescente e a posição, in- THESOURÍNHAS

tencionalmente forçadapara não lembrar poses co- mento e Silva com o appendice
nhecidas, dá-me a impressão d'uma acrobata de um D maiúsculo,
que entre parenthesis, para que todo o mundo saiba
se desconjunctou numa queda.
que ella é Dona... O que eu seij e com isso é que
me importo, é que realmente a &ra. Eulalia é dona
^9» «=9» c^> de uma grande vocação para a arte, mas ainda me-
drosamente agarrada á influencia do seu professor.
E ainda mais paizagens! A Velha estrada, se tivesse mais um pouco de
O Sr. Luiz Ribeiro, que é um artista conscien- vigor no primeiro plano e mais observação nas
cioso postoque abusando da minudencia, tem cinco massas do fundo, seria excellente Em todo
quadros, dos quaes quatro são paizagens. O de fi- o caso, quem isso faz promette muito. |trabalho.
guras, sob o titulo Véspera de noivado, é um qua- Ora! aqui tenho uma paizagem que me não fala
driiiho de gênero, estudado com esmero, mas unicamente á vista! E este Crepúsculo de Rober-
que
 KOSMOS
c\_.
io Mendes, um pintor espiritualista que, depois de
nos encantar com os seus admiráveis pasteis, vol-
tou-se para a pintura a óleo e vae fazendo uns de-
licados poemas de saudade com os recantos de Na-
tureza entendida por sua alma de poeta e interpre-
tada por sua miraculosa paihêta. E' um trecho de
parque abandonado; o rasgão dum lago divide-o,
pelo centro, em duas margens. A galhada contorci-
da d'uma velha mangueira estende, ao alto, a bani-
hinella atormentada de seus ramos; ao fim da mar-
gem esquerda uma figueira brava pende sua fronde
para a agua silenciosa, coberta de farrapos dalgas,
onde se reflectem, em tons roxos, ramarias e tron-
cos, e todo o cambiante colorido do crepúsculo,
desde o amarei lo dourado dos derradeiros raios so-
lares até o verde e o azul pallido das alturas.
Mas, nessa reunião de tintas, nessa diversidade
de cores, ha uma cosonaucia admirável, em que o
saber do artista se affirma soberanamente sobre- o
vulgarisino das feituras applaudidas. E mais do que
isso, que é um mérito de téchnica, a sua paizagem
comniimica-se com a nossa alma, prende-nos den-
tro da sua verdade e nos dá a sensação da sua
vida.
E' este o mérito desse discípulo de Ruskin, que
se não deixa fascinar pelas lantejoulas dos triurri-
phos fáceis nem se corrompe com as imposições
hurguezas do meio.
A sua arte é um culto, para o qual vive, como
um eremita, obscuro e possuído. E por se lhe en-
tregar com esta ardencia, ella lhe transmitte os seus
segredos, ella se lhe fanúliarisa, requinta a sua visão,
palpita nas suas tintas, passa para suas telas com
essa intensidade rara, ou diz o seu sentir, extranho,
iucoiupreliendido, por demais subtil para o enten-
dimento dos que a querem e procuram só como
a um goso da vista e um complemento decorativo
das salas.
Bemdicto o artista que assim nos faz entender
e amar a Natureza!
Alegres desenhos e desopilantes caricaturas do
Raul... Boas aquarellas das irmãs Vasco...
Diante das medalhas do Sr. Augusto Girardet
reencontro a esvelta senhora em costume-tailleur
côr de musgo. Ha nas suas pupillas o quebranto
de um goso, toda a ternura dos delicados espíritos
embevecidos na comtemplação dum objecto d'arte.
E sorri glorificando com a luz do seu inexprimi-
vel sorriso a obra do Sr. Girardet. Sorri e reti-
ra-se.
Durante segundos fico desatinado, sem pensar,
sem saber o que fazer...
rO
Mas, onde está a Esculpturá? Não ha esculpto-
res, não ha uma aula desculptura, nesta terra?... E a
Sra. Nicoliua, a Sra. França, o Sr. Berna, o professor
Bernadelli¦¦?._. Que faz o Sr. Correia Lima?... Triste
pergunta ! Que faz o Sr. Correia Lima... Ora, que
ha de elle fazer?!... Por espaço de quatro ou cinco
annos o governo brasileiro manteve-o na Europa;
de lá nos mandou o artista tres bronzes em que
se confirmavam o seu talento e applicação, de lá
veiu com um bello gesso, a Aí a ter Dolorosa... e
esperou que lhe dessem trabalho. Mas não havia
trabalho! O Sr. professor Rodolpho Bernadelli, di-
rector perpetuo e senhor absoluto da Escola de
Bellas-Ártes, não sei se commendador de varias
ordens estrangeiras, conselheiro esthetico do gover-
no e outras instituições, monopolisava todas as
admirações e todos os trabalhos. Estavam na sua
celebre officina o Teixeira de Freitas; o Dr. Fran-
cisco de Castro, o busto do conselheiro Thomaz
Coelho, o Carlos Gomes... e não me lembro que
mais glorias nacionaes lá se foram metter... Tinha
S. S. ou Sua Eminência uma enfiada d'encommen-
das: o frontão da Escola Polytechnica, a ornamen-
tação do Chafariz da Carioca, os bristos da fa-
citada do theatro S. Pedro, estatuas para o theatro
Municipal, um refugio para o largo da Lapa figura
symbolica para o pseudo palácio das Academias,
glorificações bronzeas de presidentes de associações
commerciaes, ornamentos para palácios dAvenida...
e mais... e mais... por atacado e a varejo.
No emtanto, o Sr. Correia Lima, com quem o
Estado gastou dinheiro para o aperfeiçoar na arte
d'esculpir, e cujo aproveitamento demonstrou em
magníficos trabalhos, ficava ás moscas, com o seu
sorrizinho de bom menino e todas as suas illusões
mettidas num sacco!...
Não sei se elle se queixa, porque mesmo não
sei onde elle vive; mas isso é uma grande injus-
tiça, em que se tem a lamentar a inutilisação dum
talento e o exemplo nefasto offerecido aos que [ire-
tenderem ser artistas.
Ah!... percebo que se me foi o bom humor
depois que aquella formosa dama de lindos olhos
partiu. L quem seria?... Ora, que me importa saber
quem seria tão donairosa senhora! Uma deusa,
talvez, descida á terra para dar a um pobre mortal,
arruinado e triste, a alegria necessária á sua penosa
missão... De qualquer forma, verdadeira ou imagi-
naria. deusa ou simples madama tres estrellinhas,
de qualquer forma, uma linda mulher! Isto basta.
10 de Setembro.
Gonzaga Duque.
 KOSMOS
Q-
A lenda de Hotbero
Compilação do Dr. J. C. Lacerda Coutinho
rínOTHBRODO, rei da Suécia, havendo empre-
Ip]] hendido a guerra contra a Dinamarca, depois
v de alcançar tres victorias successivas sobre
Rõe, que mandava as forças de terra (1), e que
perdeo a vida na ultima batalha, foi, por sua vez,
batido e morto, n'um combate naval, por Helgon,
irmão de Rõe, o qual encorporou, então, a Suécia
ás possessões dinamarquezas.
Tinha Hothbrodo confiado ao regulo Gevaro a
criação e a educação de seos dois filhos, Atislo e
Hothero. Nascera este ultimo com as mais felizes
disposições; e uma educação esmerada e bem diri-
gida dotou-o com varias e excellentes prendas.
Desde os tempos da adolescência, excedeo Ho-
thero aos demais rapazes da sua idade, já no porte
e robustez do corpo, já na dextreza e habilidade
para todos os exercícios physicos, entre outros a
natação, o manejo do arco e o do cesto, nos quaes
não tinha competidor.
Primava igualmente na pericia com que dedi-
lhava a lyra, a cithara, o alaúde e mais instrumen-
tos de cordas; e tocava-os com tanto gosto e ex-
pressão que arrebatava a todos os que o ouviam,
inspirando-lhes, a seo sabor, a alegria, a tristeza, a
ira, a compaixão, a ternura, a ferocidade, finalmente
os affectos e paixões mais encontradas.
A tantos predicados reunidos não podia ser in-
differente a filha de Gevaro (2), a formosa Nanna,
sua collaça, a quem tambem não era estranha a ar-
dente paixão que inspirara ao moço principe.
Nada parecia dever oppôr-se á consagração dos
votos recíprocos dos .dois amantes, quando sobre-
veio um obstáculo inopinado.
Um rival de Hothero, formidável pela origem e
protecçao divinaes que o tornavão in venci vel para
um simples mortal, surgio na pessoa de Baldero,
filho de Othino, a terrivel e sanguinária divindade
