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- O Túnel
Ele corresponde à transição. Todo ser, para viver, deve começar por se extirpar
de sua matriz original pela passagem estreita que o separa do resto do mundo.
Por esta forte origem simbólica , toda transição é por natureza agonizante. A
perspectiva do Túnel é sinônimo de impotência. Somos privados de qualquer
escolha. Só podemos avançar, pois voltar sobre nossos passos é negar ao
mesmo tempo aquele que éramos e aquele que devemos nos tornar. Em
contrapartida, o pressentimento de uma libertação próxima (a luz no fim do
túnel) traz o reconforto e a esperança necessários para o Aventureiro continuar
a avançar.
-O Lobo
Em numerosas culturas, o Lobo é considerado como uma criatura cthônica
(ligado à Terra e ao Mundo Subterrâneo). Como a Terra, a Loba é fecunda
provedora (N.T.: que alimenta), símbolo da maternidade. O Lobo, por sua vez,
assim como o cachorro é considerado como uma entidade psicopompa (N.T.:
um guia). Ele guia a alma dos defuntos até os infernos. Um dos atributos de
Hades é aliás o manto em pele de Lobo. O ir e voltar entre as profundezas e a
superfície (o mundo dos mortos e aquele dos vivos) faz dele um poderoso
iniciador para o Mago. Sua boca feroz e carniceira devora o noviço e regurgita
o iniciado. De um ponto de vista macroscópico, na Mitologia Escandinava, o
lobo Fenrir mata vários deuses e depois engole Midgard (o mundo dos
homens) para que este possa renascer. Sob seus traços cthônicos, o Lobo
representa então ao mesmo tempo a fatalidade (morte inelutável (N.T.:
inevitável)) e o renascimento (a luz iniciática).
Juntei então meu material: minha varinha, uma vela laranja, uma vela preta,
cinco palitos de fósforo e uma boa dose de cogumelos alucinógenos. Meia
noite, zarpei em direção ao meu Santuário, com um som rolando no walkman.
(Snake in the Grass do grupo The Black Angels, recomendo)
O conceito do ritual era sair para passear nas bordas do Styx na companhia de
Hermes e de Hécate, botar o pé nos Infernos e voltar (só isso...). Chegando no
lugar de meu encontro cósmico, saudei os espíritos do lugar, abri um círculo
(N.T. Banimento da Wicca) e comecei a devorar os encantadores diabinhos de
gosto execrável que permitem aos espíritos noviços captar as mensagens
divinas. Uma vez terminado, comecei a invocação dos Deuses mencionados,
primeiro Hermes (Vela Laranja), depois Hécate (Vela Negra) lendo alguns
versos que eu tinha rabiscado anteriormente em um pedaço de papel (3
fósforos foram sacrificados no processo). Meditei em seguida um tempinho
sobre as correspondências e funções, tentando conceber as duas entidades
nos 3 planos, mental, psíquico e depois físico. Hermes me levará aos Infernos,
Hécate se revezará em seguida. Quando senti que a atenção deles estava
conquistada, apaguei as velas, juntei minhas coisas e, após ter desfeito o
círculo, dei alguns passos para o Oeste antes de desabar, fingindo estar
morto... Eu me divirto às vezes dando aos meus rituais ares de tragédia grega.
- No Túnel do Lobo –
Após somente alguns metros: uma corrente de ar; minha Vela apaga. Eu tinha
voluntariamente restrito o número de fósforos para adicionar um obstáculo à
minha aventura noturna. Cinco é um bom número, profundamente mercuriano;
tenho fé nele para me levar ao fim do desafio. Risco o último fósforo no escuro
sorrindo: não consigo me impedir de me identificar com Bruce Willis no clássico
de Luc Besson o 5º elemento (Veja! Mais um 5...). Reacendo a Vela preta com
sucesso. Agora, protejo-a fazendo muralha contra meu corpo. Não estou com a
mínima vontade de ficar no breu total. Avanço lentamente. Tomo cuidado para
não pisar nas poças de água estagnada. As sombras dançam nas paredes.
Tenho certeza agora: estou cercado de fantasmas. Sinto a angustia crescer...
Qual o tamanho deste Túnel? Tem realmente uma saída do outro lado? De
repente um “PLUFF’”. Tenho certeza que escutei. O Lobo se aproxima, sinto a
sua presença ameaçadora. No mesmo momento, uma outra corrente de ar.
Estou embaixo de uma boca de aeração. A chama treme, quase me abandona.
Estou realmente com medo. O que é engraçado com os cogumelos é que a
realidade física e aquela do sonho se misturam e parecem... Ou melhor, são
tão verdadeiras uma quanto a outra. Eu me apoio contra a parede, e,
protegendo a minha vela, recito (aproximadamente) a litania contra o medo tão
querida pelos caoístas (aquela do Rito Bene Guesserit de Duna 1). A partir
desse momento, coisa estranha, o resto do percurso ficou meio confuso na
minha memória... A única lembrança que tenho é dessa espécie de galho caído
numa poça no meio do túnel, me lembro de ter me abaixado para ver e ter visto
um cadáver reduzido no interior, uma espécie de múmia em um barco
funerário...
Desde o meu começo eu tinha adquirido certa afinidade com Hermes. Por outro
lado, era a primeira vez que eu tratava com Hécate. A minha primeira intenção,
de me causar medo foi a origem do que eu considero ter sido meu Ritual
Iniciático. Fazer o Guardião da Fortaleza atravessar um Túnel, guardando a
chama acesa durante todo o percurso, é o princípio da Iniciação. Existem
métodos mais ou menos extremos para fazê-lo, mas o mais recompensador é
fazer do seu jeito.
-N o z c K o –
NKoC
1 Litania contra o medo Bene Guesserit: “Eu não conhecerei o Medo, pois o
Medo mata o espírito. O Medo é a pequena morte que conduz a obliteração
(N.T.: esquecimento) total. Eu enfrentarei o Medo. Eu permitirei que ele passe
por mim, através de mim. E quando ele tiver passado, virarei meu olho interno
para frente. E aonde ele tiver passado, não haverá mais nada. Nada além de
mim.