scandinavá.
Os incomparaveis encantos de Nanna, expostos
na mais completa nudez, inflammárão os sentidos
do semideos, que, uma vez, a surprehendêra no ba-
nho, e desde aquelle momento concebera o firme
e inabalável desígnio de possuir a donzella e de
exterminar o rival, que sabia ser-lhe bem acceito.
Ora, succedeo que, andando Hothero, certo dia,
á caça, levantou-se de repente um nevoeiro tão
denso que o mancebo se vio inteiramente desnor-
(i) Rõe e Helgon, por morte de Ualdano I, seo pae, repartirão
o governo dn Dinamarca, tocando ao primeiro o território e as forças
de terra, e ao segundo a costa rnaritima e as forjas navaes. i.. c.
(2) Tot juvenis artihus Gavuri filia. Nanna, admodum delectata.
ainplexum ejus expctere cpit. (Hist. Dan. L. III).
=£
teado e perdido no meio do bosque; e depois de
haver alli errado por algum tempo, foi ter ao antro
habitado por umas nymphas, deidades sylvestres,
que o saudarão á chegada, pelo seo próprio nome!
Perguntando-lhes Hothero quem eram, responderão
as nymphas que erão munestutelares d'aquelles si-
tios; que tinhão o poder de intervir nas guerras
humanas, em que tornavão parte, de modo invisivel,
favorecendo a causa por que se interessavão e fa-
zendo pender a victoria para o lado dos seus pro-
tegidos. Avisárão-no ainda da rivalidade de Balde-
ro, e o aconselharão a que, por mais justas que
fossem as suas queixas contra elle, se abstivesse de
fazer-lhe opposição, pois seria infallivelmente estna-
gado, tendo por competidor um semideos. escuda-
do, alem d'isso, pelo immenso poder dos deoses a
quem era aparentado.
Mal havião acabado de fallar, sumirão-se da vista
do mancebo, ao mesmo tempo que a selvática ha-
bitação onde moravão.
Dissipado o nevoeiro, pôde o moço principe
orientar-se e partio em busca de Gevaro, a
relatou a sua recente e extraordinária aventura,quem
ter-
minando por pedir-lhe a mão. da filha.
O velho regulo, que era perito na arte divina-
toria, explicou-lhe o prestigio a que acabava de
assistir, e confiou-lhe, por sua vez, que a posse de
Nanna já lhe fora solicitada por Baldero, a quem
não se animava a recusa-la abertamente, receioso
do grande poder de que elle dispunha.
Advertio, porém, ao mancebo de uma circums-
tancia que poderia dar-lhe ganho de causa sobre o
tremendo rival.
Disse-lhe que existia, em sitio que lhe designou,
um satyro, denominado Mimmingo, possuidor de
umas manilhas que davão a quem as trazia, forças
sobrehumanas, e de uma espada a cujos golpes
Baldero, invulnerável para outras quaesquer, não
poderia resistir. Exhortou-o, então, a tentar a em-
preza de apossar-se d'aquelles encantados objectos,
obrigando Mimmingo a entregar-lh'os. Para alcançar
o antro onde habitava o satyro, teria de atravessar
uma região onde reinava um frio intensissimo, e de
transpor uma escarpada montanha, sempre coberta
de gelo; o que só conseguiria em carro puchado
por uma parelha de veados.
Deo-lhe ainda instrucções precisas quanto á
posição, em que deveria assentar a sua tenda, com
relação á caverna do satyro, de modo a não lhe
despertar suspeitas e poder acommette-lo de sur-
preza, quando elle sahisse da gruta.
Cumprio Hothero exactamente tudo quanto lhe
fora recommendado; e, depois de algum tempo de
espreita, em que aproveitava as horas do dia para
prover-se de caça, com que se alimentava, passah-
do as noites em completa vigília, conseguio final-
mente surprehender Mimmingo; e, tendo-o derriba-
do com um golpe, atou-o de pés e mãos e amea-
çou-o de acabar alli com elle si não obtivesse a
espada e os braceletes encantados que elle tinha
sob sua guarda. O satyro vio-se forçado a resgatar
a vida pelo preço exigido; e Hothero voltou á pa-
 KOSMOS
& j?
tria, ufano com os poucos mas preciosos despojos
que afcançára.
Geldero, rei da Saxonia, teve conhecimento
d'este suecesso; e cobiçoso de apoderar-se, por seo
turno, de tão portentosos objectos, concitou a mo-
cidade guerreira do paiz a tentar o auspicioso com-
mettimento; e, tendo apparelhada uma frota, partio
em demanda de Hothero.
Versado, como era, nas artes da magia, que lhe
permittiâo conhecer e predizer o futuro, Gevaro
mandara aviso a Hothero chamando-o á sua pre-
sença; e depois de prevenil-o das intenções de
Geldero, aconselhou ao pupillo que, ao empenhar a
acção com os saxonios, se limitassem, a principio,
os seos soldados a aparar as settas disparadas pelos
contrários, defendendo-se dos seos tiros, sem toda-
via responder-lhes, até que se esgottassem as armas
de arremesso do inimigo.
Reconunendou também que se munissem de
fouces providas de esporões, com que lacerassem
os costados dos navios adversos e arrancassem os
escudos e os elmos dos guerreiros de Geldero (3).
Hothero não deixou de conformar-se com estes
conselhos. As frechas e dardos despedidos pelos
Saxonios, recebidos nas superfícies unidas dos
broqueios e nas bordas dos navios, pouco effeito
produzirão; e afora as que cahírão no mar, forão
aproveitadas pelos soldados de Hothero, para, por
sua vez, aggredirem com elles os que os tinhão
vibrado, e tal estrago causarão nas tropas saxonias,
que Geldero foi obrigado a içar no topo do mães-
tro da capitania um escudo vermelho, signal cos-
tumado de rendição e proposta de paz (4).
O filho de Hothbrodo mostrou-se generoso com
o vencido, acolhendo-o com muita affabilidade e
benevolência; e pelo seo magnânimo procedimento
converteo o adversário límn amigo e alliado, de
cuja fidelidade teve, dentro em pouco, as provas
mais significativas.
Logo depois deste acontecimento foi Hothero
solicitado por Helgon, rei da Halogia, a intervir
perante Cuson, soberano dos Finnos e dos Biar-
menses, a bem de obter que este lhe concedesse a
mão da princeza Thora, sua filha, que já lhe fora
recusada por não a ter elle pedido pessoalmente, e
sim por intermédio de agentes
encarregados d'esta
missão.
Era então de estylo que taes propostas fossem
apresentadas pelos próprios pretendentes; mas Hei-
gon, em conseqüência de vicio orgânico, exprimia-se
com extrema difficuldade e embaraços da palavra; o
que lhe tornava impossível por si mesmo
a satisfação dos seos desejos.promover
(5) • mente na batalha, defendendo a causa do amigo.
Hothero, por obrigai-o. acceitou a incumbência
e dirigio-se com uma armada á Noruega, decidido
*--CKterun'» rostratas admoveat falces,
vi
cassidesque quibus navigia lacerari,
et scuta militibus detrahi possinto (Hist. Dan. L. III).
(4) Mali caemmen pernico sento complexeüs
(indicium id piteis
aret) saluti deditione consulint. (íhid).
(5) Nam cum ejus temporis juvenes matrimônio
portulationem
própria você prosequendi consuetudine haherent, hic tanto oris vitio
obsitus erat.ut non solum exteras, sed etiam domesticas aures
ceret.— (Hist. Dan. L. III).
erubes-
\
a empregar a força, si as razões não fossem bastan-
tes. Mas a sua eloqüência, reunida a outros dotes
de tim espirito cultivado, conseguio vencer a relu-
ctancia de Cuson; o qual deixou á deliberação da
princeza a acceitação ou recusa do pretendente."
Não teve Hothero maior difficuldade em obter
o assentimento da infanta, e, com immenso júbilo
de Helgon, forão effectuadas as nupeias.
Emquanto se passavão na Halogia estes sueces-
sos, Baldero, por sua parte, penetrava nos domínios
de Gevaro, á frente de numerosas tropas, e insistia
por alcançar a posse da formosa Nan na.
Sem meios de resistir ao temível pretendente, o
pai louvou-se na decisão da filha, cuja vontade
não podia, nem devia, constranger.
Baldero empregou, então, todo o empenho e
solicitude de um amante vivamente apaixonado,
para captar as boas graças da donzella. Depois de
fazer-lhe assídua corte, sem conseguir vencer-lhe a
resistência, quiz saber a razão porque ella o re-
cusava. Nanna, que tinha tanto de formosa quanto
de sagaz e discreta, respondeu-lhe que o único
motivo era a desigualdade da união de um ente
de natureza divina com uma simples mortal; união
que não podia ser feliz nem duradoura.
Não se alliavão bem a magestade e o esplen-
dor da divindade com a pobreza e humildade li li-
manas. Essa desigualdade faria com que, dentro em
pouco tempo, o cônjuge de superior natureza se
envergonhasse e desgostasse do enlace contraindo,
votando ao desprezo e ao abandono a esposa indigna
de compartir-lhe a divina magestade.
Informado por Gevaro das insistentes preten-
soes do rival, Hothero desabafou com Helgon os
graves cuidados que lhe oecupavão o espirito; e,
depois de combinarem entre si o que mais convi-
nha fazer-se, resolverão atacar com uma armada as
forças de Baldero.
Travado o combate, Othino, Thor, e outros
guerreiros de origem divina não deixarão de acüdir
em defesa do parente; eo formidável Thor, armado
de uma clava monstruosa, multiplicava os golpes
a que suecumbião, aos montes, os míseros com-
batentes de Hothero, cujos brequeis e morriões
quebravão-se como si fossem de vidro ás pancadas
d'aquella arma tremenda ; até que, intervindo o
joven príncipe, cortou-a, rente com o punho, com
um revez da sua espada encantada. A perda dessa
clava foi o signal de derrota dos immortaes, que
cederão campo, arrancando em vergonhosa fugida.
Alcançada a victoria, Hothero prestou solem nes
honras fúnebres a Geldero, que morrera gloriosa-
"to-
Para isso armou com os destroços dos navios
mados ao inimigo uma enorme fogueira, em que
forão incinerados o soberano saxonio e os nume-
rosos guerreiros da sua hoste que perecerão com
elle; sendo as cinzas recolhidas límn elevado tu-
mulo que lhe mandou erguer.
Isto feito, depois de encher de obséquios a Hei-
gon e a Thora, apressou-se em reclamar de Geva-
ro o cumprimento da promessa, e conduzio a des-
 KÓSMOS
Qb=
posada para a Suécia, entrando finalmente na pos-
se do appeteeido premio do seo triumpho, a bella
e primorosa Nanna.
Os suecos, que tinhão ainda em memória os
feitos gloriosos de Hothbrodo, resolverão elevar o
filho ao regip poder.
Mas Baldero, apezar da recente derrota, não de-
sistira da lutta. Organisou novas forças e com ellas
foi provocar a combate o seo ditoso rival. A for-
tuna foi-lhe d'esta vez favorável; e Hothero, venci-
do, teve de refugiar-se nos domínios do sogro.
Constou-lhe, então, a trágica morte de Roldon.
rei da Dinamarca, e a do seo assassino Hiarthwaro,
tambem morto, após um dia apenas de reinado.
Extincta a familia reinante n'aquelle paiz, offerecia-
se-llie um ensejo de resuscitar antigas pretensões
de sua familia ao throno dinamarquez, e não dei-
xou de aproveita-lo, tran portando-se com uma frota
á Silaudia, onde oecupou o porto de Isora.
O povo da Dinamarca o acolheo favorável-
mente, e o elegeo soberano. Ahi, porem, o foi
buscar, de novo, o irreconciliavel Baldero, que pe-
uetrou naquelle reino, quando Hothero se havia
dali ausentado, em viagem á Suécia, ao saber do
fallecimento de Atislo, seo irmão, que a governava
em seo nome.
Os novos e inconstantes vassallos do principe
sueco, submetterão-se sem resistência ao filho de
Othino. Hothero voltou a disputar-lhe mais uma
vez a victoria; mas a sorte foi-lhe ainda adversa;
e vio-se obrigado a nova fugida; primeiramente
para a Jutia, e depois para a Suécia, onde chegou
só, abatido e desanimado pelos últimos revezes.
Reunindo os magnates do reino, manifestou-lhes
a intenção em que estava de renunciar ao poder e
buscar um retiro em que oceultasse o opprobrio
que lhe irrogárão os seos suecesivos desastres.
Firme nesta resolução, o mancebo embrenhou-se
porinvios e bravios desertos, onde por algum tempo,
viveo ignorado de todos. Um dia, ao vaguear
n'uma densa floresta, foi ter a uma gruta, habitada
por nymphas sylvestres, nas quaes reconheceo as
mesmas de quem recebera, outr'ora, um arnez en-
cantado, impenetrável ao ferro dos inimigos. (6)
Ao perguntarem-lhe as deosas o que buscava
naquellas paragens, o mancebo
queixou-se-lhes
amargamente das falsas promessas com que ellas o
havião embaido ; pois em logar de vencer os ini-
inigos, fora, pelo contrario, vencido e obrigado a
exilar-se e a esconder-se a todas as vistas.
Procurarão as sylvestres divindades consolal-o
e confortal-o, dizendo-lhe que nas luttas em
se vira empenhado não soffrera maior estrago que do
que os adversários com quem tinha combatido;
que a victoria final ainda estava por decidir, e que
elle a obteria, se conseguisse apoderar-se do ali-
mento preparado por outras nymphas que restau-
ravão com elle as forças de Baídero, minadas
"que pelos
excessos da paixão o consumia.
(6) Easdem esse constabat, qnoe cum insecabili viste quondam do-
verant. (Hist. Dan. III).
Animado por esta esperança, Hothero deixou o
seo voluntário degredo, e, disposto a recomeçar a
lutta, insuflou nova coragem aosi seos partidários,
levantou tropas e offereceo batalha a Baldero.
Combateo-se de ambos os lados com tão por-
fiado empenho, que a noite .¦ interrompeo a peleja,
antes que a victoria se houvesse declarado por um
ou por outro. j
Nessa mesma noite, o jovem principe sahio, só
e ás oceultas, do seo acampamento e dirigío-se
cautelosamente para os arraiaes Contrários, onde,
com o favor das trevas, logrou penetrar desperce^
bido.
Alli ficou disfarçadamente á espreita, e vio en-
trar na tenda do chefe inimigo tres nymphas, por-
tadoras do mysterioso alimento que lhe restaurava
as forças. Quando ellas se retiravão, Hothero se-
guio-as em rápida corrida, guiado pelos liumidos
vestígios que deixavão os passos das deosas ; e
assim as foi acompanhando até a gruta onde tinhão
a sua morada.
Ao assomar na sylvestre mansão, foi logo o
mancebo cercado pelas divinas habítadoras, que lhe
perguntarão quem era e o que pretendia. Respou-
deo Hothero que era um menestrel, tocador de
cithara, e que vinha implorar-lhes favor e pro-
tecção. j
Querendo pô-lo a prova, apresentarão-lhe as
nymphas uma cithara e mandárãorlhe ¦ que lhes
mostrasse a sua habilidade. O mancebo afinou
immediatamente «6 instrumento, do qual tirou tão
maviosos e expressivos accentos que lhe merecerão
os applausos e o agrado do choro divinal que o
rodeiava. Algumas das selváticas deiptades inclina
vão-se a conforta-lo com o mágico alimento, para
cuja confeição concorrião, como Hothero pudera
observar, tres cobras de espécie desconhecida, que
deixavão cahir na vasilha onde se cczião as igua-
rias a bava peçonhenta que lhes pingava da bocea.
Oppoz-se aquelle desígnio a nvmpha que pare-
cia mais idosa, dizendo que não lhes era licito pri-
var a Baldero de parte do nutrimento que lhe era
destinado, em favor do seo inimigo; posto que o
mancebo affirmasse não ser Hothero, mas um sim-
pies companheiro do principe. Em colnpensação, as
outras que se lhe mostravão svmpajhicas, derão-
lhe um talabarte e uma facha de brilhantes mati-
zes, assegurando-lhe que estes dous íihe havião de
auspiciar o triumpho. j
Apartando-se d'alli o principe, ao atravessar o
campo adverso, acertou de encontrar-se com o seo
inimigo figadal; e enviando-se a elle, vibrou-lhe
um profundo golpe de espada, com que o esten-
deo mal ferido por terra.
Recolheo-se em seguida, ao seo próprio acam-
pamento, onde as -favoráveis noticias de que era
portador augmentárão a confiança e estimularão o
ardor dos companheiros para o combate do dia
que estava a romper.
Apezar do mortal ferimento que o prostrara,
Baldero apressou-se, por sua parte, a renovar a pe-
leja. Não lhe soffreo o animo acabar obscuramente
 KÓSMOS
^
yo

ua sua tenda, e fez-se transportar em liteira ao apoderando-se da pessoa do regulo, o queimara

campo da batalha.
A noite separou ainda uma vez os combatentes.
No seo decurso, preza-de uma modorra- febril,
Baldero vio, em sonhos, Proserpina. A deosa annun-
ciou-lhe que no dia seguinte havia de te-lo nos
braços (7). E o fatídico sonho realisou-se. O filho
de Othino expirou, com effeito, tres dias depois do
seo ferimento; e á sua morte seguio-se a rendição
das tropas que commandava.
Livre, finalmente, do terrível adversário,
Hothero dirigir as suas armas contra Gunnon, pôde
se rebellára contra Oevaro, seu suzerano; e' que
que
(7) Postera nocte. cidem Proserpina. per quietem, astare aspecta
postndie se ejus complexu usuram denunciai. Xec inane somnii ore-
sagioin fuit: nam Balderüm, élapso triduo. nimius vulneris craciatus
absumpsit. (Hist. Dan. L. III).
vivo n'uma fogueira. Hothero vingou o sogro, ven-
cendo o rebelde e condemriando-o aquelle mesmo
supplicio.
Foi, porem, este o seo ultimo triumpho. Depois
de alguns annos de prospero e tranquillo reinado,
soube, por um oráculo, que teria de succumbir
brevemente aos golpes de um irmão e vingador
de Baldero, por nome Bons, nascido do commer-
cio de Othino com a princeza Rinda, filha do rei
dos Ruthenos.
Recommendou, então, aos
interesses de Rorico, seo filho grandes
do reino os
e herdeiro dos seos
domínios; foi ao encontro do inimigo que o bus-
cava, e perdeo a vida na batalha.
O seo joven e intrépido vencedor, ferido mor-
talmente, poucos dias lhe sobreviveo.

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PROJECTO DE RECOMSTRUCÇÃO DA FACHADA atticos, ladeando a cúpula quadrilateral,

que se
destaca sobranceira acima de toda a cobertura.
DO Estes torreões assim como a cúpula consti-
tuem, pela disposição e proporcionado, a parte
QUARTEL GENERAL principal, de expressivo destaque sobre as man-
sardas que a flanqtieam e vão terminarem em-
penas nos torreões que rematam a fachada.
ggg projecto de reconstrucção da fachada No primeiro pavimento as aberturas são lar-
"B do Quartel General é de estylo
simples, gos mezzaniuos, quando correspondentes ás
1$ por suas linhas geraes, participando da mansardas ; nos demais
escola franeeza. pavimentos apresentam-
se como vãos regulares, servidos ou não de
E" calcado inteiramente sobre o primitivo saccadas e balcões balanceadas sobre o fuste
no, apenas embellezando o conjuneto com pia- ou-
trás proporções, procurando dar uma certa im- geral. Em cada uma das partes elevadas, com excep-
ponencia, a par de commodidades, á sede da ção da cúpula, ha uma decoração especial do
alta administração militar.
paramento, de modo a affectar em saliência e
Sobre as actuaes fundações, e aproveitando ligando no sentido vertical duas
esquadrias, a
as mesmas paredes, serão levantados os tres forma de casteilos, coroados por platibandas
vimentos que se assignalam nos extremos e pia- no denticuladas á feição de setteiras.
meio do edifício; nas
partes intermediárias a A cobertura é de armação metálica, quer na
estes pontos serão construídas mansardas, cúpula, nas mansardas que, exigem um
sobre darem elegância e tom de novidade, que, material quer especial para seu revesti mento" externo.
pelo
menos entre nós, servem elevar o direi- O frontespicio, pelo seu aspecto total, é
para pé
to da construcção. agradável, tem harmonia de detalhes, regularida-
A primitiva monotonia de um paramento lon- dade de fôrmas, e imprime um cunho
caracte-
go, corrido, completamente desornado, cheio de ristico, symbolisado pelas ameias do coroa-
vãos sem arte e desgraciosos, será
quebrada mento.
pela intercallação de dous torreões no centro, E' auetor do projecto o Major do Corpo de
um e outro, convenientemente espaçados
pelos Engenheiros Dr. José F. Maciel de Miranda.
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das figuras mais controvertidas do século
Euma passado a do grande Chateaubriand. Parecerá a
muitos que sobre tão possante individualidade não
é possivel ter duas opiniões, que só ha uma e esta
é a de que elle foi um dos maiores gênios, ao
serviço da mais nobre das causas, a causa do Chris-
tiauismo. Um choro de applausos incondiciònaes
ao apologista da religião do Calvário e ao mestre
na arte de escrever, eis o que se afigura a muitos,
principalmente entre catholicos, como justiça e não
favor, taes o enthusiasmo com que lêem e a vene-
ração em que teem o eminentíssimo litterato. Mas
ha quem não pense de todo como os enthusiastas
e, se mérito e muito reconhecem no prodigioso es-
tylista, graves faltas lhe attribuem, como pensador
chlistão, em algumas de suas obras, cuja influencia
nada teve de apostólica.
Nada se dirá do Gênio do Christianismo: é um
desses monumentos que honram um povo, contra
elle só se exercerá a critica negativa, o espirito de
destruição dos que combatem as religiões, por sys-
tema. O sectarismo porem pelo enraizado
ceito perde na firmeza o valor do ataque. precon-
Entretanto não é somente o sectarismo que
Imunes á admiração por Chateaubriand: nos põe
pro-
prios arraiaes catholicos ha quem o accuse de cousas
imperdoáveis, de fazer livros, cuja vibração, longe
de trazer energias ao século que os vio nascer,
enfraqueceu, muito ao contrario, vitalidades e cora-
ções, créando rachitismos e anemias artísticas de
que foram férteis principalmente as tres primeiras
quartas partes dos últimos cem annos decorridos.
Chateaubriand fez romantismo e dos mais doen-
tios e graças ao prestigio de sua penna maravi-
lhosa, tal romantismo teve innumeros imitadores.
Vem estas linhas a propósito do livro recentis-
si mo do Sr. padre Delfour que censura, com ve-
hemencia, em Chateaubriand, não o Gênio do Chris-
tianismo, não outras obras no gênero desta, mas o
Rcné, o sentimental Rene, typo mórbido de attitu-
des e maneiras, flor de uma epocha desvigorada
por uma dissolução de faculdades intellectivas e
volitivas, sem firmeza de contornos, vago e indefini-
do, próprio unicamente para abater caracteres.
Rene', se não creou, pelo menos concorreu mui-
tissimo para o desenvolvimento da religiosidade.
E que vem a ser a religiosidade?
O padre Delfour a define:
«A religiosidade é a religião, sem a fé, ou
menos sem uma fé precisa, a religião subtrahida pelo
ao dogma, capaz de arranjos com a moral.»
==£>
Por esta definição se vê que a religiosidade
tem como conseqüência a injictividade da intèlli-
geucia e da vontade, embora as funeções da ima-
ginação tomem considerável d esenvolvimento.
O indivíduo attacado de religiosidade é um
sentimental, um indeciso, sem princípios seguros
de raciocínio, fraco no corajção, sujeito a todas
fluetuações das imagens qi|ie lhe povoam o
cérebro...
De indecisão em indecisão elle chega até o
pantheismó.
Foi o que aconteceu com « tfené.
«Alternativamente ruidoso e alegre, diz elle
j
silencioso e triste, eu reuniaI em torno de mini
meus jovens companheiros; depois, abandonando-
os de repente, ia me sentar em um lugar isolado,
para contemplar a noite fugitiva, ou ouvir a chuva
cahir sobre as folhagens... Nós (Amélia e eu) gos-
tavamos de vagar sobre o lago, de percorrer os
bosques quando cabiam as folhas. Depois perse-
guiamos a andorinha no prado, acompanhávamos
o arco-iris nas collerias chuvosas...»
Romantismo, romantismo mórbido. O eu a se
dissolver em um mysticismoj perigoso que tem
enormes parentescos com o büdhismo.
Eis o mal de Rene', mal qüe envenenou diver-
sas gerações
Nos limites da noticia de ii ma obra, não posso
entrar em desenvolvimentos; pira concluir traiiscre
verei mais alguns trechos do jSadre Delfour:
«O egoismo, o orgulho, a tristeza exacerbada,
produzem necessariamente o desgosto da vida e
fazem nascer com freqüência o pensamento do
suicídio. E' o que suecede a fcené. Como elle não
tem o costume de nunca luc ar com sigo mesmo,
acolhe esta idéa da morte, acaricia-a e decide-se
finalmente a pol-a em pratica, não as pressas, pe-
dindo perdão a Deus de sua f, ilta, mas com vagar,
com solemnidade, sem remorso1 algum, segundo os
ritos imaginados pelos stoicos da decadência. >
As paginas do padre Delfpur merecem bem a
honra de uma leitura meditada porque ellas mos-
tram as conseqüências praticas das modernas cor-
rentes philosophicas que creari mi em psychologia
uma faculdade que nunca ex istiu, o sentimento.
Antigamente o sentimento era npenas a phase final
de um phenomeno consciente, hoje dão-lhe exis-
tencia própria, dahi os enormes desvios, os erros
perigosos dos modernos pensadores, cujas doutrinas
modelam a vida quotidiana.
Chateaubriand, com o prestigio de seu nome,
elevou a categoria de um principio, este erro dos
philosophos que naturalmente se infiltrou nas Iitte-
raturas e nos hábitos de nosso tempo.
Oliveira e Silva.
 O GRAMDe PReniO JOCKeY-CLUB
."'.¦¦ • p»

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.. —¦ > «_ià__M_i_f*___nr,ii n i MaM^_________H^MU_____niW^A_H1wMBÉHH__H

_ ASPECTO DA RAIA E ARCHIBANCADAS

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 KÓSMOS
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n ODYSSÉfi DE HOMERO (I>
(Traducçâo inédita por Odorico Mendes)
/ Comtudo ao filho corro; esses perversos,
i
?üflvaR,n>;2*23;nnn
A's risadas a velha os joelhos inove,
Celerrima a informar que é vindo Ulysses,
E a Penelope falia á cabeceira:
-Surge, anda, filha, a veres com teus olhos
O que tanto almejaste: eis, bem que tardo,
Castigou teu marido os que, estragando
Casa e fazenda, o filho te òpprimiam.»
E ella: «O Céo, que á vontade, ama Eurycléa, Esquivas
Do louco um sábio faz, do Isabio um louco,
Transtorna-te a razão, que té assistia.
Como! zombas de mim, quei hei tantas penas,
E as palpebras do somno me descerras,
Somno mais saboroso des qUe Ulysses
Foi-se á nefanda Tróia? Deste e vai-te;
Se outra com taes anniincios Une acordara,
Eu mais dura e severa a desoedira ;
Mas vale-te essa idade. > —A escrava insiste:
Filha, de ti não zombo; em iasa o temos;
E' o hospede que todos insultaram.
Já sabia Telemacho o segredo;!
Occultara-o prudente, afim que Ulysses
A soberba e violência refreiasse »
Leda salta Penelope do leito,
Em lagrimas a abraça: Ama querida,
Se isso é verdade, se elle aqui se alverga,
Os audazes, que sempre estavani juntos,
Como só derribou?» —E a nutrifc: Nada
Eu vi, nem m'o contaram, mas ouvia
O estrondo, o pranto, os ais doí moribundos
Lá nos retretes, a trancadas portas,
Em. susto éramos todos, e teu filho
Por ordem paterna! veio chamar-me.
Achei teu bravo Ulysses entre ok mortos
Uns por cima dos outros: exultavas
De o ver leão sangrento e encarniçado!
Elle, fora os cadáveres em montes,
Fumiga o paço, e ordena que ijie sigas.
Anda, ambos de alegria abeberiu-vos,
Depois de tantas magoas; a tão longa ' Phemio na eburnea lyra já consona
Saudade se mitigue. Elle nos torna
Viyo e são; cá te encontra e o filho vosso;
Puniu já desta casa os malfeitores.»
Logo a rainha: A rir não te glories.
Sim, grata a vinda sua a todos fora,
Mormente á mim e ao filho que gerámos;
Porém, ama, não creio no affirmas:
que
Indignado algum nume de aiiogancias
E injurias taes, livrou-nos de/ insoleutes
Que a ninguém, por melhor,'' tinham respeito;
Mas longe Ulysses acabou de certo.»
«Filha, insiste Eurycléa,
que proferes?
Duvidas iuda, e ao lar
já tens o esposo !
t muito. Ora um signal te manifesto:
Ao laval-o, do cerdo conheci-lhe
A cícatriz. Eu ia annunciar-to,
Quando a boca tapou-me. Vem, consinto,
Mata-me, se te engano..—É te impossível,
Penelope arguiu, por mais sciente,
O arcano, amiga, perceber divino.
Aquelle que os prostrou, meus olhos vejam.
Desce, do caro esposo resolvendo
Se as mãos e as faces beije, ou tão somente
O interrogue distante. Já transposto
O pétreo limiar, defronte, ao lume,
Noutra parede fica: elle, encostado
Numa columna, arreda a vista, á espera
Que o fite e que lhe falle a mulher forte;
Ella, em silencio estúpido, ora o encara,
Ora pelo seu trajo o desconhece.
Rompe e a censura o filho: Que! tão dura
a meu pae, nem delle inquires!
Que outra mulher assim desamorosa
Recebera um marido, após vinte annos
De ancias cruéis? Tens coração de pedra.-
Escusou-se a rainha: -De pasmada,
Meu Telemacho, olhar sem fallar posso.
A ser teu pae, a todo mundo ignotos,
Signais temos que o provem.»--Tolerante
O heroe sorriu-se: <A mãe consintas, filho,
Que me tente e afinal se desengane;
Sujo e torpe, ella estranha-me e repugna.
Consultemos agora. Se alguém mata
Um popular de asseclas mal provido;
Foge, terra e parentes abandona:
De Ithaca a flor e esteios derribámos;
Deliberemos nós.» Cordato o joven:
Cabe-te isso, meu pae; fama é constante,
Mortal nenhum te iguala uo conselho;
Seguir-te só me cumpre, e eu forças tenha,
Que outiem não ha-de em animo vencer-me.»
E o cauteloso: Pois meu voto escuta.
Primeiro vos lavai, mudai vestidos,
E ordenai-me ás captivas que se enfeitem.
O musico na lyra preludie
Dança amorosa, afim que nupeias dentro
Haver pense ou visinho ou viandante.
Fora a carneceria não persintam,
Antes que os agros e vergeis busquemos:
Lá do Olympo o senhor deve inspirar-nos. >
Lavam-se, dóceis, de vestidos mudam.
A's mulheres prescrevem que se adornem.
Dansa ligeira e doce melodia:
Ao tropel toda a casa reboava
De esbeltos jovens e de airosas moças.
Cruzam vozes da rua: «Algum de tantos
A rainha esposa, que mais valera
Se fiel ao marido os bens guardasse.»
Assim, néscios do caso, descorriam.
Lava a cuidosa Euryuoma e perfuma
O brioso Laercio, e o paramenta.
Aformosea-lhe a cabeça Pallas;
Magestoso e maior, na espalda a coma
Côr de jacintho em ondas se lhe esparge,
Tamanha graça lhe vestiu Minerva,
Quanta infunde em lavor de prata e ouro
Delia e Vulcano artífice amestrado.
 KÓSMOS
^=
Como um deus sahe do banho, toma o posto
Fronteiro ao da consorte, e assim perora:
«Tão duro coração, femineo monstro,
Nunca foi dos celicolas forjado!
Que outra mulher tão fria se portara
Ao chegar seu marido após vinte annos
De pena e dôr? Sus, ama, um leito apresta,
Quero dormir. Sua alma é. toda ferro.»
«Monstro eu! retorque; nem te apouco altiva,
Nem me assombro de mais; qual te embarcaste
No instructo galeão, me estás na mente.
Eia, fora da alcova alça, Eurycléa,
O reforçado leito, obra de Ulysses,
Com mantos e tosões, com molles colchas.»
Tal foi para o marido a prova extrema.
Elle a casta mulher gemendo exclama:
¦Quem removeu-me o leito? oh! triste nova!
Isso niinio custava ao mais sabido,
Salvo intervindo um nume; empreza enorme
Fora a humano qualquer, por mais viçoso:
Fil-o eu sosinho ; este signal te baste.
Grossa como columna, vegeta va
No pateo umbrosa e flórida oliveira:
Densas pedras em roda, em cima um tecto,
Câmara edifiquei de unidas portas;
Já desgalhado, a bronze descasquei-lhe
Desde a raiz o tronco, e de esquadria
Artífice o pulí, verrumei tudo,
Formando um pé, começo do meu leito;
Marfim neste embutindo e prata e ouro,
Taureas corrêas lhe teci vermelhas.
Esta a verdade. Ignoro se está firme
Esse leito, ou serrando-se-lhe o tronco,
Por algum dos varões foi transportado.»
Aqui, tendo Penelope a certeza,
Desfalleceu : depois, toda alvoroço,
Em pranto o collo do marido abraça,
E o beija e diz: «Ulysses, foste aos homens
O exemplo da prudência, não te enfades.
Iremos juntos logrando os floreos dias,
O Céo nos invejou; perdão, se ao ver-te
Não fui logo lançar-me no teu seio !
De que outros com discursos me illudissem
Tremia sempre; os dolos não fallecem.
A Dial Grega Helena o toro nunca
Do estranho compartira, a ter previsto
Que á pátria e casa os bellicosos Danaos
Tinham de a reduzir: a tanto opprobrio,
Causa de nossa dôr, cruel deidade
A infeliz arrastou, que o não cuidava.
Porém veros signais manifestaste:
Outro nenhum varão viu nossa alcova,
Nós e a fiel Actoride somente,
Por meu pae concedida, e que é porteira.
Minha justa esquivança embrandeceste.»
Elle com isto em lagrimas rebenta,
Mais ao peito cingindo a casta esposa.
Da praia quando á vista os naufragados,
Por Neptuno e por vagas sacudidos,
Poucos no vasto pelago nadando,
Sujos de marezia, á morte escapam,
Não têm maior prazer do que a rainha
Teve alli. Não despega os alvos braços
Do collo do consorte; e a ruiva Aurora
~0
Os encontrara, se não fosse Pallas:
A olhi-cerulea, prolongando as sombras,
No Oceano a retinha em aureto throno,
Sem que ate ao coche alipedes ginetes,
Lampo e Phaeton, que a luz uo mundo espalham.
«Mulher, diz-lhe o marido, não findaram
Nossas provas; uma árdua imniensa empreza
Me cumpre executar: assim Tiresias,
De mim, dos sócios meus. soltando os fados,
Prophetisou-me na Plutonia estância.
Mas vamos, doce amiga ao leijto nosso .
Repousar-nos em brando e meigo somno.»
Penelope accedeu: «Já qué em meus braços
Poz-te o Céo, no meu leito a gosto sejas.
Mas que perigo annunciou-te c vate?
Se hei-de saber depois, que o saiba agora.»
«Se o queres, anjo meu, nfsponde Ulysses,
Não te escondo : ah ! matéria él de tristeza
Para ti, para mim! Que peregrine
Remotas plagas me ordenou Tiresias,
E ágil remo sustendo, a povos lande
Que o mar ignoram, nem com! sal temperam,
Que amuradas puniceas não conhecem,
Nem remos, azas de baixeis velozes.
Deu-me o signal: assim que um viandante
Pá creia o remo ser, eu do hombro o desça,
Finque-o no chão, carneiro e tquro immoie,
Varrão que inça a possilga, ao rei Neptuno;
Mas na pátria hecatombes sacrifique
Aos immortaes celicolas por ordem.
Do mar cá me virá mui lenta á morte,
Feliz velho entre gentes venturjosás.
Certos me asseverou seus vaticinios.»
Ella acudiu: «Se os deuses te promcttem -
Melhor velhice, espero que triumphes
Inda uma vez.» — Emquanto praticavam,
Eurynoma e a nutriz, de accesas tochas,
A cama fofa e mórbida estendiam.
Isto acabado, a velha foi deitar-se,
E a camareira ao quarto allumjiou-os.
E retirou-se. Com delicias ambos
Do antigo toro o pacto repetiram.
Tambem Telemacho e os leaisj pastores,
Suspensa a dansa, despedindo Ias servas,
Pelos sombrios paços repousaram.
Ao desejado amor depois entregues,
Em colloquios os dous se regozijam :
Conta a mulher divina os dissabores
De olhar continuo a turba dissoluta,
Que, bois, cabras e ovelhas degolando,
E os toneis exhaurindo, a requestava;
Elle, as dores impostas ou soffridas.
Leda a esposa de ouvir, só depois dorme,
Primeiro expoz o estrago dos Cicones,
E a terra dos Lotophagos, uberriina;
Como vingou-se do feroz Cyclope,
Que os sócios lhe comeu; como, inda á pátria
Ir não sendo seu fado, com doçura
De Eolo acceito, mas por fim repulso,
Jogo ah! foi da procella em mar piscoso;
Como, aportado á Lestrygonia, tantos
Perdeu, salvando seu baixei apenas.
Expoz os dolos e dobrez de Circe;
Como, a Plutão vogando em náu compacta,
 KÓSMOS
Q-
Viü; do Debàno vate após consulta,
Irmãos de armas e a mãe que o ainamentou;
Como as Serêas lhe cantavam; como
Ghegou-se a instáveis rochas e Charybdes,
E a Scylla que sem perdas não se evita.
Expoz que, a raio o Altisono a matança
Dos bois do Sol punindo, a náu ligeira
E os demais sossobrou ; que, á ilha Ogygia
Arribando elle só, foi por Calypso
Detido em cava gruta e acarinhado;
Que a nymplia, de esposal-o cubiçosa,
Prometteu-lhe uma eterna juventude,
Sem jamais demovel-o da constância.
Findou pelos Pheaces, que de um nume
A par o honrando, em náu de cobre e alfaias
E de ouro onusta, a Ithaca o mandaram.
Do somno aqui dulcissimo assaltado,
Solve os pezares; e julgando-o Pallas
De repouzo e de amores satisfeito,
Chama a fulgente Aurora do Oceano,
E na alvorada o sábio heroe desperto
Se endereça á mulher: «Sobejas penas
Tivemos: tu, chorando a minha ausência;
Eu, delongas e em pecos que o Sàturnio
E oulros deuses á vinda me oppuzeram.
Ora, que o nosso thalamo andado
Já tocámos, dos bens restantes cura: -
Para supprir os currais e enchel-os,
liei de aprezar, e parte haver do povo.
Aos bosques vou-me e campos, as saudades
Alliviar do genitor. Consorte,
Bem que discreta, observa os meus preceitos:
Alto o Sol, desses procos a matança
Resoará; com tuas servas monta,
Sem communicação lá permaneças.»
Vestindo logo as suhs, manda que armas
Também Telemacho e ojs pastores peguem.
Arnezando-se os quatro, Ias portas abrem; •
Ulysses marcha a frente.! Era já dia;
Mas ennublados os dirige Pallas.
-.-D
NOTAS ixi TRABUCTOR AO LIVRO WIII
152. Os interpretes e traductores não viram nesta
passagem um
rápido movimento dt- ciúme,
que nella parece-me existir : Ulysses. á
nova de que o leito fofa mudado, leito cujo s<>gredo só elle
e Penelo-
pe conheciam, pasmou de que tal houvesse acontecido ; isto. sendo
combinado cm a iriste/a
que lhe causou a noya, segundo se colhe do
verso 135, e com o toque da mulher no 170, torna
provável a minha
observa áo. \a duvida, comtudo, não
quiz aclarar a passagem mais
do que o fez o autor, nem tão
pouco seguir interpretação contraria,
como o fez Mr. Giguet, traduzindo AnJron
menos deve conservar-se o termo varões,
ppi çueíqtteartisaH : ao
que favorece a minha opí-
mão. Kste leve movimento de ciúme, em um momento tão suspeitoso
seria interessante neste scena.
184-187.—Aqui temos um milagre, operado
por Minerva, igual
ao de Josué : este fez parar o Sol acima do horisonte
para augmentar
o dia; Minerva também o fe/ mas atyixo do
parar, horisonte, para
augmentar a noite. Josué, porém, é mais antigo do
que Homero.
(l> Graças á gentileza d., filho dò poeta,
p Sr. Alfredo Mendes,
que cedeu o manuscripto, e aos esforços do Sr. Nogueira da Silva,
joven maranhense que se impo/, a tarefa de copiar-lhe o neces-
sario trecho, posso brindar hoje os leitorejs do Kósmos com as
primicias de uma obra inédita de Odorico Mendes, cuja figura dis.
tineta de politico e homem de Iettras. apreciei!ligeiramente no ultimo
numero desta revista.—A tn#uci?5oda Odyts de Homero, em verso
portuguez. é a obra a que me refiro. — Concluída pouco tempo antes
da morte do poeta, que suecedeu em 1864, conserva-se ainda hoje
inédita, ape/ar de varias disposi ões legislatb as da antiga Provincia
e do actual listado d.» Maranhão (Leis: n.
575 de 14 de Março de
1S64 e n. 21.5 de 23 de Fevereiro de iSqt) ) terem já concedido o
necessário credito para sua publicação. Do
precioso livro escolhi
um dos melhores cantos, aquelle
que mais me agrada atravez das
traducções francezas que conhe o: a de líitaubé e a de Mme. Dacier.
•h' o canto XXIII, desenlace e resumo cie toda a
celebre epopéa.—
Conto assim sorprehender agradavelmente os amantes das boas
Iettras gregas, cuidadosamente vertidas
por um mestre da lingua-
gem vernácula.
Reis Carvalho
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13.897
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17.721
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João Moreira de Carvalho
D. Henriqueta Guilhermine Weiss. .
rr r*
S. Antônio do Machado, Minas
Juiz de Fora, Minas
i
40.200 D. Josina Christina Abrantes Theophilo Ottoni, Minas
16.454 Benjamin Coelho Leão. ....:.. S. Miguel Guanhães, Minas
FILIAL EM PORTUGAL:

i
20.099 João José Telhada Santarém
20.291 Lino Joaquim Almeida Aguiar. . . . Lisboa
20.318 D. Maria da Silva Catharino Alpiarça
fl]
^^¦«¦^tl

Este sorteio teve lugar a 16 por ser o dia 15 de Outubro um domingo.

Este plano, de exclusiva invenção da Equitativa, nada tem, em matéria de seguro sobre a vida,
que se lhe avantage.
O exito crescente d'este plano de seguro, como se vê do quadro abaixo, demostra evidentemente
o agrado com que o distingue os proponentes á seguro.
Já foram sorteadas:
em 1902- apólices Rs. 30:000$000
em 1903- apólices Rs. 40:000$000 -
em 1904-27 apólices. . . ... Rs. 107:000$000
em 1905-36 apólices Rs. 165:00O$O00
As importâncias acima citadas foram pagas em dinheiro a vista, sem prejuizo dos contractos que
continuam em pleno vigor.

N. *ò — #VENID# eENTRfUi — N. 43
Edifício de sua propriedade s-;

IO mm J^NOf^O

'"'riT^TT^rf
ÉTMMMMtittÉ^iliilÜMTirííí" im ITiTTTTTT
 KOSMOS

RIO DE JANEIRO
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POR

* F<êêmfaâ dia !I?'

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I Tb/ • A agira filtrada é de utna límpidas perfeita e de um sabor ai/radarel; ella sal dos filtros livre das matérias
Orgânicas que continha em suspensão, e isenta dos gerniens mais ou menos nocivos que ahi viviam desenvOlvendo-se
com prejuiso de suas qualidades. Em conseqüência, concluímos que, a agua subuiettida á filtrarão através dos
filtros examinados por nós. é eminentemente própria a todos os usos domésticos. ?
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O chefe do Laboratório Municipal : Ch. Girard.
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